o psicologo jurídico lucia mara de mello serra santos

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ – REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO PÓS-GRADUAÇÃO PROJETO “A VEZ DO MESTRE” CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA LÚCIA MARA DE MELLO SERRA SANTOS O PSICOLOGO JURÍDICO NA VARA DE FAMÍLIA RIO DE JANEIRO 2003

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MONOGRAFIA

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Page 1: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ – REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

LÚCIA MARA DE MELLO SERRA SANTOS

O PSICOLOGO JURÍDICO NA VARA DE FAMÍLIA

RIO DE JANEIRO 2003

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LÚCIA MARA DE MELLO SERRA SANTOS

O PSICOLOGO JURÍDICO NA VARA DE FAMÍLIA

Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes como requisito parcial da realização do curso lato sensu em Psicologia Jurídica, sob a orientação do professor Carlos Alberto Cereja de Barros.

RIO DE JANEIRO 2003

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Dedico com muito carinho aos meus filhos e ao meu marido, que me motivaram a buscar novos caminhos

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Agradeço A deus, Ao orientador e a todos os instrutores do curso de Pós–Graduação, que ajudaram na minha especialização profissional, promovendo através de suas experiências, o alicerce que necessitava para alcançar o meu crescimento profissional

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RESUMO

O presente trabalho pretende analisar o papel do psicólogo na justiça,

especialmente nas varas de família, e comprovar através da literatura, que o

psicólogo jurídico ao tentar compreender o fenômeno da conjugalidade não só

auxilia o magistrado no processo decisório, referente às disputas da guarda dos

filhos ou das visitas do genitor não detentor da guarda, como consegue minimizar

os conflitos e distúrbios vivenciados por essas famílias que procuram o Judiciário.

Para tanto, salienta os diferentes conceitos sobre a família ao longo da história,

analisa a origem da família atual e suas transformações e estabelece um paralelo

com as causas do conflito familiar, que muitas vezes são oriundos de uma visão

das classes dominantes. Seguindo essa ótica, faz um relato sobre a legislação

brasileira e de como acontece a evolução do Direito de Família, pontuando

também, a importância da formação da família binuclear e da guarda

compartilhada. Compreendendo ainda, que uma ação judicial normalmente é

decorrente de guarda de filhos e regulamentação de visitas, e que esse fato

resulta na solicitação do juiz de uma perícia psicológica, procura elucidar o que a

literatura traz sobre a atuação pericial e estabelecer algumas considerações

importantes sobre laudo pericial. Finalmente, para um melhor entendimento sobre

as intervenções do psicólogo considera-se relevante conceituar o que é psicologia

Jurídica e ressaltar as propostas inovadoras da atuação do psicólogo nas Varas

de Família.

Page 6: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................06

2. DIREITO DE FAMÍLIA ....................................................................................09

2.1 A FAMÍLIA AO LONGO DA HISTÓRIA.................................................09

2.2 A LEGISLAÇÃO SOBRE A FAMÍLIA BRASILEIRA..............................13

3. SEPARAÇÃO E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS NA VARA DE FAMÍLIA....19

3.1 GUARDA COMPARTILHADA...............................................................21

4. ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO EM VARA DE FAMÍLIA................25

4.1 A PERÍCIA PSICOLÓGICA...................................................................26

4.2 MEDIAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA...........................................28

5. CONCLUSÃO..................................................................................................32

6. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................35

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1. INTRODUÇÃO

No mundo contemporâneo, a dinâmica familiar passa por profundas

transformações, considerada por muitos autores como uma verdadeira crise na

organização familiar, cabendo ao judiciário evitar a sua completa falência. Outros

preferem acreditar que, ao invés de crise, a família passa por uma nova

estruturação, ou seja, que uma nova concepção de família está surgindo entre

outras tantas já existente ao longo da história.

A questão é, crise ou não, o que se percebe é que a família de hoje, baseada

nos moldes tradicionais está se desestruturando. O divórcio cada vez mais

constante pede passagem para uma nova organização familiar - dois lares

diferentes, compostos cada um com um dos cônjuges que até então viviam

juntos, muitos com filhos, disputando qual o melhor lar para estes.

Os freqüentes conflitos e angustias vivenciada por alguns pais separados, são

identificadas como causas perturbadoras para muitas crianças e adolescentes.

Dependendo das causas de que conduziram o fim do casamento, muitos casais

necessitam de ajuda e esclarecimentos para reconduzirem suas vidas.

A Convenção internacional do Direito da Criança estabelece no art.18, que

os pais têm a incumbência da responsabilidade primária na criação dos filhos e o

Estado deve apoia-los nessa tarefa, como também o Estatuto da Criança e do

Adolescente coloca que o Estado tem o dever de assegurar que a criança

desfrute da dimensão afetiva necessária ao seu desenvolvimento.

Assim sendo, quando estas famílias encontram-se em dificuldades sem

saber como resolver os seus conflitos, principalmente diante da guarda dos filhos

ou de visita do genitor não detentor da guarda, elas buscam o poder judiciário e

transfere para o magistrado o poder de decisão sobre a melhor forma de

reorganização de sua nova família.

O acompanhamento de casos na Vara de Família mostra que as questões

humanas tratadas no âmbito do Judiciário são das mais complexas, revelam

questões delicadas e dolorosas. Embora, a criança ou o adolescente, seja objeto

da disputa judicial, ela deve ser considerada pela lei como um sujeito de direito e

Page 8: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

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a decisão relativa à guarda e às visitas devem levar em consideração os

interesses dos filhos.

Existe por parte do magistério, além da necessidade formal, a percepção

de que os litígios de família não são só compreendidos através de uma lógica

racional, existe toda uma configuração que faz com que o conflito seja de difícil

resolução em termos jurídicos.

Diante desse impasse, o Poder Público, representado pela autoridade

judiciária, quando considera necessário, poderá pedir uma perícia psicológica

para subsidiar sua decisão. O Juiz, então, encaminha as partes envolvidas para o

psicólogo, para que este fazendo um estudo técnico possa auxiliar o juiz na

decisão relativa as questões que estão sendo tratadas.

Estudos mostram que seja qual for à motivação de um estudo psicológico,

este ato já é possuidor de papel importante para as partes envolvidas, à medida

que nomeia a natureza do problema em questão. Na perícia, são as famílias que

falam e a escuta não está voltada para aos aspectos legais, cumpre a função de

subjetivar o que para o sujeito parece muito objetivo, consequentemente a pessoa

pode ouvir a si própria e ressignificar o próprio discurso.

Contudo, a perícia psicológica não deve estar direcionada a avaliação de

qual o melhor genitor é merecedor da guarda ou visita dos filhos, mas, para a

compreensão da dinâmica das relações familiares.

Especialistas advertem que, em assuntos referentes à vara de família, a

equipe de psicólogos deve priorizar o trabalho com os pais, com o objetivo de

chegar a um acordo sobre os cuidados e a guarda dos filhos, auxiliando-os na

procura por respostas próprias dentro de suas possibilidades e história familiar.

