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CURSO DE DIREITO O Poder Geral de Cautela Danielle Casanova de Oliveira. R.A. 458533/2 Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Doutor. Paulo Dimas Mascaretti. São Paulo 2006

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CURSO DE DIREITO

O Poder Geral de Cautela

Danielle Casanova de Oliveira. R.A. 458533/2

Trabalho de Curso apresentado ao

Curso de Direito como requisito parcial

para a obtenção do grau de Bacharel

em Direito, sob a orientação do

Professor Doutor. Paulo Dimas

Mascaretti.

São Paulo 2006

Danielle Casanova de Oliveira

O Poder Geral de Cautela

Trabalho apresentado à disciplina de

Monografia, do curso de Direito da

UniFMU., sob orientação do Professor

Doutor Paulo Dimas Mascaretti.

Banca examinadora constituída pelos

professores:

_______________________________________ Professor Orientador Dr. Paulo Dimas Mascaretti

_______________________________________ Professor Argüidor

_______________________________________ Professor Argüidor

Nota: ______ (_______)

2

A Deus pela iluminação, força e

proteção concedida ao longo deste

ciclo.

A todos que de qualquer forma

contribuíram para a concretização

deste trabalho, em especial a

orientação do Professor Paulo Dimas

Mascaretti por ter aceitado orientar-me

no desenvolvimento do tema

escolhido.

3

SINOPSE

O poder geral de cautela visa preservar a eficácia das manifestações

jurisdicionais, os provimentos definitivos, que não são ministradas de maneira

instantânea, mas sim após uma seqüência de atos capaz de proporcionar ao

julgador a formação de seu convencimento. Desse modo, torna-se imprescindível a

exigência de certo espaço de tempo para a tramitação processual, razão pela qual

pode-se ocasionar variações irremediáveis não só nas coisas como nas pessoas e

relações jurídicas envolvidas. Portanto, para que se atinja o objetivo final do

processo, é necessária a proteção cautelar prevista pelo legislador em razão da

urgência na obtenção de algumas medidas. Diante disso, surge o poder geral de

cautela com o desiderato de suprir as lacunas oriundas da impossibilidade de prever

todas as situações concretas que ensejariam a proteção cautelar.

4

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO............................................................................................................06 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA.......................................................................................08 2. O PODER GERAL DE CAUTELA..........................................................................12

2.1.Conceito e Natureza Jurídica..................................................................12 2.2.Distinção entre o Processo Principal e o Cautelar...............................15 2.3.Conceito de Medida Cautelar..................................................................17 2.3.1.Pressupostos das Medidas Cautelares....................................18 2.4. Medidas Típicas e Atípicas....................................................................19 2.5. As Características das Medidas Atípicas.............................................20 2.5.1. Requisitos das Medidas Cautelares Atípicas........................20 2.5.2. Perigo de Dano.........................................................................24 2.5.3. Formas e Conteúdos das Medidas Atípicas..........................25 3. LIMITAÇÕES DA ATIVIDADE DO JUIZ NO EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE

CAUTELA................................................................................................................27

4. MOMENTO DO EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA........................36 5. PROCEDIMENTO..................................................................................................37 6. EFICÁCIA DA MEDIDA CAUTELAR....................................................................40 7. Relação de Suplementariedade entre as Cautelares Inominadas e as

Nominadas e a Fungibilidade entre as medidas..............................................41 8. Responsabilidade Civil decorrente do Exercício do Poder Geral de

Cautela.................................................................................................................45 8.1. Medida Concedida em Resposta ao Requerimento da Parte..........45

8.2. Medida Concedida Ex Officio.............................................................48

9. CONCLUSÃO.........................................................................................................49 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................51

5

INTRODUÇÃO

O trabalho a ser desenvolvido trata do Poder Geral de Cautela que visa suprir

as lacunas oriundas da impossibilidade de prever todas as situações concretas que

ensejariam proteção cautelar, buscando, dessa forma, complementar o sistema

protetivo de direitos, ou seja, suprir as lacunas do ordenamento positivo. Este poder

não se confunde com discricionariedade absoluta pois embora o juiz seja livre, deve

respeitar as regras de persuasão racional para aferir se estão presentes, ou não, os

requisitos da tutela cautelar.

O Poder Geral de Cautela encontra seu fundamento na necessidade de se

preservar a eficácia das manifestações jurisdicionais, do provimento definitivo que

não pode ser ministrado de maneira instantânea, mas sim, mediante uma seqüência

de varios atos que necessitam da defesa dos direitos opostos das partes para assim,

propiciar ao julgador a formação de seu convencimento sobre qual será a melhor

solução da lide, dessa forma, tal provimento é extraído do contato com as partes,

bem como em outros elementos do processo.

De tal sorte que entre a interposição da ação e o pronunciamento jurisdicional

satisfativo existe necessariamente certo espaço de tempo, que poderá ser maior ou

menor conforme a complexidade do caso concreto e a natureza do procedimento.

Portanto, o decurso do tempo exigido pela tramitação processual pode

provocar ou ensejar variações irremediáveis não só nas coisas como nas pessoas e

relações jurídicas substanciais envolvidas no litígio, alguns exemplos: a

deterioração, o desvio, a morte, a alienação, portanto, eventos como estes se não

obstaculizados, inutilizariam a solução final do processo.

Pelas sábias palavras de Humberto Theodoro Júnior verificamos que: “Para a

consecução do objetivo maior do processo, que é a paz social, por intermédio da

manutenção do império da lei, não se pode contentar com a simples outorga da

6

parte ao direito de ação. Urge assegurar-lhe, também, e principalmente, o

atingimento do fim precípuo do processo, que é a solução justa da lide”.1

Diante disso, serão abordados neste trabalho: (i) o significado da expressão o

poder cautelar do juiz, bem como o seu desenvolvimento histórico; (ii) a distinção

existente entre o processo principal e o processo cautelar; (iii) os pressupostos das

medidas cautelares; (iv) será, outrossim, traçado um paralelo entre as medidas

típicas e as medidas atípicas; (v) os requisitos das medidas cautelares atípicas, bem

como sua forma e conteúdo. E, por fim, abordará as limitações do poder cautelar, ou

seja, os limites de atuação do juiz na esfera cautelar.

Em suma, buscarei demonstrar objetivamente o tema de forma clara e

concisa para assim facilitar a compreensão do Poder Geral de Cautela que visa

mitigar os rigores processuais, para evitar prejuízos, de forma direta tornando o

processo efetivo, e de forma indireta, resguardando o direito das partes.

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 34. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2003. p. 544.

7

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Após uma evolução legislativa ocorrida no final do século passado, período

em que já existiam os problemas relacionados com a demora dos processos

judiciais, bem como à frustrada eficácia de algumas manifestações jurisdicionais que

acabavam por cair no vazio, tornando-se inexeqüíveis, o legislador percebera que

seria necessária uma sistematização mais adequada e uniforme acerca das tutelas

cautelares.

Dessa forma, o legislador dispôs nos artigos 675-678 do texto normativo

processual de 1939, acerca dos meios de tutela preventiva de direitos ameaçados.

Entretanto, tal previsão era simplista, não atribuindo à pretensão cautelar caráter de

ação ou de tertium genus em relação às demais.

Tanto é assim que o artigo 675, de onde se extrai a mínima previsão

normativa acerca do poder geral de cautela, não possibilitava aos titulares de direitos

ameaçados de lesão, buscar antecipadamente a tutela cautelar de seus direitos,

uma vez que os três incisos que compunham o caput do artigo fazem referência

expressa à pendência de outra demanda.

Portanto, pode-se afirmar que no Código de Processo Civil de 1939 o poder

geral de cautela existia, entretanto, de forma bastante limitada, no que se referia à

sua aplicação pragmática, ou seja, o poder genérico e abstrato de cautela era

atribuído ao juiz, mas sua efetividade dependeria de certas condições e requisitos

prévios, impostos pelos incisos I, II e III do referido artigo 675, que limitavam

sobremaneira a eficácia que poderia ser extraída do caput da norma. Desse modo, o

poder geral de cautela existia, mas não se mostrava eficaz na medida em que era

restrito o seu campo de aplicação.

Podemos perceber o que fora supramencionado da simples leitura do artigo.

In verbis:

8

“Art. 675. Além dos casos em que a lei expressamente o

autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o

interesse das partes.

I – Quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios

de rixa ou violência entre os litigantes.

II – Quando, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos

capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao

direito de uma das partes.

III – Quando, no processo, a uma das partes for impossível

produzir prova, por não se achar na posse de determinada

coisa.”

Essa dificuldade de aplicação do referido artigo 675 acabou por gerar algumas

críticas, até mesmo por parte da doutrina que lhe atribuía maior amplitude, razão pela

qual começaram a estudar mais profundamente o assunto, a fim de possibilitar

eventual alteração nessa falha de sistematização.

Durante este período Liebman esteve no Brasil refugiado do regime político

praticado na Itália no curso da 2ª Guerra, época em que pôde transmitir muitos de

seus conhecimentos acerca do Direito Processual, a estudiosos que posteriormente

se encarregaram de elaborar o projeto de alteração do anterior Código de Processo

Civil de 1939.

Um de seus alunos fora Alfredo Buzaid, a quem se atribuiu à função da

elaboração desse projeto, o qual após alterações, veio a ser transformado em lei,

especificamente no Código de Processo Civil de 1973.

O atual, e, então vigente Código de Processo Civil procedeu a importantes e

fundamentais alterações na sistematização do processo cautelar, juntamente com a

concepção do poder geral de cautela.

9

O poder geral de cautela veio previsto no artigo 798, do Código de Processo

Civil 2, corrige algumas falhas constantes do artigo 675 do texto normativo de 1939,

teve como principal mudança a retirada das condições existentes nos incisos da

norma de 1939, para o exercício do poder geral de cautela.

Estas condições antes existentes geraram grandes dúvidas na doutrina e na

jurisprudência, no sentido de admitir que as providências cautelares nominadas pelo

legislador seriam meramente exemplificativas e não taxativas.

