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o PROJETO DE PESQUISA E SEUS PASSOS

Santaella, LuciaEste capítulo será dedicado às orientações para se elaborar um projeto de pesquisa. Há uma farta

bibliografia sobre isso e toda ela é bastante consensual quanto aos tópicos que uma tal elaboração deve considerar e aos passos que devem ser seguidos para que ela seja bem sucedida. É nesse ponto que toda pesquisa começa: pela elaboração de seu projeto. Sem isso, a pesquisa já estaria comprometida de saída, pois seria o mesmo que fazer uma viagem sem conhecimento de seu caminho.

Um mau projeto não é muito diferente da ausência de projeto. Sem planejamento rigoroso, mesmo quando consegue realizar a etapa da coleta de dados, o investigador se verá perdido, sem saber como analisá-los e interpretá-los por desconhecer seu significado e importância no contexto maior de um problema bem demarcado, de hipóteses apropriadamente formuladas e dos objetivos que uma pesquisa visa atingir.

Projetar significa, portanto, antever e metodizar as etapas ou fases para a operacionalização de um trabalho. A especialização do trabalho científico exige a construção prévia de um instrumento técnico que conduza a ações orientadas para um fim e sustentadas sobre uma base de recursos humanos, téc-nicos, materiais e financeiros. Esse instrumento técnico é o projeto de pesquisa.

Como tal, o projeto é apenas uma das etapas da pesquisa. Ele serve de guia para a execução propriamente dita e esta, por sua vez, deve ser seguida de sua apresentação em forma comunicável, na imensa maioria das vezes, através da escrita.

 

1. QUESTÕES DE UM PROJETO

Tudo deve estar previsto em um projeto de pesquisa:

- a escolha de um tema;

- a coleta de informações preliminares;

- a delimitação de um problema;

- sua justificativa frente ao que já foi realizado no assunto em que ele se insere;

- a fixação dos objetivos;

- o levantamento das hipóteses;

- a determinação de um referencial teórico e de uma metodologia que sejam adequados para testar as hipóteses e resolver o problema colocado;

- a coleta dos dados, sua análise e interpretação e as técnicas próprias para isso;

- a previsão de recursos humanos e instrumentais;

- do cronograma;

Inclusas em todos esses passos estão as perguntas clássicas que um projeto deve enfrentar:

- o quê?

- por quê?

- para quê e para quem?

- onde?

- como?

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- com quê?

- quanto e quando?

- quem?,

- com quanto?

- Traduzindo: o que será pesquisado? Por que a pesquisa é necessária? Como será pesquisado? Que recursos humanos, intelectuais, bibliográficos, técnicos, instrumentais e financeiros serão mobilizados? Em que período?

Um projeto começa pela escolha de um tema ou assunto sobre o qual a pesquisa versará. Ele deve ser introduzido por uma apresentação voltada para a gênese do tema. Como o pesquisador chegou a ele? Quais os motivos relevantes que fisgaram sua curiosidade e produziram nele dúvidas a respeito desse tema. Essas dúvidas são providenciais, pois é delas que o problema da pesquisa irá brotar.

Qualquer projeto deve ser antecedido por estudos preliminares sobre o tema. Mas que estudos preliminares são esses? Felizmente os temas que escolhemos, ou pelos quais somos escolhidos, não abraçam a realidade inteira, principalmente porque nosso olhar e nosso pensamento já estão conformados a um certo modo de ver que depende dos referenciais teóricos que dominamos. Esses referenciais são específicos, próprios das áreas de conhecimento em que a ciência se subdivide. Dentro de cada área, há ainda delimitações que lhe são próprias e que se constituem nas suas sub-áreas. Dentro das sub-áreas, encontram--se estratificações de temas, junto às quais o tema de nossa escolha.

Tendo assim localizado o tema, os estudos preliminares envolvem desde leituras bibliográficas, visitas a locais específicos, quando o tema exigir, até discussões com especialistas e colegas. Esses estudos preliminares são substanciais para a delimitação do problema de pesquisa. Além disso, neles tem início uma das exigênciais fundamentais de um projeto de pesquisa: a revisão bibliográfica, que só poderá se complementar quando o problema estiver pelo menos relativamente definido.

Tudo isso é necessário porque um tema não é ainda um problema. Este último se constitui na questão mais fundamental de toda a pesquisa, por isso mesmo, deve ser precisamente recortado, delimitado e claramente formulado. Daí a necessidade de estudos preliminares, de momentos de concentração cuidadosa e meditativa, de discernimento das fronteiras do problema sem o que não seria possível extraí-lo do contexto de infindáveis determinações em que um tema se situa.

Definido o problema, deve ser elaborada a revisão bibliográfica ou pesquisa sobre o estado da questão, quando são estudados os trabalhos que se situam na circunvizinhança do problema, trabalhos que versam sobre problemas similares. A elaboração da revisão bibliográfica deve ter em vista a contraposição dos trabalhos já publicados em relação ao problema que a pesquisa propõe. Vê-se aí por que a revisão bibliográfica é importante. De um lado, ela deve comprovar que o pesquisador não está querendo realizar algo que já foi feito, de outro lado, ela ajuda a encaminhar o passo seguinte da pesquisa, a justificativa, quer dizer, a argumentação sobre a relevância do trabalho, não apenas enfatizando que ele ainda não foi feito por outro pesquisador, mas principalmente por que ele deve ser realizado.

Justificado o problema, o projeto se encaminha para a definição dos objetivos, quer dizer, que fins a pesquisa visa atingir? Quais são os aspectos que o problema envolve e em que sua solução resultará no tocante a cada um desses aspectos?

Depois disso, o pesquisador passa para a formulação das hipóteses. Como suposições de respostas para o problema proposto, as hipóteses se responsabilizam pelo direcionamento da pesquisa, na medida em que são elas que a pesquisa terá por finalidade demonstrar ou testar e comprovar ou não. Ora, não há formulação de hipóteses sem um quadro teórico de referência. É por isso que essa formulação já encaminha o pesquisador para a explicitação do seu quadro teórico. Este se constitui em um "universo de princípios, categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto logicamente coerente, dentro do qual o tra-balho do pesquisador se fundamenta e se desenvolve" (SEVERINO, ibid.: 162).

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Tendo chegado neste ponto, o projeto pode então se debruçar sobre as questões metodológicas, técnicas e instrumentais. Enquanto o método se refere a procedimentos de raciocínio e analíticos mais amplos, as técnicas são operacionalizações do método das quais os instrumentos são suportes.

É no momento da indicação dos procedimentos metodológicos que o pesquisador deve localizar o tipo de pesquisa que está realizando, teórica ou aplicada, histórica ou tipológica, crítica ou sistêmica, empírica com trabalho de campo ou de laboratório, etc. A metodologia está sempre estreitamente ligada a essa tipologia. Além disso, os métodos devem estar perfeitamente afinados com o problema proposto e com as hipóteses. Tendo o problema em mente, o pesquisador deve se perguntar: "como e com que meios poderei resolvê-lo?" Este "como e com que meios" entrelaça as hipóteses e o método. As hipóteses funcionam como sinalizações para o caminho a ser percorrido. Por isso, o método deve estar sintonizado nessas sinalizações. Além disso, não pode haver contradição entre o método e o quadro teórico de referência, também chamado de fundamentação teórica, pois, muitas vezes, o método advém diretamente do quadro teórico.

Por fim, o cronograma da pesquisa deve ser estabelecido com indicação das etapas a serem cumpridas. em cada período. A ele se segue a indicação dos recursos humanos e materiais necessários e sua justificativa, tendo em vista o que a pesquisa mobilizará. Ao final de tudo, deve comparecer a lista bibliográfica preliminar, pois a bibliografia definitiva só pode e deve ser complementada no decorrer da execução do projeto. Muitas vezes o pesquisador divide a bibliografia em duas partes. Uma parte já consul-tada para a elaboração do projeto e outra parte a ser pesquisada no decorrer da execução do trabalho.