Fica então uma indagação central: até que ponto o psicólogo jurídico deve

apenas ser um profissional que se limite a fazer um parecer para o juiz aplicar a

lei, que muitas vezes não é cumprida, num processo que se alonga por vários

anos ou deve assessorar o atendimento à criança e ao adolescente ou ainda

auxiliar na resolução dos conflitos vivenciada por famílias que recorrem ao poder

judiciário?

Surge, assim, uma outra demanda a de acolhimento e escuta, e o psicólogo

passa de perito a mediador na resolução do conflito. Daí o interesse pelo tema,

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fonte valiosa de questões e desafios para muitos psicólogos que atuam na

Vara de Família.

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2. DIREITO DE FAMÍLIA.

Diferentemente dos outros ramos do Direito, essencialmente lógicos e

universais, o Direito de família é local com características ligadas mais a uma

escala de valores do que técnica.

Inserido no Direito Civil, o Direito de Família é concebido como Direito

privado, embora se reconheça a presença de conceitos de ordem pública e tem

como objeto o casamento, razão das normas que regulam o Direito de Família.

Tais normas referem-se não só às relações pessoais entre os conjugues e os

outros membros da família como também abrangem as relações patrimoniais

familiares, além de abarcar as relações assistências.

A família, dentre todas as instituições, seja pública ou privada, é a que

reveste de maior significação. Todo indivíduo, ao nascer, torna-se parte dessa

entidade natural. Ela representa o núcleo fundamental em que repousa toda

organização social. Cabe ao Direito de Família regula as relações existentes entre

os seus diversos membros e as influências que exercem sobre as pessoas e

bens.

Na tentativa de se compreender melhor sobre o Direito de Família, faz-se

necessário circunscrever as várias significações do conceito de família adquiridas

ao longo da história.

2.1 FAMÍLIA E PODER AO LONGO DA HISTÓRIA

O significado de família tem variado através dos tempos e, ainda numa

mesma época, a palavra tem sido empregada de diferentes maneiras.

Atualmente, a família significa, em sentido amplo, um conjunto de pessoas

ligadas pelo vínculo da consangüinidade, ou seja, os descendentes de um tronco

comuns e em sentido estritos, abrangem o casal e seus filhos legítimos,

legitimados ou adotivos. Há autores que consideram também fazendo parte do

grupo familiar os domésticos que vivem no lar conjugal.

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O entrelaçamento das múltiplas relações, estabelecidas entre os

componentes da família, origina uma diversidade de disposições, pessoais e

patrimoniais, que formam o objeto do Direito de Família.

Essa complexidade que forma o sistema de Direito de Família é um

produto de uma ideologia dominante, das tradições e das crenças religiosas de

seu povo e alterna-se a competência quanto ao estabelecimento de suas normas

entre o Estado e a Igreja ao longo da história.

A família tal como a conhecemos hoje, surgiu com a ordem burguesa, mas

ganhou feição a partir do século XVIII, quando o amor e a sexualidade passaram

a ocupar um lugar importante dentro do casamento.

Até o século XVIII, e não só na cultura ocidental, fazia-se uma diferença

básica entre o amor no casamento e fora dele. O casamento não consagrava uma

escolha amorosa e sim um negócio de família, um contrato que dois indivíduos

faziam a conselho de suas famílias para o bem delas. Textos da cultura judaica e

grega mostram que o amor não era necessário ao casamento, sua função era a

procriação.

Segundo trabalhos realizados por Lèvi-Straus, conforme relato de Araújo

(2002, p.70) mostram que, nas sociedades arcaicas, a aliança é um fator

determinante no casamento, em que a união se justificava pela necessidade

recíproca imposta pela divisão sexual do trabalho e baseiam-se em um sistema

de trocas, cujas regras marcam a origem do casamento.

Na família romana, por exemplo, até o século V, a união dos casais era um

ato privado ocorrido entre os nobres, tendo como função a transmissão da

herança, de títulos e a formação de alianças políticas. A fecundidade era

indispensável ao casamento, assim como a fidelidade absoluta da mulher, de

modo que o adultério feminino implicava o abandono ou mesmo a morte da

esposa transgressora. Era uma sociedade em que as gerações de filhos e de

escravos estavam submetidas à autoridade do pater, com Direito ilimitado. O

divórcio era amplamente praticado.

A partir do século V, com a expansão do cristianismo e a queda do Império

Romano, vão se abrir os caminhos para a influência da igreja sobre o casamento

e em torno do século XII é estabelecido o sacramento do matrimônio monogâmico

e indissolúvel. O casamento passa a então, a ser instituído pelo clero, o ritual

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eclesiástico que antes era realizado em casa passa a ser transferido para a igreja

e a cerimônia passa a ser conduzida por um padre.

Na Idade Média, o Direito Canônico rege as relações familiares,

condenando o divórcio. O casamento passa a ser visto não apenas como um

contrato , mas como um sacramento, em que os cônjuges são unidos por Deus.

Cabe a doutrina da Igreja estabelecer impedimentos para a realização do

matrimônio e reconhecer os motivos que podem justificar a anulabilidade destes.

Contudo, no final da Idade Média começam a surgir conflitos entre tribunais civis

e religiosos. Protestantes atribuíam ao Estado a competência da regulamentação

do Direito de Família, sem impedimentos religiosos quanto à dissolução do

vínculo matrimonial, conforme relato de Brito (1993, p.54).

Coube, então, ao Concílio de Trento a reafirmação da autoridade absoluta

da Igreja que reafirma o casamento, incluindo a celebração e a averiguação de

sua nulidade. Surge nessa época a obrigação de um registro de casamento,

realizado de forma solene na presença de um sacerdote, que é visto como

testemunha necessária. Com a consolidação da relação Igreja-Estado, surge uma

moral diferente, admitindo o sexo exclusivamente para fins de procriação e dentro

do matrimônio, cabendo a mulher um papel de passividade.

No Renascimento, o rei, volta a requerer o Direito da Família como

competência do Estado, chegando a ocasionar em alguns territórios legislações

próprias. Fato este decorrente de uma estrutura medieval que concebia o

casamento como ato político e social, não aceitando as normas religiosas.

Aos poucos o Poder Civil absorve a competência da legislação de Direito

de Família, sem, entretanto, prejuízo do casamento religioso. No que tange a vida

sexual, tanto nos casados como nos solteiros, conforme a maioria dos

historiadores, foi regida pelos preceitos da moral cristã, até meados do século

XVIII ou mesmo até a revolução Francesa, considerando pecado toda atividade

sexual fora do casamento. A dessacralização do poder da Igreja, contudo começa

a decair com a revolução burguesa.

O acentuado crescimento demográfico do século XVIII traz a necessidade

de ordenação do espaço urbano e da população, assim como da integração desta

nos mecanismos de produção. A função da família na burguesia deixa de ser a

produção de descendentes e passa a privilegiar o crescimento adequado de seres

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humanos que possam servir ao Estado. Principalmente devido ao surgimento do

movimento higiênico na Europa, a família passou de modelo de forma de governo

a instrumento deste.

As funções jurídicas e sociais anteriormente exercidas pelos poderes reais

e pela Igreja passam a ser incorporadas em grande parte pela Medicina higiênica,

como saber disciplinar. Novas formas de relação familiar e uma nova moral no

que se refere às questões do casamento e do amor passam a ser impostas.

