o perfil online como gênero em um curso a distância

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SOARES, Doris de Almeida. O perfil on-line como gênero em um curso a distância . XV Congresso da A SSEL-Rio (UFRJ), p.1-16. 2009. ISBN 9788587043863 Publicação em CD-ROM. O PERFIL ON-LINE COMO GÊNERO EM UM CURSO A DISTÂNCIA SOARES, DORIS DE A. (Escola Naval/ PUC-Rio) INTRODUÇÃO Nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), é comum a existência de mecanismos para que os participantes possam se conhecer a distância, visando ações de comprometimento entre o grupo. No ambiente Teleduc, por exemplo, essa ferramenta é chamada de perfil e permite que cada participante escreva um texto sobre si mesmo, acompanhado de uma foto digital, modelo 3x4. Este texto fica disponível para todos os membros daquele curso, bastando clicar no nome do participante escolhido, em qualquer área do ambiente para acessá-lo. Como se apresentar por escrito de maneira informal em um AVA é uma prática social recente, nossa proposta é investigar esse tipo de produção discursiva como um gênero emergente. Embasamos essa proposta em Marcuschi (2005, p.14), que aponta três aspectos que tornam a análise de gêneros emergentes relevantes. Primeiro, esses estão em franco desenvolvimento e seu uso é cada vez mais generalizado. Segundo, eles possuem peculiaridades formais, embora possam ter contraparte em gêneros já estabelecidos. Por últimos,

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Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa em andamento sobre o perfil como gênero emergente. Para tanto, partindo das noções de gênero apresentadas em Swales (1990; 2004) e da concepção de Marcuschi (2005:13) de que os gêneros textuais que estão emergindo no contexto digital, em sua maioria, têm similares em outros ambientes, constatamos ser possível traçar um paralelo entre o perfil e o gênero carta. Nesta fase inicial da análise, discutiremos a existência, ou não, de marcas típicas do gênero carta pessoal de apresentação (cabeçalho, saudação, fecho, despedida, assinatura) e o seu efeito para o propósito comunicativo do perfil – fornecer um mecanismo para que os participantes possam se "conhecer a distância" visando ações de comprometimento entre o grupo.

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Page 1: O perfil online como gênero em um curso a distância

SOARES, Doris de Almeida. O perfil on-line como gênero em um curso a distância. XV Congresso da ASSEL-Rio (UFRJ), p.1-16. 2009. ISBN 9788587043863 Publicação em CD-ROM.

O PERFIL ON-LINE COMO GÊNERO EM UM CURSO A DISTÂNCIA SOARES, DORIS DE A. (Escola Naval/ PUC-Rio)

INTRODUÇÃO

Nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), é comum a existência

de mecanismos para que os participantes possam se conhecer a distância,

visando ações de comprometimento entre o grupo. No ambiente Teleduc, por

exemplo, essa ferramenta é chamada de perfil e permite que cada participante

escreva um texto sobre si mesmo, acompanhado de uma foto digital, modelo

3x4. Este texto fica disponível para todos os membros daquele curso, bastando

clicar no nome do participante escolhido, em qualquer área do ambiente para

acessá-lo.

Como se apresentar por escrito de maneira informal em um AVA é uma

prática social recente, nossa proposta é investigar esse tipo de produção

discursiva como um gênero emergente.

Embasamos essa proposta em Marcuschi (2005, p.14), que aponta três

aspectos que tornam a análise de gêneros emergentes relevantes. Primeiro,

esses estão em franco desenvolvimento e seu uso é cada vez mais

generalizado. Segundo, eles possuem peculiaridades formais, embora possam

ter contraparte em gêneros já estabelecidos. Por últimos, eles oferecem a

possibilidades de se rever e repensar a nossa relação com a oralidade e a

escrita.

Portanto, buscando definir parâmetros para a caracterização do perfil

como um gênero discursivo emergente, realizamos uma análise macro textual

dos movimentos realizados em dezoito perfis produzidos em curso de curta

duração oferecido totalmente on-line e de modo assíncrono. A noção de gênero

com a qual trabalhamos e os resultados de nossa pesquisa são o foco deste

artigo.

