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1 O PAPEL DA COMISSÃO BRASILEIRO-AMERICANA DE EDUCAÇÃO INDUSTRIAL NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE DAS ESCOLAS TÉCNICAS FEDERAIS Diene Eire de Mello Bortotti de Oliveira Universidade Estadual de Londrina [email protected] Sônia Ana Charhut Leszczynski Universidade Tecnológica Federal do Paraná [email protected] RESUMO Apesar de existirem no Brasil, escolas que tinham o objetivo de dar formação para o trabalho, o ensino profissionalizante passa a existir oficialmente em âmbito nacional a partir de 1909 com o decreto nº 7566 assinado por Nilo Peçanha que criava ao todo 19 Escolas de Aprendizes e Artífices em quase todos os estados do país. Apesar do esforço para formar trabalhadores, as instituições passaram por sérios problemas, que iam da escassez de materiais para as oficinas de trabalho e formação, a falta de contra-mestres que pudessem formar os alunos matriculados nestas instituições. Em 1946 um acordo de cooperação firmado entre Brasil e Estado Unidos conhecido como CBAI (Comissão Brasileiro-Americana de Ensino Industrial), através do Office of Inter-American Affairs estabecessem convênio em prol do Ensino Industrial Brasileiro, assinado em 3 de janeiro de 1946 e entrando em vigor em 03 de setembro de 1946, pelo decreto-lei 9.724 estabelecia recursos da ordem de US$ 750.000,00. Tal acordo teve a duração de quase 17 anos. Sendo assim, foram quase duas décadas de influência americana na organização e funcionamento das Escolas Técnicas Industriais. A CBAI passa a ser não só um apoio à capacitação de professores para o ensino Industrial, mas uma instituição de suporte ao ensino técnico profissionalizante da época, que investia recursos na aquisição de equipamentos, recrutamento e capacitação de professores, diretores, orientadores e supervisores. Os treinamentos eram intensos e ocorriam no Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores (CPTP) da CBAI estar no Rio de Janeiro até 1957. a partir desta data até o término do convênio o Centro passa a funcionar na Escola Industrial de Curitiba. Em alguns casos, devido à distância entre as várias Escolas realizavam-se cursos por regiões do país. Um aspecto de extrema importância no citado acordo foram as viagens aos Estados Unidos que serviam para conhecer a cultura e modelo indústrial norte americana. Até janeiro de 1951, em torno de 50 professores e diretores das escolas técnicas tinham sido capacitados, sendo que todos haviam estagiado nos Estados Unidos e 600 professores tinham participado de cursos de capacitação em diferentes pontos do país. Apesar de todas as críticas que se possa fazer aos acordos bilaterais e a influência de organismos internacionais na educação brasileira, a CBAI contribui de forma expressiva para a organização e o funcionamento do ensino industrial brasileiro.

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O PAPEL DA COMISSÃO BRASILEIRO-AMERICANA DE

EDUCAÇÃO INDUSTRIAL NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO

PROFISSIONALIZANTE DAS ESCOLAS TÉCNICAS FEDERAIS

Diene Eire de Mello Bortotti de Oliveira

Universidade Estadual de Londrina [email protected]

Sônia Ana Charhut Leszczynski

Universidade Tecnológica Federal do Paraná [email protected]