O novo Código, que proporcionou nova sistematização adotada para as tutelas

cautelares acabou com esta problemática. Esta é a opinião de diversos doutrinadores

que se manifestaram sobre a alteração do Código Atual, dentre eles, Humberto

Theodoro Júnior, para quem “os termos em que o novo código colocou o problema de

tutela cautelar genérica ou inominada são, sem dúvida, muito mais adequados do

que aqueles usados pelo legislador de 1939. Revelam, a toda evidência, que a

enumeração das medidas arroladas no cap. II, sob a epígrafe de “procedimentos

cautelares específicos”, é meramente exemplificativa. “Poderá surgir, a qualquer

momento, a necessidade de a parte solicitar ao juiz providências acautelatórias,

assecurativas, não especificamente mencionadas neste livro. E o juiz poderá deferi-

las, tendo em vista evidentemente, a situação do caso aplicando o seu poder geral de

cautela”.”3

Outra importante alteração fora a atribuição às tutelas cautelares, do

qualificativo da autonomia procedimental e processual do processo que lhe segue,

de conhecimento, ou, de execução. Em suma, admitiu-se as ações cautelares

inominadas, como espécie do gênero ações cautelares e como espécie, outrossim,

das ações previstas no ordenamento positivo brasileiro.

2 “Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no cap. II deste livro poderá o Juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”. 3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 2. ed. São Paulo. LEUD. Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda. 1976. pp. 99 e 100.

10

Decorrente dessa nova estruturação formulada para as tutelas cautelares e

preventivas, atribuiu-se a estas tutelas procedimento diverso aos previstos para os

demais tipos de tutelas jurisdicionais, o que também contribuíra para a eficácia das

tutelas cautelares.

Esse novo direito, que admite a existência de uma ação cautelar típica, com

procedimento próprio e com sentença que a resolve, não se confunde com o direito

material que possa vir a ser acertado em processo de conhecimento pleno, e,

denomina-se direito substancial de cautela.

Atualmente o legislador constituinte não deixou margem a dúvidas, no que se

refere à previsão de defesa judicial a ameaças de direitos, destacando-se as lesões

efetivas. Desse modo, o próprio legislador constitucional no inciso XXXV do artigo

5º, previu a hipótese da proteção jurisdicional contra ameaças a direitos. Verifica-se,

portanto, o reconhecimento desse direito, a nível constitucional, permitindo que seus

titulares se socorram do ius actionis, para obterem a proteção cautelar desejada.

O advento do Código de Processo Civil de 1973 contribuíra sobremaneira o

desenvolvimento dos estudos acerca do poder geral de cautela, uma vez que nesse

novo ordenamento positivo esse poder surge como verdadeira norma que

suplementa as deficiências geradas pelas lacunas antes existentes nas cautelares

nominadas. Lacunas estas decorrentes da impossibilidade do legislador prever todas

as situações concretas que possibilitariam ou ensejariam a proteção cautelar.

Conclui-se que todas as modificações havidas no atual Código de Processo

Civil concederam ao juiz uma norma em branco que possibilita ao magistrado o

preenchimento das supracitadas lacunas existentes no ordenamento positivo.

Portanto, conferir o poder geral de cautela ao juiz significa a possibilidade que é

dada aos titulares de direitos ameaçados de lesão de ajuizar ações cautelares

inominadas e inespecíficas, além daquelas previstas pelo ordenamento positivo.

11

2. O PODER GERAL DE CAUTELA

2.1. Conceito e Natureza Jurídica

O poder geral de cautela deve ser analisado sob duas óticas. A primeira toma

por base quem exerce esse poder e a quem o mesmo é conferido. A segunda, por

sua vez, encara o ponto de vista de quem se beneficia do exercício desse poder, ou

seja, aquele que postula seja esse poder exercitado.

Sob a ótica daquele que postula a providência cautelar, pode-se dizer que o

poder geral de cautela se exterioriza como um direito subjetivo, abstrato, autônomo,

público, constitucional – (ex vi do disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição

Federal), ao prescrever a possibilidade de defesa a ameaças a direitos – e

suplementar. Isso porque, o direito de ação cautelar é apenas uma espécie do

gênero direito de ação, conservando todas as características básicas de seu gênero.

Além desses qualitativos, o que lhe é suplementar é o fato deste poder ser

suplementar, em decorrência da função que esse direito ocupa no âmbito da

sistematização elaborada no Código de Processo Civil. Ou seja, a criação legislativa

desse poder se deu em razão de uma insolúvel falha no sistema legislativo, em não

conseguir inserir todas as situações concretas passíveis da proteção cautelar

postulada através do exercício de ação.

Assim, na impossibilidade de fechar as hipóteses legais em “numerus

clausus”, que acabaria por deixar diversas e incontáveis situações sem a

possibilidade de serem acauteladas, o legislador conferiu aos interessados a

possibilidade de serem acauteladas por intermédio de uma norma em branco

(genérica), que suplementa as deficiências das previsões cautelares nominadas,

englobando não só as situações concretas nominadas e previstas, mas também

todas aquelas outras não especificadas pela autoridade legiferante.

12

Já o poder de cautela analisado sob a ótica de quem o exerce, ou seja, o juiz,

tem-se que este poder é uma espécie do gênero poder-dever que se delega ao juiz,

como forma de se exercitar a atividade jurisdicional que o Estado reservara para si.

Dessa forma, quando o juiz atua com base no poder geral de cautela, não exerce

um poder meramente jurisdicional – onde pratica o ato mediante processo

exclusivamente interpretativo da norma e dentro de seus estreitos limites. Quando

age com base nos artigos 798 e 799 o juiz exerce função jurisdicional bem como

discricionária.4

A atividade do magistrado ao exercer o poder geral de cautela é jurisdicional

na medida em que aplica a norma abstrata a determinado caso concreto com o

desiderato de solucionar os conflitos de interesses apresentados pelas partes,

preservando, desta forma, a ordem e o equilíbrio social.

A norma que confere ao juiz o poder geral de cautela é uma norma em

branco, sem fixação e limites ou parâmetros, a não ser vagas hipóteses de

cabimento, permite que o magistrado proceda não somente um processo de

interpretação, mas, também e essencialmente a escolha e adaptação do abstrato ao

caso concreto.

A prova disso pode ser extraída da própria norma contida no artigo 798

quando sugere ao juiz determinar “as medidas provisórias que julgar adequadas,

quando houver fundado receio de uma parte, antes do julgamento da lide cause ao

direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.

A doutrina cada vez mais se manifesta no sentido da admissão de um poder

discricionário atribuído ao juiz, quando está diante da norma constante do artigo 798

do Código de Processo Civil.

4 Tem-se, nesse sentido, afirmação feita por E. D. Moniz de Aragão, ao afirmar que: “Sob a denominação medidas cautelares “inominadas” (ou “atípicas”) costuma-se referir a atuação discricionária do juiz no desempenho do chamado “poder geral de cautela”, em cujo exercício lhe é permitido autorizar a prática, ou impor a abstenção de determinados atos, não previstos em lei ou nesta indicados apenas exemplificativamente´, in “Medidas Cautelares Inominadas”, RBDP 57/33.

13

Galeno Lacerda ao comentar o referido dispositivo legal, afirmara que: “No

exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar “as medidas provisórias

que julgar adequadas” para evitar o dano à parte, provocado ou ameaçado pelo

adversário, a discrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos em

presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do

estado de direito, um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício

do imperium, decretava os interdicta”.5

Também participa desta opinião o doutrinador Ovídio Baptista da Silva,

entretanto, sugere uma dose de cautela quando se afirma discricionária a atividade

do juiz, no âmbito do poder geral de cautela e, retificando o escrito de Victor Nunes

Leal na RDA 14/54 e ss., assevera que: “Deve, contudo, o ato discricionário manter-

se fiel à finalidade prevista em lei. Se o agente, sob pretexto de valer-se de seu

poder discricionário, pratica algum ato aberrante dos propósitos visados pelo

legislador, de tal modo que os próprios fins pretendidos pelo preceito legal se

frustrem, então o ato será ilegítimo e portador de abuso de poder”.6

Igualmente afirmara Lopes Rodo, no sentido de que: “Não há verdadeira

oposição entre o poder vinculado e o poder discricionário, de vez que qualquer deles

tem por fim a execução da lei, dando-se neste último maior liberdade apenas ao

agente na avaliação das circunstâncias que o legislador não determina previamente.

Contudo, nessa avaliação não há arbítrio, mas rigorosa busca da finalidade

pretendida pelo legislador, de modo a que o ato, seja administrativo ou jurisdicional,

se afeiçoe e não discrepe abertamente dos fins almejados pela norma legal”.7

Conclui-se, portanto, que o poder geral de visto sob o prisma de quem o

exerce, ou seja, do juiz, constitui forma de poder jurisdicional, com imensa dose de

discricionariedade e serviente à manutenção do equilíbrio social e jurídico de toda

coletividade, o que se dá por meio do processo; serve, outrossim, à preservação da

5 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. v. VIII, t. I. Rio: Ed. Forense, 1980. p. 135. 6 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Comentários ao Código de Processo Civil. v.XI, Porto Alegre, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1985. p. 117 7 L. Lopes Rodo. O poder discricionário da Administração - Evolução doutrinária e jurisprudencial. In RDA 35/42, apud Ovídio Baptista da silva, idem, pp.116 e 117.

14

eficácia pragmática dos próprios processos jurisdicionais como um todo e, por fim,

destina-se a tutelar direitos subjetivos ameaçados de lesão, com sustentação na

existência de um direito substancial de cautela.

Destaca-se, entretanto, que sua essência é eminentemente de natureza

pública, pois, muito mais do que servir aos interesses em conflito das partes, o poder

geral de cautela serve ao próprio Estado, eis que é através desse mecanismo,

dentre outros, tais quais o mandado de segurança, a ação civil pública, que este

consegue evitar que situações irremediáveis ocorram no âmbito dos direitos

substanciais das partes.

A existência do poder geral de cautela se explica principalmente na própria

necessidade que tem o Estado-juiz de criar mecanismos para preservação da

eficácia de sua própria atividade jurisdicional. Sem esse poder, muito provavelmente

várias situações jurídicas criadas pelo Estado poderiam constituir um nada no

mundo pragmático das partes. E, a constância dessa indesejável situação afetaria

diretamente a ordem jurídica e social como um todo.

2.2. Distinção entre o Processo Principal e o Cautelar

Se não existisse um meio pronto eficaz para assegurar a permanência ou

conservação do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o

último estágio da prestação jurisdicional, esta correria o risco de cair no vazio, ou

então, transformar-se-ia em providência inútil e inócua.

Com isso surge o processo cautelar como uma nova face da jurisdição e

como um tertium genus, contendo “a um só tempo as funções do processo de

conhecimento e de execução”, e tendo por elemento específico “a prevenção”. 8

8 BUZAID. Exposições de Motivos. De 1972, p. 11.

15

Enquanto no processo principal (de cognição ou de execução) busca a

composição da lide, no processo cautelar ocorre a outorga de situação provisória de

segurança aos interesses dos litigantes. Certamente que ambos os processos giram

em torno da “lide”, pressuposto indeclinável de toda e qualquer atuação jurisdicional,

mas no processo cautelar a lide e sua composição não se apresentam como objetivo

máximo como no processo principal. Pelas palavras de Carnelutti: “a este cabe uma

função “auxiliar e subsidiária”, de servir à “tutela do processo principal”, onde será

protegido o direito eliminado o litígio”.9

Na realidade, a atividade jurisdicional cautelar se dirige à segurança e

garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de

cognição e execução, concorrendo desse modo, para o atingimento do escopo geral

da jurisdição.