Page 2: O perfil online como gênero em um curso a distância

2. GÊNEROS DO DISCURSO: DEFINIÇÃO

Por mais de um século, a noção de gênero esteve fortemente associada

aos estudos de textos escritos que são a) primariamente literários, b)

inteiramente definidos por regularidades textuais na forma e conteúdo, c) fixos

e imutáveis, e d) classificáveis de forma organizada em categorias e

subcategorias mutuamente exclusivas (JOHNS, 2002, p. 3).

Contudo, segundo Freedman e Medway (1994, p.1), o termo gênero

também está relacionado ao reconhecimento das regularidades nos discursos,

a partir de um entendimento social e cultural da linguagem em uso. Assim, a

partir das décadas de 70-80, o termo passou a ser utilizado para designar uma

área de estudo cujo interesse é analisar a forma e a função do discurso não-

literário, bem como servir de ferramenta para desenvolver práticas

educacionais nos campos da retórica, estudos composicionais, escrita em

contexto profissional, lingüística, e inglês para fins específicos (HYON, 1996, p.

693). Nesta nova conceituação de gênero, as características (a-d), tidas como

tradicionais, abrem espaço para abarcar as noções de contexto, conteúdo,

papéis dos leitores/falantes e escritores/ouvintes, valores da comunidade,

propósito comunicativo, entre outros (JOHNS, 2002, p.3). Deste modo, gênero

passa a ser um termo que se refere às respostas complexas dadas pelos

falantes às demandas do contexto social, sendo que estas podem ser orais ou

escritas.

Se pensarmos essas respostas a partir do conceito Bakhtiniano de que

todo dizer é uma réplica e não se constitui fora daquilo que chamamos hoje de

memória discursiva, verificamos que, para produzi-las, recorremos a

experiências sócio-retóricas anteriores nas quais a linguagem verbal foi

necessária para realizar algo. Conseqüentemente, todos nós costumamos tirar

as palavras de outros enunciados (BAKHTIN, 1979/2003, p. 300) e, nesse

processo, reconhecemos similaridades entre situações e padrões

organizacionais recorrentes, ou seja, o que podemos chamar de gêneros

discursivos.

Os gêneros são fundamentais para a comunicação humana, pois nos

ajudam a realizar o que queremos dizer/escrever em dada situação, não só em

Page 3: O perfil online como gênero em um curso a distância

termos de conteúdo léxico-gramatical, mas, acima de tudo, levando em conta a

adequação do discurso ao interlocutor, ao contexto e ao propósito da

comunicação (MOTTA ROTH, 2006, p.180).

Nesta linha de pensamento, Swales (1990, p.58) define gênero como

uma

classe de eventos comunicativos cujos exemplares partilham os mesmos propósitos comunicativos. Estes propósitos são reconhecidos pelos membros experientes da comunidade e são a razão do gênero. Esta razão modela as estruturas esquemáticas do discurso e influencia e restringe as escolhas com relação ao estilo e conteúdo (..). Além disso, exemplares de um gênero exibem vários padrões de similaridade em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público-alvo. Se as expectativas probabilísticas se realizam em uma alta proporção, o exemplar será visto como prototípico do gênero pela comunidade discursiva.

Neste aspecto, parece haver um ponto de contato entre esta visão de

gênero e aquela apresentada por Martin e White (2005, p.32). Para estes

autores, gêneros são a) processos sociais, pois participamos nos gêneros com

outros interlocutores, b) orientados para um objetivo, pois os usamos para fazer

coisas, e c) realizados em estágios, pois é necessário seguirmos alguns

passos para alcançarmos nosso objetivo comunicativo. Por conseguinte, a

natureza de um texto sempre dependerá do contexto de situação e das

diferentes escolhas lingüísticas que os falantes exercem levando em conta com

quem se fala (a relação), em qual contexto (o campo), e por qual meio (o

modo).