RESUMO

Apesar de existirem no Brasil, escolas que tinham o objetivo de dar formação para o trabalho, o ensino profissionalizante passa a existir oficialmente em âmbito nacional a partir de 1909 com o decreto nº 7566 assinado por Nilo Peçanha que criava ao todo 19 Escolas de Aprendizes e Artífices em quase todos os estados do país. Apesar do esforço para formar trabalhadores, as instituições passaram por sérios problemas, que iam da escassez de materiais para as oficinas de trabalho e formação, a falta de contra-mestres que pudessem formar os alunos matriculados nestas instituições. Em 1946 um acordo de cooperação firmado entre Brasil e Estado Unidos conhecido como CBAI (Comissão Brasileiro-Americana de Ensino Industrial), através do Office of Inter-American Affairs estabecessem convênio em prol do Ensino Industrial Brasileiro, assinado em 3 de janeiro de 1946 e entrando em vigor em 03 de setembro de 1946, pelo decreto-lei 9.724 estabelecia recursos da ordem de US$ 750.000,00. Tal acordo teve a duração de quase 17 anos. Sendo assim, foram quase duas décadas de influência americana na organização e funcionamento das Escolas Técnicas Industriais. A CBAI passa a ser não só um apoio à capacitação de professores para o ensino Industrial, mas uma instituição de suporte ao ensino técnico profissionalizante da época, que investia recursos na aquisição de equipamentos, recrutamento e capacitação de professores, diretores, orientadores e supervisores. Os treinamentos eram intensos e ocorriam no Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores (CPTP) da CBAI estar no Rio de Janeiro até 1957. a partir desta data até o término do convênio o Centro passa a funcionar na Escola Industrial de Curitiba. Em alguns casos, devido à distância entre as várias Escolas realizavam-se cursos por regiões do país. Um aspecto de extrema importância no citado acordo foram as viagens aos Estados Unidos que serviam para conhecer a cultura e modelo indústrial norte americana. Até janeiro de 1951, em torno de 50 professores e diretores das escolas técnicas tinham sido capacitados, sendo que todos haviam estagiado nos Estados Unidos e 600 professores tinham participado de cursos de capacitação em diferentes pontos do país. Apesar de todas as críticas que se possa fazer aos acordos bilaterais e a influência de organismos internacionais na educação brasileira, a CBAI contribui de forma expressiva para a organização e o funcionamento do ensino industrial brasileiro.

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Palavras-chave: CBAI, Escolas Industriais, Escolas técnicas, acordo Brasil - Estados Unidos

Desde sua criação no início do século, as Escolas de Aprendizes e Artífices

foram sempre deixadas à margem do sistema educacional brasileiro. A tradição

livresca de nosso país impedia que tal modelo se desenvolvesse, sendo criada não

com o intuito de formar trabalhadores, mas antes de tudo uma missão assistencial,

fazendo com que os aprendizes através da instrução se desviassem do vício e do

crime. Este modelo de instituição surgiu com o objetivo de amenizar os problemas

sociais que se desencadeavam nas cidades que iniciavam o desenvolvimento, tendo

em vista a crescente urbanização, do que propriamente formar para o trabalho. Se a

mesma, não conseguiu profissionalizar os aprendizes, conseguiu certamente manter

os desníveis classes das sociais, tornando a educação mais um dispositivo de

reforço das desigualdades. Nas considerações do Decreto nº 7566, a justificativa

para a criação das escolas foi assim redigida:

Considerando que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos de fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à nação. (FONSECA, 1961 p.163)

Através do decreto citado acima, por Nilo Peçanha instaura-se oficialmente a

Escola de Aprendizes e Artífices nas capitais dos Estados da República, marcando o

início da atuação direta e oficial do governo no campo da educação profissional ao

todo 19 escolas foram criadas: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espirito Santo,

Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná e Pernambuco

Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo, com

exceção do Rio Grande Sul, onde já existia o Instituto Parobé. Para Kuenzer (1998),

o desenvolvimento industrial no Brasil no início do século era desigual, localizando-

se basicamente no centro e sul, particularmente em São Paulo, significando que as

escolas de Aprendizes e Artífices foram instaladas em estados onde praticamente

não existiam indústrias, voltando-se mais para a qualificação de artesãos,

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obedecendo mais a critérios políticos de instalação do que critérios de

desenvolvimento urbano e sócio-econômico.

De acordo com os Referenciais para a Educação profissional do Senai (2004)

esforço público no sentido de preparar operários para o exercício profissional só se

torna efetivo no período de 1906 a 1910. É quando o ensino profissional passa a ser

uma atribuição do Ministério de Indústria e Comércio, consolidando-se uma política

de incentivo ao desenvolvimento do ensino industrial, comercial e agrícola.