2. A ESCOLHA DO TEMA

No mundo universitário, entretanto, a imensa maioria das pesquisas nasce da livre escolha do pesquisador. Vem do pesquisador a necessidade de estudar um determinado assunto. Mas quais são as motivações que nos levam a escolher um tema?

Os temas podem surgir da observação do cotidiano, da vida profissional, do contato e relacionamento com especialistas, do feedback de pesquisas já realizadas ou do estudo de literatura especializada. Além das possibilidades acima, as fontes para a escolha de um assunto podem ainda originar-se da experiência pessoal, de estudos e leituras, da descoberta de discrepâncias entre trabalhos ou da analogia com temas de estudos de outras disciplinas ou áreas científicas. Enfim, o tema pode surgir de uma dificuldade prática, de uma curiosidade científica, de desafios encontrados na leitura de outros trabalhos ou da própria teoria.

Um tema surge quase sempre de uma intenção ainda imprecisa. Uma imprecisão que só pode ser indicadora de que a escolha de um tema advém muito menos de uma vontade racional do que de motivos sobre os quais temos pouco domínio consciente. De fato, um tema é algo que nos fisga, para o qual nos sentimos atraídos sem saber bem por quê. Um tema nasce de um desejo, que é, por sua própria natureza, sempre obscuro, e não costuma adiantar muito a tentativa de lhe virar as costas.

É claro que os temas têm tudo a ver com a história de vida e, especialmente, com a história intelectual do pesquisador. Em que área científica está inserido, que repertório já adquiriu nessa área, qual a intensidade de seus contatos com outros pesquisadores e com especialistas na área, seu noviciado ou sua experiência em pesquisa são todos fatores determinantes para a escolha de um tema. Entretanto, esses fatores não são capazes de impedir que os temas surjam, o mais das vezes, de modo vago, muito geral e indefinido. Quando nos propomos a realizar um trabalho científico, diz Demo (1985: 49-50),

"é normal que a primeira impressão seja de perplexidade. Não sabemos por onde começar, sobretudo se nunca nos tínhamos metido antes no assunto. Todavia, é a situação normal de quem se julga pesquisador e não detentor de saber evidente e prévio. [...] Quem parte de evidências, nada tem a pesquisar. O processo de superação dessa perplexidade inicial é algo central na formação científica de uma pessoa."

Enfim, a indefinição inicial de um tema é normal, pois o que importa não é o seu modo de ser, mas a elaboração que deve ser realizada para que ele vá gradativamente ganhando concretude, precisão e determinação.

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3. ESTUDOS PRELIMINARES

Por onde começar? Buscando informações sobre o tema, seja de ordem factual, seja de ordem teórica. Para a realização dos estudos preliminares, é de máxima importância sabermos em que área, e melhor ainda, em que sub-área do conhecimento.

Com uma visão relativamente clara da área de inserção de seu tema, é preciso que o pesquisador vá para a biblioteca ler sobre o assunto. Enciclopédias, livros, periódicos especializados, que são fundamentais sob o ponto de vista da atualização sobre o tema, catálogos, teses e dissertações, jornais, vídeos, isso sem mencionar o acesso a bancos de dados. O contato com esse acervo é fundamental não apenas para buscar subsídios que orientem e dêem mais segurança sobre a escolha do tema, mas que ajudem a formular o seu enunciado. De resto, também para saber se o assunto que se pretende estudar já foi objeto de outras pesquisas e sob que ângulos essas pesquisas o enfocaram.

É certo que as leituras tomam muito do nosso tempo, mas, na realidade, elas ajudam a diminuir o tempo estéril das idéias confusas e pouco definidas que são sempre motivos de angústia para o pesquisador.

O levantamento bibliográfico preliminar é imprescindível. Antes de tomarmos qualquer decisão sobre a nossa pesquisa, precisamos ter o maior número de informações e de leituras que são possíveis nessa etapa de desenvolvimento do projeto, não só para melhor delimitar o assunto, "mas também para desenvolvê-lo longe de um ponto de vista do senso comum". Essa multiplicidade de pontos de vista é fundamental para que a pesquisador não fique, de saída, fixada em um modo de ver, em um única tipo de fundamentação teórica, mas que saiba fazer uso da riqueza dessa fase preparatória para explorar a diversidade que é própria a qualquer uma das áreas das ciências humanas.

Todo o esforço dispendido nos estudos preliminares se volta produtivamente para a clarificação gradativa do tema, rumo à definição de uma questão, de um problema a ser pesquisado. Contudo, o segredo dos estudos preliminares está na arte do pesquisador para saber exatamente o momento em que deve interrompê-los. Os estudos preliminares devem, portanto, cercar as obras mais fundamentais, tenda em vista um panorama de funda que habilite o pesquisador a situar sua questão para poder melhor defini-la.

A pesquisa preliminar deverá depois ser incorporada ao projeto junto com sua complementação em um tópico sob o título de "Revisão bibliográfica" ou "Estado da questão”.

 

3.1 O PRÉ-PROJETO

Pouco a pouco, dos estudos preliminares um problema de pesquisa começa a se delinear. A partir disso, o pesquisador deve criar coragem e, apesar de o momento ainda lhe parecer precoce, ensaiar a elaboração de um pré-projeto. Embora tudo pareça ainda muito vago, é preciso aproveitar as incertezas iniciais para delas extrair seu sumo. Passeando vivamente pelas idéias e contemplando-as com interesse desprendido, o pensamento fica entregue ao musement, estado de concentração distraída, condição para a "uberdade".

Parece evidente que a "uberdade" só premia aqueles que buscam. A mente só pode passear entre idéias, quando nela as idéias são férteis, caso contrário temos de nos contentar com idéias fixas, que são o lado do avesso da "uberdade". Outra boa razão para justificar a necessidade dos estudos preliminares.

O anteprojeto é assim uma primeira proposta de sistematização para ser testada, modificada e aperfeiçoada na medida em que a delimitação da questão a ser pesquisada for amadurecendo . Trata-se de um ponto de partida que brota sob efeito do pensamento sintético, onde tudo aparece ao mesmo tempo. Realmente, um projeto não nasce parte por parte, mas em alguns lampejos em que tudo aparece junto e ainda confuso. O anteprojeto é a primeira tentativa de organizar os fios dessa trama sintética. Para essa

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organização, juntamente com os resultados das correções sucessivas a que o anteprojeto vai sendo submetido, deve entrar em ação o pensamento analítico que guiará os passos da elaboração do projeto.

 

4. A ELABORAÇÃO DO PROJETO

Uma vez que os manuais de orientação para as pesquisas quantitativas se detêm muito pouco nas questões que têm mais peso nas pesquisas qualitativas, tais como estado da questão, quadro teórico de referência, discussão das estratégias metodológicas não-quantitativas e suas justificativas, é para elas que estarei chamando mais atenção.

 

4.1. OS ANTECEDENTES

Não é fácil encontrar o ponto certo e justo da enunciação de um discurso científico em que a pessoalidade não caia, de um lado, na mera confissão subjetiva adocicada e enjoativa ou, de outro, no pedantismo de uma neutralidade forçada e artificial. Há um momento inicial na abertura de um projeto de pesquisa em que a figura do pesquisador deve aparecer. Chamo esse momento de "antecedentes" ou "histórico" para com isso designar o quadro de referência pessoal da proposta de pesquisa.