Esta atividade jurisdicional cautelar, não dá solução à lide, mas cria condições

para que essa solução ocorra em plano de maior justiça dentro do processo

principal, anota Ronaldo Cunha Campos que “a função cautelar tem por escopo

servir o interesse público na defesa do “instrumento” criado pelo Estado para compor

lides, isto é a defesa do processo”10

Isso porque, no momento que o Estado oferece a tutela cautelar à parte, não

se tem ainda condições de apurar, com segurança, se o direito subjetivo material

realmente existe e merece a tutela definitiva do processo de mérito. E tal

reconhecimento só será possível depois da cognição plena que o processo principal

ensejará.

Conclui-se, portanto, que o processo cautelar elimina uma situação de perigo

que envolve apenas um interesse do litigante, preocupando-se tão somente em

assegurar a utilidade do resultado no processo principal. Eliminando o perigo

9 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e Processo. Nápoles, 1958. pp. 353 e ss. 10 CUNHA CAMPOS, Ronaldo. “Comentário”, in Rev. Brasileira de Direito Processual. Uberaba, v. IV, 1974. p. 184.

16

antevisto e que não pode ser impedido pelo provimento do processo em razão da

sua natural e necessária demora.

2.3. Conceito de Medida Cautelar

Para a justa composição da lide que é meta final do processo existem

elementos objetivos e subjetivos. Os elementos subjetivos da relação processual são

as partes envolvidas na lide, além do juiz representante soberano do poder estatal;

são elementos objetivos as provas, ou, os bens envolvidos.

Estes elementos, quais sejam as pessoas, bens, e provas, podem em razão

da demora do processo principal, enfrentar situação de risco de dano, seja por

atitude proposital de algum dos litigantes, seja pela ocorrência de um evento

ocasional, daí surge o cabimento da atuação cautelar, com o desiderato de proteger

todos esses elementos.

Essa função não consiste em antecipar solução da lide satisfazendo

prematuramente o direito material subjetivo em disputa no processo principal, o que

se obtém no processo cautelar é apenas a prevenção contra o risco de dano

imediato que acaba por afetar o interesse em litígio da parte comprometendo a

eventual eficácia da tutela definitiva a ser alcançada no processo onde se discute o

mérito.

Daí dizer que o processo principal é de natureza “satisfativa”, por implicar na

efetiva satisfação do direito da parte. Enquanto que a tutela cautelar visa apenas a

prevenção ou garantia, posto que quem a obtém, não consegue só com ela a

satisfação de seu pretenso direito que continua dependente da solução no processo

principal. Pode-se repetir a lição de Humberto Theodoro Júnior, segundo o qual:

“Com a medida cautelar, a parte beneficiada apenas se precavém contra uma

17

temível mudança de situação fática ou jurídica que poderia inutilizar o resultado

processo principal, caso lhe venha ser favorável”.11

Conclui-se que a medida cautelar é a providência concreta do órgão judicial

com o desiderato de conservar o estado de fato ou de direito que envolve as partes,

durante o tempo necessário à definição do direito no processo de conhecimento ou

para a realização coativa do direito do credor sobre o patrimônio do devedor.

2.3.1. Pressupostos das Medidas Cautelares

As medidas cautelares são providências de caráter excepcional, que podem

ser atuadas tão somente em situações emergenciais. Como objeto da ação, as

medidas dependem da instauração regular de processo para seu objeto especial,

que é a prevenção. Por isso é necessário sua postulação válida, atendendo os

pressupostos e as condições da ação, dentro do mesmo conceito com que esses

requisitos se impõe ao processo principal.

Além desses requisitos comuns, para a obtenção da tutela cautelar são

necessário outros considerados específicos e recebem o nome, pela doutrina, de

fumus boni iuris e periculum in mora. Dessa forma, na ordem prática para se obter

uma providência de natureza cautelar, é necessário que:

i) ocorra uma situação de “dano potencial”, ou seja, um risco criado para um

interesse do litigante, pela demora do processo principal. Materializando o dano

temido, o processo principal perderia sua utilidade para a defesa do possível direito

do litigante (periculum in mora); e

ii) que o direito ameaçado seja “plausível”, segundo sumária apreciação do

interesse revelado pela parte (fumus boni iuris).

11 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito Processual Civil. 34. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2003. p. 546.

18

2.4. MEDIDAS TÍPICAS E ATÍPICAS

Ao regular o poder cautelar do juiz, a lei, prevê diversas medidas preventivas,

definindo-as e atribuindo-lhes objetivos e procedimentos especiais, Essas

providências são denominadas medidas cautelares “típicas” (ou nominadas).

Entretanto, a função cautelar não fica restrita às providências típicas, uma vez

que o intuito da lei é justamente assegurar meios que coíbam qualquer situação de

perigo que passam comprometer a eficácia e utilidade do processo principal. Daí

existir a previsão de que cabe ao juiz determinar outras medidas provisórias, desde

que adequadas, sempre que houver fundado receio de que uma parte, antes do

julgamento da lide, cause, ao direito da outra, dano de difícil reparação. (CPC, art.

798).

Dessa forma, há medidas com condições de aplicação definidas pelo próprio

legislador, como há, também, medidas que são criadas e deferidas pelo próprio juiz,

ao se deparar com situações de perigo não previstas ou não reguladas

expressamente pela lei.

Como já visto, esse poder de criar providências de segurança fora dos casos

típicos previamente arrolados pelo Código recebe, doutrinariamente o nome de

“poder geral de cautela”. Ressalta-se que, entre as medidas típicas e as provindas

do poder geral de cautela não há diferença de natureza ou substância.

Adverte Ugo Rocco que em todos os casos os órgãos judicantes

desempenham a mesma função de natureza cautelar, ou seja, a atividade destinada

a evitar um perigo proveniente de um evento possível ou provável, que possa

suprimir ou restringir os interesses tutelados pelo direito.12

Diante desse poder a atividade jurisdicional se apóia em “poderes

indeterminados”, uma vez que a lei ao prevê-los, não cuidou de preordená-los a

12 ROCCO, Ugo. Tratado de Derecho Procesal Civil, trad. de Santiago Sentis Mellendo y Marino Ayerra Redin, Bogotá, 1969-1977. p. 409.

19

providências de conteúdo determinado e específico. Já nos procedimentos

específicos, tudo a respeito do exercício da função cautelar, seja quanto ao

cabimento da providência, seja quanto ao seu objetivo, pressupostos e limites, está

previsto e regulado pela lei.

Por isso, conclui Rocco que a diferença entre as medidas típicas e atípicas é

apenas a maior ou menor determinação de especificidade13.

Em suma, pode-se repetir a lição de Moniz Aragão, in verbis: “Sob a

denominação medidas cautelares inominadas (ou atípicas) costuma-se referir a

atuação discricionária do juiz de desempenho do chamado poder cautelar geral, em

cujo exercício lhe é permitido autorizar a prática, ou impor a abstenção de

determinados atos não previstos em lei ou nesta indicados apenas

exemplificativamente.”14

2.5. AS CARACTERÍSTICAS DAS MEDIDAS ATÍPICAS

2.5.1. Requisitos das Medidas Cautelares Atípicas

Como toda e qualquer espécie do gênero direito de ação, as ações cautelares

também se sujeitam às condições de admissibilidade do pedido que se veicula em

juízo. São estas a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a

legitimidade das partes.

Para Frederico Marques, “as condições enumeradas no artigo 267, “VI”, do

Código de Processo Civil são condições necessárias, conexas à pretensão

formulada pelo autor, para que o Estado dê por legítimo o exercício do direito de

ação e, em conseqüência, faça a entrega da prestação jurisdicional, como a justa

13 Op. cit., p. 410. 14 “Medidas Cautelares Inominadas”, in Ver. Brás. Dir. Proc., 57/33.

20

composição da lide, se atendidos também estiverem os pressupostos processuais

exigidos em lei”.15

Além dessas três condições de admissibilidade da ação, inerentes às ações

como um todo, a doutrina entende que outras duas condições de admissibilidade

pertencem às cautelares. Conforme expostos no item 1.4 as condições específicas

inerentes apenas às cautelares são: fumus boni iuris e periculum in mora.

Diversos autores definem o que seria o fumus boni iuris. Tomemos por

exemplo no Brasil as palavras de Sydney Sanches que escrevera que o fumus boni

iuris “consiste na probabilidade da existência do direito invocado pelo autor da ação

cautelar. Direito a ser examinado aprofundadamente, em termos de certeza, apenas

no processo principal já existente, ou, então, a ser instaurado”. E, o periculum in

mora, consistiria na “probabilidade de dano de uma das partes de futura ou atual aça

principal, resultante da demora no ajuizamento ou no processamento e julgamento

desta”.16

Humberto Theodoro Júnior explica esses requisitos, citando Liebman e Villar:

o “fumus boni iuris é a provável existência de um direito a ser tutelado no processo

principal. E nisto consistiria o fumus boni iuris, isto é, no juízo de probabilidade e

verossimilhança do direito cautelar a ser acertado e o provável perigo em face do

dano ao possível direito pedido no processo principal”, e o periculum in mora seria o

“... fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venha a faltar as

circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela. E isto pode ocorrer quando haja o

risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das

pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento

final do processo principal”.17

Esses requisitos de concessão da tutela cautelar são relevantes e importantes

na medida em que por intermédio destes é que será possível, também aferir a

15 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. v. I. 10. ed. São Paulo: Saraiva,.1983. pp. 181 e 182. 16 SANCHES, Sydney. Poder Cautelar Geral do Juiz. São Paulo: Ed. RT. 1978. p.43. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar, op. loc. cits., pp. 73, 76 e 77.

21

existência ou não de mérito nas demandas cautelares. Quase que unanimemente,

tem-se a orientação no sentido de situar o fumus boni iuris e o periculum in mora, no

âmbito das condições da ação cautelar.

Nessa mesma linha de raciocínio, tanto a doutrina pátria quanto a alienígena

enquadra ambos os requisitos das cautelares como condições específicas de

admissibilidade das ações de segurança. Dessa forma, na ausência desses

requisitos, não poderá o juiz, de acordo com essa mesma orientação doutrinária,

conceder a cautela pleiteada devendo proferir sentença de extinção do processo,

sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo

Civil.