Tais instituições, como o próprio decreto apresenta, tiveram o objetivo de dar

formação à classe trabalhadora, ficando esse à margem da escolarização das

instituições educativas. Vale lembrar que no contexto da implantação das Escolas de

aprendizes e Artífices não havia ainda um sistema educacional brasileiro. A

educação era função da família, o estado apenas colaboraria com tal empreitada.

Mesmo a Carta Magna de 1937, não incumbia o estado de prover educação à

população. De acordo Ghiraldelli (1992, p. 82):

a Carta de 37 não estava interessada em determinar ao estado tarefas no sentido de fornecer à população uma educação geral através de uma rede de ensino público e gratuito. Pelo contrário, a intenção da Carta de 37 era manter um explícito dualismo educacional: os ricos proveriam seus estudos através do sistema público ou particular e os pobres, sem usufruir desse sistema, deveriam se destinar às escolas profissionais. Assim, o artigo 129 determinou como primeiro dever do estado a sustentação do ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas.

A partir da Carta de 1937, instaura-se uma base legal para a criação de um

sistema dual de ensino. A população carente não tinha outra opção senão o ensino

profissionalizante. Vale lembrar que o ingresso nas Escolas se dava aos 10 anos de

idade, sendo que os alunos eram alfabetizados em concomitância com a

aprendizagem do ofício.

Anterior a carta de 1937 ocorre em 1920, o Serviço de Remodelação,

coordenado pelo engenheiro João Luderitz quando o currículo passa a ser de 06

anos. Os três primeiros anos destinavam-se à alfabetização e aos trabalhos

manuais, enquanto nos três últimos poderiam especializar-se como marceneiros,

entalhadores ou carpinteiros, serralheiros-forjadores, fundidores ou trabalho com

artes gráficas (Fonseca, 1961).

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Apesar de ser criada sob forma de externato, ao longo dos anos a instituição

passou a funcionar como internatos, provendo o aluno de alimentação, saúde e

moradia no interior da instituição. Em alguns estados essa estrutura vigorou até os

anos de 1960.

A situação de tais escolas era precária, tanto nos aspectos estruturais quanto

pedagógicos. Os problemas iam dos prédios sem condições mínimas de

funcionamento até a falta de mestres e currículos adequados.

Ao relatar a década de 1920 na Escola Técnica Industrial do Paraná, Queluz

(1995) aponta que a falta de contramestres contribuía ao estado de verdadeira

desorganização, anarquia e confusão em que se encontravam todas as oficinas,

algumas das quais entregues a estranhos que em seu próprio e único benefício,

usando indiscriminadamente de máquinas, ferramentas e dos materiais escolares.

Na década de 1940 a base do desenvolvimento do Brasil era a

industrialização em substituição às importações. Para que o país se desenvolvesse

neste sentido eram necessários alguns requisitos, onde um deles era a preparação

do operariado qualificado para as grandes empresas que estavam surgindo.

De acordo com Saviani (2008), o clima do nacionalismo desenvolvimentista

irradiou-se por toda sociedade brasileira ao longo da década de 1950 e nos

primeiros anos da década seguinte, penetrando portanto também a educação.

Através do Decreto-lei n° 4.073, de 30 de janeiro de 1942 entra em vigor a Lei

Orgânica do Ensino Industrial que representava um avanço. Gustavo Capanema,

ministro da Educação no início da década, institui uma comissão de educadores para

que assim pudessem modificar o quadro naquele momento. Apesar de se

apresentar ainda uma medida um tanto quando tímida, a Lei Orgânica do Ensino

Industrial, representava pela primeira vez uma possibilidade de não encarar o ensino

profissionalizante como fase terminal de escolarização. O então denominado ensino

industrial era considerado uma via no sistema de educação brasileira, uma

modalidade totalmente voltada para as classes subalternas, impedindo que aqueles

que o cursassem tivessem a possibilidade de ingresso no ensino superior. Em

resumo, o ensino industrial deixava de pertencer ao primário, passando a ser de

nível do secundário. No entanto, a articulação só era permitida desde que a área do

concluinte fosse diretamente ligada com a opção do candidato ao ensino superior.

