o patrimÔnio do agreste sergipano e seu...

17
IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 O PATRIMÔNIO DO AGRESTE SERGIPANO E SEU PROCESSO DE MUSEALIZAÇÃO Ludmilla Silva de Oliveira 1 Resumo: Itabaiana localiza-se na região central do Estado de Sergipe e ocupa uma área de 364 quilômetros quadrados. É o mais importante município da microrregião do Agreste Sergipano. Atualmente a cidade com 125 anos de emancipação política passa por inúmeras iniciativas de resgate da memória e do seu patrimônio. O presente texto apresenta os principais patrimônios dessa cidade e sua ligação com o museu municipal dando ênfase à política de valorização do patrimônio do município através da implantação dessa instituição. E de como esse processo é contaste e continuo através da comunicação entre os diferentes atores culturais. Pois, o principal objetivo do museu é ser uma ponte entre a identidade cultural e a memória dos seus cidadãos que buscam através da instituição uma forma de rememorar esse legado. Palavras-chaves: Museu municipal. Patrimônio regional. Itabaiana. Introdução Repassamos, em primeiro lugar, alguns dados históricos sobre a cidade de Itabaiana extraídos de Bispo (2013). Localizada na região central do Estado de Sergipe a 56 quilômetros da capital Aracaju, Itabaiana é o mais importante município da microrregião do Agreste Sergipano, iniciado como povoamento a partir de doações sesmarias a colonos entre o final do século XVI e início do século XVII. Eles construíram o Arraial Santo Antônio e edificaram uma capela que atualmente é conhecida por Igreja Velha. O local onde se encontra o atual centro do município de Itabaiana era conhecido, no século XVII, como Caatinga de Ayres da Rocha, em seu início era um sítio de propriedade do Padre Sebastião Pedroso de Góes que o vendeu à 1 Museóloga e Gestora do Museu Artístico e Histórico de Itabaiana “Antonio Nogueira”, Mestranda de Ciência da Religião da Universidade Federal de Sergipe. [email protected]

Upload: vuongcong

Post on 09-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

O PATRIMÔNIO DO AGRESTE SERGIPANO E SEU PROCESSO

DE MUSEALIZAÇÃO

Ludmilla Silva de Oliveira1

Resumo: Itabaiana localiza-se na região central do Estado de Sergipe e ocupa uma área

de 364 quilômetros quadrados. É o mais importante município da microrregião do

Agreste Sergipano. Atualmente a cidade com 125 anos de emancipação política passa

por inúmeras iniciativas de resgate da memória e do seu patrimônio. O presente texto

apresenta os principais patrimônios dessa cidade e sua ligação com o museu municipal

dando ênfase à política de valorização do patrimônio do município através da

implantação dessa instituição. E de como esse processo é contaste e continuo através da

comunicação entre os diferentes atores culturais. Pois, o principal objetivo do museu é

ser uma ponte entre a identidade cultural e a memória dos seus cidadãos que buscam

através da instituição uma forma de rememorar esse legado.

Palavras-chaves: Museu municipal. Patrimônio regional. Itabaiana.

Introdução

Repassamos, em primeiro lugar, alguns dados históricos sobre a cidade de

Itabaiana extraídos de Bispo (2013). Localizada na região central do Estado de Sergipe

a 56 quilômetros da capital Aracaju, Itabaiana é o mais importante município da

microrregião do Agreste Sergipano, iniciado como povoamento a partir de doações

sesmarias a colonos entre o final do século XVI e início do século XVII. Eles

construíram o Arraial Santo Antônio e edificaram uma capela que atualmente é

conhecida por Igreja Velha. O local onde se encontra o atual centro do município de

Itabaiana era conhecido, no século XVII, como Caatinga de Ayres da Rocha, em seu

início era um sítio de propriedade do Padre Sebastião Pedroso de Góes que o vendeu à

1 Museóloga e Gestora do Museu Artístico e Histórico de Itabaiana “Antonio Nogueira”, Mestranda de

Ciência da Religião da Universidade Federal de Sergipe. [email protected]

