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Bugiada e Mouriscada de Sobrado: a festa como património Manuel Pinto Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Rita Ribeiro Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Maria João Nunes Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Emília Araújo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, era@ ics.uminho.pt Luís Santos Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Luís Cunha Centro em Rede de Investigação em Antropologia-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Albertino Gonçalves Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Moisés Martins Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Jean-Yves Durand Centro em Rede de Investigação em Antropologia-Universidade do Minho, Portugal, [email protected] Resumo A festa de S. João de Sobrado, também designada como Bugiada e Mouriscada, é uma manifestação cultural que se enquadra nas festividades populares cíclicas e nas “festas ou danças de mouros e cristãos”. Realiza-se anualmente no dia 24 de Junho, na vila de Sobrado, concelho de Valongo, no noroeste de Portugal. Trata-se de uma manifestação cultural multidimensional e de grande densidade simbólica e social que se encontra em processo de estudo científico sistemático e exaustivo. Pretende-se, assim, apresentar de forma sucinta os elementos fundamentais desta festividade, e reflectir sobre a sua classificação como património cultural, considerando o seu relevo como marcador identitário da comunidade local. Palavras-chave: Bugiada e Mouriscada; Festividade; Património; Comunidade. Introdução As festividades cíclicas ligadas a celebrações religiosas e comunitárias têm sido analisadas, em Portugal, em diversos domínios das ciências sociais e humanas e sob múltiplas perspectivas. Hoje é assinalável o quadro analítico consolidado sobre os elementos socio- antropológicos que as compõem e estruturam e que permitem pensar nestas manifestações como formas ou dimensões do património cultural. Continuam, todavia, sem estudo algumas festividades que, reproduzindo grandemente tais componentes, revelam características que são merecedoras de descrição e análise adicionais. A festa de S. João de Sobrado, no concelho de Valongo, é uma destas manifestações da cultura popular festiva, marcada por elementos de grande singularidade. Também designada como Bugiada e Mouriscada, esta festa, com origem pouco definida no tempo estando documentada pelo menos desde o século XIX e integrando elementos análogos aos de outras festividades com grande relevância e lastro histórico, realiza-se anualmente no dia 24 de Junho, na vila de Sobrado, concelho de Valongo. Trata-se de uma manifestação complexa e multidimensional, com

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CONHEÇAO NOVOSÓCIO

R e v i s t a d a E s c o l a d e A d m i n i s t r a ç ã o - U F R G S - a n o 4 - n o 10

SAFRA DEAVANÇOS

R e v i s t a d a E s c o l a d e A d m i n i s t r a ç ã o - U F R G S - a n o 4 - n o 10

Como oagronegócio

evoluiu ecresceu no

Brasil

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n e s t e n ú m e r o

CAPASAFRA DE AVANÇOS

ADMINISTRAÇÃO NO MILÊNIO é uma publicação da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande doSul Tiragem: 5.000 exemplares | Endereço: Rua Washington Luiz, 855 - Porto Alegre - RS - Brasil - CEP 90010 - 460Fone: (51) 3316.3536 | Fax: (51) 3316.3991 | Homepage: www.ea.ufrgs.br | E-mail: [email protected]: Prof. João Luiz Becker | Vice-diretor: Prof. Paulo César Delayti Motta | Diretor CEPA: Prof. FernandoBins Luce | Vice-diretor: Luiz Carlos Ritter Lund | Coordenador PPGA: Prof. Luís Felipe Machado Nascimento |Coordenadora-substituta: Profa. Lilia Maria Vargas | Coordenação de Comunicação Social: Prof. Roberto Lambe Márcia Barcelos Silva | Coordenação, produção e edição: Anamara Bolsson Reportagem: Sílvia Lisboa | Fotos:Cafrune Gosch | Diagramação: Luciano Seade | Impressão: Nova Prova |

Capa: Luciano Seade sobre foto de Cafrune Gosch

8Evolução no campo

19 D e s e n v o l v i m e n t oInterdependência edinâmica dos agronegóciosPor Antonio Domingos Padula

21 C o o p e r a t i v i s m oOs desafios doséculo XXIPor Tânia Nunes da Silva

20 E v o l u ç ã oDa sociedade ruralao agronegócioPor Eugênio Ávila Pedrozo

22M e r c a d oVinho Brasileiro:Más Notícias e Bons PresságiosPor Jaime Evaldo Fensterseifer

14 P e r f i lACGO - Os mapasda mina

16 E n t r e v i s t aMarcus Vinícius Pratini deMoraesA agropecuária em busca damaturidade6 M u n d o n a E A

Professores estrangeirospromovem seminários

4 F a t o s & O f í c i o sJovens empreendedores se reúnemno Rio Grande do Sul

3 E d i t o r i a lUm outono diversoPor João Luiz BeckerDiretor da EA/UFRGS

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Um outono diversoCaros le i tores ,

O outono se fez diverso na Escola de Administração e na edição da revistaAdministração do Milênio. Nesta estação brotaram e se desenvolveram açõesque contradizem os efeitos da sazonalidade na natureza. Enquanto nossos jovensempreendedores, estudantes de graduação, organizavam o maior Encontro deEmpresas Juniores da Região Sul, recebíamos destacados mestres e doutorespara seminários internos em nossa Escola. Sempre idéias novas a debater e ainstigar.

Por esta mesma razão muitos de nós viajamos ao Exterior em busca de novoscontatos, novos aprendizados e para consolidar nossas relações de cooperação eintercâmbio que mantemos e avançamos com algumas das mais importantesescolas de Administração do mundo. Mas a questão principal, tema desta repor-tagem de capa, e motivo de pesquisa e estudo de nossos professores, mereceuatenção especial.

O avanço do agronegócio no Brasil nas últimas décadas tem sido acompa-nhado com especial interesse pela Escola de Administração da UFRGS e mere-cido estudos de nossos professores e alunos. Pesquisas de fôlego avançarampelos vinhedos, pelas cadeias produtivas da avicultura, pela fruticultura, pela in-dústria de máquinas agrícolas. O ganho de produtividade nas lavouras, a moder-nização na gestão do agronegócio e a adoção de novas tecnologias têm sidoobjeto de estudo e questionamentos permanentes, mas já não surpreendem.

Imerso na competitividade acelerada que roda um mundo cada vez menor, oBrasil reafirma sua vocação agrícola nascida da gigantesca extensão de terrascultiváveis e fertéis. Que o mundo do agronegócio brasileiro mudou e avançounão há dúvida. Nossa reportagem de capa mostra como o país conseguiu chegarlá. Nossos mestres dedicados ao tema assinam artigos que contextualizam ereafirmam esta realidade. E esta é uma boa notícia!

Boa leitura!Prof. João Luiz Becker

Diretor da EA/UFRGS

e d i t o r i a l

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f a t o s & o f í c i o s

JOVENS EMPREENDEDORES SEREÚNEM NO RIO GRANDE DO SUL

Com o tema “Empreender para evo-luir” o XIII Encontro Sul-Brasileiro deEmpresas Juniores – ESEJ 2005 se rea-lizou de 26 a 29 de maio em Porto Ale-gre, no Salão de Atos da Reitoria daUniversidade Federal do Rio Grande doSul. O evento reuniu um público recordede 800 pessoas. Participaram acadêmi-cos em Administração, empresários, pro-fessores e nove palestrantes do Brasil edo Exterior, entre os quais Sérgio Pretto,diretor de Tecnologia do TerraLycos,Homero Amato, vice-presidente do gru-po Catho para o Brasil, Robert Wong,um dos hedhunters mais destacados domundo e Bob Wellheim, especialista eminternet na América Latina e considera-do um serial empreeendedor.

Promovido anualmente nas principaiscapitais e cidades da Região Sul, o ESEJpromove workshops, palestras e a trocade experiências em empreendedorismo.Devido ao crescente interesse pelo tema,a edição de 2005 ofereceu um maiornúmero de vagas para participantes ex-ternos. A edição deste ano esteve a car-go da PS Junior Consultoria Empresari-al, da Escola de Administração daUFRGS, e da Objetiva Junior, da Uni-versidade Federal de Santa Maria. Oevento foi aberto pelo vice-governadordo RS, Antônio Holhfeldt. O ESEJ 2005teve o apoio e patrocínio de Sebrae,Banrisul, Yoki, Brasilprev, BRDE, CTAContinental, Solidus AS, Caixa RS e go-verno do Estado do Rio Grande do Sul.

Antônio Hohlfe ldt ,Antônio Hohlfe ldt ,Antônio Hohlfe ldt ,Antônio Hohlfe ldt ,Antônio Hohlfe ldt ,v i ce -gove rnado rv i ce -gove rnado rv i ce -gove rnado rv i ce -gove rnado rv i ce -gove rnado rdo Rio Grande Dodo Rio Grande Dodo Rio Grande Dodo Rio Grande Dodo Rio Grande DoSul recebeu LúcioSul recebeu LúcioSul recebeu LúcioSul recebeu LúcioSul recebeu LúcioMauro Groch,Mauro Groch,Mauro Groch,Mauro Groch,Mauro Groch,Leonardo Gonçal-Leonardo Gonçal-Leonardo Gonçal-Leonardo Gonçal-Leonardo Gonçal-ves e Raffaelaves e Raffaelaves e Raffaelaves e Raffaelaves e RaffaelaMartins, da EA/Martins, da EA/Martins, da EA/Martins, da EA/Martins, da EA/UFRGS ,UFRGS ,UFRGS ,UFRGS ,UFRGS ,organizadores doorganizadores doorganizadores doorganizadores doorganizadores doXIII ESEJ 2005XIII ESEJ 2005XIII ESEJ 2005XIII ESEJ 2005XIII ESEJ 2005

PÓS-DOUTORADOO professor Norberto Hoppen

vai realizar estágio de pós-doutora-do no IAE-UPMF, em Grenoble,França, no período de julho de 2005a fevereiro de 2006, custeado peloacordo CAPES-COFECUB. A pro-fessora Maria Schuler realiza desdemarço passado pós-doutorado emSão Paulo.