Portanto, apesar do decreto ser visto por alguns autores como o próprio Fonseca

(1961), como uma legislação democratizante, no sentido de dar a mesma

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oportunidade aos pobres e ricos, permitindo a liberdade de ingresso ao ensino

superior, deixa de existir, no momento em que se restringe a área a ser cursada.

Para Ghiraldelli (1992) o sistema de ensino profissionalizante instituído pela

Reforma Capanema não atendeu aos interesses imediatistas de Industrialização,

pois a rápida modernização do parque industrial exigia uma qualificação de mão-de-

obra que o ensino profissional não poderia fornecer em curto prazo. Diante disso

governo cria um sistema paralelo com a rede pública organizando o (SENAI) Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial que inicia suas atividades em 1942 e em 1946

o (SENAC) Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, por meio do Decreto-lei n°

8621. Foi uma década de grandes avanços em favor do ensino profissionalizante,

considerado naquele momento histórico, como elemento condicionante para o

crescimento industrial do país.

Em 1946, em um período pós-guerra, o presidente americano Trumam ao

discursar sobre seu Plano de Governo, revela os objetivos por ele almejados. Fala

então de seu programa para “Paz e Liberdade”, dividindo suas metas em quatro

pontos principais:

1°) apoio às Nações Unidas;

2°) apoio para a recuperação econômica do países devastados pela guerra;

3°) segurança coletiva, através do Pacto do Atlântico Norte e

4°) um programa novo e audaz para tornar os benefícios do progresso

científico dos E.U.A., utilizáveis para a expansão das áreas subdesenvolvidas.

Um dos desdobramentos do chamado Ponto IV, foi o acordo bilateral entre

Brasil e Estados Unidos conhecido entre nós por CBAI (Comissão Brasileiro-

Americana de Ensino Industrial). Este programa surgiu como uma idéia inicial, na I

Conferência de Ministros e Diretores de Educação das Repúblicas Americanas em

Havana, ocorrido entre 25 de setembro e 04 de outubro de 1943, onde o Brasil se

fez representar pelo então Ministro da Educação Gustavo Capanema. Tal evento

resultou em soluções comuns e entendimentos com autoridades internacionais, no

sentido de uma cooperação entre países, através de convênios. Assim ficou

determinado que o Brasil e os E.U.A., através do Office of Inter-American Affairs

estabecessem convênio em prol do Ensino Industrial Brasileiro, assinado em 3 de

janeiro de 1946 e entrando em vigor em 03 de setembro de 1946, pelo decreto-lei

9.724.

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Amorin (2006) aponta que o acordo de cooperação com os Estados Unidos

estabelecia recursos da ordem de US$ 750.000,00, sendo US$ 500.000,00 por conta

do governo brasileiro, e o restante viria através do Ponto IV.

De acordo com a cláusula II, o programa de cooperação educacional deveria prever:

a) a cessão, por parte do Instituto, de um corpo de especialistas (doravante chamado corpo de especialistas) para colaborar na realização do programa;

b) o planejamento e realização de atividades referentes a:

1. estudo e pesquisas relativos às necessidades educacionais do Brasil, especialmente no que diz respeito à educação profissional e aos recursos para atender a essas necessidades, bem como a formulação, administração e adaptação contínua de um programa adequado para facilitar a satisfação de tais necessidades;

2. meios que permitam a administradores, educadores e técnicos brasileiros irem aos Estados Unidos da América, com o fim de estudar, proferir conferências, lecionar e permutar idéias e experiências com administradores, educadores e técnicos daquele país;

3. realização de programas de treinamento de professores e técnicos do ensino industrial;

4. seleção e orientação educacional e profissional nas escolas de ensino industrial; e

5. aquisição de equipamento, preparação de material de ensino e de auxílios didáticos, bem como prestação de serviços biblioteconômicos.

c) a utilização de quaisquer outros processos e meios considerados, por ambas as partes, convenientes à realização deste programa de cooperação educacional.