Surge a família nuclear burguesa composta pelo casal e os filhos.

Conseqüentemente, o capital familiar também passou a ser empregado de

forma diferenciada. Os recursos financeiros devem ser aplicados prioritariamente

em educação e saúde, principalmente do filhos, já que os filhos bem formados

ajudariam a aumentar o patrimônio familiar.

A união conjugal passa a ser de livre e espontânea vontade em nome do

amor, prática que passa a ser corrente na sociedade ocidental. Estabelece-se no

contrato conjugal as obrigações do marido e da mulher, definindo os papéis

sociais de cada cônjuge, no casamento e na sociedade. As crianças passam a ter

um papel especial, vistas como um ser em evolução que necessita de cuidados

especiais por parte da família. Origina-se uma nova organização familiar: ao pai

caberia a subsistência material da criança, à mãe, a educação.

Como contribuição para essa nova organização familiar surge a

psicanálise, identificando os problemas emocionais apresentados pelas crianças

como sintomas das disfunções familiares e da educação. A partir dos

ensinamentos da psicanálise, cada componente do grupo familiar deve ser

entendido como uma pessoa, com desejos e necessidades próprias, colocando-

se em segundo plano papel tradicional que desempenha no grupo familiar,

conforme relato de Brito (1993, p.67).

O casamento por amor vai assim, lentamente ascendendo na escala social,

mas introduz um outro aspecto: coloca à prova a duração do casamento. O

divorcio então se coloca como possibilidade, não como reparação de um erro,

mas como a sensação de um sentimento que se não durar deve dar lugar a um

outro.

Nesse processo, a chamada revolução sexual e a emancipação da mulher

tiveram papel importante. As novas relações que resultaram dessas

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transformações têm como base a igualdade e os princípios democráticos. As

mudança que vem ocorrendo na família, oriundas do amor e da sexualidade no

casamento, ao longo da modernidade, resultaram em transformações radicais na

intimidade e na vida pessoal dos indivíduos.

O sistema daí resultante traduz uma diversidade na regulamentação

jurídica da família, mostrando uma permanente capacidade de mudança. É o

mundo – público e privado –num processo de constante transformação.

2.2 A LEGISLAÇÃO SOBRE A FAMÍLIA BRASILEIRA

Ao proceder à análise da evolução do Direito de família no Brasil deve-se

entender que a elaboração legislativa, produto da ideologia dominante, não se

reflete como um espelho da realidade sociais que procura regular e nem impregna

de forma monolítica as diversas classes sociais, são sim, retraduzida de acordo

com as diversidades das experiências vividas das relações de poder em cada

classe social.

Dentro da visão de Ribeiro , (1987, p.166) o Direito é entendido na sua

função articulada de dominação(repressão) como também de direção (consenso),

de formador de hegemonia. Assim sendo, o Direito não só reprime, mas,

sobretudo produz e reproduz as relações sociais, normatizando-as, coordenando-

as e moldando-as.

A família não é um reflexo da forma de relacionamento do grupo familiar

mediante todas as classes sociais, mas, a codificação de uma visão de mundo da

classe dominante, preocupada com a legitimação, dos laços familiares,

preocupada com a definição do poder marital e paternal bem como com a

regulamentação do regime de bens.

Nessa ótica, percebe-se fazendo um retrospecto da história da família no

Brasil, que o modelo patriarcal da época colonial em que esposa, filhos e

escravos compunham os bens do Pater Familias, apesar de não representar todo

o território nacional e sim, especificamente à região canavieira do nordeste, é

considerado por muitos historiadores como sendo a estrutura da época,

provavelmente, por ser o modelo da classe dominante.

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Deve-se ressaltar ainda que esse modelo de família no Brasil era

semelhante da sua metrópole que sofreu as disposições do Concílio de Trento,

ratificando a autoridade absoluta da Igreja em tudo o que se relaciona com o

casamento e influenciando as Ordens Filipinas(1603) que revoga assim,

disposições anteriores do Direito Civil Português, conforme relato de Brito (1993,

p.55). De forma que o transplante do Direito português para a Colônia foi

inevitável.

Em 1808 com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, começa a

surgir mudanças sociais. A preocupação com a saúde dos indivíduos por parte do

Estado que antes era sinônimo de combate a doença, torna-se preventiva. Ocorre

a fundação de uma escola de Cirurgia na Bahia e a criação de uma faculdade de

medicina em 1832. Em 1835 a sociedade de medicina, criada em 1830,

transforma-se em Academia imperial de medicina firmando sua colaboração com

o Estado e ampliando suas relações com o mesmo.

As razões higiênicas propagadas por médicos a partir do século XIX no

Brasil, e na Europa, no século XVIII, contribuíram também para as mudanças na

regras do contrato social. Começa a surgir a Família Nuclear.

Na época do Brasil colônia, o casamento era um procedimento simples, por

meio da escolha pelo patriarca de parceiros para os filhos, dentre as famílias

conhecidas, mas, a partir da chegada da Corte, as boas maneiras, a educação e

outros atributos passaram a contar quando da escolha dos noivos, semelhantes

aos padrões de comportamento europeu, já higienizados.

Outro fato que deve ser destacado é que até 1891, ano da promulgação da

primeira constituição republicana, todo o controle sobre a vida civil estava, na

prática, a cargo da igreja católica, que controlava os registros de nascimento,

casamento e morte Essa situação criava um grande problema para os

protestantes e para os judeus que durante a vigência do Império, não possuía

qualquer tipo de registro de nascimento ou casamento.

Somente no século XIX com a Proclamação da República que desvincula

Igreja e Estado, ocorrerá uma legislação civil brasileira a ser aplicada ao

casamento dos que não eram católicos. O decreto 181 de 1890 surge como

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manifestação legislativa sobre o Direito de Família enquanto não se publicava um

código civil.

O primeiro código civil data de 1916 e o modelo jurídico da família brasileira

tem nele o seu marco. É no Código Civil que se encontra a principal fonte legal,

depois da Constituição sobre a família.

Seguindo a ordem traçada pelo Código de 1916, examina-se: o casamento,

como base da família, as relações pessoais e patrimoniais entre os conjugues, as

relações entre pais e filhos, definindo-se as diversas espécies de filiação junto ao

conceito de pátrio poder, incluindo a adoção, a tutela, criação artificial para suprir

a autoridade do chefe de família, a curatela, instituição protetora dos incapazes,

bem como o dever de prestação alimentícia e o regime de herança e enfim, adota

enquanto modelo, a família patriarcal, concentrando todo o poder nas mãos do

homem, tanto na figura de pai como na de marido.

O Código Civil de 1916 com o intuito de regular o casamento, dentro de

uma lógica de higienização da família, impede o matrimonio entre parentes

próximos, seja ascendentes, e descendentes, adotante e adotado, colaterais de 2º

e 3º graus, adotado com filho superveniente ao pai e ou mãe adotivos, sob pena

de nulidade, reforçando assim, padrões moralizantes como a proibição do incesto

e regras de relacionamento sexual entre parentes expressos na Constituição de

1934.

