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direito escassez e escolha

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Direito, escassez & escolha

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www.lumen ju ris.com.br

eDitOReS

João de Almeida

João Luiz da Silva Almeida

Adriano PilattiAlexandre Freitas CâmaraAlexandre Morais da Rosa

Aury Lopes Jr.Cezar Roberto BitencourtCristiano Chaves de Farias

Carlos eduardo Adriano JapiassúCláudio Carneiro

Cristiano RodriguesDaniel Sarmentoelpídio Donizetti emerson Garcia

Fauzi hassan ChoukrFelippe Borring Rocha

CONSeLhO eDitORiAL

Firly Nascimento FilhoFrederico Price Grechi

Geraldo L. M. PradoGustavo Sénéchal de Goffredo

helena elias PintoJean Carlos Fernandes

João Carlos SoutoJoão Marcelo de Lima AssafimJosé dos Santos Carvalho FilhoLúcio Antônio Chamon Junior

Luigi BonizzatoLuis Carlos Alcoforado

Manoel Messias PeixinhoMarcellus Polastri Lima

Marco Aurélio Bezerra de MeloMarcos Chut

Marcos Juruena villela SoutoMônica Gusmão

Nelson RosenvaldNilo Batista

Paulo de Bessa AntunesPaulo Rangel

Ricardo Lodi RibeiroRodrigo KlippelSalo de Carvalho

Sérgio André RochaSidney Guerra

Rio de JaneiroCentro – Rua da Assembléia, 10 Loja G/hCeP 20011-000 – CentroRio de Janeiro - RJ tel. (21) 2531-2199 Fax 2242-1148Barra – Avenida das Américas, 4200 Loja euniversidade estácio de Sá Campus tom Jobim – CeP 22630-011Barra da tijuca – Rio de Janeiro - RJtel. (21) 2432-2548 / 3150-1980São PauloRua Correia vasques, 48 – CeP: 04038-010 vila Clementino - São Paulo - SP telefax (11) 5908-0240 / 5081-7772BrasíliaSCLS quadra, 402 bloco D - Loja 09CeP 70236-540 - Asa Sul - Brasília - DFtel. (61)3225-8569

Minas GeraisRua Araguari, 359 - sala 53 CeP 30190-110 – Barro Preto Belo horizonte - MG tel. (31) 3292-6371BahiaRua Dr. José Peroba, 349 – Sls 505/506CeP 41770-235 - Costa AzulSalvador - BA - tel. (71) 3341-3646Rio Grande do SulRua Padre Chagas, 66 - loja 06Moinhos de vento - Porto Alegre - RSCeP 90570-080 – tel. (51) 3211-0700espírito SantoRua Constante Sodré, 322 – térreoCeP: 29055-420 – Santa Lúciavitória - eS.tel.: (27) 3235-8628 / 3225-1659

Álvaro Mayrink da CostaAmilton Bueno de CarvalhoAndreya Mendes de Almeida

Scherer NavarroAntonio Carlos Martins SoaresArtur de Brito Gueiros Souza

Caio de Oliveira Lima

CONSeLhO CONSuLtivO

Cesar FloresFirly Nascimento FilhoFlávia Lages de Castro

Francisco de Assis M. tavaresGisele Cittadino

humberto Dalla Bernardina dePinho

João theotonio Mendes deAlmeida Jr.

Ricardo Máximo Gomes FerrazSergio Demoro hamilton

társis Nametala Sarlo Jorgevictor Gameiro Drummond

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Gustavo aMaral

Direito, escassez & escolhacritérios Jurídicos para lidar com a escassez

de recursos e as Decisões trágicas

2ª edição

eDitora luMeN Juris

rio de Janeiro2010

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copyright © 2010 by Gustavo amaral

categoria: Direito constitucional

ProDução eDitorial

livraria e editora lumen Juris ltda.

a livraria e eDitora luMeN Juris ltDa.não se responsabiliza pelas opiniões

emitidas nesta obra.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características

gráficas e/ou editoriais. a violação de direitos autorais constitui crime (código Penal, art. 184 e §§, e lei no 6.895,

de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (lei no 9.610/98).

todos os direitos desta edição reservados àlivraria e editora lumen Juris ltda.

impresso no BrasilPrinted in Brazil

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Nota PrÉvia:

esta nova edição, ampliada, é a primeira edição, que veio apúblico em fins de 2000, com pequenos acertos, acrescentada deum post scriptum, em que o tema é retomado dez anos depois daelaboração do original. Preferi deixar o texto original sem modi-ficá-lo significativamente, trazendo no post scriptum uma visãocomplementar e, em certos aspectos, mais atualizada. Neste sen-tido, embora inusitado, a nova introdução está na página 129.

agradeço a vários amigos do rio Grande do sul, queenglobo na pessoa de Fabiana cunha, a ingo sarlet (tambémriograndense) e ricardo lobo torres pelo estímulo e cobrançapara voltar ao tema com convites para palestras e artigos.agradeço, por fim, ao João e ao João luiz almeida, com quemcompro livro desde quando era estagiário, pelo pronto apoio epor me fazer acreditar que haveria espaço e interesse para estanova edição. espero que vocês estejam certos!

rio de Janeiro, 21 de junho de 2009.Gustavo [email protected]

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DeDicatÓria:

Para ana cristina, com todo o meu amor.

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apresentação

a pro du ção dou tri ná ria bra si lei ra, não ape nas em maté ria de direi tos fun -da men tais em geral, mas tam bém no que con cer ne à pro ble má ti ca (mais espe -cí fi ca) da efe ti vi da de dos direi tos fun da men tais como direi tos a pres ta ções, temcres ci do em pro gres são geo mé tri ca, espe cial men te ao longo dos últi mos dezanos. se ainda na década de 1990 se con ta vam nos dedos as mono gra fias dedi -ca das ao tema, hoje o núme ro de obras que osten tam no títu lo a refe rên cia aosdirei tos fun da men tais, aos direi tos sociais, ao con tro le judi cial das polí ti caspúbli cas etc. é de tal monta que difi cil men te se pode ria exi gir de alguém a lei -tu ra de tudo o que se tem pro du zi do. sem pre juí zo do fato de que o volu me depubli ca ções, por si só, se reve la como posi ti vo, visto que tem asse gu ra do a difu -são e o aper fei çoa men to do deba te aca dê mi co sobre a temá ti ca, mas tam béminfluen cia pro fun da men te o coti dia no dos ato res esta tais e da socie da de civil,nota da men te em fun ção (mas não exclu si va men te) da inten sa judi cia li za çãodas ques tões liga das à efe ti vi da de dos direi tos fun da men tais, pare ce cor re toafir mar que tam bém nesta seara nem sem pre a quan ti da de cor res pon de à qua -li da de. há, con tu do, obras que se reve la ram como ver da dei ros refe ren ciais,nota da men te pela influên cia que têm exer ci do no que diz com a cons tru ção erecons tru ção da teo ria e prá ti ca dos direi tos fun da men tais no Brasil.

Dentre as con tri bui ções que hon ram a aca de mia bra si lei ra situa-se segu -ra men te a obra Direito, escassez & escolha, de Gus ta vo aMa ral, cujapri mei ra edi ção remon ta ao ano de 2000. Precisamente dez anos depois, apóso esgo ta men to da pri mei ra edi ção e sua ausên cia (a escas sez tam bém alcan çao mer ca do lite rá rio...) das pra te lei ras das livra rias, vem a lume a segun da edi -ção, enri que ci da por um – como era de se espe rar – ins ti gan te post scrip tum(para usar o termo esco lhi do pelo autor), que não ape nas jus ti fi ca a ree di ção(e não, como por vezes ocor re, uma mera reim pres são), mas tam bém lhe asse -gu ra a manu ten ção da posi ção de des ta que ocu pa da no âmbi to da cres cen tecons te la ção dos exce len tes livros de talen to sos juris tas bra si lei ros.

a esco lha do nosso nome para apre sen tar a obra, jun ta men te com a pes -soa do emi nen te e esti ma do cole ga, amigo e incen ti va dor, Professor Doutorricar Do loBo tor res, orien ta dor da dis ser ta ção de mes tra do que deuori gem ao livro ora fes te ja do, é, por tan to, fato que nos honra e envai de ce, emespe cial pela fecun da refle xão (e crí ti ca) pro mo vi da pelo nosso Gus ta voaMa ral em torno do nosso pró prio pen sa men to, ainda que não haja, em

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parte, uma con ver gên cia de posi ções. Dada a escas sez do tempo (do apre sen -ta dor) e da paciên cia (do autor e da edi to ra, aguar dan do pelas bre ves notasaqui lan ça das) e do lei tor, segu ra men te ávido para ler (e mesmo reler a obra eapre ciar os acrés ci mos) o belo texto que ora se publi ca, desde logo anun cia mosnão ser este o foro ade qua do para acei tar os desa fios lan ça dos pelo Gus ta voe aden trar o deba te, pena de nos ver mos obri ga dos a escre ver mais do que obom tom reco men da e menos do que seria neces sá rio para um ade qua doenfren ta men to de toda a gama de aspec tos ver sa dos pelo autor.

assim, o que nos move, por ora, e con si de ra da a pecu lia ri da de da oca sião,é enfa ti zar (como se fosse neces sá rio...) a atua li da de e exce lên cia do texto, sejana ver são ori gi nal, seja no que diz res pei to ao alen ta do e rico post scrip tumque inte gra esta segun da edi ção, em espe cial no que diz com a capa ci da denotá vel de arti cu la ção do autor, a rique za das fon tes biblio grá fi cas uti li za das ea argu ta linha de racio cí nio desen vol vi da, seja para rea fir mar as teses cen traisque pau ta ram a pri mei ra edi ção, seja para dia lo gar cri ti ca men te com a evo lu -ção dou tri ná ria e juris pru den cial pos te rior.

Desde logo, nos pare ce pos sí vel invo car em rela ção a pre sen te ree di ção,a refe rên cia feita por Michael Kloepfer, catedrático da universidadehumboldt de Berlim, quan do, em outro con tex to e sobre outro tema, reto mouseu estu do semi nal sobre as rela ções entre a dig ni da de da pes soa huma na e odirei to à vida, à seguin te pas sa gem extraí da da obra o reencontro, de BertoldBrecht: “um homem, que volta e meia cru za va com o sr. K, cum pri men ta-ocom as seguin tes pala vras: “o senhor não mudou nada”; “oh!, disse o sr. K, eempa li de ceu”.1

também Gus ta vo aMa ral – a exem plo de Michael Kloepfer, ao sedefron tar com seu escri to ante rior – não pre ci sa empa li de cer! Pelo con trá rio,median te os apor tes agre ga dos no post scrip tum, seus argu men tos se revi go -ram e pas sam a cla mar ainda mais por uma res pos ta capaz de enfren tar, coma neces sá ria esta tu ra argu men ta ti va, as diver sas ques tões pos tas (e repos tas)pelo autor no que diz com a rele vân cia da escas sez e das ques tões orça men tá -rias e finan cei ras para a con tro vér sia (dou tri ná ria e juris pru den cial) tra va daem torno da pos si bi li da de de se impor, na con di ção de direi tos sub je ti vos,pres ta ções mate riais ao estado e mesmo na esfe ra das rela ções entre par ti cu -la res, visto que tam bém neste domí nio não se pode mais des con si de rar a cres -cen te imbri ca ção entre públi co e pri va do.

1 cf. Michael Kloepfer, “vida e dig ni da de da pes soa huma na”, in: ingo Wolfgang sarlet (org.),Dimensões da dig ni da de. ensaios de filo so fia do direi to e direi to cons ti tu cio nal, Porto alegre:livraria do advogado, 2009, p. 145.

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a tese cen tral de que a escas sez não pode assu mir um lugar menor naesfe ra do deba te jurí di co e pre ci sa, por tan to, ser toma da a sério, segue – comobem rea fir ma, com reno va dos argu men tos, o autor – exi gin do maior dedi ca -ção. com efei to, para além da dis cus são sobre as pos sí veis dimen sões da assimcha ma da reser va do pos sí vel (abar can do limi ta ções de ordem fáti ca e jurí di ca)é pos sí vel, como já o temos feito de há muito, com par ti lhar com o autor acom preen são de que não se trata aqui de uma falá cia, invo ca da pura e sim ples -men te como argu men to a obs ta cu li zar ou ini bir a inter ven ção judi cial na esfe -ra das polí ti cas públi cas e da rea li za ção dos direi tos a pres ta ções, dei xan do ocami nho livre ao arbí trio do admi nis tra dor e legis la dor.

Da mesma forma, é de se enfa ti zar – igual men te em har mo nia com Gus -ta vo – mas tam bém coe ren tes com as nos sas pró prias con vic ções sus ten ta -das (mas tam bém aper fei çoa das ao longo do tempo, nota da men te em vir tu dedo fecun do diá lo go com a obra de Gus ta vo e outros ilus tres cole gas, comoé o caso do nosso que ri do e esti ma do ricar Do loBo tor res) desde a con -clu são da nossa tese de dou to ra men to na alemanha (1996, publi ca da em 1997)e a pri mei ra edi ção do nosso a eficácia dos Direitos Fundamentais (1998) quea noção de direi to sub je ti vo em maté ria de direi tos a pres ta ções não pres cin -de de uma dife ren cia ção e deco di fi ca ção, de tal sorte que não será em fun çãoda sim ples com bi na ção de tex tos cons ti tu cio nais (em espe cial, como refe reGus ta vo, a usual refe rên cia ao arti go 5º, pará gra fo 1º, c/c o arti go 5º, inci soXXXv, ambos da constituição Federal) que se pode rá, desde logo e sem maiordesen vol vi men to argu men ta ti vo, extrair direi tos sub je ti vos a pres ta ções decará ter defi ni ti vo, no esti lo “pediu-levou”, como se ine xis tis sem outros aspec -tos a serem con si de ra dos.

De outra parte, embo ra tenha mos – como bem lem brou Gus ta vo – nospro nun cia do em prol da inci dên cia do prin cí pio da sub si dia rie da de, queimpli ca tam bém uma con si de ra ção da res pon sa bi li da de pes soal do indi ví duo-cida dão, é pre ci so dei xar bem posto que tal prin cí pio, ainda mais no con tex tode um estado constitucional socioambiental (em ter mos de pro je to cons ti tu -cio nal) e de uma rea li da de mar ca da por pro fun das desi gual da des, não afas taque o peso maior da res pon sa bi li da de está com o estado, visto que a esteincum be o dever de asse gu rar, de modo efe ti vo, o aces so aos bens e ser vi çosindis pen sá veis à sal va guar da (tute la e pro mo ção) da dig ni da de da pes soahuma na, aspec to que, por evi den te, não temos como aqui desen vol ver.

Da mesma forma segui mos con vic tos que a con si de ra ção da indi vi dua li -da de dos casos (vida, dig ni da de e míni mo exis ten cial não podem ser pura esim ples men te dis sol vi dos numa titu la ri da de cole ti va e anô ni ma) e o seu devi -do exame, embo ra todas as difi cul da des e mesmo os efei tos adver sos que pode

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acar re tar, segue sendo uma dimen são inar re dá vel. com efei to, por mais que sepossa e deva dis cu tir os limi tes da inter ven ção judi cial, as pos si bi li da des de sereco nhe cer, ao fim e ao cabo, direi tos deri va dos e ori gi ná rios, a pres ta ção emum ambien te de escas sez, a exclu são de tal pos si bi li da de, inclu si ve em casosindi vi duais, repre sen ta, em certo sen ti do, uma dupla dis cri mi na ção: a) por umlado, mesmo pre su mi da, como há de ser, a boa-fé do ges tor públi co, indi ví -duos e gru pos são dis cri mi na dos por não terem asse gu ra do sequer o direi to deigual aces so às pres ta ções pre vis tas em lei e mui tas vezes mesmo orça das; b) avio la ção do prin cí pio iso nô mi co não pode ria – como pre ten dem alguns – sercor ri gi da pelo Poder Judiciário, sob o argu men to de que este esta ria invia bi li -zan do pre ci sa men te a pro mo ção, pelo admi nis tra dor, do igual aces so aos bens sociais?!

resulta evi den te que neste par ti cu lar – como ocor re tam bém em rela çãoa outros aspec tos – a nossa posi ção segue bas tan te dis tin ta do enten di men toadvo ga do por Gus ta vo, nota da men te quan do suge re a falta de pra ti ci da deda aná li se, pelo Poder Judiciário, de ques tões com ple xas no bojo de deman dasindi vi duais ou mesmo cole ti vas. De todo modo, não será aqui o espa ço, comojá adian ta do, para inven ta riar as crí ti cas assa ca das pelo pró prio Gus ta vo aonosso pen sa men to, muito menos para o seu ade qua do enfren ta men to. Paratanto, aliás, não nos fal ta rá opor tu ni da de, visto que se trata de um pri vi lé giopes soal e inte lec tual dia lo gar com o autor.

levar a sério orça men to e escas sez é tam bém levar a sério seu con tro le eges tão, sendo encar go do poder públi co e não do par ti cu lar demons trar even -tuais razões que jus ti fi cam, em deter mi na dos casos, a impos si bi li da de de aten -der cer tas deman das essen ciais. a dis tri bui ção do ônus da prova, inves ti men -tos em ações de cará ter pre ven ti vo (inclu si ve judi ciais), aper fei çoa men to dos canais de infor ma ção e da qua li da de dos dados (trans pa rên cia), con tro le dasprio ri da des e da efe ti va apli ca ção de recur sos, cons ti tuem, den tre tan tas,medi das e ques tões que têm sido, com razão, inte gra das ao deba te e que care -cem, ainda, de maior refle xão.

Por todo o expos to (de resto, ape nas uma páli da amos tra das inú me ras epro fun das inda ga ções, crí ti cas e pro po si ções con ti das na obra e no post scrip -tum) a obra de Gus ta vo aMa ral está des ti na da a seguir sendo um refe -ren cial obri ga tó rio para todos os que, preo cu pa dos com a efe ti vi da de das nor -mas de direi tos fun da men tais, sabem que não é pos sí vel, median te o recur so ànega ção pura e sim ples, des con si de rar deter mi na dos aspec tos e argu men tos.

Para efei tos do deba te aca dê mi co, por sua vez em cons tan te pro ces so deinte ra ção (dia lé ti ca e dinâ mi ca) com os pro ces sos de con cre ti za ção (judi cial ounão) do pro gra ma cons ti tu cio nal, a pos tu ra crí ti ca de Gus ta vo aMa ral,

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em espe cial o modo pelo qual cons trói sua linha argu men ta ti va, não ape nascon tri bui para a neces si da de de colo car mos em xe que algu mas pro po si ções,mas tam bém nos ofe re ce a pos si bi li da de de tes tar mos os nos sos pró prios pon -tos de vista, evi den cian do, de outra parte, o quan to o mais impor tan te, espe -cial men te para o que inte res sa à seara aca dê mi ca, não é ter sem pre razão, master boas razões a esgri mir e, com isso, auxi liar a retroa li men tar o desen vol vi -men to do pen sa men to crí ti co-refle xi vo, sem dei xar de con tri buir para que osdirei tos fun da men tais tran si tem dos tex tos cons ti tu cio nais e docu men tosinter na cio nais, mas tam bém das pági nas dos manuais, mono gra fias e arti gos,para a rea li da de da vida.

tecidas essas bre ves e sin ge las con si de ra ções, resta-nos alme jar que autore obra sigam tendo a mere ci da aco lhi da no âmbi to da comu ni da de jurí di canacio nal, de tal sorte a seguir cau san do uma sau dá vel intran qui li da de dis cur -si va. a depen der do texto e de sua qua li da de, logo uma nova edi ção se faráneces sá ria.

Porto alegre, 31 de maio de 2009.

Prof. Dr. ingo Wolfgang sarletProfessor titular da Faculdade de Direito e do

Programa de Mestrado e Doutorado da Pucrs.

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Prefácio

Perguntou-me Gustavo amaral se pode ria repro du zir o pre fá cio que ofe -re ci à 1ª edi ção do seu fes te ja do livro Direito, escassez & escolha, publi ca dono ano de 2001. Disse-lhe que gos ta ria de pre pa rar um novo pre fá cio para a 2ªedi ção, seja por que já lá se vão quase 10 anos da publi ca ção da ver são ini cial,seja por que o deba te se apro fun dou extraor di na ria men te nesta déca da, pelocres ci men to da biblio gra fia espe ci fi ca e a cons tru ção juris pru den cial dascortes constitucionais mais impor tan tes.

De feito, o texto ori gi nal do livro deve ser lido hoje com o apor te sig ni -fi ca ti vo das dis cus sões, crí ti cas e aplau sos que pro vo cou, tudo o que aliás cons -ti tui o pró prio obje ti vo da mis são do juris ta. Direito, escassez & escolha foium dos pri mei ros tra ba lhos pro du zi dos no âmbi to das ati vi da des do curso dePós-Graduação em Direito da uerJ. influenciou na ela bo ra ção de outras tesessobre a mesma temá ti ca e pas sou a ocu par lugar de des ta que naque la que ingosarlet, pio nei ro nos estu dos sobre a efe ti vi da de dos direi tos sociais, cha mou deescola de Direitos Fundamentais do rio de Janeiro.

optou agora Gustavo amaral pelo post scrip tum para a 2ª edi ção, que lheper mi tiu sis te ma ti zar melhor a atua li za ção do livro e ampliar o dis cur so sobreo pró prio limi te fáti co das esco lhas trá gi cas. o pro ble ma nuclear, afi nal decon tas, é o de dese nhar a ratio na le que possa garan tir a entre ga de pres ta çõespúbli cas sem oca sio nar a desi gual da de em favor das clas ses já pri vi le gia das, oque é ine vi tá vel na adju di ca ção indi vi dual de direi tos. o supremo tribunalFederal, até alguns anos atrás insen sí vel à dis cus são, come çou tam bém, atra -vés de audiên cias públi cas e da demo cra ti za ção do diá lo go, a pro cu rar o tomque lhe per mi ta aban do nar a pro je ção da retó ri ca dos direi tos indi vi duais paraos pres ta cio nais, com a afir ma ção das polí ti cas públi cas neces sá rias à efe ti va -ção dos direi tos fun da men tais sociais.

Do ponto de vista meto do ló gi co, Gustavo amaral apro vei tou o postscrip tum para apro fun dar o exame das novi da des apa re ci das nos últi mos anose incor po rar a biblio gra fia recen te e a juris pru dên cia mais expres si va. Dignasde des ta que as pági nas dedi ca das ao con se quen cia lis mo, argu men to que nãopode fal tar nos estu dos sobre polí ti cas públi cas, inclu si ve as judi cia li za das. abiblio gra fia estran gei ra con sul ta da é per ti nen te e aba li za da (Maccormick,lübbe-Wolff e zagrebelsky, entre outros). o supremo tribunal Federal sóagora se está dei xan do tocar pelo argu men to ad con se quen tiam, o que vem

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ocor ren do na modu la ção da efi cá cia tem po ral das deci sões pro fe ri das no con -tro le de cons ti tu cio na li da de.

Formulo os votos de que o livro agora amplia do e atua li za do con ti nue aobter o reco nhe ci men to da comu ni da de jurí di ca, con tri buin do para o deba tedo tema no Brasil.

rio de Janeiro, 9 de junho de 2009.

ricardo lobo torresProfessor titular da Faculdade de

Direito da uerJ

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capítulo 1apresentação do Problema

sumário. 1. Da insinceridade normativa à efetividade; 1.1. limites da “interpretaçãoengajada”; 2. a constituição compromissória, o descrédito do Governo e ativismo judi-cial; 3. a questão da saúde; 4. os posicionamentos judiciais; 5. Questões não enfrentadasnos julgados: microjustiça x macrojustiça; 6. a questão a ser respondida.

1. Da insin ce ri da de nor ma ti va à efe ti vi da de

a constituição de 1988 foi o ponto cul mi nan te de um longo pro ces so dedis ten são, a tran si ção de um regi me auto ri tá rio para a demo cra cia. talvez maisque uma mudan ça de texto, teve-se a afir ma ção do cons ti tu cio na lis mo. comobem des ta ca raymundo Faoro, sob a égide da cons ti tui ção ante rior “a forçanão se qua li fi cou juri di ca men te para con fes sar seu sta tus de poder”,1 ou, naspala vras de Miguel seabra Fagundes, “o poder não havia sido con ver ti do emauto ri da de”.2 a cons ti tui ção não orga ni za va o estado nem lhe impu nha limi -tes rígi dos, pois sobre ela pai ra va a força dos atos ins ti tu cio nais, em espe cial ode núme ro 5, tris te men te céle bre.

a ordem cons ti tu cio nal ante rior fala va em “regi me repre sen ta ti vo e demo -crá ti co, basea do na plu ra li da de de Partidos e na garan tias dos direi tos fun da -men tais do homem”,3 mas foi outor ga da por junta mili tar com pos ta pelos minis -tros das três armas, atra vés do eufe mis mo da cha ma da “emen da” 1, que, tal vezpor pra ti ci da de, lis tou os arti gos que “salvo emen das de reda ção, con ti nuaminal te ra dos”4 e con vi veu com o fami ge ra do ai 5 até o adven to da emenda nº 11,de 1978, excluin do da apre cia ção judi cial todos os atos pra ti ca dos sob o seuampa ro,5 den tre os quais esta vam, sabi da men te, a cen su ra, o seques tro, o cár ce -re ofi cio so e a tor tu ra. era a cons ti tui ção que asse gu ra va ao tra ba lha dor a “proi -

1 Faoro, raymundo. assembleia constituinte: a legi ti mi da de recu pe ra da, 1981.2 sea Bra FaGuN Des, Miguel. a legitimidade do Poder Político na experiência Brasileira.

recife: ordem dos advogados, secção de Pernambuco, 1982. a frase no ori gi nal é “o poder con -ver te-se, então, em auto ri da de, pois esta é exa ta men te o ‘poder reco nhe ci do como válido’”, maso nosso ver está sub ja cen te no con tex to o sen ti do acima posto.

3 art. 152, i, na reda ção da emenda 1. com peque na mudan ça de reda ção, o texto pas sou a estarno art. 152, § 1º, i, com a emenda 11, de 1978 e no caput, com a emenda 25, de 1985.

4 4º con si de ran do da emenda nº 1 à constituição de 1967.5 arts. 181 e 182 da cF/67 e art. 3º da emenda 11, de 1978.

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bi ção de dis tin ção entre o tra ba lho manual, téc ni co ou inte lec tual ou entre ospro fis sio nais res pec ti vos; colô nias de férias e clí ni cas de repou so, recu pe ra ção econ va les cen ça, man ti das pela união, con for me dis pu ser a lei”,6-7 mas viu a con -cen tra ção de renda atin gir níveis nunca antes vis tos, sob o dis cur so ofi cial depri mei ro fazer cres cer o bolo para depois repar ti-lo, enquan to das colô nias de férias e clí ni cas de repou so jamais se teve notí cias.

havia, então, uma insin ce ri da de nor ma ti va, pois os enun cia dos cons ti tu -cio nais fre quen te men te assu miam for mas lapi da res para serem em segui dasola pa dos ou esva zia dos por outras regras, ao passo que outras “nor mas”, comoas duas cita das acima, evi den te men te não eram “para valer”. tínhamos umacons ti tui ção semân ti ca, segun do a clas si fi ca ção de Karl loewenstein.8

somando-se a isso a exis tên cia de um ver da dei ro poder fora e supe rior àcons ti tui ção, enfei xa do pelos mes mos que deti nham o poder exe cu ti vo, temosque antes da ordem Jurídica de 1988 a pro te ção cons ti tu cio nal do cida dãoperan te o estado era frá gil, diri gi da mais ao vare jo dos casos cor ri quei ros doque a ques tões sen sí veis, assim enten di das quais quer ques tões em que hou ves -se algum inte res se espe cial dos ocu pan tes do poder, não impor tan do qual inte -res se fosse. a longa luta pela rede mo cra ti za ção, que cul mi nou na con vo ca çãoda assembleia Nacional constituinte em 1987,9 vinha, em con tra po si ção aisso, deman dan do pela ins ta la ção de uma nova ordem que garan tis se direi tosda cida da nia, ainda que con tra a von ta de do chefe do executivo no caso con -cre to. esse movi men to diri giu-se não ape nas para as mudan ças no texto, mastam bém para a mudan ça nas men ta li da des: o fim do medo de con tra riar, acora gem de afir mar direi tos, em espe cial con tra a força bruta.

Nas pala vras de luís roberto Barroso, “ao longo da his tó ria bra si lei ra,sobre tu do nos perío dos dita to riais, reser vou-se ao direi to cons ti tu cio nal umpapel menor, mar gi nal. Nele bus cou-se, não o cami nho, mas o des vio; não aver da de, mas o dis far ce. a constituição de 1988, com suas vir tu des e imper -fei ções, teve o méri to de criar um ambien te pro pí cio à supe ra ção des sas pato -lo gias e à difu são de um sen ti men to cons ti tu cio nal, apto a ins pi rar uma ati tu -de de aca ta men to e afei ção em rela ção à lei Maior”.10

6 incisos Xvii e Xviii do arti go 165.7 confira-se tam bém o comen tá rio irô ni co de celso antônio Bandeira de Mello, refe ri do por Bar -

ro so, luís roberto. o Direito constitucional e a efetividade de suas Normas. rio de Janeiro:renovar, p. 62.

8 Bar ro so, luís roberto. op. cit., pp. 62-63.9 art. 1º da emenda 26, de 1985, tendo as elei ções ocor ri do em novem bro de 1986.10 Bar ro so, luís roberto. “Dez anos da constituição de 1988: (Foi bom para você tam bém?)”.

Debates, nº 20: a constituição Democrática Brasileira e o Poder Judiciário. são Paulo: FundaçãoKonrad adenauer, 1999, p. 47.

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Nesse momen to de rea fir ma ção do Direito constitucional, que não seesgo tou com a pro mul ga ção da carta de 1988, muito pelo con trá rio, sur gi ramnovos cons ti tu cio na lis tas bra si lei ros, den tre os quais des ta ca mos clèmersonMerlin clève e luís roberto Barroso, que influen cia dos pelas lições de JorgeMiranda, José afonso da silva e José Joaquim Gomes canotilho, pug na vampor uma cons ti tui ção “para valer”, pelo reco nhe ci men to de que todas as dis -po si ções cons ti tu cio nais são nor mas e, enquan to tais, reves tem-se de algumgrau de efi cá cia. atenção espe cial foi devo ta da às nor mas que asse gu ras sem oupudes sem asse gu rar11 direi tos ao cida dão.

como carac te rís ti ca dessa nova vaga, temos um cons ti tu cio na lis mo enga -ja do, como se pode ver dos excer tos abai xo:

“cabe, por fim, des ta car uma pecu lia ri da de que envol ve a constituição.o legis la dor cons ti tu cio nal é inva ria vel men te mais pro gres sis ta que olegis la dor ordi ná rio. Daí que, em uma pers pec ti va de avan ço social,devem-se esgo tar todas as poten cia li da des inter pre ta ti vas do textoconstitucional, o que inclui a apli ca ção dire ta das nor mas cons ti tu cio -nais no máxi mo do pos sí vel, sem con di cio ná-las ao legis la dor infra cons -ti tu cio nal.essa tare fa exige boa dog má ti ca cons ti tu cio nal e capa ci da de de tra ba lharo direi to posi ti vo. Para fugir do dis cur so vazio, é neces sá rio ir à norma,inter pre tá-la, dis se cá-la e apli cá-la. em maté ria cons ti tu cio nal, é fun da -men tal que se diga, o apego ao texto posi ti va do não impor ta redu zir odirei to à norma, mas, ao con trá rio, elevá-lo à con di ção de norma, pois eletem sido menos que isso (v. supra). o res ga te da impe ra ti vi da de do textoconstitucional e sua inter pre ta ção à luz de boa dog má ti ca jurí di ca, poróbvio que possa pare cer, é uma ins ti gan te novi da de neste país acos tu ma -do a mal tra tar suas ins ti tui ções.12

“Não basta o dis cur so-denún cia. Não basta o dis cur so antro po lo gi ca men -te sim pá ti co ou amigo (amigo das clas ses popu la res, amigo dos pobres,amigo do huma nis mo, amigo das esquer das etc.), como diz canotilho.Mais do que isso, impor ta hoje, para o juris ta par ti ci pan te, sujar as mãoscom a lama impreg nan te da prá ti ca jurí di ca, ofe re cen do, no campo dadog má ti ca, novas solu ções, novas fór mu las, novas inter pre ta ções, novas

11 “Pudessem asse gu rar”, pois há sem pre o pro ble ma de saber qual é a norma jurí di ca a ser extraí dado texto, den tro das sig ni fi ca ções pos sí veis.

12 Bar ro so, luís roberto. interpretação e aplicação da constituição. são Paulo: saraiva, 1996, p.260.

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cons tru ções con cei tuais. este é o gran de desa fio con tem po râ neo. cabeinva dir um espa ço toma do pelas for ças con ser va do ras, lutan do ombro aombro, no ter ri tó rio onde elas impe ram, exa ta men te para, com a cons -tru ção de uma nova dog má ti ca, alijá-las de suas posi ções con for ta vel -men te des fru ta das.”13

“Por isso a constituição, atual men te, é o gran de espa ço, o gran de locus,onde se opera a luta jurí di co-polí ti ca. o pro ces so cons ti tuin te é um pro -ces so que se desen vol ve sem inter rup ção, inclu si ve após a pro mul ga ção,pelo poder cons ti tuin te, de sua obra. a luta, que se tra va va no seio daassembleia constituinte, trans fe re-se para o campo da prá ti ca cons ti tu -cio nal (apli ca ção e inter pre ta ção). afirmar esta ou aque la inter pre ta çãode deter mi na do dis po si ti vo cons ti tu cio nal, defen der seu poten cial deexe cu ção ime dia ta ou apon tar a neces si da de de inte gra ção legis la ti va,cons ti tuem com por ta men tos dota dos de cla rís si mos com pro mis sos ideo -ló gi cos que não podem sofrer des men ti do.No Brasil con tem po râ neo, cons ti tui mis são do ope ra dor jurí di co pro du -zir a defe sa da constituição. a constituição bra si lei ra, tão vili pen dia da,cri ti ca da e menos pre za da, mere ce con si de ra ção. sim, por que aí, nessedocu men to mal escri to e con tra di tó rio, o juris ta encon tra rá um reser va -tó rio impres sio nan te de topoi argu men ta ti vos jus ti fi ca do res de reno va daótica jurí di ca e da defe sa dos inte res ses que cum pre, para o direi to alter -na ti vo, defen der.”14

como se vê, assun tos antes não cogi ta dos nas facul da des de direi to, comotópi ca, pon de ra ção de valo res, pas sa ram a inte grar a ordem do dia. contudo, jáse pode ria ante ver pro ble mas decor ren tes do empre go de téc ni cas sofis ti ca das emum país pouco acos tu ma do15 à prá xis jurí di ca, ao menos no campo dos DireitosFundamentais, pas sar dire ta men te à tópi ca. havia o risco de, sob o dis cur so tópi -co, abri gar-se o mero sub je ti vis mo,16 já que, na verve de Barbosa Moreira, somoso país onde as pes soas cos tu mam “achar” sem jamais ter pro cu ra do.17

13 clÈve, clèmerson Merlin. “a teo ria constitucional e o Direito alternativo: para uma dog má ti -ca cons ti tu cio nal eman ci pa tó ria”, in uma vida Dedicada ao Direito: homenagem a carloshenrique de carvalho. são Paulo: editora revista dos tribunais, pp. 37-38.

14 idem, p. 40.15 se as cons ti tui ções de 1891, 1934 e 1946 foram nomi nais e as car tas de 1937, 1967 e 1969 foram

semân ti cas (Bar ro so. o Direito constitucional..., p. 63), não havia cos tu me da apli ca ção dosdirei tos garan ti dos na cons ti tui ção.

16 como, aliás, detec ta do por clÉve (cf. op. cit., p. 47).17 a frase já foi pro fe ri da em diver sas pales tras.

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cumpre des ta car aqui a “redes co ber ta” do tra ba lho de José afonso dasilva. em obra pio nei ra, lan ça da antes do recru des ci men to do movi men tomili tar, sus ten ta va que “todas as nor mas que inte gram uma cons ti tui ção têmnatu re za jurí di ca, sendo de repe lir a tese que sus ten ta o con trá rio” e que “todasas nor mas cons ti tu cio nais são dota das de efi cá cia jurí di ca e ime dia ta men teapli cá veis nos limi tes dessa efi cá cia”.18 contudo, o livro ficou esgo ta do portoda a déca da de 70, teve peque na ree di ção em 1982 e era uma rari da demesmo em biblio te cas e sebos.19 Foi obra de gran de impor tân cia, mas cujosefei tos sobre a for ma ção de uma “cul tu ra cons ti tu cio nal” deu-se mais por viarefle xa, pela influên cia no tra ba lho de outros juris tas, nota da men te luísroberto Barroso e clèmerson Merlin clève.

1.1. limites da “inter pre ta ção enga ja da”

os cita dos auto res não des co nhe ciam limi tes à efe ti vi da de das nor mas,inclu si ve por que escre ve ram para o ope ra dor do Direito e não ape nas para oteó ri co afas ta do da rea li da de do coti dia no. se o Direito é a ciên cia do dever-ser, pare ce intui ti vo que o domí nio de suas regras seja o poder-ser. todavia, “opapel acei ta tudo”20 e a constituição de 1988 mais que com pro mis só ria, ana -lí ti ca e diri gen te, é casuís ti ca e pro li xa.21

contudo, esses limi tes não foram pos tos de manei ra clara, toman do maisa fei ção de reco men da ções de bom senso do que méto do para, caso a caso,saber como pro ce der. luís roberto diz que “o Direito tem limi tes que lhe sãopró prios e que por isso não pode, ou melhor, não deve nor ma ti zar o inal can -çá vel”,22 asse ve ran do que dados pre cei tos já nas cem con de na dos à ine fi cá cia,ora em vir tu de da intrín se ca defi ciên cia do texto, ora da mani fes ta ausên cia decon di ções mate riais para o seu cum pri men to, ora da impos si bi li da de de juris -di ci za ção do bem ou inte res se que pre ten deu tute lar, apon tan do como irrea -

18 silva, José afonso da. aplicabilidade das Normas constitucionais. são Paulo: Malheiros, 1998,p. 261, con clu sões ii e iii.

19 José afonso da silva é tam bém autor de um dos manuais de direi to cons ti tu cio nal mais ven di dos(curso de Direito constitucional Positivo), mas nessa obra a efe ti vi da de não é tra ta da com des ta -que. Na 6ª edi ção, de 1990, por exem plo, a entra da “efe ti vi da de” no índi ce alfa bé ti co-remis si votrata dos ser vi do res públi cos, ao passo que as entra das rela ti vas a “efi cá cia” con du zem a tex tosque, soma dos, não tota li zam uma pági na e meia, ambos reme ten do ao livro “aplicabilidade dasnor mas cons ti tu cio nais”.

20 Bar ro so, luís roberto. “Princípios constitucionais Brasileiros ou de como o Papel aceitatudo”. revista da Faculdade de Direito. rio de Janeiro: uerJ, nº 1, vol. 1, 1993, pp. 206-242.

21 Bar ro so. Dez anos da constituição..., op. cit., pp. 26-27.22 Bar ro so. o Direito constitucional..., op. cit., p. 47 – ori gi nal sem gri fos.

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li zá vel por exces so de ambi ção o arti go 368 do anteprojeto ela bo ra do pelacomissão afonso arinos, segun do o qual seria garan ti do a todos o direi to, parasi e para sua famí lia, de mora dia digna e ade qua da, que lhes pre ser ve a segu -ran ça, a inti mi da de pes soal e fami liar, e irrea li zá vel por se pro por a dis ci pli -nar o impon de rá vel, como o arti go 232 do Projeto de constituição apro va dopela comissão de sistematização da assembleia Nacional constituinte, peloqual a saúde seria direi to de todos. a crí ti ca, quan to a este dis po si ti vo, cen tra -va-se na for mu la ção equi vo ca da, que suge ri ria como sujei to pas si vo a bio lo giae as for ças da natu re za huma na, mas, em nota de roda pé, demons tra que outras cons ti tui ções, em lin gua gem mais ade qua da, pre veem o direi to à pro te -ção da saúde ou à assis tên cia médi ca.23

clèmerson, após des ta car que a constituição de 1988 recla ma um judi -ciá rio vin cu la do às dire ti vas e às dire tri zes mate riais da constituição, um judi -ciá rio ati vis ta, vol ta do para a plena rea li za ção dos coman dos cons ti tu cio nais epara com pen sar as desi gual da des e o des cui do da socie da de bra si lei ra para coma dig ni da de da pes soa huma na, diz que disso não resul ta ria o judi ciá rio “atuarcomo legis la dor, nem que deva se subs ti tuir à ati vi da de do admi nis tra dor, massim que a constituição Federal exige um novo tipo de juiz, não ape nas ape ga -do aos esque mas da racio na li da de for mal e, por isso, mui tas vezes, sim plesguar dião do sta tus quo”.24

vê-se, por tan to, que não houve ênfa se na ques tão dos limi tes da apli ca -ção do direi to, res tan do esses mais como admoes ta ções. Das lições de luísroberto Barroso se vê que o intér pre te deve pre ser var a constituição, não pro -cu ran do dar efi cá cia a nor mas que pre ten dam o infac tí vel ou evi tar lei tu rasque tor nem o texto risí vel, a, tal como per so na gens de Monteiro lobato,25

pre ten der refor mar a natu re za. com isso esva zia-se a efi cá cia da norma, toutcourt, mas em um cri té rio de “tudo ou nada”: ou a norma vale ou a norma nãovale. Não se encon tra, embo ra se possa intuir, um cri té rio de con tro le darazoa bi li da de da apli ca ção ao caso con cre to, nota da men te do con fron to entrea micro jus ti ça do caso con cre to com a macro jus ti ça dada pela pos si bi li da de deapli car a mesma regra jurí di ca cons truí da para o caso con cre to a todos os demais que se asse me lham.

De igual sorte, clèmerson clève não pro cu ra tra çar uma linha divi só riaentre o que seriam direi tos indi vi duais, dire ta men te sin di cá veis, e o que

23 Pp. 59-60.24 clÈve, op. cit., pp. 217-218.25 a reforma da Natureza, in obras com ple tas de Monteiro lobato, 2ª série, literatura infan til, vol.

12. são Paulo: Brasiliense, 1950, espe cial men te pp. 195-198.

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seriam direi tos a depen der de polí ti cas públi cas, de media ção legis la ti va e exe -cu ti va, ou vigen tes sob a reser va do pos sí vel.

2. a cons ti tui ção com pro mis só ria, o des cré di to do Governoe ati vis mo judi cial

esse novo cons ti tu cio na lis mo, como já dito, veio a lume com uma cons -ti tui ção com pro mis só ria, mui tas vezes casuís ta, carac te rís ti cas que as diver sasemen das não dimi nuí ram, ao con trá rio,26 na qual mui tos “direi tos” estãogaran ti dos, for ne cen do, assim, farto mate rial para os plei tos de “plena efi cá -cia” e para o ati vis mo judi cial, mor men te por que sob o argu men to de umatópi ca a prio ri e não do caso con cre to, os argu men tos e coman dos cons ti tu cio -nais que pudes sem pare cer empe ci lho pode riam “ceder lugar” a valo res maisele va dos.

somou-se a isso um dado socio ló gi co que não pode ser des pre za do.houve, no final do perío do de dis ten são, o res sur gi men to da socie da de civil.Despertada pelo movi men to das Diretas Já, que cul mi nou com a frus tra çãocau sa da pela rejei ção da emen da Dante de oliveira,27 o civis mo res sur giu coma vitó ria de tancredo Neves no colé gio elei to ral para, em segui da, desa guarem sua trá gi ca morte, geran do como ção públi ca nacio nal que tal vez só tenhapara le lo em dois ou três outros even tos nacio nais, se tanto.

assume o poder José sarney, que era homem liga do ao movi men to mili -tar, à dita du ra, embo ra não à sua face mais tru cu len ta, e não car re ga va em sio cata li sa dor dos anseios da socie da de, que esta va com tancredo. Passadoquase um ano, surge o Plano cruzado que rece be ins tan ta nea men te apoioquase que unâ ni me na socie da de. vêm as elei ções para a cons ti tuin te, com opar ti do gover nis ta ele gen do a quase tota li da de dos gover na do res e a amplamaio ria dos par la men ta res, esco ra do no Plano cruzado. o plano veio a serdras ti ca men te modi fi ca do nos dias seguin tes ao plei to, geran do ampla sen sa -ção de logro.

Durante o longo pro ces so cons ti tuin te, assu miu ar de ver da de comum28

uma acin to sa relei tu ra da ora ção de são Francisco, “é dando que se rece be”,

26 a emen da cons ti tu cio nal de revi são 1/94 e as emen das 10/96 e 17/97, bem como as de núme ro12/96 e 21/99 che gam a fixar alí quo ta de tri bu tos.

27 a emen da cons ti tu cio nal que reim plan ta va as elei ções dire tas para Presidente da república, nofinal do ciclo de gover nos mili ta res ini cia dos com o movi men to de 1964.

28 talvez fosse melhor falar em opi nião públi ca, mas há no Brasil uma gran de difi cul da de em dis -tin guir o que seja opi nião públi ca e o que seja ape nas opi nião publi ca da.

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entre alguns par la men ta res e o executivo, com incon tá veis denún cias de tro -cas de favo res, con ces sões de rádios e tv’s em troca de votos nesse ou naque -le sen ti do, sem pre tendo por norte inte res ses pes soais e não nacio nais.enquanto isso, a infla ção assu mia níveis ini ma gi ná veis, direi tos eram ames -qui nha dos a cada novo plano eco nô mi co e o país tor na va-se pela pri mei ra vezem sua his tó ria fonte de emi gra ção e não des ti no de imi gra ção.

vem a pri mei ra elei ção dire ta para pre si den te e é elei to Fernando collorde Mello, que, com a retó ri ca de com ba ter as eli tes encas te la das no poder,29

apre sen ta plano mira bo lan te que con ge la a maior parte da moeda30 e con se -gue, de uma hora para outra, redu zir a um dígi to a infla ção, então em assom -bro sos 84% em um único mês. o Plano fra cas sa, a infla ção volta e os recur soscon ti nuam blo quea dos, con tra tos são vio la dos e, mais adian te, a socie da de vê,estar re ci da, uma briga fami liar tra zer à tona atos de cor rup ção, enri que ci men -to ilí ci to e um rosá rio de infra ções que, pouco tempo antes, nem mesmo osmais radi cais teriam con se gui do ima gi nar. o povo vai às ruas, iro ni ca men tecon vo ca do pelo pró prio pre si den te, e dá iní cio a um pro ces so que desa gua riano impe di men to de collor.

Dentro dessa evo lu ção da his tó ria recen te do país, a con fian ça nos pode -res cons ti tuí dos foi sendo ero di da. Quem ocupa o cená rio como cam peão dacida da nia é o Poder Judiciário, não por sua cúpu la, mas por suas bases, quepau la ti na men te fize ram tábu la rasa do blo queio de recur sos, dos expur gos dasapli ca ções finan cei ras. somou-se tam bém a isso o ati vis mo do MinistérioPúblico, que na per cep ção comum é visto como liga do “à Justiça”.

esses fato res his tó ri cos e socio ló gi cos cau sa ram uma legi ti ma ção popu larà inter ven ção do Judiciário em deci sões da administração e do legislativo,bem como deu a alguns de seus mem bros certa sen sa ção de “cam peões da cida -da nia”, isso tudo asso cia do a um pré-con cei to de que as deci sões gover na men -tais, exe cu ti vas ou legis la ti vas, não tinham a coisa públi ca e o bem comum etão ele va da conta quan to deve riam.

Neste sen ti do, o inte res san te estu do socio ló gi co “o corpo e a alma daMagistratura Brasileira”31 mos tra que ao lado de um desen can to com o estado

29 era o “caça dor de mara jás”.30 em eco no mia, há qua tro con cei tos de moeda, cha ma dos de M1, M2, M3 e M4. M1 é o dinhei ro

físi co em cir cu la ção mais os depó si tos a vista. M2 inclui os títu los do gover no, M3 inclui os depó -si tos a prazo, como cDB’s, rDB’s, e M4 inclui todos os ati vos finan cei ros que podem ser tor na -dos líqui dos ( letras, depó si tos a prazo). o Plano collor blo queou todos os ati vos finan cei ros queexce diam o limi te de 50 mil cru zei ros.

31 viaN Na, luiz Werneck; car va lho, Maria alice rezende de; Melo, Manuel Palácioscunha; e Bur Gos, Marcelo Baumann. corpo e alma da Magistratura Brasileira. rio de Janeiro:revaN, 1997.

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como dimen são cru cial à vida moder na, fruto em parte do des gas te sofri do nasduas déca das de regi me auto ri tá rio,32 “83% dos juí zes assi na la ram que ‘o PoderJudiciário não é neutro’ e que ‘em suas deci sões, o magis tra do deve inter pre tara lei no sen ti do de apro xi má-la dos pro ces sos sociais subs tan ti vos e, assim, influir na mudan ça social’”.33 Prosseguem os pes qui sa do res afir man do:

o cote jo desse posi cio na men to com os demais que si tos do ques tio ná rioper mi tiu apreen der que o juiz bra si lei ro viven cia, tam bém ele, uma tran -si ção, uma vez que, sem se des pren der intei ra men te das gran des refe rên -cias da sua for ma ção dou tri ná ria, ins ti tuí das no campo da civil law e doposi ti vis mo jurí di co, tal influên cia encon tra-se rela ti vi za da pelo fato deele se enten der como um agen te efe ti vo do pro ces so de pro du ção doDireito, ins ta lan do-se, de algum modo, no campo polí ti co-cul tu ral dacom mon law.34

tivemos, por tan to, uma sobre va lo ri za ção dos meios judi ciais de con tro -le e uma sub va lo ri za ção dos meios não judi ciais, como a opi nião públi ca, asmani fes ta ções popu la res e, prin ci pal men te, o voto.