O programa foi atacado nos E.U.A. por ser uma forma de transferir recursos

para o resto do mundo e criticado também por brasileiros, por ser uma intervenção

estrangeira no nosso país representando uma ameaça à nossa independência.

Maria Umberlina Salgado (1988) aponta que as empresas de grande porte dos

países capitalistas transformaram-se em multinacionais, criando subsidiárias nos

países de periferia, onde encontraram não apenas disponibilidade de matéria-prima

e mão-de-obra, mas também importante mercado.

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O acordo entre o Ministério da Educação e Cultura, o The Office of Inter-

American Affairs, representava um alto investimento para os dois países, porém,

altamente rentável para as partes contratantes. A totalidade dos investimentos

deveriam ser gastos no período de vigência do acordo, que era de setembro de 1946

a 30 de julho de 1948. Tendo em vista os grandes avanços, o acordo foi prorrogado

em 1948 pela primeira vez e diversas vezes até 1963. O órgão responsável para a

execução do programa, ficou a cargo da Diretoria de Ensino Industrial, cujo diretor

era o Dr. Francisco Montojos, quanto à parte americana era representada por John

B. Griffing da Inter-American Foundation.

O programa segundo sua legislação se propunha a desenvolver relações mais

íntimas entre professores do ensino técnico Brasil e dos Estados Unidos. Nesta

relação estavam implícitos, cursos de treinamento aos professores, técnicos e

administradores, e constava ainda com a aquisição de equipamentos e recursos

didáticos. A CBAI representava uma luz ao fim do túnel, tendo em vista a carência de

professores naquele período e o despreparo daqueles que se candidatavam nas

escolas para ministrar aulas. Segundo artigo de W.Toledo Piza no Boletim da CBAI

de 1948, a situação para recrutamento de professores era extremamente crítica no

período:

As condições do exame de suficiência valem, realmente, como uma barreira oposta aos pretendentes ao título de professor, e a sua boa execução impedirá o ingresso no magistério às pessoas sem o devido equipamento. É o que já se tem verificado nos recentes exames realizados pela diretoria de Ensino Industrial. Pode-se dizer de grosso modo, que a taxa de aprovação em tais exames tem sido 20%. Em muitos casos o insucesso é grave, pois os inabilitados não lograram êxito numa simples prova de conhecimentos gerais, onde as questões apresentadas não ultrapassaram o programa da 2ª série do Curso Industrial básico [...] houve a preocupação de não formularem perguntas que só valessem (respondidas com acerto) para evidenciar a boa memória dos candidatos. Afinal quando alguém se acredita em condições de lecionar qualquer matéria e não pode responder as questões transcritas, parece que o melhor é procurar outras profissões (BOLETIM DA CBAI, 1948, p.10)

Na década de 40, quando o Brasil tinha uma gigantesca população adulta de

analfabetos, o desafio de recrutar professores para o ensino profissionalizante era

constante. Os candidatos à docência eram oriundos da indústria que se desenvolvia,

sem ter formação básica suficiente para pleitear o cargo de professor. Eis o exemplo

de algumas questões para seleção de professores:

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Assinale com cruz a resposta certa: A proclamação da república foi feita por: ( ) pelo Marechal Deodoro ( ) pelo conde d’Eu ( ) pela Princesa Isabel ( ) pelo Marechal Floriano Peixoto ( ) pelo senador Nereu Ramos A libertação dos escravos foi feita por: ( ) Por Bejamim Constant ( ) Por José Clemente Pereira ( ) Pela Princesa Isabel ( ) Por D. Pedro I ( ) Por D. João VI

(BOLETIM DA CBAI, 1948, p.11)

De acordo com os dados do boletim da CBAI apenas 20% dos professores

eram aprovados nos testes, que continham noções de Língua Portuguesa,

Matemática, Geografia e História.

Francisco Montojos, então superintendente da CBAI relata no mesmo boletim

que tarefa de selecionar e aperfeiçoar professores da cultura técnica absorveu 50%

da verba do citado convênio.