A presença desse quadro de referência é muito comum nos casos das pesquisas que brotam diretamente de pesquisas anteriores. Para introduzir um novo projeto, o pesquisador procede ao breve relato das conclusões ou resultados alcançados na pesquisa anterior, com atenção para o ponto em que sua atenção foi despertada para uma nova questão. Nesse momento, o relato inclui obrigatoriamente o quadro de referência pessoal, quer dizer, em que medida o pesquisador está implicado naquilo que deseja realizar.

Mesmo no caso de uma pesquisa não estar na linha de continuidade de uma outra já realizada pelo pesquisador, o interesse por um assunto, um tema ou uma questão não surge do vácuo. Ele é fruto de uma história de vida, de experiências profissionais, intelectuais, construídas mediante caminhos próprios, dos valores e escolhas que nos definem. Trata-se agora, no momento de elaboração do projeto, de incorporar em um relato aquilo que tem pertinência para a apresentação do tema e daquilo que conduziu à sua escolha.

Quando bem dosado, evitando o mero biografismo inoportuno, o relato de como o pesquisador chegou ao tema pode dar sabor de vida ao projeto. Além disso, ao incorporar aquilo que realmente importa, isto é, como foi se dando o estreitamente gradativo da amplitude do tema para a delimitação do problema da pesquisa, o quadro de referência pessoal vai pouco a pouco se encaminhando para o tópico seguinte, o mais importante do projeto, ou seja, a delimitação da questão proposta pela pesquisa.

 

4.2. A DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

Para Laville e Dionne (1999: 27), conscientizar-se de um problema de pesquisa

"depende daquilo que dispomos no fundo de nós mesmos: conhecimentos de diversas ordens - brutos e construídos - e entre esses conceitos e teorias; conhecimentos que ganham sentido em função de valores ativados por outros valores: curiosidade, ceticismo, confiança no procedimento científico e consciência dos seus limites."

Na fase de definição do problema as capacidades intuitivas ganham importância, pois a percepção inicial de um problema é, o mais das vezes, pouco racional.

Para se sair da problemática sentida, imprecisa e vaga e se chegar a uma problemática consciente e objetivada, uma problemática racional, Laville e Dione aconselham o pesquisador "a jogar o mais possível de luz sobre as origens do problema e as interrogações iniciais que concernem a ele, sobre a sua natureza e sobre as vantagens que se teria em resolvê-lo, sobre o que se pode prever como solução e sobre o modo de aí chegar".

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(Rudio: 72) Suponhamos que alguém diga que quer fazer uma pesquisa sobre delinqüência juvenil, essa afirmação apenas indica de modo muito vago e geral um dos elementos do campo de observação: a população. Mas se acrescenta que seu interesse está nos crimes cometidos pelos delinqüentes, passa a nos indicar, então, uma das variáveis a serem observadas. Se complementa que deseja saber se certos crimes que os delinqüentes cometem são ocasionados pelo efeito do uso de tóxicos, tem-se aí a intenção de relacionar duas variáveis: se o uso de tóxicos (variável independente) ocasiona os crimes (variável dependente), cometidos por delinqüentes juvenis. A delimitação da questão não pára aí, pois há outros elementos no campo de observação a serem levados em consideração. De todo modo, quando aparecem as duas variáveis, a amplitude do tema já se especificou em uma pergunta, que é substancial para a definição de um problema. Enfim, como parece óbvio, para se passar do tema ao problema, o tema deve ser problematizado.

O que é, portanto, um problema de pesquisa? Não há problema sem uma indagação central, uma dificuldade que se quer resolver. Desse modo, o problema de pesquisa é uma interrogação que implica em uma dificuldade não só em termos teóricos ou práticos, mas que seja também capaz de sugerir uma discussão que pode, inclusive, em alguns casos, passar por um processo de mensuração, para terminar em uma solução viável através de estudo sistematizado (BASTOS, 1999: 114).

Para ser problema de pesquisa, ele deve ser um problema que se pode resolver, com conhecimentos e dados já disponíveis, além de outros passíveis de serem produzidos. Não se trata de um problema que pode ser resolvido pela intuição, especulação ou senso comum, pois um problema de pesquisa "supõe que informações suplementares podem ser obtidas a fim de cercá-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou eventualmente contribuir para a sua resolução". Finalmente, um verdadeiro problema de pesquisa deve ser capaz de produzir compreensão que forneça novos conhecimentos para o tratamento de questões a ele relacionadas (LAVILLE e DIONNE, 1999: 87-88).

Um problema deve ser formulado como uma pergunta. Há, no entanto, perguntas e perguntas. Indagações gerais estão muito longe de permitir o detalhamento do projeto. A formulação deve ser clara e precisa, pois constitui em passo fundamental, pois dela dependerão os passos subseqüentes do projeto, sobretudo a formulação das hipóteses e a obtenção de parâmetros para as escolhas metodológicas. A pergunta deve também ser significativa, deve conter a promessa de que uma solução pode ser esperada, caso contrário não haveria razão para se fazer uma pesquisa.

Cumpre lembrar que o pesquisador não deve passar para a próxima etapa do projeto, a revisão da literatura, antes de ter circunscrito muito bem seu problema através da formulação de sua pergunta. Sem isso, correrá o risco de se deixar levar à deriva nas inesgotáveis fontes de pesquisa. Para avançar com eficácia nos passos do projeto, é preciso saber bem o que se procura.

 

4.3 O ESTADO DA QUESTÃO

Também chamado de "revisão bibliográfica" ou "bibliografia comentada", este passo da elaboração do projeto já teve seu início nos estudos preliminares. Neste novo momento, uma vez circunscrito o problema com clareza necessária para funcionar como um fio condutor e ajudar o pesquisador a dar prosseguimento ao seu projeto, o contorno da revisão bibliográfica torna-se também mais nítido.

O conhecimento se dá em um continuum. As interpretações que fazemos das coisas, fatos e pessoas estão sempre a meio caminho, têm algo de provisório. As crenças que adquirimos através da ciência não são muito diferentes. Nada há nelas de eternidade. Também na pesquisa científica, estamos sempre a meio caminho. Em suma, nenhuma pesquisa parte da estaca zero. Por isso, a procura cuidadosa e paciente, por vezes até mesmo obstinada, de fontes documentais ou bibliográficas é imprescindível.

Raros são os problemas e as perguntas que não foram previamente levantados. Mais uma vez é Borges quem nos lembra que os grandes problemas já foram pensados pelos gregos, de modo que a proeza do tempo é a de levar o ser humano a incansavelmente recolocá-los sob novas e mais alargadas entonações. Mesmo quando o pesquisador não vai tão longe, não se deslocando muito na direção do passado, a abóbada

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ideativa que recobre as sociedades e culturas históricas, determinando os limiares daquilo que dá para ser pensado em cada momento histórico dado, traz como conseqüência que, mesmo que as perspectivas possam diferir, as interrogações e questionamentos de cada historicidade acabam não sendo a rigor muito distintos. Há, enfim, um inegável Zeitgeist, espírito de tempo, ou aquilo que, com muito mais precisão, Foucault chamaria de episteme, que coloca o pesquisador em um círculo de questões no qual muitos estão simultanea-mente inseridos.

Por isso mesmo, a revisão bibliográfica significa, muitas vezes, conforme as palavras de Laville e Dionne (ibid.: 113) "seguir a informação como um detetive procura pistas: com imaginação e obstinação. É, aliás, esse aspecto do trabalho, agir como um detetive, que, com freqüência, torna prazerosa a realização da revisão da literatura".