O código penal de 1940 apresenta, também, vários capítulos destinados a

regulamentar padrões considerados fora da moralidade nas relações sociais e

familiares. Na intenção de proteger a família, o código pune a bigamia, o adultério

e a prática de aborto, permitindo este somente em caso de estupro ou a que

expusesse a vida da gestante, o que já foi um avanço, visto que, ao código

criminal de 1830 e o código criminal da república de 1890 consideravam o aborto

como crime independentemente de qualquer exceção.

A legislação trabalhista, a partir de 1932, demonstra uma preocupação com

a regulamentação do trabalho da mulher e do menor, presidida pela lógica do

Código Civil que infere ao pai ou marido cuidar de sua família. Com o intuito de

salvaguardar a família, a legislação trabalhista, conforme o artigo 446 da CLT,

prevê ao pai ou ao marido de cancelar o contrato de trabalho do menor ou da

mulher casada se este ameaçar vínculos familiares.

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Em 1962 surge o Estatuto da mulher casada, que revoga o dispositivo do

código civil, que definia a mulher casada como “relativamente capaz”, outorgando

a ela a capacidade jurídica plena. Apesar dessas alterações, não houve grandes

mudanças, permanecendo o modelo patriarcal e monogâmico.

Em 1964, assinala-se a adoção do divorcio, bem como a emergência de

padrões sexuais novos com o advento das pílulas anticoncepcionais. Verifica-se

também uma reordenação do modelo econômico capitalista, do desenvolvimento

econômico e a conseqüente expansão do mercado de trabalho, crescimento até

meados dos anos 70, seguidos de uma fase recessiva de desemprego com a

ocorrência da desvalorização dos salários.

A difusão da psicanálise no Brasil a partir dos anos 70, também contribui

para as modificações de papéis familiares. A busca das realizações e aspirações

associada a livre opção começam a equiparar o homem e a mulher.

Contudo, essas alterações não tiveram uma correspondência na legislação.

O Código Civil de1916 continuou inalterado, salvo o dispositivo quanto à

indissolubilidade do matrimonio com a entrada em vigor da lei 6.515, de 1977, a

“lei do Divorcio”. Essa lei, entretanto, só permitia o pedido de divórcio a uma só

vez e só a partir de novembro de 1985, o Congresso Nacional iniciou discussão

sobre o projeto de lei que permite o divórcio mais de uma vez, conforme relato de

Ribeiro, (1987, P. 178)

Somente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual

Constituição Federal, ocorreram alterações marcantes em normas coerentes com

a evolução da sociedade contemporânea, que proclama os direitos e deveres

referentes à sociedade conjugal.

A constituição de 1988 traz como inovações entre outras, a igualdade do

homem e da mulher no exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade

conjugal; o prazo de divorcio que foi reduzido para um ano ou dois anos após

comprovação de separação de fato; foi concedido aos filhos, havidos ou não da

relação de casamento, incluindo os adotados, os mesmos direitos e qualificações,

proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Surge ainda, para ampliar a proteção do bem de família, outras Leis, como

a Lei nº. 8.009, de 29-3-1990, que abrange, inclusive, equipamentos e bens

móveis que guarnecem a casa, e passando a proteger tanto a família legítima

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quanto à entidade familiar decorrente da união estável entre o homem e a mulher

(prevista pelo art., 226, § 3º, da CF). O STF decidiu que a casa própria única é

impenhorável, aplicando-se a aos processos em andamento e anulando as

penhoras já realizadas. E as Leis n. 8.971, de 29-12-1994, e 9.278, de 10-5-1996,

definiram os direitos e deveres dos companheiros (que constituem uma união

estável).

Finalmente em 2002, foi promulgado o novo Código Civil, que, entretanto,

já nasceu velho, por tramitar há cerca de 25 anos no Congresso. Na verdade, o

novo Código vai regulamentar e normatizar modificações que já fazem parte do

cotidiano dos brasileiros, já proclamada na última constituição, em 1988.

Um dado interessante a ser ressaltado no novo código Civil de 2002 é que

este modificou a posição do Direito de Família que passou a constituir o Livro IV

da Parte Especial (enquanto é o primeiro livro da mesma parte do Código Civil de

1916), adotando –se assim, um critério mais técnico e didático.

O novo código civil, logo de início enfatiza a igualdade dos cônjuges

(art.1.511) e não interferência das pessoas jurídicas de direito público na

comunhão de vida instituída pelo casamento (art.1513), além de definir o regime

do casamento religioso dos seus efeitos. Afastou-se, por emenda, a qualificação

’legítima’. Fortalece-se o princípio de que ‘a direção da sociedade conjugal será

exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher’, no interesse da família (art.

1.569).

Em função do sistema ditado pela Constituição, substituiu-se pátrio poder

por poder familiar (arts. 1.658 a 1666 e outros). No art. 1.567 modificado já não se

diz que ‘o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascido ou concebido’,

mas que ‘importa o reconhecimento’ deles. Em conseqüência natural dessa

alteração, no art. 1.618 também revisto, e absorvendo os arts. 1.619 e 1620, são

“equiparados aos nascidos no casamento, para todos os efeitos legais, os filhos

concebidos ou havidos de pais que posteriormente casaram”.

Ainda segundo a emenda aditiva ao Código Civil de 2002, “na união

estável, salvo convenção valida entre os companheiros, aplica-se às relações

patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. E, de

acordo com a recomendação constitucional, se estabelece, sem formalismo, que

“a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos

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companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. Como pode ser observada, tal

reforma de largo sentido social e de direito justo, trazem o desenvolvimento e a

democratização da família.

Fica evidenciado, portanto, a atuação do Estado, cabendo-lhe educar os

cidadãos, indicando-lhes meios técnicos e científicos que lhes permitam o

planejamento familiar de forma adequada, livre e responsável. É importante,

contudo, perceber que a atuação do Estado é para resguardar o Direito da

Família e não para interferir privando a liberdade do cidadão no seu núcleo

familiar. É imperativo, entretanto, que essa liberdade não interfira na liberdade do

outro e assim sendo, proteger os direitos e deveres de cada cidadão.

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3. SEPARAÇÃO E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS NA VARA DE FAMÍLIA

A instituição do casamento é baseada na relação afetiva e sexual entre

duas pessoas, regida por um contrato, entre um homem e uma mulher, em que

uma série de formalidades prévias acontecem, no intuito de verificar se há algum

tipo de impedimento. Após serem lavrados os proclames do casamento e

decorrido 15 dias, se não houver nada que impeça os nubentes de se casarem,

estarão habilitados para o matrimonio e este só termina quando ocorre a morte de

um dos cônjuges, pela anulação do casamento, pela separação judicial ou

divórcio.

Contudo, o casamento não é a única forma de união, a constituição de

uma família pode se dar também de forma informal, oriunda de um união estável

sem formalidades oficiais.

No Brasil, a Legislação atual, reconhece tanto a união formal entre um

homem e uma mulher, como a união informal. De forma que, seja através de uma

união formal ou informal, quando o casal quer se separar e não conseguem um

acordo, este pode recorrer ao poder judiciário para reivindicar o que considera de

direito.