Convidada pelo reitor do Insti-tuto Nacional do Trabalho e da For-mação Profissional, da França, aprofessora Rosinha MachadoCarrion proferiu palestra no semi-nário “As regulações sociais emmetamorfose: atores, conflitos,eficácias”em Curitiba, em maiopassado. Ela falou sobre economiasocial a um grupo de empresários,sindicalistas e jornalistas.

A direção do Programa de Pós-Graduação da Escola de Adminis-tração das UFRGS recebeu, emmaio passado, a visita de audito-res da Associação Nacional dosMBAs (ANAMBA). A entidaderecomendou a certificação doMestrado Profissional do PPGA/EA/UFRGS pelo padrão de quali-dade verificado.

O Banco do Brasil contratou aEscola de Administração para ofe-recer um curso de especializaçãoà distância para seus funcionári-os de agências nos Estados do RioGrande do Sul, Santa Catarina eParaná. Quase ao mesmo tempo,a instituição bancária abriu vagasexclusivas para estagiários daEA/UFRGS.

Estudantes de ensino médio nem sempre têm todas as informações neces-sárias para escolher a futura carreira e optar por um curso superior. Para auxi-liar nesta tarefa, a Escola de Administração mantém desde 2001 o projeto “Bus-cando Talentos”. Em quatro anos foram realizadas 43 palestras para cerca de4,5 mil alunos de ensino médio que se preparam para escolher um curso degraduação.

Dirigido às escolas de ensino médio e fundamental de Porto Alegre e RegiãoMetropolitana, o projeto tem como objetivo apresentar aos alunos de escolaspúblicas e particulares, o curso de Administração. O técnico-administrativo daEA/UFRGS, Rubens Ruaro, realiza palestras nas escolas sobre o curso, suaspeculiaridades, ênfases e o mercado de trabalho. O projeto “Buscando Talen-tos” é itinerante e funciona do mês de março até o último dia de inscrição parao vestibular da UFRGS. As visitas, sem custos, devem ser agendadas com aárea de comunicação social da Escola de Administração da UFRGS pelo [email protected] ou pelo telefone (51) 3316-3133.

CONVITE

CERTIFICADO

EM BUSCA DE TALENTOS

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CONTRATADA

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f a t o s & o f í c i o s

A 8ª Conferência Internacional dogrupo de interesse em sistemas de apoioà decisão da Associação de Sistemasde Informação – DSS’ 05 vai se reali-zar pela primeira vez na América do Sul.De 12 a 15 de julho próximo, Porto Ale-gre, vai sediar o evento bienal, que estásob a coordenação e organização daEscola de Administração da UFRGS.As edições anteriores da DSS aconte-ceram em países da Europa, Oceania,Ásia, e América do Norte. Esta confe-rência é dirigida a pesquisadores, estu-dantes e profissionais.

O evento já conta com a apresenta-ção de 30 trabalhos de pesquisadores de

DSS 2005 EM PORTO ALEGRE

É intensa a participação de professores e alunos da Escola de Administra-ção e do Programa de Pós-Graduação em eventos pelo mundo. Além daapresentação de trabalhos na Espanha, Itália, Áustria, e Alasca foram realiza-das visitas a instituições de ensino para a intensificação de intercâmbios.

O diretor da EA, João Luiz Becker, e o coordenador do PPGA, Luiz FelipeMachado do Nascimento participaram do 3° Congresso do Instituto Franco-Brasileiro de Administração de Empresas (IFBAE) realizado em maio últimoem Grenoble, França. O evento, promovido pela Escola de Negócios deGrenoble em parceria com o PPGA/EA, contou ainda com a participação daprofessora Valmíria Piccinini, integrante da Comissão Organizadora do IFBAE.Ainda na França, Becker e Nascimento visitaram a Escola de Altos EstudosComerciais (HEC), em Paris. Na Espanha, intensificaram contatos na Univer-sidade Autônoma de Madri, na Universidade Complutense de Madr,i e naEscola de Administração de Empresas de Barcelona com o objetivo de inten-sificar intercâmbio de alunos, professores e dar início ao processo de dupladiplomação na graduação.

A professora Edi Fracasso representou a EA no The Business Associationof Latin American Studies (BALAS), em Madri , onde.o doutorando do PPGA,Luciano Barin, e o aluno da graduação, Daniel Fernandes apresentaram traba-lhos. Edi esteve também em Viena, Áustria, com o professor Paulo Zawislack.Ambos e o doutorando Eduardo Raupp Vargas apresentaram artigos noInternational Association for Management of Technology (IAMOT).

Cristiane Pizzutti dos Santos, professora da EA e do PPGA, apresentouum trabalho na 34ª Conferência da European Marketing Academy (EMAC)em Milão, Itália, e foi à Espanha, na Universidade Pública de Navarra parauma pesquisa conjunta na área do e-business.

O doutorando Carlo Bellini apresentou na 6th Annual Global InformationTechnology Management World Conference (GITM 2005) no Alasca, artigosrealizados em parceria com os colegas Guilherme Lunardi, Jorge L. Henriquee Ana B. Manssour, e o trabalho de Rita C. Pereira. Bellini recebeu o prêmioOrganizational Leadship Award pela coordenação das sessão de trabalhos.

EA PELO MUNDO

países como Argentina, Aus-trália, Brasil, Chile, Coréia,EUA, França, Irlanda e Rei-no Unido. Participam comoconvidados especiais os pro-fessores George Wrigth, daUniversidade de Durham,Reino Unido, e Pitu B.Mirchandani, da Universida-de do Arizona, EUA.

No comitê de organiza-ção e no apoio científico es-tão os professores Antônio Carlos Ma-çada, Denis Borestein, NorbertoHoppen, João Luiz Becker e Márcia B.Santos, da EA/ UFRGS. O evento se

realizará no Hotel Sheraton. Mais infor-mações e inscrições podem ser obtidasno endereço http://www.ufrgs.br/dss2005/

Foi lançada a edição internacionalda 42ª Revista Eletrônica da Adminis-tração (READ), com o tema “Gestãoda Tecnologia”. A revista, editada eminglês sob a coordenação do profes-sor Luís Felipe Nascimento (foto), trazartigos de professores e alunos do Pro-grama de Pós-Graduação da Escola deAdministração da UFRGS e de pes-quisadores internacionais e nacionais.O conteúdo da revista e de edições an-teriores está disponível no sitewww.read.ea.ufrgs.br Além do lança-mento a READ obteve a confirmaçãodo registro da marca.

LANÇADA 42ªREAD ESPECIAL

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E A n o m u n d o

OS NÓS DA TI NAS EMPRESAS

Antes de palestrar sobre gestão decompetências na Escola de Administra-ção, Didier Retour, professor de Recur-sos Humanos da Universidade deGrenoble (França), foi indagado se otema em questão não passava de um mo-dismo. “Não”, respondeu cordialmenteo professor. “Caso contrário não estariadiscutindo o assunto há mais de 20 anos”,afirmou. A gestão de competências nãoé um conceito passageiro e está prestesa promover uma revolução no estudo dosrecursos humanos, segundo Retour.

Após um período em que o foco eradeterminar as competências dos cargos,hoje as atenções se voltam para os indi-víduos. “Hoje, um posto de trabalho devemobilizar todas competências de um pro-fissional e não só as que o cargo requer”,explica o professor. “Na França, nessemomento, estão sendo feitas pesquisassobre como estimular as competências“potenciais” em executivos”, antecipa.

Outra questão importante refere-seàs competências coletivas, ainda sub-exploradas na opinião do pesquisador.“Fiz um estudo numa empresa e consta-tei que os profissionais que trabalhavamnos finais de semana eram mais compe-tentes do que aqueles que trabalhavamde segunda à sexta”, conta Retour.

TODAS AS COMPETÊNCIAS SÃO NECESSÁRIAS

Professor Didier Retour, da Universidade de Grenoble, França, em palestra na EAProfessor Didier Retour, da Universidade de Grenoble, França, em palestra na EAProfessor Didier Retour, da Universidade de Grenoble, França, em palestra na EAProfessor Didier Retour, da Universidade de Grenoble, França, em palestra na EAProfessor Didier Retour, da Universidade de Grenoble, França, em palestra na EA

Xenophon Koufteros apresentou estudosXenophon Koufteros apresentou estudosXenophon Koufteros apresentou estudosXenophon Koufteros apresentou estudosXenophon Koufteros apresentou estudossobre o impacto da TI no corporaçõessobre o impacto da TI no corporaçõessobre o impacto da TI no corporaçõessobre o impacto da TI no corporaçõessobre o impacto da TI no corporações

No final de semana a hierarquia eramenos rígida, os profissionais tinham maisautonomia e se ajudavam mais. Isto é,havia mais competência coletiva influ-enciando o desempenho individual. Parao professor, o desafio é criar ferramen-tas menos individualistas para o desen-volvimento dessas capacidades, como

premiações em dinheiro para uma áreae estímulo à cooperação. Essa postura,de acordo com Retour, contribui para de-finir as competências estratégicas deuma organização. “Entender a vocaçãode uma empresa ajuda na tomada de de-cisões, como a definição de foco e o queela deve terceirizar”, conclui.

Xenophon Koufteros, professor daFlorida Atlantic University e especialistaem Tecnologia da Informação, afirmaque a maioria das empresas não sabeusar os sistemas disponíveis hoje no mer-cado. Para o pesquisador – que esteveem visita à Escola de Administração daUFRGS, para apresentar seus estudossobre os impactos da TI no dia-a-diacorporativo – a falta de treinamento dosusuários e a complexidade de algunssoftwares são os maiores vilões. “Amaioria das empresas não utiliza ou nãoconhece todos os benefícios da TI”, afir-mou. “Utilizam a tecnologia apenas paraprocessos operacionais, ao invés de usá-la com propósito tático e estratégico”.

Segundo o professor, a solução seriainvestir em treinamento, medida que pou-

cas empresas adotam ao implantar umsistema. “Quase nunca são previstos re-cursos para treinamento, ou são pensa-dos no fim do processo, quando não setem mais dinheiro mesmo”, diagnostica.“Pode-se ter o melhor sistema do mer-cado, mas sem treinamento ele será sub-utilizado”, conclui.