Contrário a estes posicionamentos, tem-se a doutrina de Galeno Lacerda,

para quem: “Merecem destaque as posições originais de dois processualistas

brasileiros, que não sintonizam com a doutrina dominante a propósito do tema em

análise. Ronaldo Cunha Campos, partindo da idéia de Carnelluti de que a medida

cautelar tutela o processo e não a ação material que nele se contém, se insurge

contra o requisito do fumus boni iuris, no qual enxerga “um quase prejulgamento do

mérito”, incabível em sede de cautelar. Ovídio Batista da Silva a seu turno, considera

os dois requisitos não como integradores das condições da ação cautelar, mas

pertencentes ao próprio mérito desta: “O juiz, ao decidir sobre esses pressupostos,

decide o mérito da controvérsia cautelar”.

“Para a procedência da ação, porém, exige-se algo mais. Não basta o perigo.

Indispensável se faz que a aparência do direito socorra ao postulante. O fumus boni

iuris, portanto, não constitui condição da ação cautelar, mas representa-lhe na

verdade, a própria avaliação do mérito. Se o autor satisfaz as três condições e se

sua pretensão se apresenta revestida da aparência do direito, o pedido merece

provimento. Trata-se, porém, de juízo provisório, que não representa pré-julgamento

definitivo da demanda principal.”18

18 LACERDA, Galeno, op. loc. cits., pp. 293 e 294 e BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cits., pp. 20 e ss.

22

Pela leitura do texto 798 do Código de Processo Civil, facilmente conclui-se

que os requisitos das medidas atípicas são os mesmos das medidas cautelares

típicas, ou seja, para obtenção da proteção do poder geral de cautela, pelas

palavras de Humberto Theodoro Júnior, são necessários: “a) um interesse em jogo

num processo principal (direito plausível, ou fumus boni iuris); e b) fundado receio de

dano, que há de ser grave e de difícil reparação, e que se tema passa ocorrer antes

da solução definitiva da lide, a ser encontradas no processo principal (periculum in

mora).”19

Entretanto, desnecessária é a demonstração definitiva da existência do direito

material em risco, posto ser esse interesse litigioso e que só terá sua comprovação

de declaração no processo principal. Esse direito em risco se revela apenas como o

interesse que fundamenta o “direito de ação” para receber a tutela cautelar, ou seja,

o direito ao processo de mérito.

Certamente que deve ser revelado como interesse devidamente amparado

pelo direito objetivo, justificado pelo direito subjetivo do qual o interessado se diz

titular, cabendo a este a demonstração dos elementos necessários para formar a

opinião do juiz por meio de uma cognição sumária e superficial. Vejamos os

ensinamentos de Ugo Rocco, ao descrever que o “interesse amparado pelo direito

objetivo, na forma de um direito subjetivo, do qual o suplicante se considera titular,

apresentando os elementos que prima face possam formar no juiz a opinião de

credibilidade mediante um conhecimento sumário e superficial”.20

Desse modo, verifica-se que não é qualquer interesse que podem ser

tutelados, mas somente aqueles que aparentam e se mostram plausíveis de tutela

no processo principal. Assim, se da própria narração do requerente da ação cautelar,

ou da perceptível deficiência do título jurídico em que se apóia sua pretensão de

mérito, pode-se concluir que não haverá possibilidade de êxito para ele na

composição definitiva da lide, caso não é de lhe outorgar a proteção cautelar. Isso

19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito Processual Civil. 34. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003. p. 548. 20 ROCCO, Ugo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Op. cit. p. 433.

23

porque, se da narração dos fatos não decorrer a conclusão pretendida pelo autor,

sua petição inicial no processo de mérito será inepta e nos termos do artigo 295 do

Código de Processo Civil, deverá ser liminarmente indeferida.

Em suma, se for inviável o processo principal, será, outrossim, inconcebível o

deferimento da tutela cautelar, que objetiva servir de instrumento para a eficácia do

processo de mérito.

2.5.2. Perigo de Dano:

A lei estabelece como fundamento para a atuação do poder geral de cautela o

perigo que deve ser: (i) fundado; (ii) relacionado a um dano “próximo”; e (iii) que

seja “grave” e de “difícil reparação”. Passaremos a explicar cada qual.

Primeiramente destaca-se o receio fundado que não decorre de simples

estado de espírito do requerente, uma vez que este não se limita sua situação

subjetiva de temor e de dúvida pessoal, mas está intimamente ligado a uma situação

objetiva demonstrável através de algum fato concreto.

O perigo de dano próximo e iminente, por sua vez, está relacionado com

uma lesão que provavelmente deva ocorrer ainda durante o curso do processo

principal, ou seja, durante o curso da solução definitiva ou de mérito.

Finalmente, o dano temido para justificar a proteção cautelar, há de ser a um

só tempo grave e de difícil reparação, isso porque ambas as idéias estão

intimamente ligadas, de tal forma que para se ter como realmente grave uma lesão

jurídica, é preciso que seja irreparável sua conseqüência, ou ao menos de difícil

reparação.

Tal irreparabilidade, ou problemática reparabilidade pode ser aferida sobre

dois pontos de vista: o objetivo, e, o subjetivo. O ponto de vista objetivo, pode ser

verificado pela constatação de dano irreparável ou de difícil reparação, o dano que

24

por sua natureza não permita nem a reparação específica nem tão pouco a do

respectivo equivalente (indenização).

Do ponto de vista subjetivo, admiti-se como irreparável ou de difícil reparação

o dano quando o responsável pela restauração não tenha condições econômicas

para efetuá-la. Entretanto, por outro lado, deve-se ter como grave todo o dano que,

uma vez ocorrido, irá importar na supressão total, ou inutilização, senão total, pelo

menos de grande monta, do interesse que se espera venha a prevalecer na solução

da lide pendente de julgamento ou composição no processo principal.

É importante, ressaltar que nas disputas de coisa certa, não tem o devedor a

faculdade de substituí-la pela indenização equivalente. Logo, se há risco de

desaparecimento ou inutilização do bem devido a capacidade do litigante de

indenizar o prejuízo do interessado não exclui a “gravidade” do dano temido.

2.5.3. Formas e Conteúdos das Medidas Atípicas

O artigo 799 do Código de Processo Civil dispõe que ao exercer o poder geral

de cautela, “poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de

determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e

importar a prestação de caução”.

A doutrina tem interpretado essa enumeração como meramente

exemplificativa, sem caráter exaustivo, ou taxativo, já que qualquer que seja a

situação de perigo que venha defrontar o interesse da parte, enquanto não

solucionado o processo principal, é de ser provisoriamente coibida através de

medidas adequadas, criadas e aperfeiçoadas dentro do poder geral de cautela.

25

A jurisprudência por sua vez segue o mesmo rumo da doutrina, in verbis:

“Poder Cautelar Geral do Juiz - Providência não incluída expressamente no rol

do art. 799 do CPC - Pretensão, porém, deferida por lei e que deve, necessariamente, contar com meios para sua satisfação - Falta de instrumento adequado a ser suprida por construção analógica - Elenco legal, ademais, não taxativo - Impossibilidade jurídica do pedido não

configurada - Apreciação do pedido pelo mérito, tendo em vista a adequação da

cautelar solicitada, a existência da aparência do bom direito e os riscos da

demora, a ser feita em 1º instância, para que não seja suprimido um grau de

jurisdição.”21

A esse respeito, não se torna necessário nem mesmo fugir da enumeração de

lei para admissão do amplo e irrestrito poder geral de cautela que se atribui ao juiz.

Isso porque, dentro da enumeração genérica utilizada pelo legislador, em

expressões elásticas como “autorizar” ou “vedar” a prática de determinados atos,

torna-se cabível sem dúvidas a pratica de infindáveis seqüências de medidas.

Contudo, qualquer que seja a medida atípica, apresentar-se-á como uma

ordem, comando, ou injunção imposta pelo órgão judicial a uma das partes em

conflito. Tais ordens podem ser de caráter ou conteúdo “positivo”, qualificadas por

ordens de fazer, ou “negativo”, qualificadas por ordens de não-fazer. As ordens terão

como destinatários a pessoa que sua ação ou omissão causa a ameaça de restrição

ou supressão do interesse substancial do promovente, interesse esse que,

teoricamente, está protegido pelo promovente.

Certamente que a ordem de não-fazer é sempre destinada à parte contrária

ao promovente da medida cautelar, ou seja, a seu adversário. Entretanto, a ordem

positiva poderá dirigir-se tanto a um como a outro dos interessados, isso porque

diversas vezes o ato a praticar é do interesse do requerente, o qual se vale de ação

cautelar inominada apenas para obter a autorização necessária. Nessa hipótese, o

comando positivo que franqueia o facere ao promovente corresponde, naturalmente

21 1º Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo in RT 646/ 116.

26

a um preceito contrário em relação ao promovido, qual seja, o de abster-se de

impedir o promovente de realizar o ato que o juiz permitiu, dentro do exercício do

poder geral de cautela.

3. LIMITAÇÕES DA ATIVIDADE DO JUIZ NO EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA

É de extrema importância o conhecimento dos limites impostos ao juiz, no

exercício de sua atividade decorrente do poder geral de cautela. Essa questão se

mostra de suma importância em face da natureza da norma disposta pelos citados

artigos 798 e 799, que por constituírem verdadeira norma em branco, acaba por não

fixar objetivamente tais limitações e, por conseqüência, atribuir-lhe um poder

discricionário incomum relativamente às demais normas processuais.

Esta limitação pode ser encarada de duas formas, primeiramente deve-se

observar a limitação subjetiva, que deve ser encarada sob o prisma daquele que

pode ser favorecido com a tutela cautelar e daquele que pode sofrer as

conseqüências ou os efeitos dessa mesma tutela.

Tal problemática se resolve, em parte, através do artigo 801 do CPC, que

estabelece os limites subjetivos para a concessão da cautela inominada, ao fixar o

conteúdo subjetivo da petição inicial que dá origem ao pedido cautelar. Desse modo,

o juiz estaria adstrito aos elementos constantes do petitório inicial, para que dirija o

provimento cautelar em favor de um contra o outro integrante da relação processual.

Contudo, o supracitado artigo não resolve todas as questões que podem

surgir, relativamente ao tema da limitação subjetiva do poder geral de cautela.

Tomemos por exemplo a providência cautelar concedida incidentemente a outro

processo, que não tenha natureza cautelar, e que não tenha sido provocada através

do exercício de ação cautelar.