Alongo-me tanto - e me alongarei ainda mais - nos meandros da questão bibliográfica, em primeiro lugar, porque nas pesquisas não-experimentais e não-quantitativas, essa é a etapa que lhes dá alma. Dela advirá a melhor escolha de uma teoria ou sínteses de teorias e conceitos que nortearão a escolha do método e, conseqüentemente, o teste, muitas vezes argumentativo, de nossas hipóteses. Se não vamos utilizar métodos e técnicas para medir um certo aspecto bem recortado da realidade, devemos, em troca, enfrentar os desafios da imprecisão qualitativa. Para isso, temos de nos valer da ajuda tanto quanto possível alargada do pensamento do outro a que podemos ter acesso.

Em segundo lugar, chamo tanta atenção para a pesquisa bibliográfica porque a típica indigência das bibliotecas nas universidades brasileiras muitas vezes acaba por criar em nós uma espécie de autodefesa inconsciente que se manifesta na negligência e até mesmo no desprezo pela obstinação na perseguição das fontes. Disso decorre, via de regra, uma autocomplacência muito satisfeita, despida de inquietação, como são satisfeitas todas as formas de ignorância. Tanto se sedimentou em nosso país a cul tura da negligência com as fontes que, mesmo quando têm o privilégio de freqüentar universidades com boas bibliotecas e com acesso à informação bibliográfica, que hoje se tornou tão facilitada pela internet, os estudantes continuam se contentando com bem pouco.

Enfim, fazer a revisão da literatura para a constituição do estado da questão significa passar em revista todos os trabalhos disponíveis, objetivando selecionar tudo que possa servir em uma pesquisa. Nela, o pesquisador tenta encontrar essencialmente

"os saberes e as pesquisas relacionadas com a sua questão; deles se serve para alimentar seus conhecimentos, afinar suas perspectivas teóricas, precisar e objetivar seu aparelho conceitual. Aproveita para tornar ainda mais conscientes e articuladas suas intenções e, desse modo, vendo como os outros procederam em suas pesquisas, vislumbrar sua própria maneira de fazê-la" (LAVILLE e DIONNE, ibid.: 112).

Nesse ponto, as autoras acima alertam para dois fatores: em primeiro lugar, o cuidado que o pesquisador deve ter nessa etapa do trabalho para "não se deixar levar por suas leituras como um cata-vento ao vento". A indagação que foi formulada na circunscrição de seu problema não pode ser perdida de vista e deve funcionar como um centro de gravidade. No fundo, o que deve ser feito aqui é considerar a afirmação de Borges (esse grande esteta da arte de ler) de que somos inelutavelmente leitores distraídos com atenções parciais. No caso da revisão bibliográfica, aceitar essa limitação não é tarefa fácil, especialmente quando falta ao pesquisador a experiência de numerosas leituras anteriores, experiência da qual sempre se extrai uma espécie de metodologia própria da leitura.

Na ausência de um repertório já formado de leituras, o pesquisador, via de regra, se vê perdido em um labirinto de idéias, tendências e posições, sem conseguir, de imediato, dar a elas uma configuração coerente. Quando isso acontece, Laville e Dionne (ibid.: 112) aconselham o pesquisador a usar a técnica do zoom, partindo "de uma tomada ampla de sua pergunta, sobre um espaço documental que a ultrapasse grandemente, mas sem dela desviar os olhos e, assim que possível, fechar progressivamente o ângulo da objetiva sobre ela",

De minha experiência em pesquisas que realizei, algumas delas sobre temas que me eram quase

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inteiramente novos, extrai um ensinamento que talvez possa ajudar o pesquisador iniciante nessa fase de seu trabalho. Quando damos início ao levantamento do estado da arte relativo à questão que estamos pesquisando, geralmente dispomos de um certo número de títulos colhidos durante a fase de estudos preliminares. Cada um desses títulos já funciona como uma fonte para novos títulos, nas citações e refe-rências que faz, de modo que a listagem bibliográfica que consta no final de cada obra se constitui também em uma fonte inestimável de pesquisa. Quando lemos, de fato, os livros com cuidado, essa fonte costuma ser bastante preciosa, pois é dela que começamos a destacar os títulos de maior interesse para nós.

Conforme vamos avançando nessas leituras e na coleta dessas fontes, a um dado momento, sentimo-nos, de fato, perdidos em um labirinto, sem vislumbre de qualquer fio que possa nos tirar dele. Entretanto, se não desistirmos antes da hora, chegará um outro momento em que nós, como leitores, começaremos a reconhecer e, inclusive saber localizar, em termos de linha de pensamento e posição teórica, as citações que os autores fazem uns dos outros. Quando as redes de referências começam a ser reconhecidas por nós, isso significa que já estamos conseguindo desenhar mentalmente a configuração panorâmica de um tema ou problema de pesquisa. Aí é chegado o momento de interromper o estado da arte para dar prosseguimento às outras fases da elaboração do projeto, de modo que só voltamos às consultas bibliográficas, quando, na execução da pesquisa, deparamo-nos com dúvidas não previstas e conseqüentemente ainda não resolvidas, algo que sempre acontece.

O segundo fator da revisão bibliográfica para o qual Laville e Dione (ibid.: 112-113) chamaram atenção diz respeito à necessidade de se evitar que essa atividade se assemelhe a "uma caminhada no campo onde se faz um buquê com todas as flores que se encontra". A revisão é, sobretudo, um percurso crítico que deve ter em mira a pergunta que se quer responder. Por isso mesmo, em função da contribuição que podem trazer para nosso trabalho, o interesse que as obras despertam em nós são desiguais. Ademais, nem tudo que se lê é realmente bom. Daí vem a outra expressão sinonímica de revisão bibliográfica, "bibliografia co-mentada". Não se trata portanto de simplesmente resumir, parafraseando o que está escrito nos livros, mas sim de fazer considerações, interpretações e escolhas, explicando e justificando essas escolhas, sempre em função do problema posto pela pesquisa.

Felizmente não há receitas a serem dadas para a bibliografia comentada, sobretudo porque se trata de uma arte ensaística que só pode ser dominada com a prática e com a observação interessada em como ensaístas competentes a realizam. Em segundo lugar, porque as diretrizes de uma revisão bibliográfica dependem muito do tipo de pesquisa que está sendo realizada. Luna destaca que

"uma revisão bibliográfica que procure recuperar a evolução de determinados conceitos enfatizará aspectos muito diferentes daqueles contemplados em um trabalho de revisão que tenha como objetivo, por exemplo, familiarizar o pesquisador com o que já foi investigado sobre um determinado problema de interesse".

Como resumo final, cumpre assinalar que a revisão bibliográfica deve existir para que clichês sejam evitados, para que esforços não sejam duplicados, para que se possa apreender o grau de originalidade de uma pesquisa. Outro aspecto de relevância de uma bibliografia comentada, muito bem lembrado por Luna (ibid.: 82), reside na sua constituição - na medida em que condensa os pontos importantes do problema em questão - tanto de fonte de consulta para futuros pesquisadores que se iniciam na área, quanto de fonte de atualização para pesquisadores fora da área na qual se realiza o estudo.

 

4.4 A APRESENTAÇÃO DAS JUSTIFICATIVAS

Nos passos para a elaboração de um projeto de pesquisa, muitos metodólogos costumam colocar a fundamentação teórica ou quadro de referência teórico de uma pesquisa junto ou dando seqüência à revisão bibliográfica. Prefiro colocar a justificativa logo em seguida da revisão bibliográfica. De um lado, porque julgo que a fundamentação teórica deve vir imediatamente antes da metodologia, pois, nas pesquisas qualitativas, em muitos casos, o método deriva ou de uma teoria que funciona também como um modelo aplicativo ou da operacionalização dos conceitos teóricos tendo em vista sua aplicação.

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De outro lado, porque, no decorrer da bibliografia comentada, ao citar as principais conclusões a que outros autores chegaram, ao indicar discrepâncias entre tendências ou constatar certos entraves teóricos ou práticos, ao constatar alguma lacuna que sua pesquisa pode vir a preencher, o pesquisador já deve ir con -duzindo seu texto na direção da contribuição que se espera da pesquisa a ser realizada.