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Irmandade das Almas, entidade religiosa fundada em 1665, com a condição de nele ser

edificado um templo sob a invocação de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

Quando da invasão dos holandeses a povoação foi visitada na esperança de se

encontrar metais preciosos. Diversas expedições oficiais ocorrem no intuito de explorar

as propaladas minas de Belchior Dias Moreia, contudo, nada se encontrou. A povoação

foi elevada à condição de vila pela portaria de 20 de outubro de 1697 e efetiva-se em

1698. Itabaiana tornou-se vila sob nome de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

Durante o século XVIII e XIX, a vila era a maior de Sergipe, ocupava grandes porções

do atual agreste e sertão sergipano e terras do atual sertão baiano.

Em 1820, a vila de Itabaiana atuou ativamente em prol da emancipação política

de Sergipe, que até essa data era dependente da Bahia. Em 28 agosto de 1888, pela

resolução 1331, foi elevada à condição cidade. Devido ao desenvolvimento econômico

e processo de divisão administrativa, Itabaiana se desmembrou em diversos municípios,

mas tornou-se o mais importante município do interior sergipano. A cidade é atualmente

destaque no comércio, na agricultura e na vida intelectual de Sergipe.

Isso posto, evidenciamos os principais patrimônios do município de Itabaiana-

SE como também comentamos a recente implantação do museu que vem, justamente,

para valorizar seu patrimônio cultural e direito a memória a partir das ações da

Secretaria de Cultura Municipal em prol do exercício fundamental de cidadania, e que

servem de base para a construção da memória coletiva da sociedade. Com tal iniciativa

esta Secretaria procura se alinhar com as mais recentes preocupações ao se lidar com

patrimônios culturais que sublinham a importância da diversidade cultural como

elemento indispensável para a construção da dignidade social e do desenvolvimento

integral do ser humano e, além disso, compartilhando da idéia de que ele pode servir de

base para a transformação da realidade social, a construção do sentimento de pertença e

de sociabilidade comunitária.

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Identidade e cultura2

Para Beatriz Góis Dantas (1994), que é uma estudiosa da cultura popular

sergipana, a busca das origens tem sido uma das vertentes interpretativas mais

freqüentes nos estudos do Folclore tentando filiar traços culturais às diferentes etnias

que entraram na composição do povo brasileiro.

A cultura popular sergipana é carente de estudos aprofundados. As atividades

modernas estão sendo “descentradas”, ou seja, deslocadas ou fragmentadas. Como

agravante dessa descentralização, a cultura nacional contribui para criar padrões de

alfabetização universais que favorecem para que as culturas populares percam suas

características ao longo do tempo.

Marcos Ayala e Maria Ignez Novais Ayala (1987), partindo do ponto de vista de

vários estudiosos da cultura popular brasileira, salientam a concepção de que a cultura

popular é rústica, ingênua e algo primitiva. Além disso, há a preocupação do registro

das manifestações para evitar o desaparecimento, já que as obras do passado são de

fundamental importância para a sobrevivência das culturas e servem para a análise e o

seu estudo posterior. Segundo os autores, há uma hegemonia étnica nos grupos culturais

brasileiros, demonstrando a identidade típica de um país influenciado por diferentes

nações. Na concepção de Carlos Rodrigues Brandão (1982), a cultura popular é assim

justamente porque há nisso um forte e dinâmico teor de resistência política às inovações

impostas pelo colonizador ou pelas classes dominantes. O conteúdo e a forma

tradicionais dos modos de “sentir”, pensar e “agir” do índio, do povo colonizado da

2 Texto retirado e adaptado do blog Pesquisa Folclore Serrano de Wanderlei Menezes, historiador do

município. In: culturaitabaiana.blogspot.com (Acesso outubro/2011).

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

comunidade camponesa são uma forma de resistir a padrões equivalentes, modernos e

incorporados à força como instrumentos de dominação através da distribuição de

valores próprios de cultura.