O problema se torna ainda maior de-vido à complexidade de alguns softwareshoje no mercado. De acordo comKoufteros, alguns são tão complexos queos profissionais não têm noção de comoas decisões que tomam têm impacto nosprocessos ou nos outros usuários do sis-tema. Por isso, é preciso avaliar a com-plexidade dos sistemas antes de comprá-los, avisa o acadêmico. “Funcionalidadedemais pode acarretar confusão”.

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c a p a

EVOLUÇÃONOCAMPO

Como e porque oagronegócio se tornou osetor mais importante daeconomia bras i le i ra

O Brasil tem ama i o rextensão de ter rascul t iváveis doplaneta e umcl ima t ropicalpropíc io àplantação de umaenorme var iedadede cul turas

Durante muitos anos o Brasil resistiu à imagemde produtor de commodities agrícolas. Mesmo donoda maior extensão de terras cultiváveis do planeta ede um clima tropical propício à plantação de umaenorme variedade de culturas, era quase consensoque a agricultura nunca tiraria do país o rótulo desubdesenvolvido. “Os governos gastaram fortunase endividaram-se num esforço de industrializar oBrasil porque consideravam que esse era o únicocaminho do crescimento”, constata Homero Dewes,professor do Instituto de Biociências e membro doCentro de Estudos e Pesquisas em Agronegócio(Cepan) da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS).

De fato, a agricultura sozinha é incapaz de alçaro país a tão almejado status. Mas é impossível pen-sar hoje no crescimento do Brasil sem o setor pri-mário como locomotiva. Sua importância é indiscu-tível. Entre 1990 e 2002, o PIB do agronegócio cres-ceu mais do que o PIB do país – 3,18% ao anoante 2,71%. No período entre 1999 e 2002, a somade todos os bens e serviços que envolviam a cadeiaagropecuária foi quase duas vezes maior que a dosdemais setores juntos. Atualmente, é também o seg-mento que mais contribui com a balança comercial,um dos indicadores que atesta a saúde econômicado país.

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O Clube dos Produtores Sonae criou um selo dequalidade garantindo ao consumidor que a produ-ção dos alimentos foi monitorada de perto e segueos mais rigorosos padrões de qualidade, higiene ecuidado ao meio ambiente. A responsabilidade so-cial dos produtores também passa pelo crivo da rede.Quem for pego utilizando mão-de-obra infantil oumantiver contratos precários de trabalho com seusempregados é convidado a se retirar do clube.

Para fazer parte da rede, os produtores são visi-tados periodicamente por técnicos do Sonae queavaliam os métodos de produção dos alimentos con-forme 36 requisitos de qualidade. Caso o agricultornão alcance a nota máxima nos itens, é imediata-mente avisado e recebe uma consultoria parareavaliar processos e instalações. A vantagem paraos produtores é, além da assistência periódica, dis-por de um imenso mercado para vender seus pro-dutos sem intermediários. “Há produtores que co-meçaram fornecendo somente para uma das lojasda rede e hoje fornecem para todas as lojas da ca-pital”, relata Biondo. “Existem casos de agriculto-res que tinham um faturamento mensal de cerca deR$ 1,5 mil e saltaram para R$ 20 mil”.

A agricultora Alessandra Capssa Costa, donada Broto Gaúcho, afirma que fazer parte do Clubedos Produtores Sonae marcou uma nova fase doseu negócio. A empresa, que produz brotos de fei-jão, alfafa, agrião, entre outros, deixou para trás osmaus momentos e, com a segurança de fazer partedo Clube, planeja um novo galpão e aumento daprodução. Desde 1999, quando iniciou o negócio, aprodução vem num constante crescimento, saltoude 4,5 mil unidades para cerca de 300 mil previstaspara esse ano. Em 2004, faturou R$ 220 mil.

Alessandra lembra, porém, que até entrar parao Clube mantinha contratos com redes que esta-vam inviabilizando a continuidade da produção. Aexigência da venda consignada e o grande volumede produtos pedido pelos supermercados, muito su-perior ao que os atacadistas vendiam, faziam comque o agricultor arcasse com os custos de uma pro-dução que, na maioria das vezes, não se pagava.“Ainda hoje, vejo colegas passar o trator por cimada plantação, porque é melhor destruir do que ven-der por um preço baixo demais ou porque não têmpara quem entregar”, conta.

O Clube dosP rodu to r e s ,c r iado pela redeSonae, garantecom um selo aqualidade e ocumprimento der ígidas normasde higiene, saúdee cuidado aomeio ambiente

As bases para assegurar a competitividade daagropecuária brasileira por mais algumas décadas,portanto, já estão lançadas. O país conta hoje compelo menos duas das três condições necessárias paraser um produtor de commodities competitivo: temescala e incorporou a luta permanente para reduzircustos de produção. O maior desafio do setor agoraé diferenciar-se de alguma forma.

Alguns segmentos do agronegócio saíram nafrente nessa corrida, como algumas cooperativas,supermercados e cadeias produtivas que souberamaproveitar a conjuntura favorável das últimas déca-das, driblaram entraves internos, encontraram solu-ções novas para velhos problemas e já alçam altosvôos para garantir um lugar ao sol no mundoglobalizado.

Rede da confiançaO ganho de competitividade do agronegócio nos

últimos anos também se refletiu no amadurecimen-to, embora ainda não generalizado, das relações en-tre quem compra e quem produz. Isso se dá quandoa indústria ou o varejista dita tendências e promoveo desenvolvimento de produtores que, sozinhos, nãoteriam condições de evoluir.

O caso mais exemplar é o da rede portuguesade supermercados Sonae. Há três anos, a compa-nhia criou o Clube dos Produtores Sonae. O objeti-vo foi formar um canal de contato direto entre for-necedores de alimentos perecíveis e assim garantira qualidade das frutas, verduras, legumes, carnes elaticínios oferecidos nas gôndolas dos supermerca-dos – um dos poucos espaços em que varejistasainda encontram para diferenciar-se da concorrên-cia. “Os consumidores estão cada vez mais interes-sados em saber e ter certeza da qualidade dos pro-dutos que consomem. Essa é uma tendência mun-dial”, avalia Ari Biondo, gerente de agronegócios doSonae.

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O Clube de Produtores quebrou essa lógica. Se-gundo o gerente do Sonae, a prática dos grandesvarejistas não convive com a qualidade, principaldemanda do consumidor final. Hoje, o clube reúnemais de 300 pequenos e médios produtores em todoo Estado e tem a meta de expandir em 20% essenúmero a cada ano para suprir as novas lojas queestão sendo inauguradas na capital e interior do Es-tado. Uma das apostas do clube são os fornecedo-res de produtos diferenciados. Hoje, garante Biondo,o consumidor não precisa ir até Pelotas para sedeliciar com os doces típicos da cidade ou subir aSerra para comprar queijos coloniais. Carnes exóti-cas, como cabrito e coelho, também são encontra-das resfriadas nas gôndolas do Nacional.

Clones salvadoresA tecnologia salvou a indústria de celulose. Até

meados da década de 90, as grandes fabricantes dosetor não tinham como planejar a produção devidoà qualidade da matéria-prima, o eucalipto. Quandoas toras chegavam para o processamento, ninguémsabia o que poderia sair dali, se papel higiênico oupapel para escrever. Era uma loteria. Sem contarcom a quantidade de produtos químicos exigido noprocessamento. “Havia árvores que cresciam bem,mas a madeira não era de boa qualidade, sendo queoutras eram mais frágeis, mas tinham fibras melho-res”, explica Teotônio de Assis, consultor em me-lhoramento genético da Aracruz, de Guaíba, no RioGrande do Sul, ex-Riocell.

A solução veio de uma técnica muito usada naagricultura, a clonagem. O método, usado em cul-turas como a mandioca e cana-de-açúcar, permitiupadronizar as florestas plantando cópias da melhorespécie de eucalipto. Os pesquisadores fizeram umcruzamento da espécie mais resistente a pragas comaquela que carregava mais fibras na sua madeira.Dali, extraíram clones e plantaram florestas gigan-tescas de uma árvore só.

A produtividade da fábrica de celulose dobrou,ganhou muito mais qualidade e capacidade de pla-nejamento – hoje a Aracruz é a maior produtoramundial de celulose branqueada de eucalipto. “OBrasil se tornou referência em clonagem deeucalipto porque adaptou a técnica a uma escalaindustrial”, afirma Assis.

Atualmente, todas as indústrias de celulose pre-sentes no país detêm esta tecnologia. De acordocom o engenheiro florestal, o que as diferencia é omaterial genético que está em permanente evolu-ção.

“A TECNOLOGIA SALVOU A INDÚSTRIA

DE CELULOSE NA DÉCADA DE 90 COM O

MÉTODO DA CLONAGEM DAS MELHORES

ESPÉCIES DE EUCALIPTOS”

Teotônio de Assis ,consul tor deme lho ramen togenét ico daAracruz, no RS,nas estufas doHorto BarbaNegra, em Barrado Ribei ro, berçode gigantescasf lorestas de umasó árvore .

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Até a década de 70, a indústria brasileira de vi-nhos, em que o RS tem uma participação de maisde 90%, tinha um comportamento letárgico. Produ-zia apenas vinho comum para abastecer o mercadointerno. A entrada das multinacionais nessa época,porém, sacudiu o mercado e as vinícolas nacionaispassaram a se profissionalizar para não serem bani-das do seu próprio espaço. O processo caminhavaainda a passos lentos quando o país derrubou astarifas de importação. O setor quase foi engoli-do pelos concorrentes internacionais, principal-mente pelos da Argentina e do Chile. “A quali-dade passou a ser uma preocupação que atéentão não era, com mais atenção à uva”, afir-ma Jaime Evaldo Fensterseifer, professor daEscola de Administração da UFRGS emembro do Centro de Estudos e Pesquisasem Agronegócios (Cepan).