Essa contribuição constitui-se em uma chave que abre as portas de acesso à justificativa, uma vez que, frente aos estudos já realizados sobre o problema, a justificativa visa colocar em relevo a importância da pesquisa proposta, quer no campo da teoria quer no da prática, para a área de conhecimento em que a pes -quisa se desenvolve.

Portanto, a contribuição pode ser de ordem científica-teórica, quando o conhecimento que advirá da pesquisa proporcionar a construção de uma nova teoria, caso este evidentemente mais raro, ou auxiliar na amplicação do conhecimento teórico já existente, ou preencher lacunas detectadas no conhecimento da área, ou ajudar na compreensão de conceitos teóricos complexos. Mas a contribuição pode também ser de ordem científica-prática, quando se pretende dar respostas a um aspecto novo que a realidade apresenta como fruto do desenvolvimento das forças produtivas, técnicas etc., ou quando se busca aplicar uma teoria a um dado fenômeno julgado problemático, ou ainda quando se tem a intenção de sugerir caminhos para uma determinada aplicação tecnológica e assim por diante.

A contribuição pode ainda ser de ordem social, por exemplo, quando o conhecimento que resultar da pesquisa estiver voltado para a reflexão e debate em torno de problemas sociais ou quando um conhecimento prático é buscado como meio de intervenção na realidade social.

Parece óbvio que é impossível apresentar justificativas sem dispor de um problema de pesquisa muito bem circunscrito e de uma revisão bibliográfica caprichosa. Como justificar algo que não está bem definido e bem recortado contra o pano de fundo dos estudos que já foram realizados no mesmo circuito de questões no qual uma pesquisa se insere?

Enfim, a justificativa deve apresentar os elementos que respondem às questões: "por que a pesquisa é relevante"?, "de onde vem sua pertinência"'? "qual é o âmbito ou quais são os âmbitos da contribuição que ela trará"? Para respondê-las, Lakatos e Marconi (1992: 103) fornecem o seguinte roteiro: frente ao estágio em que a teoria se encontra, indicar as contribuições teóricas que a pesquisa pode trazer, a saber: em termos de confirmação geral; em termos de confirmação na sociedade particular em que se insere a pesquisa; sua especificação para casos particulares; clarificação da teoria; resolução de pontos obscuros etc. Além disso, o roteiro inclui: importância do tema de um ponto de vista geral; sua importância para casos particulares em questão; possibilidades de sugerir modificações no âmbito da realidade abarcada pelo tema proposto; descoberta de soluções para casos gerais e/ ou particulares etc.

A apresentação da contribuição que a pesquisa pode trazer é uma excelente ponte de passagem para a explicitação de seus objetivos.

 

4.5 A EXPLlCITAÇÃO DOS OBJETIVOS

A palavra "objetivo" é um derivativo do termo latino objectus, "objeto", que significa algo que é lançado diante dos nossos sentidos ou mente. O derivativo "ivo", presente em "objetivo", indica uma tendência para ter o caráter de objeto.

Um sinônimo adequado para a palavra "objetivo", no contexto de uma pesquisa, é a palavra "alvo" ou fim que se pretende atingir, um fim movido por um propósito. Quando se atira uma flecha, mira-se em um alvo. Os objetivos da pesquisa se parecem, portanto, com uma flecha na direção de um alvo. Uma vez que o mirar do alvo antecede o lançamento da flecha, os objetivos também trazem dentro de si o sentido de intenção que guia a mirada. O que a pesquisa visa alcançar? Esta é a questão central inclusa nos objetivos.

Objetivos, via de regra, são hierarquicamente divididos em objetivos gerais e objetivos específicos. Os gerais dizem respeito a uma visão global e abrangente do problema, do conteúdo intrínseco quer dos

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fenômenos e eventos, quer das idéias estudadas. Os objetivos específicos têm uma função intermediária e instrumental de modo a permitir que o objetivo geral seja atingido ou que ele seja aplicado a situações particulares (LAKATOS e MARCONI, 1992: 103).

Por ser uma explicitação da natureza do trabalho, tendo em vista o problema que ele visa resolver, a gama dos objetivos pode ser mais extensa do que sua divisão em objetivo geral e objetivos específicos. Assim, os objetivos podem também ser de longo prazo ou imediatos, podem ser intrínsecos, quando se referem ao problema que se quer resolver, ou extrínsecos, quando chegam até a explicitação dos resultados esperados.

É curioso observar que a maior parte dos livros sobre metodologia científica não reserva muito espaço para o tratamento dos objetivos. Carvalho et al. (2000: 107) nos explicam que essa ausência deve se dar porque se a formulação do problema for bem estruturada, a explicitação dos objetivos é dispensável, a não ser que o pesquisador queira colocar ênfase nos resultados que pretende alcançar ao final de seu trabalho. De todo modo, os autores indicam que, na descrição dos objetivos, "é importante que os verbos sejam utilizados no infinitivo, por exemplo: analisar, compreender, identificar e interpretar”.

Luna (ibid.: 35) constata a confusão que costuma existir entre problema e objetivos, mas acredita que o bom-senso deva ser suficiente para dirimir dúvidas. Assim sendo, ou os objetivos coincidem com o problema e, então, não é necessário dar entrada a eles no projeto, ou, com a sua entrada, pretende-se chamar atenção para a aplicabilidade dos resultados.

Mesmo assim, é bom lembrar que, quando elaboramos projetos para agências de fomento ou para orientadores de pesquisa, nesses casos somos obrigados a inserir os objetivos em nosso projeto; muito provavelmente porque a explicitação dos objetivos nos força a sintetizar, em itens muito claros, o horizonte do projeto, os fios que ligam o problema às conseqüências que resultarão de sua possível solução, assim como as habilidades intelectuais que estão implicadas nos procedimentos que serão utilizados para que os fins pretendidos sejam alcançados.

 

4.6 A FORMULAÇÃO DAS HIPÓTESES

A hipótese, segundo passo mais importante na hierarquia dos itens do projeto, está ligada por um cordão umbilical ao problema da pesquisa. Deve, por isso mesmo, ser obrigatoriamente inserida em um projeto de pesquisa. Não vem do acaso, mas muito justamente da importância do papel que as hipóteses desempenham em um projeto, o grande espaço que os livros de metodologia científica dedicam a elas. Alguns epistemólogos chegam a afirmar que a essência da pesquisa consiste apenas em enunciar e verificar hipóteses.

O problema que o pesquisador circunscreveu, isto é, conseguiu recortar de um fundo temático muito amplo, tem a forma de uma indagação, uma interrogação, uma pergunta para a qual, no seu percurso, a pesquisa buscará respostas. Ora, a hipótese é uma resposta antecipada, suposta, provável e provisória que o pesquisador lança e que funcionará como guia para os passos subseqüentes do projeto e do percurso da pesquisa. Se o problema tem uma forma interrogativa, a hipótese tem uma forma afirmativa. Não se trata, entretanto, de uma afirmação indubitável, mas apenas provável. Funciona como uma aposta do pesquisador de que a resposta a que o desenvolvimento da pesquisa levará será a mesma ou estará muito perto da resposta enunciada na hipótese. Ela cria, por isso mesmo, uma expectativa na mente do pesquisador, expectativa esta que costuma dar ao percurso da pesquisa emoções similares àquelas que nos acompanham em uma situação de suspense, pois como toda aposta, a hipótese pode ser confirmada ou cair no vazio, caso em que a hipótese tem de ser repensada e as estratégias reconduzidas.