3. a ques tão da saúde

a ques tão do aces so a tra ta men tos médi cos é pro ble ma no mundo intei -ro. Mesmo nos estados unidos, país que gasta 13,6% de seu PiB em saúde, ouus$ 1 tri lhão por ano, o maior gasto nesse setor, seja em ter mos abso lu tos, sejaem ter mos rela ti vos, o pro ble ma é grave, com 17% da popu la ção não pos suin -do nenhum tipo de segu ro-saúde, só sendo aten di dos em emer gên cias, clí ni -cas de cari da de ou, obvia men te, se paga rem.35 Mesmo para aque les que têmcober tu ra do Medicaid36 a situa ção não é rósea. embora haja tra ta men to asse -gu ra do à gran de maio ria dos mais pobres, não se con se gue debe lar efi cien te -men te a cárie infan til que em 80% dos casos ocor re num sub gru po que cor res -pon de a 25% do total de crian ças de 5 a 17 anos, oca sio nan do um total de 52

32 idem, p. 241.33 idem, pp. 258-259.34 idem, p. 259.35 Folha de são Paulo, 24 de maio de 1998, p. 3-3. essas pes soas não são con si de ra das pobres para

fins de enqua dra men to no Medicaid, mas não pos suem um plano de saúde pri va do.36 seguro-saúde cujo custo é divi di do entre os gover nos fede ral e esta dual, des ti na do a famí lias de

baixa renda. há um outro segu ro-saúde públi co, o Medicare, des ti na do aos ido sos que tenhamcon tri buí do por mais de 10 anos, defi cien tes físi cos e doen tes renais crô ni cos.

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milhões de horas de aula per di das por ano.37 há deman das judi ciais pug nan -do por tra ta men to médi co cus tea do pelo estado, quan do este não é dado satis -fa to ria men te, mas os tri bu nais fazem o exame caso a caso, ora pres ti gian do oscri té rios de esco lha,38 ora inva li dan do-os por que não razoá veis.39

No Brasil, embo ra não fal tem ende mias e epi de mias que gras sam milha -res de vidas,40 a ques tão rela ti va ao tra ta men to de doen ças veio à baila com aaiDs. ainda hoje, se con sul ta das as bases de juris pru dên cia dos tri bu nais,encon tra re mos deci sões rela cio na das a aiDs, a cân cer, a algu mas doen çasraras e nenhu ma rela ti va às cha ma das doen ças da misé ria.

o sur gi men to da aiDs com carac te rís ti cas epi dê mi cas colo cou umnúme ro cada vez maior de pes soas jovens com uma sen ten ça de morte lenta edegra dan te, acom pa nha da de um estig ma de repro va ção social, já que no ima -gi ná rio cole ti vo, de iní cio, a doen ça era asso cia da à pro mis cui da de no uso dedro gas inje tá veis ou em con du tas homos se xuais. a doen ça viti mou pes soas depro je ção no mundo artís ti co, inclu si ve fora do este reó ti po, geran do certacomo ção e movi men tos de pres são não só pela pre ven ção, mas tam bém paraasse gu rar uma sobre vi da digna aos doen tes. essa pres são, como difi cil men tepode ria dei xar de ser, gerou deman das judi ciais que se vale ram da pre vi sãocons ti tu cio nal inse ri da no já cita do arti go 196.

Nesses casos, os magis tra dos viam-se na difí cil situa ção de se con fron ta -rem com a pos si bi li da de de negar remé dios indis pen sá veis à sobre vi da não de“ alguém”, mas de uma pes soa com nome, sobre no me, iden ti da de e ins cri çãono cadas tro das pes soas físi cas. Do outro lado, encon tra va-se o Poder Público,com recur sos sabi da men te mal empre ga dos e, algu mas vezes, defen di do emjuízo com argu men tos que soa vam insig ni fi can tes ante uma vida huma nadeter mi na da, como, por exem plo, tra tar-se de maté ria incluí da na dis cri cio na -rie da de admi nis tra ti va ou mesmo mais pro sai cas, como depen der a aqui si çãodo medi ca men to vital para a sobre vi da do pacien te do tér mi no de pro ce di -men to lici ta tó rio ainda em curso.41

o sur gi men to de limi na res aqui ou ali empol gou os inte res sa dos, sejamdoen tes, sejam gru pos de apoio, a ajui zar deman das, que pau la ti na men te foram

37 the New York times on the web, edi ção de 26 de junho de 1999.38 New York court of appeals, Golf v. New York Dep’t of soc. servs. (http://www.law.cor -

nell.edu/ny/ctap/i98_0025.htm).39 New York court of appeals, hernandez v. Barrios-Paoli. Decisão noti cia da no New York law

Journal, edi ção de 22 de outu bro de 1999.40 segundo dados do Ministério da saúde, uma em cada dez mor tes no Brasil ocor re sem assis tên cia

médi ca. em estados como a Paraíba, o per cen tual chega a assus ta do res 49%. Fonte: Folha de sãoPaulo, 02/08/98, pp. 3.1 e 3.2.

41 tJes, 1ª c. civ., rel. Des. subst. samuel Meira Brasil Júnior, Ms 100980003394, j. 25.06.98.

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sendo aten di das e, no esteio, por ta do res de outras molés tias foram sendo aten -di dos. evidentemente, é bas tan te difí cil para qual quer pes soa dizer não em umcaso saben do que disso pode resul tar a perda de uma vida. isso pode ser cap ta -do nas pala vras de um dos inte gran tes da suprema corte americana, Justicestewart: “uma regra abso lu ta proi bin do a cen su ra pré via que possa pro var esta -tis ti ca men te cus tar várias cen te nas de vidas toca aos magis tra dos dife ren te -men te da deci são, em um caso espe cí fi co, quan to a per mi tir uma publi ca çãoquan do se sabe que uma cen te na de vidas serão per di das como resul ta do”.42

4. os posi cio na men tos judi ciais

o tribunal de Justiça de santa catarina, ao jul gar o agravo de instrumentonº 97.000511-3, rel. Des. sérgio Paladino enten deu que o direi to à saúde, garan -ti do na constituição, seria sufi cien te para orde nar ao estado, limi nar men te semoiti va, o cus teio de tra ta men to ainda expe ri men tal, nos estados unidos, demenor víti ma de dis tro fia mus cu lar pro gres si va de Duchenne, ao custo deus$ 163,000.00, muito embo ra não hou ves se com pro va ção da efi cá cia do tra ta -men to para a doen ça, cuja ori gem é gené ti ca. Nesse jul ga do, que ser viu de para -dig ma ao tJsc para vários outros casos rela cio na dos a tra ta men to médi co, foiasse ve ra do que: “ao jul ga dor não é líci to, com efei to, negar tute la a esses direi -tos natu rais de pri mei rís si ma gran de za sob o argu men to de pro te ger o erário”,43

como fun da men to para repe lir o argu men to do estado de santa catarina, agra -van te, de que a deci são que con ce de ra a limi nar vio la va os arti gos 100 e 167, i,ii e vi, da constituição Federal.44

42 No ori gi nal: “an abso lu te rule for bid ding prior cen sors hip which can be sta tis ti cally shown tocost many hun dreds of lives stri kes us dif fe rently form a deci sion in a spe ci fic case to allow publi -ca tion when we know that a hun dred lives will be lost as a result”. New York times co. v. unitedstates, 403 u. s. 713 (1971), apud cala Bre si, Guido & BoB Bitt, Philip. tragic choices. NewYork: Norton, 1978, p. 40, trad. nossa.outra refe rên cia inte res san te que se encon tra na mesma obra, demons tran do a dife ren ça na toma -da de deci sões in gene re e in con cre to, está na nota 2 da pági na 221, na qual os auto res citam umexem plo dado por charles Fried (an anatomy of values. cambridge, Mass.: harvard universityPress, 1970, p. 307), do caso de uma mine ra do ra que não se recu sa em gas tar uma vasta soma parares ga tar uns pou cos minei ros soter ra dos mas não se dis põe a gas tar uma soma pro por cio nal men temenor para sal var um vasto núme ro de vidas atra vés de melho res padrões de segu ran ça.

43 o acór dão foi obti do pela inter net como arqui vo de texto, não sendo pos sí vel citar a pági na noori gi nal.

44 o stF, em deci são de seu pre si den te, Min. celso de Mello, negou pedi do de sus pen são dos efei -tos da limi nar por grave lesão à ordem e à eco no mia públi ca, soli ci ta da pelo estado de santacatarina, quan to a deter mi na ção de cus tear com o tra ta men to nos eua da dis tro fia mus cu lar pro -gres si va de Duchenne (peti ção nº 1.246-1, Dou de 13.2.97).

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todavia, em outro caso no qual se dis cu tia o dever de o estado, agora desão Paulo, dar o mesmo tra ta men to para pacien tes meno res de idade por ta do -res da mesma doen ça, o tribunal de Justiça local afas tou a pos si bi li da de da limi -nar, asse ve ran do que: “Não se há de per mi tir que um poder se imis cua em outro,inva din do esfe ra de sua atua ção espe cí fi ca sob o pre tex to da ina fas ta bi li da de docon tro le juris di cio nal e o argu men to do pre va le ci men to do bem maior da vida.o res pec ti vo exer cí cio não mos tra ampli tu de bas tan te para sujei tar ao Judiciárioexame das pro gra ma ções, pla ne ja men tos e ati vi da des pró prias do executivo,subs ti tuin do-o na polí ti ca de esco lha de prio ri da des na área de saúde, atri buin -do-lhe encar gos sem o conhe ci men to da exis tên cia de recur sos para tanto sufi -cien tes. em suma: juri di ca men te impos sí vel impor-se sob pena de lesão ao prin -cí pio cons ti tu cio nal da inde pen dên cia e har mo nia dos pode res obri ga ção defazer, subor di na da a cri té rios, tipi ca men te admi nis tra ti vos, de opor tu ni da de econ ve niên cia, tal como já se deci diu (...)”45 em um dos casos. em outro, assen -tou que: “o direi to à saúde pre vis to nos dis po si ti vos cons ti tu cio nais cita dos peloagra van te”,46 os arts. 196 e 227 da cF/88, ape nas são garan ti dos pelo estado, deforma indis cri mi na da, “quan do se deter mi na a vaci na ção em massa con tra certadoen ça, quan do se isola uma deter mi na da área onde apa re ceu uma certa epi de -mia, para evi tar a sua pro pa ga ção, quan do se ins pe cio nam ali men tos e remé diosque serão dis tri buí dos à popu la ção etc.”,47 mas que “quan do um deter mi na domal atin ge uma pes soa em par ti cu lar, carac te ri zan do-se, como no caso, num malcon gê ni to a deman dar tra ta men to médi co-hos pi ta lar e até trans plan te de órgão,não mais se pode exi gir do estado de forma gra tui ta, o cus teio da tera pia, mas sóden tro do sis te ma pre vi den ciá rio”.48 Nesse acór dão res tou afir ma do que o direi -to a tra ta men to espe cí fi co de doen ça em deter mi na do pacien te está con di cio na -do à filia ção da pes soa a um dado sis te ma pre vi den ciá rio e, ainda, a esse sis te ma“pre ver (dis cu tir) o tra ta men to”.49

vê-se, nes sas três deci sões, três con cep ções abso lu ta men te dís pa res. Parao tribunal de santa catarina, o direi to à saúde é incon tras tá vel e abso lu to,deven do o estado acatá-lo em qual quer caso, sendo mesmo defe so aoJudiciário com pa rar esse direi to com as pos si bi li da des do Fisco. Já para deci -são da 9ª câmara de Direito Público do tJsP, o direi to à saúde limi tar-se-ia à

45 tJsP, 2ª câmara de Direito Público, rel. Des. alves Bevilacqua, ag. inst. nº 42.530.5/4, j.11/11/1997.

46 tJsP, 9ª câmara de Direito Público, rel. Des. rui cascaldi, agr. instr. 48.608-5/4, jul ga do em11/02/1998, unâ ni me, 2ª pági na do voto do rela tor.

47 idem, pp. 2 e 3.48 ibidem, p. 3.49 ibidem.

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neces si da de de o estado desen vol ver polí ti cas públi cas de saúde,50 enquan to otra ta men to de doen ças depen de ria da filia ção a um sis te ma de pre vi dên cia e àcober tu ra dada por esse sis te ma. a deci são da 2ª câmara do mesmo tri bu nal,ao seu turno, enten deu que o direi to à saúde era dita do por polí ti cas públi casdes ti na das a geren ciar recur sos escas sos, sendo juri di ca men te impos sí vel aoJudiciário imis cuir-se na ques tão. todas as deci sões foram toma das peran te amesma situa ção: um menor víti ma de doen ça con gê ni ta, de ori gem gené ti ca,a dis tro fia mus cu lar pro gres si va de Duchenne.

esse dis sen so na exe ge se do que seja o “direi to à saúde” pro vo ca atémesmo situa ções insó li tas e iní quas como a ocor ri da no Pro ces so nº 351/99 na14ª vara da Fazenda Pública de são Paulo, no qual um menor impú be re, víti -ma da dis tro fia mus cu lar pro gres si va de Duchenne obte ve limi nar para que oestado de são Paulo arcas se com r$ 174.500,00 equi va len tes ao valor em dóla -res neces sá rios ao tra ta men to, ao fun da men to de que o direi to à vida pre pon -de ra ria sobre qual quer outro, ao passo que a sen ten ça jul gou impro ce den te suademan da e revo gou a ante ci pa ção de tute la, deter mi nan do a devo lu ção daquan tia levan ta da, “sob as penas civis e cri mi nais cabí veis”, ao argu men to deque o direi to à saúde garan ti do pela constituição deve ria ser cum pri do den trodos limi tes das ver bas alo ca das à saúde, deven do o Governante, “segun do oscri té rios de con ve niên cia e opor tu ni da de, pro cu rar aten der aos inte res ses detoda a cole ti vi da de de manei ra ‘uni ver sal e igualitária’ para cum prir a normacons ti tu cio nal. assim, o bene fí cio a um único cida dão, como no caso do autor,pre ju di ca o res tan te da cole ti vi da de de cida dãos, que vêem as ver bas des ti na -das à saúde dimi nuí rem sen si vel men te, em detri men to de suas neces si da -des”.51 seja qual for a con cep ção jurí di ca que se tenha, dar a um pai o dinhei -ro para o tra ta men to do filho doen te e depois exi gir esse dinhei ro de volta,com ou sem as “penas civis e cri mi nais cabí veis” soa como algo per ver so.

vale tam bém men cio nar outra deci são, essa de pri mei ra ins tân cia, queembo ra não trate de saúde, englo ba o mesmo pro ble ma obje to deste tra ba lho.Na representação nº 13/99, for mu la da pelo Ministério Público do estado desão Paulo peran te o Departamento de execuções da infância e Juventude dacapital, o Juízo, “em aná li se per func tó ria da ques tão”, cons ta tou que o esta dode fato vivi do nas depen dên cias da Fundação estadual do Bem-estar doMenor não vinha aten den do ao dis pos to nos arti gos 94, 123, 124 e 125 doestatuto da criança e do adolescente e, por tan to, vio lan do seus direi tos fun -

50 o acór dão não toca na ques tão, mas, como for mu la do, pare ce enten der não haver direi to sub je -ti vo cor re la to ao “direi to à saúde”, já que as polí ti cas públi cas de saúde são diri gi das à gene ra li da -de da popu la ção.

51 sentença pro fe ri da no pro ces so.

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da men tais, razão pela qual deter mi nou o afas ta men to pro vi só rio do pre si den -te da fun da ção e de vários diri gen tes e, no prazo máxi mo de 30 dias, fosse pro -vi den cia do outro local para rece bi men to de jovens, fosse por aqui si ção,amplia ção, loca ção, deso cu pa ção, bem como várias outras pro vi dên cias paraade quar a rea li da de dos fatos àque la pre vis ta nas leis, em pra zos que varia ramde 30 a 90 dias.

No estado do rio de Janeiro não cons ta haver pre ce den te quan to à dis -tro fia mus cu lar pro gres si va de Duchenne, mas há vários rela ti vos a aiDs e umrela ti vo a cân cer.52 No jul ga men to do agravo de instrumento nº 1081/97, a 4ªcâmara cível deci diu que embo ra o estado tenha ale ga do “que o for ne ci men -to se faz con for me pos sí vel, sendo notó ria a insu fi ciên cia de recur sos”, demodo que “o aten di men to de casos iso la dos torna o pro gra ma inad mi nis trá -vel”, “o estado, cuja admi nis tra ção é difí cil, tem recur sos nem sem pre bemempre ga dos, notan do-se que, nos últi mos anos, houve desa pa re lha men to dosser vi ços de saúde, pro li fe ran do os pla nos pri va dos de segu ro saúde, que, noentan to, não acei tam segu rar doen ças como a dos agra va dos, ante o alas tra -men to. sabemos que as des pe sas são ele va das. Mas é ine gá vel que, quan to à lei,pre va le ce a constituição (...). (...), mesmo por que, em casos seme lhan tes, orisco de vida suplan ta con si de ra ções jurí di cas e a norma da lei Maior devepre va le cer sem pre”.53 Mais recen te men te, a mesma câmara, agora com com -po si ção diver sa, assen tou que “par ti ci pan do o estado do Programa Nacional deDst/aiDs, decor re a con clu são de exis ti rem ver bas para a con se cu ção domesmo, e, mais adian te, do que, para tanto há neces sa ria men te pre vi são orça -men tá ria. o segun do é o de que, ainda que assim não o fosse, toda via, há aneces si da de de pro cla mar-se aqui a prio ri da de dos valo res de vida e de saúde,cons ti tu cio nal e eti ca men te con sa gra dos, sobre um prin cí pio mera men te defina li da de fis cal invo ca do pelo ente públi co, que deve àque le se sub me ter”.54

a 6ª câmara, no jul ga men to da ap. civ. nº 7.109/98, seguin do o voto do rela -tor, assen tou que “a obri ga ção de o estado for ne cer os medi ca men tos, na hipó -te se ver ten te, ema na da de texto cons ti tu cio nal, como sabi do, não lhe sendoper mi ti do exo ne rar-se desse com pro mis so de assis tên cia social”, bem como ser“ines ca pá vel a obri ga ção de serem sub mi nis tra dos os medi ca men tos que setor nem neces sá rios, pro vi dên cia mar ca da men te indis pen sá vel e impo si ti va,dian te das deter mi na ções da lei Maior”.55 a 7ª câmara, no jul ga men to da ap.

52 Pesquisa atua li za da em outu bro de 1999.53 rel. Des. semy Glanz, unâ ni me, j. 12/08/97, fls. 101 e 102 dos autos.54 rel. Des. luiz eduardo rabello, unâ ni me, j. 27/04/99, fl. 174 dos autos.55 rel. Des. albano Mattos corrêa, j. 27/04/99, fl. 236 dos autos.

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civ. nº 6.684/98, assen tou, logo na emen ta, quan to ao direi to ao rece bi men todos medi ca men tos, que “pres cin de sua exe cu ção, pela natu re za cons ti tu cio naldo direi to outor ga do, de pre vi são orça men tá ria, impon do-se aos estados ajus -ta rem suas dis po ni bi li da des para ser cum pri da”.56 a mesma câmara, comoutra com po si ção, assen tou ao jul gar a ap. civ. nº 762/98:

“Quanto à argüi da des con si de ra ção da sen ten ça ape la da as nor mas dosarti gos 167, ii, e 195, § 5º, da c. Federal, na ver da de, não está pre sen te:os requi si tos de exis tên cia de fonte de cus teio e de pre vi são orça men tá -ria, de que fala a ape lan te, devem ser vis tos como ante ci pa da men tepreen chi dos, pois pare ce claro que, se no arti go 290, Xviii, da cartaestadual, é impos ta ao estado a obri ga ção de for ne cer às pes soas caren -tes os medi ca men tos essen ciais à pre ser va ção de suas vidas, em se tra tan -do, como se trata, de pre vi são cons ti tu cio nal, pare ce evi den te que oestado deve ter pla ni fi ca do em seu orça men to os recur sos neces sá rios aocum pri men to de tal obri ga ção cons ti tu cio nal, recur sos esses que, dequal quer forma, esta rão sem pre refor ça dos pelos repas ses de con tri bui -ções do s.u.s., fei tas pela união Federal.”57

ainda no tribunal de Justiça do estado do rio de Janeiro, a 9ª câmara,no jul ga men to da ap. civ. nº 2.835/98, assen tou que “não com por ta cabi men -to a defe sa do apelante negar o dever de assu mir tais encar gos, a pre tex to devio la ção ao prin cí pio do orça men to e da que bra da har mo nia e inde pen dên ciade Poderes, é, na ver da de, vio lar o prin cí pio da razoa bi li da de e da lega li da -de”.58 a mesma câmara, com ligei ra modi fi ca ção em sua com po si ção, assen -tou no jul ga men to da ap. civ. 7.269/98, não pode rem o estado e o Municípiorecu sa rem o for ne ci men to dos medi ca men tos aos por ta do res do vírus hiv,afas tan do a exi gên cia orça men tá ria com o mesmo texto acima trans cri to,extraí do da ap. civ. nº 6.684/98, jul ga da pela 7ª câmara cível.

vale des ta car dos jul ga dos acima o acór dão pro fe ri do pela 2ª câmaracível no Duplo Grau de Jurisdição nº 207/97,59 cujos argu men tos não des toamdos demais, mas se sin gu la ri za por ter sido a ação movi da ape nas con tra oMunicípio de cabo Frio.

56 rel. Des. luiz roldão, unâ ni me, j. 22/09/98, fl. 167 dos autos.57 relª Desª Áurea Pimentel Pereira, unâ ni me, j. 28/04/98, fl. 87 dos autos.58 rel. Des. laerson Mauro, unâ ni me, j. 15/09/98, fl. 119 dos autos.59 rel. Des. sérgio cavalieri Filho, unâ ni me, j. 11/11/97.

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5. Questões não enfren ta das nos jul ga dos: micro jus ti ça xmacro jus ti ça

os acór dãos acima que reco nhe ce ram haver direi to sub je ti vo ao rece bi -men to de tra ta men to médi co afas ta ram qual quer con si de ra ção orça men tá ria.ocorre que as deman das, inclu si ve por tra ta men to médi co, são vora zes: elasdevo ram os recur sos, para fra sean do o filó so fo charles Fried.60 os recur sos sãointrin se ca men te escas sos, ainda mais no que tange à medi ci na. todas as esta -tís ti cas exis ten tes sobre gas tos com saúde, em todos os paí ses, mos tram umapro gres são quase que geo mé tri ca e isso não resul ta de uma “bata lha per di da”,muito pelo con trá rio. É o êxito no com ba te à mor ta li da de infan til que trazmais pes soas para a idade adul ta, quan do sofre rão com doen ças cujo tra ta men -to é mais sofis ti ca do e caro. o êxito em um tra ta men to leva rá a que outro,mais tarde, se faça neces sá rio.

esse pro ble ma é bem níti do no Brasil, onde a desi gual da de social faz comque parte da socie da de já sofra doen ças “moder nas” ou “da rique za”, assim as con -si de ra das como típi cas de paí ses mais desen vol vi dos, ao passo que outra par ce laainda sofre com “doen ças da misé ria”, como febre ama re la, cóle ra e malá ria.61

em entre vis ta con ce di da ao jor nal Folha de são Paulo,62 o infec to lo gis taDavid uip, pro fes sor da Faculdade de Medicina da usP e dire tor de uma enti -da de de apoio a aidé ti cos, afir mou quan to ao aten di men to uni ver sal pro pos -to63 na constituição: “acho que isso é um enga no de retó ri ca: não há recur sospara aten der todos com dig ni da de. acho que o estado tem de saber até ondepode che gar, e a socie da de vai ter de se virar para fazer o resto. o mode lo jáestá pron to. (...). se você tira do sus os 41 milhões de pes soas que têm planode saúde, o aten di men to para quem fica vai melho rar.”

em arti go publi ca do no mesmo jor nal, o Professor cristovam Buarqueescre veu:

“Mas os dados mos tra ram tam bém que o Brasil tem um dos mais ele va -dos índi ces de vaci na ção con tra a polio mie li te em todo o mundo. somos

60 No ori gi nal: “Needs are vora cious; they eat up resour ces”. FrieD, charles. right and Wrong.cambridge, Mass, 1978, p. 122, apud Wal zer, Michael. spheres of Justice. Basic Books, 1983,p. 67.

61 Folha de são Paulo, 24 de maio de 1998, pp. 3.2 e 27 de maio de 1998, pp. 3-8.62 edição de 29 de maio de 1998, p. 3-9.63 “Proposto” é a pala vra que está na per gun ta for mu la da. embora a pala vra seja tec ni ca men te

impró pria em um texto jurí di co, a man te mos por que, a rigor, toda a dis cus são no pre sen te tra ba -lho visa saber qual norma deve ser extraí da da lei tu ra do dis po si ti vo cons ti tu cio nal.

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equi va len tes à itália na vaci na ção, mas pio res que honduras na mor ta li -da de infan til. isso tem uma lógi ca.

a polio mie li te não faz dis tin ção de clas ses sociais. Democraticamente,seu vírus ataca crian ças de todas as ren das, enquan to a mor ta li da de infan til secon cen tra nas pobres.

o Brasil tem padrões de Primeiro Mundo em todas as maze las que atin -gem igual men te ricos e pobres, como é o caso da polio mie li te e da aids; ou nosassun tos que bene fi ciam ape nas os ricos, como a qua li da de indus trial, os aero -por tos. Mas man tém-se entre os pio res do mundo naqui lo que pode ser limi -ta do aos pobres, como a des nu tri ção, a edu ca ção, a saúde.”64

se os recur sos são escas sos, como são, é neces sá rio que se façam deci sõesalo ca ti vas: quem aten der? Quais os cri té rios de sele ção? Prognósticos de cura?Fila de espe ra? Maximização de resul ta dos (núme ro de vidas salva por cadamil reais gasto, p. ex.)? Quem con se gue pri mei ro uma limi nar?65 tratando-sede uma deci são, nos pare ce intui ti va a neces si da de de moti va ção e con tro ledos cri té rios de esco lha, uma pres ta ção de con tas à socie da de do por quê pre -fe riu-se aten der a uma situa ção e não à outra.

imaginar que não haja esco lhas trá gi cas, que não haja escas sez, que oestado possa sem pre pro ver as neces si da des nos pare ce ou uma ques tão de fé,no sen ti do que lhe dá o escri tor aos hebreus: a cer te za de coi sas que se espe -ram, a con vic ção de fatos que se não veem,66 ou uma nega ção total aos direi -tos indi vi duais. se o estado está obri ga do a sem pre ter recur sos para pres tar asuti li da des que lhe são deman da das, ao menos no campo de saúde, então, pordever de coe rên cia, há que se reco nhe cer o direi to de obter esses recur sos.Mas seja no campo da recei ta públi ca, seja no campo da pró pria con ten ção degas tos, há direi tos indi vi duais, como as garan tias tri bu tá rias, a veda ção ao con -fis co, o direi to à per cep ção dos ven ci men tos e pro ven tos. indo um poucoalém, se pode ria dizer que a constituição não faz dis tin ção entre doen ças e,assim, os que neces si tam de trans plan te têm o direi to de obter o tra ta men toefi caz, o trans plan te. Mas como o estado pode rá obter os meios sem ser, nova -

64 Buar Que, cristovam. “a lógi ca da ver go nha”. Folha de são Paulo, 22 de dezem bro de 1999,pp. 1-3.

65 a Folha de são Paulo, nas edi ções de 21 e de 23 de dezem bro de 1999 (pp. 3-1 e 3-7) noti ciou ocaso de um apo sen ta do que era o 49º da fila para ser ope ra do de cân cer na bexi ga, mas obte velimi nar para ser ope ra do de ime dia to. com isso, obvia men te os que esta vam posi cio na dos mais àfren te na fila terão que aguar dar mais.

66 hb 11.1

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men te, da socie da de atra vés da reti ra da de órgãos daque les que estão commorte cere bral diag nos ti ca da?

vê-se, por tan to, ser difi cil men te defen sá vel um direi to “abso lu to” à saú -de, ou melhor, ao tra ta men to médi co ade qua do, ao menos sem que se fun da -men te o cri té rio de opção na coli são desse “direi to” com nor mas cons ti tu cio -nais como a iso no mia, a impes soa li da de e a moti va ção, que deman dam a ado -ção de cri té rios cla ros e sin di cá veis na alo ca ção de recur sos escas sos, ainda quea sin di ca bi li da de seja pelo voto; a garan tia à pro prie da de, seja atra vés das re grastri bu tá rias, seja atra vés da veda ção ao con fis co; ou no direi to à inti mi da de e aliber da de de cren ça, que podem levar a uma recu sa em ser doa dor de órgãos.

Não se trata, por óbvio, de uma defi ciên cia dos jul ga dos, mas de umacarac te rís ti ca das deci sões judi ciais. o Judiciário está apa re lha do para deci dircasos con cre tos, lides espe cí fi cas que lhe são pos tas. trata ele, por tan to, damicro jus ti ça, da jus ti ça do caso con cre to. o Judiciário, usual men te, só trans -cen de do caso con cre to em ques tões pro ces suais, rela cio na das à cele ri da de pro -ces sual e ao aces so à Justiça. Nesses casos, com fre quên cia – e acer to – renun -cia a um pro ce di men to ideal men te justo, no qual as par tes pos sam pra ti car aampla defe sa com a pro du ção de todas as pro vas que se façam neces sá rias, emprol de um pro ce di men to céle re, com rígi das regras de pre clu são e limi tes àdefe sa, nota da men te quan to a recur sos. o dile ma tal vez possa ser resu mi do daseguin te manei ra: sen ten ça tar dia é injus ta inde pen den te men te de seu con teú -do mate rial. a se asse gu rar a mais ampla pos si bi li da de de argu men ta ção e depro du ção de pro vas, em todos os pro ces sos, a solu ção final tar da ria bem maisque o supor tá vel, tor nan do-a intrin se ca men te injus ta, como já colo ca do. umpro ce di men to céle re, com limi ta ções à argu men ta ção à pro du ção de pro vas,67

e à pos si bi li da de de recur sos gera rá um per cen tual de deci sões incor re tas, inde -ter mi ná veis a prio ri, mas entre entre gar na gran de maio ria dos casos sen ten çasinjus tas por que tar dias68 e assu mir o risco de um grau de imper fei ção no exer -cí cio juris di cio nal, opta-se pela segun da pos si bi li da de.69

a jus ti ça do caso con cre to deve ser sem pre aque la que possa ser asse gu -ra da a todos que estão ou pos sam vir a estar em situa ção simi lar, sob pena dese que brar a iso no mia.70 esta é a ten são entre micro e macro jus ti ça.

67 como exi gir que os docu men tos venham com a ini cial ou com a con tes ta ção.68 e ainda com o risco de serem tar dias e errô neas.69 cf. a deci são da suprema corte americana no caso Matthews v. eldridge, 424 u.s. 319 (1974),

espe cial men te a parte trans cri ta em nota no item 1.1 do capí tu lo 3.70 De certa forma, a ideia de a capa ci da de de asse gu rar o bem jurí di co a todos jus ti fi car res tri ção na

frui ção desse bem encon tra-se desen vol vi da em raWls, John. uma teoria da Justiça. trad.carlos Pinto correia. lisboa: Presença, 1993, cap. iv, embo ra tra tan do da liber da de.

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6. a ques tão a ser res pon di da

a des pei to disso, temos um texto cons ti tu cio nal que diz ser a saúde direi -to de todos e dever do estado. cumpre dizer que direi to é esse. este o pro pó -si to do tra ba lho. Manteremos cons tan te refe rên cia à ques tão da saúde, mascomo se verá, a res pos ta não abran ge ape nas o arti go 196 da constituição, asaúde ou a segu ri da de social, abran ge uma outra cate go ria jurí di ca que com -põe esses direi tos, as pre ten sões a pres ta ções posi ti vas.

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capítulo 2o con teú do do “direi to”

sumário. 1. insuficiência da palavra “direito”; 2. evolução dos direitos fundamentais;3. conteúdo dos Direitos Fundamentais e exigibilidade: os direitos negativos e os direi -tos positivos.

1. insuficiência da pala vra “direi to”

antes que se possa real men te dis cu tir sobre a efi cá cia e abran gên cia de um“direi to” nos pare ce ser impres cin dí vel dis cu tir a essên cia, o ser desse “direi to”.Para isso tem-se a ciência do Direito. Não se tem dúvi da de que o Direito é umaciên cia cujo ins tru men to e obje to de tra ba lho, simul ta nea men te, é, den tre outros, a pala vra. Pode-se tal vez dizer que da mesma forma que não será fácilfazer os estu dos da Física Mecânica sem ins tru men tos afe ri dos, não é fácil fazera ciência do Direito sem algu ma pre ci são voca bu lar. contudo, tal vez uma daspala vras mais polis sê mi cas em Direito seja, exa ta men te, “direi to”. contandoape nas os sig ni fi ca dos do empre go da pala vra no subs tan ti vo e, ainda assim, queguar dem per ti nên cia com a Jurisprudência – outra pala vra polis sê mi ca, encon -tra mos no Dicionário aurélio dez acep ções. Não se trata de um par ti cu la ris modo por tu guês. em inglês a pala vra law tem pelo menos deze no ve sen ti dos,1 e apala vra right, enquan to subs tan ti vo, tem ao menos dez sig ni fi ca ções2 de algu maforma apli cá veis à ideia de “direi to” que aqui se está a falar.

a impre ci são das pala vras no mundo jurí di co já foi nota da por diver sosjuris tas. Kelsen, em sua teoria Pura, asse ve ra que o enten di men to da essên ciado direi to sub je ti vo é difi cul ta do pelo fato de com esta pala vra serem desig na -das várias situa ções muito dife ren tes umas das outras.3 alf ross chega a afir -mar que “con cluir que sería desea ble que las expo si cio nes doc tri na rias deldere cho vigen te eli mi na ran el con cep to de deber. en lugar de ope rar com estetér mi no ina de cua do con ven dría más ate ner se sim ple men te a la cone xión jurí -di co-fun cio nal entre los hechos con di cio nan tes y las reac cio nes con di cio na -das.”, mas reco nhe ce que “sería muy difí cil, sin embar go, lle var a cabo esa

1 Webster’s New universal unabridged Dictionary, Nova York, 1996.2 idem, sig ni fi ca dos 19 a 28.3 Kel seN, hans. teoria Pura do Direito. trad. João Baptista Machado. são Paulo: Martins Fontes,

1991, p. 139.

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idea. el mundo de los con cep tos tra di cio na les, y la difi cul tad de rom per conpun tos de vista ideo ló gi cos, se opo nen a ella.”4

ross chega a defen der uma ter mi no lo gia melho ra da,5 toman do por baseo sis te ma ela bo ra do por hohfeld.

hohfeld, em sua obra, demons tra a impre ci são dos ter mos jurí di cos,exem pli fi can do que a pala vra “pro prie da de” às vezes é empre ga da para indi -car o obje to físi co com o qual se rela cio nam vários direi tos, pri vi lé gios etc.,enquan to outras vezes é usada para deno tar o inte res se jurí di co ou con jun tode rela ções jurí di cas que cor res pon dem a tal obje to físi co.6 o mesmo se dácom inú me ras outras pala vras e expres sões, como con tra to, obri ga ção, poder.Para ele, “buena parte de la difi cul tad, en lo que atañe a la ter mi no lo gía jurí -di ca, se ori gi na en el hecho de que muchas de nues tras pala bras solo eran apli -ca bles ori gi na ria men te a cosas físi cas, de modo que su uso en cone xión conrela cio nes jurí di cas es, hablan do estric ta men te, figu ra ti vo o fic ti cio”.7

Mais adian te, afir ma o mesmo autor, com total pro prie da de:

uno de los obs tá cu los mayo res a la com preen sión clara, enun cia ciónaguda y solu ción ver da de ra de los pro ble mas jurí di cos, surge com fre -cuen cia de la supo si ción expre sa o táci ta de que todas las rela cio nes jurí -di cas pue dem ser redu ci das a ‘ derechos’ (sub je ti vos) y ‘ deberes’, y de queestas últi mas cate go rías son, por lo tanto, ade cua das para ana li zar losinte re ses jurí di cos más com pli ca dos, tales como trusts, opcio nes de com -pra, escrows, inte re ses ‘ futuros’, inte re ses de per so nas colec ti vas, etcé te -ra. aun cuan do la difi cul tad se vin cu la ra exclu si va men te com lo ina de -cua do y ambi guo de la ter mi no lo gía, la serie dad de aquél la jus ti fi ca ría,empe ro, que se la con si de re mere ce do ra de um claro reco no ci mien to yde esfuer zos per sis ten tes para mejo rar las cosas; por que en cual quier pro -ble ma razo na do cui da do sa men te, ya sea um pro ble ma jurí di co como deoutro tipo, las pala bras ‘ camaleón’ cons ti tu yen um peli gro tanto para elpen sa mien to claro como para la expres sión lúci da. en los hechos, empe -ro, la men cio na da falta de ade cua ción y la ambi güe dad de tér mi nosinfor tu na da men te refle jan, com dema sia da fre cuen cia, la cor res pon dien -

4 ross, alf. sobre el Derecho y la Justicia. trad. Genaro r. carrió. Buenos aires: euDe Ba, 1994,p. 154.

5 idem, pp. 155 a 162.6 hoh FelD, Wesley N. conceptos Jurídicos Fundamentales. trad. Genaro r. carrió. México:

Distribuciones Fontamara, 1995, pp. 32/33.7 idem, p. 36

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te pobre za de los con cep tos jurí di cos vigen tes y la con fu sión que impe rares pec to de ellos.8

a dou tri na jurí di ca tra di cio nal dis tin gue entre direi tos obje ti vos e direi -tos sub je ti vos, mas quan do se está a falar de direi tos peran te o estado, a dis -tin ção é no míni mo insu fi cien te. a cons ti tui ção esta be le ce diver sos prin cí piose posi ti va valo res jurí di cos que inves tem os par ti cu la res em “direi tos”.contudo, os prin cí pios e valo res não geram dire ta men te direi tos, pois ante ograu ele va do de abs tra ção, per mi tem “ vários graus de con cre ti za ção, con soan -te os con di cio na lis mos fáti cos e jurí di cos”9 e sujei tos a pon de ra ções. os prin -cí pios e valo res não se pres tam a apli ca ções sub sun ti vas, salvo após pro ces sode den si fi ca ção pelo apli ca dor. como, então, falar em direi to obje ti vo e direi -to sub je ti vo?

Parece evi den te que a situa ção jurí di ca do indi ví duo decor ren te da garan -tia cons ti tu cio nal do con tra di tó rio e ampla defe sa não é a mesma decor ren te dalega li da de tri bu tá ria. a garan tia do con tra di tó rio e ampla defe sa neces si tamedia ção legis la ti va ao menos para fixar os pra zos e não impe de a con ces são delimi na res sem a oiti va da parte, ao passo que a lega li da de tri bu tá ria é bas tan teem si. Nada obs tan te, diz-se mesmo em tex tos téc ni cos que há o “direi to” aocon tra di tó rio e à ampla defe sa e o “direi to” de não ser tri bu ta do sem lei.

“Direito” é, pois, uma das “pala vras-cama leão” que cons ti tuem um peri -go tanto ao pen sa men to claro como para a expres são lúci da a que se refe rehohfeld.10 a sim ples afir ma ção cate gó ri ca de que algo é um “direi to”, des ven -ci lha da de outras infor ma ções, não trans mi te infor ma ções sufi cien tes.

hohfeld, para livrar-se da ambi gui da de, desen vol veu qua dro esque má ti -co em que “direi to” é decom pos to em qua tro pares de opos tos jurí di cos e qua -tro pares de cor re la tos jurí di cos.11 alf ross suge re uma “ter mi no lo gia melho -ra da”, par tin do das linhas gerais do sis te ma de hohfeld, com as expres sões“dever, liber da de, facul da de e não facul da de” for man do qua tro pares de cor -re la ti vos e qua tro pares de opos tos, quan to às nor mas de con du ta, o mesmo sedando com as expres sões “sujei ção, imu ni da de, com pe tên cia e incom pe tên -cia”, quan to às nor mas de com pe tên cia.12

8 Pp. 45 a 47.9 caNo ti lho, J. J. Gomes. Direito constitucional. coimbra: almedina, 1991, p. 173.10 hoh FelD. op. cit., p. 46.11 os opos tos jurí di cos são direi to sub je ti vo x não-direi to, pri vi lé gio x dever, potes ta de x incom pe -

tên cia e imu ni da de x sujei ção. os cor re la tos jurí di cos são direi to sub je ti vo ⇔ dever, pri vi lé gio ⇔não-direi to, potes ta de ⇔ sujei ção e imu ni da de ⇔ incom pe tên cia (op. cit., p. 47).

12 ross. op. cit., p. 155.

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Já carlos santiago Nino, com base na tipo lo gia de hohfeld, Kelsen e outros, decom põe os direi tos em direi tos-liber da de, que só impli cam a ausên -cia de uma proi bi ção e não podem, por si mes mos, pro ver nenhum tipo depro te ção; direi tos auto ri za ções, “que son gene ra dos por nor mas per mi si vaspero que su esta tus como per te ne cien tes a una cate go ría autó no ma, o comoreduc ti bles a algu na de las otras, depen de de cómo sean con ce bi das esas nor -mas per mi si vas”; direi tos-pri vi lé gio, que são cor re la ti vos de obri ga ções ati vasou pas si vas de outras pes soas, sejam per ten cen tes a cer tas clas ses espe cí fi cas oua uma clas se uni ver sal; direi tos-ação, que incluem a pos si bi li da de de acio naralgum órgão para fazer cum prir as obri ga ções cor re la ti vas; direi tos-com pe tên -cia, que englo bam a capa ci da de de emi tir nor mas para alte rar a rela ção jurí di -ca de outras pes soas; e, final men te, direi tos-imu ni da de, que são cor re la ti vos àfalta de com pe tên cia de outros para alte rar a situa ção jurí di ca de seu titu lar.13

No campo dos direi tos fun da men tais, cum pre notar que Peces-Barbacome ça a tra tar dos “pro ble mas gene ra les” com um capí tu lo dedi ca do à“apro xi ma ción lin güís ti ca”, no qual se preo cu pa em defi nir o sig ni fi ca do de várias pala vras empre ga das para tra tar dos direi tos fun da men tais,14 enquan -to que Peres luño ini cia uma de suas obras sobre direi tos huma nos com capí -tu lo dedi ca do à “Delimitación con cep tual de los dere chos huma nos”.15 valetam bém men cio nar Norberto Bobbio, que após des ta car haver vários sig ni fi -ca dos para o termo “direi to”, diz que por pru dên cia sem pre empre gou a pala -vra “exi gên cias” em vez de “direi tos” para se refe rir a direi tos não cons ti tu -cio na li za dos.16

o sen ti do cam bian te da pala vra con ta mi na o sen ti do das nor mas quereco nhe cem os direi tos fun da men tais. a vigên cia des tes como direi to dire ta -men te apli cá vel con fe re à inter pre ta ção uma impor tân cia espe cial. as dis po -si ções sobre direi tos fun da men tais pos tas nas diver sas cons ti tui ções são

con for me a la lite ra li dad y mor fo lo gia de sus pala bras, for mu las lapi da -rias y pre cep tos de prin ci pio que care cen en si misma, ade más, de umúnico sen ti do mate rial. si, no obs tan te, deben ope rar como dere cho

13 NiNo, carlos santiago. la constitucion de la Democracia Deliberativa. trad. roberto P. saba.Barcelona: editorial Gedisa, 1997, p. 72.

14 Peces-BarBa Mar tÍ Nez, Gregorio. curso de Derechos Fundamentales: teo ría gene ral.Madrid: universidad carlos iii de Madrid, 1995.

15 PÉrez luÑo, a. e., Derechos humanos, estado de Derecho y constitución. Madrid: tecnos,1995.

16 BoB Bio, Norberto. a era dos Direitos, trad. carlos Nelson coutinho. rio de Janeiro: campus,1992, pp. 78 e 79.

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direc ta men te apli ca ble, y ser efec ti vos, reque ren, de um modo diver so alde los pre cep tos lega les nor ma les, una inte pre ta ción no sólo expli ca ti va,sino rel le na do ra, que reci be no pocas veces la forma de un des ci fra mien -to o con cre ti za ción. (...)semejante inter pre ta ción des ci fra do ra y, ante todo, con cre ti za do ra delcon te ni do, no encuen tra nin gún punto de cone xion sufi cien te en la lite -ra li dad, el sig ni fi ca do de las pala bras y el con tex to nor ma ti vo. se esta ble -ce y se deri va – cons cien te o incons cien te men te – de una deter mi na dateo ría de los dere chos fun da men ta les, enten dién do se por tal teo ría unacon cep ción sis te má ti ca men te orien ta da acer ca del carác ter gene ral, fina -li dad nor ma ti va, y el alcan ce mate rial de los dere chos fun da men ta les.17

No mesmo sen ti do é a lição de santiago Nino, para quem “las nor masjurí di cas no son sufi cien tes para jus ti fi car accio nes y deci sio nes tales comoaquel las fun da das en la invo ca ción de dere chos cons ti tu cio na les”.18

abordaremos a ques tão da inter pre ta ção mais adian te.

2. evolução dos direi tos fun da men tais

assentado que a pala vra “direi to”, por si, é equí vo ca, cum pre ver se aevo lu ção dos direi tos fun da men tais for ne ce ele men tos para supe rar as ambi -gui da des.

a evo lu ção dos direi tos fun da men tais, tal como eles pró prios, se abre a várias lei tu ras. Nos uti li za re mos, aqui, das abor da gens de Peces-Barba,19 quecen tra o enfo que na evo lu ção his tó ri ca da abran gên cia des ses direi tos; deBobbio,20 que enfo ca a evo lu ção do con teú do des ses direi tos; e, para guar darpara le lo com o direi to norte-ame ri ca no, do qual serão extraí dos mui tos sub sí -dios, empre ga re mos tam bém a abor da gem de laurence tribe,21 com seus“mode los” de cons ti tui ção.

17 BÖc KeN FÖr De, ernst-Wolfgang, “teoría e inter pre ta ción de los dere chos fun da men ta les”,trad. de ignacio villaverde Menendez, in escritos sobre Derechos Fundamentales, Baden-Baden:Nomos, 1993, pp. 44-45.

18 NiNo, carlos santiago. op. cit., pp. 72, 73. cf., tam bém, pp. 41 e 42.19 Peces-BarBa Mar ti Nez, Gregorio. Derecho y Derechos Fundamentales. Madrid: centro de

estudios constitucionales, 1993, pp. 326 a 351.20 BoB Bio, Norberto. a era dos Direitos, trad. carlos Nelson coutinho. rio de Janeiro: campus,

1992, pp. 15 a 83, esp. pp. 67 a 83.21 triBe, laurence. american constitutional law. Mineola/NY: the Foundation Press, 1988.

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o con cei to de direi tos fun da men tais apa re ce na his tó ria a par tir da eramoder na. as ideias de dig ni da de, liber da de e igual da de exis tiam na his tó riaantes do renascimento, mas não for mu la das como direi tos, tal como hoje.

os direi tos fun da men tais aflo ra ram ini cial men te em três âmbi tos: odeba te sobre a tole rân cia, o deba te sobre os limi tes do poder e a huma ni za çãodo pro ces so penal. são essas três for mas his tó ri cas ini ciais dos direi tos fun da -men tais que, cris ta li za das nas pri mei ras decla ra ções de direi to das revo lu çõeslibe rais, cor res pon de rão às liber da des indi vi duais, aos direi tos polí ti cos e depar ti ci pa ção, e às garan tias pro ces suais.22 esse aflo ra men to se deu em res pos -ta às mudan ças sociais, eco nô mi cas, polí ti cas e reli gio sas da tran si ção da idademédia para a idade moder na.

os direi tos fun da men tais vão sur gin do pri mei ro para afir mar a liber da dede fé, depois para ques tio nar os fun da men tos do poder abso lu to, seja em seupró prio exer cí cio, seja em sua rela ção com os cida dãos e, tam bém, pela huma -ni za ção do direi to penal e pro ces sual penal. com o triun fo das revo lu ções libe -rais na França e nos estados unidos e a influên cia em outros paí ses, os direi -tos fun da men tais foram reco nhe ci dos em tex tos cons ti tu cio nais. teve-se, daí,a posi ti va ção, a gene ra li za ção e, pos te rior men te, em espe cial após a 2ª GrandeGuerra, a inter na cio na li za ção dos direi tos fun da men tais.23

embora a posi ti va ção dos direi tos asse ve ras se que estes eram para todos,a rea li da de des men tia as afir ma ções. Direitos como o de par ti ci pa ção polí ti cae de sufrá gio não se esten diam a todos, e outros, que pode riam dina mi zar aigual da de, como o direi to de asso cia ção, eram proi bi dos. Por um lado o libe -ra lis mo con ser va dor, de constant e Guizot, afir ma va ser impos sí vel man ter aliber da de se gene ra li za da a todos, ao passo que o socia lis mo tota li tá rio deMarx, engels e lenin pre ten dia edi fi car a igual da de com o desa pa re ci men toda liber da de e das ins ti tui ções polí ti cas e jurí di cas sur gi das nas revo lu çõeslibe rais.24 entretanto, os direi tos fun da men tais liga dos à liber da de e à igual -da de foram sendo com pa ti bi li za dos, seja na ver ten te libe ral, seja na ver ten tesocia lis ta. surge, então, o sufrá gio uni ver sal e o reco nhe ci men to do direi to deasso cia ção, incor po ran do a clas se tra ba lha do ra no sis te ma par la men tar repre -sen ta ti vo e dando ori gem a novos tipos de direi tos que trans for ma ram oestado de Direito em estado social de Direito.25

22 Peces-BarBa, op. cit., p. 330.23 Peces-BarBa, op. cit., p. 333 e BoB Bio, op. cit., pp. 29 e 30.24 Peces-BarBa, op. cit., p. 335.25 idem. cf. tam bém MiraN Da, Jorge. “os Direitos Fundamentais – sua dimen são indi vi dual e

social”. cadernos de Direito constitucional e ciência Política, 1:198-208.