Contudo, vale ressaltar que, por serem “atividades culturalmente

pertinentes, mediadas pela linguagem” (MOTTA ROTH, 2006, p. 181), os

gêneros estão sujeitos a sofrer um processo que Bakhtin (1979/2003) chama

de transmutação, pois, na medida em que novas práticas sociais surgem,

alguns gêneros primários saem de sua esfera de origem para outras,

materializando-se na escrita.

Baseando-nos no senso comum, é possível imaginar que, antes da

invenção da escrita, as pessoas já falavam sobre si. Pode-se então concluir

que as apresentações pessoais por escrito seriam gêneros secundários, saídos

da esfera oral para a esfera escrita e, mais recentemente, para o meio digital.

Page 4: O perfil online como gênero em um curso a distância

Para corroborar esta visão, cito a idéia de Marcuschi (2005, p.13) de que os

gêneros produzidos no contexto digital, ou gêneros emergentes, em sua

maioria, têm similares em outros ambientes, tanto na oralidade quanto na

escrita. Contudo, as características específicas do meio e o propósito da

comunicação trazem novas possibilidades e restrições para a organização

dessa produção, o que pode torná-la peculiar.

Portanto é interessante tentar traçar um paralelo entre o discurso

apresentado em forma de perfil, candidato a gênero emergente, e outros

gêneros bem estabelecidos, como a carta.

3. ASPECTOS EM COMUM ENTRE O PERFIL E A CARTA

O (supra)gênero carta é definido por Paredes Silva (1997, p. 121) como

“uma unidade comunicativa” onde há a “concretização das estruturas de

informação sob uma organização típica, para uso em contextos específicos”.

Este gênero está em circulação desde os primórdios das civilizações e, para

Bazerman (2006, p.83),

(...) com sua comunicação direta entre dois indivíduos dentro de uma relação específica em circunstâncias específicas (...) parece ser um meio flexível no qual muitas das funções, relações e práticas institucionais podem se desenvolver - tornado novos usos socialmente inteligíveis, enquanto permite que a forma de comunicação caminhe em novas direções.

Em linhas gerais, a carta é uma unidade funcional utilizada em contextos

onde haja a ausência de contato imediato entre emissor e destinatário. Apesar

de esta apresentar determinadas marcas tais como cabeçalho/data, assinatura,

e expressões para a saudação, fechamento e despedida, o seu corpo permite

uma diversidade de tipos textuais, conteúdos e propósitos comunicativos

(PAREDES SILVA, 1997, p. 121). Deste modo, podemos ter uma tipologia

descritiva em uma carta promocional que anuncia um novo produto, ou uma

tipologia narrativa em uma carta pessoal. Há também a possibilidade de uma

mesma carta abrigar mais de uma tipologia, dependo dos propósitos

comunicativos e intenção do emissário.

Page 5: O perfil online como gênero em um curso a distância

No caso do perfil, ao buscarmos em que situações se faz necessária

uma apresentação em primeira pessoa do singular por meio de uma descrição,

dois contextos com propósitos comunicativos um pouco diferentes emergem: a

carta de apresentação formal que acompanha o Currículo Vitae e a carta de

apresentação informal trocada entre estudantes de idiomas em países

diferentes, através de programas do tipo penpal, ou penfriend.

Com relação às cartas de apresentação formal que acompanha um

currículo, Bhatia (1993; 2004) afirma que estas pertencem a esfera do discurso

promocional e são persuasivas por natureza, pois “almejam obter do leitor uma

dada resposta, neste caso uma convite para uma entrevista de emprego”

(BHATIA, 1993, p.145). Por conseguinte, o propósito comunicativo, as escolhas

léxico-gramaticais e os movimentos realizados têm por objetivo descrever e

avaliar, de modo positivo, o autor da carta.

Da mesma forma, o propósito do perfil é fornecer uma auto-descrição de

modo a persuadir os outros membros do grupo a interagirem mais diretamente

com o autor, ou pelo menos, aceitarem as suas futuras contribuições no curso

como válidas e pertinentes. Desta forma, o autor negocia o seu acesso à

comunidade discursiva na qual ele pretende ser aceito.