Quando cientes das transformações que as culturas sofrem de geração a geração,

percebemos um quadro preocupante na sua manutenção, pois uma sociedade que não se

reconhece está fadada à perda de sua identidade e ao enfraquecimento de seus valores

mais intrínsecos. O envolvimento da sociedade no processo de fortalecimento de uma

cultura é fundamental para a construção de uma opinião consciente e ativa na evolução

de sua cidadania.

Para Aglaé D’Ávila Fontes de Alencar (1994), a aplicação do folclore na

educação representa para nós, uma forma de integrar a cultura da região à prática

pedagógica, fornecendo material para o funcionamento de um verdadeiro laboratório

educacional, na qual as ações ajudam a eliminar as nossas omissões em relação à cultura

popular. Educadores, pesquisadores, escritores, poetas, estudiosos do folclore,

constituem-se por si só, elementos estimulativos para gerar a força necessária à reflexão,

à crítica e a análise, levando por certo ao surgimento cristalino da conclusão. Ao lado

desse valor caminha outro: o de fazer chegar a todos, não só o clamor da angústia, mas a

presença enriquecedora da esperança. Um é seqüência do outro na busca da

sensibilidade que leva à mudança.

Refletindo sobre a nossa sociedade, sobressai a esse respeito, a desvalorização

das manifestações culturais. Vale recorrer ao pensamento de Paulo Freire que nos diz da

importância da “alfabetização cultural” que capacite o educando a compreender sua

identidade cultural e nela se reconhecer de forma consciente, em seus valores próprios,

em sua memória pessoal e coletiva ação que auxiliaria na mudança desse triste quadro.

Freire ainda pondera:

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

“a criticidade e as finalidades que se acham nas relações entre os seres

humanos e o mundo implicam em que estas relações se dão com um

espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural. Para os seres

humanos, o aqui e o ali envolvem sempre um agora, um antes e um

depois. Desta forma, as relações entre os seres humanos e o mundo

são em si históricas, como históricos são os seres humanos, que não

apenas fazem a história deste mútuo fazer mas, conseqüentemente,

contam a história deste mútuo fazer”(FREIRE, 2003, p. 81)

Os argumentos acima apontam, portanto, para a importância do resguardo das

identidades locais. E esse resguardo chega à dimensão política, chamando os órgãos

públicos a participar ativamente desse processo de preservação. Essa uma das razões,

entre outras, pois não se pode desconsiderar o papel do turismo nesse processo, que tais

órgãos, caso da secretarias de cultura em geral, ao se colocarem lado a lado de

comunidades para contribuírem na preservação de folguedos, as danças, os rituais, os

mitos, lendas em fim, tudo aquilo que é considerado patrimônio cultural; trata-se de

uma verdadeira ‘luta’ para que se mantenham vivos e influentes.

Partindo do pressuposto de que a cultura popular também faz parte de uma

vertente política, se faz necessário que os órgãos públicos elaborem ações no sentido de

resgatar e preservar os folguedos, as danças, os rituais, os mitos, lendas em fim, tudo

aquilo que é considerado patrimônio cultural de um povo para que haja uma

continuidade destes para gerações e que, se houver influência dos meios externos, que

estes não sejam descaracterizados em sua totalidade.

Como observa Itaqui (2000) a cultura é um espaço privilegiado que nos permite,

de forma crítica, trabalhar nos contrastes, nas diferenças para possibilitar aos sujeitos

desse processo rever-se, e nesses espelhos se entenderem individual e coletivamente. A

política cultural para este autor é sempre um ato de iluminação, de transformação. Não é

um processo de contemplação ou de afirmação de uma situação dada, mas de

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

enfrentamento: é a criação de espaços sociais de construção de cidadania, de

participação, de libertação.

Sendo assim, sabemos que a idéia de produção e preservação de uma cultura se

conecta ao seu conhecimento e ao seu uso social, ou seja, é preciso que os folguedos, as

instituições culturais e os patrimônios sejam mais expressivos e mais divulgados pelos

seus responsáveis para que as novas gerações tenham conhecimento e passem a vê-los e

a interpretá-los como uma continuidade, uma herança de seus antepassados.