Os vinhos nacionais pagaram caro poresses anos de pasmaceira e por uma tribu-tação de quase 50% que os deixa de mãosatadas. Hoje, dois terços do consumo bra-sileiro de vinhos finos são de garrafas im-portadas. O resultado disso é que, aindahoje, a indústria nacional vende 60% do vi-nho a granel, em caminhões-tanque. “Esteprocesso tem um efeito negativo para o pro-dutor porque quem fixa o preço não é ele.Muitas vezes, não consegue vender nem

Em busca de uma saída

pelo preço mínimo”, afirma o professor. Na brigapor qualidade, Fensterseifer lembra que na ca-deia do vinho qualidade e produtividade andamem sentido contrário. O pequeno produtor, entre-tanto, ainda não enxergou como pode ganhar maisplantando menos.

Apesar de tantas más notícias, o professor,que acompanha de perto o setor há alguns anos,

está esperançoso. “A cadeia do vinho está cri-ando a base para dar um grande salto”, afir-ma. Depois de um período de muitas recla-mações e pouca ação, conta, o segmento estábuscando soluções internas. As vinícolas es-tão se unindo para resolver os problemas do

setor. Um exemplo é o consórcio de expor-tação promovido pela Apex (Agência dePromoção de Exportação) e pelo Sebrae,que abriu as portas do mercado externopara um punhado de empresas gaúchas.

Na opinião de Fensterseifer, o cami-nho da exportação resolverá dois proble-mas congênitos do vinho brasileiro: rece-bendo reconhecimento lá fora, automati-camente passará a ser visto com outrosolhos pelo mercado nacional, podendo atéalcançar o status de alimento, o que fariaa tributação cair consideravelmente. “Nos-so espumante não deixa nada a dever aosimportados”, aposta.

c a p a

No futuro, relata Assis, a técnica será aembriogênese somática: clones chegarão ao estágiode embrião para serem transformados novamenteem sementes. “Vai acelerar a produção de clones ereduzir os custos de produção pois as sementes se-rão feitas aos milhões em pequenos laboratórios”,explica. Hoje, para produzir os clones na velocidadeque a fábrica precisa, são necessárias enormes es-tufas. O novo método vai aumentar ainda mais aprodutividade das florestas. A expectativa é que, em2010, um hectare de floresta produza 16 toneladasde celulose por ano – hoje produz 12 toneladas.

Choque de gestãoUm ano após o Plano Real, em 1994, a agricultu-

ra brasileira viveu um dos seus momentos mais dra-máticos. A invasão de produtos importados – artifí-cio usado pelo governo para equilibrar os preços dosprodutos nacionais e, assim, pôr fim à inflação – so-mada a uma safra recorde, que fez desabar os pre-ços, e a juros estratosféricos provocaram o efeito deum terremoto para os produtores rurais.

Muitos entregaram os pontos, outros, porém, mes-mo soterrados em dívidas usaram a crise para reverconceitos. Foi o caso da Cooperativa Agropecuáriado Alto Uruguai, a Cotrimaio, com sede em Três deMaio (RS). A cooperativa decidiu dar uma guinadana sua forma de gestão a fim de buscar soluçõesinternas que amenizassem os efeitos da crise.

A reestruturação começou com umaprofissionalização na administração da cooperativa,que tem 21 filiais, além de silos, lojas de insumos,supermercados e até postos de combustíveis numaárea que abrange 25 municípios do Estado. “Cria-mos unidades estratégicas de negócios que unifica-ram nossas principais operações, como compra,venda, produção e administração financeira”, expli-ca Antônio Wünsch, presidente da cooperativa. An-tes do choque de gestão, conta Wünsch, havia dis-putas entre as filiais uma vez que cada uma tinhaum gestor próprio tomando decisões individualmen-te. “Isso gerava uma tremenda confusão de infor-mações e perdas”, lembra o presidente, que assu-miu o comando nos anos 90.

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Mas não foi apenas a gestão interna da coope-rativa que foi reestruturada. Externamente, aCotrimaio se voltou para o mercado. Um exemploda nova fase é a soja orgânica e rastreada, um doscarros-chefe. A cooperativa decidiu abolir ostransgênicos de parte de suas lavouras depois queum importador francês em visita à cooperativa deua dimensão do mercado europeu para alimentos or-gânicos. Curiosos, representantes da cooperativa fo-ram atrás do filão na feira alemã Biofach, a maisimportante do setor. Hoje, 70% da produção da sojaexportada têm a pureza certificada.

Embalada pelo sucesso da estratégia, a Cotrimaiodeve se manter no mesmo caminho. A cooperativa,junto com outros dois parceiros, aguarda uma res-posta do BNDES para construir uma usina debiodiesel orçada em R$ 16 milhões.

Laços da eficiênciaUm dos setores que mais soube aproveitar a

conjuntura que se delineou após a abertura comer-cial do país no início dos anos 90 foi a avicultura. “OBrasil inundou o mundo de frango”, lembra AntônioDomingues Padula, professor da EA/UFRGS. Acadeia produtiva do frango gaúcha largou na frentenesse período. De acordo com Paulo Vellinho, vice-presidente da Avipal, uma das três maiores indústri-as de aves do Brasil, o RS precisou buscar novosmercados externos devido à dificuldade logística ematender outros Estados brasileiros e, ainda por cima,ser competitivo com a indústria de aves paulista,mineira e capixaba. Essa necessidade forçou o se-tor a fazer o máximo com o mínimo.

Para compensar a falta de domínio da tecnologia– o país é importador de matrizes –, a indústria tra-tou de ser eficiente no resto. O primeiro passo foimonitorar de perto a criação de pintinhos nas pe-quenas propriedades. Apesar de ter grandes expor-tadoras na ponta, a cadeia da avicultura é formadapor milhares de pequenos produtores que entregamo frango pronto para o abate. O sistema se mantémigual até hoje, porém, nos últimos 20 anos, produto-res e indústrias estreitaram o relacionamento a talponto que praticamente não se escutam reclama-ções de nenhum dos lados.

“A avicultura gaúcha é bastante importante doponto de vista econômico, movimentando cerca deR$ 3 bilhões por ano, mas se vista pelo lado social,sua importância é ainda maior”, afirma Vellinho, re-ferindo-se às 850 mil famílias que retiram seu sus-tento dessa cadeia. A sintonia do segmento avícolaganha ainda mais destaque se comparado abovinocultura, em que se arrasta uma rixa centená-ria entre frigoríficos e criadores, embora o cresci-mento do setor, na última década, propiciado pelosgrandes produtores.

O esforço conjunto acelerou o tempo para aba-te do frango. Hoje, a vida de uma ave é de apenas

Paulo Vel l inho,v i ce -p res iden teda Avipal (RS),

uma das maioresindús t r ias

avícolas do país,defende que o

setor ainda podeavançar mais com

a tecnologia

41 dias ante os longos 70 dias da década de 50. Oavanço genético se disseminou a partir dasmultinacionais e alcançou até os pequenos produto-res. A cooperativa Languiru, de Teutônia (RS), cons-truiu um frigorífico de abate de aves, em 1979, paraengordar os ganhos. Hoje o segmento é o que maiscontribui no faturamento. “É a atividade melhorestruturada e a que traz mais ganhos para o associ-ado”, diz Pedro Raul Mallmann, diretor da Languiru.

A cooperativa faz um esforço semelhante ao dagigante Avipal. Acompanha de perto a criação deaves dos criadores filiados monitorando as condi-ções sanitárias e informando-os sobre as últimastecnologias. O suporte ao pequeno produtor tam-bém se dá por meio de um sistema que dispensa ouso de dinheiro. O consagrado caderninho é a sal-vação dos milhares de associados da Languiru quan-do precisam comprar insumos e alimentos. A coo-perativa debita os gastos no momento de remune-rar o produtor pela safra, livrando-o de dívidas.

Para conquistar mais mercados externos, quesustentaram o crescimento da indústria de aves atéaqui, Avipal e Languiru apostam nos cortes paraagradar de árabes a norte-americanos. O frangointeiro, há tempos, é considerado uma commoditie.Segundo Paulo Vellinho, existem hoje mais de 200tipos de cortes. “O difícil é mecanizar tudo isso”,lembrando que a maior parte do trabalho é manual.O segundo desafio é aproveitar as sobras doprocessamento do frango. “Tudo pode ser industri-alizado, o sangue pode virar ração, a gordura ser-ve para fazer banha, glicerina e até biodiesel”, en-tusiasma-se o executivo.

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Engenhe i roEduardo de SouzaFilho, da AGCO,indúst r ia queexpor ta paramais de 80 países

Ao menos três fatores foram decisivos para acompetitividade do agronegócio. Um desses foi aabertura econômica no início dos anos 90, um ver-dadeiro teste de fogo para setores pouco industria-lizados e um sopro de ânimo para aqueles que jáciscavam em outros terenos – como a aviculturaque cresceu 223% e a bovinocultura 125% entre1990 e 2002. Poucos anos depois, o Plano Real deuum novo empurrão ao campo trazendo a estabilida-de econômica, que sustentou a demanda interna poralimentos e ajudou a acelerar uma mudança na ges-tão das propriedades e cooperativas, já em cursodesde a redução das tarifas de importação.

Como aconteceu em outros setores, os produto-res aprenderam a se planejar e a captar as informa-ções do mercado, prática pouco usual entre oempresariado rural. Até mesmo após o fim da pari-dade real-dólar, que quase afogou em dívidas coo-perativas sólidas e grandes empreendimentos agrí-colas, o setor, em geral, saiu-se bem.

Segundo o Instituto de Pesquisas EconômicasAplicadas (Ipea), desde 1975 o agronegócio brasi-leiro vem se saindo muito bem no indicador Produ-tividade Geral dos Fatores (PTF), que mede o quantofoi produzido em relação ao quanto se gastou para

produzir. O PTF do setorcresce desde aquela épo-ca a uma taxa de 3,3%ao ano. Entre 2000 e2002, alcançou 6% aoano, superior à média his-tórica de produtividade dopaís.O indicador eviden-cia que a cada ano o se-tor vem aprendendo a fa-zer mais com menos, umaregra básica de gestão.Entre os fatores observa-dos para compor o índiceestão a tecnologia aplica-da, melhorias na adminis-tração, qualidade e produ-tividade da mão-de-obra –quesito que mais cresceuno período por causa daintensa mecanização docampo.