Visto por este ângulo, há realmente um propósito comunicativo em

comum em ambos os gêneros. Contudo, a informalidade e a não-

competitividade do contexto de produção do perfil faz com que o discurso não

precise ser necessariamente pontuado por um alto grau de adjetivação positiva

para que os sujeitos sejam apreciados. Neste aspecto, o caráter informativo do

perfil se aproxima do das cartas de apresentação informal entre penfriends.

Segundo o site http://www.ehow.com/how_13423_write-first-letter.html,

que oferece esse serviço, é recomendado que o escritor a) seja amistoso e

educado, b) partilhe informações sobre si mesmo que ele ache interessantes

para os outros, c) diga quem é e o que faz, incluindo informações sobre idade,

educação e carreira, d) mencione seus hobbies favoritos, animais de

estimação, ou qualquer coisa que evoque um interesse partilhado com seu

novo amigo, e) evite tópicos controversos, f) não sobrecarregue o leitor com

muita informação, revelando-se aos pouco, f) faça perguntas que os outros

Page 6: O perfil online como gênero em um curso a distância

possam responder, e g) deixe sua personalidade mostrar-se pela escolha das

palavras e das descrições que usar.

É interessante notar que este guia oferece pistas ao autor sobre com

atingir seu propósito comunicativo, ou seja, estabelecer laços amistosos com o

destinatário e persuadi-lo a levar a interação à diante, mantendo a

correspondência. Assim, é mencionada qual deve ser a escolha do tom do

texto (a) e o que é, ou não, apropriado realizar neste contexto de situação (b-

g).

Não obstante, assim como na carta de apresentação, o contexto de

produção da carta ao penfriend não é exatamente o mesmo do perfil que

iremos analisar neste estudo, pois enquanto o primeiro envolve membros de

culturas diferentes interagindo em um idioma que, muitas vezes não é o seu, e

com um propósito de propiciar uma prática lingüística, no segundo

encontramos sujeitos que partilham o mesmo contexto cultural, ou seja, são

todos brasileiros, envolvidos com diversas áreas da educação, e que desejam

construir conhecimentos novos a partir das interações no AVA.

4. QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Segundo recomendação de Berkenkotter e Huckin (1995, p. 2), os

gêneros devem ser estudados nos seus contextos sociais de uso real, cabendo

ao analista prestar atenção às formas pelas quais os usuários manipulam os

gêneros para propósitos retóricos particulares. Portanto, a proposta deste

trabalho, que se encontra na sua fase inicial, é responder a seguinte questão:

Em que medida o discurso produzido em forma de perfil tem características que tornam possível descrevê-lo como um gênero emergente derivado do (supra) gênero carta?

Para buscar responder a esta indagação, iniciamos o estudo pelo

arcabouço apresentado por Swales (1990), que sugere que a análise deve

definir categorias (movimentos) que reflitam os propósitos comunicativos no

texto. Segundo Upton e Connor (2001, p. 317), as formas prototípicas dos

gêneros podem ser geradas e estudadas a partir da análise dos movimentos,

Page 7: O perfil online como gênero em um curso a distância

definidos como unidades semântico-funcionais de textos que podem ser

identificáveis a partir de seus propósitos comunicativos e de suas fronteiras

lingüísticas. Assim, “estes movimentos descrevem as funções (ou intenções

comunicativas) que porções particulares do texto realizam em relação à tarefa

como um todo” (UPTON E CONNOR, 2001, p. 317).

Porém, vale lembrar que os propósitos comunicativos não devem ser

tomados como “um método imediato ou rápido para separar discursos em

categorias genéricas”, mas sim como “resultados analíticos valiosos a longo

prazo” (SWALES, 2004, p. 72), pois “muitos textos ou transcrições podem não

estar fazendo aquilo que parecem, ou aquilo que tradicionalmente assumimos

que estejam fazendo” (SWALES, 2004, p. 73), daí a necessidade de revisitar o

termo “propósito comunicativo” para abarcar não somente a análise textual

(estrutura, estilo, conteúdo e propósito), mas o contexto de produção e quem o

produz.