27

Para melhor esclarecer, significa que basta que se tenha uma providência de

natureza cautelar, emitida pelo juiz no curso de um processo de conhecimento

pleno, e que não tenha sido emitida em resposta ao exercício do direito autônomo

da ação cautelar. Pode-se pensar, outrossim, na hipótese da providência cautelar

atingir a esfera de direitos pertencentes a terceiros em relação a lide em que emitida

fora a tutela provisória, surge a questão de se saber até que ponto essa providência

cautelar pode atingir esses terceiros.

A orientação extraída do artigo 801 do CPC, também serve para delimitar o

âmbito da eficácia das providências cautelares fornecidas fora da esfera do processo

cautelar. Entretanto, em ambos os casos outra regra disposta no artigo 472 do CPC,

direciona e define, por interpretação analógica, os limites subjetivos ao exercício do

poder geral de cautela, uma vez que estabelecem os limites subjetivos da coisa

julgada.

Tal princípio se consubstancia no fato de que todos os atos jurisdicionais

proferidos e questões resolvidas no âmbito de determinado processo, só podem

atingir os elementos subjetivos que foram fixados pela instauração da lide.

Certamente que, existirão casos em que a execução da medida provisória poderá

atingir a esfera de terceiros, mas o será apenas a uma situação de fato e não de

direito, v. g. no caso em que o juiz ordene a busca e apreensão de menores, que de

fato se encontrem em poder de terceiros que não os pais; contudo, a posse dos

menores não pertencia à esfera jurídica desse terceiro, que simplesmente estariam

em poder dos menores por uma situação típica e exclusiva de fato, semelhante a

detenção, mas a uma ou ambas as partes que estiveram litigando.

Conclui-se, portanto, que os limites de eficácia do poder geral de cautela

exercitado se equivalem aos próprios limites subjetivos da lide instaurada, ou seja,

aos titulares da relação jurídica de direito material que se encontrar em conflito.

Jamais poderá atingir a esfera dos direitos pertencentes a terceiros.

Agora, passaremos a fixar os limites no campo objetivo. Diversas questões

existem a este respeito, dentre as quais, destaca-se: a necessidade de saber se tais

28

limites efetivamente existiriam; se as providências cautelares inominadas poderiam

atingir a esfera das casuísticas fixadas pelo legislador ao prever as cautelares

nominadas; saber se essas providências poderiam superar a própria substância dos

provimentos que poderão ser emanados no âmbito dos processos de conhecimento

pleno que eventualmente venham a substituí-las; e outra, ainda, é saber se o juiz

poderá fornecer a tutela provisória, sem o expresso requerimento da parte.

No concernente a qual seria essa limitação objetiva significa observar a

condição imposta pelo artigo 798, relativamente ao “fundado receio de difícil

reparação”, na qual se verifica que este poder sofre as limitações que o próprio

ordenamento positivo lhe impõe.22

Dessa forma, o juiz deve observar todas as condições impostas pelo

legislador no Código de Processo Civil, para que possa emitir providências

cautelares, notadamente as condições de admissibilidade da ação, como o interesse

de agir, a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes; bem como os

pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento valido do processo; a

decadência ou a prescrição da ação que objetive acertamento do direito material;

competência do juízo; requisitos formais da petição inicial ex vi do disposto nos

artigos 801 e 282 do Código de Processo Civil, dentre outros.

Existem outros requisitos objetivos, a limitar o poder geral de cautela do juiz,

quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora que já foram devidamente

explicados neste trabalho.

Destaca-se que as medidas típicas estão devidamente limitadas pela

regulamentação legal de cada uma delas, onde são enunciados seus requisitos e

detalhes procedimentais.

22 Julgado publicado na RT 665/183-186, demonstra que o poder geral de cautela não é tão ilimitado quanto parece, encontrando restrições, dentre outras, em normas constitucionais,m tais como o livre exercício do direito de ação. Assim, segundo os participantes desse julgamento, “o poder geral de cautela do juiz não é limitado a ponto de impedir o exercício de um direito genericamente assegurado pela constituição e especialmente previsto no ordenamento jurídico, possibilitando ao credor de título líquido, certo e exigível o ajuizamento da respectiva ação de execução.”

29

Quanto ao poder geral de cautela, embora as medidas não tenham sido

enunciadas em pormenores pela lei, traçou pressupostos genéricos com o

desiderato de delimitar a atuação do magistrado, de tal sorte que se pode dizer se

tratar de um poder amplo, geral, mas nem por isso arbitrário ou ilimitado.

Tanto a jurisprudência quanto a doutrina, em razão do sistema normativo

vigente, acordam no sentido de que as medidas atípicas, a exemplo do que se

passa com as medidas típicas em geral, se sujeita a dois limites fundamentais, quais

sejam, o da necessidade, o da provisoriedade.

Entende-se por necessária a providência indispensável para cumprir a função

de reprimir o perigo de dano a que se acha exposto o direito eventual do litigante

antes do julgamento da causa de mérito.

Pelos ensinamentos de Calvosa a “necessidade” para justificar a medida

atípica, depende da existência de uma situação substancial, que por sua natureza,

seja suscetível de modificações no tempo e que tais modificações possam acarretar

prejuízo grave. Fora daí, a medida preventiva fica sem ambiente adequado sobre

que possa influir. A decisão de mérito, por si só, será capaz de compor

satisfatoriamente a lide, sem necessidade de proteção ou auxílio da tutela cautelar.23

No que se refere a natureza “provisória” da medida cautelar, essa

característica se opõe à natureza “satisfativa” que é própria do processo principal.

Acerca desta matéria, Lopes da Costa ressalta que a medida cautelar “não deve

transpor os limites que definem sua natureza provisória”.24

As ordens, positivas ou negativas, que se proferem no exercício do poder

geral de cautela, têm como finalidade natural e necessária apenas a “conservação

do estado de fato e de direito” a que se vinculam os interesses que serão defendidos

no processo principal. Contudo, não podem essas medidas assumir feição

“satisfativa”, pois seu escopo não é mais do que garantir a utilidade e eficácia de

23 CALVOSA, Carlo. Il Processo Cautelar. Torino UTET, 1970, p. 768. 24 LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Medidas Preventivas, 2.ed.. Belo Horizonte, 1961. p. 21

30

futura prestação jurisdicional de mérito, esta sim de natureza satisfativa, no que se

refere ao direito substancial da parte.

As medidas atípicas, precisamente por terem caráter apenas “conservativo”,

não deverão ter conteúdo igual ao da prestação a que corresponde á realização do

próprio direito subjetivo que se discute na lide. Com elas não se obtém uma

antecipação da decisão de mérito, nem se procede a uma execução provisória do

direito substancial do promovente. Mas, somente são conservados bens ou valores

necessários ao bom desempenho do processo principal, ou seja, jamais se defere,

prematuramente, o próprio direito material pleiteado em juízo.

Moniz de Aragão ao escrever sobre o tema adverte que a regra não tem a

extensão que doutrina tradicional lhe empresta, ao lembrar que entre as próprias

medidas típicas, o legislador prevê os alimentos provisionais que são de caráter

satisfativo, o mesmo ocorrendo com as medidas liminares do mandado de

segurança. Com isso, admite-se, em muitos casos, que a medida cautelar possa

assumir, em fase das peculiaridades do litígio, o caráter de uma condenação

provisória, tal qual ocorre na Alemanha, França e na Inglaterra. Com isso, tomemos,

por exemplo, o que ocorre nos interditos possessórios, com os quais se alcança uma

antecipação de providências executivas que remediaria em boa parte a excessiva

demora dos processos judiciais.25

Contudo, o próprio Moniz de Aragão esclarece que uma medida antecipatória

só teria cabimento quando não houvesse “contestação séria” ao direito do autor, o

que faz antever sua vitória, desde logo, no processo principal e desde que seja

possível “garantir suficientemente o outro litigante para a hipótese de ocorrer o

inverso”, ou seja, a hipótese de vitória de mérito tocar ao réu da ação cautelar.26

A este respeito esclarece Humberto Theodoro Júnior que “as medidas típicas

de caráter satisfativo, que tem o exemplo solitário da pensão alimentícia provisória,

25 MONIZ DE ARAGÃO, Ergas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, série Forense, v. II. Rio. 1974. p.51. 26 Idem, ibidem.

31

representam excepcionalidade tão grande que jamais poderiam diminuir a regra

geral do caráter não-satisfativo da tutela cautelar. Somente a lei pode criar medida

dessa natureza e nada há que, no processo cautelar, abra semelhante poder ao juiz,

na lacuna da lei”.27

Primeiramente, destaca-se que a própria lei considerou tão excepcional os

alimentos provisionais que só os admitiu antecipadamente nos casos de prova pré-

constituída da relação justificadora da prestação (isto é, ação de alimentos e ação

de separação judicial, que se fundam sempre em prova documental do vínculo de

parentesco ou conjugal).

E, em segundo lugar, as medidas liminares do mandado de segurança e das

ações possessórias não são tecnicamente medidas cautelares, mas medidas de

antecipação da condenação final, tomadas pelo juiz diante de hipóteses em que a lei

permite, de forma expressa e excepcional, um julgamento prévio e provisório da

própria lide travada entre as partes, de forma, que são decisões satisfativas e não

preventivas, embora sem traço de definitividade.

Fora esses casos excepcionais que foram expressamente outorgados pela lei,

a existência de uma autorização para que o juiz pudesse antecipar a tutela

satisfativa, dentro apenas do poder geral de cautela, geraria o perigo constante de

arbitrariedade num terreno naturalmente movediço e incontrolável.

O próprio Moniz de Aragão após alardear a possibilidade de medidas do

poder geral de cautela antecipatória da condenação de mérito, adverte o perigo que

o uso desse poder pode representar. In verbis:

“Mas é imperioso ressaltar muito marcantemente o perigo que tal prática

representa e o cuidado extremo com que o juiz deverá conduzir-se em

episódios tais”.28

27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito Processual Civil. pp. 551 e 552. 28 MONIZ DE ARAGÃO, Ergas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. Idem, ibidem.

32

É por essa razão que a doutrina clássica limitou tradicionalmente o poder

discricionário do juiz cautelar à criação de medidas não plenamente satisfativas. Isso

porque, ao atribuir caráter satisfativo a medidas provisórias, sem oportunidade

adequada de defesa, impostaria quebra do princípio de ampla discussão da causa,

que se torna indispensável para assegurar o devido processo legal e,

conseqüentemente, ofensa à garantia de isonomia que deve presidir a tutela

jurisdicional definitiva ou satisfativa.

A prestação jurisdicional não pode pender para a defesa desproporcional dos

interesses de um dos litigantes enquanto não euxarido todo o percurso do processo

principal. E, somente ao fim do processo de mérito é que a força da soberania

estatal tem legitimidade de atuar na defesa e satisfação do direito subjetivo de uma

parte contra a outra.