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Nessa evo lu ção his tó ri ca, sur gem ini cial men te os recla mos de uns pou cosdirei tos decor ren tes de um “esta do de natu re za”, o direi to à vida e à sobre vi -vên cia, que incluem o direi to à pro prie da de e à liber da de com preen den do“algu mas liber da des essen cial men te nega ti vas”.26 Posteriormente, sur gem osrecla mos de par ti ci pa ção polí ti ca. o direi to das liber da des reves te-se comonega ti vo, como um limi te à com pe tên cia do estado. os direi tos polí ti cos carac -te ri zam-se tam bém como liber da des, não mais para não ser impor tu na do, maspara agir, para par ti ci par. tem-se, então, direi tos que cor res pon dem a deve resesta tais de abs ten ção e de tole rân cia. Não há, até então, sis te ma ti ca men te,deve res esta tais de fazer.27 esses direi tos sur gem pos te rior men te, no iní ciodeste sécu lo, segui dos pelo reco nhe ci men to de direi tos não mais ape nas aoindi ví duo uti sin gu lis, mas tam bém à famí lia, mino rias, e, à “espe ci fi ca ção” dohomem, não mais visto ape nas como um homem gené ri co e sim em suas espe -ci fi ci da des, com suas diver si da des de idade, sexo, con di ções físi cas e sociais.28

Quanto à evo lu ção da pra xis cons ti tu cio nal ame ri ca na, laurence h.triBe29 traz tam bém inte res san te clas si fi ca ção evo lu ti va em sete mode losdis tin tos desde o iní cio do sécu lo XiX até os dias atuais: o mode lo da sepa ra -ção de pode res (i), das limi ta ções implí ci tas ao gover no (ii), das “expec ta ti vasdeter mi na das”30 (iii), da regu la ri da de gover na men tal (iv), dos direi tos pre fe -ren ciais (v), da igual pro te ção (vi) e da jus ti ça estru tu ral (vii).

o pri mei ro mode lo ins pi ra-se no pen sa men to libe ral inglês do sécu lo Xvii,bem como de seu desen vol vi men to na França do sécu lo Xviii por Montesquieu.os cons ti tuin tes ame ri ca nos extraí ram daí a con vic ção de que os direi tos huma -nos esta riam melhor pre ser va dos pela ina ção e pela “ação indi re ta”,31 decor ren -

26 BoB Bio, op. cit., p. 73.27 a inglaterra já pos suía uma lei quan to à pobre za desde 1349 (cf. Qui GleY, William P. “Five

hundred Years of english Poor laws, 1349-1834: regulating the Working and NonworkingPoor”. akron law review, akron: university of akron school of law (http://www. uakron.edu/ -lawrev/), Fall 1996, vol. 30, iss. 1), mas não se pode ter, daí, a gêne se dos direi tos sociais. É tam -bém inte res san te a obser va ção de Michael Wal zer, de que até algum tempo atrás as pes soasacre di ta vam na cura da alma e não do corpo, tor nan do o finan cia men to das reli giões uma neces -si da de comum, ao passo que hoje, com o desen vol vi men to tec no ló gi co, a cren ça está mais na curado corpo do que da alma, tor nan do neces sá rio o inves ti men to públi co em saúde (spheres ofJustice. Basic Books, 1983, pp. 86/87). Nessa linha, tal vez se possa ver obri ga ções esta tais de fazerem prol dos indi ví duos, mas para tanto seria neces sá rio retro ce der para antes da ques tão das duasespa das, a sepa ra ção dos pode res tem po ral e espi ri tual, o que foge ao nosso esco po.

28 BoB Bio, op. cit., pp. 68/69.29 american constitutional law, Mineola/NY: the Foundation Press, 1988.30 settled expec ta tions, no ori gi nal.31 “indirection”, no ori gi nal. a ação indi re ta decor re da sepa ra ção dos pode res. Nenhum poder pode

agir sozi nho. o exe cu ti vo só pode pren der se o legis la ti vo fizer antes a lei, daí falar-se em “indi -rec tion”, por nós tra du zi do como “ação indi re ta”.

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tes da atua ção deli be ra da men te frag men ta da dos cen tros con tra pos tos de poder,numa visão de ins pi ra ção quase new to nia na.32

o segun do mode lo, típi co da cha ma da era lochner,33 diz res pei to àinter pre ta ção da suprema corte ame ri ca na quan to ao cará ter essen cial dasesfe ras pri va da, esta dual e nacio nal e, daí, as limi ta ções implí ci tas de cadaqual. com base nessa con cep ção, os juí zes fede rais acre di ta vam ter deri va douma ciên cia dos direi tos,34 na qual leis do con gres so que inva dis sem o domí -nio dos esta dos seriam invá li das, da mesma forma que leis esta duais que inva -dis sem o domí nio pri va do tam bém o seriam.35

o ter cei ro mode lo já admi te a inter fe rên cia esta tal sobre a pro prie da de eos con tra tos, mas exige inde ni za ção para algu mas per das que venham a sercau sa das.36 o quar to mode lo é vol ta do à regu la ri da de da atua ção gover na men -tal e é marcado pela mudan ça na inter pre ta ção das proi bi ções a leis retroa ti -vas, a pena de bani men to e da face pro ce di men tal do devi do pro ces so legal,dando-lhes mais ênfa se, em espe cial para as cau sas civis.37 o quin to mode lovolta-se para a valo ra ção das liber da des cons ti tu cio nais, prio ri zan do a liber da -de con tra tual. o sexto mode lo é o da igual pro te ção, que é típi co das deci sõesliga das à ação afir ma ti va. o séti mo mode lo seria, na visão de triBe, o cor res -pon den te ao atual38 posi cio na men to da suprema corte ame ri ca na, em que aargu men ta ção cons ti tu cio nal mes cla ele men tos estru tu rais rela cio na dos como pro ces so deci só rio gover na men tal com ques tões subs tan ti vas rela cio na dasaos direi tos indi vi duais e comu ni da de.39

como se sabe, a constituição ame ri ca na é a pri mei ra cons ti tui ção escri -ta e uma das pri mei ras posi ti va ções dos direi tos fun da men tais40 e, por tan to, aevo lu ção em sua inter pre ta ção e apli ca ção cor res pon de à evo lu ção dos direi -tos fun da men tais nos estados unidos.

32 triBe, op. cit., p. 2.33 lochner v. New York, 198 u.s. 45 (1905). caso em que a suprema corte norte-ame ri ca na decla -

rou a incons ti tu cio na li da de de uma lei da cida de de Nova iorque, que intro du zi ra jor na da máxi -ma de tra ba lho de dez horas diá rias e ses sen ta horas sema nais para empre ga dos de pada ria, sob oargu men to de que tal medi da cons ti tuía uma inde vi da inter fe rên cia esta tal na ampla liber da de decon tra tar con fe ri da às pes soas.

34 science of rights.35 triBe, op. cit., p. 6.36 há várias dife ren ças da expe riên cia bra si lei ra e demons trá-las fugi ria ao esco po do tra ba lho.37 cf. triBe, op. cit., pp. 629/768.38 em 1988, ao menos.39 op. cit., p. 8. cf. pp. 1673/1720.40 a constituição ame ri ca na é de 1787, mas o Bill of rights é de 1791, ao passo que a Declaração de

Direitos do homem é de 1789.

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3. conteúdo dos Direitos Fundamentais e exi gi bi li da de:os direi tos nega ti vos e os direi tos posi ti vos

No curso da evo lu ção his tó ri ca foram for ma das “gera ções” de direi tosque não se supe ram, mas con vi vem entre si. os pri mei ros direi tos a seremreco nhe ci dos vol ta vam-se con tra a opres são do monar ca. Posteriormente,afir ma das algu mas liber da des bási cas, a opres são do homem pelo pró priohomem não se dava mais dire ta men te pelo apa ra to esta tal, mas pelo pri va do,sur gin do, então, os direi tos vol ta dos a atua ções esta tais espe cí fi cas.

Pela evo lu ção his tó ri ca e pelas carac te rís ti cas ori gi nais, os direi tos vol ta -dos ao valor liber da de foram clas si fi ca dos como direi tos nega ti vos, como limi -tes cons ti tu cio nais ao poder do estado.

os direi tos de liber da de seriam, assim, nor mas de dis tri bui ção de com -pe tên cias entre o indi ví duo (socie da de) e o estado, deli mi tan do o âmbi toem que o indi ví duo e suas estru tu ras sociais pró prias são com pe ten tes pararegu lar con du tas e orga ni za ção de pres ta ções, ante o âmbi to da regu la çãopolí ti ca domi nan te das con du tas orga ni za das pelo estado, na forma de açãoesta tal sobe ra na.41 Para alguns, o “esta tu to de liber da de” seria diri gi do aolegis la dor, negan do-lhe com pe tên cia e, assim, não cria riam direi tos indi vi -duais, salvo como efei to refle xo,42 ou, ainda, esta ria mar ca do “pelo traço daliber da de com preen di da como não-impe di men to, a cha ma da liber da degeo grá fi ca”, “sig ni fi can do um espa ço de vida no qual a inter fe rên cia de ter -cei ros – par ti cu la res ou estado – ape nas ocor re se hou ver von ta de dohomem livre” e cujos “remé dios têm cará ter cor re ti vo, mesmo quan do usa -dos pre ven ti va men te”.43

como coro lá rio dessa visão, os direi tos da liber da de seriam sem pre efi ca -zes, já que não depen de riam de regu la men ta ção. conquanto fosse admi ti da aregu la ção das liber da des,44 o gozo das mes mas decor re ria da pró pria cons ti tui -ção, não do tra ba lho do legis la dor infe rior.

41 BÖc KeN FÖr De, ernst-Wolfgang, “teoria e inter pre ta ción de los dere chos fun da men ta les”,trad. de ignacio villaverde Menendez, in escritos sobre Derechos Fundamentales, Baden-Baden:Nomos, 1993, pp. 44-45.

42 Jel li NeK, Giorgio. sistema dei Diritti Pubblici subbiettivi. trad. Gaetano vitagliano. Milano:società editrice libraria, 1912, p. 108.

43 loPes, José reinaldo de lima. “Direito subjetivo e Direitos sociais: o Dilema do Judiciário noestado social de Direito”, in Direitos humanos, Direitos sociais e Justiça, org. José eduardo Faria.são Paulo: Malheiros, 1998, pp. 126 e 128.

44 vide, p. ex., acima, as refe rên cias à era lochner e à era pós-lochner no cons ti tu cio na lis mo ame -ri ca no.

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os direi tos sociais, via de regra, vol tam-se não a uma abs ten ção do estado,mas a uma ação, o que lhes dá a carac te rís ti ca de posi ti vos.45 Para sin te ti zar aargu men ta ção tra di cio nal acer ca da efe ti vi da de des ses direi tos, vale tra zer alição que deve ria ser ideo lo gi ca men te insus pei ta, de Norberto BoB Bio:

É supér fluo acres cen tar que o reco nhe ci men to dos direi tos sociais sus ci -ta, além do pro ble ma da pro li fe ra ção dos direi tos do homem, pro ble masbem mais difí ceis de resol ver no que con cer ne àque la ‘ prática’ de quefalei no iní cio: é que a pro te ção des tes últi mos requer uma inter ven çãoativa do estado, que não é reque ri da pela pro te ção dos direi tos de liber -da de, pro du zin do aque la orga ni za ção dos ser vi ços públi cos de onde nas -ceu até mesmo uma nova forma de estado, o estado social. enquanto osdirei tos de liber da de nas cem con tra o super po der do estado – e, por tan -to, com o obje ti vo de limi tar o poder –, os direi tos sociais exi gem, parasua rea li za ção prá ti ca, ou seja, para a pas sa gem da decla ra ção pura men tever bal à sua pro te ção efe ti va, pre ci sa men te o con trá rio, isto é, a amplia -ção dos pode res do estado.46

(...) na constituição ita lia na, as nor mas que se refe rem a direi tos sociaisforam cha ma das pudi ca men te de ‘ programáticas’. será que já nos per gun -ta mos algu ma vez que gêne ro de nor mas são essas que não orde nam, proí -bem ou per mi tem hic et nunc, mas orde nam, proí bem e per mi tem numfutu ro inde fi ni do e sem prazo de carên cia cla ra men te deli mi ta do? e,sobre tu do, já nos per gun ta mos algu ma vez que gêne ro de direi tos são essesque tais nor mas defi nem? um direi to cujo reco nhe ci men to e cuja efe ti vapro te ção são adia dos sine die, além de con fia dos à von ta de de sujei tos cujaobri ga ção de exe cu tar o ‘ programa’ é ape nas uma obri ga ção moral ou, nomáxi mo, polí ti ca, pode ainda ser cha ma do cor re ta men te de ‘ direito’?47

vale tam bém citar o enten di men to de José reinaldo de lima lopes, jáque diri gi do espe ci fi ca men te para os direi tos sociais na constituição bra si lei -ra de 1988:

ora, tipi ca men te os novos direi tos sociais, espa lha dos pelo texto cons -ti tu cio nal, dife rem em natu re za dos anti gos direi tos sub je ti vos. Não se

45 as expres sões “direi tos posi ti vos” e “direi tos nega ti vos” não guar dam qual quer rela ção neces sá riacom “direi tos posi ti vos e direi tos natu rais”. a “posi ti vi da de”, aqui, está no agir do estado den trodo campo mate rial.

46 BoB Bio, op. cit., p. 72.47 idem, pp. 77-78.

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dis tin guem ape nas por serem cole ti vos, mas por exi gi rem remé diosdis tin tos.48

os novos direi tos, que aliás nem são tão novos, visto que já se incor po ra -ram em diver sas cons ti tui ções con tem po râ neas, inclu si ve bra si lei rasante rio res a 1988, têm carac te rís ti ca espe cial. e esta con sis te em que nãosão fruí veis, ou exe qüí veis indi vi dual men te. Não quer isto dizer que juri -di ca men te não pos sam, em deter mi na das cir cuns tân cias, ser exi gi doscomo se exi gem judi cial men te outros direi tos sub je ti vos. Mas, de regra,depen dem para sua efi cá cia, de atua ção do executivo e do legislativo porterem o cará ter de gene ra li da de e publi ci da de. assim é o caso da edu ca -ção públi ca, da saúde públi ca, dos ser vi ços de segu ran ça e jus ti ça, dodirei to a um meio ambien te sadio, o lazer, a assis tên cia aos desam pa ra -dos, a pre vi dên cia social, e outros pre vis tos no arti go 6º, no arti go 7º, semcon tar as dis po si ções dos inci sos do arti go 170, do arti go 182, do arti go193, do arti go 225, e mui tas outras espa lha das ao longo do corpo de todaa constituição de 1988.49

tem-se, então, a cisão entre direi tos da liber da de, que sendo nega ti vos,têm sede cons ti tu cio nal, ao passo que os direi tos sociais, que seriam nega ti vos,depen de riam de meios mate riais e, assim, a media ção legis la ti va e orça men tá -ria.50 a dis tin ção, basi ca men te nes ses ter mos, ficou assen ta da na dou tri na,muito embo ra sejam gran des as polê mi cas quan to à exis tên cia de direi tos a pres -ta ções posi ti vas dire ta men te da cons ti tui ção.51 Mesmo no direi to ame ri ca no adis cus são é acesa, vez que as cons ti tui ções dos cin quen ta esta dos norte-ame ri ca -

48 op. cit., p. 127 – grifo do ori gi nal.49 idem, p. 129 – gri fos do ori gi nal.50 BoNa vi Des, Paulo. curso de Direito constitucional. são Paulo: Malheiros, 1997, pp. 518-519.51 a polê mi ca é espe cial men te acesa nos estados unidos. a suprema corte ame ri ca na tem posi ção

firme em não reco nhe cer direi tos a pres ta ções posi ti vas do estado, como se vê dos casos Maherv. roe (432 u.s. 464 (1977)), em que se deci diu que embo ra hou ves se um direi to cons ti tu cio naldas mulhe res em esco lher pelo abor to (roe v. Wade – 410 u.s. 113 (1973)), não havia obri ga çãode dar esse aten di men to no ser vi ço públi co de saúde (Medicaid) e Deshaney v. Winnebagocounty Department of social services (489 u.s. 189 (1989)), em que foi nega do pedi do de inde -ni za ção feito pela mãe de um ado les cen te que fora sur ra do pelo pai até sofrer danos men tais per -ma nen tes, embo ra o agen te do ser vi ço social tenha sido aler ta do dos fatos a tempo e nada tenhafeito. sobre a polê mi ca e sobre o caso Deshaney, con fi ra-se aMar, akhil reed and WiDaWsKY, Daniel. “child abuse as slavery: a thirteenth amendment response toDeshaney” harvard law review, vol. 105, p. 1359; hers hKoFF, helen. “Positive rights andstate constitutions: the limits of Federal rationality review” harvard law review, 112 (6):1131, 1999; hol Mes, stephen and suNs teiN, cass. the cost of rights, esp. capí tu los um ecinco; Pos Ner, richard. overcoming law, cap. 6; straus, David. “Due Process, Governmentinaction, and Private Wrongs”, supreme court review, 1989, p. 53, apud Posner, op. cit.

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nos asse gu ram pres ta ções posi ti vas,52 ao passo que os tri bu nais esta duais sãorelu tan tes em reco nhe cer tais nor mas como gera do ras de deve res esta tais.

Dentro dessa dico to mia, for mam-se, gros so modo, três cor ren tes: a dosque negam efi cá cia aos direi tos sociais, já que a carga posi ti va depen de de me -dia ção do legis la dor e de meios mate riais; a dos que veem os direi tos sociaiscom o mesmo nível que os direi tos indi vi duais, mui tas vezes decor ren do unsdos outros;53 e uma ter cei ra, que vê os direi tos sociais vigen do sob a reser vado pos sí vel, eis que a rea li za ção deman da empre go de meios finan cei ros.

cumpre des ta car que embo ra a ques tão tenha gran de con teú do ideo ló gi -co, a afir ma ção dos direi tos sociais não é aves sa aos libe rais, como bemdemons tra santiago Nino, para quem o stan dard que limi ta os direi tos posi ti -vos não pode ser jus ti fi ca do de nenhu ma manei ra e o “libe ra lis mo con ser va -dor” que ava li za esta visão para jus ti fi car uma con cep ção extre ma men te res -tri ti va dos direi tos é mais con ser va dor que libe ral. Para o juris ta argen ti no, osdirei tos sociais são uma exten são natu ral dos direi tos indi vi duais clás si cos,con tra rian do assim a visão daque les que sus ten tam que os direi tos indi vi duaisou “nega ti vos” têm prio ri da de sobre os sociais ou “posi ti vos” e tam bém pondoem evi dên cia o equí vo co daque les que sus ten tam ser o “cons ti tu cio na lis mo social” um recha ço ao libe ra lis mo clás si co.54

cumpre des ta car, con tu do, que santiago Nino faz uma abor da gem noplano da maior abs tra ção e não trata da ques tão dos con fli tos entre direi tos.vale tam bém acres cen tar que em sua visão os direi tos cons ti tu cio nais sãodirei tos legais,55 mas as nor mas jurí di cas não são sufi cien tes para jus ti fi carações e deci sões,56 de modo que “cuan do recur ri mos a un dere cho cons ti tu -cio nal para jus ti fi car cier ta deci sión (inclu yen do la crí ti ca de una deci sión yaadop ta da), esta mos recur rien do en últi ma ins tan cia a prin ci pios de mora li dad social que endo san la norma cons ti tu cio nal esta ble cien do el dere cho en cues -tión. los dere chos cons ti tu cio na les son en últi ma ins tan cia dere chos mora les,ya que deri van de prin ci pios que tie nen las pro pie da des de auto no mía, fina li -

52 “consistent with the sta tes-as-labo ra to ries meta phor, the cons ti tu tions of the fifty sta tes pre sent avery dif fe rent fra me work in which to analy ze whe ther govern ment may stand by and igno re thehun ger and home less ness of its citi zens. unlike the Federal constitution, every state cons ti tu tionin the united states addres ses social and eco no mic con cerns, and pro vi des the basis for a varietyof posi ti ve claims against the govern ment.” hers hKoFF, helen. “Positive rights and stateconstitutions: the limits of Federal rationality review” harvard law review, vol. 112, p. 1135.

53 cf. BoNa vi Des, Paulo. curso de Direito constitucional. são Paulo: Malheiros, 1997, pp. 588-599 e MiraN Da, Jorge. “os Direitos Fundamentais – sua dimen são indi vi dual e social”.cadernos de Direito constitucional e ciência Política, 1:198-208.

54 NiNo, op. cit., pp. 91 e 94.55 op. cit., p. 71.56 op. cit., p. 72.

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dad, super vi ven cia, publi ci dad, uni ver sa li dad y gene ra li dad. estas son lascarac te rís ti cas dis tin ti vas de los prin ci pios mora les”.57

acrescenta ainda santiago Nino, em nota ao tre cho acima, que “la exis -ten cia de un dere cho moral no nece sa ria men te pre su po ne que exis te una obli -ga ción cor res pon dien te, a menos que se satis fa gan algu nas con di cio nes refe ri -das a la posi bi li dad de pro por cio nar el bien en cues tión por parte de otrosindi vi duos y con una dis tri bu ción entre ellos de las car gas invo lu cra das en esadis po si ción”.58

Já a ter cei ra cor ren te vê um núcleo de direi tos posi ti vos como com po -nen tes dos direi tos fun da men tais e, por tan to, exi gí veis, ao passo que outrosdirei tos posi ti vos não gera riam direi tos sub je ti vos, mas ape nas a neces si da dede rea li zar polí ti cas públi cas. como bem des ta ca BÖc KeN FÖr De:

aa) la con cre ta garan tía de dere cho fun da men tal devie ne depen dien tede los medios finan cie ros esta ta les dis po ni bles. la “impo si bi li dadeco nó mi ca” se pre sen ta como limi te – nece sa rio – de la garan tía(pres ta ción) de los dere chos fun da men ta les. esto sig ni fi ca el aban -do no de la incon di cio na li dad de las pre ten sio nes de dere chos fun -da men ta les.

bb) las ine vi ta bles deci sio nes sobre prio ri da des, sobre el empleo y dis -tri bu ción de los medios finan cie ros esta ta les dis po ni bles, moti va dopor la esca sez de recur sos, pasan de ser una cues tión de dis cre cio -na li dad polí ti ca a una cues tión de obser van cia de los dere chos fun -da men ta les, más exac ta men te: de con cur ren cia y con flic to de dere -chos fun da men ta les; con ello se con vier ten, for mal men te, en unacues tión de inter pre ta ción de los dere chos fun da men ta les. siendocon se cuen tes, la com pe ten cia para adop tar las se des pla za delParlamento, o, en su caso, del Gobierno como deten ta dor de lacom pe ten cia pre su pues ta ria, a los tribunales, y, en últi ma ins tan ciaal tcF. la con se cuen cia seria una juri di fi ca ción de las dis pu taspolí ti cas, unida a un des pla za mien to da com pe ten cia de impor tan -tes dimen sio nes en favor del tercer poder.la pro ble má ti ca inter pre ta ti va se agu di za aún más por que los dere -chos fun da men ta les, inter pre ta dos con for me el estado social, nocon tie nen en si mismo nin gún cri te rio acer ca de la exten sión de lagaran tía de los pre su pues tos socia les de la liber tad de dere chos fun -

57 P. 73.58 P. 98, nota 5.

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da men ta les. ¿se garan ti za solo un grado míni mo, uno medio o elmáxi mo de tales pre su pues tos? u, ¿como se rela cio na con las pro -pias pres ta cio nes del titu lar del dere cho fun da men tal? aun menoscabe deri var de los dere chos fun da men ta les mis mos un sis te ma desu rango ( social) supe rior o infe rior, cuyo esta ble ci mien to seria ine -vi ta ble para los tribunales.

cc) Debido a la impo si bi li dad de resol ver estos pro ble mas por la vía dela apli ca ción judi cial del Derecho, los dere chos fun da men ta les seredu cen así a come ti dos cons ti tu cio na les (verfassungaufträge).vinculan al legislador y al Poder eje cu ti vo sólo obje ti va men te,como nor mas de prin ci pio, pero no fun da men tan nin gu na pre ten -sión recla ma dle direc ta men te ante los tri bu na les fuera de la defen -sa ante una inac ti vi dad abu si va en extre mo. esta con se cuen cia esine lu di ble. el tcF lo ha seña la do en la sentencia del Numerus-clausulus (stcF, 33, 303 (332)), aun que muy a pesar suyo, y por esohabla hÄBer le, con lógi ca, de meros «dere chos fun da men ta lespará me tro» (Maßgabegrundrechten).59

No mesmo sen ti do é a lição de ricardo lobo torres, quan to à efi cá cialimi ta da das pres ta ções posi ti vas enfei xa das nos direi tos sociais e não incluí -das no míni mo exis ten cial. Na sua visão: “há um direi to às con di ções míni masde exis tên cia huma na digna, que não pode ser obje to de inter ven ção do estadoe que ainda exige pres ta ções esta tais posi ti vas”.60 esse míni mo exis ten cial nãotem dic ção cons ti tu cio nal pró pria, care cen do de con teú do espe cí fi co, abran -gen do qual quer direi to, ainda que ori gi na ria men te não-fun da men tal, con si de -ra do em sua dimen são essen cial e ina lie ná vel.61 “sem o míni mo neces sá rio àexis tên cia cessa a pos si bi li da de de sobre vi vên cia do homem e desa pa re cem ascon di ções ini ciais da liber da de. a dig ni da de huma na e as con di ções mate riaisda exis tên cia não podem retro ce der aquém de um míni mo, do qual nem ospri sio nei ros, os doen tes men tais e os indi gen tes podem ser pri va dos”.62 assim,as par ce las liga das ao míni mo exis ten cial inte gram o sta tus posi ti vus liber ta tis

59 BÖc KeN FÖr De, ernst-Wolfgang. op. cit., p. 67-68.60 tor res, ricardo lobo. tratado de Direito constitucional Financeiro e tributário, volu me

iii; os direi tos huma nos e a tri bu ta ção: imu ni da des e iso no mia. rio de Janeiro: renovar, 1999,p. 141.

61 idem, p. 14462 Pp. 146-147.

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e podem ser dire ta men te exi gi das do estado. Quanto aos demais direi tos sociais não enqua dra dos no míni mo, escre ve o autor:

o sta tus posi ti vus socia lis é de suma impor tân cia para o aper fei çoa men -to do esta do social de direi to, sob a sua con fi gu ra ção de esta do de pres ta -ções e em sua mis são de pro te tor dos direi tos sociais e de cura dor da vida social, res pon sá vel pela pre vi são ou cura da exis tên cia (Daseinvorsorgepara os ale mães): com preen de o for ne ci men to de ser vi ço públi co ines -sen cial (edu ca ção secun dá ria e supe rior, saúde, mora dia etc.) e as pres ta -ções finan cei ras em favor dos fra cos, espe cial men te sob a forma de sub -ven ções sociais. (...). o sta tus posi ti vus socia lis, ao con trá rio do sta tusposi ti vus liber ta tis, se for ma de acor do com a situa ção eco nô mi ca con -jun tu ral, isto é, sob a “reser va do pos sí vel” ou na con for mi da de da auto -ri za ção orça men tá ria.63

há, como já dito, três gran des cor ren tes: a dos que enten dem serem exi -gí veis todos os direi tos clas si fi ca dos pela cons ti tui ção como fun da men tais, ados que enten dem serem exi gí veis ape nas os direi tos nega ti vos, já que os posi -ti vos, por deman da rem recur sos, vige riam sob a reser va do pos sí vel, a depen -der de media ção legis la ti va e a dos que enten dem haver um núcleo de direi -tos posi ti vos liga dos ao míni mo exis ten cial que seria sem pre exi gí vel, que dan -do os demais direi tos posi ti vos sob a reser va do pos sí vel.

como vere mos a seguir, essas dis tin ções são insu fi cien tes, mas con têmalgo que pare ce ine gá vel: há direi tos cuja efe ti vi da de social pode ser ape nas“jurí di ca”, pois cor res pon dem a pre ten sões de abs ten ção, ao passo que outros,para serem cum pri dos, para sair do papel, neces si tam intrin se ca men te da exis -tên cia de um apa ra to públi co, vale dizer, deman dam recur sos mate riais.

63 tor res, ricardo lobo. o orça men to na constituição. rio de Janeiro: renovar, 1995, pp.133-134.

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capítulo 3insuficiência das dis tin ções.

há, de fato, algu ma dis tin ção váli da?

sumário. 1. a insuficiência das distinções; 1.1. the cost of rights; 2. há, de fato, algu-ma distinção válida? o choque de direitos.

1. a insuficiência das dis tin ções

como bem des ta ca Paulo Bonavides,1 até há pouco pre va le cia a noção deque ape nas os direi tos da liber da de, os cha ma dos direi tos de pri mei ra gera ção,eram de apli ca bi li da de ime dia ta, ao passo que os direi tos sociais tinham apli -ca bi li da de media ta, por via do legis la dor. a razão disso esta va no con teú donega ti vo dos direi tos da liber da de e no con teú do posi ti vo dos direi tos sociais,que, por deman da rem recur sos, depen de riam de media ção legis la ti va e depolí ti cas públi cas.

em con tra po si ção a isso punham-se argu men tos como o de que a dis tin -ção entre direi tos de pri mei ra e segun da gera ção, direi tos da liber da de e direi -tos da igual da de seria arti fi cial. Bonavides des ta ca que o vocá bu lo “dimen são”subs ti tui com van ta gem lógi ca e qua li ta ti va o termo “gera ção”, pois “os direi -tos da pri mei ra gera ção, direi tos indi vi duais, os da segun da, direi tos sociais, eos da ter cei ra, direi tos ao desen vol vi men to, ao meio ambien te, à paz e à fra -ter ni da de, per ma ne cem efi ca zes, são infra-estru tu rais, for man do a pirâ mi decujo ápice é o direi to à demo cra cia; coroa men to daque la glo ba li za ção polí ti capara a qual, como o pro vér bio chi nês da gran de mura lha, a humanidade pare -ce cami nhar a todo vapor, depois de haver dado o seu pri mei ro e largo passo”.2

No mesmo dia pa são, clèmerson Merlin clève fala de uma “vira gem para -dig má ti ca [que] envol ve a idéia de que a constituição não exis te ape nas paralimi tar a atua ção do Poder Público”, mas uma “reno va da abor da gem cons ti tu -cio nal, ela bo ra da a par tir da pers pec ti va segun do a qual o estado, sobre sofrercon ten ção pela norma cons ti tu cio nal, have rá, igual men te de ter seu papelelas te ci do para con ver ter-se em alia do do cida dão”. surge, então, a cons ti tui -ção não ape nas como limi te ao estado, mas como tare fa, já que “a vio la ção do

1 BoNa vi Des, Paulo. curso de Direito constitucional. são Paulo: Malheiros, 1997, 7ª edi ção, pp.518-519.

2 op. cit., p. 525.

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direi to fun da men tal pode pro vir do estado, é ver da de, mas tam bém da socie -da de civil, do amigo, do patrão, do vizi nho”.3 em vis tas disso, “tere mos direi -tos nega ti vos, com dimen sões posi ti vas e direi tos posi ti vos com dimen sõesnega ti vas”.4

1.1. the cost of rights

a crí ti ca mais con tun den te, entre tan to, está em obra recen te dos pro fes -so res stephen holmes e cass r. sunstein: the cost of rights: Why libertyDepends on taxes. o livro intei ro visa des fa zer a dis tin ção extre ma da entredirei tos nega ti vos e direi tos posi ti vos. com uma retó ri ca subli me e larga refe -rên cia dos valo res gas tos pelos estados unidos na pro te ção de direi tos tidoscomo nega ti vos, o tra ba lho torna tare fa ingló ria qual quer ten ta ti va séria dedefen der a dico to mia.

logo nos agra de ci men tos o livro reve la um dado per tur ba dor: o ques tio -na men to das pré-con di ções fis cais para a efe ti vi da de dos direi tos sur giu natu -ral men te nas dis cus sões do center on constitutionalism in eastern europe dauniversidade de chicago, quan do se obser varam casos como o da rússia, quecon su miu 25% do já ina de qua do orça men to do judi ciá rio ao ten tar imple men -tar jul ga men tos pelo júri.5

Não há dúvi das de que a evo lu ção his tó ri ca da socie da de torna mais pró -prio falar em dimen sões de direi tos do que em gera ções, como bem assi na laBonavides,6 de modo que há dimen sões posi ti vas de direi tos nega ti vos, espe cial -men te por que os direi tos da liber da de são hoje pos tos em che que não peloestado, mas pela socie da de, como bem des ta ca clèmerson clève.7 o direi to deir e vir e o direi to de pro prie da de nos gran des cen tros urba nos são amea ça dosnão pelo estado, mas por sua omis são, ele men to deci si vo na vio lên cia urba na.os direi tos à pri va ci da de e à honra, de igual sorte, são mais amea ça dos pelaimpren sa e por ban cos de dados pri va dos do que por um “gran de irmão” esta tal.

como demons tram holmes e sunstein, em jul ga do de 1976, a supremacorte ame ri ca na reco nhe ceu que o inte res se gover na men tal, e por tan to públi -co, de con ser var recur sos fis cais e admi nis tra ti vos escas sos, deve ria ser sope -

3 clÈve, clèmerson Merlin. “o pro ble ma da legi ti ma ção do Poder Judiciário e das deci sões judi -ciais no estado Democrático de Direito”. Debates 20: 210, 1999.

4 op. cit., p. 216.5 hol Mes, stephen & suNs teiN, cass r. the cost of rights: Why liberty Depends on taxes.

New York: Norton & co., 1999, p. 9.6 cf. a pri mei ra nota deste capí tu lo.7 op. cit. supra.

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sa do. em algum ponto o bene fí cio de uma outra garan tia pro ces sual à pes soaafe ta da pela con du ta da administração para garan tir que a ação é justa podeser menos valo ra da que seu custo.8

todos os direi tos têm cus tos por que todos pres su põem o cus teio de umaestru tu ra de fis ca li za ção para imple men tá-los.9 a consumer Product safetycommission gas tou em 1996 41 milhões de dóla res ana li san do e iden ti fi can dopro du tos poten cial men te dano sos e fis ca li zan do o cum pri men to dos padrões desegu ran ça. Já o Departamento de Justiça dos estados unidos, no mesmo ano,gas tou us$ 64 milhões em “ques tões de direi tos civis”. a occupational safetyand health administration (osha) con su miu us$ 306 milhões no mesmoano, obri gan do os empre ga do res a pro ver locais de tra ba lho mais segu ros e sau -dá veis, enquan to a equal employment opportunity commission (eeoc) des -pen deu us$ 233 milhões para cui dar que os empre ga do res não dis cri mi nem nacon tra ta ção, demis são, pro mo ção e trans fe rên cias.10 Mesmo o direi to de pro -prie da de tem cus tos. as leis pro te gem os direi tos do pro prie tá rio não dei xan -do-os aban do na dos à pró pria sorte, mas excluin do os não-pro prie tá rios que, deoutro modo, pode riam ficar ten ta dos a inva dir. o cre dor, por sua vez, tem odirei to de deman dar ao deve dor que pague sua dívi da. Na prá ti ca, isso sig ni fi -ca que o cre dor pode deman dar do estado o exer cí cio da juris di ção, obri gan doao paga men to e, se neces sá rio, excu tin do bens do deve dor.11

em outro tre cho que mere ce trans cri ção, escre vem holmes e sunstein:

então esta ques tão se põe: as liber da des pro te gi das pelo Bill of rights sãoape nas nega ti vas? Por força delas está o estado obri ga do ape nas a se abs -ter, sem ter que agir? alguns direi tos cons ti tu cio nais depen dem, para sua exis tên cia, de con -du tas esta tais posi ti vas. Portanto, o estado está sob um dever cons ti tu cio -nal de agir, não de abs ter-se. se dei xar uma pes soa escra vi zar outra, nadafazen do para des fa zer a situa ção que con fi gu ra ser vi dão invo lun tá ria, o

8 “the Government’s inte rest, and hence that of the public, in con ser ving scar ce fis cal and admi n -is tra ti ve resour ces is a fac tor that must be weig hed. at some point the bene fit of an addi tio nalsafe guard to the indi vi dual affec ted by the admi nis tra ti ve action and to society, in terms ofincrea sed assu ran ce that the action is just, may be out weig hed by the cost.. significantly, the costof pro tec ting those whom the pre li mi nary admi nis tra ti ve pro cess has iden ti fied as likely to befound unde ser ving may in the end come out of the poc kets of the deser ving since resour ces avai l -a ble for any par ti cu lar pro gram of social wel fa re are not unli mi ted”. Matthews v. eldridge, 424u.s. 319 (1976). hol Mes, stephen and suNs teiN, cass, op. cit., pp. 26-27.

9 op. cit., p. 44.10 op. cit., pp. 46-47.11 P. 48, com as adap ta ções neces sá rias ao direi to bra si lei ro.

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estado terá vio la do a Décima-ter cei ra emenda. Por força da pro te çãodada pela Primeira emenda à liber da de de expres são, o estado está obri -ga do a man ter ruas e par ques aber tos para mani fes ta ções, muito embo raisso seja caro e requei ra uma con du ta posi ti va. Por força da pro te çãocons ti tu cio nal con tra a “pri va ção” da proprie da de pri va da sem justacom pen sa ção, o Governo está pro va vel men te obri ga do a criar leis con traos esbu lhos e inva sões, bem como tor nar tais garan tias aces sí veis aos pro -prie tá rios pri va dos – uma falha em agir, uma falha em pro te ger a pro -prie da de pri va da, pare ce ria incons ti tu cio nal. se um juiz acei tar pro pi naofe re ci da pelo réu e assim nada fizer para pro te ger os direi tos do autor,tal juiz terá vio la do a garan tia do devi do pro ces so. se o estado não tor -nar seus tri bu nais aces sí veis para garan tir a efi cá cia de garan tias con tra -tuais, ele terá pro va vel men te arrui na do as obri ga ções con tra tuais, vio -lan do a garan tia cons ti tu cio nal dos con tra tos. em todos esses casos, oGoverno está obri ga do, pela constituição, a pro te ger e a agir. em ter mos prá ti cos, o Governo “con ce de direi tos civis” aos cida dãos,pro ven do apa ra tos legais, como zonas elei to rais, sem os quais não seriapos sí vel exer cer tais direi tos. o direi to de voto não tem sen ti do se mesá -rios, pre si den te de mesa e escru ti na do res não com pa re ces sem. o direi toa uma justa com pen sa ção pela pro prie da de con fis ca da é uma piada se otesouro não efe tuar o paga men to. o direi to de peti ção para ver repa ra -do um dano, asse gu ra do pela Primeira emenda, é o direi to de aces so ains ti tui ções gover na men tais e o direi to, even tual, de ser inde ni za do.12

12 Pp. 52-53, tra du ção nossa. No ori gi nal: “(...). so this ques tion ari ses: are the liber ties pro tec tedunder the Bill of rights wholly nega ti ve? Do they requi re the state to refrain from acting with-out requi ring the state to act?some cons ti tu tio nal rights depend for their exis ten ce on posi ti ve acts by the state, and thegovern ment is the re fo re under a cons ti tu tio nal duty to per form, not to for bear, under theconstitution as it stands. if it allows one per son to ens la ve ano ther, by doing nothing to dis ruptan arran ge ment that amounts to invo lun tary ser vi tu de, the state has vio la ted the thirteenthamendment. under the First amendments pro tec tion of free dom of speech, sta tes must keep streets and parks open for expres si ve acti vity, even though it is expen si ve to do this, and to do itrequi res an affir ma ti ve act. under the pro tec tion against “ takings” of pri va te pro perty withoutjust com pen sa tion, the govern ment is pro bably under an obli ga tion to crea te tres pass law and tomake it avai la ble to pro perty owners, and a par tial or com ple te repeal of the law of tres pass – afai lu re to act, in other words, to pro tect pri va te pro perty – would likely be uncons ti tu tio nal. if ajudge accepts a bribe offe red by a defen dant and the re fo re does nothing to pro tect the plaintiff’s rights, the judge has vio la ted the due pro cess clau se. if a state decli nes to make its courts avai la -ble to enfor ce cer tain con tract rights, it has pro bably impai red the obli ga tions of con tracts, invio la tion of the con tracts clau se. in all these cases, the govern ment is obli ged, by theconstitution, to pro tect and to per form.Practically spea king, the govern ment “enfran chi ses” citi zens by pro vi ding the legal faci li ties,such as pol ling sta tions, without which they could not exer ci se their rights. the right to vote is

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Noutra pas sa gem digna de nota, o livro refu ta os que pro pa gam uma filo -so fia liber tá ria de um estado míni mo, como robert Nozick, charles Murray erichard epstein, mos tran do que os gas tos dos dire tos dos eua com pro te çãopoli cial e puni ções penais mon tou a 73 bilhões de dóla res no ano de 1992,quan tia que exce de ao PiB de mais da meta de dos paí ses do mundo.13 a maiorparte desse valor foi des ti na da a pro te ger a pro prie da de pri va da atra vés docom ba te e puni ção dos cri mes con tra o patri mô nio.

Mais adian te, a obra enfren ta um dos mais dis cu ti dos casos da his tó riarecen te da suprema corte dos estados unidos, o caso Deshaney v.Winnebago county Department of social services.14 Joshua Deshaney, filhode pais sepa ra dos, foi víti ma de maus-tra tos pelo pai, que o espan cou até entrar em coma, aos qua tro anos. o meni no saiu do coma com seve ros danoscere brais. sua mãe pro ces sou o depar ta men to de ser vi ço social local, pois estejá havia sido aler ta do quan to aos maus tra tos dois anos antes, pela segun da mulher do pai da crian ça, e no ano ante rior, por médi cos do hos pi tal local,onde havia dado entra da com esco ria ções múl ti plas que deno ta vam maus tra -tos. o pedi do foi con si de ra do impro ce den te pela suprema corte.

a posi ção da suprema corte, cri ti ca da no livro, foi que a garan tia dodevi do pro ces so sig ni fi ca uma limi ta ção ao poder de agir do estado, não umagaran tia de níveis míni mos de segu ran ça e pro te ção. seu pro pó si to seria pro -te ger as pes soas do estado, não asse gu rar que o estado as pro te ja de outras.15

embora holmes e sunstein demons trem a fra gi li da de do argu men to, asse ve -ram que alguns auto res16 defen de ram a con clu são da suprema corte não por -que have ria algu ma indi fe ren ça da cons ti tui ção para com a situa ção dopeque no Joshua, mas por que os tri bu nais, por diver sas razões, não podem efi -caz men te mane jar recur sos escas sos. ao invés de ale gar que as pes soas nãotêm direi to a uma assis tên cia afir ma ti va do estado, ou que nenhu ma açãoesta tal esti ves se envol vi da como causa dire ta, esses auto res afir mam que ojudi ciá rio está mal apa re lha do para tomar deci sões racio nais sobre como

mea nin gless if pol ling place offi cials fail to show up for work. the right to just com pen sa tion forcon fis ca ted pro perty is a moc kery if the treasury fails to dis bur se. the First amendment right topeti tion for a redress of grie van ces is a right of access to govern ment ins ti tu tions and a right, inci -den tally, that assu mes that the govern ment can per form for the bene fit of aggrie ved citi zens.”

13 pp. 63-64.14 489 u.s. 189 (1989).15 pp. 87-89.16 um des ses auto res é richard a. Posner, rela tor do acór dão da 7th circuit court of appeals, que

tam bém rejei tou o pedi do. as razões pos tas às pági nas 208-214 de seu livro overcoming law(cambridge: harvard university Press, 1995) dizem res pei to à escas sez de recur sos, ao passo que,segun do holmes & sunstein, no acór dão a fun da men ta ção tenha se basea do na dico to mia entredirei tos posi ti vos e nega ti vos (the cost..., p. 242, nota 11).

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agên cias exe cu ti vas devem alo car seus recur sos e seu tempo.17 sem a preo cu -pa ção de fir mar posi ção quan to ao caso Deshaney, holmes & sunstein des ta -cam que seve ras res tri ções orça men tá rias impli cam que algu mas víti maspoten ciais de maus-tra tos tor nem-se víti mas efe ti vas e o estado terá feitopouco ou nada a res pei to. isto é deplo rá vel, mas num mundo imper fei to derecur sos limi ta dos, isto é tam bém ine vi tá vel. levar os direi tos a sério sig ni fi -ca tam bém levar a escas sez a sério.18-19

em ter mos bem con tun den tes, afir ma o livro: Direitos cos tu mam serdes cri tos como invio lá veis, peremp tó rios e deci si vos. isto, con tu do, é meroflo reio retó ri co. Nada que custe dinhei ro pode ser abso lu to. Nenhum direi tocuja efe ti vi da de pres su põe um gasto sele ti vo dos valo res arre ca da dos dos con -tri buin tes pode, enfim, ser pro te gi do de manei ra uni la te ral pelo Judiciário semcon si de ra ções às con se quên cias orça men tá rias, pelas quais, em últi ma ins tân -cia, os outros dois pode res são res pon sá veis. como a pro te ção con tra a vio lên -cia pri va da não é bara ta e neces sa ria men te drena recur sos escas sos, o direi to atal pro te ção, supon do que ele exis ta, não pode ser incon di cio nal ou com ple to.Direitos são rela ti vos, não pre ten sões abso lu tas. atentar para os cus tos é outrocami nho, para le lo a outros mais habi tual men te per cor ri dos, para a melhorcom preen são da natu re za qua li ta ti va de todos os direi tos, inclu si ve os cons ti -tu cio nais. É um suple men to útil a outras abor da gens mais uti li za das, não ape -nas por que a teo ria con ven cio nal, cega aos cus tos, refor çou a má-com preen -são gene ra li za da de sua fun ção social ou pro pó si to. a aten ção aos cus tos dosdirei tos reve la a exten são em que a efe ti vi da de dos direi tos, como rea li za danos estados unidos (e em outros luga res), é feita atra vés de trade-offs,20 inclu -si ve trade-offs mone tá rios. isto não sig ni fi ca que as deci sões devam ser fei taspor con ta do res, ape nas que fun cio ná rios públi cos e cida dãos demo cra tas têmque levar em conta os cus tos orça men tá rios. as finan ças públi cas são umaciên cia ética por que nos for çam a levar em conta, de modo públi co, os sacri -fí cios que nós, como comu ni da de, deci di mos fazer, a expli car do que pre ten -de mos abrir mão em favor de obje ti vos mais impor tan tes. a teo ria dos direi -

17 P. 88.18 P. 94. No ori gi nal: “hard bud get cons traints imply that some poten tial vic tims of child abuse will

beco me actual vic tims of child abuse, and the state will have done lit tle or nothing about it. thisis deplo ra ble, but in an imper fect world of limi ted resour ces, it is also ine vi ta ble. taking rights seriously means taking scar city seriously.”

19 cf. tb. o tre cho cita do no item 1 do capí tu lo 5, do National heart transplantation study.20 a pala vra em inglês foi man ti da aqui não ape nas pela difi cul da de em tra du zi-la, mas tam bém por

haver abo na ção ao seu uso, em docu men to ofi cial do Governo de Portugal. cf. Ministério dasFinanças. estruturas o sistema Fiscal do Portugal Desenvolvido. coimbra: livraria almedina,1998, p. 329. No res tan te deste tra ba lho uti li za mos as expres sões “esco lhas dis jun ti vas” ou “ opçõesdis jun ti vas” como cor res pon den tes a trade-off.