Levando em conta a complexidade da análise sugerida por Swales

(2004) e a pequena extensão deste artigo, por ora, concentraremos nossa

análise na identificação da existência, ou não, de marcas típicas do gênero

carta pessoal de apresentação (cabeçalho, saudação, fecho, despedida,

assinatura).

Porém, antes de iniciarmos uma análise propriamente dita dos gêneros

virtuais, Marcuschi (2005, p.26) recomenda que devemos observar os

ambientes, ou entornos virtuais, em que esses gêneros se situam.

No caso do perfil, esclarecemos que a sua criação é feita clicando-se no

nome do aluno, disponibilizado em uma lista no AVA, pois esse é um hyperlink

para a tela onde aparecem a) uma caixa de texto na qual o perfil será digitado,

b) o espaço para uma foto 3 x 4, e c) as instruções para que o autor fale um

pouco sobre o seu trabalho, sua família, seus amigos, lugares interessantes, e

o que gosta de fazer.

Vale ressaltar que este espaço disponibiliza um editor de texto muito

rudimentar, pois não permite alteração tipológica de nenhuma espécie (negrito,

sublinhado, itálico, cores, tamanho e tipo de fonte). Estas alterações poderiam

ser utilizadas como recursos expressivos multimodais pelo autor para

Page 8: O perfil online como gênero em um curso a distância

personalizar o seu texto. A foto, recurso nem sempre usado pelo autor, é um

suporte visual que ajuda os participantes a terem uma imagem mais concreta

do interlocutor, especialmente na hora de estabelecer as interações dentro do

curso, pois a abordagem é centrada no aluno.

5. ANÁLISE DOS DADOS

Para este artigo, analisamos dezoito perfis, sendo quatorze escritos por

mulheres (77,8%) e quatro por homens (22,2%), matriculados em um curso a

distância online de 60 horas de duração. Os participantes têm entre 21 a 62

anos, sendo que a maioria está na faixa entre 30-40 anos e é composta de

pós-graduados.

5.1 A Carta de apresentação pessoal e o perfil: elementos em comum

Iniciamos esta subseção com uma descrição dos elementos textuais

típicos do (supra)gênero carta pessoal, a saber: cabeçalho/data, saudação

(vocativo), fecho, despedida, assinatura, e a sua presença nos perfis aqui

estudados.

Sabemos que a função do cabeçalho é estabelecer a data e a cidade

onde o autor se encontra no momento da escrita. No caso do perfil, estas

informações se fazem conhecidas por outros meios. A data aparece assim que

o perfil é preenchido e o local de onde se escreve será, ou não, revelado no

corpo do texto, pois, apesar de este ser um dado pedido nas instruções para o

preenchimento do perfil, fica a cargo do autor seguir a sugestão ou não.

O uso da saudação nas cartas é elemento obrigatório e é feito em linha

destacada, acima do corpo do texto. Sua função retórica é iniciar um diálogo

com o leitor, pois ao mesmo tempo em que define quem é o destinatário, serve

de cumprimento àquele que lê, iniciando assim um turno que se encerra ao fim

da carta. Geralmente, encontramos termos como caro sr. ou prezada sra. como

saudações mais formais e querido (filho, Pedro), meu (amor, netinho), olá,

(Maria) como saudações informais. No corpus aqui estudado onze (61.2%)

Page 9: O perfil online como gênero em um curso a distância

escritores optaram por abrir o perfil com um cumprimento ao leitor, sendo que

esta ocorrência só foi observada nos perfis escritos por mulheres. Nenhum

homem fez uso de saudação alguma, iniciando seu texto diretamente pelo

nome (perfis 3, 8, 9) ou data de nascimento (perfil 5).