Assim, não cabe mais analisar as práticas culturais populares como

sobrevivências do passado no presente, pois, independentemente de suas origens, mais

remotas ou mais recentes, mais próximas ou mais distantes geograficamente, elas se

reproduzem e atuam como parte de um processo histórico e social que lhe dá sentido no

presente, que as transforma e faz com que ganhem novos significados.

Alguns patrimônios de Itabaiana

Apresentamos a seguir algumas manifestações e ou patrimônios culturais que

são considerados importantes para a região da qual tratamos, abarcando a música,

parque de preservação de espécimes naturais, patrimônio imaterial identificado em

expressões lingüísticas e o museu.

Filarmônica Nossa Senhora da Conceição

A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, é uma instituição musical do estado

brasileiro de Sergipe e está sediada na cidade de Itabaiana. É a mais antiga instituição

musical brasileira, fundada em 1745, a partir do grupo musical religioso a Orquestra

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Sacra do padre Francisco da Silva Lobo (1745-1768), fundador da vida musical local. É

convertida em 1879, à denominação de Filarmônica Euphrosina pelo maestro Samuel

Pereira de Almeida, filho da terra, que trouxe de Salvador, instrumentos, transformando

a orquestra em filarmônica. Em 1897 recebe o nome de Filarmônica Nossa Senhora da

Conceição, pelo maestro Francisco Alves de Carvalho Júnior. Por suas dependências

percorreram nomes ilustres da historiografia sergipana, a exemplo do jurista Tobias

Barreto de Menezes (1857-1859), como cantor e flautista, do notável brasileiro José

Calazans e do grande político sergipano José Sebrão de Carvalho. Sua criação se deu de

fato em 31 de outubro de 1897, mudando apenas de nome passou a se chamar

Filarmônica Nossa Senhora da Conceição aproveitando-se os instrumentos da

Filarmônica Eufrosina. A sua presença está nos eventos festivos da cidade tais como

procissões, inaugurações entre outros eventos não só municipais como também fora do

município.

Desde o ano de 2005 a denominação Filarmônica Nossa Senhora da Conceição

deixou de representar apenas um grupo musical para constituir-se em instituição e

abrigar diversos grupos e programas em suas dependências. No ano de 2007 foi

premiada nacionalmente com o programa de apoio a orquestras do Ministério da

Cultura. É reconhecida de utilidade pública Municipal, Estadual e Federal e cadastrada

no Fundo da Infância e da Adolescência. Ao longo destes mais de dois séculos e meio

de história ininterrupta, tem contribuído com o desenvolvimento sócio-cultural da

cidade de Itabaiana e do Estado de Sergipe, através da música. Na atualidade a

Instituição Filarmônica Nossa Senhora da Conceição mantém o Instituto de Música

maestro João de Matos, a Sede Administrativa, o Museu da Música, a Escola de

Música, a Banda Jovem, a Banda Sinfônica, a Orquestra Preparatória, a Orquestra

Sinfônica de Itabaiana e os coros Adulto e Infantil.

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Hoje a Filarmônica recebe também o nome de Orquestra Sinfônica de Itabaiana,

tendo também em sua sede um museu de música que foi inaugurado em 28 de Agosto

de 1998, onde estão expostos instrumentos musicais do século passado como também o

acervo da filarmônica constituído de várias partituras de compositores e mestres

itabaianenses (como os chama Sebrão Sobrinho). A Filarmônica foi celeiro de grandes

músicos como Jorge Americano Rego, ex-regente da banda do 28º BC e pai de Luiz

Americano que marcou a memória musical brasileira, reconhecido nacionalmente como

instrumentista e compositor exímio.