Trata-se, pois, de uma suposição objetiva "que se faz na tentativa de explicar o que se desconhece". Para ter bases sólidas, ela deve estar assentada e suportada por boas teorias e "por matérias primas consistentes da realidade observável". Portanto, "não pode ter fundamento incerto". Mas por ter a natureza de uma suposição, a hipótese tem por característica o fato de ser provisória, devendo, portanto, ser testada

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para se verificar sua validade" (RUDIO, ibid.: 78).

Embora seja importante que a hipótese esteja vinculada "a uma teoria que a sustente para ter maior poder de explicação e ter possibilidade de ser comprovada ou verificada na pesquisa" (CARVALHO et al.: ibid.: 103), embora ela tenha muito a ver com a experiência e a competência do pesquisador, embora sua formulação implique em uma elaboração racional, uma hipótese surge sempre como um lampejo cuja formação escapa completamente de nosso controle consciente.

Peirce desenvolveu sua belíssima teoria da abdução justamente para evidenciar que uma hipótese nasce como fruto de uma luz natural que advém da capacidade humana para adivinhar, na ciência, as leis que regulam os fenômenos e, na vida cotidiana, as veias secretas das coisas. Nessa capacidade, residem os arcanos de nossa alma criativa. Por isso mesmo, nenhum pesquisador é obrigado a justificar por que fez a opção por uma certa hipótese e não outra qualquer. Cada um é livre para escolher a que lhe parece mais razoável. Uma vez que a freqüência com que os pesquisadores atinam com a hipótese correta é muito grande comparativamente à espontaneidade imediata e livre com que as hipóteses irrompem em suas mentes, isso funciona como indicador de que aí se localiza a fonte do poder humano para a descoberta. Mesmo assim, uma hipótese é o mais frágil dos argumentos. Em razão disso, para receber seu veredicto, necessita passar pelo teste da experiência.

Segundo Lakatos e Marconi (1992: 104), há diferentes formas de hipóteses. Em primeiro lugar, elas se dividem em hipótese básica e hipóteses secundárias. A primeira corresponde à resposta fundamental que as segundas complementam. Entre as hipóteses básicas, há aquelas "que afirmam, em dada situação, a presença ou ausência de certos fenômenos", ou aquelas "que se referem à natureza ou características de dados fenômenos, em uma situação específica". Há ainda "aquelas que apontam a existência ou não de determinadas relações entre fenômenos" ou também aquelas "que prevêem variação concomitante, direta ou inversa, entre certos fenômenos etc.

Na sua natureza de complementos da hipótese básica, as secundárias podem "abarcar em detalhes o que a hipótese básica afirma em geral", podem também "englobar aspectos não especificados na básica", ou ainda "indicar relações deduzidas das primeiras", assim como "decompor em pormenores a afirmação geral" ou "apontar outras relações possíveis de serem encontradas".

O modo de aparecimento de uma hipótese em nossas mentes é, via de regra, tão repentino quanto um relâmpago, fruto da agilidade natural de nossos poderes de iluminação diante de tudo aquilo para que buscamos respostas. Entretanto, no contexto da ciência, que é sempre especializado, podem surgir dificuldades para se chegar a uma hipótese. Goode e Hatt (1968: 75) dizem que isso se dá sobretudo quando falta ao pesquisador um quadro de referência teórico claro, quando lhe falta também habilidade para utilizar logicamente esse esquema teórico ou quando ele desconhece as técnicas de pesquisa existentes.

Mesmo que as dificuldades acima não existam e a hipótese emerja com certa rapidez, isso não deve nos levar a crer que a hipótese possa prescindir do crivo de nosso espírito crítico e a sua formulação, ou seja, o enunciado das hipóteses, tenha de ser desordenada e confusa. Para evitar que se incorra nesses defei tos, Rudio (ibid.: 80-83) elaborou alguns critérios que podem servir como "balizas demarcando um campo", sem que, com isso, a liberdade do pesquisador na proposta de sua hipótese seja constrangida.

Assim sendo, cabe à hipótese ser plausível, isto é, "deve indicar uma situação passível de ser admitida, de ser aceita; ela deve também ter consistência, termo este que indica que o enunciado da hipótese não pode estar "em contradição nem com a teoria e nem com o conhecimento cientifico mais amplo", do mesmo modo que não pode existir contradição dentro do próprio enunciado; o enunciado da hipótese deve ainda "ser especificado, dando as características para identificar o que deve ser observado"; além disso, "a hipótese deve ser verificável pelos processos científicos" em curso; seu enunciado precisa ser claro, isto é, "constituído por termos que ajudem realmente a compreender o que se pretende afirmar e indiquem, de modo denotativo, os fenômenos a que se referem"; não basta ser claro, o enunciado precisa ser também simples, quer dizer, "ter todos os termos e somente os termos que são necessários à compreensão"; da simplicidade decorre que o enunciado deve ser também econômico, ou seja, além de utilizar tão somente os

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termos necessários à compreensão, deve fazê-lo na menor quantidade possível. Por fim, "uma das finalidades básicas de uma hipótese é servir de explicação para o problema que foi enunciado". Se isso não acontece, a hipótese não tem razão de ser".

Toda e qualquer pesquisa deve contar com a formulação das hipóteses, caso contrário, estará lhe faltando um norte, pois a função da hipótese é servir como uma bússola. Ela está no cerne das pesquisas experimentais, pois nestas, a observação de um fenômeno leva o pesquisador a supor tal ou tal causa ou conseqüência, suposição esta que se constitui na hipótese que só pode ser demonstrada por meio do teste dos fatos, ou seja, da experimentação. Embora implique em procedimentos lineares que jáforam sobejamente criticados, quando se trata de transpor esse modelo para as ciências humanas, essa linearidade nos ajuda a compreender o papel articulador que a hipótese deve desempenhar em qualquer processo de pesquisa, como solução possível antecipada e ordenadora das operações que devem resultar dessa antecipação, de modo a verificar seu fundamento ou não.

Nas pesquisas empíricas, que nascem da observação de fatos concretos, as operações que resultam da hipótese consistem em levar o pesquisador a saber se a explicação antecipada e plausível que a hipótese lhe forneceu resiste à prova dos fatos. Para tal, o pesquisador deve armar as estratégias de verificação, deter-minando as informações que serão necessárias, as fontes às quais recorrer e a maneira de recolhê-las e analisá-las para tirar conclusões.

Nas pesquisas quantitativas que, deve-se salientar, são muito especializadas, visto que implicam em conhecimentos ou assessorias em estatística, deve-se distinguir a hipótese da pesquisa, aquela de que viemos tratando até agora, da hipótese da estatística, isto é, aquela que vai ser utilizada para aplicação das técnicas estatísticas e que, de modo geral, costuma ser a primeira traduzida para uma linguagem numérica. De acordo com Rudio (ibid.: 8485), uma hipótese pode ser constituída de apenas uma variável; pode ter duas ou mais variáveis relacionadas entre si sem vínculo de causalidade ou pode ainda ter duas ou mais variáveis rela-cionadas por vínculo de causalidade.

Barros e Lehfeld (ibid.: 30) c1assitlcam as hipóteses de acordo com sua natureza em: hipóteses de relação causal e hipóteses nulas. As causais "demonstram que a todo valor x corresponde um valor y", apresentando assim uma relação de causa e efeito entre duas variáveis, quando um acontecimento ou característica se apresentam como fatores que determinam outra característica ou fenômeno. As autoras nos fornecem como exemplo a seguinte hipótese: "A falta de desenvolvimento de atividade de lazer conduz à intensificação do grau de tensão do indivíduo que vive nas cidades". A definição da hipótese nula parece muito complicada para os leigos em estatística (ver ibid.: 31 e Rudio, ibid.: 86-87). De todo modo, ela é basicamente um resultado possível da observação de um fenômeno que pode ser verificado estatisticamente. A definição do tipo de hipótese depende dos objetivos da pesquias e do nível de conhecimento que o pesquisador possui do comportamento das variáveis e das possibilidades de mensuração.