A medida se conferida a uma das partes antes da ampla defesa da outra

importaria em quebra do contraditório e, por conseguinte quebra do tratamento

igualitário e imparcial que o Estado deve tratar os litigantes no curso do processo.

A jurisprudência segue o mesmo rumo da doutrina, na apreciação do caráter

não-satisfativo das medidas cautelares. Vejamos:

“O juiz só pode determinar medidas provisórias, com base no artigo 798 do

CPC, quando houver fundado receio de que uma das partes, antes do

julgamento, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, mas

terão que ser medidas cautelares e não de caráter satisfativo”.29

“É vedado ao juiz a quo decidir no processo cautelar o que só poderá ser

discutido, equacionado e resolvido na ação principal”.30

“A pretensão de forçar a Municipalidade a cumprir o contrato celebrado refoge

ao âmbito da medida cautelar, cuja finalidade é apenas evitar dano irreparável

29 TJCS, AI nº 1.067, in RT, 542/230; TJRS, MS 595198490, Rel. Des. Araken de Assis, ac. De 15.02.96, in RJTJRS 175/320. 30 TJMG, Ap. 57.397, in RT, 565/201, TJRJ, Ap. 1.279/94, Rel. Des. Maurício Campos, ac. De 29.06.94, in RDTJRJ 24/110.

33

escorado em fumaça do bom direito, até que por via própria seja decidida a

pendência existente de fato ou já em juízo”.31

Ressalta-se que a Constituição Federal, em seu artigo 5º inciso II, dispõe que

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei”. Portanto, quando uma decisão cautelar impõe prestações fora dos limites da lei,

o que, está se viola na realidade, é uma das garantias fundamentais do homem no

Estado de Direito. É o devido processo legal que esta sendo desprezado em

detrimento do princípio da liberdade individual que ao Estado cumpre definir e

especialmente ao Poder Judiciário cumpre tutelar de maneira efetiva e concreta.

Portanto, é imprescindível que o poder cautelar deve ser harmonizados com

as garantias constitucionais dos direitos fundamentais. A tutela cautelar não é

remédio para assegurar a qualquer preço a eficácia do processo principal, ignorando

as liberdades e direitos fundamentais igualmente protegidos pela Constituição

Federal. Mas, tais restrições a essas categorias fundamentais só se justificam na

medida em que seja necessário afastar um perigo que represente a ameaça de total

inutilização do processo principal, estando amparado, o direito do litigante, pelo

fumus boni iuris. Visa-se, portanto, o afastamento do perigo que se realiza em sede

de jurisdição cautelar ou de “prevenção”.

A tutela concedida através do poder geral de cautela deve sempre

representar um minus em relação á tutela fornecida em via principal. Outra restrição

ao poder geral de cautela pode ser extraída do artigo 2º do Código de processo Civil,

que estabelece a regra que em regra não pode o magistrado conceder medidas

cautelares, sem que haja prévio e expresso requerimento da parte, atendendo o teor

do princípio do dispositivo.

Entretanto, parte da doutrina entende que ao exercer, o juiz, o poder geral de

cautela, o princípio do dispositivo deve sofrer uma certa dose de atenuação, a fim de

proteger interesses que se apresentam no mundo jurídico e no nosso sistema como

de maior importância, contudo, não abrange a hipótese de o juiz poder invocar o

31 TJSP, Ap. 49.687-1, RT, 691/85.

34

processo, através de medida cautelar concedida ex officio, dando inicio a relação

jurídica processual.

Nesse sentido, tem-se o escólio de Donaldo Armelin, ao escrever que: “O juiz

não está adstrito rigorosamente ao pedido da parte porque não se cuida de direito

material tutelável engastado no patrimônio do requerente. Ao revés, trata-se de

garantir a eficácia do instrumento de prestação da tutela jurisdicional satisfativa e,

pois, desta ou de manter o equilíbrio entre os litigantes, de sorte que a qualidade de

tal prestação não possa ser prejudicada pela falta desse equilíbrio”.32

Por fim, ressalta-se que o poder geral de cautela se sujeita a limitações ao

seu exercício, sendo que tais limitações não representam uma contradição em seus

próprios termos, uma vez que se referem à forma do ato praticado e não

propriamente a sua substância.

Existe ainda como limite ao poder geral de cautela o impedimento de ser

exercido em substituição à tutela cautelar nominada. Portanto, na existência de

previsão normativa para determinado tipo de tutela cautelar, ou em outras palavras

quando houver a ação cautelar nominada ou típica, direcionada a proteção de

determinado caso concreto, não poderá o juiz fazer uso do poder geral de cautela,

em substituição à tutela nominada e desconsiderar os pressupostos de

admissibilidade e formas procedimentais estabelecidas especificamente para esta

última.

Verifica-se que o poder geral de cautela encontra limite no próprio elenco de

tutelas cautelares nominadas, dispostas pelo legislador nos artigos 813 a 899 do

Código de Processo Civil.

32 ARMELIN, Donaldo. A tutela jurisdicional cautelar In revista da Procuradoria Geraldo Estado de São Paulo (23), 111-137, junho/ 1985, São Paulo, 1985. pp. 123 e 124.

35

4. MOMENTO DO EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA

Para verificar o momento do exercício do poder geral de cautela, deve-se

levar em conta como deve o magistrado proceder, bem como em que momento

processual poderá fazê-lo. Se poderá proceder à incoação de um processo, com a

concessão da medida cautelar e se poderá conceder medidas sem o respectivo

requerimento da parte.

Referente ao momento adequado para a concessão da cautela, o juiz poderá

conceder as medidas cautelares que julgar necessárias, a fim de evitar o dano ao

direito da parte, sempre no curso de um processo já instaurado. Não poderá jamais

conceder medida cautelar, sem que previamente tenha havido a instauração de um

processo decorrente de provocação da parte.

O juiz não poderá provocar a jurisdição, com a concessão de medida cautelar,

em razão de um dos princípios básicos que norteiam a jurisdição. Ou seja, a inércia

da jurisdição constitui principio consagrado, não podendo o juiz dizer o direito sem

que a parte interessada o solicite, conclui-se que o poder geral de cautela não pode

ser exercido sem a pré-existência de uma relação processual instaurada ou em via

de ser instaurada.

Outro limite ao magistrado, no tocante ao momento do exercício do poder

geral de cautela, é a existência de sentença proferida no processo satisfativo, ou

seja, o magistrado não poderá mais conceder medidas cautelares uma vez já

proferida a sentença no processo principal. O juiz não poderá inovarou praticar

qualquer ato que modifique a situação criada com o decisum. Contudo, poderá

praticar todos os atos necessários à preservação do direito da parte, ou até mesmo

para preservar a própria eficácia da sentença por ele proferida.

Conclui-se que respeitadas as regras de competência funcional dos juizes

que integram os órgãos singulares e os colegiados do Poder Judiciário, o poder

geral de cautela poderá ser exercido em qualquer momento do processo, desde que

36

não tenha havido trânsito em julgado da sentença proferida no processo de

conhecimento.

Mas até nesse caso, se persistir o risco de dano e não tiver a parte obtido

satisfação efetiva de seu direito material, poderá se socorrer da tutela cautelar com o

desiderato de evitar dano ao seu direito. Contudo, esta última hipótese não ocorre

com freqüência.

5. PROCEDIMENTO

O procedimento das ações cautelares inominadas deve seguir o disposto nos

artigos 800 a 806 do Código de Processo Civil, Assim, conforme estabelece o artigo

800, a pretensão cautelar deve sempre ser requerida ao juiz competente para julgar

a causa principal.

Se a competência já tiver sido fixada pelo ajuizamento anterior da causa

principal, o pedido de cautela já terá sua competência previamente fixada, por

critério de prevenção do juízo, com o que a causa cautelar deverá sempre seguir os

rumos daquela que fixará a competência.

Se a pretensão cautelar for de caráter antecedente à causa principal, o critério

de fixação de competência será o mesmo determinante para a fixação à ação

principal. Assim, na distribuição da ação cautelar inominada deverá o requerente

dirigir sua petição inicial para o mesmo foro e juízo para o qual deverá presidir a

pretensão principal, foro este que se tornará prevento, para o conhecimento da

causa principal.

A pretensão de cautela, igualmente em todos os tipos de ações, será sempre

veiculada através de uma petição inicial, composta de todos os requisitos constantes

do elenco do artigo 801, quais sejam, “a autoridade judiciária a que for dirigida; o

nome, o estado civil, a profissão, e a residência do requerente e do requerido; a

37

exposição sumaria do direito ameaçado e o receio de lesão; as provas que serão

produzidas”.

São necessários, outrossim, atender os requisitos constantes do artigo 282 do

CPC, mesmo que o legislador não fez referência expressa a esse respeito. Assim,

na petição inicial da demanda cautelar, deverá o requerente também requerer

citação da outra parte, inclusive deverá ser atribuído valor à causa cautelar.

A inobservância de ais requisitos gera o mesmo vício previsto pelo artigo 284,

parágrafo único, com o que deverá ser indeferida caso não haja a emenda da

medida pelo requerente. Certamente que a jurisprudência têm interpretado os artigos

282e ss., sem o rigor absoluto, uma vez que o excessivo rigor técnico no juízo

preliminar de aptidão da petição inicial poderá comprometer a própria eficácia da

pretensão cautelar. Assim, considera-se em primeiro plano a substancia do ato

processual ao invés do formalismo.

Ao receber a inicial o juiz defere ou não a cautela pretendida liminarmente, se

houver pedido de concessão liminar, e determina que se cumpra a decisão proferida

in limine, dependendo das circunstâncias que se apresentar o caso. Para melhor

esclarecimento, a medida liminar será concedida inaudita altera parte, com ou sem

audiência de justificação prévia, se o magistrado entender possível a frustração da

medida com a citação prévia do requerido, conforme o disposto no artigo 804 do

CPC.

No caso de se deferir a liminar, sem a oitiva ou citação do requerido, poderá o

juiz, utilizar-se de seu poder discricionário, determinar a prestação de caução, a fim

de garantir eventual e injustificado prejuízo decorrente da concessão da medida.

Exemplo comum na prática forense é a concessão de liminar em ações de sustação

de protestos, mediante prévia caução, em dinheiro ou outros gêneros de bens, a fim

de garantir eventual revogação da medida, pelo julgamento da demanda principal ou

mesmo pela sua revogação pura e simples ainda no curso das ações cautelar e

principal.