Parque dos Falcões

A aproximadamente 45 Km de Aracaju, localizado aos pés da Serra de Itabaina-

SE, o Parque dos Falcões foi construído através do trabalho e esforço de dois

sonhadores, José Percílio e Alexandre Correia. Alexandre tornou-se "cúmplice" de

Percílio no ano de 1999, mas a história do Instituto Parque dos Falcões, começou ainda

na infância do fundador. Aos 7 anos, Percílio ganhou um ovo de Carcará (Caracara

plancus), e depois de 28 dias sendo chocado por uma galinha, nasceu Tito, seu primeiro

grande amigo. Hoje, Tito tem 25 anos e o Instituto cuida de mais de 300 aves, entre

gaviões, falcões, corujas, socós-boi, pombos, etc. Já conhecido por muitos turistas,

estudantes, biólogos, e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, o Instituto é um dos

poucos locais do país com autorização do IBAMA para a criação dessas aves em

cativeiro. Com o objetivo de proteger as espécies de aves de rapina que habitam o céu

brasileiro, o Parque dos Falcões tornou-se uma referência mundial no manejo,

reprodução e reabilitação desses animais, acumulando um grande conhecimento sobre o

seu comportamento.

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Terra de ceboleiros3

Quem nunca ouviu falar na terra da cebola, nos ceboleiros ou nos papa-cebolas?

Essas expressões populares ligadas a Itabaiana atualmente – bastante utilizadas e

difundidas em todo Estado de Sergipe - constituem parte do patrimônio cultural

imaterial de Sergipe sem o reconhecimento oficial.

Ao que tudo indica segundo Carvalho (1996), a expressão papa-cebola remota

os tempos imperiais. Em meados do século XIX, as principais feiras de Sergipe estavam

concentradas na região do Cotinguiba. O itabaianense, considerado um comerciante

nato, comercializava nas ricas regiões dos canaviais por não ter um centro comercial

estruturado e, os comerciantes se abasteciam em outras vilas e cidades de Sergipe e

Bahia. Dizem que não havia, como até nos dias atuais, uma só feira em Sergipe que não

tivesse um itabaianense. A histórica e cultural cidade de Laranjeiras chamava atenção

na segunda metade do século XIX pela pujança econômica e cultural. A feira de

Laranjeiras, pela proximidade e importância, era para onde afluíam caravanas de

itabaianense que dominavam a feira de tal forma que eram hostilizados pelos habitantes

locais. Nessa época, a sociedade itabaianense era formada, sobretudo, por humildes

comerciantes, lavradores e criadores. Homens rudes intelectualmente pela falta de

instrução pública, porém espertos e aventureiros. Laranjeiras era o berço da

intelectualidade sergipana, terra de João Ribeiro e de refinada elite açucocrata. Os

gêneros alimentícios de primeira necessidade consumidos em Laranjeiras eram

produzidos em Itabaiana. As férteis terras margeadas pelo Cotinguiba eram destinadas à

3 Texto retirado e adaptado do blog Pesquisa do Folclore Serrano de Wanderlei Menezes historiador do

Municipio. In: culturaitabaiana.blogspot.com (Acesso em outubro/2011).

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

plantação de cana para exportação. Eram os sítios serranos que abasteciam o comércio

interno sergipano, daí o rótulo de cidade celeiro de Sergipe. Ainda segundo esse mesmo

autor, a forma que os laranjeirenses usaram para ferir o orgulho dos itabaianenses foi de

denominá-los de papa-cebolas.

Por que papa-cebolas? Itabaiana tinha produção razoável nas férteis encostas

serranas da verdura acre de cheiro forte. Chamar os itabaianense de papa-cebolas era o

mesmo que chamá-los de “fedorentos a cebola”. E mais: de somíticos, pois mesmo

conseguindo volumosas somas com a venda de gêneros alimentícios e outros objetos, os

itabaianenses substituíam a carne (mais cara) por uma farinha acebolada produzida por

suas esposas. O cheiro de cebola era perceptível de longe. Bastava um itabaianense

colocar sua marmita para se ouvir os moleques gritarem: “papa-cebola, papa-cebola,

papa-cebola!!!”.