A CBAI passa a ser não só um apoio à capacitação de professores para o

ensino Industrial, mas uma instituição de suporte ao ensino técnico profissionalizante

da época, que investia recursos na aquisição de equipamentos, recrutamento e

capacitação de professores, diretores, orientadores e supervisores.

O objetivo proclamado era implantar uma cultura na área industrial, através de

cursos que contemplassem a elaboração e aplicação de métodos e técnicas de

ensino e supervisão de tarefas nas escolas industriais. O método mais conhecido

trazido ao Brasil pelos americanos e ministrado tanto aos professores das escolas

profissionalizantes como aos instrutores de empresa e ao próprio SENAI foi o TWI

(Training Within Industry) que era destinado a habilitar mestres ou supervisores

industriais e tinha o objetivo de através de séries metódicas racionais, obter maior

eficiência do operariado.

No Brasil coexistiam então duas realidades: uma crise no sistema

educacional brasileiro como um todo e um alto investimento em formação de mão-

de-obra. A partir deste momento, o tema relacionado à qualificação adquire novos

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significados e horizontes, impostos pelo início da industrialização. O tema se

deslocara agora do âmbito social para ocupar espaço nas relações econômicas.

Sobre esta questão Saviani (1994, p.160) aponta:

Os teóricos da economia política mais perspicazes, que captavam de forma mais objetiva o processo da sociedade burguesa, percebiam que a instrução escolar estava ligada a uma tendência modernizadora, a uma tendência de desenvolvimento próprio da sociedade mais avançada [...] é preciso um mínimo de instrução para os trabalhadores e este mínimo é positivo para a ordem capitalista, mas, ultrapassando esse mínimo, entra-se em contradição com essa ordem social.

Santos (2002) ao fazer uma análise desse período desenvolvimentista tendo

como foco a industrialização do estado de minas Gerais aponta:

A população mineira e brasileira, deveria ser “educada para o progresso”, para o aumento da capacidade produtiva, enquanto alternativa de desenvolvimento econômico da nação. Era um dos pressupostos da modernização conservadora. Educação utilitária, liberal e também de convicção positivista, na qual, ao ser voltada para o trabalho, era incutida na mente dos indivíduos enquanto preparação para o ato construtor da riqueza e da civilização tanto de Minas quanto do Brasil. A errônea percepção da positividade do trabalho não enquanto atividade emancipatória do ser humano, mas enquanto atividade positiva e enobrecedora – contraditoriamente e concomitantemente exploratória, alienante e sacrificada. O ensino industrial era portanto, um instrumento educativo ideal para a introdução do progresso, para a concretização da modernização de modo essencialmente conservador.

Galvão (1968 p.11) enfatiza: “poucos investimentos terão maior produtividade,

que os investimentos em educação e treinamento, em qualquer tempo e em qualquer

lugar.”

No contexto estudado, a palavra de ordem era “treinar para a produtividade.

Os cursos ocorreram inicialmente no Rio de Janeiro e São Paulo, onde participavam

professores dos diferentes estados do país. A partir de 1957, a Escola Técnica

Industrial de Curitiba, hoje UTFPR-PR (Universidade Tecnológica Federal do

Paraná) passa a ser o centro de treinamento e sede da CBAI, onde passara a

ocorrer a maioria dos cursos”.

Para que todos os objetivos fossem alcançados, necessário se fazia a

ampliação das bibliotecas das várias instituições e tradução das obras utilizadas pelo

grupo de especialistas americanos. As primeiras obras foram traduzidas em 1947 no

Rio de Janeiro, onde até então funcionava o escritório central da CBAI.

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Em 1947 ocorreu o primeiro curso para professores do ensino técnico, tendo

como elenco as disciplinas de: revisão de conhecimentos gerais e técnicos, estudo

da língua inglesa e atualização sobre a vida econômica e social do Brasil. A segunda

parte do curso aconteceu nos E.U.A., onde professores, lá permaneceram durante

seis meses em curso e três meses estagiando nas empresas daquele país. O

mesmo ocorreu com os diretores das escolas industriais, que também foram levados

a conhecer a filosofia do ensino profissional utilizada pelos americanos. O primeiro

curso de capacitação para diretores realizou-se na 1947 na Pensylvania.