O fim de uma sociedade conjugal pode ser consensual, quando houver

o acordo entre as partes, ou litigiosa, caso o casal não esteja conseguindo

resolver suas divergências.

Na maioria das vezes, quando uma das partes envolvida na separação

entra com um processo litigioso, vem do fato de ainda estarem emaranhado na

dor do fracasso da separação e não terem alcançado o “divórcio Psíquico”,

conforme relato e Ribeiro(1999, p:165).

A questão maior, quando há filhos no casamento, fica em torno de quem

ficará com a guarda após a dissolução da família, e como ficará a regulamentação

das visitas para o cônjuge não detentor da guarda.

Caberá, então, ao juiz decidir dentro da lei quem é merecedor da guarda

que está sendo pleiteada e caso o conflito seja de difícil resolução em termos

jurídicos, o juiz poderá pedir ajuda pericial para subsidiar sua decisão e, nesse

Page 21: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

20

caso, cabe a perícia psicológica a função de analisar a situação mais benéfica

para a criança.

A expectativa que se faz, ao solicitar a perícia psicológica, em caso de

disputa de posse ou guarda, ou sobre critérios de visitação, é que esta aponte

o genitor mais apto à guarda dos filhos ou que analise impedimentos para a

visita do genitor não detentor da guarda.

Entretanto, a Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia RJ

argumenta que, frente ao impasse da escolha, o profissional ao escolher o melhor

genitor para a posse da criança está praticando um julgamento, função que não

lhe cabe. Além disso, não existem instrumentos de avaliação que objetivamente

possam informar sobre o significado de ser o melhor pai ou a melhor mãe.

Ainda assim, algumas tentativas para essa aferição, aparecem na

literatura, envolvendo comparações entre habilidades e disponibilidades dos

genitores diante das necessidades infantis.

Conforme relato de Brito (1999, p.173), solucionar problemas relativos à

criança, manter disciplina e estabelecer adequado relacionamento com o meio

social, constituem algumas categorias de comportamentos a serem investigadas.

Testes sobre a percepção das crianças a respeito do comportamento de seus

pais também foram divulgados como recursos possíveis de utilização para a

obtenção de informações na definição da guarda.

A exigência de que se avalie quem apresenta melhores condições,

conforme dispõe a lei, contribui para o aumento de tensões e hostilidade entre as

partes e tem conseqüência desastrosa à nova forma de relacionamento

necessária após a separação.

Este modelo de atuação, hoje em dia, é fortemente criticado, já que

permite interpretações e entendimentos diversos, de acordo com os diferentes

interventores. Controvérsias também são levantadas na interpretação da

liberdade de expressão da criança.

“Ouvir a criança, dar-lhe o direito de expressar seus sentimentos, angústia e dúvidas é uma prática que deve ser empreendida constantemente. No entanto, atribuir a decisão de guarda ao proclamado “desejo” da criança torna-se um erro de interpretação da normativa quando se desloca aos menores de idade responsabilidades

Page 22: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

21

que estão em desacordo com suas necessidades e interesses de sujeitos em desenvolvimento, forçando-os a decidir impasses judiciais

Brito(1999, p.178)

A designação para a atuação de uma equipe interdisciplinar, junto aos

juízos de família, para atendimento dos membros do núcleo familiar passa a ser

apontada por vários autores. Caberia também a esta equipe assessoramento às

criança e jovens, com o objetivo de esclarecer, tirar dúvidas e trabalhar

ansiedades, de forma a ver a criança como sujeito que tem direito à expressão e

à informação, ou seja, tem direito à verbalizar e a ser informado sobre as leis, no

espaço jurídico.

Deve ainda ser ressaltado que a partir da Convenção Internacional da

criança, datada de 1989, a questão do interesse da criança em conservar

relações pessoais com ambos os pais passa a ser reconhecido como um direito,

garantindo a criança o vinculo com a mãe e o pai.

Atualmente o entendimento é que a obrigação de educar e cuidar dos

filhos é decorrente do vínculo de filiação, e não do casamento. a partir de então,

observa-se uma grande mudança na concepção sobre a guarda, passa-se a

entender que é importante para a criança conviver tanto com o pai como com a

mãe, mesmo que estes não formem mais um casal.

3.1 GUARDA COMPARTILHADA

O divorcio é cada dia mais freqüente nos nossos tempos, contudo quando

essa união gera filhos, não se pode dizer que a família acabou por ter acabado o

casamento. Os laços de “Pai, Mãe, Filhos” continuam para sempre.

Ribeiro(1993, p.164) comenta que:

“...é necessário que o conceito de família possa abarcar essas novas organizações, onde pessoas que um dia constituíram um casal e que tiveram filhos em comum possam ser contemplados por uma definição que reconheça sempre – como a lei brasileira já o faz, tornando-os co-responsáveis um pelo outro – o elo de ligação eterna que os une. Isso porque o bem-estar e o desenvolvimento de seus filhos dependerão da capacidade desse ex-casal de negociar as questões relativas aos filhos, mantendo-os co-dependentes na tarefa

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22

de criá-los. O resultado dessa tarefa comum influencia na qualidade de vida de cada membro de ex-casal, o que nos permite concluir que, ao terem filhos , dois adultos criam uma teia que os mantêm envolvidos emocionalmente e materialmente, mesmo que venham a romper o vínculo conjugal”.

No entanto, nos trabalhos em Vara de Família, o que se percebe é que ex-

casais estão emaranhados na sua dor, em conflito pelo fracasso de sua relação e,

o que é pior, utilizam-se da criança para manter o litígio, numa forma de tentar o

“divorcio psíquico”. Que de acordo com Bohannan, ainda em relato Ribeiro (1993,

p.165) é o estado “no qual o indivíduo vivencia sentimentos de aceitação,

autoconfiança, independência e autonomia após o fim do divórcio legal”. O que

lhes permite realizar uma re-síntese de sua identidade, vivendo de forma

confortável o novo estilo de vida, bem como o de ajudar os filhos a aceitar essa

nova situação e estimulá-los a manter um contínuo relacionamento com ambos os

cônjuges após o divorcio.

Normalmente, as desavenças acontecem pela guarda dos filhos que, no

momento da separação, disputam quem possui a melhores condições para

permanecer com a prole. Quando a guarda é conferida a apenas um dos

genitores, aquele que não fica com a guarda do filho, e o própria criança

enfrentam uma abrupta descontinuidade no seu relacionamento cotidiano.

A partir de então, um novo papel é imposto, e tanto filho como o progenitor,

passam a ter que se acostumar com uma rotina em que não compartilham mais a

vida um do outro, ao mesmo tempo em que existem laços que os unem.

O progenitor não guardião e o filho, geralmente, enfrentam várias

dificuldades. Uma dessas dificuldades é a falta de espaço, em que tanto o

progenitor como o filho, muitas vezes, ficam sem saber para que lugar ir ou o que

farão, a dificuldade aumenta ainda mais, se a criança for pequena e precisar de

nutrientes da mãe ou de contínua estimulação e entretenimento para controlar

sua inquietude.