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tos, se espe ra cap tu rar o modo pelo qual as estru tu ras do regi me de direi to e ogover no atuam, deve levar essa rea li da de em conta. tribunais que deci demsobre a efe ti vi da de e efi cá cia de pre ten sões em casos espe cí fi cos tam bém fun -da men ta rão suas deci sões com mais inte li gên cia e trans pa rên cia se, de formaimpar cial, admi ti rem o modo pelo qual os cus tos afe tam o pro pó si to, a inten -si da de e a con sis tên cia da efe ti vi da de dos direi tos. a teo ria legal seria maisrea lís ti ca se exa mi nas se aber ta men te a com pe ti ção por recur sos escas sos quepassa neces sa ria men te entre diver sos direi tos bási cos e tam bém entre direi tosbási cos e outros valo res sociais.21

Por depen der de recur sos escas sos, os direi tos deman dam ou impli camesco lhas dis jun ti vas de natu re za finan cei ra. atentar para os cus tos ajuda aexpli car porque direi tos de pro prie da de coli dem com direi tos de pro prie da de,por que a polí cia não pode pro te ger o case bre de João ade qua da men te se játiver envia do todo seu peque no efe ti vo para pro te ger a man são de antônio.obviamente disso não resul ta que os direi tos devam ser joga dos com tudo omais numa gigan tes ca máqui na de cal cu lar a rela ção custo-bene fí cio cria da eope ra da por eco no mis tas.22 todavia, “cons ti tu tio nal law yers know lit tle abouttheir pro per sub ject mat ter – a com plex of poli ti cal, social and eco no mi cal

21 P. 97. tradução livre. No ori gi nal: rights are fami liarly des cri bed as invio la ble, preemp tory, andcon clu si ve. But these are plainly rhe to ri cal flou ris hes. Nothing that costs money can be an abso -lu te. No right whose enfor ce ment pre sup po ses a selec ti ve expen di tu re of tax pa yer con tri bu tionscan, at the end of the day, be pro tec ted uni la te rally by the judi ciary without regard to bud ge tarycon se quen ces for which other bran ches of govern ment bear the ulti ma te res pon si bi lity. sincepro tec tion against pri va te vio len ce is not cheap and neces sa rily draws on scar ce resour ces, theright to such pro tec tion, pre su ming it exists, can not pos sibly be uncom pro mi sa ble or com ple te.rights are rela ti ve, not abso lu te claims. attention to cost is simply ano ther path way, paral lel tomore hea vily tra ve led rou tes, to a bet ter unders tan ding of the qua li fied natu re of all rights, inclu -ding cons ti tu tio nal rights. it should be a use ful sup ple ment to more fami liar approa ches, not leastof all becau se the con ven tio nal cost-blind theory of rights has rein for ced a wides pread mis -un ders tan ding of their social func tion or pur po se. attention to the costs of rights reveals the extent to which rights enfor ce ment, as actually car ried our in the united states (and else whe re),is shot through with trade-offs, inclu ding mone tary trade-offs. this does not mean that deci sions should be made by accoun tants, only that public offi cials and demo cra tic citi zens must take bud -ge tary costs into account. Public finan ce is an ethi cal scien ce becau se it for ces us to pro vi de a public accoun ting for the sacri fi ces that we, as a com mu nity, deci de to make, to explain what weare wil ling to relin quish in pur suit of our more impor tant aims. the theory of rights, if it hopesto cap tu re the way a rights regi me struc tu res and governs actual beha vior, should take this rea -lity into account. courts that deci de on the enfor cea bi lity of rights claims in spe ci fic cases willalso rea son more intel li gently and trans pa rently if they can didly ack no wled ge the way costs affect the scope, inten sity, and con sis tency of rights enfor ce ment. and legal theory would bemore rea lis tic if it exa mi ned openly the com pe ti tion for scar ce resour ces that neces sa rily goes onamong diver se basic rights and also bet ween basic rights and other social values.

22 P. 102.

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phe no me na. they know only cases. an exclu si ve diet of supreme court opi -nions is a reci pe for intel lec tual mal nu tri tion”.23

Na visão dos auto res, é mais rea lís ti co e mais pro du ti vo defi nir direi toscomo pode res indi vi duais deri va dos de ser mem bro ou ”afi lia do” a uma comu -ni da de polí ti ca e como inves ti men tos sele ti vos de recur sos cole ti vos escas sos,fei tos para alcan çar obje ti vos comuns e para resol ver os pro ble mas tidos ordi -na ria men te como urgen tes.24

2. há, de fato, algu ma dis tin ção váli da? o cho que de direi tos

as lições acima podem levar a crer que de fato a dis tin ção entre direi tosnega ti vos e posi ti vos é arti fi cial e, por tan to, os direi tos sociais não põem qual -quer difi cul da de diver sa dos direi tos da liber da de. contudo, não nos pare ceque seja exa ta men te assim.

Primeiramente, cum pre dizer que a iden ti fi ca ção dos direi tos sociaiscomo posi ti vos é arti fi cial. há direi tos sociais que são emi nen te men te nega ti -vos, como o direi to de sin di ca li za ção e o direi to de greve, que não deman damqual quer con du ta esta tal intrin se ca men te rela cio na da.

Feita a res sal va, cum pre ver que há “direi tos” cuja efi cá cia não depen deneces sa ria men te de uma ação esta tal. a liber da de de expres são e de credo sãobons exem plos disso. De outro lado, há “direi tos” cuja efi cá cia depen de intrin -se ca men te de uma con du ta esta tal posi ti va, como os direi tos liga dos à assis tên -cia social. Para faci li tar, cha me mos nos pró xi mos pará gra fos de “direi tos par -cial men te inde pen den tes” aque les que não depen dem neces sa ria men te da açãoesta tal, e de “direi tos depen den tes” aque les cuja depen dên cia é intrín se ca.

abstraindo os cus tos rela cio na dos à solu ção das con tro vér sias, os “direi -tos par cial men te inde pen den tes” com por tam uma forma de con fli to quepode mos cha mar con fli tos de deli mi ta ção.25 É o caso do cho que entre o direi -

23 Pos Ner, richard a. overcoming law. cambridge: harvard university Press, 1995, p. 208.24 P. 123.25 Daniel sarmento uti li za “demar ca ção” para indi car a solu ção de con fli tos entre prin cí pios cons ti -

tu cio nais que se dá pela inter pre ta ção do con teú do, abs tra ta men te, pela con si de ra ção sis te má ti -ca. Na sua visão, “torna-se por mui tas vezes árdua, senão impos sí vel, a tare fa de esta be le ce r a prio -ri as fron tei ras dos seus âmbi tos nor ma ti vos com seus con gê ne res”, de modo que os con fli tos,mui tas vezes, não podem ser resol vi dos “fora de qual quer con tex to fáti co espe cí fi co” (sar MeN -to, Daniel. os Princípios constitucionais e a Ponderação de Bens, in teoria dos DireitosFundamentais, tor res, ricardo lobo, org. rio de Janeiro: renovar, 1999, pp. 38-40). aqui nãoempre ga mos “deli mi ta ção” com o mesmo sen ti do. Dizemos “demar ca ção” para indi car que o apli -ca dor da norma terá que deli mi tar não ape nas o campo de inci dên cia, o domí nio abs tra to danorma, mas deci dir se o fato con cre to sub me te-se ou não a esse domí nio, geran do como ima gemo dever-ser, a con du ta a ser coa ti va men te exi gi da de outrem.

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to à infor ma ção e o direi to à inti mi da de, entre o direi to à honra e a liber da dede expres são, entre a liber da de de credo e a liber da de artís ti ca. Nesses casos,dian te de uma deman da con cre ta, o estado é cha ma do para dizer, nas cir cuns -tân cias con cre tas, qual direi to pre va le ce. Discute-se acer ca da loca li za ção lógi -ca dos fatos, se den tro do domí nio de um direi to ou de outro. a deci são esta -tal resol ve rá a dis pu ta asse ve ran do estar a situa ção con cre ta aquém ou alémdos limi tes de um direi to e não de outro, retroa gin do a deci são à data dos fatos,de modo que, juri di ca men te, dir-se-á que jamais houve para a situa ção con -cre ta o direi to nega do, mas ape nas o afir ma do, tanto que ao ven ci do cos tu -mam ser apli ca das san ções.

esses são os con fli tos que a dou tri na bra si lei ra está acos tu ma da a enfren -tar,26 muito embo ra nos sos tri bu nais supe rio res não a usem aber ta men te.27

Já quan to aos “direi tos depen den tes”, põe-se tam bém um cho que deoutra ordem: a com pe ti ção por recur sos escas sos. É o exem plo dos dois feri dosà bala e um só cen tro cirúr gi co: ambos têm o direi to, mas só um pode ser assis -ti do. alguma solu ção pre ci sa rá ser dada, pois a ina ção já é uma forma de solu -ção: dei xar ambos mor rer. há, por tan to, uma esco lha dra má ti ca, uma opçãodis jun ti va a ser feita. essa deci são, ao con trá rio da ante rior, não será retroa ti -va, pois não nega rá o direi to daque le que não foi aten di do.28 Bem ao con trá -rio, a deci são sequer será pros pec ti va, eis que sur gin do meios para aten der ooutro neces si ta do, ele o será. será ela, pois, mera men te rela ti va e cir cuns tan -cial, muito embo ra possa sig ni fi car a vida ou a morte de alguém.

um exem plo con cre to des sas esco lhas dra má ti cas se dá quan to aos cri té -rios para a ela bo ra ção de fila de trans plan tes. o jor nal Folha de são Paulo, naedi ção de 26 de setem bro de 1999,29 trou xe maté ria noti cian do que o Minis -tério da saúde ela bo rou uma nova fila para trans plan tes, espe cí fi ca para quemneces si ta de trans plan te duplo de rins e pân creas. essas pes soas, nor mal men -te dia bé ti cas do tipo 1, cor rem risco de ficar cegas, ter falên cia dos rins e teras per nas ampu ta das devi do a pro ble mas cir cu la tó rios. ocorre que enquan to afila de pacien tes espe ran do rins no estado de são Paulo tem cerca de 7.800pacien tes, a de pân creas tem menos 80.30 assim, as pes soas que estão na

26 cf., por exem plo, MeN Des, Gilmar Ferreira. colisão de Direitos Fundamentais: liberdade deexpressão e de comunicação e Direito à honra e à imagem, in Direitos Fundamentais e controlede constitucionalidade, são Paulo: instituto Brasileiro de Direito constitucional, 1998, pp. 85-92e sar MeN to, Daniel. op. cit.

27 sar MeN to, op. cit., p. 81.28 “Negar o direi to” aqui no sen ti do de negar haver direi to para a hipó te se con cre ta, não de negar,

e.g., a liber da de de expres são.29 caderno cotidiano, p. 3.7.30 Dados da repor ta gem.

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segun da fila rece be rão um rim bem antes daque las que este jam na pri mei rafila, rom pen do com o cri té rio cro no ló gi co (tempo de espe ra) e sem que hajauma com pa ra ção de urgên cia ou via bi li da de médi ca entre quem será aten di doantes e quem já esta va há mais tempo aguar dan do o trans plan te.

está aí a prova ine xo rá vel de uma coli são espe cí fi ca dos “direi tos depen -den tes”. Por óbvio, todos que estão na fila de trans plan te neces si tam do órgão.todavia, mesmo que genui na men te se quei ra aten der a todos, é neces sá rioado tar um cri té rio de esco lha, já que aten der a um é neces sa ria men te dei xarde aten der a outro. o aten di men to a um plei to deman da o empre go de recur -sos fini tos. a limi ta ção des ses recur sos pode torná-los escas sos e, então, seráneces sá ria a ado ção de esco lhas trá gi cas, em que se opta por quem aten der, edisso resul ta o con su mo de recur sos que pode riam aten der a outro ou a outros.

Quanto aos “direi tos par cial men te inde pen den tes”, será sem pre pos sí velao magis tra do dar ordens para que o estado se abs te nha e essas ordens sejamcum pri das. Não há ques tões orça men tá rias que impe çam o cum pri men to deuma ordem de habeas cor pus ou uma limi nar deter mi nan do a libe ra ção demer ca do ria, o não impe di men to de uma mani fes ta ção reli gio sa, polí ti ca ouartís ti ca, muito embo ra a obten ção des sas ordens deman de um apa ra to judi -cial cus to so. Já quan to aos “direi tos depen den tes”, o con su mo de recur sos éine xo rá vel.

vê-se, por tan to, haver duas cate go rias lógi cas dis tin tas, jus ti fi can do,pois, que sejam dife ren cia das ter mi no lo gi ca men te. essas cate go rias não sãoiden ti fi cá veis com os “direi tos” nega ti vos ou posi ti vos, mas com as dimen sõesnega ti vas e posi ti vas refe ri das por clèmerson clève.31

a ques tão passa a ser a ter mi no lo gia a ser empre ga da. Disso tra ta rá o pró -xi mo capí tu lo.

31 clÈve, clèmerson Merlin. op. cit., p. 217.

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capítulo 4Natureza, estrutura e

colisão dos Direitos Fundamentais

sumário: 1. Direitos humanos ou Direitos Fundamentais? a questão terminológica;2. a Natureza dos Direitos Fundamentais; 3. a decomposição dos direitos em pretensões(1ª parte); 4. Direitos sem deveres correlatos; 4.1. a formação dos conceitos; 5. a decom-posição dos direitos em pretensões (2ª parte); 6. a colisão de direitos fundamentais nadoutrina; 6.1. a visão de robert alexy; 7. conclusão.

1. Direitos humanos ou Direitos Fundamentais? a ques tãoter mi no ló gi ca

antes de pros se guir, con vém dei xar claro o sen ti do que damos a expres -sões-chave neste tra ba lho, em espe cial direi tos huma nos e direi tos fun da men -tais.

a ques tão ter mi no ló gi ca, em direi tos huma nos, é tra ta da com gran deper cu ciên cia por Peces-Barba1 e Peres luño,2 em obras já refe ri das ante rior -men te.3 Demonstram esses auto res que com fre quên cia faz-se con fu são entreas expres sões direi tos huma nos,4 direi tos natu rais, direi tos públi cos sub je ti vos,liber da des públi cas, direi tos morais e direi tos fun da men tais, con fu são que nãoé devi da ape nas a esco las filo só fi cas, mas tam bém a filia ção ideo ló gi ca.5

Direitos huma nos é segu ra men te um dos ter mos mais usa dos. ele éempre ga do ora em refe rên cia “a una pre ten sión moral fuer te que debe seraten di da para hacer posi ble una vida huma na digna”,6 ora para iden ti fi car umsis te ma de direi to posi ti vo.

Direitos natu rais é expres são facil men te asso cia da ao jus na tu ra lis mo e,tal vez por isso, em certo desu so. seu sig ni fi ca do está liga do a direi tos pré vios

1 Peces-BarBa Mar tÍ Nez, Gregorio. curso de Derechos Fundamentales: teo ría gene ral.Madrid: universidad carlos iii de Madrid, 1995.

2 PÉrez luÑo, a. e., Derechos humanos, estado de Derecho y constitución. Madrid: tecnos,1995.

3 capítulo 2, item 1, supra.4 ou tam bém “direi tos do homem”, cf. aleXY, robert. Direitos Fundamentais no estado

constitucional Democrático. revista de Direito administrativo 217: 55-66, 1999.5 alMei Da, Fernando Barcellos de. teoria Geral dos Direitos humanos. Porto alegre: sergio

antonio Fabris, 1996, p. 19.6 Peces-BarBa Mar tÍ Nez, op. cit., p. 23.

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ao orde na men to posi ti vo, que têm dimen são jurí di ca e podem ser des co ber tosracio nal men te na natu re za huma na e que são limi tes ao direi to obje ti vo e aopoder jurí di co.

Direitos públi cos sub je ti vos é termo cunha do na esco la de ius pu bli cis taalemã, de cujas obras des ta ca-se a de Jellinek: Direitos públi cos sub je ti vos.7esse termo limi ta os direi tos como limi tes ao poder, excluin do sua apli ca çãoàs rela ções entre par ti cu la res e, como bem des ta ca Peres luño, é “una cate go -ría his tó ri ca adap ta da al fun cio na mien to de un deter mi na do tipo de estado, ellibe ral, y a unas con di cio nes mate ria les que han sido supe ra das por el desar -rol lo eco nó mi co- social de nues tro tiem po”.8

liberdades públi cas é termo con sa gra do na dou tri na fran ce sa e temcarac te rís ti cas posi ti vis tas, em con tra po si ção à ambi gui da de da expres sãodirei tos do homem, da decla ra ção de 1789. todavia, seu sig ni fi ca do está liga -do aos direi tos de pri mei ra gera ção, àque les vol ta dos con tra o estado, o quelimi ta bas tan te seu uso, vez que, como demons tra do neste tra ba lho, e em espe -cial no capí tu lo ante rior, não há direi tos que não recla mem algu ma forma deatua ção esta tal.

Direitos morais é expres são ori gi na da da cul tu ra anglo-saxã, que vemtendo gran de difu são nos meios jurí di cos de lín gua espa nho la em fun ção daobra “Ética e Direitos humanos”, do pro fes sor carlos santiago Nino.9 É termopro fun da men te liga do ao jus na tu ra lis mo, embo ra haja uma dife ren ça de cono -ta ção. os direi tos natu rais defen di dos espe cial men te no pas sa do seriam direi -tos racio nal men te dedu tí veis da natu re za huma na e, como tais, ten de riam aser uni ver sais e atem po rais. Já os direi tos morais cos tu mam estar mais liga dosa teo rias de jus ti ça pro ce di men tal, o que torna pos sí vel admi ti-los como his -tó ri ca e geo gra fi ca men te mutá veis.

Direitos fun da men tais é termo empre ga do para desig nar os direi toshuma nos posi ti va dos em uma dada socie da de. No Brasil, por exem plo, fala-seem incluir a mora dia como direi to fun da men tal.10

Neste tra ba lho são empre ga das pre fe ren cial men te as expres sões direi toshuma nos e direi tos fun da men tais. a expres são Direitos huma nos é usada pararefe rir aos direi tos ine ren tes à dig ni da de da pes soa huma na, que inde pen dem

7 Jel li NeK, Georg. sistema dei Diritti Pubblici subbiettivi. Milano: società editrice libraria,1912.

8 Peres luÑo, op. cit., p. 34.9 PÉces-BarBa Mar tÍ Nez, op. cit., p. 33.10 Proposta de emenda à constituição n.º 28, de 1996, de auto ria do senador Mauro Miranda, do

PMDB de Goiás. a pro pos ta foi apro va da, tor nan do-se a emen da cons ti tu cio nal nº 26, de 14 defeve rei ro de 2000, que modi fi cou a reda ção do arti go 6º da constituição para incluir na reda çãoo direi to à mora dia como direi to social.

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de posi ti va ção. Já a expres são Direitos fun da men tais é empre ga da para refe riraos direi tos huma nos reco nhe ci dos em um dado orde na men to. Por vezes sefaz men ção a direi tos públi cos sub je ti vos, a direi tos morais e a direi tos natu -rais, mas sem pre para empre gar a mesma ter mi no lo gia usada por algum autorcita do no mesmo tre cho.

2. a Natureza dos Direitos Fundamentais

são diver sas as teo rias sobre os direi tos fun da men tais. Numa expo si çãobreve sobre a ques tão, nos ser vi mos de ano ta ções extraí das de Böckenförde.11

a teo ria libe ral os con ce be como direi tos de liber da de do indi ví duo fren -te ao estado. os direi tos de liber da de são, assim, nor mas de dis tri bui ção decom pe tên cias entre o indi ví duo (socie da de) e o estado, deli mi tan do o âmbi toem que o indi ví duo e suas estru tu ras sociais pró prias são com pe ten tes pararegu lar con du tas e orga ni za ção de pres ta ções, ante o âmbi to da regu la ção polí -ti ca domi nan te das con du tas orga ni za das pelo estado, na forma de ação esta -tal sobe ra na. trata-se, por tan to, de uma liber da de sem mais, não liber da depara dados obje ti vos ou fins.

É no âmbi to dessa ideia-força que se com preen de deci sões como a dasuprema corte norte-ame ri ca na no caso lochner v. New York, em que foidecla ra da a incons ti tu cio na li da de de uma lei da cida de de Nova iorque queintro du zi ra jor na da máxi ma de tra ba lho de 10 horas diá rias e 60 horas sema -nais para empre ga dos de pada ria, sob o argu men to de que tal medi da cons ti -tuía uma inde vi da inter fe rên cia esta tal na ampla liber da de de con tra tar con -fe ri da às par tes.12

Já na teo ria ins ti tu cio nal dos direi tos fun da men tais a liber da de juri di ca -men te inde fi ni da não apa re ce mais como con teú do dos direi tos fun da men tais.em seu lugar surge uma liber da de “obje ti va da”, orde na da e con fi gu ra da nor -ma ti va e ins ti tu cio nal men te. a liber da de dos direi tos fun da men tais não é umaliber da de sem mais, como na teo ria libe ral, mas uma liber da de orien ta da adeter mi na dos inte res ses con cre ta men te e a rea li za ção do sen ti do obje ti vo-ins -tu ti cio nal da garan tia da liber da de.

Para a teo ria axio ló gi ca dos direi tos fun da men tais, que parte da teo ria dainte gra ção de rudolf smend, tais direi tos fixam valo res fun da men tais da comu -

11 op. cit.12 198 u.s. 45 (1905). há um rela to par cial desse jul ga do em stur ze NeG Ger, luiz carlos, “a

constitucionalidade do art. 38 da lei nº 8.880/94”, revista de Direito administrativo: 198, 37. aínte gra do jul ga do pode ser obti da no ende re ço ele trô ni co <http://supct.law.cor nell.edu/supct/cases/name.htm>.

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ni da de, for man do um sis te ma de valo res ou de bens, um sis te ma cul tu ral atra -vés do qual os indi ví duos alcan çam um sta tus mate rial. Do mesmo modo quena teo ria ins ti tu cio nal, os direi tos fun da men tais têm cará ter de nor mas obje ti -vas e não de pre ten sões sub je ti vas. recebem seu con teú do obje ti vo como ema -na ção do fun da men to axio ló gi co da comu ni da de esta tal e como expres são deuma deci são axio ló gi ca que a comu ni da de toma para si. isso reper cu te no con -teú do da liber da de. ela é em cada caso liber da de para a rea li za ção dos valo resexpres sos nos direi tos fun da men tais e o marco de uma ordem de valo res; nãopree xis te à tota li da de esta tal. a liber da de está deter mi na da à rea li za ção e cum -pri men to do valor expres sa do nela pelo direi to fun da men tal.

Já para a teo ria demo crá ti co-fun cio nal dos direi tos fun da men tais, alcan -çam estes seu sen ti do e sua prin ci pal sig ni fi ca ção como fato res cons ti tu ti vosde um livre pro ces so de pro du ção demo crá ti ca. os direi tos fun da men tais nãosão reco nhe ci dos ao cida dão para que deles dis po nha livre men te, mas em suaqua li da de de mem bro da comu ni da de e, com isso, haja em con for mi da de como inte res se públi co. a liber da de passa a ser uma liber da de para algo.

a teo ria dos direi tos fun da men tais do estado social pre ten de supe rar ocho que entre liber da de jurí di ca e liber da de real. Para ela os direi tos fun da -men tais não têm mais só um cará ter deli mi ta dor nega ti vo, mas de faci li ta do -res de pres ta ções sociais pelo estado. assim, deve o estado pro cu rar os pres -su pos tos sociais neces sá rios para a rea li za ção da liber da de dos direi tos fun da -men tais e favo re cê-los.

Peces-Barba tam bém demons tra a espe ci fi ci da de dos direi tos fun da men -tais, que, a seu ver, geram direi tos sub je ti vos, mas de natu re za pecu liar. Dizele que: “los dere chos y los debe res fun da men ta les son del indi vi duo o de losgru pos, aso cia cio nes, etc., en que los hom bres se inser tan, pero, a dife ren ciade los dere chos y debe res sub je ti vos del ámbi to del Derecho pri va do, no com -por tan sola men te bene fi cios para el titu lar del dere cho, ni los debe res limi tansola men te las ven ta jas que pro por cio nan a unos direc tos bene fi cia rios de losmis mos. suponen en ambos casos ven ta jas adi cio na les para el con jun to de loshom bres y tam bién para la socie dad y para el estado.”13

Prossegue esse autor exem pli fi can do: “cuando un ciu da da no par ti ci pa,con el ejer ci cio del dere cho de sufra gio, no sola men te se pro du ce un bene fi -cio para él, sino tam bién para el estado que reci be el apoyo de su par ti ci pa -ción, para el Derecho que surja de esos órga nos y que tiene mayor con sen so ymayor acep ta ción, y para los demás miem bros de la socie dad a los que la par -

13 Peces-BarBa Mar ti Nez, Gregorio. Derecho y Derechos Fundamentales. Madrid: centro deestudios constitucionales, 1993, p. 324.

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ti ci pa ción polí ti ca de ese ciu da da no supo ne una con tri bu ción para afron tar,entre todos, los pro ble mas. cuando un ciu da da no sub vie ne a las car gas públi -cas como deber fun da men tal, está pro du cien do un bene fi cio no sólo al minis -te rio de hacienda, ante el que tiene que cum plir su deber de pago de losimpues tos, sino al estado que acre cien ta u pre su pues to de ingre sos y a los ciu -da da nos que se bene fi cia rán a tra vés de los ser vi cios públi cos de esos pagos.”14

Paulo Bonavides, ao seu turno, clas si fi ca as teo rias em teo ria libe ral dosdirei tos fun da men tais, teo ria ins ti tu cio nal dos direi tos fun da men tais e teo riados valo res.15 conclui esse notá vel juris ta por filiar-se a uma nova teo ria dosvalo res, não para negar o cará ter nor ma ti vo dos direi tos fun da men tais. Diz eleque enquan to no pas sa do havia o direi to fun da men tal do sta tus nega ti vus,hoje ele adqui re dimen são obje ti va e uma nova qua li da de, a de não ficar pre -ci sa men te sujei to à uni la te ra li da de daque la rela ção. com isso, os direi tos fun -da men tais “trans for mam-se numa espé cie de bús so la da constituição, nor -tean do e gover nan do todo o orde na men to jurí di co”. Prossegue dizen do que amudan ça atin ge a constituição, que deixa de ser um sis te ma de nor mas naima gem clás si ca do posi ti vis mo para se trans ver ter num sis te ma de valo res e,em segui da, num sis te ma de prin cí pios. a pas sa gem do sis te ma valo ra ti vo aosis te ma prin ci pial faz sur gir o embrião da nova teo ria dos valo res, que, por suavez, “foi deci si va para tran si tar-se da her me nêu ti ca jus pri va tis ta de sub sun ção,na meto do lo gia dedu ti vis ta para a moder na her me nêu ti ca jus pu bli cis ta, a cha -ma da nova hermenêutica, a her me nêu ti ca cons ti tu cio nal, basi ca men te indu -ti va, onde se apli ca com fre quên cia o prin cí pio da pro por cio na li da de e quegera con cei tos novos, quais os de ‘con cor dân cia prática’, ‘pré- compreensão’ e‘ concretização’”.16 conclui esse tre cho assen tan do:

“com efei to, na velha hermenêutica inter pre ta va-se a lei, e a lei eratudo, e dela tudo podia ser reti ra do que cou bes se na fun ção elu ci da ti vado intér pre te, por uma ope ra ção lógi ca, a qual, toda via, nada acres cen ta -va ao con teú do da norma; em a Nova hermenêutica, ao con trá rio, con -cre ti za-se o pre cei to cons ti tu cio nal, de tal sorte que con cre ti zar é algomais do que inter pre tar, é, em ver da de, inter pre tar com acrés ci mo, comcria ti vi da de. aqui ocor re e pre va le ce uma ope ra ção cog ni ti va de valo resque se pon de ram. coloca-se o intér pre te dian te da con si de ra ção de prin -cí pios, que são as cate go rias por exce lên cia do sis te ma cons ti tu cio nal.”17

14 idem.15 BoNa vi Des, Paulo. curso de Direito constitucional. são Paulo: Malheiros, 1997, cap. 17, item 7.16 op. cit., pp. 584-585.17 idem.

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a nosso ver, os direi tos fun da men tais têm natu re za jurí di ca pró pria,incon fun dí vel com as cate go rias mol da das à luz do direi to pri va do. Não sãoeles meras regras de estru tu ra, pois indis far ça vel men te há direi tos fun da men -tais vol ta dos a pres ta ções posi ti vas e, por outro lado, os con fli tos inter sub je ti -vos basea dos em direi tos fun da men tais18 obri gam a uma inter ven ção esta talnas esfe ras pro te gi das por esses direi tos, mui tas vezes para limi tá-los, o queseria impen sá vel se sua natu re za fosse de norma de estru tu ra, hipó te se em quefal ta ria com pe tên cia ao estado.19 Não são eles meros valo res jurí di cos a orien -tar a for ma ção do orde na men to ou con ces sões esta tais, mas, ao con trá rio,inves tem o par ti cu lar em uma série de prer ro ga ti vas, legi ti man do-o a exi girdadas con du tas esta tais.

como bem des ta ca Peces-Barba, os direi tos sub je ti vos ori gi na dos pelosdirei tos fun da men tais não apre sen tam as mes mas carac te rís ti cas dos direi tossub je ti vos do âmbi to do direi to pri va do.20 isto se deve ao fato de que, a nossover, os direi tos fun da men tais são a posi ti va ção, o reco nhe ci men to dos direi toshuma nos, que são direi tos natu rais, na acep ção que lhes empres ta carlossantiago Nino:

“en otro lugar he sos te ni do que el ius na tu ra liz mo puede carac te ri zar sepor la defen sa de dos tesis fun da men ta les: a) que hay prin ci pios que deter -mi nan la jus ti cia de las ins ti tu cio nes socia les y esta ble cen pará me tros devir tud per so nal que son uni ver sal men te váli dos inde pen dien te men te desu reco no ci mien to efec ti vo por cier tos órga nos o indi vi duos; b) que unsis te ma nor ma ti vo, aun cuan do sea efec ti va men te reco no ci do por órga nosque tie nen acce so al apa ra to coac ti vo esta tal, no puede ser cali fi ca do comodere cho si no satis fa ce los prin ci pios alu di dos en el punto ante rior.”21

os direi tos huma nos são norma cujo teor varia ao longo da his tó ria, mastendo sem pre um prumo: a dig ni da de da pes soa huma na, valor cuja defi ni çãoa prio ri não é pos sí vel, mas que, ante cada momen to his tó ri co, para cadacomu ni da de, per mi te a dedu ção racio nal.22

18 e. g., a coli são da liber da de de expres são com o direi to à inti mi da de e à honra.19 como na “era lochner”20 cf. tam bém o item “Direitos sem deve res cor re la tos”, neste capí tu lo, infra.21 NiNo, carlos santiago. Ética y Derechos humanos. Buenos aires: astrea, 1989, p. 16. o tema

está mais bem desen vol vi do em outra obra do mesmo autor (NiNo, carlos santiago. introducciónal aná li sis del dere cho. Buenos aires: astrea, 1995, pp. 16-30 e pp. 127-132), mas sem a sín te sedo tre cho aqui trans cri to.

22 em sen ti do simi lar, aleXY, robert. “Direitos Fundamentais no estado constitucionalDemocrático”. revista de Direito administrativo, 217: 55-66, 1999, para quem uma das mar cas

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essas carac te rís ti cas úni cas não per mi tem a redu ção a con cei tos mol da dosà luz de repre sen ta ções extraí das das rela ções pri va das. a con cei tua ção, pois, háque ser feita por cada uma das face tas dos direi tos. os direi tos huma nos nota bi -li zam-se por ser o pres su pos to de exis tên cia da ordem jurí di ca. uma ordem quenão reco nhe ça23 os direi tos huma nos, não é jurí di ca, mas mero esta tu to dedomi na ção. os direi tos fun da men tais, que são posi ti va dos, ainda que por infe -rên cia de outros prin cí pios e valo res alber ga dos no orde na men to, são nor masque, a um só tempo, mol dam a estru tu ra do estado e asse gu ram direi tos.24

como bem des ta ca alexy, “a pas sa gem dos direi tos do homem, comodirei tos morais, para o direi to posi ti vo não sig ni fi ca, decer to, sua des pe di da. ocon trá rio é exato, por que a parte essen cial dessa pas sa gem é a trans for ma çãodos direi tos do homem em direi tos fun da men tais de con teú do igual. os direi -tos do homem não per dem, nessa trans for ma ção, vali dez moral, ganham,porém, adi cio nal men te uma jurí di co-posi ti va. a espa da torna-se afia da.Primeiro, com isso, está efe tua do defi ni ti va men te o passo do impé rio das ideias para o impé rio da his tó ria”.25

evidentemente, a qua li fi ca ção como “direi to” irá depen der da con cep çãodo que seja Direito. se por Direito for enten di do ape nas algo que possa serinvo ca do peran te um juiz nacio nal, evi den te men te care ce rá de sen ti do cha -mar de “direi tos” os direi tos huma nos. todavia, para quem com preen da oDireito como algo um tanto mais amplo e enten da como direi to um títu lo jurí -di co para legi ti mar uma pre ten são ou jus ti fi car uma ação, então somen te oreco nhe ci men to da pré-posi ti vi da de dos direi tos huma nos pode jus ti fi car odirei to de sedi ção con tra a domi na ção vio len ta e o exer cí cio da juris di ção

dos direi tos do homem é ser direi to moral (p. 58) e os “direi tos morais podem, simul ta nea men te, serdirei tos jurí di co-posi ti vos, sua vali dez, porém, não pres su põe uma posi ti va ção. Para a vali dez ouexis tên cia de um direi to moral basta que a norma, que está na sua base, valha moral men te” (p. 60).

23 o reco nhe ci men to, embo ra deva ser sin ce ro (ver, no pri mei ro capí tu lo, a insin ce ri da de nor ma ti -va), não exclui a pos si bi li da de de que haja vio la ções aos direi tos huma nos, já reco nhe ci dos comofun da men tais.

24 em sen ti do simi lar é a posi ção de Perez luÑo, antonio. los Derechos Fundamentales. Madrid:tecnos, 1995, p. 46: “los dere chos huma nos sue len venir enten di dos como un con jun to de facul -ta des e ins ti tu cio nes que, en cada momen to his tó ri co, con cre tan las exi gen cias de la dig ni dad, laliber tad y la igual dad huma nas, las cua les deben ser reco no ci das posi ti va men te por los orde na -mien tos jurí di cos a nivel nacio nal e inter na cio nal. en tanto que con la noción de los dere chosfun da men ta les se tien de a alu dir a aquel los dere chos huma nos garan ti za dos por el orde na mien tojurí di co posi ti vo, en la mayor parte de los casos en su nor ma ti va cons ti tu cio nal, y que sue lengozar de una tute la refor za da.” (gri fos do ori gi nal)

25 aleXY, robert. “Direitos Fundamentais no estado constitucional Democrático”. revista deDireito administrativo, 217:55-66, 1999. cit. da p. 62.

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inter na cio nal para a tute la mesmo de situa ções ante rio res à posi ti va ção, comonos jul ga men tos de Nurembergue.

o tema é vasto e ins ti gan te, mas para o obje ti vo deste tra ba lho, não con -vém alon gá-lo ainda mais.

3. a decom po si ção dos direi tos em pre ten sões (1ª parte)

como pude mos obser var nos capí tu los ante rio res, há uma con tí nuamudan ça no con teú do dos cha ma dos direi tos huma nos, na qual novas aspi ra -ções são trans for ma das em direi tos para aten der a neces si da des que se tor na -ram mais vivas. esse movi men to, que alguns cha mam de “gera ções de direi tos”,cor res pon de, como bem salien ta Paulo Bonavides,26 a novas dimen sões dosdirei tos, já que a mudan ça não se dá ape nas com o sur gi men to de outras for masde pro te ção do homem, mas tam bém com a relei tu ra dos direi tos e garan tias jáantes reco nhe ci dos. Nessa relei tu ra, a essên cia dos valo res defen di dos pelasliber da des clás si cas passa a deman dar não ape nas o afas ta men to do estado, mas,ao con trá rio, sua atua ção con cre ta, já que “a vio la ção do direi to fun da men talpode pro vir do estado, é ver da de, mas tam bém da socie da de civil, do amigo, do patrão, do vizi nho”.27 em vis tas disso, “tere mos direi tos nega ti vos, com dimen -sões posi ti vas e direi tos posi ti vos com dimen sões nega ti vas”.28

a evo lu ção não é ape nas quan ti ta ti va, com a soma de novos direi tos, masqua li ta ti va, com a atua li za ção do sen ti do daque les já antes asse gu ra dos.

como já demons tra mos antes,29 a pala vra “direi to” é polis sê mi ca e, porcor res pon der a diver sas figu ras dis tin tas, seu empre go torna-se por vezesimpre ci so. Pensamos, então, que a rea li da de bem cap ta da por clèmersonclève, de dife ren tes “dimen sões” dos direi tos, pode ser des cri ta pelo empre godo termo “pre ten são”.

assim, os direi tos fun da men tais inves tem o indi ví duo em um sta tus jurí -di co no qual lhe é facul ta do for mu lar pre ten sões peran te o estado, pre ten sõesessas que podem diri gir-se a uma abs ten ção esta tal (pre ten são nega ti va) ou auma ação do estado (pre ten são posi ti va).30 essas pre ten sões, con tu do, não sur -

26 BoNa vi Des, Paulo. curso de Direito constitucional. são Paulo: Malheiros, 1997, pp. 518-519.27 clÈve, clèmerson Merlin. “o pro ble ma da legi ti ma ção do Poder Judiciário e das deci sões judi -

ciais no estado Democrático de Direito”. Debates 20: 210, 1999.28 op. cit., p. 216.29 cf. item 2.1, supra.30 Não abor da mos aqui, por refu gir ao obje ti vo do tra ba lho, os efei tos dos direi tos fun da men tais nas

rela ções entre par ti cu la res.

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gem em rela ção de equi va lên cia a um dever corres pec ti vo e con tra pos to, comonos mode los de hohfeld e ross.31

Não há um binô mio em cor re la ção neces sá ria, pre ten são, dever, como étípi co do con cei to de pre ten são em direi to civil.32 a pre ten são, aqui, apro xi -ma-se mais de seu con cei to em pro ces so civil.33

4. Direitos sem deve res cor re la tos

conquanto possa pare cer um para do xo falar em direi tos sem que hajadeve res34 cor re la tos, essa posi ção é defen di da, espe ci fi ca men te para os direi -tos fun da men tais, por alguns auto res.

holmes e sunstein, no vigo ro so livro aqui tan tas vezes cita do, dei xamessa posi ção bas tan te clara, tal como se pode ver dos excer tos abai xo:

os direi tos cos tu mam ser des cri tos como invio lá veis, peremp tó rios edeter mi na dos. todavia, isto é mero flo reio retó ri co. Nada que custadinhei ro pode ser abso lu to. Nenhum direi to cuja efi cá cia pres su põe ogasto sele ti vo dos recur sos dos con tri buin tes pode, em últi ma ins tân -cia, ser pro te gi do uni la te ral men te pelo Judiciário sem obser vân cia das

31 cf. item 2.1, supra.32 cf., e. g., PoN tes De MiraN Da. tratado de Direito Privado, tomo v. rio de Janeiro: editor

Borsoi, 1970, p. 451: “o cor re la to da pre ten são é um dever ‘ premível’ do des ti na tá rio dela, tal vezobri ga ção (no sen ti do estri to), sem pre obri ga ção (no sen ti do largo). ao ‘ posso’ do titu lar da pre -ten são cor res pon de o ‘ser obrigado’ do des ti na tá rio. Não há pre ten são sem des ti na tá rio; nem obri -ga ção, sem que haja a pre ten são.”

33 cf., e. g., car va lho, Milton Paulo de. Do Pedido no Processo civil. Porto alegre: sergioantonio Fabris editor, 1992, pp. 74-78 e DiNa Mar co, cândido rangel. o conceito de Méritoem Processo civil, in Fundamentos do Processo civil Moderno. são Paulo: revista dos tribunais,1987, pp. 202-203 e 213-219. Destacamos, em con tra pon to à cita ção na nota ante rior, o seguin tetre cho: “a lei pro ces sual alemã indi ca a anspruch como obje to do pro ces so (zPo, § 147), mas adou tri na se apres sa em escla re cer que ‘a pre ten são da zPo não é a pre ten são do BGB’, ou seja,‘essa pre ten são que cons ti tui obje to do pro ces so não é a pre ten são de que fala o § 194 do códigocivil (BGB)’. a pre ten são, segun do o código civil ale mão (BGB), é um con cei to de direi to mate -rial e, se fosse ela o obje to do pro ces so, ‘um pro ces so con de na tó rio que ter mi nas se com a rejei çãoda deman da por falta de pre ten são civil teria care ci do de obje to. Daí a asser ti va, gene ra li za da emdou tri na hoje em dia, de que cons ti tui obje to do pro ces so a pre ten são pro ces sual. trata-se defenô me no de natu re za pro ces sual, que na teo ria do pro ces so há de encon trar solu ção. como pri -mei ra apro xi ma ção, pode mos dizer da pre ten são pro ces sual, com carnelutti, que ela é ‘um ato,não um poder; algo que alguém faz, não que ele tem; uma mani fes ta ção, não uma supe rio ri da dedo querer’. Pretender é exi gir, como já foi salien ta do aqui; pre ten são é uma exi gên cia e já foi ditoquais são os obje tos dessa exi gên cia (ime dia to, media to)” (pp. 214-215).

34 como adian te se verá, há um dever esta tal con tra pos to, mas esse dever não é o de aten der à exi -gên cia for mu la da, mas de aten dê-la ou jus ti fi car porque não o faz.

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con se qüên cias orça men tá rias que afe tam a com pe tên cia dos outrosPoderes.35

É mais rea lís ti co e mais pro du ti vo defi nir os direi tos como pode res indi -vi duais deri va dos da qua li da de de mem bro ou afi lia do a uma comu ni da -de polí ti ca e como inves ti men tos sele ti vos de recur sos cole ti vos escas sos,fei tos para alcan çar obje ti vos comuns e resol ver o que é sen ti do como umpro ble ma comum urgen te.36

Mas os direi tos não podem ser tor na dos efe ti vos de um modo imu tá velpor razões come zi nhas tam bém: a efe ti vi da de está sujei ta a res tri çõesorça men tá rias que variam de ano para ano. (....). levar o custo dos direi -tos em conta é então se por tar como um admi nis tra dor pru den te37 que seinda ga sobre como alo car inte li gen te men te recur sos limi ta dos, levan doem conta o amplo espec tro de bens e uti li da des públi cas. os direi tos asse -gu ra dos em lei têm ‘cus tos de oportunidade’; quan do um direi to é tor na -

35 hol Mes, stephen & suNs teiN, cass r. the cost of rights: why liberty depends on taxes. NewYork: W. W. Norton & co., 1999, p. 97. tradução nossa. No ori gi nal: “rights are fami liarly des -cri bed as invio la ble, preemp tory, and con clu si ve. But these are plainly rhe to ri cal flou ris hes.Nothing that costs money can be an abso lu te. No right whose enfor ce ment pre sup po ses a selec -ti ve expen di tu re of tax pa yer con tri bu tions can, at the end of the day, be pro tec ted uni la te rallyby the judi ciary without regard to bud ge tary con se quen ces for which other bran ches of govern -ment bear the ulti ma te res pon si bi lity. since pro tec tion against pri va te vio len ce is not cheap andneces sa rily draws on scar ce resour ces, the right to such pro tec tion, pre su ming it exists, can notpos sibly be uncom pro mi sa ble or com ple te. rights are rela ti ve, not abso lu te claims. attention tocost is simply ano ther path way, paral lel to more hea vily tra ve led rou tes, to a bet ter unders tan -ding of the qua li fied natu re of all rights, inclu ding cons ti tu tio nal rights. it should be a use ful sup -ple ment to more fami liar approa ches, not least of all becau se the con ven tio nal cost-blind theoryof rights has rein for ced a wides pread misun ders tan ding of their social func tion or pur po se.attention to the costs of rights reveals the extent to which rights enfor ce ment, as actually car -ried our in the united states (and else whe re), is shot through with trade-offs, inclu ding mone -tary trade-offs. this does not mean that deci sions should be made by accoun tants, only that public offi cials and demo cra tic citi zens must take bud ge tary costs into account. Public finan ce isan ethi cal scien ce becau se it for ces us to pro vi de a public accoun ting for the sacri fi ces that we,as a com mu nity, deci de to make, to explain what we are wil ling to relin quish in pur suit of ourmore impor tant aims. the theory of rights, if it hopes to cap tu re the way a rights regi me struc -tu res and governs actual beha vior, should take this rea lity into account. courts that deci de onthe enfor cea bi lity of rights claims in spe ci fic cases will also rea son more intel li gently and trans -pa rently if they can didly ack no wled ge the way costs affect the scope, inten sity, and con sis tencyof rights enfor ce ment. and legal theory would be more rea lis tic if it exa mi ned openly the com -pe ti tion for scar ce resour ces that neces sa rily goes on among diver se basic rights and also bet weenbasic rights and other social values.”

36 id., p. 123. No ori gi nal: it is more rea lis tic and more pro duc ti ve to defi ne rights as indi vi dual powers deri ving from mem bers hip in, or affi lia tion with, a poli ti cal com mu nity, and as selec ti veinves tments of scar ce col lec ti ve resour ces, made to achie ve com mon aims and to resol ve whatare gene rally per cei ved to be urgent com mon pro blems.

37 a expres são ori gi nal é “govern ment pro cu re ment offi cer”, que cor res pon de a um fun cio ná rio res -pon sá vel por com pras, mas não encon tra equi va len te dire to no mode lo bra si lei ro.

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do efe ti vo, outros bens valio sos, inclu si ve direi tos, são pos tos à mar gem,pois os recur sos con su mi dos para dar efi cá cia àque le direi to são escas sos.a ques tão é sem pre: pode riam os recur sos públi cos ser alo ca dos com maisjus ti ça de um outro modo?38

No mesmo sen ti do pare ce ser a lição de carlos santiago Nino, para quemas “nor mas jurí di cas não são sufi cien tes39 para jus ti fi car ações e deci sões comoas tipi ca men te fun da das na invo ca ção de direi tos cons ti tu cio nais. Quandorecor re mos a um direi to cons ti tu cio nal para jus ti fi car certa deci são (incluin doa crí ti ca a uma deci são já toma da), esta mos recor ren do em últi ma ins tân cia aprin cí pios de mora li da de social que endos sam a norma cons ti tu cio nal esta be -le cen do o direi to em ques tão. os direi tos cons ti tu cio nais são em últi ma ins -tân cia direi tos morais, já que deri vam de prin cí pios que pos suem as pro prie -da des de auto no mia, fina li da de, super ve niên cia,40 publi ci da de, uni ver sa li da dee gene ra li da de. estas são as carac te rís ti cas dis tin ti vas dos prin cí pios morais.”41

cumpre des ta car que, para Nino, “os direi tos morais decor rem do fato de que,de acor do com cer tos prin cí pios que se pre su mem váli dos, é impró prio negara alguém que seja parte cons ti tu ti va de uma clas se rele van te, o aces so a umasitua ção que é bené fi ca para cada mem bro da clas se. a exis tên cia de um direi -to moral não pres su põe neces sa ria men te que haja uma obri ga ção cor res pon -den te, a menos que se satis fa çam algu mas con di ções rela ti vas à pos si bi li da dede pro por cio nar o bem em ques tão por parte de outros indi ví duos e com a dis -tri bui ção entre eles dos ônus rela cio na das a essa dis po si ção”.42

38 id., pp. 223-224. No ori gi nal: But rights can not be enfor ced in an unchan ging man ner for a moremun da ne rea son as well: enfor ce ment is sub ject to bud ge tary cons traints which dif fer from yearto year. (...). to take the cost of rights into account is the re fo re to think some thing like a govern -ment pro cu re ment offi cer, asking how to allo ca te limi ted resour ces intel li gently while kee pinga wide array of public goods in mind. legal rights have ‘oppor tu nity costs’; when rights areenfor ced, other valua ble goods, inclu ding rights them sel ves, have to be for go ne (becau se theresour ces con su med in enfor cing rights are scar ce). the ques tion is always, might not publicresour ces be deplo yed more sen sibly in some other way?

39 No mesmo sen ti do, cf. BÖc KeN FÖr De, ernst-Wolfgang, “teoría e inter pre ta ción de los dere -chos fun da men ta les”, in escritos sobre Derechos Fundamentales, Baden-Baden: Nomos, 1993, pp.44-45 e supra, item 2.1, parte final.

40 “supervenience”, no ori gi nal. a tra du ção espa nho la usa a pala vra “super vi ven cia”, que tem sen -ti do dis tin to, de per ma nên cia, que não nos pare ceu ade qua do.

41 NiNo, carlos santiago. the constitution of Deliberative Democracy. New haven: Yaleuniversity Press, 1996, p. 45, trad. nossa.

42 idem. No ori gi nal: “Moral rights are esta blis hed by the fact that, accor ding to cer tain prin ci pleswhich are assu med valid, it is impro per to deny to any indi vi dual cons ti tu ting part of a rele vantclass access to a situa tion which is bene fi cial for each class mem ber. the exis ten ce of a moralright does not neces sa rily pre sup po se that there is a cor re la ti ve moral duty, unless some con di -

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a afir ma ção de “direi tos” que não cor res pon dem a “deve res” pode cho cara prin cí pio, mas cabe lem brar que a equi va lên cia bino mial direi to-dever decor -re de pos tu la dos do direi to civil. ora, as rela ções civis, mor men te as obri ga cio -nais, fun dam-se em uma lógi ca ina pli cá vel ou mesmo imper ti nen te para ocampo dos direi tos huma nos. as obri ga ções civis decor rem, via de regra, ou daauto no mia da von ta de ou de algu ma forma de res pon sa bi li da de cau sal. as obri -ga ções con tra tuais decor rem da auto vin cu la ção, ainda que a liber da de seja ape -nas a de con tra tar e não a de esti pu lar os ter mos do con tra to. as obri ga çõesextra con tra tuais decor rem ou da culpa, em sen ti do amplo, ou de res pon sa bi li -da de obje ti va, decor ren te de uma situa ção à qual a pes soa volun ta ria men te vin -cu lou-se.43 além disso, os direi tos e deve res decor rem de fatos con cre tos quese amol dam a hipó te ses legais ou volun ta ria men te esti pu la das.44

Já quan to aos direi tos huma nos o mesmo não pode ser dito. a liber da dede ir e vir não decor re de qual quer ato ou fato.45 Pelo con trá rio, a des cri çãode sua titu la ri da de só pode ser feita com refe rên cia a não ocor rên cia de dadosfatos: não haver pra ti ca do crime, não estar cons cri to etc. o mesmo se podedizer da liber da de de expres são e de tan tos outros direi tos nomea dos comohuma nos. Mesmo o direi to à saúde não depen de da ocor rên cia de nenhumfato, nem mesmo de estar doen te, tanto que os sãos têm direi to de plei tear oaces so a pro gra mas públi cos de saúde, como a vaci na ção.

Nas obri ga ções de direi to pri va do, via de regra não faz sen ti do negar quehaja um dever corres pec ti vo, pois a pró pria ori gem das obri ga ções está rela -cio na da às pes soas espe ci fi ca men te vin cu la das. ainda assim, em algu massitua ções a difi cul da de ou invia bi li da de no cum pri men to da obri ga ção serájuri di ca men te rele van te, seja nos con tra tos,46 seja nas obri ga ções ali men ta -res.47 os deve res48 de direi to pri va do são pre vi sí veis antes de seu sur gi men to.

tions are satis fied regar ding the pos si bi lity of pro vi ding the good in ques tion on the part of other indi -vi duals, and with the dis tri bu tion among them of the bur dens invol ved in that pro vi sion” (p. 231).