38

No caso de concessão da medida liminar o requerido terá um prazo de 5

(cinco) dias para contestar a ação, contando-se tal prazo a partir de sua efetivação.

A jurisprudência tem entendido que a efetivação da liminar se completa com a

intimação da parte adversa da medida. Esse prazo é computado a partir da juntada

aos autos do mandado de citação, no caso de indeferimento da liminar, ou, não ter o

requerente pleiteado a medida in limine.

Contestada a ação pelo requerido, no prazo fixado pelo artigo 802, deverá o

juiz designar audiência de instrução e julgamento, se houver necessidade de

produção de provas neste ato processual. Da mesma forma que os demais

procedimentos, com ausência de contestação, ou apresentação fora do prazo legal,

é aplicada a pena de revelia, devendo o juiz resolver o mérito proferindo sentença,

em prazo não superior a 5 (cinco) dias.

Este é o procedimento típico que deve ser observado para as ações

cautelares inominadas. Suas regras básicas também servem às ações cautelares

típicas, naquilo que não se conflitar com suas regras básicas procedimentais.

Contudo, para as demandas cautelares nominadas, deverão as partes, e também o

juiz, observar além dos requisitos genéricos estabelecidos às cautelares inominadas,

também os requisitos específicos impostos pelo legislador como condições de sua

admissibilidade.

O procedimento ditado pelo legislador para orientar o desenvolvimento das

ações cautelares inominadas, só deve ser aplicado no caso de ser a pretensão

cautelar formulada através do exercício do direito de ação.

Contrariamente, se a pretensão cautelar for no curso de um processo de

cognição plena, sem que tenha a parte pretendido incoar um processo incidente

típico cautelar, tal pretensão se resumirá em pedido isolado, sem conteúdo de ação,

e a resposta jurisdicional pretendida se resumirá apenas na concessão ou não da

medida.

39

Isso porque nesse caso a parte não pretenderia obter uma sentença cautelar,

mas apenas um provimento jurisdicional isolado, com o que não há que se falar em

forma procedimental para dirigir tal pretensão, em razão da inexistência de relação

processual típica cautelar a necessitar de mecanismos ou regras de

desenvolvimento procedimental.

Hipoteticamente, a concessão de medidas cautelares isoladas e no âmbito de

processos de conhecimento pleno, só será admitida em casos excepcionais e que

tenha interesse publico predominante em relação ao interesse privado dos litigantes.

6. EFICÁCIA DA MEDIDA CAUTELAR

Pela leitura dos artigos 807 e 808 do CPC, verifica-se que as medidas

cautelares conservam sua eficácia até o momento em que não se julgar em definitivo

o processo principal.

No entanto, no caso das medidas serem concedidas em caráter preparatório,

antes do ajuizamento da ação principal, poderá perder sua eficácia até o momento

em razão de não ter a parte intentado a ação principal, no prazo máximo de 30

(trinta) dia, contados de efetivação da medida cautelar, conforme se extrai do artigo

806 do CPC. Perde, outrossim, a eficácia a medida que não for executada em 30

(trinta) dias contados de sua concessão.

Contudo, em razão dessas medidas serem instrumentos de proteção de

direitos substanciais de cautela que se mostrem ameaçados de lesão, a limitação

que se deve impor à eficácia das medidas cautelares deveria encontrar amparo no

próprio risco de lesão, ou seja, enquanto persistir o risco ou ameaça de lesão a

direitos, deverá se manter eficaz a medida cautelar proferida para a garantia desse

direito. Isso nos casos em que a eficácia das tutelas cautelares não pode ser

condicionada ao término do processo principal, sob pena de se comprometer o

direito da parte pelo risco de dano que ainda persiste.

40

Ovídio Baptista da Silva nos dá um exemplo típico de uma dessas situações,

ao afirmar que: “A medida cautelar deve perdurar enquanto não desaparecer o

estado perigoso que a determinou. Se ela eventualmente há de ser revogada por

ocasião da sentença final, isso se deve a circunstância de ter, em tal hipótese,

ocorrido o afastamento do estado de periclitação do interesse protegido pela

cautelar, com a própria sentença final do processo satisfativo. Mas isto nem sempre

ocorre e o exemplo mais ilustrativo é o arresto que absolutamente não perde a

eficácia com o trânsito em julgado da sentença condenatória, se a penhora

subseqüente, a ser feita sobre os bens arrestados, ainda não é possível”.33

No que se refere ao prazo de eficácia, condicionar-se a propositura da ação

principal, certamente que essa regra geral deve ser aplicada (CPC, art. 806), de tal

sorte que, na ausência de instauração da demanda principal no prazo de 30 (trinta)

dias, contados da efetivação da medida, ocorrerá a perda da eficácia. Isso porque o

destinatário passivo da medida cautelar concedida não pode sofrer ad eternum, os

efeitos dela decorrentes.

7. Relação de Suplementariedade entre as Cautelares Inominadas e as Nominadas e a Fungibilidade entre as Medidas

O legislador dispôs a respeito do poder geral de cautela, por meio de uma

norma em branco, visando a abrangência de situações indeterminadas para não

fixar casuísticas e incorrer no erro de deixar situações concretas, fora do campo de

aplicação e proteção das tutelas cautelares, que fosse capaz de socorrer todas as

hipóteses possíveis que implicassem risco de dano a qualquer direito da parte.

Seguindo este raciocínio, verifica-se que o legislador não quisera criar uma

norma abstrata e ilimitada quanto ao seu conteúdo, para posteriormente limitá-la ao

âmbito de abrangência das cautelares nominadas. Ou seja, a norma relativa ao

poder geral de cautela não fora editada para encontrar limitação nas normas

posteriores que especificaram hipóteses legais concretas; o que não significa que as

33 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Comentários ao Código de Processo Civil, op. loc. cits., p. 223.

41

cautelares nominadas são taxativas quanto aos limites de aplicação de tutela

cautelar como gênero.

Diante dessa aferição, conclui-se, claramente, a função do poder geral de

cautela dentro do ordenamento positivo de suplementar as naturais e óbvias falhas,

decorrentes de uma sistematização legal que se fixara na visualização de

casuísticas, através da previsão de hipóteses legais concretas, v.g. o arresto, o

seqüestro, o atentado, dentre outras.

Esse caráter de suplementariedade pode, além de abarcar as hipóteses que

não foram previstas pelo legislador, pode chegar a ponto de abranger inclusive

aquelas que foram expressamente nominadas pelo legislador positivo. Dessa

indagação poderemos concluir pela aceitação ou não da fungibilidade entre as

medidas cautelares.

Para resolver a questão basta verificar que o juiz ou as partes não podem se

valer das regras do poder geral de cautela, para proteger direito ameaçado de lesão,

quando para tal proteção existe uma medida específica, estabelecida pelo legislador

entre as cautelares nominadas. Nesse caso, seria necessário percorrer o caminho

específico da cautelar nominada, a fim de proteger o direito ameaçado de lesão.

Isso porque suponhamos que se concedida for a tutela com fundamento no

poder geral de cautela e não como se cautelar de arresto fosse, não se poderá

aplicar as regras constantes dos artigos 813 a 821 do CPC, a exemplo do que impõe

os artigos 818, 819 e 820.

Entretanto, com o advento da Lei nº 8.952, de 13.12.1994, que deu a redação

ao artigo 805 do Código de Processo Civil, fora adotado expressamente o princípio

da fungibilidade das medidas cautelares.

Com o exercício da ação cautelar, a parte provoca a atividade jurisdicional

preventiva do Estado, mas, por corresponder ela à realização de um direito material

42

de cautela (como ocorreria na hipótese das garantias reais), o interessado, em regra,

não tem especificamente o direito subjetivo a uma determinada prestação.

Desse modo, fica resguardado ao órgão judicial o poder de determinar

concretamente qual a medida provisional que mais fielmente desempenhará a

função de assegurar a eficiência e utilidade do processo principal. O interessado tem

ordinariamente, o direito subjetivo genérico à tutela cautelar. Ao poder judiciário fica

reservada a especificação da medida adequada, o que se realiza através da

faculdade de se modificar a qualquer tempo a providência deferida (artigo 807) e de

autorizar a substituição dela por caução, sempre que esta for meio adequado para,

in concreto, cumprir a missão que toca a tutela cautelar.

A fungibilidade das medidas preventivas e a admissibilidade da contracautela

como poder inerente à atividade do órgão que realiza a tutela cautelar, são

características que tornam imprestável o superado conceito da cautela como

antecipação provisória da satisfação do direito substancial. Conforme o escólio de

Pestana de Aguiar, se a caução ataca ou neutraliza a eficácia da medida liminar, a

que substitui, não é possível ver nela a natureza de antecipação provisória. “E com

mais razão podemos concluir no mesmo modo quanto à caução prevista no artigo

804, a favor do requerido que teve contra si deferida”.34

Certamente que para a admissão da fungibilidade autorizada pelo artigo 805 o

juiz deverá ater-se à idoneidade da caução para substituir a medida inicialmente

deferida.

Adverte-se que no caso dos alimentos provisionais concedidos não podem

em nenhuma hipótese ser substituído por caução, uma vez que desnaturaria a

função cautelar,pois a contracautela não evitaria a lesão irreparável ao alimentando.

O mesmo ocorreria na produção antecipada de provas, nas interpelações,

notificações e protestos, dentre outros exemplos pela própria essência da ação

cautelar.

34 PESTANA DE AGUIAR SILVA, João Carlos. Síntese Informativa do Processo Cautelar. inRev. Forense, v. 247. p. 45.

43

A idoneidade da caução nos termos do dispositivo apreciado, reclama, a

ocorrência de adequação e suficiência da medida substitutiva. Por adequação

compreende-se aptidão genérica da caução para desempenhar garantia da mesma

natureza da medida anterior, com a mesma eficiência substancial. Assim, para

garantir uma execução por quantia certa, a caução de dinheiro ou de outro valor

patrimonial tem a mesma eficiência prática que o arresto. Entretanto, se a medida

anterior fosse de caráter não patrimonial obviamente faltaria a adequação da caução

para substituí-la.

Por suficiência da caução entende-se sua expressão quantitativa, isto é, o

volume apto para cobrir o valor do risco de prejuízo acobertado. Assim, nas medidas

de natureza econômica, a caução é sempre adequada desde que em valor

suficiente.

Dessa forma a fungibilidade outorgada pela lei fica tão somente na esfera de

uma caução conforme explanado. Pode-se concluir que a possibilidade de admissão

da fungibilidade entre as medidas cautelares, inominadas e as nominadas, não pode

ser aplicada indistintamente.