Além disso, em muitos casos, a visita em si torna –se uma ameaça que

evoca, em ambos, os fantasmas de um casamento fracassado, fantasia do que

poderia ter sido e, ainda, um alto grau de comprometimento emocional, por não

terem conseguido chegar a um acordo amistoso para a criação do seu filho,

precisando ter que recorrido ao judiciário.

Page 24: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

23

Diante dessas dificuldades, o que se percebe é que em qualquer tipo de

análise para decidir a guarda dos filhos, na Vara de Família, deve-se estar voltado

para o melhor interesse da criança e não se deve perder de vista o entendimento

sobre os deveres e direitos parentais.

Deve ser ressaltado, contudo, que escutar a criança, entender as suas

ansiedades, suas dúvidas é, com certeza, recomendável, mas não pode fazer de

sua palavra o elemento de maior valor na decisão, pois a criança não detém a

plenitude jurídica. A criança ou mesmo o jovem ao expressar a sua opinião sobre

com quem deseja ficar após a separação dos pais, pode trazer graves

sentimentos de culpa na criança por haver rejeitado um dos pais.

Seguindo a indicação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança

(1989) que, por exemplo, no art.9º consagra que a criança deve ser educada

pelos dois genitores e do princípio jurídico da igualdade entre homens e mulheres

que prevalece nas Cartas Constitucionais atuais, vários países optaram por

alterações na legislação específica, estabelecendo o exercício em conjunto da

guarda.

A guarda conjunta fundamenta-se nos direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal que passaram a ser exercidos igualmente pelo homem e pela

mulher, além do fato de se reconhecer o direito da criança em manter um contato

estreito com seus genitores. Diante dessa reflexão, torna-se imperioso a

indicação da autoridade parental conjunta, dispositivo jurídico vigente na França,

na Suécia e nos Estados Unidos, entre outros.

“Uma das dificuldades da separação conjugal quando o casal possui filhos é o fato paradoxal de querer desligar-se de alguém, que na verdade não se poderá se desprender totalmente, dada a parentalidade comum. Acredita-se, porém, que mesmo após o término de uma relação, as pessoas devem ser capazes de manter o diálogo no que diz respeito à sua prole, a fim de assegurar aos filhos a continuidade das funções paternas. Nestes casos, presencia-se o desaparecimento do casal conjugal, mas deve-se conservar o casal parental, garantido-se a continuidade das relações pessoais da criança, com seu pai e sua mãe”

Brito(1999, p.141)

Constata-se, portanto, que não existe sentido em estabelecer critérios para

definir qual dos genitores reúne condições mais apropriadas para o cuidado da

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24

criança. É inadequado que os psicólogos jurídicos direcionem, através de perícia,

a filiação unilateral, quando deveriam deslumbrar a possibilidade de que os filhos

continuem sob a guarda de ambos os pais, mesmo estes estando separados,

visto que, o que foi rompido foi o vínculo da conjugabilidade e não o vínculo

parental.

Entretanto, é comum ainda, nas Varas de Família, psicólogos avaliarem

quem é o melhor progenitor para a guarda do filho, fato lamentável,

principalmente depois da Convenção em que passou-se a compreender a

importância tanto o pai quanto a mãe na educação dos filhos.

Assim, a visão do Psicólogo deveria se não no sentido de uma avaliação,

mas procurar trabalhar com os genitores a importância da manutenção do papel

de ambos.

Brito, em sua pesquisa “Separação, Divórcio e Guarda de filhos”, mostra

de forma bastante interessante essa problemática vivida por casais que se

separam e disputam a guarda dos filhos e comenta que discutir a problemática

das responsabilidades parentais, permitindo o direito dos filhos de estar com

ambos os pais, tem sido uma das demandas dos pais que foram entrevistados.

Para eles, a simples definição de guardião e visitante não é suficiente e foram

várias as queixas dos pais que se consideravam à margem do processo educativo

dos filhos.

Na Suécia a guarda conjunta ou compartilhada foi introduzida

juridicamente como uma possibilidade há mais de 20 anos, a partir do argumento

“de que a possibilidade de compartilhar a guarda para o pai que não vive com o

filho, pode permitir reforçar os sentimentos de responsabilidade, conforme relato

de Brito (P.145)”.

Constata-se, portanto, a existência de um reconhecimento da legislação

internacional de que é um direito do filho manter relações pessoais constante com

seus genitores, entende-se que a separação de um casal não deve conduzir à

ruptura dos laços entre pais e filhos.

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25

4 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO EM VARA DE FAMÍLIA

A primeira aproximação da Psicologia com o Direito ocorreu no final do

século XIX, com o surgimento da Psicologia do Testemunho.

Essa fase inicial foi influenciada pelos laboratórios de Psicologia

Experimental, a exemplo das Ciências da Natureza, que faziam estudos sobre a

memória, percepção e sensação, através de instrumentos de medida que

possibilitavam comprovações matemáticas, conduzindo a Psicologia ao status de

Ciência, conforme pressuposto positivista da época.

O que se pretendia, na época, era buscar a fidedignidade do relato do

sujeito, implicado em um processo Jurídico, para fornecer dados que pudessem

ser considerados cientificamente comprovados e, assim, subsidiar as decisões

judiciais.

A partir da compreensão da ordem cientifica que norteou a psicologia

Jurídica, nessa fase, verifica-se uma prática voltada quase que exclusivamente

para a realização de perícia, exame criminológico e parecer psicológico, através

de diagnóstico baseados em entrevistas e resultados de testes aplicados.

De acordo com esse referencial, foram utilizados métodos que

possibilitassem detectar a mentira, técnicas para determinação da periculosidade

dos indivíduos, entre outros. Conforme Marisa Correa (1982:55) as pessoas eram

definidas, cada vez mais, a partir de “ testes refinados que classificavam conforme

a sua hereditariedade, o seu caráter ou a sua constituição biotipológica, uma

combinação de fatores físicos e psíquicos”

A utilização de tais artifícios, baseados em dados obtidos no contexto

positivista, gera questionamentos por diversos autores contemporâneos, que

identificam, nesta proposta científica, uma ideologia conservadora que exprime

uma visão consensual do mundo, não levando em consideração as contradições

de classes sociais e o contexto econômico e político, conforme Brito (1993:30).

Uma outra crítica que se faz, é a tão proclamada “objetividade” como

relevância para a obtenção de dados científicos que não pode ser total, e sim

relativa, já que é interpretada a partir da subjetividade do pesquisador.

Page 27: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

26

Ainda conforme Brito, um dos primeiros a problematizar essa objetividade

do conhecimento nas Ciências Sociais foi Weber, que esclarece que os valores

que dominam a cultura são também responsáveis pelos objetos de estudos feitos

pelo investigador, se não fosse assim, não seriam aceitos como verdades

científicas pela comunidade. Acrescenta ainda, que essa noção de relativismo

histórico e cultural, demonstram a impossibilidade da aplicação de leis de caráter

universal às Ciências Sociais.

Conduto, ainda hoje, a Psicologia Jurídica oferece à justiça a possibilidade

de aplicação de seus conhecimentos fundamentalmente sob a forma de perícia

acreditando que dados precisos e objetivos poderão ser aferidos com essa

técnica, tão criticada por autores contemporâneos e atrelados a preceitos

positivistas.