Internacionalmente, ocenário não poderia tersido melhor. A quebra da

safra de soja americana e a crescente demanda in-ternacional por grãos, principalmente da China, ele-varam os volumes e as margens das vendas exter-nas. Nunca a cadeia agrícola exportou tanto e paratantos mercados diferentes. “A AGCO do Braslexporta hoje para mais de 80 países tecnologias de-senvolvidas e aperfeiçoadas no país”, relata Eduar-do de Souza Filho, engenheiro de vendas da compa-nhia (Leia Os mapas da mina).

Financiador PFinanciador PFinanciador PFinanciador PFinanciador PesadoesadoesadoesadoesadoO amadurecimento do agronegócio brasileiro tam-

bém contou com outro importante aliado: o capitalprivado que passou a ser um importante financiadordos investimentos no setor. Ele entrou em cena nametade da década de 80 quando o Sistema Nacio-nal de Crédito Rural (SNCR), que durante mais de20 anos foi fonte abundante de recursos baratos,começou a secar.

“Entre 1965 até meados dos anos 80, se conce-dia o dobro do volume de recursos que se concedehoje”, afirma Paulo Wáquil, professor da Faculdadede Ciências Economicas e membro do Centro deEstudos em Agronegócio (Cepan) da UFRGS.

Nessas duas décadas, a agricultura brasileirasoube usar bem esse dinheiro farto e barato paraexpandir áreas cultiváveis e investir em moderniza-ção. Entretanto, o sistema também provocou desi-gualdades e ineficiências, o que contribuiu para oseu fim. “Era muito fácil tirar um empréstimo para acompra de um trator que não era tão necessárioassim”, relata. Houve também uma concentraçãode recursos no Sul e Sudeste, para onde foi 80% domontante distribuído. Alguns produtos, como a sojae o arroz foram igualmente privilegiados. “Milho efeijão não receberam quase nada”, diz o professor.

Grandes indústrias de insumos, máquinas agrí-colas e de alimentos, então, começaram espontane-amente a suprir parte da demanda de financiamen-tos com novas modalidades de subsídio a produto-res. A gigante Bunge, dona de marcas de adubos efertilizantes, passou a financiar as lavouras com seusinsumos e, em troca, recebia sacas de soja, numaadaptação moderna do escambo. Os grãos entre-gues vão direto para sua fábrica de óleos vegetais emargarinas. A multinacional, há mais de 100 anos nopaís, teve um papel-chave no crescimento doagronegócio nas regiões Sul e Sudeste e começaagora a incentivar a expansão de novas áreas noNorte e Nordeste.

Como o agronegócio

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chegou lá“Indústrias como a Bunge são sujeitos do cres-

cimento da agricultura, que é puxada por esses ato-res”, define Antonio Domingos Padula, professorda Escola de Administração da UFRGS.

Mesmo deixando de ser o grande financiadorda agricultura, o setor público não saiu de cena. Co-meçou a dar mais atenção à até então marginaliza-da agricultura familiar com a criação do Pronaf(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar) na década de 90 e passou a ser oregulador dos novos tipos de financiamento entreprodutores e indústrias.

Um desses exemplos está no RS. Trata-se doProflora, Programa de Financiamento Florestal ofe-recido pelo governo do Estado com recursos doBNDES. Mesmo sendo o governo quem emprestaos recursos, o programa tem participação direta dascompanhias de celulose como a Aracruz, maior fa-bricante mundial de celulose branqueada deeucalipto. Além de entrar como avalista, garantindoa compra da madeira no final dos sete anos de cres-cimento do eucalipto, a Aracruz presta toda a as-sistência técnica ao produtor, fornecendo mudase monitorando os gastos com insumos. SegundoSérgio Fávero, coordenador de fomento e suprimen-to de terras da Aracruz, a terceirização da planta-ção, além de ser uma alternativa de renda para oprodutor rural, é uma das grandes apostas da com-panhia para se precaver de um anunciado “apagão”florestal. “Hoje são plantados no país 250 mil hec-tares de florestas e para suprir a demanda são ne-cessários 500 mil hectares”, afirma.

Pesquisa avançouOs órgãos de fomento à pesquisa, como a

Embrapa e a Emater, também são atores importan-tes da cena agropecuária brasileira. A pesquisa tor-nou viável e competitivo os setores que hoje sãoexemplos de produtividade. “Não se colhia mais deduas toneladas por hectare de arroz irrigado naAmazônia, hoje se colhe 10. As vacas não davammais de 700 litros de leite por ano, hoje a marca éde 8 mil litros”, diz Eliseu Alves, da Embrapa.

A expectativa agora gira em torno da retomadadas pesquisas em biotecnologia com a aprovaçãoda Lei de Biossegurança, que regulariza os estudose a comercialização dos organismos geneticamentemodificados (OGM). Segundo o professor do Insti-tuto de Biociências da UFRGS Homero Dewes, anova legislação marca a retomada do avanço

tecnológico do agro-negócio brasileiro. “Nãofosse a turma que impe-diu o avanço das pesqui-sas, teríamos hoje váriasempresas competindocom a Monsanto (donada única soja transgênicacomercializada no país).Se fôssemos livres parapesquisar, não teríamosdado 10 anos de mono-pólio para uma multi-nacional”, avalia.

Na opinião do profes-sor da UFRGS, a biotec-nologia será a próximarevolução. Além de tor-nar possível a agriculturaem regiões nunca antesexploradas, a biotec-nologia permite a agrega-ção de valor à matéria-prima. “Ao invés do paísgastar bilhões agregandovalor ao produto pela viada industrialização, é mui-to mais sensato exportarsoja com alto teor nutriti-vo, por exemplo”, expli-ca Homero Dewes. Se-gundo ele, o país não precisa deixar de ser um ex-portador de commodities, o que sabemos fazer me-lhor. Mas pode ganhar muito mais fazendo o que jáfaz com tecnologia aplicada. “Com o fim da era dopetróleo, o Brasil pode disparar na frente desenvol-vendo plantas que podem ser transformadas emenergia”.

Um dos exemplos é o plástico biodegradável pro-duzido com o bagaço da cana-de-açúcar, desenvolvi-do em conjunto pela Cooperativa de Produtores deCana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo(Coopersucar), Instituto de Pesquisas Tecnológicas(IPT) e Instituto de Ciências Biomédicas da Univer-sidade de São Paulo (USP). Enquanto o plástico con-vencional leva centenas de anos para degradar, o novopolímero, chamado de polihidroxibutirato (PHB), seconsome em semanas. A aposta é a de que o PHBajude a solucionar o problema do lixo urbano, queatormenta as grandes cidades do país.

Sérgio Fávero, daAracruz, observa

que atercer ização da

plantação def lorestas impede

um apagãof l o r e s ta l

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OS MAPAS DA MINAOS MAPAS DA MINA

p e r f i l

Para provar a eficácia da tecnologia, a AGCO éuma das apoiadoras do Projeto Aquarius, desenvol-vido para testar a viabilidade comercial da nova fer-ramenta em uma lavoura na Fazenda Anna, em Não-Me-Toque (RS). A montadora, juntamente com ou-tras empresas e a Universidade Federal de SantaMaria (UFSM), entrou no projeto com seu sistemae em três anos os resultados são significativos.

O faturamento da área em que foi usada atecnologia atingiu cerca de US$ 10 mil a mais emrelação à média da fazenda. Somado à economia defertilizante, o resultado foi ainda melhor: em torno deUS$ 12 mil. Na comparação do sistema convencio-nal com o de precisão, no período de 2002/2003,houve um ganho na produção de soja com menorgasto de insumos e um salto de 6% na margem delucro. Tomando por base essa safra, o sistema sepagou no primeiro ano, sem considerar custos detransporte, secagem e armazenamento.

A técnica deve causar uma transformação com-parada à do plantio direto, sistema trazido ao Brasilna década de 70. A AGCO, assim como outras in-dústrias de máquinas agrícolas, teve um papel-cha-ve na popularização do plantio direto com a dissemi-nação de equipamentos para a aplicação do métodoem larga escala. Atualmente, o país tem 9 milhõesde hectares cultivados com o plantio direto. A pro-dutividade das lavouras brasileiras, que nos últimosdez anos dobrou com um aumento de área de ape-nas 20%, deve parte desse incremento à tecnologia.

AGCO aposta na agriculturade precisão para aumentara produtividade daslavouras brasi le i ras

A agricultura brasileira está prestes a viver umanova revolução com nuances futuristas: agriculturade precisão. O sistema é uma das apostas da AGCO,maior fabricante de tratores da América Latina e amaior exportadora do produto no país. Trata-se deuma tecnologia de gerenciamento por satélite (GPS)que, acoplada às colheitadeiras e tratores, gera ma-pas de rendimento, uma espécie de boletim escolarda lavoura. Estes mapas indicam que áreas aparen-temente iguais podem ter índices de produtividadediferentes. Na hora de plantar, apontam quais preci-sam de cuidados especiais para render o esperado.

A novidade tecnológica denominada Fieldstar edesenvolvida pela montadora já está sendo testadaem muitas propriedades brasileiras e promete redu-zir consideravelmente o uso de insumos nas lavou-ras, hoje em torno de 60% do custo de uma planta-ção. “A técnica racionaliza o uso de herbicidas eaditivos químicos porque o produtor sabe o quantoaplicar em cada área”, explica Eduardo de SousaFilho, engenheiro de vendas da AGCO. “Antes, nãose tinha certeza do quanto se ia colher”, afirma. Alémde baratear os custos de produção, a economia emfertilizantes traz ganhos ambientais consideráveis.

De acordo com Sousa Filho, o custo dos equipa-mentos para a agricultura de precisão não repre-senta nem 1% do preço total de um trator. Entretan-to, para trazer retorno, os mapas não podem ser“pendurados na parede”, devem servir para a to-mada de decisão do produtor, alerta.