No contexto das pesquisas quantitativas conduzidas segundo preceitos estatísticos, a hipótese sempre teve significados e funções precisas. Conforme Luna (ibid.: 34), a primazia quase absoluta da pesquisa quantitativa, durante anos, chegou ao ponto de tornar impensável que se dispensasse o uso de testes estatísticos para encaminhar os resultados da pesquisa. Quando, nas ciências humanas, "começaram a ser introduzidos novos modelos de pesquisas, a estatística inferencial teve seu uso drasticamente reduzido, do que decorreu uma confusão entre problema e hipótese". Para muitos, simplesmente porque confundem problema de pesquisa com hipótese estatística, falar em problema parece evocar ecos da pesquisa estatística, de modo que lhes parece desnecessária a preocupação com a precisão da formulação do problema da pesquisa.

A meu ver, essas confusões e despreocupações que resultam da falta de informação e do descuido, sob a alegação confortável do anti-positivismo e anti-cientificismo, podem chegar à dispersão mais leviana e ao extremo da perversão do espírito que deve guiar os procedimentos da pesquisa científica. Sem problema bem definido e hipóteses bem elaboradas, não é possível haver pesquisa, seja ela empírica, experimental, quantitativa ou qualitativa, teórica ou aplicada. O que difere nesses tipos não é a ausência ou presença de

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problema e hipóteses, mas os meios, isto é, os métodos, que são mais apropriados a cada uma para testar suas hipóteses e, conseqüentemente, o modo como o processo de testagem é diferentemente compreendido em cada uma delas. Até mesmo em uma pesquisa puramente teórica, há sempre uma tese que é proposta para ser defendida. Essa tese é o problema em relação ao qual as idéias que se desenvolvem são hipóteses particulares "cuja demonstração permite alcançar as várias etapas que se deve atingir para a construção total do raciocínio" (SEVERINO, ibid.: 161). Para isso, é preciso, em primeiro lugar, não confundir hipótese com evidência prévia e, em segundo lugar, dominar com segurança o quadro teórico em que se funda o raciocínio.

 

4.7 O QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

Não apenas temos o direito, mas também o dever de dispensar, quando isso se mostra necessário, -a precisão dos cálculos matemáticos que dá alicerce às pesquisas quantitativas. Essa dispensa pode se dar por motivos vários, entre eles, para buscar o acesso à complexidade alinear e não mensurável, à exuberância com que pulsa diante de nós a realidade tanto na sua dimensão abstrata quanto concreta. Quando essa dispensa se dá, entretanto, o que se perde do seu peso em precisão e confiabilidade, deve ser compensado pela fundamentação teórica de uma pesquisa. Vem daí a grande importância do papel que esse passo, ou me-lhor, mergulho, desempenha nas pesquisas não-quantitativas. Enquanto as quantitativas dispõem de um padrão de base repetível para ser aplicado a quaisquer pesquisas, as não-quantitativas devem encontrar seu caminho em um emaranhado intrincado de teorias e métodos.

Além disso, enquanto as pesquisas quantitativas partem de pressupostos epistemológicos tácitos e, portanto, sem exigências de questionamentos que são próprios do empiricismo, o mais das vezes positivista, as não-quantitativas devem levar em consideração a posição epistemológica que assumem, uma vez que elas se propõem não-quantitativas justamente porque colocam em questão os pressupostos das quantitativas. Como se pode ver, tudo tem seu preço. E o preço das pesquisas não-quantitativas, em termos de investimento intelectual, é inelutavelmente alto.

De fato, teorias não caem do céu para nos auxiliar a enfrentar as dificuldades em que a resolução de um problema de pesquisa sempre acarreta. Muito menos cai do céu a familiaridade que precisamos adquirir para lidar com seus conceitos. Problemas específicos exigem soluções específicas, do mesmo modo que soluções específicas só podem ser encontradas por meio do auxílio de teorias que se adequam às soluções buscadas. Por isso mesmo, escolhas teóricas não podem ser feitas por impulso, ainda menos por imposição, ou para estar de acordo com a especialidade do orientador de uma pesquisa, ou, o que é pior, simplesmente para agradá-lo. Opções teóricas só podem nascer das exigências internas que o problema da pesquisa cria. Para optar, precisamos conhecer as alternativas que se apresentam. Isso implica em se debruçar demoradamente sobre os livros com curiosidade e desprendimento, com a paciência do conceito.

Infelizmente, o mercado pedagógico muitas vezes nos obriga a dar a uma pesquisa a velocidade de uma pista de corrida. Por isso mesmo, os níveis de complexidade das pesquisas devem ser dosados de acordo com a experiência prévia que o pesquisador já acumulou ou não, e em função do tempo que se tem para realizar uma pesquisa. Em suma, os meios para se evitar a leviandade devem ser pensados.

Também chamado de "fundamentação teórica", "embasamento teórico" ou de "teoria de base", o quadro teórico de referência é algo que brota diretamente do levantamento bibliográfico para a elaboração do estado da questão de um problema de pesquisa. Tendo brotado do estado da questão, a fundamentação teórica implica um avanço em relação àquele, na medida em que resulta de uma escolha consciente, crítica e avaliativa da teoria ou compósito teórico que está melhor equipado para fundamentar o desenvolvimento da pesquisa, em consonância com a metodologia que designa.

O quadro de referência teórico consiste no corpo teórico no qual a pesquisa encontrará seus fundamentos. Ora, todo pensamento existe em uma corrente de pensamento. Pensamentos têm genealogia, situando-se, portanto, em um contexto teórico maior. Por isso, quando um corpo teórico é escolhido pelo

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pesquisador, este precisa ter em mente o contexto mais amplo em que esse corpo se insere. Com isso, evita-se um problema muito comum nos trabalhos de pesquisadores iniciantes: a salada de teorias com genealogias bastante distintas e, muitas vezes, epistemologicamente antagônicas e incompatíveis.

Em suma, todo projeto deve conter os pressupostos teóricos com os quais as interpretações irão se conformar. Eles são inevitáveis simplesmente porque não podemos descartar os pressupostos, sob pena de ficarmos imersos tão somente no senso comum. Por essa razão não apenas temos de escolher pressupostos, mas temos de escolhê-los com carinho, pois são eles que darão forma e cores às nossas interpretações. Formas e cores devem ser escolhidas se não as queremos impostas sobre nós.

Teorias lidam com princípios, conceitos, definições e categorias. Esses são os legítimos habitantes das teorias, entidades que sintetizam uma quantidade de fenômenos particulares em abstrações gerais. Conceitos podem ter significados diferentes dependendo do quadro de referência ou da ciência em que são empregados. Além disso, formam conjuntos sistemáticos logicamente coerentes, nisso consistindo a essência de uma teoria. É com tudo isso que temos de nos familiarizar para nos tornarmos capazes de empregar os conceitos com segurança e mesmo operacionalizá-los quando, em pesquisas aplicadas, isso se faz necessário.

Só conseguimos fazer uso realmente eficaz dos conceitos teóricos quando eles como que entram em nossa corrente sangüínea com tal intimidade a ponto de não sentirmos mais sua presença como estranha. Só assim nos tornamos capazes de utilizá-las com flexibilidade como diretrizes para os caminhos da reflexão e não meramente como fórmulas rígidas a serem obedientemente aplicadas. Quanto mais conhecemos uma teoria, no confronto com outras teorias, mais nos tornamos capazes de dialogar com ela e menos escravizados nos tornamos à moldura referencial em que toda teoria nos enquadra. Se as teorias são inevitáveis, para que não se lide com a reflexão apenas com os instrumentos mentais que o senso comum nos fornece, que, pelo menos, elas sejam escolhidas através do filtro da qualidade.