4.1 A PERÍCIA PSICOLÓGICA

Analisar a atuação do psicólogo em Vara de Família pressupõe uma

reflexão no que tange o trabalho do psicólogo jurídico.

Conforme, prevista no artigo 420 do Código de Processo Civil, psicólogos e

assistentes sociais atuam nas varas de família com o intuito de nortear o

assessoramento ao magistrado pela atividade de perícia.

A perícia numa instituição judiciária é um estudo técnico sobre um

determinado assunto e tem como objetivo auxiliar a decisão pertinente nos

diversos âmbitos do Sistema Judiciário. No caso de uma perícia psicológica, em

vara de família, uma das solicitações diz respeito a situações em que o casal

separado não chega a um acordo em relação a guarda dos filhos ou ao sistema

de visitas do genitor não possuidor da guarda.

Sendo assim, o que se nota é que indivíduos que procuram o judiciário

para solucionar seus conflitos, o fazem porque há uma disputa em que sozinhos

não conseguiram resolver. O que significa que quando se entra com uma ação no

judiciário é por pressão de um conflito em que ambas as partes esperam que a

autoridade judicial possa atender as suas expectativas.

Page 28: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

27

Para participar de um processo judicial, o primeiro passo é procurar um

advogado, que será o profissional capacitado de representar formalmente a

pessoa em questão nos autos e defender seus interesses.

É, portanto, através do advogado que a pessoa fala no processo, salvo em

ocasiões em que é ouvida em audiência. Ao representar seu cliente, o advogado

procurará defender seu cliente mostrando que este está mais amparado no Direito

que seu oponente, e espera que alguma providência legal seja tomada a favor do

requerente. Caberá, então, ao juiz decidir dentro da lei, quem é merecedor do que

está sendo pleiteado.

Além da necessidade formal, existe por parte dos operadores do Direito a

percepção de que os litígios de família não são só compreendidos através de uma

lógica racional, existe toda uma configuração do conflito que faz com que este

seja de difícil resolução em termos jurídicos e, assim sendo, o juiz poderá pedir

ajuda pericial para subsidiar sua decisão.

No caso de guarda dos filhos menores, caberá a perícia psicológica a

função de analisar a situação mais benéfica para a criança.

Deve ficar claro que a perícia não deverá direcionar sua avaliação para

qual genitor é merecedor da guarda ou da visita e nem detectar qual deles está

mais apto a exercer as funções parentais, e sim, compreender a dinâmica das

relações parentais.

Visto assim, são realizadas entrevistas, observações lúdicas, se

necessária, e ainda pode-se valer do uso de técnicas projetivas, para no final

apresentar um laudo por escrito. Quando um laudo é escrito ele fala das situações

conturbadas, das relações conflitiva e nomeia coisas que estão deslocadas. O

laudo é então, apresentado nos autos, segue a tramitação de praxe e por fim o

juiz toma a decisão.

Contudo limitar a função do psicólogo ao papel somente de perito, restringe

o psicólogo a uma contribuição muito pequena, fato que tem levado a

especialistas no assunto a questionar o papel real do psicólogo frente à

problemática de uma separação e suas

Atualmente, apesar de ainda se destacar na Psicologia Jurídica a

realização de perícia e laudos, percebesse que a ciência contemporânea se

orienta cada vez mais para um posicionamento mais ativo em relação aos graves

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28

problemas que afetam a humanidade e que estes estão vinculados a um contexto

histórico. Começa-se a buscar uma perspectiva mais direcionada para as

potencialidades e para o bem estar dos seres humanos, conforme relato de Brito

(2001, p.121)

4.2 MEDIAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

A Psicologia Jurídica nasceu na época do positivismo e sua prática era

solicitado por juizes, quase que exclusivamente para fazer perícia e parecer,

marcada pela realização de diagnósticos, com ampla utilização de testes.

Entretanto após o cargo ter sido instituído em diversos estados, com

funcionários concursados, começa-se a exercer uma função diferenciada dos

peritos autônomos. Esta prática, a partir dos anos 90, passa a se diversificar e

ampliar seu campo de ação junto ao Sistema Judiciário.

Além de fazer perícia e parecer, a Psicologia Jurídica passa também a

informar, apoiar, acompanhar e dar orientação pertinente a cada caso atendido,

conforme Sônia Altoé do Instituto de Psicologia da UERJ. Surge, a partir de então,

uma necessidade de reformulação de conceitos e paradigmas,

A psicanalista Gondar, em seu artigo “Etica, Moral e Sujeito”, faz uma

reflexão sobre a atuação do psicólogo, mostrando a diferença entre o que

trabalha com pessoas como se fossem objetos ou como sujeitos, pontuando

assim, a importância de sempre levar em conta a existência do indivíduo como

sujeito, sem anular sua subjetividade. Sair do lugar de técnico ou de perito para

buscar novas alternativas, num exercício profissional mais comprometido e crítico.

No caso específico da atuação do Psicólogo em Vara de Família, Brito

(1993,p.48), especialista nessa área, propõe para o psicólogo Jurídico um

trabalho de mediação, que segundo a autora:

“atuariam como mediadores do acordo, encaminhando o ex-casal o

fato de que , apesar de não serem mais marido e mulher continuam

como pais dos mesmos filhos, dado que por si só, requer

entendimentos constantes. O casal repassa ao Juiz a decisão sobre a

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29

guarda de seus filhos, deve ser encorajado a buscar entendimentos

mútuos em questões que envolvam a prole”.

Ainda conforme Brito, o papel de perito contribui para o sistema jurídico,

mas pouco ao sujeito que busca a justiça para solucionar suas dificuldades e que

“o trabalho acessível ao comprometimento com a busca de decisões próprias na

organização familiar, após a separação conjugal, pode ser mais adequado àqueles

que acabam recorrendo ao judiciário para soluções de conflito”.

Vários autores sugerem também o funcionamento de uma equipe

assessora, formada por psicólogo, assistente sociais, assistentes jurídicos, em que

os casais pudessem recorrer livremente, evitando a necessidade de uma perícia.

Biel, conforme relato de Brito (1993, p.60), propõe que a atuação do psicólogo na

Vara de Família deveria ocorrer em três momentos da tramitação judicial:

“antes da atuação judicial, possibilitando que as pessoas que desejam se separar possam tirar suas dúvidas, durante o processo legal, visando canalizar os conflitos e discriminar responsabilidades entre os genitores a respeito dos filhos; e, finalmente, depois do fato judicial, ajudando-os na compreensão da nova situação apresentada”.

Dayse Berrnardi, em boletim da AASPTJ – SP, mostra a importância

desses três momento e acrescenta que:

• Na fase pré-processual, o atendimento psicológico é parte do trabalho de

equipe multidisciplinar de assessoramento ao juízo, quando se examina o

conteúdo jurídico do caso considerando o conteúdo emocional das partes

envolvidas, no processo, facilitando o acordo entre as partes para

estancar o processo.

• Na fase processual, o psicólogo assessora o magistrado de forma mais

completa, interligando as ciências jurídicas às ciências humanas e essa

introdução do lado humano no processo, é fundamental para manter a

apreciação do caso dentro do contexto familiar, comunitário e social que

o indivíduo vive.