Outra hipótese que deve ser considerada, que “parece” sugerir a admissão da

fungibilidade entre as inominadas com relação as nominadas, é a que a parte

postula provimento cautelar inominado, cuja substância se assemelha ou mesmo se

identifica com outra de natureza nominada, sem, contudo preencher todos os

requisitos necessários a concessão da providência nominada pelo legislador.

Nesse caso, é possível a veiculação do pedido cautelar, através da ação

inominada, devendo o juiz analisar a questão que lhe é posta, não diante das

limitações que lhe impõe o texto legal relativo à aparentemente a idêntica cautelar

nominada. Essa situação específica, todavia é possível de ocorrer, mas não se

estaria diante de fungibilidade entre as medidas. Isso porque, na medida em que na

cautelar inominada faltar-se um dos requisitos típicos do arresto, por exemplo, não

há providências idênticas a ensejar eventual aplicação do princípio da fungibilidade.

44

Por fim, conclui-se que é impossível a fungibilidade indistintamente entre as

medidas cautelares inominadas em relação as nominadas, posto que a lei só traz

uma possibilidade elencada no artigo 805 de fungibilidade desde que a causa verse

sobre direito patrimonial, que poderá ser substituída por caução. E, considerando,

indistintamente, tal possibilidade, negar-se-ia a própria existência das tutelas

nominadas, que foram expressamente estabelecidas pelo legislador.

Em outras palavras, se o legislador resolvera nominar alguns tipos de

medidas cautelares, especificando procedimento próprio, requisitos individuados e

também conseqüências específicas, a substituição de uma medida por outra

desnaturaria a essência daquela que fora substituída, portanto, a fungibilidade só

será possível nos casos previstos expressamente em lei, como o do artigo 805.

Exemplificando, ao se conceder o arresto ao invés de seqüestro, significaria

negar os próprios requisitos e condições de admissibilidade do primeiro, os quais

foram previstos para tutelar hipóteses concretas específicas.

8. Responsabilidade Civil decorrente do Exercício do Poder Geral de Cautela

Para analisar a responsabilidade civil decorrente dos prejuízos

experimentados por quem sofrera a eficácia de uma medida cautelar, é necessária

uma diferenciação de situações. Essa diferenciação se refere a hipótese de ter sido

a medida decretada ex officio e a outra a requerimento da própria parte interessada

na concessão da medida.

8.1. Medida Concedida em Resposta ao Requerimento da Parte

O artigo 811 do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses que

poderiam gerar responsabilidade civil ao requerente da medida no caso de ter o

requerido sofrido os prejuízos.

45

Já que a referida norma, expressamente, deixa de excluir as

responsabilidades previstas pelos artigos 16 e seguintes do mesmo Diploma Legal,

significa que podem ser atribuídas a parte que requereu a medida cautelar, são

tipificados tanto pelo já mencionado artigo 811, como pelos artigos 16 e 17.

A responsabilidade civil prevista pelos artigos 16 e 17 é de natureza subjetiva,

por decorrer da prática de algum ato ilícito, ou repudiado pela legislação processual,

efetuada por quem requereu a medida cautelar, será necessária a comprovação nos

autos, para ensejar a responsabilidade.

Referente ao artigo 811, a responsabilidade neste caso é objetiva, dessa

forma basta a ocorrência do fato ou hipótese legal fixada pelo legislador nos incisos

do artigo em discussão.

No que tange a responsabilidade derivada dos artigos 16 e 17, tem-se uma

regra que não é excluída de quaisquer tipos de processos, uma vez que não são

regras criadas a situações específicas. Ou seja, o próprio legislador tenha disposto

no artigo 811, que a regra do artigo 16 seria também aplicada para os processos

cautelares, isso em razão da pratica de má-fé é repudiada para todo o processo

cautelar, seja de que espécie for. Portanto, não importa se tratar de processo

cautelar, de conhecimento pleno, de jurisdição voluntária, ou de execução, a parte

que agir de má-fé, deverá responder pelo ilícito praticado.

Existem entendimentos de que ambos os artigos poderão ser aplicados de

forma cumulativa. No entanto, existe o entendimento que é defendido por Marcus

Vinícios de Abreu Sampaio de que “as hipóteses de responsabilidades citadas são

de natureza diversas e decorrentes da prática de atos diversos entre si. Daí

podemos concluir que sua cumulatividade é conseqüência natural e independente

de regramento específico.”35

35 SAMPAIO, Marcus Vinícius de Abreu. O Poder Geral de Cautela do Juiz.Editora São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. p. 198.

46

Dessa forma, deverá a parte que requereu a medida cautelar, e para esse

caso de responsabilidade subjetiva, inclui-se, outrossim, o requerido ou qualquer

outro terceiro interveniente, responder por perdas e danos caso a má-fé fique

comprovada.

Apura-se a má-fé, nos termos do preceituado pelo artigo 17, que dispõe:

“Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I. deduzir pretensão ou defesa contra o

texto expresso de lei ou fato incontroverso; II. Alterar a verdade dos fatos; III. Usar

do processo para conseguir objetivo ilegal; IV. Opuser resistência injustificada ao

andamento do processo; V. proceder de modo temerário em qualquer incidente ou

ato do processo; VI. Provocar incidentes manifestamente infundados”.

Em todas essas hipóteses poderão as partes, requerente e requerido,

responder por perdas e danos, se dessa forma agirem. A cobrança oriunda dos

danos processuais cometidos deverá se dar nos próprios autos onde o juiz fixará a

condenação.

Ocorrida no processo cautelar, será fixada na própria sentença cautelar a

condenação da parte infratora, atribuindo, sempre que possível, um valor líquido e

certo. E todos os procedimentos serão feitos nos próprios autos da ação cautelar.

Já responsabilidade objetiva estabelecida no artigo 811, neste caso basta a

ocorrência do fato ou hipótese legal fixada pelo legislador em seus incisos,

independentemente de ter a parte agido com culpa ou não. A fixação desta

responsabilidade pelo legislador fora feita com o desiderato de evitar que o processo

cautelar fosse utilizado como remédio para todos os males, bem como e

principalmente para obtenção de tutela jurisdicional que viesse a colocar quem não

tem razão em situação de grande vantagem sobre o adversário.

47

8.2. Medida Concedida Ex Officio

Quando o ato jurisdicional é praticado de ofício com fundamento nos artigos

798 e 799 do Código de Processo Civil, não poderá o juiz arcar com os prejuízos

derivados da providência cautelar, fornecida por ele de ofício.

Isso porque o magistrado precisa ter uma autonomia e liberdade de atuação

sem restrições da ordem da possível responsabilidade civil decorrente de seus atos,

a fim de cumprir com êxito e da melhor forma a sua função jurisdicional. Dessa

forma ao entender necessária a concessão da medida, sem que haja requerimento

da parte, deverá fazê-lo, sem receios de que poderá ser apenado pela execução de

seu ato.

Certamente que o Magistrado poderá responder nos termos do artigo 133 do

Código de Processo Civil, contudo a responsabilidade neste caso é de ordem

subjetiva e pressupõe a existência de ato comissivo ou omissivo praticado pelo

magistrado, em relação ao qual se agregam alguns elementos qualificadores, tais

como o dolo ou a culpa.

Da mesma forma não há que se falar em responsabilidade atribuída ao

vencido da demanda, uma vez que ele não provocou a tutela jurisdicional. A doutrina

pátria parece uníssona a esse respeito, e tem repelido a idéia de responsabilidade

objetiva ao vencido, pela tutela cautelar concedida ex officio.

O escólio de Ovídio Baptista expressa bem este entendimento: “...de um

modo geral, julgamos impossível atribuir-se ao vencido responsabilidade objetiva por

perdas e danos quando a medida cautelar haja sido decretada ex offício pelo juiz”.36

Conclui-se, portanto, que nem ao juiz nem ao vencido cabe a aplicação da

responsabilidade disposta no artigo 811 do Código de Processo Civil, se a medida

for concedida ex officio.

36 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. A ação cautelar inominada no direito Brasileiro. Rio: Forense. 1974. p 252.

48

9. CONCLUSÃO

O Poder Geral de Cautela que encontra fundamento nos artigos 798 e 799 do

Código de Processo Civil confere ao juiz um poder genérico de conceder a tutela

cautelar em favor de qualquer direito ou interesse litigioso em risco de dano antes da

solução do processo principal.

Do histórico apresentado, depreende-se que o legislador do Código de 1973

procedeu um enorme avanço, referente à sistematização do poder geral de cautela,

em relação ao texto normativo de 1939. Com isso nosso direito positivo se atualizou

e se aproximou das grandes e modernas legislações.

Com esse poder, confiou-se às mãos do Judiciário um poder discricionário,

com a função de completar a lei e realizar a tutela de prevenção, sem restrições

prévias ao tipo de providências necessárias para a defesa dos direitos ameaçados e

em risco.

Dessa forma, pude concluir que para utilização desta medida cautelar, que é

também denominada atípica, ou, inominada, é necessária a saciedade a alguns

requisitos, quais sejam, o direito deve ser plausível (fumus boni iuris); deve haver um

receio de dano grave e de difícil reparação, com possibilidade de ocorrência antes

da solução definitiva da lide (periculum in mora); e por fim, o perigo de dano,

evidenciado por um fundado receio, identificado por uma situação objetiva, um dano

preste a ocorrer (próximo) e de grave e difícil reparação. O perigo de dano é o

justificador da atuação do poder geral de cautela.

Mais adiante, fora analisado o tema da fungibilidade entre as medidas

cautelares, e a relação de suplementariedade existente entre o poder geral de

cautela e as cautelares inominadas com relação as nominadas, sendo que este

poder fora instituído por meio de uma norma em branco para abranger situações

indeterminadas, e a fungibilidade entre as medidas cautelares só será possível nos

casos previstos expressamente em lei, como o caso do artigo 805.

49

Por fim, tratamos do tema relativo à responsabilidade civil decorrente dos

danos experimentados parte que sofreu os efeitos da medida cautelar revogada,

tendo concluído pela eficácia da norma contida no artigo 811 do Código de Processo

Civil, que traz uma relação de hipóteses que, se ocorridas, implicam na

responsabilidade que fora feita pelo legislador com o desiderato de evitar que o

processo cautelar fosse utilizado como remédio para todos os males. No caso da

medida ser concedida ex officio, não há o que se falar em obrigação reparatória

imputada ao Juiz.

A conclusão final a que se chega é que o poder geral de cautela exige do juiz

uma compreensão viva, um conhecimento profundo da doutrina e da jurisprudência

combinado com um espírito sagaz e disposto a aprender, proporcionando uma

solução motivada capaz de resolver as mais graves e imprevistas dificuldades que

possam surgir.

50

BIBLIOGRAFIA

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