43 como nos casos de res pon sa bi li da de obje ti va, em que o res pon sá vel volun ta ria men te assu miu orisco da ati vi da de.

44 a ocor rên cia con cre ta de fatos hipo te ti ca men te pre vis tos em con tra tos ou decla ra ções uni la te raisde von ta de pro duz direi tos e deve res tal como a ocor rên cia de fatos que se amol dem à des cri çãogené ri ca de uma norma jurí di ca. cf. PoN tes De MiraN Da. tratado de Direito Privado. rio deJaneiro: Borsoi, 1970, tomo i, cap. i, esp. §§ 1º e 2º, tomo v, § 565, item 5. cf. tam bém ross, alf.sobre el Derecho y la Justicia. trad. de Genaro carrió. Buenos aires: eudeba, 1994, cap. vi.

45 o cará ter duplo, sub je ti vo e obje ti vo, dos direi tos fun da men tais, não esca pou à per cep ção deKonrad hesse, como demons tra ricardo lobo torres (tor res, ricardo lobo. os Direitoshumanos e a tributação: imu ni da des e iso no mia. rio de Janeiro: renovar, 1995, pp. 54-55).

46 cf. e. g., GoMes, orlando. contratos. rio de Janeiro: Forense, 1987, §§ 122 e 179.47 código civil, arts. 400 e 401.48 Por óbvio, há deve res nega ti vos de direi to pri va do, como o de não cau sar dano a outrem, mas para

a com pa ra ção eles não são rele van tes.

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Mesmo na res pon sa bi li da de obje ti va, con quan to não seja pos sí vel ante ver aocor rên cia de uma obri ga ção em con cre to, é pos sí vel não só saber da exis tên -cia do risco como men su rá-lo e tomar medi das para mino rá-lo, bem comofazer pro vi sões. a exce ção tal vez este ja no dever de pres tar ali men tos a ascen -den tes, já que, quan to a des cen den tes e ex-côn ju ges ou ex-com pa nhei ros, per -sis te a pos si bi li da de de ante ver e de pre ca ver-se.

Quanto aos direi tos huma nos, no que tange ao aten di men to dos recla -mos de pres ta ções posi ti vas, a situa ção é bas tan te diver sa. Decorrem eles oudo mero fato de per ten cer à huma ni da de,49 ou da afi lia ção a uma dadasocie da de.50 sendo assim, devem tais direi tos valer para todos que seencon tram em con di ções de rece bê-los,51 mas os recur sos para aten der àsdeman das são onto lo gi ca men te fini tos. ontologicamente fini tos, pois care -cen do o estado de exis tên cia físi ca, só pode agir por meio de pes soas natu -rais, cujo núme ro é limi ta do pelas regras de aces so ao ser vi ço públi co e cujauti li za ção é tam bém limi ta da.52 o desem pe nho das fun ções esta tais poressas pes soas deman da tam bém um apa ra to mate rial que, dire ta ou indi re -ta men te,53 pres su põe recur sos para aqui si ção e manu ten ção. Na obten çãode tais recur sos, o estado está limi ta do por diver sos direi tos dos indi ví duos,tam bém clas si fi ca dos como direi tos huma nos. estão aí as garan tias dos con -tri buin tes, a proi bi ção do con fis co, o direi to dos ser vi do res ao rece bi men tode suas remu ne ra ções, o direi to dos con tra tan tes de haver o preço acor da -do nas aqui si ções fei tas pelo estado etc.

se por um lado os meios são fini tos, por outro as neces si da des são infi ni -tas. se num momen to da his tó ria a neces si da de era pro ver a alfa be ti za ção, hojese diz que o neces sá rio é de oito a dez anos de edu ca ção regu lar. Pessoas queoutro ra pode riam ser cha ma das de “alfa be ti za das”, agora são “anal fa be tos fun -cio nais”, já que inca pa zes de assi mi lar o trei na men to neces sá rio ao uso de novastec no lo gias. se no iní cio do sécu lo a saúde públi ca resu mia-se a cam pa nhas devaci na ção e sanea men to, hoje alcan ça gran de ampli tu de. o aten di men to àsneces si da des da popu la ção, por para do xal que pare ça, agra va ainda mais a

49 Não pare ce razoá vel negar ao estran gei ro, ainda que seu ingres so no país tenha sido ile gal, osdirei tos à vida, à inte gri da de físi ca e à pro prie da de ao menos daqui lo que possa ser razoa vel men -te tido como sua baga gem.

50 como o direi to de votar e ser vota do. o direi to de aces so à medi ci na cura ti va não emer gen cialtam bém cos tu ma ser vin cu la do à afi lia ção.

51 exclui-se o deten to da liber da de de ir e vir, o não habi li ta do da liber da de de pro fis são etc.52 e. g., pelo direi to ao des can so remu ne ra do.53 embora excep cio nal men te, é pos sí vel que a obten ção tenha decor ri do de con fis co, como no caso da

pena de per di men to (regulamento aduaneiro, art. 501 e código aduaneiro do Mercosul, art. 159).

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deman da de pres ta ções posi ti vas, já que tal aten di men to leva ao aumen to daexpec ta ti va de vida e, com isso, ao dese qui lí brio nos sis te mas de pre vi dên cia.54

4.1. a for ma ção dos con cei tos

essas dife ren ças por certo não deman dam uma nova ciên cia, com novoscon cei tos e mode los, mas não se deve per der de vis ta que vários dos con cei tosde teoria Geral do Direito ori gi nam-se do Direito civil55 e, na pas sa gem deum domí nio para outro, man têm o mesmo nome. Pela iden ti da de de nome epela maior den si da de do con cei to seto rial, há sem pre o peri go de se aca bartras la dan do esse con cei to seto rial, impreg na do de suas espe ci fi ci da des, quedeve riam ser abs traí das na pas sa gem para o con cei to geral, e, em sequên cia,equi pa rar situa ções que são dis tin tas.

se há ramos dis tin tos de uma ciên cia, então for ço sa men te há espe ci fi ci -da des de cada ramo que não se comu ni cam com todos os demais, pois se assimnão fosse não have ria auto no mia. Para o sur gi men to de con cei tos são neces -sá rios três atos lógi cos do enten di men to, que são “1) a com pa ra ção<Komparation>, ou seja, o cote jo <vergleichung> das repre sen ta ções entre siem rela ção com a uni da de da cons ciên cia; 2) a refle xão <reflexion>, ou seja, acon si de ra ção <Überlegung> do modo como dife ren tes repre sen ta ções podemser com preen di das em uma cons ciên cia; e final men te: 3) a abs tra ção<abstraktion>, ou seja, a sepa ra ção <absonderung> de todos os demais aspec -tos nos quais as repre sen ta ções dadas se dife ren ciam”.56 ocorre que os con cei -tos de direi to civil foram gera dos ao longo dos tem pos pela com pa ra ção entrerepre sen ta ções de direi to civil. Para que um con cei to assim gera do possa serapli ca do a outro ramo do Direito faz-se mis ter ou negar a auto no mia do outroramo, ou demons trar que não há espe ci fi ci da des rele van tes que afas tem a apli -ca ção do con cei to ou então abs trair os aspec tos não comuns, crian do assim umcon cei to gené ri co, de teoria Geral, que, por sê-lo, teria apli ca ção a todos osramos da ciên cia jurí di ca. Nesse últi mo caso, con tu do, fica ria aber ta a pos si bi -

54 embora o aumen to da expec ta ti va de vida não seja a única causa das cri ses dos sis te mas de pre vi -dên cia, é fato que em núme ro expres si vo de paí ses esse aumen to traz gran des desa fios aosGovernos no tocan te ao cus teio das apo sen ta do rias.

55 cf. a inte res san te e resu mi da evo lu ção his tó ri ca do direi to sub je ti vo apre sen ta da por Joséreinaldo de lima lopes, bem como toda sua abor da gem sobre os direi tos sociais. loPes, Joséreinaldo de lima. “Direito subjetivo e Direitos sociais: o Dilema do Judiciário no estado socialde Direito”, in Direitos humanos, Direitos sociais e Justiça, org. José eduardo Faria. são Paulo:Malheiros, 1998, esp. pp. 116-124.

56 KaNt, immanuel. lógica, trad. do texto ori gi nal esta be le ci do por Gottlob Benjamin Jäsche porGuido antônio de almeida. rio de Janeiro: tempo Brasileiro, 1992, p. 112.

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li da de de exis tir aspec tos que jus ti fi quem a for mu la ção de con cei tos espe cí fi -cos nos outros ramos, a par do con cei to gené ri co, pró prio da teoria Geral.57

como vimos neste tópi co, há no tocan te aos direi tos huma nos espe ci fi ci -da des que tor nam impró pria ou ao menos ques tio ná vel a apli ca ção dos con cei -tos hau ri dos do direi to pri va do, em espe cial para a toma da de deci sões nor ma -ti vas fun da das em um silo gis mo sim plis ta, como “se há direi to então há devercor re la to que pode ser exi gi do coa ti va men te” e des car tar as espe ci fi ci da desnão do caso con cre to, mas de todas as rela ções de direi tos fun da men tais entreindi ví duo e estado como “não rele van tes”.

Desconsiderar essas difi cul da des, den tro do plano do “direi to à saúde”, podelevar alguns a clas si fi car os direi tos con ti dos nesse plano como direi tos difu sos58

e, em segui da, como que por um passe de mági ca, dizer que a constituição esta -be le ceu a “garan tia do direi to à saúde como um direi to públi co sub je ti vo exi gí velcon tra o estado”,59 geran do res pon sa bi li da de civil obje ti va do estado não ape naspor ser vi ços pres ta dos, mas tam bém por ser vi ços não pres ta dos.60-61

Por força des sas espe ci fi ci da des, pelo intrín se co des com pas so entre pos -si bi li da des e neces si da des, enten de mos que as pre ten sões vol ta das a pres ta çõesposi ti vas que podem ser for mu la das com ampa ro em direi tos huma nos nãoencon tram cor re la ção neces sá ria em deve res esta tais.62

57 assim, por exem plo, a exis tên cia de um con cei to geral de pres cri ção e de con cei tos de pres cri çãocivil, pres cri ção penal, pres cri ção tra ba lhis ta etc. cf. tb. lareNz, Karl. Metodologia da ciênciado Direito. lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1989, pp. 532 e 535, sobre a for mu la ção lógi -ca de con cei tos jurí di cos.

58 rocha, Julio césar de sá da. Direito da saúde: direi to sani tá rio na pers pec ti va dos inte res sesdifu sos e cole ti vos. são Paulo: ltr, 1999, p. 46.

59 idem, p. 47.60 idem, pp. 71 e 72. o autor fun da men ta a res pon sa bi li da de obje ti va comis si va no arti go 37, § 6º,

da constituição Federal e a res pon sa bi li da de obje ti va omis si va nos arti gos 14 e 22 do código deDefesa do consumidor, sem fun da men tar a apli ca ção do cDc aos ser vi ços públi cos de saúde, pois,ao que nos cons ta, tais ser vi ços são gra tui tos e, con se quen te men te, não se enqua dram na des cri -ção de “ser vi ços” con ti da no art. 2º, § 2º, do cDc: “serviço é qual quer ati vi da de for ne ci da no mer -ca do de con su mo, median te remu ne ra ção, inclu si ve de natu re za ban cá ria, finan cei ra, de cré di toe secu ri tá ria, salvo as decor ren tes das rela ções de cará ter tra ba lhis ta.”

61 a nosso ver, fica clara em posi ções como essa a con fu são entre con cei tos jurí di cos, como direi tose garan tias cons ti tu cio nais, inte res ses difu sos e direi tos indi vi duais, cuja apli ca ção acrí ti ca leva aresul ta dos que no míni mo não sobre vi vem ao crivo da lógi ca for mal.

62 cumpre dizer que Kelsen, no plano da teo ria geral, defen de a exis tên cia do binô mio direi to-dever(pp. 79-80). contudo, no mesmo tra ba lho Kelsen vê o direi to do indi ví duo como a pos si bi li da dejurí di ca de colo car a san ção em fun cio na men to (pp. 85-87), afir man do mesmo que “ter um direi -to é ter a capa ci da de jurí di ca de par ti ci par da cria ção de uma norma indi vi dual, da norma indi vi -dual pela qual uma san ção é orde na da con tra o indi ví duo que – segun do a decla ra ção do tri bu nal– come teu o deli to, que vio lou o seu dever” e que “a par tir de uma pers pec ti va dinâ mi ca, a natu-

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5. a decom po si ção dos direi tos em pre ten sões (2ª parte)

Muito embo ra tenha mos feito no item acima res tri ções ao empre go decon cei tos de direi to civil, evi den te men te há várias lições que dele podem serreti ra das.

orlando Gomes, tra tan do do con teú do das obri ga ções, escre ve: “o direi -to do cre dor de recla mar o cum pri men to da pres ta ção con fi gu ra-se, como pre -ten são que é, na expres são de voN tuhr, a medu la do cré di to. adverte esteescri tor que, embo ra sejam con fun di dos teó ri ca e pra ti ca men te os con cei tosde cré di to e pre ten são, uma aná li se pre ci sa da obri ga ção reve la que são dis tin -tos. o cré di to exis te tão logo con traí da a obri ga ção, enquan to a pre ten sãonasce no momen to em que a pres ta ção se torna exi gí vel, isto é, quan do a dívi -da está ven ci da.”63 o mesmo autor, ao tra tar das obri ga ções soli dá rias, mos traque numa mesma rela ção de cré di to pode haver um plexo de pre ten sões entrecada um dos cre do res e cada um dos deve do res,64 algo que tam bém é demons -tra do por san tiago Dantas.65 vê-se daí o reco nhe ci men to de que de ummesmo direi to podem sur gir diver sas pre ten sões, pre ten sões que são con tra -pos tas – o cre dor tem a pre ten são de rece ber o que lhe é devi do e o deve dortem a pre ten são de ser exo ne ra do pela qui ta ção – ou para le las, como as pre ten -sões de cada cre dor soli dá rio fren te a cada deve dor soli dá rio e vice-versa.

a varie da de de situa ções alber ga das sob a rubri ca “direi tos” é vasta aponto de haver autor que con cei tuou situa ções em que há nas ci men to denovos direi tos de rela ção jurí di ca, ao passo que as outras seriam sim ples men -te direi to.66 essa diver si da de levou Pontes de Miranda a fazer exten sa taxio -no mia, sepa ran do pre ten sões, os direi tos for ma ti vos gera do res, modi fi ca do resou extin ti vos, as ações e o direi to sub je ti vo, cada qual com sub di vi sões.67

vê-se, então, que mesmo na rea li da de do direi to civil a mera pala vra“direi to”, ou mesmo “direi to sub je ti vo” não é sufi cien te para des cre ver toda area li da de, fazen do-se neces sá rio esta be le cer con cei tos meno res para des cre ver

re za de um Direito é a capa ci da de de par ti ci par da cria ção do Direito” (p. 90). há, por tan to, diver -sas pecu lia ri da des da teo ria kel se nia na, cujo enfren ta men to des lo ca ria o foco deste tra ba lho. Kel -seN, hans. teoria Geral do Direito e do estado. são Paulo: Martins Fontes, 1992.

63 GoMes, orlando. obrigações. rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 22. Destaques do ori gi nal.64 op. cit., pp. 91-93 e 278.65 saN tiaGo DaN tas, Francisco clementino de. Programa de Direito civil. rio de Janeiro: rio,

1978, p. 38.66 cf. a refe rên cia em Bevi lÁ Qua, clóvis. theoria Geral do Direito civil. rio de Janeiro: livraria

Francisco alves, 1929, pp. 65-66.67 PoN tes De MiraN Da. op. cit., esp. tomo v, §§ 615 e 617. ver tb. tomo vi, § 650.

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dados aspec tos. No direi to civil pre ten são é a facul da de de exi gir o cum pri -men to do obje to do direi to. Guardamos a ideia de pre ten são como exi gên cia,mas não em rela ção de impli ca ção recí pro ca com um dever.

como já antes demons tra do, os direi tos fun da men tais, hoje, vol tam-semais para pres ta ções do estado do que para abs ten ções. Nas socie da des moder -nas a amea ça à liber da de está mais na pró pria socie da de do que no estado.esses direi tos fun da men tais inves tem os indi ví duos no poder de fazer rei vin -di ca ções, de recla mar con du tas esta tais, inde pen den te men te da ocor rên ciacon cre ta de fatos hipo te ti ca men te pre vis tos na lei, exce ção feita, obvia men te,para os remé dios como o habeas cor pus e a inde ni za ção quan to aos danossofri dos pela pro prie da de requi si ta da.68

todavia, há uma dife ren ça intrín se ca entre pre ten der que o estado abs -te nha-se de algo e pre ten der que algo seja feito. em ambos os casos se faráneces sá rio um apa ra to para apre ciar o pedi do,69 ainda que ins tan ta nea men te,apa ra to esse que pode rá ser cus to so, como o judi cial o é, mas apre cia do o recla -mo, o aca ta men to de uma pre ten são de abs ten ção é sem pre pos sí vel, pois nãohá o con su mo de meios para sua exe cu ção.70 concedida a ordem, a limi nar, osalvo con du to, e comu ni ca da a con ces são, não há mais ques tão de recur sosescas sos que pos sam jus ti fi car a não-abs ten ção do Poder Público.

Já quan to às pres ta ções posi ti vas, mesmo depois de apre cia do o plei toserá neces sá rio o con su mo de recur sos para seu aten di men to. será neces sá riohaver o efe ti vo poli cial para garan tir o direi to de ir e vir daque las pes soas pre -sas em um dado pré dio por mani fes tan tes, será neces sá ria a inter ven ção doapa ra to esta tal para garan tir o direi to de ir e vir dos mora do res daque le edi fí -cio cuja entra da de gara gem é dia ria men te blo quea da por bar ra cas de ven de -do res ambu lan tes, ou a entra da de pes soa de cor em locais em que seu aces soé veda do.71 são neces sá rios tam bém recur sos para fazer uma cirur gia ou for -ne cer um remé dio.

68 cF/88, art. 5º, XXv.69 o pedi do terá que ser feito a algu ma pes soa físi ca remu ne ra da pelos cofres públi cos e, ainda que

excep cio nal men te não o seja, cujos meios de atua ção são for ne ci dos pelo estado, ou ainda, aalgum sis te ma ele trô ni co que foi cria do e man ti do com ver bas públi cas.

70 É pos sí vel que uma ina ção cause pre juí zos, mas o con su mo de recur sos escas sos se dará após a ina -ção e não como meio para que ela ocor ra.

71 a decom po si ção dos cha ma dos direi tos, mesmo os da liber da de, em pre ten sões, está tam bém pre -sen te em zaGre BelsKY, Gustavo. el Derecho dúc til. ley, dere chos, jus ti cia. Madrid: trotta,2008: 8ª ed., pp. 82-83. a maior parte da dou tria, con tu do, trata como dimen são posi ti va e dimen -são nega ti va dos direi tos, como e.g., sar let, ingo Wolfgang. a eficácia dos Direitos Fundam -entais. Porto alegre: livraria do advogado, 2007: 7ª ed., p. 299.

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esses recur sos são fini tos e, exa ta men te por isso, são escas sos, já que asneces si da des públi cas são sem pre infi ni tas ou ten den tes ao infi ni to.

a ques tão não é pro pria men te da carac te rís ti ca intrín se ca de um direi to,pois, como já antes demons tra do, não há direi tos pura men te nega ti vos.

6. a coli são de direi tos fun da men tais na dou tri na

a decom po si ção dos direi tos fun da men tais em pre ten sões traz uma óticaintei ra men te nova para um tema já não muito tra ta do na dou tri na bra si lei ra:a coli são de direi tos fun da men tais.

a dou tri na tra di cio nal ten dia a ver como norma jurí di ca ape nas ocoman do man da tó rio, uma ordem, tra tan do os prin cí pios esta be le ci dos noorde na men to como mera decla ra ção de pro pó si tos não vin cu la ti va. sendo anorma jurí di ca por exce lên cia a norma de con du ta, sub di vi di da em ter moslógi cos em ante ce den te72 e con se quen te, aos prin cí pios fal ta riam ele men tossufi cien tes para des cre ver seja a con du ta a ser dis ci pli na da, seja a con se quên -cia a lhe ser atri buí da.

a essa época, os direi tos fun da men tais eram os direi tos da liber da de,tidos como regras de estru tu ra que nega vam ao estado com pe tên cia paraaden trar na esfe ra míni ma de liber da de do par ti cu lar.73 Dentro dos axio masda intei re za e da não con tra di ção do orde na men to, admi tia-se a pos si bi li da dedo con fli to apa ren te de nor mas que, resol vi do, espan ca ria qual quer con fli to depre ten sões, já que o direi to sub je ti vo só nas ce ria da ocor rên cia con cre ta de umfato pre vis to na ordem jurí di ca, ainda que media ta men te, como no caso doscon tra tos.

o con fli to de nor mas pode ria ser dos tipos total-total,74 quan do nenhu -ma das nor mas pode ser apli ca da em qual quer cir cuns tân cia sem entrar emcon fli to com a outra;75 total-par cial, quan do uma das nor mas não pode serapli ca da sob nenhu ma cir cuns tân cia sem entrar em con fli to com a outra, masesta tem campo de apli ca ção adi cio nal, em que não con fli ta com a pri mei ra; epar cial-par cial, quan do cada norma tem um campo de apli ca ção no qual entra

72 ou hipó te se de inci dên cia, supor te fáti co.73 Nos estados unidos, foi a era lochner.74 ross, alf, op. cit., p. 124.75 o exem plo, dado por ross, seria a constituição dina mar que sa de 1920, que esta be le cia na pri mei -

ra parte do pará gra fo 36 que o núme ro máxi mo de mem bros da Primeira câmara não pode riaexce der a 78, ao mesmo tempo em que a segun da parte, esta be le cen do regras mais deta lha das paraas elei ções, diz que o núme ro de mem bros a serem elei tos é de 79 (op. cit., p. 125).

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em con fli to com a outra, mas tem tam bém um campo de apli ca ção em que ocon fli to não ocor re.76

Para supe rar esses con fli tos, have ria os cri té rios tem po ral (lex pos te riordero gat prio ri), hie rár qui co (lex supe rior dero gat infe rio ri) e da espe cia li da de(lex spe cia lis dero gat gene ra li).77 se ainda assim per sis tis se o con fli to, a ques tãoesca pa ria ao Direito,78 cain do no arbí trio ou dis cri cio na rie da de do apli ca dor.

esses cri té rios mos tra ram-se insu fi cien tes espe cial men te com o reco nhe -ci men to do cará ter nor ma ti vo dos prin cí pios.

Nos paí ses de tra di ção jurí di ca de lei escri ta a regra sem pre teve ummaior pres tí gio. a legis la ção fran ce sa79 pos te rior à revolução che ga va a proi -bir os magis tra dos de inter pre tá-la, deven do apli car tal qual cons ta va. Dentrodesse cená rio, vê-se a ausên cia de espa ço para os prin cí pios. com o declí niodo pres tí gio da inter pre ta ção lite ral e o res sur gi men to dos demais cri té rios deinter pre ta ção, os prin cí pios foram, pau la ti na men te, ganhan do pres tí gio.contudo, os prin cí pios, num pri mei ro momen to, eram infe ri dos da “lógi cacomum” entre as regras de um mesmo sis te ma ou sub sis te ma jurí di co, oumesmo de regras cuja hipó te se de inci dên cia fosse mais ampla e de des cri çãomenos densa.

Por serem infe ri dos do sis te ma, a fun ção dos prin cí pios era basi ca men tea de ins pi rar a inter pre ta ção das leis, evi tan do, assim, a ocor rên cia de anti no -mias.

há quem enten da que desde o sur gi men to das cons ti tui ções escri tas sem -pre tive mos nor mas-prin cí pio, exem pli fi can do com a Declaração de Direitosda França, e a Bill of rights ame ri ca na.80 todavia, cum pre lem brar que adecla ra ção de direi tos fran ce sa não inte grou a cons ti tui ção e, tam bém, que amesma, na rea li da de do dia-a-dia, não cons ti tuiu ins tru men to hábil a ser uti -li za do na defe sa de casos con cre tos, espe cial men te por que o movi men to revo -

76 op. cit., p. 125.77 BoB Bio, Norberto. teoria do ordenamento Jurídico. são Paulo: Polis; Brasília: editora

universidade de Brasília, 1989, pp. 91-97. ross, alf. op. cit., pp. 126-128.78 BoB Bio, op. cit., pp. 97-105; ross, op. cit., p. 125.79 a seção iii, art. 7, da lei constitucional de 22 de dezem bro de 1789 afir ma va que as admi nis tra -

ções depar ta men tais e dis tri tais não seriam impe di das no exer cí cio de suas fun ções por qual querato do Poder Judiciário. o título ii, art. 13, da lei constitucional de 16-24 de agos to de 1790 afir -ma va que as fun ções judi ciais são dis tin tas e devem per ma ne cer sepa ra das das fun ções admi nis -tra ti vas. os juí zes não podem, sob pena de pre va ri ca ção, inter fe rir de qual quer modo com as ati -vi da des das agên cias admi nis tra ti vas; tam pou co devem pro ces sar fun cio ná rios admi nis tra ti vos aconta de seus atos ofi ciais (apud uhler, armin. review of administrative acts. ann arbor: theuniversity of Michigan Press, 1942, p. 13, trad. livre do inglês).

80 cri sa Ful li, vezio. la costituzione e le sue Disposizioni di Principio. Milano: Giuffrè, 1952,p. 28.

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lu cio ná rio fran cês desen ro lou-se não só con tra o rei, mas con tra os par le -ments, que exer ciam fun ções judi can tes e não legis la ti vas81 e que a inde pen -dên cia do con ten cio so admi nis tra ti vo fran cês só foi esta be le ci da em lei de 24de maio de 1872.82 Quanto à expe riên cia ame ri ca na, o con tro le de cons ti tu -cio na li da de das leis foi men cio na do pela pri mei ra vez em calder v. Bull83 eapli ca do em Marbury v. Madison,84 mas per ma ne ceu como hipó te se rara porlongo perío do. Já na europa, o con tro le de cons ti tu cio na li da de só sur giu apósa pri mei ra guer ra, em gran de parte gra ças ao tra ba lho de hans Kelsen.85

além disso, as dis po si ções rela ti vas aos direi tos huma nos, como as con ti -das em ambas as decla ra ções men cio na das, não eram vis tas como prin cí pios,mas sim como regras de com pe tên cia nega ti va, impe din do que o estado legis -las se sobre a maté ria.86

assim, o reco nhe ci men to do cará ter nor ma ti vo dos prin cí pios con ti dosna letra da lei e não ape nas infe ri dos do sis te ma é fato recen te.

Quanto às dis po si ções que vei cu lam prin cí pios pro gra má ti cos, o reco -nhe ci men to como norma e não como mera reco men da ção ou decla ra ção depro pó si tos remon ta, a mea dos deste sécu lo, com o tra ba lho de crisafulli.87-88

com o reco nhe ci men to da cogên cia das nor mas-prin cí pio, abriu-se umanova forma de coli são nor ma ti va, cujos cri té rios ante rio res de solu ção não dãoconta. as regras jurí di cas de con du ta são estru tu ra das com uma hipó te se deinci dên cia, o padrão a ser afe ri do nos fatos da vida para rece be rem a qua li fi -ca ção de fatos jurí di cos89 e, assim, desen ca dear as con se qüên cias pres cri tas naoutra parte da norma, o con se quen te.90

81 cf. a res pei to uhler, armin, op. cit.; Ber thÉ leMY, h. traité élé men tai re de droit admi nis -tra tif, Paris, 1933, pp. 9 e ss. e pp. 20 e ss., apud uhler, op. cit.; veDel, Georges e Del vol -vÉ, Pierre. Droit administratif, tomo i, Paris: PuF, 1992, pp. 98-108.

82 cf. veDel, op. cit., p. 105.83 3 us 386 (1798).84 5 u.s. 137 (1803).85 Bar ro so, luís roberto. interpretação e aplicação da constituição. são Paulo: saraiva, 1996,

pp. 157-158.86 ver capí tu lo 2, item 3, supra.87 crisafulli, op. cit.88 a ques tão da força dos prin cí pios tam bém é dis cu ti da na dou tri na ame ri ca na (cf., por todos,

DWor KiN, ronald. taking rights seriously. cambridge: harvard university Press, 1978, cap.2, n. 3 e 4, e cap. 3, n. 5), mas pelas pecu lia ri da des da tra di ção jurí di ca local, não nos pare ce sero caso de aden trar nesse exame.

89 ou jurí ge nos, no lin gua jar de Pontes de Miranda.90 embora vol ta da para a norma tri bu tá ria, vale con fe rir o esque ma for mal de car va lho, Paulo

de Barros. curso de Direito tributário. são Paulo: saraiva, pp. 240-241. Para uma abor da gemmais didá ti ca aos não fami lia ri za dos com a lógi ca sim bó li ca, cf. eNGish, Karl. introdução aoPensamento. lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1988, cap. ii.

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os prin cí pios, entre tan to, têm grau de abs tra ção rela ti va men te ele va doe, assim, care cem de media ções con cre ti za do ras.91 Portanto, há uma dife ren -ça estru tu ral entre as regras e os prin cí pios. as regras, por terem maior graude con cre tu de, pos suem usual men te92 um des cri tor mais por me no ri za do, per -mi tin do, assim, que a qua li fi ca ção de fatos con cre tos se dê pela sub sun ção,atra vés de silo gis mos lógi cos bas tan te conhe ci dos.93

os prin cí pios, por care ce rem de media ções con cre ti za do ras, media çõesessas que mui tas vezes serão fei tas para o caso con cre to. assim, o con fli toentre prin cí pios é resol vi do pela pon de ra ção e não pelos cri té rios clás si cos deder ro ga ção.

Nas pala vras de alexy, “segun do a defi ni ção stan dard da teo ria dos prin -cí pios, prin cí pios são nor mas que orde nam que algo seja rea li za do em umamedi da tão ampla quan to pos sí vel rela ti va men te a pos si bi li da des fáti cas oujurí di cas. Princípios são, por tan to, man da men tos de oti mi za ção. como tais,eles podem ser preen chi dos em graus dis tin tos”. “Bem dife ren te estão as coi sasnas regras. regras são nor mas que, sem pre, ou só podem ser cum pri das ou nãocum pri das. se uma regra vale, é orde na do fazer exa ta men te aqui lo que elapede, não mais e não menos. regras con têm, com isso, man da men tos defi ni ti -vos. a forma de apli ca ção de regras não é a pon de ra ção, senão a sub sun ção”.94

como os prin cí pios são empre ga dos com gran de fre quên cia na posi ti va -ção de direi tos huma nos, sur ge então uma série de con fli tos que não encon -tram solu ção ade qua da pelos cri té rios ante rio res, deman dan do, assim, oempre go da tópi ca.95

essa nova temá ti ca até agora não vem sendo muito enfren ta da pela dou -tri na bra si lei ra, ao menos em arti gos publi ca dos nas revis tas jurí di cas con sa -gra das, de cir cu la ção nacio nal.96 ainda assim, o tema é tra ta do sem pre den tro

91 caNo ti lho, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. coimbra:almedina, 1998, p. 1034.

92 há apli ca ções de regras por meios não sub sun ti vos, como aque las que con têm con cei tos inde ter -mi na dos, mas disso não nos ocu pa re mos.

93 eNGish, op. cit., cap. iii e pp. 110-112; lareNz, Karl. Metodologia da ciência do Direito.lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1989, pp. 182-195 e pp. 323-331. cf. tb. KluG, ulrich:lógica Jurídica. Bogotá: temis, 1990, pp. 60-82.

94 aleXY, robert. “colisão de Direitos Fundamentais e realização de Direitos Fundamentais noestado de Direito Democrático”. revista de Direito administrativo, 217:67-79, 1999, cit. pp. 74-75.

95 cf. o ótimo arti go de sar MeN to, Daniel. os Princípios constitucionais e a Ponderação de Bens,in teoria dos Direitos Fundamentais, org. ricardo lobo torres. rio de Janeiro: renovar, 1999.

96 a pes qui sa foi feita nas seguin tes revis tas: revista dos tribunais, cadernos de Direitoconstitucional e ciência Política, revista de Direito Público/revista trimestral de DireitoPúblico, revista de informação legislativa e revista de Direito administrativo, refe ren te aoperío do de 1990 a dezem bro de 1999.

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da coli são de pre ten sões nega ti vas, como na coli são entre a liber da de deexpres são e de comu ni ca ção e o direi to à honra e à ima gem.97 em nenhummomen to encon tra mos a coli são de direi tos que con cor rem ao empre go derecur sos escas sos.98

Nesses tra ba lhos, encon tra mos vários cri té rios para a solu ção des ses con -fli tos, que podem ser resu mi dos no empre go da inter pre ta ção para deli mi tarem abs tra to o con teú do de cada um dos direi tos con fli tan tes e, per sis tin do ocon fli to, pres ti giar o valor hie rar qui ca men te supe rior, inclu si ve crian do umahie rar quia onto ló gi ca den tro da pró pria constituição,99 ou pon de rar os valo -res em jogo, empre gan do a tópi ca jurí di ca.100

esses cri té rios, con tu do, não são sufi cien tes ou não são apli cá veis para ocon fli to de pre ten sões posi ti vas. as coli sões de pre ten sões nega ti vas podem sersitua das, em ter mos lógi cos, no momen to da qua li fi ca ção do fato da vida peloorde na men to: posso publi car o que penso? Quando Fulano publi cou con si de -ra ções desai ro sas sobre Beltrano isso gerou a apli ca bi li da de de san ção jurí di ca?

esses con fli tos são como que con fli tos demar ca tó rios, quan do a dis pu tase dá quan to ao domí nio de qual direi to está o enun cia do dos fatos ocor ri dos.Decidido o con fli to, a solu ção é, como nas de ação demar ca tó ria, apli ca daretroa ti va men te, de modo a con si de rar que para aque la situa ção con cre ta,sem pre houve o direi to afir ma do101 e nunca o direi to nega do.102

Já nos con fli tos de pre ten sões posi ti vas, o con fli to “quase” que não é jurí -di co. Não se nega o direi to de todos, ape nas não se tem como aten der. Não há

97 MeN Des, Gilmar Ferreira. colisão de Direitos Fundamentais: liberdade de expressão e de co -mu nicação e Direito à honra e à imagem, in Direitos Fundamentais e controle de constitucio -na lidade. são Paulo: instituto Brasileiro de Direito constitucional, 1998.

98 cf.: Bos chi, Fabio Bauab. “conflito de Normas constitucionais”. cadernos de Direito consti -tucional e ciência Política, n. 4, 1993; Mar Ques Neto, Floriano P. de azevedo. “o conflitoentre Princípios constitucionais: Breves Pautas para sua solução”, cadernos de Dir. const. e c.Pol. n. 10, 1995; rotheN BurG, Walter claudius. “Direitos Fundamentais e suas caracte rís -ticas”, cadernos de Dir. const. e c. Pol., n. 29, 1999, itens 13 e 14; rocha, cármen lúcia antu -nes. “o constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos DireitosFundamentais”, revista trimestral de Direito Público, n. 16, 1996 (não trata dire ta men te da coli -são de direi tos fun da men tais, mas traz abor da gem útil para o tema); Fer rei ra Filho, ManoelGonçalves. “os Direitos Fundamentais: pro ble mas jurí di cos, par ti cu lar men te em face daconstituição Brasileira de 1988”, revista de Direito administrativo, vol. 203, 1996; MeN Des, op.cit.; e sar MeN to, op. cit.

99 Neste sen ti do, Fer rei ra Filho, op. cit., e Mar Ques Neto, op. cit.100 Neste sen ti do, Bos chi, op. cit.; MeN Des, op. cit.; rotheN BurG, op. cit., p. 62; sar MeN to,

op. cit.. a mesma posi ção é defen di da por BoNa vi Des, Paulo. curso, cit., cap. 14, e Bar ro so,luís roberto, cit., pp. 185-186 e 267, con clu são 20.

101 e. g., o direi to de per so na li da de, como no “caso lebach” deci di do pela corte constitucional alemã(BverfGe 35, 202) e cita do por MeN Des, op. cit., pp. 90-92.

102 a liber da de de impren sa, no mesmo exem plo.

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como tra tar a todos, não há como for ne cer órgãos para trans plan te a todos,não há como for ne cer mora dia digna a todos, não há como garan tir a segu ran -ça de todos, simul ta nea men te.

os cri té rios ante rio res não são sufi cien tes, pois os con fli tos de pre ten sãoposi ti va ocor rem em múl ti plos momen tos, desde antes da ela bo ra ção do orça -men to até o momen to da entre ga efe ti va da uti li da de, mas é ape nas esse últi -mo momen to que cos tu ma ser visto. Não há como pres ti giar o valor hie rar qui -ca men te supe rior, pois a coli são pode ser entre o pacien te que espe ra na filapara trans plan te ape nas de rim, há mais tempo, com o que espe ra na recém-cria da fila para trans plan te duplo de rim e pân creas.103 a pon de ra ção, tal comopre co ni za da, além de não ser uti li za da pelos tri bu nais,104 não ofe re ce muitauti li da de, pois os valo res, posi ti vos ou morais, não pare cem ser um cri té riosegu ro para deci dir a prio ri da de de aten di men to numa fila de trans plan tes.

evidentemente, o con fli to de pre ten sões posi ti vas não pres cin de dos demais cri té rios jurí di cos. É neces sá rio inter pre tar a norma, esta be le cer seusig ni fi ca do, escoi mar con fli tos apa ren tes e, mui tas vezes, pon de rar valo res.contudo, esses cri té rios não são sufi cien tes para a tota li da de dos con fli tos.

6.1. a visão de robert alexy

ao rela cio nar mos acima tra ba lhos publi ca dos que enfren tam o con fli tode direi tos fun da men tais, inten cio nal men te dei xa mos de men cio nar os doisarti gos de robert alexy publi ca dos na revista de Direito administrativo nº217, e o fize mos por não se tra tar de um autor nacio nal, mas, prin ci pal men te,por que há pecu lia ri da des que mere cem exame sepa ra do.

alexy tem em mente a con cor rên cia por recur sos escas sos, geran do con -fli tos105 entre direi tos. todavia, ao tra tar da coli são de direi tos fun da men taisa ques tão dos meios mate riais não é des ta ca da. Mais que isso, traz ele exem -plos que pare cem infir mar a dis tin ção aqui feita, entre pre ten sões nega ti vasque uma vez reco nhe ci das são sem pre exer cí veis, e pre ten sões posi ti vas que,por deman da rem o con su mo de recur sos fini tos, geram uma forma de con fli -to que lhes é pró pria.

alexy clas si fi ca a coli são de direi tos fun da men tais em coli são em sen ti doestri to, e coli são em sen ti do amplo. as coli sões em sen ti do estri to divi dem-seem coli sões de direi tos fun da men tais idên ti cos e coli são de direi tos fun da men -

103 capítulo 3, item 2, supra.104 cf. capí tu lo 1, itens 5 e 6.105 aleXY, robert. “Direitos Fundamentais...”, cit., p. 65.

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tais dife ren tes. a coli são de direi tos fun da men tais idên ti cos, a seu turno, dis -tin gue-se em qua tro tipos de coli sões. No pri mei ro tipo have ria, em ambos oslados, o mesmo direi to fun da men tal como direi to de defe sa libe ral, cujo exem -plo seria a hipó te se de dois gru pos polí ti cos hos tis pre ten de rem fazer demons -tra ção ao mesmo tempo num mesmo local, haven do peri go de cho ques. osegun do tipo de cho que seria o con fron to de um direi to fun da men tal libe ralcom o direi to de pro te ção de outrem, cujo exem plo seria ati rar em um seques -tra dor para libe rar o refém. o ter cei ro tipo de coli são de direi tos fun da men -tais igual “resul ta disto, que mui tos direi tos fun da men tais têm um lado nega -ti vo e um posi ti vo”.106 o exem plo seria o direi to de cren ça, que tanto é o depro fes sar uma como o de não tê-la e ser pou pa do de pra ti car qual quer cren ça.esse con fli to se mani fes tou no caso da “reso lu ção-cru ci fi xo”, quan do otribunal constitucional alemão proi biu a colo ca ção de cru ci fi xos em espa çosesco la res públi cos.107 “a quar ta varian te de coli sões dos mes mos direi tos fun -da men tais de titu la res dife ren tes resul ta quan do se acres cen ta ao lado jurí di -co de um direi to fun da men tal um fáti co”,108 cujo exem plo seria “o auxí lio decus tas pro ces suais” aos pobres, que pres ti gia a igual da de fáti ca, mas vul ne ra aigual da de for mal.

Dessas clas si fi ca ções e exem plos um tem espe cial rele vo, que vem a serexa ta men te a pri mei ra varian te de coli são de direi tos fun da men tais idên ti cos.No exem plo dado, have ria con fli to entre a liber da de de expres são de ambos osgru pos anta gô ni cos e a neces si da de de afir mar o direi to de ape nas um oumesmo de nenhum deles.109 Disso se pode ria tirar hipó te se em que uma daspre mis sas deste tra ba lho esta ria vul ne ra da.

Na ver da de, se exa mi na da a hipó te se for mu la da por alexy den tro dasclas si fi ca ções pro pos tas neste tra ba lho, o exem plo só con fir ma as pro po si çõesaqui lan ça das. vejamos.

a liber da de de expres são é um direi to libe ral clás si co, mas como já des -ta ca do não há exa ta men te gera ções de direi tos que se suce dem, mas dimen -sões de direi tos. o con teú do atual das liber da des clás si cas não é o mesmo deoutro ra. exatamente por isso, vei cu la esse direi to pre ten sões de abs ten çãoesta tal e de atua ção esta tal.

No caso de uma mani fes ta ção públi ca por parte de um grupo, o deveresta tal cor res pon den te não é ape nas o de se abs ter, mas, ao con trá rio, o de agir:

106 op. cit., p. 69.107 BverfGe 93, 1. apud aleXY, loc. cit.108 op. cit., p. 71.109 Proibindo ambas as mani fes ta ções, p. ex.

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des viar o trân si to, pro ver segu ran ça, evi tar que outros usos da coisa públi capos sam impe dir a mani fes ta ção etc.

Num exem plo extre mo, não se pode dizer seria men te que a liber da de deexpres são exer ci da pelos cida dãos do rio de Janeiro no comí cio das “DiretasJá”110 cor res pon dia ape nas a um dever de abs ten ção do estado ou que essa abs -ten ção fosse mais des ta ca da que o dever de pres ta ção.

tratando-se de deman da por pres ta ção esta tal posi ti va, temos o con fli topor recur sos escas sos.111

7. conclusão

como vimos, os direi tos fun da men tais são os direi tos huma nos posi ti va -dos em um dado orde na men to jurí di co. essa posi ti va ção acres cen ta as garan -tias dos meca nis mos do estado para a defe sa des ses direi tos, mas não lhes reti -ra a natu re za de direi tos morais.

os direi tos fun da men tais for mam uma cate go ria pró pria de direi to, poisa rei vin di ca ção de seu con teú do não neces si ta da ocor rên cia con cre ta de umfato que se ade que à hipó te se pre vis ta em lei.

embora seja usual a clas si fi ca ção em gera ções de direi tos, a ter mi no lo gianão é ade qua da quer para os direi tos fun da men tais quer para os direi toshuma nos. Mais apro pria do é falar em dimen sões de direi tos fun da men tais, jáque a rea li da de atual das anti gas liber da des libe rais não é a mesma que exis tiano sécu lo XiX.

Mesmo os direi tos tidos por nega ti vos com por tam rei vin di ca ções depres ta ções esta tais posi ti vas, pelo que, mais pró prio tra ba lhar com cada umades sas pre ten sões.

as pre ten sões nega ti vas com por tam con fli tos vol ta dos à deci são de quedirei to tem o domí nio sobre dada situa ção. a solu ção des ses con fli tos temnatu re za deli mi ta do ra ou demar ca tó ria, retroa gin do para dizer que, em dadasitua ção, sem pre pre va le ceu o direi to x e não o direi to y.

Já a pre ten são posi ti va pres su põe, para seu aten di men to, o empre go derecur sos mate riais que são escas sos por que fini tos. surge, quan to a essas pre -

110 o comí cio das “Diretas Já”, no rio de Janeiro, foi uma das maio res mani fes ta ções de rua já havi -das. Mais de um milhão de pes soas se reu ni ram na con fluên cia das duas prin ci pais ave ni das dorio de Janeiro, rio Branco e Presidente vargas, para li san do a cida de em um dia útil. sem dúvi -da, foi um dos gran des momen tos do civis mo bra si lei ro.

111 escassos são todos os recur sos fini tos, já que, em tese, será pos sí vel ocor rer situa ção em que sejaneces sá rio rea li zar opção dis jun ti va entre aten der um recla mo ou outro, embo ra tam bém teo ri -ca men te ambos devam ser aten di dos, pois o recur so não é sufi cien te para o aten di men to de todos.

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ten sões, a pos si bi li da de de um con fli to espe cí fi co, o con fli to pelo empre godes ses meios escas sos.

a espe ci fi ci da de desse con fli to não afas ta os demais cri té rios de solu ção,como a deli mi ta ção do con teú do da norma pela via inter pre ta ti va, o uso doscri té rios de solu ção de anti no mias ou a inte gra ção da norma pelo empre go dapon de ra ção de valo res. entretanto, have rá casos em que esses cri té rios nãoserão bas tan te, fazen do-se mis ter o empre go de um cri té rio espe cí fi co. Dissotra ta re mos adian te.

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capítulo 5escassez, escolhas trágicas

e Direitos Fundamentais

sumário. 1. escassez e saúde; 2. a alocação de recursos escassos; 3. Justiça distributiva;3.1. a teoria de John rawls; 3.2. a posição de robert Nozick; 3.3. síntese dos pontos aci -ma; 3.4. as posições de Walzer, elster e sunstein; 4. Princípios de Justiça distributiva ealocação de recursos; 5. escassez e Direitos Fundamentais; 6. insuficiência dos critérios.

1. escassez e saúde

como já foi demons tra do nos capí tu los ante rio res, há pre ten sões fun da -das em direi tos fun da men tais cuja satis fa ção deman da a dis po ni bi li za ção demeios mate riais. como esses meios são fini tos, surge a ques tão da escas sez.“Dizer que um bem é escas so sig ni fi ca que não há o sufi cien te para satis fa zer atodos. a escas sez pode ser, em maior ou menor grau, natu ral, quase-natu ral, ouarti fi cial. a escas sez natu ral seve ra apa re ce quan do não há nada que alguémpossa fazer para aumen tar a ofer ta. Pinturas de rembrandt são um exem plo. aescas sez natu ral suave ocor re quan do não há nada que se possa fazer paraaumen tar a ofer ta a ponto de aten der a todos. as reser vas de petró leo são umexem plo, a dis po ni bi li za ção de órgãos de cadá ve res para trans plan te é outra. aescas sez quase-natu ral ocor re quan do a ofer ta pode ser aumen ta da, tal vez aponto da satis fa ção, ape nas por con du tas não coa ti vas dos cida dãos. a ofer ta decrian ças para ado ção e de esper ma para inse mi na ção arti fi cial são exem plos. aescas sez arti fi cial surge nas hipó te ses em que o gover no pode, se assim deci dir,tor nar o bem aces sí vel a todos, a ponto da satis fa ção. a dis pen sa do ser vi çomili tar e a ofer ta de vagas em jar dim de infân cia são exem plos”.1

além da escas sez pro pria men te dita, outras duas variá veis tra zem impor -tan tes ques tões quan to à alo ca ção de recur sos: a divi si bi li da de e a homo ge nei -da de do bem a ser alo ca do. como bem exem pli fi ca elster, “o bem pode não serescas so, mas hete ro gê neo em aspec to rele van te na ava lia ção de quem irá rece -bê-lo. Quando o congresso indi ca mem bros para um comi tê, empre sas alo camsalas para empre ga dos ou uni ver si da des dis tri buem estu dan tes nos dor mi tó rios,con fli tos de inte res se sur gem com fre quên cia. o bem pode ser escas so, indi vi sí -

1 els ter, Jon. local Justice. New York: russell sage Foundation, 1992, pp. 21-22 - trad. nossa.

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vel e homo gê neo, como os bens de con su mo durá veis e admis sões para harvard.o bem pode ser escas so, indi vi sí vel e hete ro gê neo, como rins, cora ções e pul -mões para trans plan te. o bem pode ser tam bém escas so, divi sí vel e homo gê neo,como água, ener gia e a maio ria dos bens de con su mo. Por últi mo, o bem podeser escas so, divi sí vel inde fi ni da men te, mas hete ro gê neo, como a terra”.2

escassez, divi si bi li da de e homo ge nei da de dos meios mate riais3 desa fiama visão igua li tá ria4 do tra ta men to igual para todos. o pos tu la do igua li tá rio deofe re cer tudo a todos, como na França, onde há a admis são uni ver sal no jar -dim de infân cia, pode levar a um custo infac tí vel, se, por exem plo, forem exi -gi dos os padrões norue gue ses de rela ção pro fes sor e área por crian ça.5 Dilemasimi lar pode mos ver no Brasil, onde há um sis te ma públi co de edu ca ção quese expan de para che gar à uni ver sa li da de, mas com padrão infe rior ao neces sá -rio para dar aos alu nos igual da de de opor tu ni da des, mas há tam bém, em para -le lo, ilhas de exce lên cia no ensi no públi co, como, no rio de Janeiro, os colé -gios apli ca ção da uerJ e da uFrJ, o colé gio mili tar e o colé gio naval e, ainda,o colégio Pedro ii. todos são cus tea dos com recur sos públi cos, mas ofe re cem padrões de ensi no bem mais ele va dos que as demais esco las públi cas e a ofer -ta de vagas segue padrão dís par das demais.