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A reinvenção do plantio direto, usado por egíp-cios e incas e relegada por milhares de anos, apo-sentou os processos tradicionais de aragem e uni-formização do solo (conhecido como gradagem) eintroduziu o uso de herbicidas para matar as ervasdaninhas que podiam comprometer o crescimentodas plantações. Bastava colocar a semente em umaprofundidade tal que a protegesse de chuvas arra-sadoras e inços do mal. Antes do ressurgimento datécnica milenar, difundida pelo norte-americanoShirley Phillips, um agricultor acendia uma vela paracada santo no período de plantação. Nos dias emque arava a terra, para depois aplainá-la, plantar assementes e adubar, não podia chover e muito me-nos ventar. Eram quatro operações no total e, de-pendendo da extensão da lavoura, levava-se me-ses para terminar tudo. Os custos de tantos proce-dimentos diferentes e os riscos do clima não cola-borar eram altíssimos. Em outras palavras, tempodemais para contar com a ajuda divina. Isso semfalar nos danos ao meio ambiente com as inúme-ras intervenções na terra. O resultado da antigaprática pode ser medido em algumas regiões nonoroeste gaúcho, que antes exibiam índices de pro-dutividade invejáveis e hoje são desertos a perderde vista.

Hora do ensaioA AGCO, uma das entusiastas das transfor-

mações geradas pelo plantio direto, prepara-se ago-ra para responder às demandas do campo quandoa agricultura de precisão explodir. Não é à toa quea montadora escolheu Canoas (RS) como sede deum centro tecnológico, onde foram investidos R$ 4milhões. “Qualquer decisão que envolva tecnologiadentro da corporação, o Brasil tem voz ativa”, ga-rante Sousa Filho. Outro ponto influencia muito opoder de fogo do país nas decisões da companhia:“O Brasil tem em terras para a agricultura umaárea equivalente aos Estados Unidos, 105 milhõesde hectares”, segundo o executivo.

O próprio cargo de Sousa, engenheiro de ven-das, indica a preocupação da montadora em man-ter um staff técnico na sua área comercial. Segun-do o executivo, os 230 pontos de vendas da AGCOespalhados no país não têm apenas “vendedorescom calculadoras e blocos de recibo”. “Eles estãopreparados para resolver todas as dúvidas do pro-dutor e verificar as necessidades que a tecnologiaainda não resolveu”.

As cabines fechadas em tratores ecolheitadeiras foram uma das soluções desenvol-vidas depois desse contato estreito. Uma pesquisada montadora comprovou que o rendimento dosoperadores sofria uma queda brutal depois da 7ªhora pilotando as máquinas. O barulho dos trato-res, o pó e o calor excessivo estressavam e cansa-vam em demasia os trabalhadores – muito deles

Maior fabr icantede t ratores daAmérica Lat ina emaior exportadorado equipamentono Brasil, aAGCO adotanova tecnologiae revoluc ionaa lavoura

contraiam doenças respiratórias graves depois dealguns anos. Hoje, o conforto de uma máquina écomparado ao de um automóvel de luxo.

Todas as linhas de máquinas Massey Fergusonpodem ser equipadas com cabine, além de ar-con-dicionado e rádio. Segundo Sousa Filho, a aceitaçãopela clientela foi imediata. “O investimento em maisconforto para o operador se paga em pouquíssimotempo porque caem consideravelmente os riscos deacidentes e aumenta a qualidade do trabalho”, resu-me o engenheiro.

Daqui para frente, além da disseminação da agri-cultura de precisão, pode-se esperar máquinas agrí-colas cada vez mais velozes. Em uma palestra rea-lizada na Federação das Indústrias do RS (Fiergs)no final de 2003, o diretor de engenharia e desenvol-vimento do produto da AGCO, Luiz Ghiggi, afirmouque o grande desafio da indústria era vencer o tem-po. Como? Criando máquinas tão eficientes que re-duzissem o período gasto nas plantações e nas co-lheitas. Assim, os produtores não precisariam con-tar tanto com o amparo e a proteção do céu.

Quem é aAGCO do Brasil

Faturamento: US$ 700 milhões, sendomais da metade resultado das

exportações para mais de 80 países

Média de produção: 22 mil tratorese 2.460 colheitadeiras produzidasem 2004. Na linha de colheitadeiras,aumentaram as encomendas demáquinas para agricultura de precisão:de 10 unidades em 2000, o númeropassou para 25 em 2004.

Participação de mercado: líder nomercado brasileiro de tratores com 34%de market-share. Em colheitadeiras,a marca Massey Ferguson detém 23%

Fábricas: Canoas (tratores) e SantaRosa (colheitadeiras)

Investimento: US$ 15 milhões em2005 para ampliar a capacidadede produção das duas fábricas

Funcionários: mais de 3 mil

Fundação: desde 1960 no Brasil

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EM BUSCA DAMATURIDADE

e n t r e v i s t a

Milênio - Em entrevista no final do seu mandatocomo ministro da Agricultura, o Senhor afirmavaque o Brasil seria o maior exportador de carnesdo mundo em quatro anos. Em que estágio o paísencontra-se hoje, passados dois anos?

O Brasil é hoje o maior exportador mundial decarne bovina em volume e o segundo em valor, atrásapenas da Austrália, que tem acesso a mercadoscom maior rentabilidade como Japão e Coréia doSul. Os nossos desafios agora são de marketing enegociação para obter acesso a esses mercadosque pagam melhor. Nos mercados já conquistados– em 2004 exportamos para 146 países – precisa-mos fazer marketing e vender produtos especiais,com maior valor agregado.

Currículo não falta ao economistaMarcus Vinícius Pratini de Moraes(foto D), três vezes ministro emgovernos anteriores e um dosintegrantes mais atuantes da EraFHC. Além dos dois mandatoscomo deputado federal pelo RioGrande do Sul, Pratini foi um dosministros mais jovens da históriapol í t ica brasi le i ra, quando esteveà frente do Ministério da Indústriae do Comércio com apenas 31anos – entre os anos de 1970 e1974. Em 1992, o gaúcho de PortoAlegre ainda comandou oMinistério de Minas e Energia. Suaconsagração na vida pública,porém, veio mesmo no segundomandato do governo deFernando Henrique Cardoso (1999-2002), em que esteve à frente dapasta da Agricultura. Neste

período, viu o agronegóciobrasileiro deslanchar e abrir novasportas do mercado internacional .Entusiasta das exportações, jádizia nos anos em que ocupouuma cadeira no governo tucanoque o Brasil estava prestes a setornar o maior exportador decarnes e não devia tardar para sertambém o maior produtor dealimentos do mundo. A primeiraprevisão é uma realidade quePratini comemora como um dosprotagonistas dessa conquista.Hoje, como presidente daAssociação Brasi le i ra dasIndústr ias Exportadoras de Carne(Abiec), enfatiza a necessidade dopaís investir em marketing paraconquistar mercados queremuneram melhor suasimpor tações .

Milênio - O que falta avançar?A atuação do Brasil no mercado internacional

de carne é recente se comparado a outros países,como a Argentina, por exemplo. Mesmo já tendoconquistado mercados importantes, chegou o mo-mento de investirmos em marketing e vendermosprodutos de maior valor agregado, como estava di-zendo. Outro desafio é negociarmos acesso a mer-cados como EUA, Coréia, Japão e Taiwan, que re-presentam 60% do mercado mundial e pagam bempela carne de qualidade que nós podemos oferecer.

Milênio - A pecuária brasileira festejou a conquistado comércio de boi vivo. Há razão para isso jáque a luta é para agregar mais valor ao produto?

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e n t r e v i s t a

“CHEGOU O MOMENTO DE

VENDER PRODUTOS DE

MAIOR VALOR AGREGADO”

No Brasil há espaço e produtividade suficientespara exportar todos os tipos de produto. É claroque devemos priorizar aqueles com maior valor agre-gado, mas a venda de boi vivo configura-se comouma alternativa ao produtor.

Milênio - O senhor afirmou também que aexpansão da pecuária e das exportações de carneprovocou, nos últimos anos, desajustes profundosna cadeia de carne bovina. Que desajustes foramesses?

Não há crescimento acelerado sem desajustes.As exportações cresceram a um ritmo mais acele-rado do que a capacidade de ajuste da cadeia. Asituação não é grave, e os desajustes estão sendocorrigidos com investimentos.

Milênio - Os recentes desentendimentos entreprodutores e frigoríficos fazem parte dessesdesajustes? Quem está com a razão nesse impasse?

Essa é uma questão de mercado e em questõesde mercado não há quem tenha razão ou culpa. Opróprio mercado deverá buscar seu equilíbrio e seajustar, e as exportações crescentes servem parafacilitar esse processo.

Milênio - Mesmo sendo presidente de umaassociação de exportadores, o Sr. defende que osprodutores devem privilegiar o mercado interno,que ainda representa 80% das vendas. Por que?A alternativa não seria aumentar a participaçãodas exportações?

O Brasil tem capacidade de fornecer para am-bos os mercados. Podemos aumentar as exporta-ções, como estamos fazendo, mas sem desabastecero mercado interno que ainda é o principal consumi-dor de nossa carne. Um mercado não compete como outro e ambos são importantes e merecem inves-timentos.

Milênio - A rastreabilidade bovina avançou nopaís?

Por ser um país continental e contar com o maiorrebanho comercial do mundo, a rastreabilidade noBrasil requer tempo e ajustes. Já há um sistemacriado e implementado, o Sisbov (Sistema deCertificação de Origem Bovina e Bubalina), quehoje é de adesão voluntária para o mercado internoe obrigatório para a exportação. A rastreabilidade é

uma exigência dos mercados que buscam sanidadee segurança alimentar.

Milênio - Qual região brasileira hoje está maisavançada na produção de carnes? A geografia dapecuária está mudando?

O Mato Grosso do Sul é o Estado com o maiorrebanho. Entretanto, grande parte dos frigoríficosestá localizado em São Paulo, onde também está oprincipal porto de exportação, o Porto de Santos.Estados do norte do país, como o Pará, têm grandepotencial pecuário, mas precisam resolver suas ques-tões sanitárias para poder entrar no mercado.

Milênio - Na sua opinião, o produtor brasileirohoje fica a dever para os executivos de indústriasem termos de competência em gestão?