Diferentemente dos professores esses cursos tinham aproximadamente duração de

15 semanas. Além do curso com conteúdos teóricos e práticos, eles visitavam

escolas e indústrias, como forma de conhecer a cultura industrial daquele país.

O primeiro grupo de diretores brasileiros em uma reunião na Pensylvania state College

FONTE: Boletim da CBAI (Janeiro de 1948, p.09)

A CBAI manteve um boletim mensal onde divulgava os feitos da cooperação,

que servem hoje de fonte de pesquisa para compreendermos a temática do ensino

profissionalizante em seus vários aspectos. A respeito do teor dos boletins Amorin

(2006) destaca:

Pode-se concluir sobre a publicação em questão é que nos seus exemplares está claramente expressa a ideologia desenvolvimentista do período em questão, da necessidade da industrialização como condição indispensável para o desenvolvimento, e por extensão a grande importância do ensino industrial e da adequada preparação docente para tal mister. Para tanto, procura destacar a fundamental cooperação estadunidense através da atuação da CBAI e do seu Centro

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de Treinamento de Professores como fator determinante para se chegar ao objetivo de contribuir para o progresso do Brasil.

O boletim era distribuído em todas as escolas técnicas do Brasil, o que

tornava as ações da CBAI difundidas nacionalmente. O boletim de janeiro de 1951

traz no seu editorial o aniversário de 05 anos de existência, impresso no Rio de

Janeiro, tendo como encarregado pelo mesmo, o profº Jesus Belo Galvão.

Com este número, entra o boletim da CBAI no seu quinto ano de vida regular e, queremos crer, preenchendo as finalidades de promover por parte de professores e dirigentes do ensino industrial, a meditação constante dos diversos problemas de educação, bem como ministrando subsídios, no tocante à Cultura Geral e à Cultura Técnica (BOLETIM DA CBAI, 1951, p. 593)

Mas o citado boletim, não tinha apenas o objetivo de difundir as ações da

CBAI, era um forte veículo de comunicação e também formação, pois além de

divulgar as ações junto às Escolas Técnicas Federais, trazia em quase todos os seus

números artigos referentes às temáticas tratadas nos treinamentos com temas

variados, que iam desde discussões mais acadêmicas sobre métodos de ensino,

como também servia de manual para os professores, contendo em muitos casos,

ilustrações metódicas a serem realizadas por professores ou orientadores

educacionais, como segue abaixo:

Em relato no boletim n° 01 de 1958 fica claro que os cursos dirigidos aos

professores passavam por reestruturações constantes, pois no primeiro momento os

cursos tinham a duração de 4 meses. Após a data citada, o curso passou por uma

reorganização e ficava estabelecido o dobro do tempo, evidenciando assim as

carências e necessidades dos professores naquele período. Ou seja, a equipe

americana não tinha uma noção clara das especificidades e dificuldades pela qual

passava o então chamado ensino industrial. O mesmo boletim ainda enfatiza: “É

cônscio a importância de aperfeiçoamento de professores nesse setor, interpretando-

se sabiamente essa necessidade, esforça-se a CBAI para produzir elementos (grifo

nosso) devidamente competentes e em número regular, a fim de atender as

carências brasileiras neste setor”.

Até janeiro de 1951, em torno de 50 professores e diretores das escolas

técnicas tinham sido capacitados, sendo que todos haviam estagiado nos Estados

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Unidos e 600 professores tinham participado de cursos de capacitação em diferentes

pontos do país (BOLETIM DA CBAI, 1951, p. 608)

Já em 1952 as avaliações dos cursos eram publicadas no boletim, visando

sua melhoria. Havia, portanto uma preocupação constante no aprimoramento dos

treinamentos ofertados pela CBAI. Entre os vários aspectos avaliados pelos

professores, dois merecem destaque: uma se refere ao tempo destinado ao

treinamento considerado curto para as especificidades das oficinas e outro aos

aspectos pedagógicos dos mesmos.