“a ques tão da escas sez se põe de manei ra espe cial no aces so à saúde.algumas pes soas podem pen sar que quan do a saúde e a vida estão em jogo,qual quer refe rên cia a custo é repug nan te, ou até imo ral. Mas o aumen to docusto com tra ta men to tor nou essa posi ção insus ten tá vel”.6 além da ques tão

2 els ter, Jon. op. cit., pp. 23-24 – trad. livre.3 estamos usan do aqui indis tin ta men te as expres sões “bens”, “meios mate riais”, “recur sos” e para

refe rir àque les ele men tos físi cos neces sá rios para o aten di men to de deman das posi ti vas, ou aodinhei ro neces sá rio à obten ção des ses ele men tos, como equi va len te-geral. o empre go de “bens”deve-se à tra du ção da pala vra ingle sa goods, já que, no con tex to, nos pare ceu mais apro pria do doque “mer ca do rias”. conquanto possa haver nuan ças entre as expres sões, as empre ga mos aquiindis tin ta men te.

4 “igualitarismo” é outra expres são impre ci sa, geran do pos tu la ções anta gô ni cas. confira-se, sobreigua li ta ris mo, sua equi vo ci da de e alo ca ção de bens, lalaN De, andré. vocabulário técnico ecrítico da Filosofia. são Paulo: Martins Fontes, 1996, ver be te “igual da de”; e oPPe NheiM, Felixe., “igualdade”, in Dicionário de Política, Norberto Bobbio et alli. Brasília: editora universidadede Brasília, 1992, esp. itens ii-X.

5 apud elster, cit., p. 71. complementa o autor dizen do que a razão ofi cial para os padrões norue -gue ses é que qual quer coisa abai xo deles seria ina cei tá vel, mas a expli ca ção real é a pres são de pro -fes so res e pais que já garan ti ram vaga para seus filhos.

6 aaroN, henry J. & schWartz, William B. the Painful Prescription: ratio ning hos pi tal care.Washington: the Brookings institution, 1984, p. 81 – trad. livre. Quanto a ter por repug nan tequal quer con si de ra ção finan cei ra para con tras tar o “direi to à vida”, con fi ra-se as refe rên cias a jul -ga dos do tribunal de Justiça de santa catarina e do tribunal de Justiça do rio de Janeiro no item5 do capí tu lo 1 deste tra ba lho.

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finan cei ra, há recur sos não finan cei ros, como órgãos, pes soal espe cia li za do eequi pa men tos, que são escas sos em com pa ra ção com as neces si da des. comobem des ta ca John F. Kilner:

há hoje um mito, que paí ses prós pe ros como os estados unidos não pre -ci sam se preo cu par com o pro ble ma da sele ção de pacien tes, já que hárecur sos sufi cien tes para todos. há até quem acre di te que essa sufi ciên -cia se esten de mundo afora. esse mito é menos que meia ver da de. a ver -da de nele con ti da é que há recur sos finan cei ros para eli mi nar mui tas dasescas se zes de hoje. serão esses recur sos tor na dos dis po ní veis para satis fa -zer as neces si da des médi cas de todos? infelizmente, isto não é pro vá vel,mesmo nos estados unidos. outros recur sos não finan cei ros, como órgãos para trans plan te, são escas sos em rela ção às neces si da des. Novasescas se zes, ade mais, são ine ren tes ao pro gres so da tec no lo gia. em outraspala vras, cri té rios de sele ção de pacien tes são deses pe ra do ra men te neces -sá rios hoje em todos os luga res e con ti nua rão a sê-lo no futu ro.7

Prossegue o mesmo autor, demons tran do que o desen vol vi men to de dro -gas que com ba tem a rejei ção de órgãos vem fazen do dos trans plan tes umaopção tera pêu ti ca viá vel para mais pacien tes. em face da melho ra nos índi cesde êxito, mais médi cos indi cam o trans plan te, exau rin do os recur sos físi cos ehuma nos exis ten tes para tanto. o mesmo ocor re, segun do Kilner, com as uti’s,cujo desen vol vi men to leva a uma expan são das indi ca ções médi cas de inter na -ção além dos níveis reco men dá veis por uma polí ti ca de con ten ção de cus tos.8

aaron e schwartz tocam tam bém em outro aspec to mui tas vezes nãomen cio na do: a ética médi ca. a ética médi ca proí be tra ta men tos que ten dam aresul ta dos peri go sos, mas requer dos médi cos que pres cre vam qual quer ação,não impor ta o custo, da qual se espe re resul tar ajuda ao pacien te.9 Destacamesses auto res:

7 Kil Ner, John. Who lives? Who Dies?: ethical criteria in Patien selection. New haven: Yaleuniversity Press, 1990, p. 3 – tra du ção livre. No ori gi nal: a popu lar myth today holds that a pros -pe rous country like the united states need not worry about the pro blem of patient selec tion sincethere are resour ces suf fi cient for all. some may belie ve even that this suf fi ciency extends throug h -out the world. this myth is less than a half truth. the truth in it is that the finan cial resour cesexist to eli mi na te many of today’s scar ci ties. Will such resour ces be made avai la ble to meet themedi cal needs of all? unfortunately, such a deve lop ment is not likely, even within the unitedstates. other non fi nan cial resour ces like organ trans plants are also scar ce rela ti ve to need. Newscar ci ties, moreo ver, are inhe rent in the march of tech no logy. in other words, patient selec tioncri te ria are des pe ra tely nee ded every whe re today and will con ti nue to be so in the futu re.

8 Kil Ner, op. cit., pp. 8-9.9 aaroN & schWartz, op. cit., p. 80.

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o sis te ma de paga men to por uma ter cei ra parte, que domi na o reem bol -so hos pi ta lar nos estados unidos, enco ra ja seja pro vi do à maio ria dospacien tes todos os tra ta men tos que pro me tam tra zer algum bene fí cio,não obs tan te seu custo. a maior parte dos pacien tes norte-ame ri ca nosnão arca com as con se qüên cias finan cei ras da maio ria dos pro ce di men -tos hos pi ta la res. a maio ria dos médi cos norte-ame ri ca nos ganha mais aopro ver cui da dos adi cio nais e a ética médi ca proí be ape nas tra ta men tosque pre ju di quem o pacien te, não os que sejam injus ti fi ca vel men te caros.os admi nis tra do res hos pi ta la res bus cam equi pa men tos de qua li da de ele -va da o bas tan te a satis fa zer as metas de suas equi pes. assim, o aten di -men to nos estados unidos cos tu ma ser pró xi mo daque le que pode ria serpro vi do se o custo não fosse obje to de con si de ra ção e o bene fí cio dopacien te fosse o único parâ me tro.10

um pouco mais adian te, no mesmo tra ba lho, esses auto res levan tam umainte res san te inda ga ção sobre a liber da de médi ca, cujos refle xos para o con teú -do do “direi to” à saúde pare cem ser evi den tes:

em segun do lugar, pode a liber da de médi ca sobre vi ver em um ambien tede limi te orça men tá rio? os médi cos defen dem zelo sa men te a liber da demédi ca, o direi to de pres cre ver o que pen sam seja o melhor para cadacaso. essa liber da de inclui o direi to de cada médi co pres cre ver remé dios,de cada espe cia lis ta acei tar ou rejei tar pacien tes, pres cre ver exa mes, rea -li zar ou pres cre ver pro ce di men tos cirúr gi cos que pensa pos sam ser bené -fi cos. como pode uma liber da de como essa ser pre ser va da quan do onúme ro de lei tos e de salas de cirur gia é res tri to, a capa ci da de de rea li zarexa mes é limi ta da pelo acú mu lo de ser vi ço, resul ta do da dimi nui ção nascom pras de equi pa men tos, e o orça men to para remé dios tem que com -pe tir com outras gran des prio ri da des em gas tos hos pi ta la res?11

10 op. cit., p. 7. trad. livre. No ori gi nal: the system of third-party pay ment that domi na tes hos pi -tal reim bur se ment in the united states encou ra ges the pro vi sion to most patients of all care thatpro mi ses to yield bene fits regar dless of cost. Most american patients are insu la ted from the finan -cial con se quen ces of most hos pi tal epi so des. Most american physi cians gain finan cially from pro -vi ding addi tio nal care, and medi cal ethics pre clu de only the deli very of care that will do harm,not of care that is unrea so nably expen si ve. hospital admi nis tra tors seek faci li ties of high enoughqua lity to satisfy the pro fes sio nal goals of their staffs. thus care in the united states is usually closeto what would be pro vi ded if cost were no object and bene fit to patients were the sole con cern.

11 idem, p. 10. No ori gi nal: second, can cli ni cal free dom sur vi ve in an envi ron ment of bud get limits? Doctors jea lously guard cli ni cal free dom, the right of each prac ti tio ner to pres cri be as heor she thinks best in each case. included in this free dom is the right of each doc tor to pres cri be

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segundo esse tra ba lho, os gas tos médi cos dos estados unidos, em valo resatua li za dos para 1982, cres ce ram de us $ 503 per capi ta em 1950 para us $ 776 em1965 (últi mo ano antes da implan ta ção dos sis te mas medi ca re e medi caid) e paraus $ 1,365 em 1982, ou o equi va len te a 10,5% do PiB dos estados unidos.12

segundo pro je ções atua riais, o custo do segu ro hos pi ta lar sob o medi ca re, 2,97% dobene fí cio social bási co em 1982, mais que dobra rá em 2005, para 6,29%, e quasequa dru pli ca rá em 2035, para mais de 11%.13 em levan ta men to feito qua tro anosapós, os gas tos dos estados unidos com saúde já haviam che ga do a 11% do PiB, oumais que 450 bilhões de dóla res a cada ano, com aumen to dos pre ços médi cos bemsupe rior aos índi ces de infla ção.14 os gas tos do pro gra ma para doen tes renais crô -ni cos aumen ta ram de us 229 milhões em 1972, para us $ 2 bilhões em 1983, aopasso que o núme ro de pes soas aten di das aumen tou de onze mil para seten ta e trêsmil no mesmo perío do, num acrés ci mo do custo por pacien te de 31,60%.15-16

observações seme lhan tes tam bém são encon tra das em arti go recen te doProfessor timothy stoltzfus Jost, que faz inte res san te aná li se com pa ra ti vaentre deci sões de tri bu nais da alemanha, dos estados unidos e da Grã-Bretanha sobre o racio na men to de des pe sas com saúde.17 Jost des ta ca que orela cio na men to por meio do qual cui da dos médi cos são for ne ci dos tem trêsimpor tan tes dimen sões. Primeiramente, trata-se de um rela cio na men to pro -fis sio nal, o que deman da uma qua li fi ca ção do pro fis sio nal de saúde, para queexer ça a auto ri da de pro fis sio nal e, dife ren te men te do pas sa do, deman da tam -bém a infor ma ção ao pacien te sobre as carac te rís ti cas e con se quên cias do tra -ta men to, além de uma rela ção de con fian ça. em segun do lugar, esse rela cio -na men to é tam bém eco nô mi co, pois o for ne ce dor de cui da dos de saúde18

medi ca tion, and of each spe cia list to admit and dis char ge patients, to pres cri be tests, and tounder ta ke or pres cri be such sur gi cal pro ce du res as are thought likely to be bene fi cial. how cansuch free dom be pre ser ved when the num ber of beds and ope ra ting rooms is cur tai led, the capa -city to do test is limi ted by con ges tion resul ting from redu ced pur cha ses of equip ment, and bud -gets for drugs must com pe te with other high-prio rity hos pi tal expen di tu res?

12 idem, p. 3.13 MYers, robert J. “Financial status of the social security Program” social security Bulletin, 46:

13, março 1983, apud aaroN & schWartz, op. cit., p. 113.14 Kil Ner, op. cit., p. 9.15 op. cit., p. 10.16 como con tra pon to aos dile mas pos tos pelos cus tos cres cen tes da moder na medi ci na, vale con fe -

rir o rela to da pes qui sa de campo de Kilner, sobre alo ca ção de recur sos médi cos junto ao povoakamba, no Quênia, pes qui sa que envol veu não ape nas os pra ti can tes da medi ci na con ven cio nalcomo tam bém os curan dei ros, pajés e par tei ras. op. cit., pp. 20-23.

17 Jost, timothy stoltzfus. “health care rationing in the courts: a comparative study”, hastingsinternational and comparative law review, 21: 639-714, 1998.

18 usamos “cui da dos de saúde” para abran ger não só os cui da dos médi cos, mas tam bém cui da dos nãocom preen di dos na medi ci na, como de enfer ma gem, far ma co lo gia, orto don tia etc.

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comer cia li za mer ca do rias e ser vi ços, o pacien te é o con su mi dor e o pacien te,o segu ra dor do pacien te, seu empre ga dor ou o gover no é o com pra dor. os cui -da dos médi cos são pro du tos ofe re ci dos em um mer ca do que res pon de às leisda eco no mia. Por últi mo, essas rela ções são tam bém jurí di cas.19

Quanto ao paga men to por ter cei ro, des ta ca o arti go um outro aspec toque com ple men ta a obser va ção de aaron e schwartz:

os inte res ses do adqui ren te e do pacien te são inde pen den tes e nem sem -pre estão ali nha dos. enquanto o pacien te enfer mo pode que rer todainter ven ção que acene algum bene fí cio, por exem plo, o segu ra dor, que équem efe ti va men te paga pelo tra ta men to médi co, tem que orga ni zar seusrecur sos cui da do sa men te para asse gu rar que todos seus segu ra dos pos samser aten di dos, seus prê mios con ti nuem com pe ti ti vos e seus admi nis tra -do res e acio nis tas sejam ade qua da men te com pen sa dos. os for ne ce do respodem ser menos pode ro sos como ven de do res do que são enquan to pro -fis sio nais, mas estão muito longe de não terem poder. eles têm um pro -du to valio so a ven der, e usual men te o ven dem em con di ções de mer ca -do res tri to, onde não estão expos tos à plena força da com pe ti ção.20

Prosseguem esses auto res dizen do que “um dos mais impor tan tes desa -fios aos moder nos sis te mas de saúde é a alo ca ção de recur sos. os recur sos paracui da dos de saúde têm que ser alo ca dos em um sis te ma de saúde no con tex tode escas sez e incer te za. recursos para saúde são alo ca dos atra vés de deci sõespro fis sio nais e eco nô mi cas, mas os resul ta dos gera dos por esses meca nis mosmui tas vezes ori gi nam lití gios. esses lití gios são fre quen te men te resol vi dospor ins ti tui ções de direi to e por meio do judi ciá rio, em par ti cu lar.”

“Por defi ni ção, todos recur sos valio sos são escas sos, mas a preo cu pa çãocom a escas sez no âmbi to dos cui da dos de saúde tor nou-se mais aguda nosúlti mos anos, com o aumen to da deman da. a par ce la da rique za nacio nal gastapela maio ria dos paí ses desen vol vi dos cres ceu nas últi mas duas déca das”.

19 op. cit., pp. 640-642.20 idem, p. 642, tra du ção livre. No ori gi nal: the inte rests of the pur cha ser are inde pen dent of, and

not always alig ned with, those of the patient. While the sick patient may want every medi calinter ven tion that may be of bene fit, for exam ple, the insu rer, who actually pays for medi cal care,must mars hall its resour ces care fully to assu re that all of its insu reds can be ser ved, its pre miums remain com pe ti ti ve, and its mana gers and sha re hol ders are well com pen sa ted. Providers may beless power ful as sel lers that they are as pro fes sio nals, but they are far from power less. they havea valua ble com mo dity to sell, and often sell it under res tric ted mar ket con di tions where they arenot expo sed to the full force of com pe ti tion.

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“o fator mais rele van te para o aumen to dos cus tos com saúde em todo omundo, e em par ti cu lar nos estados unidos, é o con tí nuo pro gres so da tec no -lo gia médi ca. (...). ao con trá rio de outras indús trias, inves ti men tos de capi tale desen vol vi men to tec no ló gi co rara men te resul tam em subs tan cial eco no miade cus tos de tra ba lho na indús tria da saúde. a deman da por tec no lo gia de cui -da dos de saúde pare ce que não irá dei xar de cres cer. outro impor tan te fatorque ine xo ra vel men te leva ao aumen to da deman da por cui da dos médi cos emlongo prazo é o enve lhe ci men to da popu la ção.”21

as obser va ções acima pare cem apli cá veis não só aos estados unidos, mastam bém ao Brasil.

Quanto à ética médi ca, basta a refe rên cia aos arti gos 6º,22 8º23 e 16º24 docódigo de Ética Médica para cons ta tar apli ca bi li da de das pon de ra ções. afora aregu la men ta ção da ati vi da de médi ca, a pró pria prá xis demons tra a não preo cu -pa ção com os cus tos, sendo a ques tão dos medi ca men tos gené ri cos um bomexem plo. antes da atua ção dire ta do estado, não havia um movi men to da clas -se médi ca em favor do uso de medi ca men tos simi la res, o que cola bo rou para amanu ten ção da dife ren ça de pre ços e para evi tar algu ma forma de con cor rên ciaentre remé dios “de marca” e os simi la res, com ganhos óbvios para o com pra dor.

Quanto ao cus teio, tam bém temos a saúde pre do mi nan te men te cus tea -da por ter cei ros,25 sejam pla nos ou segu ros de saúde, cai xas de assis tên cia, oudire ta men te pelo Poder Público. também aqui temos um volu me cres cen tede gas tos com a saúde, muito embo ra sua quan ti fi ca ção até 1999 não fiquetotal men te clara no orçamento Geral da união.26 Por últi mo, o aumen to da

21 idem, pp. 644-645 – trad. nossa.22 “art. 6º - o médi co deve guar dar abso lu to res pei to pela vida huma na, atuan do sem pre em bene -

fí cio do pacien te. Jamais uti li za rá seus conhe ci men tos para gerar sofri men to físi co ou moral, parao exter mí nio do ser huma no, ou para per mi tir e aco ber tar ten ta ti va con tra sua dig ni da de e inte -gri da de”.

23 “art. 8º - o médi co não pode, em qual quer cir cuns tân cia, ou sob qual quer pre tex to, renun ciar àsua liber da de pro fis sio nal, deven do evi tar que quais quer res tri ções ou impo si ções pos sam pre ju -di car a efi cá cia e cor re ção de seu tra ba lho”.

24 “art. 16º - Nenhuma dis po si ção esta tu tá ria ou regi men tal de hos pi tal, ou ins ti tui ção públi ca, oupri va da pode rá limi tar a esco lha, por parte do médi co, dos meios a serem pos tos em prá ti ca parao esta be le ci men to do diag nós ti co e para a exe cu ção do tra ta men to, salvo quan do em bene fí cio dopacien te”.

25 há for mas de cus teio da saúde que não tor nam a ques tão do cus teio neu tra na rela ção médi co-pacien te, tal como nos pla nos de assis tên cia fei tos com hos pi tais deter mi na dos ou, na saúde públi -ca, os Pas desen vol vi dos no Município de são Paulo. contudo, essas for mas de cus teio são a exce -ção e, a nosso ver, não afas tam a con se quên cia apon ta da nos tex tos aqui cita dos, a não-con si de -ra ção do custo na pres cri ção médi ca.

26 até a Por ta ria 42, do Ministério de Planejamento, orçamento e Gestão, de 14/04/99, no deta lha -men to de gas tos por fun ção, os gas tos com saúde vinham jun tos com os gas tos com sanea men to.Mesmo após essa por ta ria, o valor total inclui gasto com ser vi do res e ina ti vos, difi cul tan do o

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expec ta ti va de vida e da idade média da popu la ção tam bém ocor re noBrasil.27

Mesmo que não hou ves se res tri ções finan cei ras, have ria neces si da de daado ção de cri té rios de esco lha, de alo ca ção de recur sos, na dis tri bui ção derecur sos médi cos, mesmo aque les neces sá rios ao sal va men to de vidas.28 tododesen vol vi men to tec no ló gi co é segui do por um exten so perío do no qual otra ta men to é escas so, desde o momen to em que esse tra ta men to não é maisexpe ri men tal até o momen to em que há a pro du ção e dis tri bui ção de recur -sos29 neces sá rios ao uso gene ra li za do do novo tra ta men to, tal como ocor reucom a hemo diá li se.30

o cará ter trá gi co dessa nova rea li da de, em espe cial no campo da saúde,está expres so no National heart transplantation study, cita do por Kilner:

ao invés de uma massa de indi ví duos não iden ti fi ca dos tendo nega do oaces so a recur sos neces sá rios, pes soas cujos nomes se tor na ram conhe ci -dos do públi co serão decla ra das ine le gí veis para um tra ta men to ou uti li -da de que se sabe neces sá rio. talvez esse cená rio seja desu ma no, mas ésem dúvi da a ver da dei ra repre sen ta ção da rea li da de.31

Diante de um qua dro como esse, a ten dên cia natu ral é fugir do pro ble ma,negá-lo. esse pro ces so é bas tan te fácil nos meios judi ciais. Basta obser var ape -nas o caso con cre to posto nos autos. tomada indi vi dual men te, não há situa çãopara a qual não haja recur sos. Não há tra ta men to que suplan te o orça men to dasaúde ou, mais ainda, aos orça men tos da união, de cada um dos estados, doDistrito Federal ou da gran de maio ria dos muni cí pios. assim, enfo can do ape -

exame de quan to é efe ti va men te gasto com a saúde da popu la ção. É certo que o Ministério dasaúde dis po ni bi li za os valo res gas tos com saúde no ende re ço www.data sus.gov.br, mas a série his -tó ri ca é pouco sig ni fi ca ti va, abran gen do ape nas três anos.

27 cf. a série de repor ta gens da Folha de são Paulo, refe ri da no capí tu lo 1.28 um exem plo da neces si da de de cri té rios cla ros e do con tro le des ses cri té rios pode ser cons ta ta do

em repor ta gem da Folha de são Paulo de 20 de janei ro de 2000 (cader no 3, pági na 3), segun do aqual devi do à obe diên cia ao cri té rio de ordem (fila), sem con si de rar a urgên cia médi ca, algu maspes soas mor rem antes de serem aten di das, ao passo que outras, sem tanta urgên cia, rece bem oórgão antes.

29 e. g., equi pa men tos médi cos, medi ca men tos, capa ci ta ção pro fis sio nal.30 Kilner, op. cit., p. 11.31 National heart transplantation study. seattle: Battelle human affairs research centers, 1984,

apud Kil Ner, op. cit., p. 12. tradução livre. No ori gi nal: instead of an uni den ti fied mass of indi -vi duals being denied access to a nee ded resour ce, per sons whose names have beco me known tothe public will be decla red ine li gi ble for a treat ment or ser vi ce they are known to requi re.Perhaps this sce na rio is inhu ma ne, but it is undoub tedly a true repre sen ta tion of rea lity.

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nas o caso indi vi dual, vis lum bran do ape nas o custo de cinco mil reais por mêspara um coque tel de remé dios, ou de cento e seten ta mil reais para um tra ta -men to no exte rior, não se vê a escas sez de recur so, mor men te se ado ta do o dis -cur so de que o estado tem recur sos “nem sem pre bem empre ga dos”.32

Fica claro, por tan to, que a escas sez é ine xo rá vel, mesmo no que tange àsaúde.

2. a alo ca ção de recur sos escas sos

Firmado que há menos recur sos do que o neces sá rio para o aten di men todas deman das e que a escas sez não é aci den tal, mas essen cial, toma vulto a alo -ca ção de recur sos. as deci sões alo ca ti vas são, como bem cap ta do por calabresie Bobbitt,33 esco lhas trá gi cas, pois, em últi ma ins tân cia, impli cam a nega çãode direi tos que, no campo da saúde, podem redun dar em gran de sofri men toou mesmo em morte.34

as deci sões alo ca ti vas são, basi ca men te, de duas ordens: quan to dis po ni -bi li zar e a quem aten der. a pri mei ra é cha ma da de deci são de pri mei ra ordeme a outra deci são de segun da ordem. a expres são foi cunha da por Guidocalabresi e Philip Bobbitt,35 com as deci sões de pri mei ra ordem vol tan do-se àpro du ção de bens em que há escas sez natu ral.36 Jon elster inclui nas deci sõesde pri mei ra ordem todas as esco lhas fei tas ou indu zi das com o pro pó si to dire -to de afe tar o total de bens dis po ní veis, incluin do esco lhas indi vi duais des cen -tra li za das e a escas sez quase-natu ral.37 elster cria tam bém o con cei to de deci -sões de ter cei ra ordem, que vêm a ser deci sões toma das pelos poten ciais bene -fi ciá rios dos bens escas sos que afe tam suas neces si da des ou suas pos si bi li da desde rece bê-los, den tro de um dado esque ma alo ca ti vo.38 são cita dos comoexem plo os ope rá rios que por serem casa dos ou por tra ba lha rem em indús trias vitais para o esfor ço de guer ra tinham mais faci li da de de serem dis pen sa dos doser vi ço mili tar,39 ou ainda a pos si bi li da de de deses ti mu lar o abuso de nico ti -na, álcool e dro gas dando-lhes menor prio ri da de para trans plan tes.40

32 tJrJ, 4ª c. civ., agr. instr. nº 1081/97, unâ ni me, j. 12/08/97.33 cala Bre si, Guido & BoB Bitt, Philip. tragic choices. New York: Norton, 1978.34 op. cit., p. 18 e Kilner, op. cit., p. 13.35 op. cit.36 idem, p. 19.37 els ter, op. cit., p. 139.38 op. cit., p. 141.39 loc. cit.40 idem, p. 142. o autor adver te que esse últi mo exem plo é ape nas hipo té ti co, pois jamais foi uti li -

za do.

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as deci sões de pri mei ra ordem podem ser indi vi duais, como a de se tor -nar doa dor de órgãos, ou polí ti cas. tratando dessa últi ma, escre ve elster:

Decisões polí ti cas de pri mei ra ordem rela cio nam-se com a alo ca ção derecur sos fun gí veis (mone tá rios) den tre várias ati vi da des. a prin ci palcon se qüên cia des sas deci sões é favo re cer cer tos bens e ser vi ços às cus tasde outros. uma con se qüên cia secun dá ria pode ser favo re cer alguns àsexpen sas de outros, quer dizer, aque les que podem mais ser bene fi cia dospelo bem favo re ci do. apesar de o efei to nos indi ví duos tam bém depen -der do prin cí pio alo ca ti vo de segun da ordem, alguns bens têm carac te -rís ti cas que excluem vários gru pos do uni ver so de pos sí veis bene fi cia dos.assim, dedi car uma larga par ce la de fun dos públi cos à mora dia popu larequi va le a dar tra ta men to pre fe ren cial aos pobres, a des pei to de qualesque ma alo ca ti vo seja esco lhi do. Dar prio ri da de à edu ca ção neces sa ria -men te ocor re às expen sas dos ido sos, já que eles não se tor na rão jovensnova men te. em con tras te, con cen trar recur sos em equi pa men tos médi -cos neces sá rios para sal var vidas, usa dos prin ci pal men te por ido sos, podeeven tual men te tam bém bene fi ciar os jovens.41

esse cará ter dis jun ti vo das esco lhas traz, mui tas vezes, uma teia de con -se quên cias, uma cadeia de ações e rea ções que não con se guem ser sequer ima -gi na das den tro da ótica estri ta da micro jus ti ça,42 e que só vem sendo abor da -da há pou cos anos.43 tome-se como exem plo a regu la ção do risco. Não raro, adimi nui ção de um risco à saúde gera simul ta nea men te o aumen to de outrorisco. a proi bi ção do uso de amian to em freios pro te ge a saúde dos ope rá rios,mas pode cei far vidas em aci den tes auto mo bi lís ti cos, dada a menor efi ciên cia

41 op. cit., p. 140, tra du ção livre. No ori gi nal: Political first-order deci sions con cern the allo ca tionof fun gi ble (mone tary) resour ces among various acti vi ties. the pri mary con se quen ce of suchdeci sions is to favor cer tain goods or ser vi ces at the expen se of others. a secon dary con se quen cemay be to favor cer tain indi vi duals at the expen se of others, that is to say, those who can bene -fit most from the favo red good. although the effect on indi vi duals also depends on the second-order allo ca ti ve prin ci ple, some goods are such that many groups can not bene fit from them atall. thus devo ting a large share of public funds to public hou sing is tan ta mount to pre fe ren tialtreat ment of the poor, almost regar dless of what allo ca ti ve sche me is cho sen. Giving prio rity toedu ca tion neces sa rily occurs at the expen se of the elderly, since they will not be young again. Bycon trast, heavy fun ding of live- saving medi cal equip ment mainly uti li zed by the elderly willeven tually also bene fit the young.

42 cf. capí tu lo 1, item 5, supra.43 suNs teiN, cass. “health- health trade-offs”, Free Markets and social Justice. New York: oxford

university Press, 1997, p. 298.

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de outros mate riais na fre na gem, além de poder pro vo car outros ris cosambien tais, ante a toxi da de dos ele men tos usa dos em subs ti tui ção.44

a deci são de pro te ger um dado inte res se mui tas vezes gera novas for masde amea ça,45 tor nan do as deci sões alo ca ti vas ainda mais com ple xas.

3. Justiça dis tri bu ti va

os cri té rios de alo ca ção são obje to de estu do da jus ti ça dis tri bu ti va.como os direi tos fun da men tais são a posi ti va ção de direi tos huma nos, que têmnatu re za de direi tos morais, cabe inda gar se há tam bém um cri té rio pré-posi -ti vo de alo ca ção, que possa, tal como os direi tos morais, ser dedu zi do e afir -ma do pela razão, ou se, ao con trá rio, as deci sões alo ca ti vas, espe cial men te depri mei ra e segun da ordem, com por tam opções polí ti cas inter cam biá veis,ainda que com resul ta dos finais dís pa res.

a rele vân cia prá ti ca dessa inda ga ção para a inter pre ta ção cons ti tu cio nalestá paten te no tra ba lho de Gisele cittadino. Nele, a abor da gem libe ral de uma“Justiça única” e a abor da gem comu ni ta ris ta levam a resul ta dos dis tin tos,inclu si ve quan to ao papel do Judiciário.46

No campo teó ri co, viu-se a par tir da déca da de 70, o sur gi men to de teo -rias que bus cam encon trar ou expli ci tar o fun da men to de Justiça do Direito.temos, de um lado, auto res como John rawls47 e robert Nozick48 pro cu ran -do for mu lar teo rias uni tá rias de Justiça, las trea das no ideal do liberalismo, aopasso que nas déca das de 80 e 90 outros auto res, como Michael Walzer,49 Jonelster50 e cass sunstein51 for mu lam teo rias e argu men tos des ven ci lha dos de

44 corrosion Proof Fittings v. the environmental Protection agency. 947 F.2d 1201. Nesse jul -ga do, assen tou a 5th circuit court: “What we can not igno re is that the ePa fai led to study,des pi te cre di ble evi den ce that non-asbes tos bra kes could increa se sig ni fi cantly the num ber ofhigh way fata li ties, and that the ePa fai led to eva lua te the toxi city of likely brake subs ti tu tes.as we already men tio ned, the ePa, in its zeal to ban asbes tos, can not over look, with onlycur sory study, cre di ble con ten tions that subs ti tu te pro ducts actually might increa se fata li ties”(p. 1.224).

45 cf. o arti go de suNs teiN (op. cit.), exa mi nan do a ques tão à luz da expe riên cia ame ri ca na comagên cias regu la do ras.

46 cit ta Di No, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: elementos da Filosofia constitu -cional contemporânea. rio de Janeiro: lumen Juris, 1999, esp. pp. 182 a 203.

47 a theory of Justice, 1971.48 anarchy, state, and utopia, 197449 spheres of Justice, 1983.50 local Justice, 1992.51 the Partial constitution, 1993.

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um cri té rio geral de Justiça, mas liga dos a cri té rios par ciais, já que empre gá -veis em dadas situa ções e em dadas comu ni da des.52

após a 2ª Guerra Mundial houve reflu xo do posi ti vis mo, com a afir ma çãodo homem fren te ao estado, a afir ma ção temá ti ca dos direi tos huma nos a des -pei to de sua posi ti va ção. Nas pala vras de ricardo lobo torres, “os direi tos fun -da men tais ou direi tos huma nos vol tam a se acer car da ideia de direi to natu rale de natu re za das coi sas, cons ti tuin do pedra angu lar da con cep ção de estadosocial de Direito. os direi tos da liber da de pree xis tem à constituição e aoestado, posto que radi cam na pró pria natu re za huma na. Não é o estado quecria os direi tos fun da men tais, senão que ape nas os garan te, por efei to de suapró pria cons ti tui ção no espa ço aber to pela liber da de indi vi dual. Porém, osdirei tos da liber da de não pai ram abs tra ta e eter na men te com o mesmo con teú -do, eis que sofrem modi fi ca ções e se adap tam às novas rea li da des his tó ri cas”.53

3.1. a teo ria de John rawls

enquanto no posi ti vis mo não havia espa ço para con si de ra ções de Justiça den -tro do Direito,54 a par tir da obra pio nei ra de John rawls, no iní cio dos anos 70,55 a

52 sobre a com pa ra ção entre as posi ções comu ni ta ris tas e as posi ções con tra tua lis tas, con fi ra-sesilva, ricardo almeida ribeiro da. a crítica comunitarista ao liberalismo, in teoria dosDireitos Fundamentais, org. ricardo lobo torres, rio de Janeiro: renovar, 1999, pp. 193-238.

53 tor res, ricardo lobo. os Direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. rio deJaneiro: ed. renovar, 1995, pp. 44-45.

54 hans Kel seN deixa isso bem claro em sua obra: “a tare fa que con sis te em obter, a par tir da lei, aúnica sen ten ça justa (certa) ou o único ato admi nis tra ti vo cor re to é, no essen cial, idên ti ca à tare fade quem se pro põe, nos qua dros da constituição, criar as úni cas leis jus tas (cer tas). assim como daconstituição, atra vés de inter pre ta ção, não pode mos extrair as úni cas leis cor re tas, tam pou copode mos, a par tir da lei, por inter pre ta ção, obter as úni cas sen ten ças cor re tas. (...). Na medi da emque, na apli ca ção da lei, para além da neces sá ria fixa ção da mol du ra den tro da qual se tem de man -ter o ato a pôr, possa ter ainda lugar uma ati vi da de cog nos ci ti va do órgão apli ca dor do Direito, nãose tra ta rá de um conhe ci men to do Direito posi ti vo, mas de outras nor mas que, aqui, no pro ces soda cria ção jurí di ca, podem ter a sua inci dên cia: nor mas de Moral, nor mas de Justiça, juí zos sociaisde valor que cos tu ma mos desig nar por expres sões cor ren tes como bem comum, inte res se doestado, pro gres so, etc. Do ponto de vista do Direito posi ti vo, nada se pode dizer sobre a sua vali -da de e veri fi ca bi li da de. (...). se que re mos carac te ri zar não ape nas a inter pre ta ção da lei pelos tri -bu nais ou pelas auto ri da des admi nis tra ti vas, mas, de modo intei ra men te geral, a inter pre ta ção jurí -di ca rea li za da pelos órgãos apli ca do res do Direito, deve mos dizer: na apli ca ção do Direito por umórgão jurí di co, a inter pre ta ção cog nos ci ti va (obti da por uma ope ra ção de conhe ci men to) doDireito a apli car com bi na-se com um ato de von ta de em que o órgão apli ca dor do Direito efe tuauma esco lha entre as pos si bi li da des reve la das atra vés daque la mesma inter pre ta ção cog nos ci ti va”(Kel seN, hans. teoria Pura do Direito. são Paulo: Martins Fontes, 1991, pp. 368-369).

55 a dis cus são é, evi den te men te, bem ante rior à publi ca ção de a theory of Justice, inclu si ve por -que as ideias ali desen vol vi das já vinham sendo publi ca das em arti gos há mais de uma déca da (cf.o pre fá cio da obra), mas ainda assim a publi ca ção é um marco.

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ques tão da Justiça ficou enre da da com o Direito, não só o direi to públi co comotam bém o pri va do.56

a visão de rawls baseia-se em uma relei tu ra da teo ria do con tra to social,desen vol vi da por locke, rousseau e Kant, na qual “o con tra to é subs ti tuí dopor uma situa ção ini cial que intro duz deter mi na das limi ta ções de natu re zapro ces sual57 num con jun to de argu men tos con ce bi dos para con du zir a umacor do ini cial sobre os prin cí pios da jus ti ça”.58 Não se con ce be o con tra to ori -gi nal como aque le que per mi te a ade são a uma socie da de deter mi na da ou queesta be le ce uma deter mi na da forma de gover no. a ideia con du to ra é antes a deque os prin cí pios da jus ti ça apli cá veis à estru tu ra bási ca for mam o obje to doacor do ori gi nal. esses prin cí pios são os que seriam acei tes por pes soas livres eracio nais, colo ca das numa situa ção ini cial de igual da de e inte res sa das empros se guir os seus pró prios obje ti vos, para defi nir os ter mos fun da men tais dasua asso cia ção. são esses prin cí pios que regu la men tam os acor dos sub se quen -tes.59 “Na teo ria da jus ti ça como eqüi da de, a posi ção da igual da de ori gi nal cor -res pon de ao esta do natu ral na teo ria tra di cio nal do con tra to social. esta posi -ção ori gi nal não é, evi den te men te, con ce bi da como uma situa ção his tó ri cacon cre ta, muito menos como um esta do cul tu ral pri mi ti vo. Deve ser vistacomo uma situa ção pura men te hipo té ti ca, carac te ri za da de forma a con du zira uma certa con cep ção da jus ti ça”,60 carac te ri zan do a mar ca da influên cia kan -tia na na obra.

os prin cí pios da jus ti ça, então, são esco lhi dos sob um véu de igno rân cia,sob o qual os par ti ci pan tes desse diá lo go hipo té ti co nada sabem sobre sua futu -ra posi ção na socie da de. com isso, o fun da men to dos direi tos não está em qual -quer argu men to aprio rís ti co, mas na jus ti fi ca ção de cer tos prin cí pios da jus ti çacomo fruto de um acor do unâ ni me numa situa ção ini cial hipo té ti ca, em que aigual da de é asse gu ra da pelo fato de que não saben do cada um qual será suaposi ção, sua situa ção na socie da de, nin guém pode rá defen der prin cí pios quebene fi ciem sua situa ção par ti cu lar. assim, pensa rawls, fica ria asse gu ra do quetais prin cí pios são resul ta do de um acor do ou nego cia ção equi ta ti va (fair).

56 cf. as diver sas apli ca ções dos pos tu la dos de Justiça ao direi to pri va do em Karl lareNz. DerechoJusto: Fundamentos de Ética Jurídica. Madrid: editorial civitas, 1985.

57 a pala vra “pro ces sual” não está aqui no sen ti do usual, como rela ti va a pro ces so judi cial, que é ouso cor ren te em por tu guês do Brasil (cf. Dicionário aurélio), mas no sen ti do de “modo de pro ce -der”. a rela ti va ina de qua ção de “pro ces sual” como equi va len te de “pro ce du ral” leva alguns aempre gar o neo lo gis mo “pro ce du ral” (e. g., silva, ricardo almeida ribeiro da. op. cit., p. 207).

58 raWls, John. uma teoria da Justiça. lisboa: editorial Presença, 1993, p. 27.59 op. cit., p. 33.60 idem.

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Formula rawls uma teo ria fun da da em dois prin cí pios bási cos de jus ti ça,orde na dos serial men te: o da igual liber da de e o prin cí pio da dife ren ça. o pri -mei ro pos tu la que cada pes soa deve ter um direi to igual ao mais exten so sis te -ma de liber da des bási cas que seja com pa tí vel com um sis te ma de liber da desidên ti co para as outras, ao passo que o segun do requer que as desi gual da deseco nô mi cas e sociais devam ser dis tri buí das de forma a que simul ta nea men tese possa razoa vel men te espe rar que elas sejam em bene fí cio de todos e decor -ram de posi ções e fun ções às quais todos tenham aces so.

vale trans cre ver parte do racio cí nio que con duz aos dois prin cí pios,inclu si ve para demons trar, mais adian te, a total ausên cia, no pen sa men to derawls, da ques tão da escas sez de recur sos.

consideremos o ponto de vista de alguém na posi ção ori gi nal. Não háqual quer meio que lhe per mi ta obter van ta gens espe ciais para si pró prio.Por outro lado, tam bém não há jus ti fi ca ção para que con sin ta em sofrerdes van ta gens par ti cu la res. Dado que não lhe é razoá vel espe rar obter maisdo que uma parte igual à dos outros na divi são dos bens sociais pri má rios,e na medi da em que não é racio nal acei tar rece ber uma parte menor, a melhor solu ção será a de reco nhe cer como pri mei ro passo um prin cí pioda jus ti ça que exija uma dis tri bui ção igual. Na ver da de, este prin cí pio é,dada a sime tria das par tes, tão óbvio que a todos deve ocor rer ime dia ta -men te. assim, os inter ve nien tes par tem de um prin cí pio que exige iguaisliber da des bási cas para todos, bem como unia igual da de equi ta ti va deopor tu ni da des e a divi são igual dos ren di men tos e da rique za.Mas, mesmo defen den do fir me men te a prio ri da de das liber da des bási case da igual da de equi ta ti va de opor tu ni da des, não há razão para que estereco nhe ci men to ini cial seja defi ni ti vo. a socie da de deve ter em conta aefi ciên cia eco nó mi ca e as exi gên cias da orga ni za ção e da tec no lo gia. sehou ver desi gual da des de ren di men to e de rique za, bem como dife ren çasde auto ri da de e de graus de res pon sa bi li da de que per mi tam que todoseste jam em melhor situa ção, por com pa ra ção com o padrão da igual da -de, por que não per mi ti-las? Pode pen sar-se que, ideal men te, os sujei tosdese jam estar ao ser vi ço uns dos outros. ora, uma vez que se admi te queas par tes são mutua men te indi fe ren tes, a acei ta ção des tas desi gual da deseco nó mi cas e ins ti tu cio nais é ape nas o reco nhe ci men to das rela ções deopo si ção entre os homens que cons ti tuem o con tex to de apli ca ção da jus -ti ça. as par tes não têm fun da men to para se quei xa rem dos moti vos unsdos outros. assim, elas con cor da riam com estas dife ren ças ape nas se sesen tis sem desa ni ma das pela per cep ção ou pelo conhe ci men to de que os

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outros estão em melhor situa ção; supo nho, no entan to, que elas não sedei xam mover pela inve ja. Portanto, a estru tu ra bási ca deve admi tir estasdesi gual da des desde que elas melho rem a situa ção de todos, incluin do asdos menos bene fi cia dos, con tan to que sejam com pa tí veis com a igualliber da de e com a igual da de equi ta ti va de opor tu ni da des. como as par testêm como ponto de par ti da uma divi são igual de todos os bens sociais pri -má rios, os que bene fi ciam menos têm, por assim dizer, um poder de veto.chegamos assim ao prin cí pio da dife ren ça. tomando a situa ção de igual -da de como base de com pa ra ção, os sujei tos que ganha rem mais devemfazê-lo em ter mos que sejam jus ti fi cá veis para os que ganha rem menos.61

o prin cí pio da dife ren ça, con tu do, não é for mu la do de modo a deman -dar um incre men to do míni mo social muito ele va do, pró xi mo à rique za médiado país. Neste ponto rawls inse re a ques tão da jus ti ça entre gera ções, afir man -do que “a expec ta ti va da qual se deve par tir é a de que as pers pec ti vas de longoprazo dos menos des fa vo re ci dos se esten dem às gera ções futu ras. cada gera -ção deve não ape nas sal va guar dar os ganhos de cul tu ra e civi li za ção e man terintac tas as ins ti tui ções jus tas que forem esta be le ci das, mas tam bém pôr de ladouma quan tia ade qua da de capi tal acu mu la do efec ti vo”.62

o prin cí pio da dife ren ça, que se liga com a jus ti ça dis tri bu ti va, con témum largo ele men to de jus ti ça pro ces sual63 pura, não haven do qual quer ten ta ti -va para defi nir a dis tri bui ção justa dos bens e ser vi ços a par tir das infor ma çõessobre pre fe rên cias e exi gên cias dos sujei tos con cre tos. há, na teo ria de rawls,ins ti tui ções de enqua dra men to rela ti vas à jus ti ça dis tri bu ti va, regu la das poruma cons ti tui ção justa que garan ta as liber da des pró prias de uma situa ção deigual da de entre os cida dãos, garan ta um pro ces so justo de esco lha do Governo,asse gu re liber da de de opor tu ni da des equi ta ti va, que englo ba o igual aces so àedu ca ção e à cul tu ra, bem como um míni mo social “quer atra vés de sub sí diosde famí lia e de sub sí dios espe ciais em caso de doen ça e desem pre go ou, maissis te ma ti ca men te, pela uti li za ção de meca nis mos como o suple men to gra dualde ren di men to (o cha ma do impos to de ren di men to nega ti vo)”.64

a obra de rawls pare ce só ver direi tos nega ti vos (as liber da des) e posi ti -vos. talvez isso decor ra de sua visão con tra tua lis ta, em que as pes soas na“posi ção ori gi nal” estão a dia lo gar sobre a cons tru ção do estado, vendo aídirei tos e deve res fren te ao estado, não tendo o outro como adver sá rio.

61 raWls. op. cit., pp. 130-131.62 op. cit., p. 228.63 vide obser va ção em nota acima.64 P. 221.

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todavia, como já demons tra do nos capí tu los ante rio res, não há direi tos pura -men te nega ti vos, já que sem pre deles se extrai rá uma pre ten são posi ti va. essapre ten são posi ti va deman da rá recur sos, que são fini tos, mas sobre esse con fli -to a obra nada fala.

rawls trata, sem se deter, já que não é o esco po de sua monu men talobra, dos con fli tos entre liber da des, inclu si ve para che gar ao pos tu la do damáxi ma liber da de asse gu rá vel a todos. chega ele a cons ta tar a rela çãoexclu den te entre algu mas liber da des, como ao dizer que “os que atri buemum valor mais ele va do ao prin cí pio da par ti ci pa ção esta rão pre pa ra dos paracor rer ris cos maio res no que res pei ta, por exem plo, às liber da des indi vi -duais, de modo a atri buir à liber da de polí ti ca um papel mais impor tan te”,65

mas esses con fli tos são daque les que antes já cha ma mos de con fli tos dedemar ca ção,66 em que na dúvi da sobre a apli ca ção de um “direi to” ou outro,de um valor jurí di co ou outro a uma dada situa ção, o apli ca dor irá defi niros limi tes de cada pre ten são,67 em deci são retroa ti va, vale dizer, ante umcon fli to entre liber da de de expres são e direi to à inti mi da de a deci são irádecla rar se o caso con cre to encon tra-se sob o domí nio nor ma ti vo de um“direi to” ou de outro, de modo que, após essa decla ra ção, enten der-se-á quea pre ten são pre te ri da jamais foi fun da da.

Não se encon tra em uma teoria da Justiça uma res pos ta para a escas sezde recur sos, a carên cia de meios como fator limi ta dor da efe ti vi da de mate rialdos direi tos, inclu si ve das liber da des.

3.2. a posi ção de robert Nozick

Nozick, após afir mar que “o estado míni mo é o mais exten so que se podejus ti fi car. Qualquer outro mais amplo viola direi tos da pes soa”,68 trata da jus -ti ça dis tri bu ti va, mas ini cia por dizer que a expres são não é neu tra, já quesuge re reti rar algo de alguém e entre gar a outrem, o que o leva a pre fe rir falarem “jus ti ça na pro prie da de”.69

65 raWls, op. cit., p. 188.66 cf. capí tu lo 4, item 6, supra.67 cf. capí tu lo 4, supra.68 NozicK, robert. anarquia, estado e utopia. rio de Janeiro: Jorge zahar editor, 1991, p. 170.69 “We shall speak of people’s hol dings; a prin ci ple of jus ti ce in hol dings des cri bes (part of) what

jus ti ce tells us (requi res) about hol dings. i shall state first what i take to be the cor rect view aboutjus ti ce in hol dings, and then turn to the dis cus sion of alter na ti ve views.“ NozicK, robert.anarchy, state, and utopia. Basic Books, 1974, p. 150.

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Nozick fun da men ta sua teo ria de jus ti ça no que chama de “teo ria do títu -lo”.70 Para ele o obje to da jus ti ça em pro prie da de71 con sis te em três tópi cosprin ci pais: aqui si ção ori gi nal da pro prie da de, a apro pria ção de coi sas não pos -suí das, que seria o prin cí pio da jus ti ça na aqui si ção; a trans fe rên cia de pro prie -da de de uma pes soa para outra, englo ban do des cri ções gerais de troca volun -tá ria e doa ção e, por outro lado, frau de, que seria o prin cí pio da jus ti ça natrans fe rên cia.

Diz Nozick que:

se o mundo fosse intei ra men te justo, a defi ni ção indu ti va a seguir pode -ria cobrir exaus ti va men te a maté ria da jus ti ça na pro prie da de.1. a pes soa que adqui re uma pro prie da de de acor do com o prin cí pio

da jus ti ça na aqui si ção está titu la da para essa pro prie da de.2. a pes soa que adqui re uma pro prie da de de acor do com o prin cí pio

da jus ti ça na trans fe rên cia, de alguém tam bém titu la do à pro prie da -de, tem títu lo sobre a pro prie da de.