 

4.8 A SELEÇÃO DO MÉTODO

Com o método chegamos ao terceiro termo, completando-se o trio que dá suporte a uma pesquisa. Do problema para a hipótese e desta para o método, tem-se aí a coluna dorsal que dá sustentação a um projeto de pesquisa. Como querem Laville e Dione (ibid.: 124), trata-se de dois movimentos que se unem na constituição de uma tríade coesamente configurada: quando o problema desemboca na hipótese, tem-se o ponto de chegada do primeiro movimento de um itinerário de pesquisa. Este ponto de chegada, entretanto, torna-se o ponto de partida do segundo movimento, indicando a direção a ser seguida para que se possa resolver o problema de partida: verificar sua solução antecipada. Para se chegar a uma confirmação, são os métodos que nos fornecem os meios.

Uma vez que todo o capítulo 3 deste livro foi dedicado à problemática da metodologia e dos métodos, não é necessário repetir aqui o que já foi dito lá. Limito-me, por isso, a chamar atenção para alguns pontos que, a meu ver, devem ser retidos em nossa mente.

Na etapa da metodologia, é fundamental que o pesquisador esteja consciente do tipo de pesquisa que está realizando, pois desse tipo dependerão os regramentos metodológicos a serem utilizados. A melhor pesquisa não é aquela que mais se aproxima dos métodos das ciências naturais, mas sim aquela cujo método é o mais adaptado ao seu objeto. Antes de tudo, é preciso explicitar se a pesquisa é empírica, com trabalho de campo ou de laboratório, se é teórica, histórica, tipológica ou se tem uma tipologia híbrida, o que, na área da comunicação, pode ser bem provável. Além do tipo de pesquisa, deve-se tentar evidenciar qual é o ângulo de abordagem da pesquisa: econômico, político, social, cultural, histórico, técnico etc. O mapa da área de comunicação que foi tentativamente desenhado no capítulo 2 pode ser de utilidade para essa tarefa.

Mais uma vez, nesta fase relativa ao terceiro sustentáculo do tripé, o método, em que se erige um projeto de pesquisa, cumpre enfatizar que as pesquisas não-empíricas e as não-quantitativas não podem ser utilizadas como álibis para a negligência metodológica. Se não há pesquisa sem problema, se não há rota que

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encaminhe para a resolução desse problema sem hipóteses, estas existem para serem testadas. Aí está a tarefa precípua de uma pesquisa, contanto que se saiba encontrar para cada tipo de pesquisa o tipo de teste que ela permite.

Pesquisas não-quantitativas exigem que sejam seguidos os mesmos passos das quantitativas, Com a diferença de que a natureza interna desses passos difere de um tipo de pesquisa para outra. Embora não exista um padrão paradigmático a que as pesquisas não-quantitativas se ajustem, elas também dependem da observação, da coleta de dados, da análise dos dados coletados e de sua interpretação. Sem isso, a pesquisa fica sem chão, flutuando no ar.

Até mesmo uma pesquisa teórica, fundamental, apresenta todos esses itens, quando se sabe adaptar seus significados às novas situações de pesquisa em que eles surgem. Assim, a palavra observação não se restringe necessariamente à observação empírica, daquilo que estreitamente costumamos chamar de rea-lidade, mas se estende para a observação documental, estendendo-se até mesmo até a observação abstrativa, quando criamos diagramas mentais da rede de conceitos teóricos com os quais estamos lidando, observando suas cont1gurações e modit1candoas conforme as necessidades da condução de uma argumentação. Tanto quanto qualquer outra, a pesquisa teórica também depende de uma grande coleta de dados, com a diferença de que esses dados são idéias, conceitos, categorias que têm de ser manipuladas técnica, criativamente e, sobretudo, metodologicamente. Se isso já é verdadeiro para as pesquisas teóricas, não é preciso nos estendermos em considerações sobre as pesquisas aplicadas, especialmente porque nestas a metodologia está estreitamente ligada às teorias que dão suporte à pesquisa.

Em suma, a tarefa metodológica é uma tarefa a ser enfrentada sem escusas, pois é dela que nos vêm os meios para comprovar ou não as hipóteses nas quais apostamos.

 

4.9 A EQUIPE DE PESQUISA

Neste item, cabe nomear quais são os responsáveis pela pesquisa, desenhando o perfil de cada um e indicando com clareza quais a tarefas que a cada membro da equipe cabe desenvolver.

 

4.10 O CRONOGRAMA

Este item diz respeito ao planejamento do tempo de desenvolvimento da pesquisa. Cada etapa deve ser cuidadosamente pensada, inclusive prevendo o tempo que cada uma deve levar para se desenvolver. Quanto mais bem formulado estiver o projeto, mais clareza e segurança se terá na previsão de sua consecução.

 

4. 11 OS RECURSOS NECESSÁRIOS

Embora a palavra "recursos" pareça indicar apenas os recursos materiais, infraestruturais e financeiros, eles devem ser pensados em termos mais amplos. Parece muito bom que o pesquisador também pense no tempo que tem para se dedicar à pesquisa, sobretudo na sua disponibilidade para assumir o modo de vida que a realização de uma pesquisa sempre exige. Enfim, olhando bem no fundo de si mesmo, neste item dos recursos, o pesquisador deve se perguntar se terá persistência, desprendimento de muitos outros apegos ou hábitos e mesmo obstinação para efetuar seu trabalho. Esses recursos são, às vezes, tanto ou mais fundamentais do que os materiais.

 

4. 12. A BIBLIOGRAFIA

Quando fazemos tanto a revisão bibliográfica quanto à seleção do quadro teórico de referência para a pesquisa proposta, ou seja, sua fundamentação teórica ou escolha de uma teoria de base, essas atividades

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podem nos levar a enxergar um horizonte bibliográfico pertinente à pesquisa muito mais amplo do que aquele que podemos absorver enquanto estamos elaborando o projeto. Nesse caso, que, aliás, seria o ideal, no final do projeto devem aparecer duas listagens bibliográficas, aquela que já foi consultada e aquela que deverá ser consultada no decorrer da pesquisa. Muitas vezes, esta última já se insinua em comentários presentes na escolha da fundamentação teórica, visto que esta é sempre muito maisespecítica e especializada do que havia sido a revisão bibliográfica. .

 4. 13 NOTA FINAL

Enfim, a elaboração de um projeto de pesquisa exige o cuidado paciente com os detalhes a que todo bom planejamento nos obriga. É preciso ter amor pelas minúcias e capacidade de olhar de frente para as dúvidas, sem subterfúgios, sem esquivas. Saber lidar com elas, atendê-las com atenção e energia, conscientes de que isso significa interromper o fluxo de nossas certezas e partir para as fontes que nos vêm do discurso do outro.

Em meio às muitas compensações que um bom projeto nos traz, entre elas especialmente uma certa garantia de que a jornada deverá chegar com êxito ao seu destino, a compensação mais gratificante se encontra naqueles momentos em que a pesquisa começa a adquirir força e determinações próprias, exigências internas tão eloqüentes como se viessem de um corpo vivo. De agente do processo, o pesquisador passa para o estatuto de interlocutor, apalpando e auscultando as determinações internas do seu trabalho. Mais gratificantes ainda, como se fossem iluminações súbitas no meio do caminho, sem que saibamos bem de onde elas vêm, são os momentos em que nos defrontamos com as surpresas das descobertas imprevistas.

Além de cumprir a função social de fazer avançar o conhecimento, tarefa precípua de toda pesquisa, pesquisas também decifram para cada um de nós o mistério dos prazeres muito próprios e decididamente intransferíveis que a vida intelectual traz consigo.