As matérias pedagógicas não devem ser dadas ao mesmo tempo em que a revisão de conteúdos do ofício. Esta deve preceder aquelas e ser conduzida de forma a preparar aquelas e ser de forma a preparar para o trabalho de análise do ofício e da organização das séries didáticas (BOLETIM DA CBAI, 1952 p.836). Apesar do Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores (CPTP) da

CBAI estar sediado no Rio de Janeiro até 1957, os cursos de formação eram

também itinerantes. Em alguns casos, devido à distância entre as várias Escolas

Técnicas realizavam-se cursos por regiões do país. No tocante aos conteúdos dos

cursos, havia uma preocupação tanto com os conhecimentos técnicos como também

com os conhecimentos pedagógicos que eram parte fundamental em quase todos os

treinamentos ministrados.

[...] um grande número de professores de oficinas de escolas técnicas tiveram pouca ou nenhuma oportunidade de aprender os métodos modernos do ensino industrial. O problema decorre do fato de que os professores dos cursos industriais são escolhidos em função da capacidade profissional e não de conhecimentos pedagógicos ou acadêmicos, que é aliás, o critério mais acertado.[...] um professor – para ser um bom professor – deve saber o que ensina e como fazê-lo eficientemente (BOLETIM DA CBAI, 1951, p. 716).

Para Amorim (2006) as prescrições da CBAI eram embasadas nos princípios

da administração científica, que procuravam incutir nos docentes do ensino industrial

a necessidade de se buscar o máximo de eficiência com o mínimo de perdas, tanto

de tempo quanto de materiais, através da padronização de procedimentos. Os

professores implementariam tais métodos em suas oficinas e nas salas de aula para

seus alunos, capacitando-os economicamente através do treinamento recebido a se

tornarem cidadãos produtivos, a fim de contribuírem para o desenvolvimento do país.

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A grande preocupação do acordo era formação de técnicos de acordo com o

modelo de produção industrial americano com eficiência, rapidez e qualidade. A fim

de atingir os objetivos propostos o acordo teve a duração de quase 17 anos de

atuação intensa da CBAI nas escolas técnicas industriais do Brasil.

Considerações Finais

Apesar de todas as críticas que se possa fazer aos acordos bilaterais e a

influência de organismos internacionais na educação brasileira, a CBAI contribui de

forma expressiva para a organização e o funcionamento do ensino industrial

brasileiro.

Dada a escassez e aos problemas pelos quais passava essa modalidade de

ensino, ente eles, a falta de professores, os problemas financeiros, a desorganização

das escolas aliado ao ostracismo que vivia essa modalidade de ensino por ter sido

desde sua origem colocado à margem do sistema nacional de ensino, o convênio

representou mudanças qualitativas na organização dessas instituições. O fato do

convenio ter sido reeditado por várias vezes, colaborou para uma certa organização

das escolas e seus métodos de ensino e aprendizagem. Normalmente a grande

queixa em cursos de formação de professores, é que não se consegue uma

mudança em curto espaço de tempo, pois a cultura impregnada nas instituições

acaba impelindo mudanças e inovações. No caso da CBAI, a presença foi tão

marcante que em alguns casos propiciou alterações no funcionamento, organização

e até gerenciamento das instituições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIN, Mário L. A formação de professores no ensino industrial é uma necessidade que não pode ser adiada. O boletim da CBAI como difusor da ideologia desenvolvimentista. Anais do IV congresso brasileiro de História da Educação. Goiânia, 2006. Disponível em : http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo02/Mario%20Lopes%20Amorim%20-%20Texto.pdf. Acesso em fev. 2009. DELUIZ, Neise. As Mudanças no Mundo do Trabalho e no mundo vivido: consequências para uma nova relação entre educação geral e formação profissional numa perspectiva de politécnia. In: MARKET, Werner (org.). Trabalho, Qualificação e Politécnia. Campinas : Papirus, 1996. p. 117-122.

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