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e n t r e v i s t a

Não. As novas gerações que estão à frente dosnegócios estão mais capacitadas e com melhor vi-são de mercado. Por exemplo, investem em siste-mas de gestão, certificação tipo ISO, capacitaçãode pessoal, idiomas, entre outros.

Milênio - As relações comerciais do Brasil comoutros países avançaram desde que o senhorassumiu a Abiec? Uma vez o senhor afirmou queéramos muito bonzinhos, que estávamos sempredispostos a ceder...

Houve um grande crescimento de mercadoscompradores da carne bovina brasileira e isso sedeve à capacitação de nossos empresários e frigo-ríficos. A Abiec dá apoio por meio de ações demarketing e acompanha negociações internacionais,além de analisar e vislumbrar novas oportunidadespara que os frigoríficos façam negócios.

Milênio - O Brasil está sabendo explorar o fato deque é a última fronteira agrícola do mundo?

O Brasil está começando a se dar conta de suaimportância como última fronteira agrícola do mun-do. Em breve seremos o maior fornecedor de ali-mentos do mundo. Mas ainda nos falta ousadia. Obrasileiro é muito humilde. Devemos ser mais pró-ativos, assumirmos nossas responsabilidades e ocu-par nosso espaço na liderança do agronegócio.

Milênio - Em termos gerais, como está oMilênio - Em termos gerais, como está oMilênio - Em termos gerais, como está oMilênio - Em termos gerais, como está oMilênio - Em termos gerais, como está o

agronegócio brasileiro atualmente frente a seusagronegócio brasileiro atualmente frente a seusagronegócio brasileiro atualmente frente a seusagronegócio brasileiro atualmente frente a seusagronegócio brasileiro atualmente frente a seusprincipais competidores?principais competidores?principais competidores?principais competidores?principais competidores?

Em termos de produção e capacidade ex-portadora, o Brasil é uma potência da agro-pecuária. Mantemos a liderança em produtostradicionais como café, açúcar e suco de laran-ja e assumimos posição de liderança em carnesbovina e de frango, além de estarmos crescen-do tanto em produção como em produtividadeem diversos outros produtos como algodão, mi-lho e arroz. O grande desafio do momento parao agronegócio brasileiro é a taxa de câmbio,especialmente para setores com acirrada con-corrência internacional, que não têm como bar-ganhar melhores preços.

Milênio - Recentemente, o RS saiu de uma secaque prejudicou seriamente a safra e a pecuáriado Estado. Qual a sua avaliação sobre as medidasque os governos tomaram para amenizar asituação. Falta avançar nesse sentido? Oagronegócio vai ser sempre uma atividade de muitorisco?

Qualquer atividade econômica traz em si um ris-co. O agronegócio, por depender de fenômenos na-turais, pode ser bastante imprevisível. A saída seriarealizar investimentos em tecnologia de avaliaçãode condições climáticas e de solo, em mecaniza-ção, irrigação, utilização sustentável dos recursosnaturais e o seguro rural.

“EM PRODUÇÃO E CAPACIDADE

EXPORTADORA, O BRASIL É UMA

POTÊNCIA AGROPECUÀRIA”

Foto

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d e s e n v o l v i m e n t o

Uma das transformações recentesmais importantes na agricultura foi a suainserção efetiva no fenômeno ora cha-mado de “agronegócios”. Este conceitofoi primeiramente delineado na décadade 1950 nos Estados Unidos e vem seconsolidando mundialmente como abor-dagem para o entendimento das gran-des transformações produtivas enegociais, que vão desde a indústria deinsumos (adubos, sementes, genética...),passando pela indústria de máquinas eequipamentos (tratores, colheitadeiras,plantadeiras, semeadoras, silos...), pelasunidades de produção agrícola (prepa-ração, manejo, colheita...), pela indústriade processamento (máquinas, processos,logística, gestão....) e pelos canais decomercialização (atacadistas, distribuido-res, varejistas....). Decorrente desse pro-cesso, observa-se o fenômeno da indus-trialização da agricultura: evolução deuma agricultura de subsistência e isola-da em si mesma para o que se está ca-racterizando por agroindustrialização.

A agroindustrialização, por sua vez,está provocando o estreitamento das re-lações entre os agentes dos agro-negócios: cada vez mais elementos detransformações sociais e merca-dológicas, de sustentabilidade, de segu-rança do alimento e de comportamentodo consumidor estão passando a fazerparte das estratégias, da organização eda gestão dos agentes envolvidos comos agronegócios.

INTERDEPENDÊNCIA E DINÂMICADOS AGRONEGÓCIOS

Sem dúvida, pode-se observar que osgrandes beneficiários desse processo deinterdependências entre os agentes es-tão sendo os consumidores finais e asociedade, que passam a ter suas prefe-rências e reivindicações como dire-cionadores dos critérios de decisão dosagentes dos agronegócios.

O estreitamento das relações entreconsumidor, varejistas, indústria deprocessamento, agricultores e indústriade insumos impôs uma nova dinâmicainstitucional e tecnológica ao agro-negócio. Institucionalmente, observa-seo desenvolvimento de cadeias produti-vas agroindustriais com estratégias pro-dutivas e mercadológicas regidas porcontratos (formais e informais) edirecionadas para atingir objetivos co-muns aos diferentes agentes (consumi-dores, indústria e agricultores).

A organização de cadeiasagroindustriais trouxe também uma novadinâmica tecnológica aos agronegócios.A indústria de insumos e máquinas agrí-colas passou a orientar seus investimen-tos tecnológicos não mais apenas por ele-mentos internos a esses setores, mas simpara atender e se alinhar com as neces-sidades da agricultura, da indústria, dovarejo e dos consumidores. Alguns exem-plos emblemáticos ilustram esta trans-formação: sementes híbridas e trans-gênicas, melhoria genética e transferên-cia de embriões, agricultura de precisão,entre outros.

Participar de cadeias produtivas sig-nifica para a agricultura acessar as maisrecentes novidades tecnológicas emercadológicas. Informações de com-portamento e preferência dos consumi-dores passam a determinar as caracte-rísticas tanto dos produtos processadoscomo dos comercializados in natura.

No Brasil, os efeitos dessas transfor-mações estão aí aos olhos de todos nós:maior exportador mundial de carnes defrangos e bovina, próximo de ser o mai-or produtor mundial de soja, campeão deprodutividade em várias culturas, maiorgerador de excedentes na balança co-mercial, entre outras realizações. Emborase tenha obtido todos esses avanços, res-tam ainda alguns desafios aos agro-negócios brasileiros: inserir uma grandequantidade de pequenas propriedadesrurais que vivem à margem desse de-senvolvimento e viabilizar e disponibilizaralimentos acessíveis a uma grande par-te da população brasileira que vive combaixos níveis de renda. A pujançaconstruída, aliada a políticas públicas eprivadas dirigidas a esse esforço, pode-rá ser decisiva na superação desses de-safios.

Antonio Domingos PadulaProfessor da EA / UFRGS

Doutor pela Universidadede Grenoble

[email protected]

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e v o l u ç ã o

Devido à rapidez das mudanças nosdias atuais, nem sempre percebemos ograu de transformação realmente ocor-rido, como o da passagem da sociedaderural (agricultura, pecuária e extrativismo)para a discussão do agronegócio, no Bra-sil e no mundo.

Quando se discutia a agropecuária ouo mundo rural falava-se, economicamen-te, de algo em torno de 10 a 15% do PIBbrasileiro e com sinalização declinante,ou seja, diminuindo a sua participação.Quando se considera o agronegócio, queenvolve as empresas de insumos (fertili-zantes, corretivos e defensivos), as pro-priedades rurais, as agroindústrias, ossegmentos alimentícios dos atacadistase varejistas, o comércio internacional eorganizações de apoio a todos estes,estamos falando de mais de 30% do PIBbrasileiro e, no caso do RS, pode ser ain-da maior.

Entretanto, não é uma mudança ape-nas quantitativa, ou seja, a de somar acontribuição dos diferentes elos. Trata-se de uma mudança de realidade e depostura dos participantes do agronegócio,num mundo cada vez mais competitivo.Uma das maiores mudanças é a de es-cutar o consumidor ou o cliente como oorientador do que deve ser produzido. Oque, em muitos casos, pode colidir coma lógica dominada pela produção. Issoconduz a uma reorganização da produ-ção em diferentes formas, de cadeia, deredes, de parcerias ou de conglomera-dos, nos quais devem coexistir proces-

DA SOCIEDADE RURALAO AGRONEGÓCIO

sos de coordenação, de cooperação comprocessos competitivos, buscando satis-fazer os consumidores.

Esse reposicionamento levou à cria-ção de duas posições mercadológicaspara os produtos do agronegócio: ummercado de produtos in natura, no qualpermanecem as discussões decomercialização, e um mercado de pro-dutos processados ou transformados,para os quais não basta usar o conheci-mento tradicional de comercialização.Passa-se a tratar de canais de distribui-ção, de suprimento e de demanda. Tra-ta-se, portanto, de um exemplo das mu-danças ocorridas, que requerem novosconhecimentos gerenciais e estratégicos.

Nesse sentido, passamos de uma ló-gica de produção agropecuária na qualo resultado do trabalho era de produtosvegetais e animais, materialmente pal-páveis, para outros tipos de organizaçõesem que se tornam cada vez mais impor-tantes os recursos intangíveis.

Isso significa que o agronegócio temde incluir preocupações como imagem,reputação, tecnologia, marca, canais,etc., cujo domínio é exercido por algunsdos atores de uma cadeia, por exemplo.Há uma transferência de poder ao longoda cadeia para os elos que estão mais ajusante da cadeia (agroindústrias e, prin-cipalmente, varejistas/supermercados),normalmente devido à assimetria das in-formações, ou seja, alguns têm ou extra-em informações de maior qualidade queos produtores, por exemplo.

Além disso, é importante ressaltar queexiste um falso dilema quando se fala naseparação entre a agricultura familiar eo agronegócio. Nesse sentido, é neces-sária uma análise particularizada e glo-bal, ao mesmo tempo. As oportunidadesem agronegócios tendem a existir na for-ma de nichos de mercados e não maiscomo uma solução única, de uma únicacultura, para todos os produtores. Por-tanto, existem determinados volumes deprodutos para determinados mercados,e para certos grupos de atores, como porexemplo, no caso da soja tradicional,transgênica e orgânica.