O historiador Menezes (2011) afirma que a expressão papa-cebola era um termo

pejorativo. Inicialmente, a expressão não foi bem aceita. As chacotas, às vezes,

acabavam em revide de ofensas, brigas ou em episódios mais trágicos. Com o passar do

tempo, o curioso apelido coletivo tornou-se tradicional e aceito pelos próprios

itabaianenses. As novas gerações de papa-cebolas muitas vezes não entendiam a origem

e o primitivo significado; pensavam que era por serem trabalhadores e terem abundantes

cebolais. Tinham alguns que se sentiam orgulhosos quando eram rotulados de papa-

cebola.

José Sebrão de Carvalho (1944), o famoso Sebrão Sobrinho (1898-1973),

pesquisador itabaianense, nos oferece outra versão para a origem da expressão. Ele

acredita que o apelido nasceu em Itabaiana devido ao apelido imputado a Júlio Cesar

Berenguer de Bitencourt, juiz municipal na época. Esse magistrado esteve em Itabaiana

no ano de 1849 e fixou residência no sítio Pé da Serra, local de destacada produção de

cebolas. Com isso, os amigos do juiz começaram a chamá-lo pelo apelido de papa-

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

cebola. A expressão outrora pessoal tornou-se coletiva. A aceitação do apelido tempos

depois, segundo Sebrão Sobrinho, dava-se pelo fato de pensarem os Itabaianenses que

se tratava de um elogio a “superioridade de sua terra para a policultura”. Essa versão

nos parece ter menos valor explicativo que a anterior, pensada por Carvalho Déda.

Menezes (2011) acredita que de início não havia o termo ceboleiros, mas

somente papa-cebolas. A utilização da expressão ceboleiros é bem provável que tenha

sido iniciada na segunda metade do século passado, para servir de sinônimo do termo

anterior que entrou em desuso ou, não é razoável supor, o fato de a expressão papa-

cebola ser ofensiva contribuiu para sua substituição paulatina pelo seu termo mais

corrente nos dias atuais, restando apenas a antiga expressão na memória dos mais

idosos. Ainda segundo este autor, nas últimas décadas, a palavra ganhou força dentro e

fora de Itabaiana de modo inimaginável e foi tão integrada ao linguajar itabaianense

que, praticamente, se tornou sinônimo de todos aqueles que nascem ou moram em

Itabaiana. Se no passado seu uso era uma forma pejorativa, no presente a função é outra:

tornou-se um elogio, uma forma de identificação dos itabaianenses, um patrimônio

cultural. Contribuiu decisivamente para o fortalecimento de terra da cebola a construção

do Mercado de Hortifrutigranjeiros, nosso famoso Mercadão, em 1989. Nesse grande

empório comercializam-se volumosas quantidades de cebolas produzidas em Itabaiana

e, principalmente, provenientes de outros estados.

O apelido adentrou de tal forma o imaginário social itabaianense que o mascote

da Associação Olímpica de Itabaiana, principal clube de futebol da cidade e um dos

mais tradicionais do Estado de Sergipe, é uma cebola vestida com o uniforme

tricolorido de azul, vermelho e branco. Até mesmo o universo acadêmico sofreu a ação

do acebolamento social. O Campus Universitário “Prof. Alberto Carvalho” (UFS) tem

como mascote, escolhido em votação, uma cebola – o cebolufs.

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Portanto, a palavra ceboleiro, usada no contexto de identificação do

itabaianense, é um patrimônio cultural imaterial sergipano por ser uma expressão

cultural que gera identidade e continuidade para a comunidade itabaianense e sergipana.

O processo de musealização no município de Itabaiana

O Museu de Itabaiana foi implantado recentemente e têm ligações justamente

com a identidade sergipana. Mas há uma trajetória pregressa que se inicia no município,

segundo Menezes, (2011) na década de 60, e é perpassada pela vida de dois

personagens.

O primeiro personagem era conhecido popularmente como Zé da Ana, homem

rude, mascate e idealista. Segundo pesquisa, Zé transformou sua casa, situada

atualmente na Rua Padre Felismino, numa espécie de museu de curiosidades e

antiguidades. Tamanha era a dedicação de Zé de Ana ao seu “museu” que ele

abandonou sua profissão para se dedicar ao que futuramente seria popularmente

conhecido por “Museu de Zé da Ana”.