As fórmulas usadas são, na verdade, aquelas mais comuns no contexto

oral, oscilando entre um maior distanciamento entre interlocutores, como em

“olá, colegas!”1 (perfil 13) e maior proximidade como em “Olá meninos e

meninas” (perfil 1); “Olá pessoal,” (perfis 2, 18); “Olá!” (perfis 7, 10, 14); “Olá,”

(perfis 4,11); “Oi, pessoal!” (perfil 12); “ Oi Gente!” (perfil 6); “Oi!” (perfil 17).

Vale à pena notar que “Olá Pessoal,” (perfil 18); “Oi, pessoal!” (perfil 12) e

“Olá!” (perfil 7) se encontram na primeira linha do corpo do texto e que o

primeiro exemplar tem uso de maiúscula em “pessoal”. Desta forma, o uso

destas saudações não está de acordo com as regras formais de uma carta.

Outro ponto é a escolha entre “oi” ou “olá”, seguidos por ponto de

exclamação. Como nenhuma escolha lingüística é gratuita, percebe-se a

saudação “olá” como menos intimista do que “oi”. Contudo, esta se torna mais

enfática e alegre ao ser seguida por um ponto de exclamação, nos remetendo

a uma situação de interação oral. Estas formas ajudam a estabelecer o tom

informal do texto. Quando não há a saudação, esse estabelecimento de um

vínculo com o leitor-alvo parece não ser tão explícito.

Outros dois elementos ajudam a criar este vínculo. São eles o fecho e a

despedida. O fecho tem como função retórica sinalizar para o leitor que o

enunciado está chegando ao fim e a despedida sinaliza a partida do

enunciador. No fecho, nas cartas informais, o enunciador pode expressar que

não há nada mais a ser dito por ele em várias expressões tais como “bem, é

isso”, ou “já escrevi de mais”, além de expressar seu desejo de ter uma

resposta em breve usando “escreva logo, tá” ou “mande notícias”, por exemplo.

Para se despedir, pode usar expressões como um abraço, que é mais distante,

ou beijos, que é mais próximo.

No caso dos perfis, o fecho foi realizado em apenas seis (33,4 %) deles,

sendo que a metade foi realizada por homens. Considerando que na amostra

1 Nas transcrições apresentadas, mantivemos o uso de maiúsculas e pontuação conforme aparecem nos exemplares em análise.

Page 10: O perfil online como gênero em um curso a distância

temos quatro exemplares produzidos por membros do sexo masculino, é

interessante notar que 75% utilizaram este recurso, enquanto que somente

14,2% das mulheres usaram o fecho nos seus perfis. Com relação a estes seis

perfis, o movimento fecho + despedida foi encontrado na metade deles. Na

verdade, só o perfil 1 apresentou ambos saudação e fecho, sendo este

realizado por uma mulher.

O fechamento foi realizado de formas diversas. No caso de “Acredito

que é isso pessoal,” (perfil 1), o enunciador complementa o fechamento falando

de suas expectativas com relação a interação no curso, usando o pronomes

“nós” (possessivo de 1ª pessoal do plural) e “juntos’, demonstrando, assim,

estar consciente da sua inserção ativa em uma comunidade colaborativa de

aprendizagem. Observe:

Acredito que é isso pessoal, espero que juntos possamos trocar e receber informações que servirão de alicerce para a construção e ampliação de nossos conhecimentos (perfil 1).

Além disso, encontramos a despedida “um forte abraço a todos” que

reitera a observação de que há leitores múltiplos (todos), não tão íntimos,

endereçados pelo enunciador.

Outro perfil onde este reconhecimento de leitores múltiplos ocorre é no

perfil 8, onde o fecho diz: “Bom, estou a vossa disposição e meu MSN é

xxxxx”2.

O uso de vossa seria de causar estranheza, pois é um pronome muito

formal, se no próprio texto o enunciador não dissesse que mora no Brasil há

poucos anos. Apesar de a sua nacionalidade não ser revelada por ele,

podemos inferir que talvez se trate de um falante de português europeu, pois

neste o uso de tu e vós é mais comum do que no português brasileiro. Mesmo

utilizando uma forma que não é comum no discurso informal, fica clara a sua

intenção de se mostrar como alguém aberto a se corresponder com outros

membros do grupo. Este fecho é seguido pela despedida “abraço a todos”,

mostrando novamente que ele tem interlocutores múltiplos em mente.