• Na fase pós processual, o da execução da sentença, a intervenção do

psicólogo, já que nem sempre se consegue impedir o litígio, se faz

Page 31: o Psicologo Jurídico Lucia Mara de Mello Serra Santos

30

necessária para o diagnóstico do caso e propositura de ações

apropriadas.

O que fica claro, nesse novo modo de encarar a Psicologia Jurídica é que a

intervenção desse profissional pode ocorrer em qualquer fase do processo, ou

seja, antes que o assunto em questão se transforme em um caso judicial, durante

a fase processual e depois, na execução da sentença.

Quando um casal se separa através do litígio, é como se atribuísse a

outros a resolução de problemas que se consideram incapazes de resolver, como

se este pedido retratasse um sentimento de impotência e que essa tentativa de

resolver no judiciário pudesse reverter este quadro através da onipotência do juiz.

Quando o ideal seria que essa família compreendesse a dinâmica da situação

conflitiva e que pudesse por si mesma resolver a questão que a leva ao

sofrimento.

Muitas vezes a escuta que o psicólogo faz pode levar a compreensão de

questões que causam o sofrimento desta família, diferentemente do discurso

colocado, quando procuram o judiciário. Desta forma a escuta pode oportunizar a

pessoa de se ver acolhida e consequentemente, ouvir a si própria e redefinir sua

própria situação conflitiva.

Muito mais do que auxiliar no processo decisório, a função do psicólogo

deve ser a de promover uma melhor qualidade nas relações entre as partes, de

forma a encontrar uma abordagem que permita intervenções geradoras de

mudanças junto a esses núcleos familiares, conforme Ribeiro (1993-pag 162).

Faz-se necessário, portanto, abandonar o lugar de “técnico” ou de “perito”,

de uma suposta neutralidade e buscar um papel mais comprometedor com a

dinâmica familiar.

Esta prática engloba as atividades que o psicólogo pode exercer no âmbito

da ação do Direito, nas diferentes áreas de atuação, seja nas Varas de família,

Juizado da Infância e Juventude, nas Varas de Execução Penal e etc..., portanto,

a terminologia “Psicologia Jurídica” não está vinculada à questão semântica, e

sim, a constituição e delimitação de campo de conhecimento.

Construir novas modalidades de atuação para um trabalho que na sua

rotina pode ser muito intervencionista na vida do sujeito requer uma reflexão e um

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desafio que a ética profissional se impõe. Afinal, o psicólogo não lida com objetos

e sim, com sujeitos, e deve levar em conta a existência deste.

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32

5. CONCLUSÃO

Pelo referencial teórico examinado, evidencia-se que o trabalho do

Psicólogo Jurídico começa a ganhar novos contornos, pontuando um trabalho

mais amplo voltado para a mediação, prática mais adequada para a função em

questão.

Contudo, percebe-se que a rotina do Psicólogo Jurídico é ainda fortemente

marcado pela elaboração de laudos perícias que servem às decisões judiciais.

Contrapondo-se a essa pratica exclusiva de perícia psicológica, baseada

em psicodiagnóstico, pesquisas mostram que esse posicionamento,

eminentemente de perito é apontado como uma estratégia de controle, contrário

ao que se propõe, como função de ajuda.

Objetivando aferir as reais necessidades dos profissionais de psicologia na

Vara de Família, ficou constatado, também, que a necessidade de ajuda não deve

se limitar apenas ao judiciário, a família, em litígio, sofre e precisa também de

ajuda.

Para tanto, o Psicólogo Jurídico deve atuar, antes mesmo do início do

processo, fazendo parte de uma equipe interdisciplinar de ajuda a família,

examinando o conteúdo emocional das partes envolvidas no processo. Muitas

vezes, esse procedimento pode estancar o processo judicial.

Caso haja o processo, nesse segundo momento o psicólogo deve atuar

subsidiando o juiz, mas sempre procurando ajustar as ciências jurídicas às

ciências humanas e depois de dada a sentença, procurando ajudar as partes

nessa nova fase.

É imperioso, também, que os profissionais que atuam em Vara de Família

tenham uma compreensão da diferença de conjugalidade e parentalidade.

Quando se trata da guarda do filho, as disposições legais procuram

verificar qual genitor que reúne as melhores condições de acordo com o interesse

da criança.

A exigência que se avalie quem apresenta melhores condições , conforme

dispositivo da lei, contribui para o incremento de tensões, angustias e hostilidade,

com repercussões nefastas à nova forma de relacionamento necessária a pais e

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33

filhos após a separação, além de ser constatado uma dificuldade de análise

fidedigna, longe de preconceitos.

Percebe-se, portanto, que os direitos da criança, assegurados nos

Estatutos da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional do Direito

da Criança , podem não estar sendo devidamente interpretado, sendo necessário

uma análise mais aprofundada referente ao Direito de Família

A indissolubilidade de um casamento não se aplica mais à união conjugal e

sim à filiação, sendo necessário manter a dupla inscrição desse sistema, ou seja,

não justifica um laudo pericial baseado culpabilidade da separação.

Partindo dessa premissa que a criança necessita do contato do pai e da

mãe para sua formação e, portanto, os dois devem ter a responsabilidade na sua

formação, muita países estão inclusive adotando a guarda compartilhada. A

separação matrimonial de um casal não deve conduzir à ruptura dos vínculos

entre pais e filhos

Laudos definidos como preconceituosos, moralistas, justificam críticas que

imputam à psicologia funções autoritárias e coercivas. Nesse sentido, é preciso

ter consciência de que o profissional de Psicologia deve ter cautela na sua

posição de perito, tendo sempre a ética da profissão norteando suas ações.

O fato de que a Psicologia Jurídica é uma área nova dentro da Psicologia,

pode justificar essa indeterminação sobre a atuação profissional dos Psicólogos

Jurídicos, conduzindo alguns profissionais ao entendimento de que o Psicólogo

Jurídico deve ser “os olhos e ouvidos” do juiz, atuando muitas vezes como

detetives, para obtenção de dados que devem ser repassados ao juiz.

Entretanto deve ficar claro que o papel do Psicólogo Jurídico é oferecer ao

sistema judiciário uma possibilidade diferente de realizar a justiça. É preciso

abandonar uma visão linear para uma compreensão sistêmica dos fatos jurídicos,

onde o trabalho de mediação encontra mais ressonância para uma verdadeira

atuação dentro dos conceitos da ética da profissão.

A função de um Psicólogo Jurídico em Vara de Família deve levar conta as

questões que causam o sofrimento das partes envolvidas, procurando

compreender a dinâmica dela, indo além do discurso colocado, quando procuram

o judiciário, permitindo através da escuta que a família sinta- se acolhida e

consiga redefinir sua própria situação conflitiva.

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Nessa perspectiva, o psicólogo auxiliar não só no processo decisório, mas

promove uma melhor qualidade nas relações entre as partes que estão em litígio,

de forma a encontrar mudanças a partir dessas intervenções junto a esses

núcleos familiares. Este é o real sentido da Psicologia Jurídica em Vara de

Família.

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35

6. BIBLIOGRAFIA

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