O segundo personagem é o homenageado do museu. O senhor Antonio

Nogueira, figura bastante conhecida como “Ferrerinha”, também durante décadas

guardou um significado acervo de objetos que eram mantidos numa garagem anexo à

sua residência, na Rua Boanarges Pinheiro. Em 2010 com o falecimento do seu filho o

professor de geografia José Nogueira, as peças são doadas pela família à Prefeitura

Municipal de Itabaiana, nesse mesmo ano é criado o cargo de museóloga pelo município

e a Secretaria Municipal de Cultura começa a empreender ações em prol da criação do

museu e da preservação da cultura e memória.

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Outra iniciativa se deu no fim da década de 90 quando o governo do Estado de

Sergipe com a ação de muitos colaboradores, entre eles moradores da cidade, foi aberto

o Memorial da Serra. Conforme Menezes, acima citado, o espaço teve vida curta e as

peças ou foram devolvidas aos proprietários ou algumas foram até extraviadas.

O projeto e primeiras ações

O museu em sua trajetória adquiriu uma função determinante relacionada à

memória e ao patrimônio cultural de uma sociedade. O processo de selecionar quais

objetos e obras deverão ser conservados e preservados para a contemplação da

sociedade, determina quais valores e conceitos farão parte da memória local.

Efetivamente, o museu no município já alcançou seus primeiros sucessos ao

construir sua base legal, fator determinante para o seu melhor funcionamento. Já

conseguiu aprovação por unanimidade do poder legislativo da lei de criação, Lei nº

1465 de 11 de abril de 2011, a doação de mais de 300 peças pela família do

homenageado que estão sofrendo pequenas intervenções para serem expostas, projeto

expográfico feito em parceria entre a museóloga e a arquiteta para adequação do espaço

encontrado e capacitação de recursos humanos e materiais para o melhor funcionamento

do museu. O museu já possui todos os termos de doações das peças encontradas em seu

acervo, Regimento Interno, Organograma, arrolamento das peças em exposição e

encontra-se em fase de elaboração o Plano Museológico e o sistema de documentação.

Pela primeira vez também o município de Itabaiana participou da Primavera de

Museus evento a nível nacional que esse ano teve como tema Mulheres, Museus e

Memória. Foi realizada uma pequena exposição fotográfica das mulheres pioneiras de

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Itabaiana em diferentes segmentos, com destaque para Etelvina Amália da Siqueira

poetisa, professora e escritora considerada símbolo da intelectualidade sergipana.

Outras ações também estão sendo realizadas como distribuição de solicitações as

famílias mais tradicionais para arrecadação de peças para o acervo, seja em forma de

empréstimos ou doação; espera-se que esta ação leve à sensibilização da sociedade e a

maior interação com o projeto, enriquecendo a iniciativa. Outra expectativa é o museu

incremente, mesmo que indiretamente, o movimento do comércio já que pode atrair

visitação à cidade.

No entanto, a principal missão do museu é promover a apropriação do

patrimônio cultural, por meio das ações museológicas de pesquisa, preservação e

comunicação, tornando possível ao cidadão considerá-lo como um referencial para o

exercício da cidadania, democratizando o conhecimento produzido nos museus, nas

escolas e nas instituições afins.

Para comunicação das atividades desenvolvidas pelo museu sempre usamos o

radio e a internet como meio de divulgação visto que são os mais utilizados pelos

Itabaianenses. Já foram concedidas duas entrevistas em duas rádios locais pela direção

do museu e há várias noticias, desde a criação do museu, em sites diversos entre eles o

da Secretaria de Comunicação do Município.

Relação do museu com o patrimônio regional

A partir da declaração da Mesa Redonda de Santiago do Chile – ICOM 1972

ficou definida a importância do museu e sua estreita relação como outras instituições e

patrimônios já existente, sendo assim:

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

“O museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte

integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem

participar na formação da consciência das comunidades que ele serve;

que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na

ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita

esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente,

engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras

mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais.”