2 Endereço omitido propositadamente por nós para preservar a identidade do autor do perfil.

Page 11: O perfil online como gênero em um curso a distância

O perfil 9 também segue o movimento fecho + despedida para leitores

múltiplos, usando o fecho como arremate do enunciado. Ele diz: “Bem,

basicamente é isso” e se despede com “Saudações a todos”. No caso,

“saudações” é um termo mais encontrado em contextos formais e pode

funcionar tanto como vocativo quanto despedida e, portanto, distancia o leitor

do enunciador.

A noção clara de interlocutor não aparece no perfil 5, que usa o

fechamento como uma conclusão, sendo esta a última linha do texto. Ele diz:

“Bem, acredito que as informações acima ajudaram meus colegas a terem uma

noção ainda que parca de mim”. O uso de “meus colegas” ao invés de “vocês”,

por exemplo, passa a impressão de que ele não tomou os colegas como

leitores-alvo do seu texto e nem se inseriu no grupo, criando um maior

distanciamento.

No caso do perfil 18 (“Acho que é só...”), o uso de reticências sinaliza

hesitação, e no perfil 16 (“E acho que é isso!”) a exclamação sinaliza que o

enunciador é enfático quanto a sua colocação. Em ambos os casos não há

despedia.

Com relação ao movimento despedida, além dos três já destacados, ele

também ocorre nos perfis 3 (“Um abraço e um bom curso a todos!”) e 14

(“Abraço a todos. Um bom curso para todos nós”), onde não houve nem

saudações nem fechos, e no perfil 6 (“Um abraço e bom curso!”), onde só

houve a saudação. No cômputo geral, notamos que três despedidas foram

realizadas por mulheres e duas por homens, sendo que a escolha léxico-

gramatical de todos foi muito similar: enviar abraços e votos de bom curso. Isto

talvez sinalize que os participantes tenham lido os perfis dos colegas antes de

escreverem seus próprios, buscando descobrir como os outros membros da

comunidade estavam realizando essa tarefa comunicativa.

Com relação a esta percepção, observamos que estes perfis foram

preenchidos na seguinte ordem:

Page 12: O perfil online como gênero em um curso a distância

Tabela 1: despedidas

Nota-se que o primeiro perfil só apresenta na despedida abraço, já o segundo

expande esta e deseja bom curso. O terceiro segue a mesma tônica, mas

organiza a enunciação em dois períodos simples. O quarto e o quinto

apresentam o movimento inverso, encurtando a informação apresentada,

sendo que o perfil 6 ainda mantém os votos enquanto o último, escrito um mês

após o início do curso, retoma a forma do primeiro perfil preenchido.

Destaco ainda que os perfis 3 e 14 apresentam o pronome “todos”,

indicando a consciência de leitores múltiplos. O enunciador do perfil 14 vai

além e se insere no grupo usando nós. O reforço dos votos é realizado nos

perfis 3 e 6 por meio do ponto de exclamação.

A assinatura na carta formal é feita uma linha abaixo do fim do corpo do

texto e serve para ratificar quem é o autor do texto. No caso dos perfis, este foi

o elemento menos utilizado, sendo identificado em apenas quatro exemplares,

todos escritos por mulheres, nas seguintes combinações:

Perfil 1: saudação/ fecho/ despedida/assinatura Perfil 6: saudação/despedida/ assinatura Perfil 10: saudação/assinatura Perfil14: saudação/ despedida/assinatura

Apesar de seu uso pouco expressivo, nota-se que em todos os casos,

quem optou por assinar fez uso de uma saudação. Porém, na maioria dos

exemplares onde houve saudação, a assinatura não se faz presente.