3. Ninguém tem títu lo sobre uma pro prie da de salvo pela apli ca çãorepe ti ti va de 1 e 2.72

todavia, como “nem todas as situa ções con cre tas são gera das de acor docom os dois prin cí pios de jus ti ça na pro prie da de”,73 já que algu mas pes soasrou bam outras, defrau dam-nas, escra vi zam-nas, con fis cam-lhe bens, impe -dem que vivam como bem enten dem, essas situa ções de injus ti ças pas sa dasintro du zem o ter cei ro prin cí pio: o da repa ra ção da injus ti ça na pro prie da de.

Na obra de Nozick, uma ode ao estado míni mo, não há espa ço para con -jec tu ras sobre recur sos escas sos, prin ci pal men te por que os direi tos fren te ao

70 No ori gi nal, “the entitlement theory” (op. cit., p. 150). a edi ção bra si lei ra tra duz para “a teoriada Propriedade” (op. cit., p. 171), mas a pala vra não nos pare ceu a mais apro pria da. entitlementé “o direi to a bene fí cio, renda ou pro prie da de que não pode ser res trin gi do sem o devi do pro ces -so; e. g., os bene fí cios do segu ro social” (Black’s law Dictionary. st. Paul: West Publishing co,1991 – no ori gi nal: entitlement. right to bene fits, inco me or pro perty which may not be abrid -ged without due pro cess; e.g. social secu rity bene fits.). a pala vra “títu lo” nos pare ceu mais apro -pria da que “pro prie da de”.

71 Justice in hol dings.72 op. cit., p. 151, tra du ção livre. No ori gi nal: if the world were wholly just, the fol lo wing induc -

ti ve defi ni tion would exhaus ti vely cover the sub ject of jus ti ce in hol dings. (1) a per son whoacqui res a hol ding in accor dan ce with the prin ci ple of jus ti ce in acqui si tion is enti tled to that hol -ding. (2) a per son who acqui res a hol ding in accor dan ce with the prin ci ple of jus ti ce in trans fer,from someo ne else enti tled to the hol ding, is enti tled to the hol ding. (3) No one is enti tled to ahol ding except by (repea ted) appli ca tions of 1 and 2.

73 op. cit. (ed. bra si lei ra), p. 173.

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estado são, basi ca men te, nega ti vos, muito embo ra nos pare ça ser irres pon dí -vel a crí ti ca de holmes e sunstein:

Quer dizer, a liber da de pes soal não pode ser asse gu ra da ape nas limi tan -do a inter fe rên cia gover na men tal sobre a liber da de de ação e de asso cia -ção. Nenhum direi to é ape nas o direi to de ser dei xa do só pelos fun cio ná -rios públi cos. (....). todos os direi tos são caros por que todos direi tos pres -su põem o cus teio, pelos con tri buin tes, de uma máqui na efi caz de super -vi são para moni to rar e dar efe ti vi da de.74

3.3. síntese dos pon tos acima

como vimos, tanto a obra de rawls quan to a de Nozick for mu lam teo ri -za ções gerais sobre jus ti ça, esta be le cen do se não uma for mu la ção subs tan ti va,ao menos uma pro ces sual, vale dizer, esta be le cem mode los para uma for mu -la ção cons ti tu cio nal justa, na visão de cada um.

contudo, tal vez por que se vol tam para um momen to ini cial de fun da çãodo estado (daí serem teo rias con tra tua lis tas), suas for mu la ções não enfren tamdire ta men te nem mesmo espe cu la ções sobre a ques tão expos ta neste tra ba lho:o con fli to de pre ten sões cuja satis fa ção recla ma a exaus tão de recur sos indis -pen sá veis ao aten di men to a outras pre ten sões, em situa ção de comu ta ti vi da de.

Na teo ria de rawls é pos sí vel dedu zir algu ma solu ção a par tir do ques tio -na men to aos par ti ci pan tes do “acor do ini cial”, cober to pelo “véu da igno rân -cia”. todavia, isso será obra de quem o fizer, pois uma teoria da Justiça nãodá emba sa men to segu ro para qual quer solu ção nes ses con fli tos.

Quanto à obra de Nozick, a situa ção pare ce ser ainda mais dra má ti ca. Nãovemos com pa ti bi li za ção pos sí vel, quer por dedu ção, indu ção, infe rên cia ouqual quer outro méto do lógi co. há uma situa ção de “tudo ou nada”: ou se acei -ta a teo ria de Nozick e nega-se o cará ter posi ti vo de todo e qual quer direi to,75

74 hol Mes, stephen e suNs teiN, cass r. op. cit., p. 44. a crí ti ca dire ta à posi ção de Nozick estánas pági nas 63 e seguin tes. tradução livre. No ori gi nal: that is to say, per so nal liberty can not besecu red merely by limi ting govern ment inter fe ren ce with free dom of action and asso cia tion. Noright is simply a right to be left alone by public offi cials. all rights are claims to an affir ma ti vegovern men tal res pon se. (...). all rights are costly becau se all rights pre sup po se tax pa yer fun dingof effec ti ve super vi sory machi nery for moni to ring and enfor ce ment.

75 ou, como pre ten de mos, que os direi tos decom põem-se em pre ten sões, que podem ser posi ti vasou nega ti vas, deven do cada uma ser exa mi na da de per se (e. g., o direi to de pro prie da de, queenglo ba a pre ten são de não sofrer con fis co e a pre ten são a um míni mo de segu ran ça públi ca).

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ou acei ta-se a posi ção de que os direi tos do cida dão peran te o estado con têmpre ten sões posi ti vas e rejei ta-se a teo ria de Nozick.

o que nos inte res sa, con tu do, é mos trar que a exces si va abs tra ção daposi ção ori gi nal, ine ren te às for mu la ções gerais de teo rias con tra tua lis tas, nãoapre sen ta solu ção para o enqua dra men to da ques tão posta neste tra ba lho.76

3.4. as posi ções de Walzer, elster e sunstein

em con tra po si ção às posi ções con tra tua lis tas, sur gem os comu ni ta ris -tas,77 que têm como um de seus pres su pos tos que “indi ví duos autô no mos nãoexis tem iso la da men te, mas são mol da dos por valo res e pela cul tu ra da comu -ni da de na qual vivem”.78

Michael Walzer, um dos pio nei ros desse movi men to, afir ma de modocate gó ri co, logo no iní cio de seu livro spheres of Justice, que nunca houve umcri té rio iso la do ou uma única com bi na ção de cri té rios inter-rela cio na dos quesir vam para todas as dis tri bui ções. em ter mos de jus ti ça dis tri bu ti va, a his tó riamos tra gran de varie da de de arran jos e de ideo lo gias. afirma Walzer que pro -cu rar por uma uni da de é não com preen der a subs tân cia da jus ti ça dis tri bu ti va.

refutando as posi ções con tra tua lis tas, ele escre ve:

Por outro lado, a mais pro fun da supo si ção da maio ria dos filó so fos queescre ve ram sobre jus ti ça, de Platão em dian te, é que há ape nas um sis te -ma dis tri bu ti vo que possa estar abran gi do pela filo so fia.hoje esse sis te ma é comu men te des cri to como aque le sis te ma ideal que homens e mulhe res racio nais esco lhe riam se fos sem leva dos a esco lherimpar cial men te, nada saben do de sua situa ção, impe di dos de fazer rei -vin di ca ções par ti cu la ris tas, em con fron to com o arran jo abs tra to de bens.(....). É muito duvi do so que esses mes mos homens e mulhe res, se fos sem

76 se hou ves se pos si bi li da de de for mu lar um cri té rio ou uma regra única para encon trar a “solu çãojusta”, então pro va vel men te se pode ria reco nhe cer papel de maior des ta que ao Judiciário do queo apre sen ta do ao final deste tra ba lho. exatamente por que não há essa regra ou esse cri té rio único,avul tam os papéis polí ti cos, desem pe nha dos pri mor dial men te pelo executivo e pelo legislativo.

77 “avise-se, desde já, que o movi men to [comu ni ta ris ta] con fi gu ra-se como ver da dei ro amál ga ma depos tu ras dou tri ná rias, poden do encon trar-se, entre os que rece be ram o rótu lo, desde tra di cio na -lis tas (ou con ser va do res) – como robert Nisbet, Michael oakshott, alasdair Macintyre, ericvolgelim e leo strauss –, neo re pu bli ca nos – entre os quais incluí mos Michael sandel, MichaelWarner e J. G. a. Pocock –, até os “libe rais-comu ni tá rios” – como Bruce ackerman, MichaelWalzer, charles taylor, tomas a. spragens, cass sunstein, amy Gutmann, Philip selzinick e outros.” silva, ricardo almeida ribeiro da. op. cit., p. 194.

78 silva, op. cit., p. 195.

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trans for ma dos em pes soas comuns, com um firme senso de suas pró priasiden ti da des, de posse de seus bens, pegos nos pro ble mas do dia-a-dia, rei -te ra riam aque la esco lha hipo té ti ca ou mesmo a reco nhe ce riam comosuas. (....).Justiça é uma cons tru ção huma na e é duvi do so que possa ser rea li za daape nas em um sen ti do. em qual quer ava lia ção, eu devo come çar duvi -dan do, e mais que duvi dan do, dessa supo si ção filo só fi ca padrão.79

No mesmo sen ti do é a posi ção de Jon elster, que divi de as teo rias da jus -ti ça em teo rias radi cais e intui cio nis tas,80 as radi cais par tin do de “pri mei rosprin cí pios” e, então, apli cam-nos a casos con cre tos sem se impor tar com ascon se quên cias con cre tas. “Fiat jus ti tia et pereat mun dus – let jus ti ce be done,even should the world perish”.81 Já as teo rias rela ti vas seriam mais relu tan tesem avan çar con tra jul ga men tos intui ti vos sobre o que seria justo em dadas cir -cuns tân cias, tendo pouca fé no poder da razão para legis lar em abs tra to, bemcomo demons tran do mais res pei to quan to a visões rela ti vas a situa ções con -cre tas. conclui por dizer que “uma teo ria da jus ti ça acei tá vel tem que se con -for mar com nossa forte intui ção sobre o que é justo em casos par ti cu la res. sóquan do a intui ção for fraca ou vaci lan te a teo ria pode ser admi ti da para arbi -trar solu ções”.82

Na mesma linha é o argu men to de sunstein, de não haver um ponto devista exter no ao sis te ma.83

79 Wal zer, Michael. spheres of Justice. Basic Books, 1983, p. 5. tradução livre. No ori gi nal: Bycon trast, the dee pest assump tion of most of the phi lo so phers who have writ ten about jus ti ce,from Plato onward, is that there is one, and only one, dis tri bu ti ve system that phi lo sophy can rightly encom pass.today this system is com monly des cri bed as the one that ideally ratio nal men and women wouldchoo se if they were for ced to choo se impar tially, kno wing nothing of their own situa tion, bar -red from making par ti cu la rist claims, con fron ting an abs tract set of goods. (...). it is surely doubt -ful that those same men and women, if they were trans for med into ordi nary peo ple, with a firmsense of their own iden tity, with their own goods in their hands, caught up in every day trou bles,would rei te ra te their hypo the ti cal choi ce or even recog ni ze it as their own. (...).Justice is a human cons truc tion, and it is doubt ful that it can be made in only one way. at anyrate, i shall begin by doub ting, and more than doub ting, this stan dard phi lo so phi cal assump tion.

80 “let us dis tin guish bet ween hard and soft theo ries of jus ti ce.” els ter, Jon. local Justice. NewYork: russell sage Foundation, 1992, p. 189.

81 op. cit., p. 190.82 idem, trad. livre. No ori gi nal: an accep ta ble theory of jus ti ce must con form with our strong

intui tion about what is fair and just in par ti cu lar cases. only when intui tion is weak or vacil - la ting, can the theory be allo wed to arbi tra te.

83 suNs teiN, cass. the Partial constitution. cambridge: harvard university Press, 1993, p. 126.

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se nas posi ções con tra tua lis tas a escas sez de recur sos não é feri da, nasobras dos auto res acima a escas sez e as esco lhas dra má ti cas são uma cons tan -te. Walzer, por exem plo, escre ve:

a des pei to da força intrín se ca da pala vra, as neces si da des são de difí cildefi ni ção. as pes soas não têm ape nas neces si da des, elas têm ideias sobresuas neces si da des; elas têm prio ri da des, têm níveis de neces si da des. essasprio ri da des e níveis devem-se não ape nas à natu re za huma na, mas tam -bém a fato res his tó ri cos e cul tu rais. como os recur sos são sem pre escas -sos, esco lhas difí ceis têm que ser toma das. Penso que tais esco lhassomen te podem ser polí ti cas. elas estão sujei tas a algu ma elu ci da ção filo -só fi ca, mas a ideia de neces si da de e o com pro mis so com o bem comumnão levam a uma deter mi na ção clara de prio ri da des ou esca lo na men to.84

as neces si da des não são ape nas de difí cil defi ni ção, elas são tam bémexpan si vas. Na frase do filó so fo con tem po râ neo charles Fried, as neces -si da des são vora zes, elas devo ram os recur sos.85

Quanto a elster, a mera lei tu ra do sub tí tu lo já fala por si: howinstitutions allocate scarce Goods and Necessary Burdens.

Já quan to a sunstein, várias pode riam ser as refe rên cias em suas obrasante rio res, mas, agora, pen sa mos bas tar a remis são ao livro de auto ria con jun -ta com stephen holmes: the cost of rights: why liberty Depends on taxes.

4. Princípios de Justiça dis tri bu ti va e alo ca ção de recur sos

chamamos de prin cí pios de jus ti ça dis tri bu ti va as con cep ções geraissobre como recur sos escas sos devam ser alo ca dos. alguns prin cí pios vol tam-se para carac te rís ti cas dos indi ví duos, como “a cada um segun do sua neces si -da de” ou “a cada um segun do seu méri to”. Já outros prin cí pios vol tam-se maispara a mecâ ni ca de alo ca ção, sem deman dar qual quer conhe ci men to indi vi -

84 op. cit., p. 66, tra du ção livre. No ori gi nal: Despite the inhe rent for ce ful ness of the word, needsare elu si ve. People don’t just have needs, they have ideas about their needs; they have prio ri ties,they have degrees of need; and these prio ri ties and degrees are rela ted not only to their humannatu re but also to their his tory and cul tu re. since resour ces are always scar ce, hard choi ces haveto be made. i sus pect that these can only be poli ti cal choi ce. they are sub ject to a cer tain phi lo -so phi cal elu ci da tion, but the idea of need and the com mit ment to com mu nal pro vi sion do not bythem sel ves yield any clear deter mi na tion of prio ri ties or degrees.

85 idem, p. 67. a cita ção é de FrieD, charles. right and Wrong. cambridge, Mass, 1978, p. 122.tradução livre. No ori gi nal: Needs are not only elu si ve; they are also expan si ve. in the phra se ofthe con tem po rary phi lo so pher charles Fried, needs are vora cious; they eat up resour ces.

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dua li za do sobre os poten ciais bene fi ciá rios. igualitarismo, sor teio e filas sãoexem plos de apli ca ção des ses prin cí pios. Jon elster chama os pri mei ros de cri -té rios e os segun dos de pro ce di men tos.86

Michael Walzer, tra tan do do tema, adver te para o fato de que nenhu maava lia ção de uma uti li da de social, ou dos limi tes do âmbi to em que essa ava -lia ção legi ti ma men te opera será incon tro ver so. tampouco será incon tro ver soqual quer pro ce di men to para gerar ou tes tar dife ren tes ava lia ções.87 todavia,des ta ca o autor, três cri té rios pare cem per fa zer os requi si tos de serem prin cí -pios aber tos e de fre quen te men te serem defen di dos como o iní cio e o fim dajus ti ça dis tri bu ti va: livre troca,88 mere ci men to e neces si da de, des ta can do que“eles são parte da his tó ria, não ela toda”.89

Quanto à neces si da de, vale a remis são ao tre cho trans cri to no final doitem 3.4 deste capí tu lo, acima.

Guido calabresi e Philip Bobbitt falam de pro ce di men tos alo ca ti vos atra -vés do mer ca do “puro”, de ava lia ções polí ti cas “res pon sá veis”, em que sãoespe ra das expli ca ções sobre os padrões ado ta dos, sor teios,90 as esco lhasincons cien tes.91 em segui da, tra tam de meca nis mos “modi fi ca dos” de alo ca çãopolí ti ca e pelo mer ca do.

voltado espe ci fi ca men te para a alo ca ção de recur sos médi cos, JohnKilner abor da os cri té rios social, sócio-medi co, médi co e pes soal, sub di vi din -do-os em quin ze outros.92

86 els ter, Jon. local Justice. New York: russell sage Foundation, 1992, pp. 62-63.87 No ori gi nal: “the theory that results is unli kely to be ele gant. No account of the mea ning of a

social good, or of the boun da ries of the sphe re within which it legi ti ma tely ope ra tes, will beuncon tro ver sial. Nor is there any neat pro ce du re for gene ra ting or tes ting dif fe rent accounts.”Wal zer, Michael. spheres of Justice. Basic Books, 1983, p. 21.

88 Quanto a livre troca como prin cí pio de jus ti ça dis tri bu ti va, cum pre lem brar o papel do estado nadefe sa da con cor rên cia e do livre mer ca do, com ba ten do as for mas de con cor rên cia imper fei ta. essaatua ção do estado é forma indi re ta de pro ver uti li da des, valen do citar como exem plo toda a atual polê -mi ca sobre a inser ção obri ga tó ria do nome gené ri co dos medi ca men tos nas emba la gens, para for çar acon cor rên cia com os simi la res e gené ri cos. Não pare ce haver dúvi da de que essa atua ção do estadodiri ge-se à livre troca e, atra vés dela, visa pos si bi li tar um melhor aces so da popu la ção aos remé dios.

89 loc. cit.90 segundo noti ciá rio, há esco las públi cas que sele cio nam can di da tos a alu nos de alfa be ti za ção por

sor teio.91 No ori gi nal, “cus to mary or evo lu tio nary approach”. segundo os auto res, “the atti tu de con sists of

the avoi dan ce of self-cons cious choi ce: the method of choo sing is not expli citly cho sen and maynot even be known by the mass of the peo ple.” cala Bre si & BoB Bitt, op. cit., pp. 44-45.

92 critérios sociais, com preen den do valor social, grupo favo re ci do, recur sos neces sá rios e res pon sa -bi li da des espe ciais; cri té rios socio mé di cos, com preen den do idade, habi li da de psi co ló gi ca eambien te de apoio; cri té rios médi cos, com preen den do bene fí cio médi co, morte imi nen te, pro ba -bi li da de do bene fí cio, exten são do bene fí cio e qua li da de do bene fí cio; e cri té rios pes soais, com -preen den do dis po si ção, capa ci da de de pagar e sele ção alea tó ria.

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Não aden tra re mos aqui no exame de cada cri té rio. o que nos impor ta édemons trar a exis tên cia de uma vasta gama de cri té rios e meto do lo gias para atoma da das deci sões alo ca ti vas. Não há, como já dito no tópi co ante rior, umcri té rio único, mas, sim, diver sas fer ra men tas, diver sas pos si bi li da des de con -si de ra ções que se abrem a várias lei tu ras.

talvez pela pró pria com ple xi da de da ques tão e pela com ple xi da de moralde osten si va men te negar a alguém um recur so que lhe é vital, há a ten ta ção de“esco lher por não esco lher”, dis far çar a exis tên cia de esco lhas trá gi cas por meiode cri té rios que pare cem neu tros, nos quais a “nega ti va à vida” pode ser cre di ta -da à Providência. um exem plo disso pare ce ser o uso estri to do prin cí pio igua -li tá rio na itália quan to ao pro gra ma de hemo diá li se, onde se aten de por ordemde ingres so na lista, ainda quan do a pes soa sofra de doen ça ter mi nal que a hemo -diá li se não ali via rá.93 em con se quên cia, outras pes soas que tam bém neces si tamdo tra ta men to aguar dam por mais tempo, com a saúde sendo dete rio ra da.

5. escassez e Direitos Fundamentais

vimos nos tópi cos acima que a escas sez é ine ren te aos recur sos neces sá -rios à satis fa ção das neces si da des públi cas, em espe cial quan to à saúde, poisalém da escas sez de recur sos finan cei ros, há carên cia de recur sos não mone tá -rios, como órgãos, pes soal espe cia li za do e equi pa men tos, que são escas sos emcom pa ra ção com as neces si da des. vimos tam bém que a alo ca ção de recur soenvol ve deci sões de três ordens, rela ti vas a quan to dis po ni bi li zar, a quematen der e, ainda, a con du tas dos poten ciais bene fi cia dos, e que não há um cri -té rio único que possa bali zar todas essas deci sões. ao con trá rio, as deci sõesten dem a ser polí ti cas e locais.

todavia, nos ser vi mos ape nas da lite ra tu ra ame ri ca na. cumpre agora vercomo a ques tão é vista na teo ria e na prá xis jurí di ca bra si lei ra.94

a divi são está na pró pria estru tu ra do livro, que se sub di vi de em seis par tes. o títu lo das par tes2, 3, 4 e 5, bem como dos itens que as com põem são, no ori gi nal Part two - social criteria, 3.social value, 4. Favored Group, 5. resources required, 6. special responsibilities; Part. three –sociomedical criteria, 7. age, 8. Psychological ability, 9. supportive environment; Part Four –Medical criteria, 1 0. Medical Benefit, 11. imminent Death, 12. likelihood of Benefit, 13. lengthof Benefit, 1 4. Quality of Benefit; Part Five – Personal criteria, 15. Willingness, 16. ability toPay, 17. random selection.

93 cala Bre si & BoB Bitt, op. cit., p. 182. cf. tam bém a nota 89 na pági na 229, em que há refe -rên cia a decla ra ções de médi cos ita lia nos sobre a ques tão. crítica simi lar vem sendo feita à filaúnica de trans plan tes no Brasil.

94 incluiremos aqui os dois tex tos de robert alexy, publi ca dos na revista de Direito administrativopor serem tex tos de fácil conhe ci men to pela dou tri na e pelos ope ra do res do direi to, dado o pres -tí gio e a divul ga ção da revis ta.

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tal como se viu no pri mei ro capí tu lo, a juris pru dên cia bra si lei ra tende anão ver a ques tão de escas sez de recur sos, seja pre su min do que haja recur sos,seja tendo por imo ral qual quer con si de ra ção orça men tá ria.95 essa difi cul da deem tra tar com deci sões alo ca ti vas tam bém pare ce estar pre sen te nas deci sõesdo tribunal de Justiça do estado de são Paulo, muito embo ra a estru tu ra for -mal do argu men to ado ta do não passe pela ques tão.96

ao nosso ver, o Judiciário vem ten tan do resol ver as ques tões que lhe sãopos tas com as fór mu las, com o ins tru men tal pró prio para resol ver os micro-con fli tos. É o que cha ma mos acima de esco lhas incons cien tes, ao refe rir à clas -si fi ca ção de pro ce di men tos alo ca ti vos de calabresi e Bobbitt.

um exem plo tal vez pito res co dessa difi cul da de em lidar com os con fli tosmúl ti plos está no caso do direi to de nomea ção do con cur sa do. a juris pru dên -cia vem pro gres si va men te reco nhe cen do mais hipó te ses nas quais o can di da -to apro va do mas não nomea do tem direi to a um pro vi men to juris di cio nal quelhe asse gu re a posse, mas não raro esse pro vi men to acaba por cau sar a sub ver -são da ordem de clas si fi ca ção. Não são raros os casos em que um can di da to vêsua nomea ção nega da pela administração Pública ao argu men to de que asneces si da des foram supri das pela nomea ção de outros can di da tos, em piorclas si fi ca ção, mas que obti ve ram limi nar em juízo. Nesses casos, o superiortribunal de Justiça e o supremo tribunal Federal, que veem pre te ri ção nanomea ção em situa ções como a aber tu ra de novo con cur so ou a con tra ta çãotem po rá ria duran te a vigên cia do con cur so, negam haver direi to a ser tute la -do, geran do a curio sa situa ção de alguém per der um direi to por força de deci -são judi cial em pro ces so do qual não foi parte.97

Nesses casos de con cur so públi co, o uso de uma esco lha incons cien te levaa que o cri té rio de alo ca ção de um bem escas so, empre go públi co, seja umamis tu ra de méri to, a apro va ção no con cur so, com uma varia ção do pro ce di -

95 cf. o item 4 do capí tu lo 1, supra.96 idem. as deci sões ali refe ri das do tJsP enten de ram que o direi to à saúde con subs tan cia-se ape -

nas em polí ti cas públi cas, depen den do o direi to indi vi dual a um tra ta men to espe cí fi co da afi lia -ção a um regi me de pre vi dên cia e a pre vi são de cober tu ra do even to por esse regi me. entendemosque aque las deci sões não enfren tam a ques tão alo ca ti va por que não abor dam a lei do sistema Úni -co de saúde, ainda que para decla rá-la incom pa tí vel com a constituição. interpretando a consti -tuição no mesmo sen ti do, cf. tor res, ricardo lobo. tratado de direi to cons ti tu cio nal finan cei -ro e tri bu tá rio, volu me iii; os direi tos huma nos e a tri bu ta ção: imu ni da des e iso no mia. rio deJaneiro: renovar, 1999, pp. 174-176.

97 cf. stF, 2ª turma, rel. Min. Marco aurélio, rMs 23.227 e rMs 23.153, ambos unâ ni mes. cf. tb.stJ, 5ª turma, rel. Min. Félix Fischer, rMs 6741, unâ ni me.

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men to pri mei ro a che gar, pri mei ro a ser aten di do, que pode ría mos cha mar depri mei ro a obter a limi nar, pri mei ro a ser aten di do.98

o con fli to entre cri té rios ado ta dos numa ótica de micro jus ti ça e cri té riosado ta dos numa ótica de macro jus ti ça põe em ques tão um soma tó rio de esco -lhas indi vi duais racio nais que pro du zem um resul ta do cole ti vo irra cio nal. asitua ção é bem ilus tra da pelo cha ma do dile ma do pri sio nei ro, assim des cri topor John rawls:

o dile ma do pri sio nei ro (atri buí do a a. W. tucker) é um exem plo de umjogo não coo pe ra ti vo e de resto dife ren te de zero; não coo pe ra ti vo por -que os acor dos não são vin cu la ti vos (ou apli cá veis coac ti va men te) e deresto dife ren te de zero por que não se trata de uma situa ção em que os ganhos de alguém sejam as per das de outrem. imaginemos dois pri sio nei -ros que são leva dos peran te o magis tra do de ins tru ção. sabem ambos que,se nenhum dos dois con fes sar, serão con de na dos a uma pena curta pelaprá ti ca de uma infrac ção menor e pas sa rão um ano na pri são; mas, se umdeles con fes sar e puder depor como tes te mu nha, será liber ta do, sendo ooutro con de na do numa pesa da pena de dez anos de pri são; se ambos con -fes sa rem, cada um será con de na do a cinco anos. Nesta situa ção, admi tin -do a exis tên cia de uma moti va ção basea da na indi fe ren ça recí pro ca, aopção mais razoá vel para ambos – a de que nenhum deles deve con fes sar– é ins tá vel. É o que se pode ver na seguin te tabe la de ganhos e per das(que se refe re a anos de pri são):

segundo pri sio nei roPrimeiro pri sio nei ro Não con fes sa confessaNão con fes sa 1/1 10/0confessa 0/10 5/5

Para se pro te ge rem, se não ten ta rem defen der os seus pró prios inte res -ses, cada um deles tem um moti vo sufi cien te para con fes sar, qual querque seja a deci são do outro. as deci sões que são racio nais do ponto devista de cada um deles levam a uma situa ção em que ambos ficam pior.o pro ble ma é cla ra men te o de encon trar um meio de esta bi li zar o melhor plano. Podemos obser var que, caso os pri sio nei ros sou bes sem

98 Não que re mos aqui cri ti car o acer to ou desa cer to das deci sões, mas mos trar que cons cien te ouincons cien te men te, um cri té rio de alo ca ção é uti li za do, pro du zin do um resul ta do final em queuns são aten di dos e outros não.

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que eram ou uti li ta ris tas ou defen so res dos prin cí pios de jus ti ça (cujaapli ca ção aos pri sio nei ros é res tri ta), o pro ble ma esta va resol vi do. Nestecaso, ambas as dou tri nas apóiam a solu ção mais razoá vel.99

Na dou tri na, como demons tra mos no pri mei ro capí tu lo,100 os auto resmais preo cu pa dos com a efe ti vi da de das nor mas cons ti tu cio nais não se ocu pa -ram deti da men te das ques tões alo ca ti vas. a nota cen tral pare ce ser um oti mis -mo posi ti vis ta, em que a inser ção no campo do direi to posi ti vo afas ta con jec -tu ras sobre pos si bi li da des fáti cas. ressalva-se que o direi to não pode tudo, masnão são for ne ci dos maio res deta lhes sobre como encon trar esses limi tes depos si bi li da des do campo nor ma ti vo. Neste sen ti do, pode-se citar luís robertoBarroso, quan do diz que “o Direito tem limi tes que lhe são pró prios e que porisso não pode, ou melhor, não deve nor ma ti zar o inal can çá vel”.101 Mas e se,embo ra não deva, o Direito nor ma ti ze o inal can çá vel, terá rom pi do uma veda -ção ou uma reco men da ção?

Numa outra ver ten te temos a obra de ricardo lobo torres. entende esseautor haver um con teú do posi ti vo nos direi tos de liber da de, que chama de sta -tus posi ti vus liber ta tis, no qual inclui o míni mo exis ten cial. assenta ele que“ao lado da pres ta ção juris di cio nal, o estado deve garan tir tam bém posi ti va -men te as liber da des atra vés da polí cia, das for ças arma das, da diplo ma cia etc.os direi tos fun da men tais, em suma, são garan ti dos pelos ser vi ços públi cos epor isso mesmo lhes cons ti tuem o fun da men to”.102 afirma tam bém esse autor:

Mas o míni mo exis ten cial, como con di ção da liber da de, pos tu la ainda pres -ta ções posi ti vas de natu re za assis ten cial ou, como defi ne a dou tri na ger mâ -ni ca, cria a pre ten são jurí di ca à assis tên cia social (rechtsanspruch auföffen tli che Fürsorge). essas pres ta ções, toda via, têm cará ter niti da men tesub si diá rio, eis que o estado só esta rá obri ga do a entre gá-las quan do o sis -te ma de segu ri da de, públi co ou pri va do, falhar em sua mis são e o indi ví -duo não pos suir os meios indis pen sá veis à sobre vi vên cia. caracterizada aneces si da de a pres ta ção esta tal é obri ga tó ria, resis ten te à crise finan cei ra eincon fun dí vel com os incen ti vos. a pro te ção posi ti va do míni mo exis ten -cial se rea li za de diver sas for mas. (...). Mas, em todos esses casos, insis ta-se,a ação esta tal deve se cir cuns cre ver à entre ga de um míni mo de bens públi -cos ou de “bens pri má rios”, ade qua dos às neces si da des de sobre vi vên cia

99 raWls, John. uma teoria da Justiça. lisboa: Presença, 1993, p. 217.100 cf. esp. o item 2.101 Bar ro so. o Direito constitucional..., op. cit., p. 47 – ori gi nal sem gri fos.102 tor res, ricardo lobo. o orçamento na constituição. rio de Janeiro: renovar, 1995, p. 125.

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dos pobres, posto que ao estado não com pe te con ce der bens e ser vi ços atoda popu la ção, que a livre das neces si da des mate riais.a pro te ção esta tal, repi ta-se, visa garan tir as con di ções da liber da de, asegu ran ça do míni mo exis ten cial e a per so na li da de do cida dão, não pre -va le cen do aqui as con si de ra ções de jus ti ça. isensee, até no títu lo do seulivro fala em “direi to fun da men tal à segu ran ça”, para se refe rir ao sta tusposi ti vus liber ta tis. habermas, após fazer a crí ti ca à assis tên cia do estadode Bem-estar social, que seria pater na lis ta, pas sou a iden ti fi car o “direi -to à garan tia das con di ções de vida” (Grundrechte auf die Gewährungvon lebensbedingungen), asse gu ra do por medi das sociais, téc ni cas eeco ló gi cas ten den tes a pro pi ciar a frui ção, com igual da de de chan ce, dosdirei tos fun da men tais; tal direi to leva ria ao estado de segurança(sicheheitsstaat), fun da do no obje ti vo da pre ven ção (Prävention), incon -fun dí vel com o estado social (sozialstaat), cujo lema era o do bem-estar(Wohlfahrt); o estado de segurança pos tu la uma nova base finan cei ra(Geldbasis) e uma nova base de saber (Wissensbasis).103

separado do sta tus posi ti vus liber ta tis e do míni mo exis ten cial que ali estáinse ri do, há o sta tus posi ti vus socia lis, que “é de suma impor tân cia para o aper -fei çoa men to do estado social de Direito” e “com preen de o for ne ci men to deser vi ço públi co ines sen cial (edu ca ção secun dá ria e supe rior, saúde cura ti va,mora dia etc.) e as pres ta ções finan cei ras em favor dos fra cos”. todavia, “o sta -tus posi ti vus socia lis depen de da situa ção eco nô mi ca do país e da rique za nacio -nal, sendo tanto mais abran gen te quan to mais rico e menos sus ce tí vel a cri sesseja o estado, moti vo por que não tem dimen são ori gi na ria men te cons ti tu cio -nal, sendo obje to da legis la ção ordi ná ria e da polí ti ca social e eco nô mi ca”.104

No mesmo sen ti do é a lição de robert alexy, que dis tin gue os direi tos dohomem de outros direi tos pela com bi na ção de cinco mar cas: são direi tos uni -ver sais, morais, fun da men tais, pre fe ren ciais e abs tra tos. ao tra tar da fun da -men ta bi li da de, esta be le ce o juris ta tedes co duas con di ções, a pos si bi li da de depro te ção e fomen to pelo direi to e a neces si da de:

a segun da con di ção é que o inte res se ou a carên cia seja tão fun da men talque a neces si da de de seu res pei to, sua pro te ção ou seu fomen to se deixefun da men tar pelo direi to. a fun da men ta bi li da de fun da men ta, assim, a

103 tor res, ricardo lobo. tratado..., cit., pp. 179-181. Grifos do ori gi nal. confira-se tam bém avasta refe rên cia à biblio gra fia ame ri ca na e euro peia nas notas de roda pé ao texto trans cri to.

104 idem, p. 183.

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prio ri da de sobre todos os esca lões do sis te ma jurí di co, por tan to, tam bémperan te o legis la dor. um inte res se ou uma carên cia é, nesse sen ti do, fun -da men tal quan do sua vio la ção ou não-satis fa ção sig ni fi ca ou a morte ousofri men to grave ou toca o núcleo essen cial da auto no mia. Daqui sãocom preen di dos não só os direi tos de defe sa libe rais clás si cos, senão, porexem plo, tam bém direi tos sociais que visam ao asse gu ra men to de ummíni mo exis ten cial.105

6. insuficiência dos cri té rios

conforme se vê nos itens um e dois deste capí tu lo, a escas sez é ine ren teàs pre ten sões posi ti vas e de modo ainda mais acen tua do quan to à saúde. antea escas sez, torna-se impe rio sa a ado ção de meca nis mos alo ca ti vos. a alo ca ção,nota da men te no que tange à saúde, tem natu re za ética dupla: é a esco lha dequem sal var, mas tam bém a esco lha de quem danar. há uma natu ral ten ta çãoa “deci dir não deci dir”, a não tor nar clara a ado ção de qual quer forma de alo -ca ção, tal como se a esco lha não exis tis se.

ocorre que a esco lha sem pre exis ti rá e, com ela, sem pre have rá as víti -mas, sejam elas conhe ci das ou não. Neste sen ti do, vale a trans cri ção dos tre -chos abai xo, extraí dos de estu do da cePal sobre o gasto públi co em ser vi ços sociais bási cos na américa latina e caribe:

los indi ca do res socia les bra si le ños mues tran que inclu so con un nivelinne ga ble men te alto de gasto social, que ten de ría a apro xi mar a Brasil alos paí ses más desar rol la dos –20,9% del PiB en 1995–, se con vi ve toda -vía con situa cio nes de pobre za ina cep ta bles para los nive les de ingre soper cápi ta ya alcan za dos.106

en cuan to a las accio nes de salud públi ca y la aten ción hos pi ta la ria deurgen cia son bien cono ci das las con di cio nes pre ca rias y malas. la saludpúbli ca se basa en un mode lo “hos pi to cén tri co”, que pri vi le gió la asis ten -cia médi ca ambu la to ria y hos pi ta la ria, apo ya do prio ri ta ria men te porrecur sos de la pre vi sión social (instituto Nacional de asistencia Médicade la Previsión social, iNaMPs) y fuer te men te asen ta do en la com pra deser vi cios al sec tor pri va do (res pon sa ble del 70% de los actos médi cos del

105 aleXY, robert. “Direitos Fundamentais no estado constitucional Democrático”, revista deDireito administrativo, 217:61, 1999.

106 Neri, Marcelo cortes et al. “Brasil”, in Gasto Público en servicios sociales Básicos en américalatina y el caribe. santiago: cePal,1999, p. 173. o tra ba lho pode ser encon tra do no ende re çohttp://www.eclac.org/espa nol/inves ti ga cion/des/lcr1933/indi ce.htm.

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sis te ma). Dentro de este cua dro, pese a que la tasa de mor ta li dad decli nóhis tó ri ca men te duran te toda la déca da de 1980, redu cién do se gra dual -men te de un nivel de 49 a 39 por mil naci dos vivos, en los últi mos añosse man tu vo en torno a 36 por mil naci dos vivos, cifra supe rior a la encon -tra da en un blo que de paí ses con ingre so simi lar. Por otra parte, la espe -ran za de vida de la pobla ción bra si le ña pre sen tó un aumen to sus tan cialentre los años 1980 y 1991, ele ván do se de 60,08 a 66,30 años de vida.en suma, a pesar de que Brasil pre sen ta nive les más ele va dos de gasto enalgu nas áreas socia les, com pa ra dos con los de otros paí ses con ingre sos medios cer ca nos al suyo, algu nos indi ca do res socia les bra si le ños -la tasa demor ta li dad infan til, la espe ran za de vida al nacer, las tasas de matrí cu la enla ense ñan za secun da ria, por ejem plo- pre sen tan resul ta dos mucho másdes fa vo ra bles. aún si se con si de ra la hipó te sis de los efec tos pro vo ca dospor la gran dis per sión geo grá fi ca del país sobre los cos tos en la pres ta ciónde estos ser vi cios, nos pare ce obvio que la ine fi cien cia en su ges tión, conla gene ra ción de gran des der ro ches, y la des ti na ción de finan cia mien topúbli co a cier tos tipos de ser vi cios que bene fi cian a las cla ses más favo re -ci das de la socie dad, con tri bu yen a agra var las desi gual da des.107

2.4. sistema tri bu ta rio

coM Pa ra ciÓN De la carGa tri Bu ta ria Bra si le Ña coN laDe otros PaÍ sesla com pa ra ción de la tri bu ta ción bra si le ña con la de otros paí ses mues traque la carga tri bu ta ria de Brasil es del mismo orden de mag ni tud que la delos estados unidos y Portugal, o sea, equi va len te a 28,9% del PiB. las car -gas de los demás paí ses euro peos, así como la de canadá, son todas supe -rio res a 35% del PiB. en Dinamarca, Países Bajos y suecia sobre pa san el50% del PiB. los paí ses asiá ti cos tie nen car gas tri bu ta rias rela ti va men tepeque ñas, en torno a 20%. entre paí ses lati noa me ri ca nos son pocos los quesupe ran este nivel, y osci lan entre 13,3% en Bolivia y 22,4% en costa rica.en este aspec to la carga tri bu ta ria bra si le ña es la más ele va da de los paí seslati noa me ri ca nos (esta sec ción sin te ti za el tra ba jo de varsano, 1997).108

resta evi den te, da sim ples lei tu ra do texto acima, que o Brasil gasta volu -me con si de rá vel de recur sos na área social, em ter mos abso lu tos e rela ti vos, “aapro xi má-lo dos paí ses desen vol vi dos” e, ainda, que a arre ca da ção de recur sos

107 idem, pp. 174-176.108 idem, p. 180.

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da socie da de alcan ça níveis bem mais ele va dos que os demais paí ses daamérica latina. todavia, os resul ta dos alcan ça dos são muito infe rio res aos dos demais paí ses da região.

Dizer que se gasta muito e se obtém pouco é uma manei ra mais gen til dedizer que milha res, tal vez milhões de pes soas são pri va das de ser vi ços bási cosnão por carên cia de recur sos, mas por má alo ca ção. a manei ra mais con tun -den te é a ado ta da por cristovam Buarque.109

Dentro desse cená rio nos pare ce ser ina cei tá vel a “pro fis são de fé” nasufi ciên cia de recur sos para aten der a todos, que pare ce ser pro fes sa da por vários tri bu nais.110

também não nos pare cem razoá veis máxi mas como “se está na lei é paraser cum pri do”, pois a lei, não impor ta seu nível hie rár qui co ou a devo ção quelhes empres tem os gover nan tes, não con se gue remo ver a escas sez e, exis tin doela, alguém dei xa rá de ser aten di do, alguém sofre rá dano ou mesmo mor re rá.

De igual sorte, não nos pare cem sufi cien tes as posi ções defen di das porricardo lobo torres e robert alexy. em pri mei ro lugar, dife ren ciar um núcleo nomea do como “míni mo exis ten cial” ou como sta tus posi ti vus dasliber da des fun da men tais, que seria sem pre exi gí vel de outros direi tos, quevige riam sob a reser va do pos sí vel gera uma gran de difi cul da de lógi ca. a ter -mi no lo gia empre ga da para a exi gi bi li da de dos direi tos induz a uma apli ca çãobiná ria, exi gí vel x não exi gí vel, ao passo que a noção de míni mo exis ten cial inclui enor me gra da ção, não exis tin do divi sões níti das.111 ora, se não há divi -são níti da, como saber se a pres ta ção é exi gí vel incon di cio nal men te ou não? omíni mo exis ten cial é o mesmo em Brasília, rio de Janeiro, são Paulo e inte -rior de alagoas e do Piauí? se a res pos ta for posi ti va, então a escas sez de recur -sos não esta rá sendo con si de ra da. se a res pos ta for nega ti va, então pare ce ráque foi incluí da uma “con di ção” que afas ta a exi gi bi li da de “incon di cio nal”.

a escas sez de recur sos, a escas sez de meios para satis fa zer direi tos,mesmo fun da men tais, não pode ser des car ta da. surgindo esta, o Direito pre ci -sa estar apa re lha do para dar res pos tas. certamente na quase tota li da de dos paí -ses não se con se guiu colo car todos den tro do padrão acei tá vel de vida, o quecom pro va não ser a escas sez, quan to ao míni mo exis ten cial, uma excep cio na -li da de, uma hipó te se limi te e irreal que não deva ser con si de ra da seria men te.

No capí tu lo seguin te vol ta re mos a esta ques tão.

109 cf. item 5 do capí tu lo 1110 cf. os pre ce den tes cita dos no capí tu lo 1.111 cf. os grá fi cos no item 3 do capí tu lo 6, a seguir.

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capítulo 6interpretação das Pretensões Positivas,

solução dos conflitos e o Papel de intérprete

sumário. 1. interpretação das pretensões positivas: o papel da pré-compreensão; 2. asolução dos conflitos e o papel de intérprete; 2.1. o papel do Judiciário; 2.1.1. Quanto apretensões individuais; 2.1.2 em direitos coletivos e difusos; 2.1.3. No controle abstratode constitucionalidade; 3. Distinções entre a posição aqui defendida e outros posiciona-mentos; 3.1. uma possível crítica; 4. exemplos do modelo de atuação judicial.

1. interpretação das pre ten sões posi ti vas: o papel dapré-com preen são

antes de aden trar neste tópi co, con vém fazer um escla re ci men to pré vio.há gran de dis cus são dou tri ná ria acer ca de trans for mar o Direito de rea li da deabs tra ta em rea li da de con cre ta, indi vi dua li za da. Fala-se em apli ca ção da leipara as ope ra ções sub sun ti vas, quan do o sen ti do claro da norma não deman dao tra ba lho her me nêu ti co ou para a apli ca ção da norma, já inter pre ta da, sobreos fatos con cre tos.1 há tam bém dife ren cia ção entre inter pre ta ção, inte gra ção,cor re ção do texto e con cre ti za ção.2 os con cei tos são de fato dis tin tos, mas parao pre sen te momen to tais dis tin ções não são rele van tes.

como bem des ta ca Gadamer, “a apli ca ção é um momen to do pro ces soher me nêu ti co, tão essen cial e inte gran te como a com preen são e a inter pre ta -ção”.3 Neste capí tu lo, não nos preo cu pa re mos com a pre ci são ter mi no ló gi caquan to a cada etapa do pro ces so her me nêu ti co, mas com o pro ces so como umtodo. Preocupa-nos a trans for ma ção de uma pre vi são abs tra ta como “é garan -ti do o direi to de pro prie da de”4 ou “a saúde é direi to de todos e dever doestado”5 em uma pre ten são de um indi ví duo espe cí fi co, vol ta da a uma açãoesta tal espe cí fi ca, em um dado momen to con cre to e, tam bém, numa deci sãojudi cial resol ven do um lití gio com essas carac te rís ti cas.

1 GaDa Mer, hans-Georg. verdade e Método. Petrópolis: vozes, 1998, p. 490; tor res, ricardolobo. Normas de interpretação e integração do Direito tributário. rio de Janeiro: Forense, 1994,pp. 17-22; lareNz, Karl. Metodologia da ciência do Direito. lisboa: Fundação calousteGulbenkian, 1989, pp. 249-252.

2 tor res, ricardo lobo, Normas..., op. cit., pp. 32-49.3 op. cit., p. 460.4 cF/88, art. 5º, XXii.5 cF/88, art. 196.

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Feita esta adver tên cia, pas sa mos ao tema.como bem des ta ca Daniel sarmento, atra vés da inter pre ta ção é pos sí vel

supe rar diver sos con fli tos entre nor mas.6 temos, por tan to, que a supe ra ção daten são entre pre ten sões posi ti vas deve prin ci piar pela inter pre ta ção das nor -mas que geram tais pre ten sões. Não há um “pro ce der” inter pre ta ti vo espe cí fi -co para as pre ten sões posi ti vas, mas, a nosso ver, é de gran de impor tân cia umaspec to que a dou tri na bra si lei ra não cos tu ma tra tar expli ci ta men te: a pré-com preen são.

a rea bi li ta ção da pré-com preen são veio com a obra de hans-GeorgGadamer, Wahrheit und Methode, publi ca da pela pri mei ra vez em 1960.Nessa obra, Gadamer adap ta a per cep ção de hursserl, que a com preen são deum obje to é sua com preen são como algo. em outras pala vras, toda com preen -são envol ve uma pro je ção de um sen ti do7 e com ple men ta-a com a visão deheidegger, que deri va “fun da men tal men te a estru tu ra cir cu lar da com preen -são a par tir da tem po ra li da de da pré-sen ten ça”.8 essa estru tu ra cir cu lar dacom preen são não degra da ria em aprio ris mos ou sub je ti vis mos, pois como des -ta ca Gadamer, citan do mais uma vez heidegger:

o cír cu lo não deve ser degra da do a cír cu lo vicio so, mesmo que este sejatole ra do. Nele vela uma pos si bi li da de posi ti va do conhe ci men to maisori gi ná rio, que, evi den te men te, só será com preen di do de modo ade qua -do, quan do a inter pre ta ção com preen deu que sua tare fa pri mei ra, cons -tan te e últi ma per ma ne ce sendo a de não rece ber de ante mão, por meiode uma ‘feliz ideia’ ou por meio de con cei tos popu la res, nem a posi çãopré via, nem a visão pré via, nem a con cep ção pré via (vorhabe, vorsicht,vorbegriff), mas em asse gu rar o tema cien tí fi co na ela bo ra ção des sescon cei tos a par tir da coisa, ela mesma.9

Prossegue ele ainda dizen do que “quem qui ser com preen der um textorea li za sem pre um pro je tar. tão logo apa re ça um pri mei ro sen ti do no texto, ointér pre te pre li neia um sen ti do do todo. Naturalmente que o sen ti do somen -te se mani fes ta por que quem lê o texto lê a par tir de deter mi na das expec ta ti -vas e na pers pec ti va de um sen ti do deter mi na do. a com preen são do que está

6 sar MeN to, Daniel. os Princípios constitucionais e a Ponderação de Bens, in teoria dosDireitos Fundamentais, org. ricardo lobo torres. rio de Janeiro: renovar, 1999, p. 38.