Pierre Nora nos ensina que sem o engajamento e respeito do passado com o

presente e o futuro não há pertencimento de um grupo, objetivo buscado pelo museu

para seu amadurecimento com instituição e seu reconhecimento como pertencente ao

povo.

No campo dos museus acredita-se que, o processo de interpretação do

patrimônio cultural, deve ser desenvolvido como uma função educativa e não apenas

como simples “deposito” de informações. Nesse sentido, memorizar características das

coleções e alguns fatos relacionados à vida no passado, para serem transmitidos, ou

fazê-los representar cenas e vivências do passado sem o afastamento e a reflexão

necessários não levam a compreensão do passado nem do senso critico e pior, torna-se

uma atividade pouco produtiva.

Com isso o museu busca no ensino formal parcerias para que essas instituições/

patrimônios e os itabaianenses se sintam inseridos na construção desde conhecimento e

de sua identidade local. O museu, como instituição histórica- social não pode ser

considerada um produto pronto, ele é o resultado das ações dos sujeitos que o estão

construindo e reconstruindo. (SANTOS, 1987)

São as nossas concepções de museologia e de museu que estarão atribuindo à

instituição diferentes perfis, que deverão ser adaptados aos diversos contextos. Daí a

necessidade de uma avaliação constante, principalmente em parceria com outras

instituições existentes, que deverá fornecer dados significativos para os objetivos/metas.

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

O que implica a necessidade de abertura, por parte de seu corpo técnico, manifestada em

atitudes que demonstrem o desejo da mudança, pois, só desenvolvendo o pensamento

critico compreenderemos a sistematização do processo.

Sendo assim, esperamos através da exposição desses objetos alusivos da

memória Itabaianense que o museu sirva como observatório de pesquisa com fins

educativos, um local de lazer das famílias e uma pratica social que esta colocada a

serviço da comunidade para o seu desenvolvimento. O museu foi inaugurado no dia 26

de agosto do presente ano em meio as comemorações de 123 anos de emancipação

política da cidade.

Referencias

ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes de. ‘Folclore e Educação Musical’. In: Encontro

Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria

Especial da Cultura, 1994. p. 125.

AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura Popular no Brasil. São

Paulo: Editora Ática, 1987.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

p. 40.

CARVALHO, Alberto. Aspectos antropológicos do itabaianense. Vão Livro. Aracaju:

s/d, 1996. P. 75-80;

CARVALHO, Vladimir Souza. Apelidos em Itabaiana. Curitiba: Juruá, 1996;

_________. Vila de Santo Antonio de Itabaiana. Aracaju: J. Andrade, 2009;

IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

DÉDA, José de Carvalho. Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano. Aracaju :

Livraria Regina, 1967

FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. (10ª ed.) São

Paulo: Paz e Terra, 2003.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. (11ª ed.) Rio de Janeiro:

DP&A, 2006.

ITAQUI, José. Educação Patrimonial e desenvolvimento sustentável. In: Revista

Ciências & Letras. Porto alegre: FPAECL, nº. 27, jan/jun. 2000.

NEVES, Margarida de Souza. In:

http://www.historiaecultura.pro.br/cienciaepreconceito/lugaresdememoria.htm.

NOTICIAS Del ICON. Boletin Del Consejo Internacional de Museos. Barcelona, v.54,

n.3, 2001.

SANTOS, Maria Célia T. Moura. Museu, Escola e Comunidade: uma integração

necessária. Salvador: Bureau Gráfica Editora, 1987, 215p.

SEBRÃO SOBRINHO. Cordial política da plutocrata terra papa-cebola. Sergipe-Jornal,

Aracaju/SE, 26 jan. 1944, p.1. Transcrito em SEBRÃO,

SOBRINHO.Fragmentos de histórias municipais e outras histórias. Org.

Vladimir Souza Carvalho. Aracaju: Instituto Luciano Barreto Júnior, 2003. P.

253-256.