5.2 Considerações gerais sobre a análise

Os exemplares analisados neste trabalho parecem indicar que não há

um consenso por parte dos usuários sobre como o perfil deve ser apresentado

DATA PERFIL DESPEDIDA04/04/2008 16:13:23 perfil 8 Abraço para todos07/04/2008 07:11:47 perfil 3 Um abraço e um bom curso a todos!08/04/2008 18:24:15 perfil 14 Abraço a todos. Um bom curso para todos nós.11/04/2008 13:02:18 perfil 6 Um abraço e bom curso!04/05/2008 17:36:13 perfil 1 Um forte abraço a todos

Page 13: O perfil online como gênero em um curso a distância

no que concerne os elementos de abertura e fecho, daí a presença das

diferentes combinações dos movimentos obrigatórios no gênero carta, que foi o

parâmetro para esta análise. Isto pode se dever ao fato de o perfil escrito em

um AVA, como prática social, ser uma forma discursiva recente onde as

comunidades que fazem uso dele ainda estão buscando nos gêneros mais bem

estabelecidos, como a carta de apresentação e, possivelmente, nas

apresentações orais informais, uma forma de realizar os seus propósitos

comunicativos. O resultado é um texto que pode conter estes em maior ou

menor escala, conforme ilustra a tabela 2.

Tabela 2:

presença das aberturas, despedidas, fechos e assinaturas nos perfis

Também é observável nas amostras uma flexibilidade com relação à

apresentação formal, especialmente no que concernem as regras de

pontuação e paragrafação. Notamos em alguns exemplares a falta de ponto

final nos enunciados aqui destacados (perfis1, 8, 10), o uso de letra maiúscula

de forma não usual (perfil 15) e a saudação junto ao corpo do texto (perfis 7,12,

15), o que pode indicar que neste gênero não há uma preocupação em

demonstrar um domínio formal da língua materna para que o sujeito seja

apreciado pela comunidade a qual deseja pertencer.

Destacamos ainda o fato de todas as saudações observadas terem sido

escritas por mulheres, o que é um dado interessante, e que, no nosso

entender, talvez tenha algum tipo de relação com a natureza mais emocional

da mulher. Também é interessante o fato de que, apesar de os homens não

fazerem uso das saudações, a maioria faz uso de fechamento, enquanto as

mulheres não. Estas evidências podem ser melhor analisadas se relacionadas

aos estudos do discurso ligados à questão da representação da voz

masculina/feminina, e a representação do self, o que é inviável neste pequeno

artigo.

Número do PERFIL Elementos do gênero carta 1 Todos os 4 6, 14 3 dos 4 3, 8, 10 2 dos 42, 4, 5, 7, 9, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18 1 dos 4

Page 14: O perfil online como gênero em um curso a distância

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E ENCAMINHAMENTOS FUTUROS

A análise ora apresentada representa, apenas, a fase inicial da tentativa

de caracteriza o perfil como gênero. Destacamos que, segundo o modelo de

Swales (1990), identificar os propósitos comunicativos e os movimentos

retóricos realizados não é o suficiente para a determinação de um gênero. Há

também de se cuidar das realizações léxico-gramaticais típicas destes

movimentos, pois, dentro da visão de gênero aqui apresentada, estas escolhas

estão diretamente ligadas ao sucesso ou fracasso do exemplar em atender as

expectativas da comunidade discursiva, do contexto de produção e dos seus

propósitos comunicativos.

Deixamos registrado, porém, que a próxima fase de análise já se

encontra em andamento, tendo por objetivo observar os movimentos retóricos

em cada um dos exemplares bem como as ocorrências léxico-gramaticais

recorrentes.

Contudo, devido ao escopo deste artigo, as considerações acerca de os

demais aspectos observados serão alvo de escritas futuras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre a autora

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Doris de Almeida Soares é Doutora em Estudos da Linguagem (PUC-Rio) e Professora Assistente de Língua Inglesa no Centro de Ciências Sociais da Escola Naval, onde também atua no curso de inglês on-line oferecido por essa instituição. Com Mestrado em Interdisciplinar de Lingüística Aplicada (UFRJ), é autora do livro Produção e Revisão Textual: Um guia para professores de português e de língua estrangeira (Ed. Vozes, 2009). É também pesquisadora externa do Projeto LingNet.