Existe uma concorrência que, emmuitos casos, necessita de esforços con-juntos de vários atores de um mesmo elo,ou mesmo, da colaboração de diversosatores de elos diferentes, para melhorara competitividade de todos. Isso valepara uma cadeia ou para outras açõescoletivas, inclusive para as que geramsoluções para uma região inteira, comoé o caso do desenvolvimento regional.Cada um pode ter seu espaço individu-almente ou de maneira organizada numalógica de cooperação competitiva.

Eugênio Ávila PedrozoProfessor da EA/UFRGS

Diretor do Centro de Estudos ePesquisas em Agronegócios Cepan/

UFRGSDoutor pelo Instituto Nacional

Politécnico de [email protected]

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c o o p e r a t i v i s m o

As cooperativas agroindustriais têmsido meu objeto de estudo preferido du-rante anos. Considero que têm e terãoum papel de destaque no século XXI emrazão de produzirem um bem essencialque é o alimento, embora isso seja difícilde ser percebido por grande parte dapopulação. A relevância econômica esocial das cooperativas agroindustriais noBrasil é grande. Somam 1.519, têm 940mil cooperados associados, empregam110 mil pessoas, englobando 6,3 milhõesde pessoas relacionadas direta ou indi-retamente a elas.

O histórico das cooperativas brasi-leiras é rico. Foram formadas principal-mente por descendentes de imigrantesitalianos, alemães e japoneses no iníciodo século XX, e incentivadas fortemen-te na primeira metade daquele período,de modo a ampliar a base de produçãoagropecuária e alargar as fronteiras.Assim resolviam o problema de abaste-cimento, que já era crítico no final doséculo XIX, e que tendia a se agravarcom o crescimento e deslocamento dapopulação para as áreas urbanas.

As cooperativas agroindustriais fo-ram fonte de modernização da agro-pecuária nacional, incorporando os ele-mentos difundidos pela Revolução Ver-de, crescendo, diversificando suas pro-duções, e se tornando organizações maiscomplexas. Vivenciaram a crise econô-mica brasileira nos anos 80 e sofreramcom o processo de profissionalização desua gestão, realizado muitas vezes porprofissionais que desconheciam suasespecificidades de constituição e funci-onamento. Também enfrentaram extre-ma dificuldade de acessar recursos fi-nanceiros com custos compatíveis comsuas necessidades, quando o governo

OS DESAFIOS NO SÉCULO XXI

federal não mais teve condições de ofe-recer crédito rural com essa particulari-dade.

Apesar de todas essas dificuldades,comuns a organizações não-cooperati-vas, muitas cooperativas agroindustriais,hoje quase centenárias, se desenvolve-ram e possuem grandes estruturas, cons-tituindo-se em importantes stake-holders nas regiões onde atuam. Alémdisso, em algumas situações são asmaiores empregadoras e arrecadadorasde impostos. E, se for levado em consi-deração que em torno de 80% dos pro-dutores rurais brasileiros e 80% do qua-dro de associados das cooperativasagroindustriais brasileiras são de peque-no porte (propriedades com até 50 ha),fica evidente a importância social queelas têm no sentido de possibilitar queesses produtores tenham condições dese capacitarem a enfrentar mercadosaltamente competitivos.

Mas, novos desafios surgem, comopor exemplo, a implantação do conceitode Desenvolvimento Sustentável, queexige dessas organizações atenção tam-bém ao impacto ambiental que suas ati-vidades provocam. Neste sentido, têmum longo caminho a percorrer. Isso jáestá ocorrendo porque alguns coopera-dos (stakeholders privilegiados por se-rem usuários de seus serviços e seusproprietários) estão exigindo que a preo-cupação ambiental seja incorporada emsuas práticas; ou porque consumidores

(stakeholders com grande potencial deinfluenciar na estratégia das organiza-ções) localizados em mercados sofisti-cados no exterior, onde estas cooperati-vas intensificam suas ações comerciais,desejam produtos rastreados que garan-tam alimentos saudáveis, cuja produçãonão tenha impactado desfavoravelmen-te o meio ambiente.

Trabalhar com o mercado externotem sido uma das estratégias de algu-mas cooperativas agroindustriais nos úl-timos tempos, uma vez que o mercadointerno tem restrição de renda para oconsumo. Porém, esse mercado sofisti-cado formado por um consumidor maisexigente está à mercê do câmbio, queora pode se apresentar como um aliadoora pode representar o grande vilão, nãocomplacente com todo o esforço produ-tivo e de modernização que essas orga-nizações realizam.

Outro desafio posto às cooperativasagroindustriais é como incorporar emsuas estratégias e práticas de forma maisintensa um de seus princípios seculares,o da intercooperação. Esse princípiopressupõe a possibilidade de se coope-rar entre cooperativas, por meio de es-tratégias de alianças ou redes, por exem-plo, e é um dos temas a que tenho mededicado no presente. O esforço que al-gumas dessas cooperativas estão reali-zando é significativo nesse momento his-tórico, em que todos nós, gestores, pro-fessores, pesquisadores e amantes dagestão estamos sendo desafiados a pen-sar de forma sistêmica, complexa e sus-tentável.

Tânia Nunes da SilvaProfessora da EA/UFRGS

Doutora pela [email protected]

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m e r c a d o

O vinho é um negócio de US$ 180bilhões e a participação das exportaçõesno consumo mundial cresceu de 15% para27% em apenas uma década. Os tradici-onais países produtores de vinho (Fran-ça, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha)são responsáveis por aproximadamente60% da produção mundial, mas vêm nosúltimos anos perdendo mercado para oschamados “novos países produtores”,como Estados Unidos, Austrália, Áfricado Sul, Chile e Argentina. O Brasil, quetambém é considerado um “novo paísprodutor”, não está entre os que vêm au-mentando sua participação neste merca-do. Ao contrário, o Brasil, além de aindanão ter entrado nas estatísticas de expor-tadores de vinho, vem diminuindopreocupantemente sua participação noseu próprio mercado doméstico.

O Brasil ocupa a 17ª posição na pro-dução de vinhos, com uma participaçãode cerca de 1,2% do volume de produ-ção mundial. Estes dados, que à primei-ra vista podem até parecer razoáveispara um produtor não-tradicional indicamum quadro de certa forma dramático. Ofato é que mais de 85% desta produçãoé de vinho comum (percebido como debaixo valor, independente da qualidadeintrínseca) e cerca de 60% deste vinhoé comercializado a granel (tendodestinação de uso que foge ao controledo setor). Ademais, o segmento de vi-nhos finos vem sistematicamente per-dendo participação no mercado nacio-nal (passou de 58% para 35% em ape-nas cinco anos).

Mas será tão dramática assim a situ-ação do setor? A resposta é sim! Masserá desalentadora? A resposta é um “oti-mista” não, apesar de haver outros agra-

VINHO BRASILEIRO: MÁS NOTÍCIAS E

BONS PRESSÁGIOS

vantes a pesarem sobre o setor, dentre osquais pode-se citar: a alta incidência deimpostos, que variam de 42% a 52% dopreço final da garrafa de vinho, enquantona Argentina, país que vem aumentandosignificativamente sua participação nomercado brasileiro, o imposto atinge algoem torno de 22%.

Outro fator que dificulta é o baixo con-sumo per capita no Brasil, estagnado emapenas 1,8 litro por ano, o que contrastacom os países tradicionais, que ultrapas-sam os 40 litros, e mesmo com o Mercosul,com Argentina e Uruguai tendo númerospróximos aos dos países tradicionais. Eainda tem mais: a baixa importância dosetor na economia nacional, merecendoassim pouca atenção por parte do gover-no, além do risco de virar moeda de trocanas negociações internacionais (“vinho vsônibus” é um caso em questão nas nego-ciações bilaterais com o Chile) e particu-larmente no âmbito do Mercosul. Por fim,um cenário internacional desfavorável, ca-racterizado por sobre-oferta de vinho, emque os principais países produtores pla-nejam e implementam ações estratégicasagressivas para a exportação.

O que justifica então “bons pressági-os” diante de um quadro tão adverso?São as ações que estão em curso no se-tor e que ainda não produziram seus efei-tos, bem como as que estão sendogestadas, e, mais importante ainda, ossinais já percebidos de uma crescenteconscientização para a necessidade demudanças em direção a estratégias deações coletivas. Há muito ainda a avan-çar nesta direção e estas mudanças po-dem até não ser suficientes, ou seremtardias, mas o grande avanço é que háhoje a convicção de que sem elas o se-

tor sucumbirá às crescentes pressõescompetitivas a que está submetido.

Não há espaço aqui para discutir osavanços que nos autorizam a acreditarque haja uma saída. Um, porém, de fun-damental importância para a sobrevivên-cia e o desenvolvimento sustentável dosetor merece ser destacado: sua entra-da de forma coletiva na curva de apren-dizagem do processo de internacio-nalização. O esforço coletivo de colocaro vinho brasileiro nos principais merca-dos consumidores do mundo é da maiorsignificância. Apesar da sobre-oferta devinho no mercado internacional, a expor-tação é um importante componente doprocesso de recuperação, pois se o se-tor vinícola brasileiro não conseguir suainserção no mapa mundial do vinho ten-derá a desaparecer, ou reduzir-se a umamera curiosidade, no seu próprio país.

Para concluir, convém destacar quena base de sustentação de todas asações estratégicas coletivas necessári-as está o chamado “capital social” dosetor, que não aparece nas estatísticasoficiais, mas proporciona o ambiente deconfiança e cooperação que o desenvol-vimento de ações coletivas requer. O su-cesso da implementação do Plano de De-senvolvimento Estratégico “Visão 2025”,em processo de elaboração pelo setor,dependerá decisivamente do seu “esto-que” de capital social.

Jaime Evaldo FensterseiferProfessor da EA/UFRGSPhD pela Universidade

da Califórnia (LA)[email protected]

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