7 WarN Ke, Georgia. Gadamer: hermeneutic, tradition and reason. stanford: stanforduniversity Press, 1987, p. 75.

8 GaDa Mer. op. cit., p. 400.9 idem, p. 401.

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posto no texto con sis te pre ci sa men te na ela bo ra ção desse pro je to pré vio, que,obvia men te, tem que ir sendo cons tan te men te revi sa do com base no que se dácon for me se avan ça na pene tra ção do sen ti do”.10

o pré-con cei to,11 no pro ce di men to jurí di co, é uma deci são pré-jurí di ca,antes da pon de ra ção de todos os pon tos rele van tes para o juízo con clu si vo,mas não sig ni fi ca, de modo algum, falso juízo.12 ele pres su põe a inte gra ção dointér pre te ao texto:

a per ten ça do intér pre te ao seu texto é como a do ponto de vista na pers -pec ti va que se dá num qua dro. tampouco se trata de que esse ponto devista tenha de ser pro cu ra do como um deter mi na do lugar para nele secolo car, mas que aque le que com preen de não elege arbi tra ria men te umponto de vista, mas que seu lugar lhe é dado com ante rio ri da de. assim,para a pos si bi li da de de uma her me nêu ti ca jurí di ca é essen cial que a leivin cu le por igual todos os mem bros da comu ni da de jurí di ca. (...) a tare -fa de com preen der e de inter pre tar só ocor re onde se põe algo de talmodo que, como tal, é vin cu lan te e não abo lí vel.13

Nessa pré-com preen são dos direi tos fun da men tais, deve ser con si de ra doo con teú do igua li tá rio. como bem des ta ca Peces-Barba:

en la cul tu ra jurí di ca y polí ti ca moder na, el con cep to del dere cho huma -no fun da men tal supo ne la posi bi li dad de que el dere cho sub je ti vo, laliber tad, la potes tad o la inmu ni dad, alcan cen a todos los seres huma nosque se encuen tren en la misma situa ción (a todos los que quie ran reu nir -se o aso ciar se, a todos los que ten gan la edad para reci bir la edu ca ciónobli ga to ria, a todos los que quie ran par ti ci par en una huel ga o a todos losque estén en la situa ción gene ral y abs trac ta de reci bir la pro tec ción dela segu ri dad social o los bene fi cios de la sani dad). cuando la esca sezimpi de que «un dere cho» alcan ce a todos, lo que es claro desde hacemucho tiem po en rela ción con la pro pie dad, y que apa re ce en el hori zon -te de nues tro tiem po en rela ción con el pleno empleo, es alta men te dis -

10 idem, p. 402.11 utilizamos aqui “pré-con cei to” para evi tar o pri mei ro sen ti do que viria do uso de “pre con cei to”.

todavia, seja na tra du ção bra si lei ra, seja na tra du ção norte-ame ri ca na (truth and Method. NewYork: continuum, 1994), seja na obra de Georgia Warnke as pala vras empre ga das são “pre con -cei to” e “pre ju di ce”.

12 GaDa Mer. op. cit., p. 407.13 idem, pp. 488-489.

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cu ti ble que se pueda hablar de un dere cho fun da men tal por su impo si blecon te ni do igua li ta rio.14-15

a pré-com preen são é, sem dúvi das, apli cá vel ao Direito. Karl larenzabre um sub tó pi co, “a «estru tu ra cir cu lar» do com preen der e a impor tân cia da«pré-com preen são»” ao tra tar da “Jurisprudência como ciên cia «com preen si -va»”,16 no qual des ta ca que “no iní cio do pro ces so de com preen der exis te, porregra, uma con jec tu ra de sen ti do, mesmo que por vezes ainda vaga, que acor -re a inse rir-se numa pri mei ra pers pec ti va, ainda fugi dia. o intér pre te estámuni do de uma «pré-com preen são», com que pene tra o texto”17 e que “a pré-com preen são de que o juris ta care ce não se refe re só à «coisa Direito», à lin -gua gem, em que dela se fala, e à cadeia de tra di ção em que se inse rem sem preos tex tos jurí di cos, as deci sões judi ciais e os argu men tos habi tuais, mas tam -bém a con tex tos sociais, às situa ções de inte res ses e às estru tu ras das rela çõesda vida a que se refe rem as nor mas jurí di cas”, ao «domí nio da norma», no sen -ti do de Friederich Muller.18 larenz faz algu mas res tri ções ao posi cio na men tode Gadamer quan to à her me nêu ti ca jurí di ca, é ver da de,19 mas não nega a pré-com preen são e o cír cu lo her me nêu ti co, muito pelo con trá rio.

Konrad hesse, tra tan do espe ci fi ca men te da inter pre ta ção cons ti tu cio nal,tam bém reco nhe ce o papel da pré-com preen são, como se vê do tre cho abai xo:

1. condições da inter pre ta ção cons ti tu cio nalconcretização pres su põe um ‘ entendimento’ do con teú do da norma a sercon cre ti za da. esse não se deixa desa tar da ‘(pré)- compreensão’ do intér -pre te e do pro ble ma con cre to a ser resol vi do, cada vez.a) o intér pre te não pode com preen der o con teú do da norma de umponto situa do fora da exis tên cia his tó ri ca, por se assim dizer, arqui mé di -co, senão somen te na situa ção his tó ri ca con cre ta, na qual ele se encon -tra, cuja matu ri da de enfor mou seus con teú dos de pen sa men to e deter mi -na seu saber e seu (pré)-juízo. ele enten de o con teú do da norma de uma(pré)-com preen são, que pri mei ra men te lhe torna pos sí vel olhar a norma

14 Peces-BarBa Mar ti Nez, Gregorio. Derecho y Derechos Fundamentales. Madrid: centro deestudios constitucionales, 1993.

15 a ideia apro xi ma-se bas tan te do pri mei ro prin cí pio da jus ti ça, for mu la do por John rawls: “cadapes soa deve ter um direi to igual ao mais vasto sis te ma total de liber da des bási cas iguais que sejacom pa tí vel com um sis te ma seme lhan te de liber da de para todos” (uma teoria da Justiça. lisboa:Presença, 1993, p. 203), embo ra com ela não se con fun da, pois não trata ape nas das liber da des.

16 lareNz, Karl. op. cit., pp. 239 e 242.17 idem, p. 244.18 idem, p. 246.19 idem, pp. 250-252.

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com cer tas espe ran ças, pro je tar-se um sen ti do de todo e che gar a umante pro je to que, então, em pene tra ção mais pro fun da, care ce da con fir -ma ção, cor re ção e revi são até que, como resul ta do de apro xi ma ção per -ma nen te dos pro je tos revi sa dos, cada vez, ao ‘ objeto’, deter mi ne-se uni -vo ca men te a uni da de do sen ti do.Por causa dessa capa ci da de de (pré)-juízo de todo enten di men to éimpor tan te não sim ples men te efe tuar as ante ci pa ções da (pré)-com -preen são, senão torná-las cons cien tes e fun da men tá-las mesmo para,assim, cor res pon der ao man da men to fun da men tal de toda inter pre ta ção:pro te ger-se con tra o arbí trio de ideias e a estrei te za de hábi tos de pen sarimper cep tí veis e diri gir o olhar ‘para as coi sas mesmas’. a tare fa, que comisso se põe, da fun da men ta ção da (pré)-com preen são é, sobre tu do, umatare fa da teoria da constituição que, por sua vez, não é dis cri cio nal seela é obti da com vista à ordem cons ti tu cio nal con cre ta e, em con tí nuodar e tomar, con fir ma da e cor ri gi da pela prá ti ca do caso con cre to”.20

ricardo lobo torres não toca dire ta men te na pré-com preen são, mas adeixa suben ten di da, eis que faz largo uso das lições de Gadamer e do cír cu loher me nêu ti co, que está sub ja cen te ao “plu ra lis mo meto do ló gi co” na inter pre -ta ção.21 uadi lammêgo Bulos não enfren ta dire ta men te o empre go da pré-com preen são, mas deixa sua ade são clara ao nomear o pri mei ro capí tu lo de seulivro com o títu lo “elementos de Pré-com preen são da Matéria”.22

Mesmo auto res menos influen cia dos pela filo so fia tedes ca, comoclèmerson Merlin clève e luís roberto Barroso pare cem empre gar a pré-com preen são. clève advo ga cla ra men te uma deter mi na da pré-com preen sãoda norma cons ti tu cio nal, ao dizer que “impor ta hoje, para o juris ta par ti ci pan -te, sujar as mãos com a lama impreg nan te da prá ti ca jurí di ca, ofe re cen do, nocampo da dog má ti ca, novas solu ções, novas fór mu las, novas inter pre ta ções,novas cons tru ções con cei tuais” e que “cabe inva dir um espa ço toma do pelasfor ças con ser va do ras, lutan do ombro a ombro, no ter ri tó rio onde elas impe -ram, exa ta men te para, com a cons tru ção de uma nova dog má ti ca, alijá-las desuas posi ções con for ta vel men te des fru ta das”.23 essa defe sa fica ainda maisexplí ci ta quan do, em outro tre cho, diz:

20 hesse, Konrad. elementos de Direito constitucional da república Federal da alemanha. Portoalegre: sergio antonio Fabris, 1998, pp. 61-62.

21 tor res, ricardo lobo. Normas..., cit.22 Bulos, uadi lammêgo. Mutação constitucional. são Paulo: saraiva, 1997.23 clÈve, clèmerson Merlin. “a teo ria constitucional e o Direito alternativo: para uma dog má ti -

ca cons ti tu cio nal eman ci pa tó ria”, in uma vida Dedicada ao Direito: homenagem a carloshenrique de carvalho. são Paulo: editora revista dos tribunais, pp. 37-38.

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Por isso a constituição, atual men te, é o gran de espa ço, o gran de locus,onde se opera a luta jurí di co-polí ti ca. o pro ces so cons ti tuin te é um pro -ces so que se desen vol ve sem inter rup ção, inclu si ve após a pro mul ga ção,pelo poder cons ti tuin te, de sua obra. a luta, que se tra va va no seio daassembleia constituinte, trans fe re-se para o campo da prá ti ca cons ti tu -cio nal (apli ca ção e inter pre ta ção). afirmar esta ou aque la inter pre ta çãode deter mi na do dis po si ti vo cons ti tu cio nal, defen der seu poten cial deexe cu ção ime dia ta ou apon tar a neces si da de de inte gra ção legis la ti va,cons ti tuem com por ta men tos dota dos de cla rís si mos com pro mis sos ideo -ló gi cos que não podem sofrer des men ti do.No Brasil con tem po râ neo, cons ti tui mis são do ope ra dor jurí di co pro du -zir a defe sa da constituição. a constituição bra si lei ra, tão vili pen dia da,cri ti ca da e menos pre za da, mere ce con si de ra ção. sim, por que aí, nessedocu men to mal escri to e con tra di tó rio, o juris ta encon tra rá um reser va -tó rio impres sio nan te de topoi argu men ta ti vos jus ti fi ca do res de reno va daótica jurí di ca e da defe sa dos inte res ses que cum pre, para o direi to alter -na ti vo, defen der.24

luís roberto Barroso, de igual sorte, tam bém empre ga cla ra men te a pré-com preen são ao asse ve rar:

cabe, por fim, des ta car uma pecu lia ri da de que envol ve a constituição. olegis la dor cons ti tu cio nal é inva ria vel men te mais pro gres sis ta que o legis -la dor ordi ná rio. Daí que, em uma pers pec ti va de avan ço social, devem-seesgo tar todas as poten cia li da des inter pre ta ti vas do texto constitucional,o que inclui a apli ca ção dire ta das nor mas cons ti tu cio nais no máxi mo dopos sí vel, sem con di cio ná-las ao legis la dor infra cons ti tu cio nal.essa tare fa exige boa dog má ti ca cons ti tu cio nal e capa ci da de de tra ba lharo direi to posi ti vo. Para fugir do dis cur so vazio, é neces sá rio ir à norma,inter pre tá-la, dis se cá-la e apli cá-la. em maté ria cons ti tu cio nal, é fun da -men tal que se diga, o apego ao texto posi ti va do não impor ta em redu ziro direi to à norma, mas, ao con trá rio, em elevá-lo à con di ção de norma,pois ele tem sido menos que isso (v. supra). o res ga te da impe ra ti vi da dedo texto constitucional e sua inter pre ta ção à luz de boa dog má ti ca jurí -di ca, por óbvio que possa pare cer, é uma ins ti gan te novi da de neste paísacos tu ma do a mal tra tar suas ins ti tui ções.25

24 idem., p. 40.25 Bar ro so, luís roberto. interpretação e aplicação da constituição. são Paulo: saraiva, 1996,

p. 260.

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vemos, cla ra men te, o empre go de fato res his tó ri cos e cul tu rais comodeter mi nan tes de um dado ponto de vista para o intér pre te, obti do a prio ri dotexto. a defe sa do méto do jurí di co como limi ta dor do aprio ris mo fun cio na, anosso ver, como inser ção de uma refle xi vi da de na com preen são e apli ca ção danorma ao menos bas tan te simi lar ao cír cu lo her me nêu ti co.

o reco nhe ci men to da pré-com preen são e do cír cu lo her me nêu ti co é degran de rele vân cia prá ti ca, pois rompe com a linea ri da de da argu men ta çãojurí di ca, tão influen cia da e suge ri da atra vés do uso dos silo gis mos.

1.1 a pré-com preen são quan to à dimen são posi ti va dos direi tos fun da -men tais

como vimos, os direi tos fun da men tais con têm uma dimen são posi ti va, arecla mar pres ta ções esta tais comis si vas e não ape nas omis si vas. Para a satis fa -ção das pre ten sões ori gi na das dessa dimen são posi ti va é neces sá rio o con su mode recur sos escas sos, tor nan do ine xo rá vel a toma da de deci sões alo ca ti vas.essas deci sões são dis jun ti vas, sig ni fi can do o aten di men to de uns e o não-aten di men to de outros, mesmo quan do o não aten di men to possa sig ni fi car amorte.

Para a cor re ta com preen são des sas pre ten sões posi ti vas, deve o intér pre -te pres su por a limi ta ção de recur sos para aten der a todos e, assim, deve pres -su por a exis tên cia e a legi ti mi da de de deci sões alo ca ti vas pelo estado, de pri -mei ra e segun da ordem,26 com vis tas à con cre ti za ção des sas nor mas.

assim, salvo se o texto cla ra men te dis pu ser de modo con trá rio, have ráespa ço para deci sões alo ca ti vas, deci sões essas que são sin di cá veis, na formademons tra da adian te. as dis po si ções em con trá rio do texto, toda via, pas sampor um crivo espe cial, que é o con tro le de razoa bi li da de liga do ao “exces so deoti mis mo nor ma ti vo”. se a norma jurí di ca pre ten der regrar o que refo ge a seuâmbi to, o que não se com por ta no campo do poder-ser, que é a ima gem refle -ti da do dever-ser, fica rá evi den te sua inva li da de. a impos si bi li da de não cos tu -ma vol tar-se para o gro tes co, mas para aqui lo que apa ren te men te é fac tí vel. Épos sí vel for ne cer tra ta men to médi co a uma dada pes soa ou asse gu rar empre -go a outra, mas pare ce ser incon tor ná vel o “exces so de oti mis mo”, a inge nui -da de ou dema go gia de pre ten der asse gu rar como direi to sub je ti vo um direi toa qual quer tra ta men to de saúde ou um direi to ao pleno empre go. o aten di -men to ao legí ti mo inte res se de todos não depen de ape nas dos ele va dos pro pó -

26 as deci sões alo ca ti vas de ter cei ra ordem, men cio na das por Jon elster, são toma das pelo pos sí velrecep tor da pres ta ção posi ti va, no sen ti do de faci li tar seu rece bi men to. Não são, pois, deci sõestoma das pelo estado, mas ape nas indu zi das por ele.

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si tos dos mem bros do legislativo e do executivo, mas uma com bi na ção dediver sos fato res que, no seu con jun to, jamais serão ple na men te con tro lá veis.

Nada obs tan te, quan do fac tí veis, são legí ti mas opções nor ma ti vas quevedam a toma da de deci sões alo ca ti vas infe rio res, como, por exem plo, asse gu -rar a todas as crian ças vaci na ção con tra dadas doen ças. essas deci sões nor ma -ti vas, longe de negar a escas sez de recur sos, são, por si, deci sões alo ca ti vas,pois o aten di men to por elas deter mi na do impli ca o con su mo de recur sos quepode riam ser empre ga dos para aten der a outros.27 ao pre fe rir uns em rela çãoa outros,28 a norma com por ta, nova men te, con tro le de razoa bi li da de, mas aquipela poten cial lesão ao prin cí pio da igual da de.

2. a solu ção dos con fli tos e o papel de intér pre te

as deci sões alo ca ti vas são, via de regra, dis jun ti vas, impli can do aten dera uns e não aten der a outros. Nessas deci sões, espe cial men te no campo dasaúde, a neces si da de desem pe nha um papel rele van te. Mas como bem des ta caWalzer:

a des pei to da força intrín se ca da pala vra, as neces si da des são de difí cildefi ni ção. as pes soas não têm ape nas neces si da des, elas têm ideias sobresuas neces si da des; elas têm prio ri da des, elas têm níveis de neces si da des.essas prio ri da des e níveis devem-se não ape nas à natu re za huma na, mastam bém a fato res his tó ri cos e cul tu rais. como os recur sos são sem preescas sos, esco lhas difí ceis têm que ser toma das. Penso que tais esco lhassomen te podem ser polí ti cas. elas estão sujei tas a algu ma elu ci da ção filo -só fi ca, mas a ideia de neces si da de e o com pro mis so com o bem comumnão levam a uma deter mi na ção clara de prio ri da des ou esca lo na men to.as neces si da des não são ape nas de difí cil defi ni ção, elas são tam bémexpan si vas. Na frase do filó so fo con tem po râ neo charles Fried, as neces -si da des são vora zes, elas devo ram os recur sos. Mas seria erra do dizer quea neces si da de não pode ser um prin cí pio dis tri bu ti vo. É, na ver da de, umprin cí pio sujei to a limi ta ção polí ti ca. tais limi tes podem ser arbi trá rios,fixa dos por algu ma coa li zão de inte res ses tem po rá ria ou por maio rias

27 cf. no iní cio do item 6 do capí tu lo ante rior a refe rên cia ao tra ba lho de Neri, Marcelo cortes etal. “Brasil”, in Gasto Público en servicios sociales Básicos en américa latina y el caribe.santiago: cePal, 1999.

28 e. g., pre fe rir as víti mas atuais ou poten ciais de febre ama re la às víti mas de han se nía se, pre fe riras con di ções do preso ao sanea men to bási co.

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elei to rais. considere-se o caso da segu ran ça pes soal numa cida de norte-ame ri ca na moder na. seria pos sí vel pro ver segu ran ça abso lu ta, eli mi nan -do todas as fon tes de vio lên cia salvo as domés ti cas, se pusés se mos umposte de luz a cada dez jar das29 e um poli cial a cada trin ta, por toda acida de. todavia, isso seria muito caro e então opta mos por algo menos.Quanto menos só pode ser deci di do poli ti ca men te, e só pode ser deci di -do poli ti ca men te: é para isso que ser vem os arran jos polí ti cos na demo -cra cia. Qualquer esfor ço filo só fi co para esti pu lar em deta lhes os direi tosou titu la ções dos indi ví duos res trin gi ria radi cal men te o esco po das toma -das de deci sões na demo cra cia.30

No mesmo sen ti do é o enten di men to de cass sunstein. este autor diri gesua aten ção às pre fe rên cias endó ge nas, que são aque las que são mutá veis emface de uma ampla gama de fato res, incluin do o con tex to no qual são expres -sas, as regras jurí di cas e sociais, esco lhas de con su mo pas sa das e a cul tu ra emgeral. o fenô me no das pre fe rên cias endó ge nas põe em dúvi da a noção de queum gover no demo crá ti co deve res pei tar os dese jos e cren ças par ti cu la res emtodos ou quase todos os con tex tos.31

temos, então, que não só as esco lhas trá gi cas são polí ti cas como tam bémque cri té rios como “opi nião públi ca” ou “cla mor popu lar” tal vez devam ser

29 cerca de 10 metros (uma jarda cor res pon de a 0,914 metro).30 Wal zer, Michael. spheres of Justice. Basic Books, 1983, p. 66. o tre cho em itá li co está em

obser va ção ao pé da pági na 67. tradução livre. No ori gi nal: Despite the inhe rent for ce ful ness ofthe word, needs are elu si ve. People don’t just have needs, they have ideas about their needs; theyhave prio ri ties, they have degrees of need; and these prio ri ties and degrees are rela ted not onlyto their human natu re but also to their his tory and cul tu re. since resour ces are always scar ce,hard choi ces have to be made. i sus pect that these can only be poli ti cal choi ce. they are sub jectto a cer tain phi lo so phi cal elu ci da tion, but the idea of need and the com mit ment to com mu nalpro vi sion do not by them sel ves yield any clear deter mi na tion of prio ri ties or degrees. (…)”.“Needs are not only elu si ve; they are also expan si ve. in the phra se of the con tem po rary phi lo so -pher charles Fried, needs are vora cious; they eat up resour ces. But it would be wrong to sug gestthat the re fo re need can not be a dis tri bu ti ve prin ci ple. it is, rather, a prin ci ple sub ject to poli ti callimi ta tion; and the limits ( within limits) can be arbi trary, fixed by some tem po rary coa li tion ofinte rests or majo rity of voters. consider the case of physi cal secu rity in a modern american city.We could pro vi de abso lu te secu rity, eli mi na te every sour ce of vio len ce except domes tic vio len -ce, if we put a street light every ten yards and sta tio ned a poli ce man every thirty yards throug -hout the city. But that would be very expen si ve, and so we set tle for some thing less. how muchless can only be deci ded poli ti cally; and should be deci ded poli ti cally: that is what demo cra ticpoli ti cal arran ge ments are for. any phi lo so phi cal effort to sti pu la te in detail the rights or theenti tle ments of indi vi duals would radi cally cons train the scope of demo cra tic deci sion making.

31 suNs teiN, cass r. Free Markets and social Justice. New York: oxford university Press, 1997,p. 14.

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des con si de ra dos, em algu mas situa ções, espe cial men te quan do as pre fe rên ciasendó ge nas puderem ser atri buí das a uma má apreen são da rea li da de.32

holmes e sunstein tam bém tocam na ques tão, asse ve ran do que na maio -ria dos casos, o nível de pro te ção dado aos direi tos sociais é deter mi na do poli -ti ca men te, não judi cial men te, sejam esses direi tos cons ti tu cio na li za dos33 ofi -cial men te ou não. Prosseguem afir man do:

Mas con si de rar os direi tos de pri mei ra gera ção “sem preço” e os desegun da gera ção “caros” não é ape nas impre ci so, isso tam bém enco ra ja afan ta sia de que tri bu nais podem gerar seu pró prio poder e impor suaspró prias solu ções, quer o legis la ti vo ou o exe cu ti vo lhe apóiem, quer não.o Judiciário norte-ame ri ca no pode ser ou não o fórum dos prin cí piosbasi la res, mas ele é cer ta men te man ti do pelos seto res de arre ca da ção doestado, que pro vêem os meios para sua manu ten ção e, gene ri ca men te,mantê-lo vivo e fun cio nan do. Focar o custo dos direi tos é então jogar luzem um aspec to impor tan te, porém mal com preen di do da sepa ra ção depode res norte-ame ri ca na.34

calabresi e Bobbitt des ta cam que embo ra deci sões impor tan tes tenhamsido dei xa das aos tri bu nais, nos estados unidos, essas deci sões são muitodiver sas daque las encon tra das nas situa ções trá gi cas. Destacam o cará ter dese -já vel da deci são caso a caso, com pra zos para a ela bo ra ção dos juí zos, carac te -rís ti co da atua ção judi cial, con cluin do ser difí cil con ce ber um tri bu nal comoórgão apro pria do para fazer uma esco lha trá gi ca como a alo ca ção de um órgão

32 um exem plo, den tro da saúde públi ca, foi a resis tên cia popu lar à vaci na ção públi ca no iní cio dosécu lo, no rio de Janeiro.

33 cumpre lem brar que embo ra a constituição dos estados unidos não con te nha tex tual men tedirei tos sociais, a cons ti tu cio na li za ção dos direi tos sociais não é estra nha àque le país, pois comoafir ma helen hershkoff, “unli ke the Federal constitution, every state cons ti tu tion in the unitedstates addres ses social and eco no mic con cerns, and pro vi des the basis for a variety of posi ti ve claims against the govern ment” (hers hKoFF, helen. Positive rights and state constitutions:the limits of Federal rationality review, harvard law review, 112 (6), 1999, p. 1135.

34 hol Mes, stephen and suNs teiN, cass r. the cost of rights: Why liberty Depends on taxes.New York: Norton & co., 1999, p. 122. tradução livre. No ori gi nal: But to con si der first-gene ra -tion rights ‘ priceless’ and second-gene ra tion rights ‘ costly’ is not only impre ci se, it also encou ra -ges the fan tasy that the courts can gene ra te their own power and impo se their own solu tions,whe ther or not the legis la ti ve or exe cu ti ve bran ches hap pen to sup port them. the americanjudi ciary may or may not be the forum of basic prin ci ple, but it is cer tainly cons truc ted and but -tres sed by the extrac ti ve bran ches of govern ment, which pro vi de the fis cal whe re wi thal to nou -rish and house the judi ciary and, gene rally, to keep it alive and func tio ning. to focus on the costof rights is the re fo re to shed light on an impor tant and poorly unders tood aspect of the americansepa ra tion of powers.

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arti fi cial, a menos que os padrões de esco lha tenham sido pos tos res pon sa vel -men te pelo legis la ti vo.35

a ausên cia des ses padrões pode levar ao que esses auto res cha mam de“para do xo da sufi ciên cia de pri mei ra ordem”:36

algumas vezes pare ce que as deter mi na ções de pri mei ra ordem nãodeter mi nam res tri ções trá gi cas e então que deci sões trá gi cas de segun daordem podem ser evi ta das. No caso de com ple ta sufi ciên cia, pode pare -cer que uma deci são afir ma ti va da vida tenha sido toma da. No caso dealgo menos que a com ple ta sufi ciên cia, ainda pare ce rá que uma deci são“nega ti va da vida” pode ser evi ta da. essas apa rên cias são, claro, merasespé cies de ilu sões óti cas já que não impor ta o quão sufi cien te a deter mi -na ção de pri mei ra ordem pare ça ser, ela neces sa ria men te des via rá recur -sos de outras situa ções trá gi cas.37-38

35 cala Bre si, Guido & BoB Bitt, Philip. tragic choices. New York: Norton, 1978, p. 71.36 First-order suf fi ciency para dox.37 op. cit., p. 134, tra du ção livre. No ori gi nal: it some ti mes appears that the first-order deter mi na -

tion has not set a tra gi cally res tric ted range and the re fo re tra gic second-order deci sions can beavoi ded. in the case of com ple te suf fi ciency, it may appear that a life-vali da ting deter mi na tionwill have been made; in the case of less that com ple te suf fi ciency, it may still be that the appea -ran ce of a life-nega ting deter mi na tion can be avoi ded. these appea ran ces are, of cour se, merelya kind of opti cal illu sion since no mat ter how suf fi cient the first-order deter mi na tion appears, itneces sa rily diverts resour ces from other tra gic situa tions.

38 os auto res, em nota ao texto, dão um exem plo que é bem elu ci da ti vo. “Por exem plo, ima gi ne-seduas pes soas, uma neces si tan do deses pe ra da men te do bem ‘a’ e a outra neces si tan do deses pe ra -da men te do bem ‘B’. se a pro du ção de ‘a’ para a pri mei ra pes soa sig ni fi car neces sa ria men te que nenhum ‘B’ pode rá ser pro du zi do, então a deci são de con cen trar recur sos da socie da de na pro du -ção de ‘a’ opera como uma deci são alo ca ti va de segun da ordem entre quem neces si ta de ‘a’ equem neces si ta de ‘B’. se nin guém notar que este últi mo teve nega do o bem ‘B’ que neces si ta va,então a deci são de pro du zir ‘a’ em quan ti da de sufi cien te para aten der a neces si da de do pri mei roserá per ce bi da como life-vali da ting” (op. cit., nota 1 do capí tu lo 5, p. 221).acrescentamos como aden do ao exem plo que o recur so uti li za do para aten der aos doen tes renaiscrô ni cos não apro vei ta em nada às crian ças víti mas da dis tro fia mus cu lar pro gres si va de duchen -ne, refe ri da no capí tu lo 1, e vice-versa. conquanto não haja uma cor re la ção exclu den te como noexem plo, se hou ver um milhão de reais a ser alo ca do para um pro gra ma de ação ou outro, entãoo exem plo de calabresi e Bobbitt será apro pria do.também cabe aqui a lição de Jon elster: “Political first-order deci sions con cern the allo ca tion offun gi ble (mone tary) resour ces among various acti vi ties. the pri mary con se quen ce of such deci -sions is to favor cer tain goods or ser vi ces at the expen se of others. a secon dary con se quen ce maybe to favor cer tain indi vi duals at the expen se of others, that is to say, those who can bene fit mostfrom the favo red good. although the effect on indi vi duals also depends on the second-order allo -ca ti ve prin ci ple, some goods are such that many groups can not bene fit from them at all. thusdevo ting a large share of public funds to public hou sing is tan ta mount to pre fe ren tial treat mentof the poor, almost regar dless of what allo ca ti ve sche me is cho sen. Giving prio rity to edu ca tionneces sa rily occurs at the expen se of the elderly, since they will not be young again” (els ter.op. cit., p. 140).

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a dra ma ti ci da de des sas deci sões foi bem cap ta da em estu do pro mo vi dopelo Governo ame ri ca no sobre trans plan te de cora ção, já cita do ao final doitem 1 do capí tu lo ante rior: “ao invés de uma massa de indi ví duos não iden ti -fi ca dos sem aces so a recur sos que lhes são neces sá rios, pes soas cujos nomes setor na ram conhe ci dos serão decla ra das ine le gí veis para um tra ta men to ou ser -vi ço de que neces si tam. talvez esse cená rio seja desu ma no, mas sem dúvi da éa ver da dei ra repre sen ta ção da rea li da de.”39

como se lê nes sas lições, os intér pre tes por exce lên cia da dimen são posi -ti va dos direi tos fun da men tais são o legis la ti vo e o exe cu ti vo. a alo ca ção derecur sos escas sos faz-se pri mei ra men te com o orça men to, com polí ti cas públi -cas. a con fli tua li da de entre as deman das por emer gên cias equi pa das paraaten der a víti mas de trau mas, nota da men te em coli são de auto mó vel, pro gra -mas de gera ção de renda, edu ca ção, assis tên cia social, cul tu ra, lazer, infor ma -ção, segu ran ça e tan tas outras só pode ser ava lia da em um aspec to dinâ mi cototal men te estra nho ao modo de pro ce der do Judiciário.

como já afir ma mos no capí tu lo ante rior, não há um cri té rio único quepossa ser empre ga do para todas as deci sões a serem toma das. há, sim, umleque de cri té rios e con si de ra ções que podem ser uti li za dos e com bi na dosentre si. essa carac te rís ti ca dá à deci são teor niti da men te dis cri cio ná rio e polí -ti co, deven do ser sin di cá vel enquan to deci são polí ti ca. o con tro le polí ti co sedá pelo voto popu lar e pela atua ção da socie da de civil orga ni za da.

ora, o Judiciário é cons truí do pela constituição com garan tias para quejul gue o justo inde pen den te men te de pres sões. as garan tias da magis tra tu rasão garan tias da cida da nia e não pri vi lé gios cor po ra ti vos exa ta men te por isso.

além de ques tões de essên cia, há empe ci lhos fun cio nais que não reco -men dam a atua ção des ta ca da do Judiciário. todo o modo de fun cio nar da judi -ca tu ra, a ini cia ti va por pro vo ca ção, o impul so ofi cial, a linea ri da de do pro ce -di men to e as regras de pre clu são não cons ti tuem pro ce di men tos apro pria dospara lidar com a dinâ mi ca das deci sões alo ca ti vas. tais deci sões são sem premutá veis em fun ção da evo lu ção dos fatos, do conhe ci men to que deles setenha e da per cep ção daí advin da.

os ato res prin ci pais das deci sões alo ca ti vas são o executivo e olegislativo.40 Não se quer com isso dizer que não haja papel para o Judiciário,

39 apud Kil Ner, John F. Who lives? Who Dies? ethical criteria in Patient selection. New haven:Yale university Press, 1990, p. 12.

40 evidentemente, fala-se “exe cu ti vo” e “legis la ti vo” bre vi ta tis cau sae, pois mais cor re to seria dizerque os ato res prin ci pais são aque les que desem pe nham a fun ção exe cu ti va e a fun ção legis la ti va.o tribunal de Justiça, ao ela bo rar sua pro pos ta de orça men to e a pro pos ta de cria ção de car gos eser ven tias toma deci sões alo ca ti vas com o mesmo sta tus que o fazem o executivo e o legislativo.

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que tudo depen da de polí ti cas públi cas, como advo gam aque les que ainda sepau tam pela dico to mia entre direi tos da liber da de, de fei ções nega ti vas, edirei tos sociais, de fei ções posi ti vas.41

ante a plu ra li da de de cri té rios, pro ce di men tos alo ca ti vos, e pecu lia ri da -des de cada gêne ro de neces si da de a ser supri da, há um papel espe cial paraagên cias paraes ta tais,42 nota da men te no campo médi co, em que a tec ni ca li da -de das ques tões pra ti ca men te impos si bi li ta uma dis ci pli na for mal men te legis -la ti va exaus ti va, mas nem por isso se deve dei xar esco lhas de vida ou mortesem uma ampla pos si bi li da de de con tro le social.

2.1. o papel do Judiciário

2.1.1. Quanto a pre ten sões indi vi duais

No que diz res pei to às pre ten sões posi ti vas, cabe ao Judiciário o con tro -le do dis cur so, o con tro le das con du tas ado ta das por aque les que ocu pam fun -ção exe cu ti va ou legis la ti va. Não cabe ao magis tra do fazer a media ção fato-norma, seja pela sub sun ção ou pela con cre ção. cabe-lhe, isto sim, pro je tar ocon teú do de pre ten são posi ti va em que está inves ti do o par ti cu lar para, depois, con tras tan do o teor dessa pre ten são com a rea li da de fáti ca, veri fi car sehá vio la ção poten cial. havendo a vio la ção poten cial, cabe ao magis tra do,então, ques tio nar as razões dadas pelo estado para suas esco lhas, fazen do apon de ra ção entre o grau de essen cia li da de da pre ten são e o grau de excep cio -na li da de da situa ção con cre ta, a jus ti fi car, ou não, a esco lha esta tal.

Na pri mei ra fase desse pro ces so lógi co de apli ca ção, a obten ção da pre -ten são em que está inves ti do o indi ví duo, são apli cá veis todos os méto dos deinter pre ta ção, a pré-com preen são, a pon de ra ção de valo res, enfim, todo o ins -tru men tal que a ciên cia do Direito dis po ni bi li za para o apli ca dor. “o que seobser va é a plu ra li da de e a equi va lên cia, sendo os méto dos apli ca dos de acor -do com o caso, e com os valo res ínsi tos na norma”.43 Já na segun da etapa surge

41 cf., neste sen ti do, as posi ções do tJsP cita das no capí tu lo 1 e loPes, José reinaldo de lima.“Direito subjetivo e Direitos sociais: o Dilema do Judiciário no estado social de Direito”, inDireitos humanos, Direitos sociais e Justiça, org. José eduardo Faria. são Paulo: Malheiros, 1998,esp. p. 134.

42 sobre essas agên cias há vasta lite ra tu ra ame ri ca na. sugerimos qua tro que foram de gran de auxí -lio para este tra ba lho, as de aaron e schwartz, calabresi e Bobbitt, elster e Kilner.

43 a frase é de ricardo lobo torres, mas cunha da para outro con tex to, a inter pre ta ção no Direitotributário (tor res, ricardo lobo. Normas de interpretação e integração do Direito tributário.rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 83).

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a pon de ra ção que é espe cí fi ca da apli ca ção das nor mas que asse gu ram pre ten -sões posi ti vas. trata-se de uma pon de ra ção espe cí fi ca, pois não é uma pon de -ra ção de valo res ou de prin cí pios, mas uma pon de ra ção desi gual, entre valo -res, prin cí pios e regras, de um lado, e um qua dro fáti co con jun tu ral, para daí extrair não a deci são, mas o parâ me tro de ava lia ção das esco lhas esta tais.

Dentro deste con tex to, a deci são judi cial para o indi ví duo deve sem preser cir cuns tan cial, res pei tan do, assim, a plu ra li da de de opções alo ca ti vas exis -ten tes,44 a hete ro ge nei da de da socie da de e seu refle xo neces sá rio sobre as con -cep ções que tem sobre suas neces si da des e a defi ciên cia na cole ta de infor ma -ções que é ine ren te ao pro ce di men to judi cial. com deci sões para o caso con -cre to e não para a gene ra li da de dos casos, como se tem visto nas deci sões rela -cio na das à saúde, man tém-se a fle xi bi li da de para o futu ro, o que é uma vir tu -de notá vel no que diz res pei to à saúde, já que a evo lu ção dos tra ta men tos tornao qua dro sem pre mutan te.45

2.1.2 em direi tos cole ti vos e difu sos

No âmbi to da ação civil públi ca, há um campo mais amplo para atua -ção do Judiciário, com a notá vel cola bo ra ção do Ministério Público.através de uma atua ção res pon sá vel46 e de uma uti li za ção efi cien te dosinqué ri tos civis, em que não há regras de pre clu são para a cole ta de pro vas,torna-se pos sí vel um amplo con tro le social dos cri té rios e pro ce di men tos dealo ca ção de recur sos.

44 Nos pare ce que nunca será exces si va a remis são ao tra ba lho publi ca do pela cePal, não impor taquan tas vezes o faça mos. o Brasil é o país que mais gasta na área social na américa latina, mas oque colhe um dos pio res resul ta dos, mos tran do, assim, a deses pe ra do ra urgên cia de tor nar cla rosos cri té rios alo ca ti vos, em todas as ins tân cias (cf. Neri, Marcelo cortes et al. “Brasil”, in GastoPúblico en servicios sociales Básicos en américa latina y el caribe, org. enrique Ganuza et al.santiago: cePal,1999.)

45 Neste pará gra fo adap ta mos várias fra ses de cass sunstein, mas, ao con trá rio de todas as outrasvezes neste tra ba lho, não esta mos fazen do a cita ção dire ta para não cau sar uma iden ti fi ca çãoneces sá ria com o seu judi cial mini ma lism. essa visão de mini ma lis mo judi cial de sunstein não nospare ce possa ser inte gral men te trans plan ta da para o direi to bra si lei ro sem várias adap ta ções, mas,a des pei to disso, a ideia geral nos pare ce apli cá vel para a ques tão que ora tra ta mos. cf. suNs teiN,cass r. one case at a time: judi cial mini ma lism on the supreme court. cambridge: harvarduniversity Press, 1999, p. 259.

46 embora o comen tá rio possa não ser “poli ti ca men te cor re to”, não nos pare cem res pon sá veis açõesque plei teiam atin gir a per fei ção em um passe de mági ca, o que algu mas vezes ocor re no tocan tea meno res. em nossa expe riên cia pro fis sio nal, vimos certa vez um pedi do dedu zi do em juízo paraa con de na ção do estado em cons truir, em prazo exí guo, uma pis ci na que pos si bi li tas se a minis -tra ção de aulas de nata ção para meno res inter nos da FeBeM, pois a nata ção seria um impor tan -te fator de desen vol vi men to físi co e men tal para as crian ças.

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2.1.3. No con tro le abs tra to de cons ti tu cio na li da de

No con tro le de cons ti tu cio na li da de da norma em abs tra to, o Judiciárioporta-se como legis la dor nega ti vo, não haven do, por tan to, qual quer pecu lia -ri da de com rela ção às nor mas que asse gu ram pre ten sões posi ti vas. Destaque-se, con tu do, que esta mos a falar do con tro le abs tra to de cons ti tu cio na li da de,con cen tra do ou difu so, não da ina pli ca bi li da de da norma ao caso con cre to porferir, nesse caso con cre to, um valor ou prin cí pio supe rior. Nesses casos, enten -de mos que a pos tu ra do magis tra do deva ser uma das duas antes refe ri das.

3. Distinções entre a posi ção aqui defen di da e outrosposi cio na men tos

o posi cio na men to aqui defen di do afas ta-se cla ra men te daque le advo ga -do por quem ainda sus ten ta a dis tin ção entre direi tos nega ti vos, os direi tos daliber da de, e direi tos posi ti vos, os direi tos sociais. a dis tin ção é equi vo ca da,como bem demons tram holmes e sunstein.47

também nos afas ta mos do que pode ría mos cha mar de inge nui da de posi -ti vis ta, a pos tu ra de par tir de afo ris mos como “se está na cons ti tui ção (ou nalei) é para valer”, afir mar que “saúde é direi to de todos” e con cluir que oestado é res pon sá vel, não impor ta o valor envol vi do. cabe aqui repro du zir asagu das obser va ções de José reinaldo de lima lopes:

além disso, a pres ta ção do ser vi ço depen de da real exis tên cia dos meios:não exis tin do esco las, hos pi tais e ser vi do res capa zes e em núme ro sufi -cien te para pres tar o ser vi ço, o que fazer? Prestá-lo a quem tiver tido aopor tu ni da de e a sorte de obter uma deci são judi cial e aban do nar a imen -sa maio ria à fila de espe ra? seria isto viá vel de fato e de direi to, se o ser -vi ço públi co deve pau tar-se pela sua uni ver sa li da de, impes soa li da de epelo aten di men to a quem dele mais pre ci sar e cro no lo gi ca men te ante ce -der os outros? começam, pois, a sur gir difi cul da des enor mes quan do setrata de defen der com ins tru men tos indi vi duais um direi to social.48

Mais ainda, a con tra di ção bási ca a que pode mos che gar em mui tos des tescasos é a de con si de rar que o estado (encar na do no executivo para a

47 op. cit.48 loPes, José reinaldo de lima. “Direito subjetivo e Direitos sociais: o Dilema do Judiciário no

estado social de Direito”, in Direitos humanos, Direitos sociais e Justiça, org. José eduardo Faria.são Paulo: Malheiros, 1998, p. 131.

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maio ria dos lei gos) deve se res pon sa bi li zar por todos os pre juí zos, devecom por tar-se como uma agên cia segu ra do ra geral de cida dãos e ins ti tui -ções, enquan to fica impe di do de tomar pro vi dên cias no exer cí cio de seupoder de polí cia, ou mesmo na apro va ção de polí ti cas públi cas, pla ne jan -do a médio e longo prazo.49

também nos dis tan cia mos de posi cio na men tos como o de luís robertoBarroso e clèmerson Merlin clève, pelas razões já expos tas no capí tu lo 1:50

não há um cri té rio níti do de pas sa gem entre aqui lo que a lei pode e aqui lo deque a lei não pode dis por. o irrea li zá vel é algo que se põe perto do infi ni to,com uma zona de tran si ção para o rea li zá vel por demais longa e sujei ta a tan -tas abor da gens que pen sa mos ser de extre ma difi cul da de che gar a algu masolu ção fun da da no con sen so e não na auto ri da de.

Nos apro xi ma mos das posi ções de ricardo lobo torres e de robertalexy, da exi gi bi li da de do míni mo exis ten cial e da depen dên cia de polí ti caspúbli cas. contudo, com ela man te mos algu mas diver gên cias, como já demons -tra do ao final do capí tu lo ante rior.

sob o enfo que des ses auto res, have ria o míni mo exis tên cia, exi gí vel, e oque não está con ti do no míni mo exis ten cial, que não seria dire ta men te exi gí -vel. todavia, a deter mi na ção con cre ta do míni mo exis ten cial seria fugi dia evariá vel his tó ri ca e geo gra fi ca men te. haveria, por tan to, uma ampla zona detran si ção entre o míni mo exis ten cial e o “não-míni mo”. Pensamos que sejacor re ta a repre sen ta ção grá fi ca abai xo:

Mínimo existencial

o dégra dé repre sen ta a pro gres si va dimi nui ção do cará ter de míni moexis ten cial da pres ta ção alme ja da.

ora, sem dúvi das que, para a posi ção des ses auto res, perto do iní cio dareta acima a pres ta ção é exi gí vel, ao passo que na extre mi da de opos ta já não é.Mas como saber em que ponto se está? como asso ciar um resul ta do biná rio,exi gí vel x não-exi gí vel a um gra dua lis mo? o resul ta do desse con fron to nospare ce ser a aber tu ra de um enor me campo para o sub je ti vis mo, ou mesmopara o “achis mo”.

49 idem, p. 136.50 item 2.1.

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cabe ainda uma outra crí ti ca, que é a uni di men sio na li da de do enfo que,que vis lum bra ape nas o grau de essen cia li da de. a exi gi bi li da de não decor reape nas de carac te rís ti cas ônti cas da neces si da de, mas tam bém da excep cio na -li da de da situa ção con cre ta. um cata clis mo, natu ral ou social, pode momen ta -nea men te tor nar ine xi gí vel algo que pouco antes o era. Nos pare ce que estaposi ção acaba por não evi den ciar o con fli to ínsi to entre neces si da des e pos si -bi li da des.

em vis tas des sas diver gên cias, apre sen ta mos uma outra for mu la ção para opro ble ma. as pres ta ções posi ti vas são exi gí veis pelo cida dão, haven do dever doestado51 ou de entre gar a pres ta ção, atra vés de um dar ou fazer,52 ou de jus ti fi -car por que não o faz. esta jus ti fi ca ti va pode rá ser ape nas53 a exis tên cia de cir -cuns tân cias con cre tas que impe çam o aten di men to de todos que deman dampres ta ções essen ciais e, assim tor nam ine xo rá veis esco lhas trá gi cas, cons cien tesou não. estando pre sen tes cir cuns tân cias desse tipo, have rá espa ço para esco lhas,deven do o estado esta be le cer cri té rios de alo ca ção dos recur sos e con se quen te -men te, de aten di men to às deman das, o que tor na rá legí ti ma a não entre ga dapres ta ção deman da da para aque les que não estão enqua dra dos nos cri té rios.

esse enfo que pode ser repre sen ta do gra fi ca men te pela figu ra abai xo:

a curva come ça em um ponto ideal, que arbi tra ria men te cha ma mos de(1,1), em que há uma uni da de de medi da de essen cia li da de e uma uni da de deexcep cio na li da de, sendo que essas uni da des arbi trá rias só acei tam núme rosnatu rais. se não hou ver qual quer grau de essen cia li da de, então não temos umaesco lha trá gi ca e pro va vel men te nada deste tra ba lho será apli cá vel. se nãohou ver nenhu ma excep cio na li da de, aqui enten di da como razão para dei xar deaten der, então todos devem ser aten di dos e o dile ma alo ca ti vo não se porá.

o grau de essen cia li da de está liga do ao míni mo exis ten cial, à dig ni da deda pes soa huma na. Quão mais neces sá rio for o bem para a manu ten ção de uma

51 como já des ta ca mos antes, no item 3 do capí tu lo 4, neste tra ba lho não abor da mos os efei tos dosdirei tos fun da men tais nas rela ções entre par ti cu la res.

52 as obri ga ções de abs ter-se cor res pon dem às pre ten sões nega ti vas, como já antes expos to.53 e não ale ga ções vazias como dizer que a deci são é dis cri cio ná ria, com pon do o méri to do ato admi -

nis tra ti vo e, assim, insin di cá vel.

Grau de essencialidade

Gra

u de

exc

epci

onal

idad

e

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exis tên cia digna, maior será seu grau de essen cia li da de. Não empre ga mos aexpres são “míni mo exis ten cial” por que nos pare ce um tanto con tra di tó rioesta be le cer gra da ção do super la ti vo abso lu to sin té ti co de peque no.

veja-se que quan to mais essen cial for a pres ta ção, mais excep cio naldeve rá ser a razão para que ela não seja aten di da. a curva à direi ta do grá fi cotende ao infi ni to numa expo nen cial que ten de rá a atin gir uma exi gi bi li da detotal, salvo a ocor rên cia de uma excep cio na li da de abso lu ta.

caberá ao apli ca dor pon de rar essas duas variá veis, de modo que se aessen cia li da de for maior que a excep cio na li da de, a pres ta ção deve ser entre -gue, caso con trá rio, a esco lha esta tal será legí ti ma.

3.1. uma pos sí vel crí ti ca

uma pos sí vel crí ti ca ao posi cio na men to aqui defen di do pode ser a de queele vio la ria a sepa ra ção de pode res, reti ran do algo que seria pró prio do Judiciário.De que a sepa ra ção de pode res está envol vi da não resta dúvi da, inclu si ve comodes ta ca do por holmes e sunstein em tre cho repro du zi do no item 2, supra.

Quanto a reti rar algo que seja “pró prio” do Judiciário, é pos sí vel cons -truir uma argu men ta ção con sis ten te, lan çan do mão da noção de repre sen ta -ção argu men ta ti va do cida dão, uti li za da por robert alexy.54 há, tam bém,uma pas sa gem de luís roberto Barroso que ser vi ria de emba sa men to a con si -de rar que algo de “pró prio” do Judiciário esta ria sendo tira do:

os tri bu nais têm certa capa ci ta ção para lidar com ques tões de prin cí piosque o legislativo e o executivo não pos suem. Juízes têm, ou devem ter, adis po ni bi li da de, o trei na men to e o dis tan cia men to para seguir os cami nhosda sabe do ria e isen ção ao bus car os fins públi cos. isto é cru cial quan do setrata de deter mi nar os valo res per ma nen tes de uma socie da de. este dis tan -cia men to e o mis té rio mara vi lho so do tempo dão aos tri bu nais a capa ci da -de de recor rer aos melho res sen ti men tos huma nos, cap tar as melho resaspi ra ções, que podem ser esque ci dos nos momen tos de gran de cla mor.55

a crí ti ca, toda via, não colhe, pois como já demons tra do no item 3 docapí tu lo ante rior e suas sub di vi sões, não há um cri té rio único que possa bali -

54 aleXY, robert. “Direitos Fundamentais no estado constitucional Democrático”. revista deDireito administrativo, 217: 66, 1999.

55 Bic Kel, alexander M. the least dan ge rous branch, 1986, pp. 25-6, apud Bar ro so, luísroberto. interpretação e aplicação da constituição. são Paulo: saraiva, 1996, p. 157.

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zar todas as deci sões alo ca ti vas. Não há como, pela razão, extrair um padrão,uma regra que sirva para a solu ção dos con fli tos por recur sos escas sos.havendo vários cri té rios e pro ce di men tos a serem esco lhi dos e com bi na dos, aesco lha ganha cará ter niti da men te polí ti co e, enquan to tal, deve pas sar pelocrivo polí ti co, com o Judiciário guar dan do-se para o con tro le não do con teú -do, mas da forma e de even tuais exces sos.

Quanto à pos sí vel vio la ção à sepa ra ção de pode res, pare ce ser crí ti ca quetem ori gem no mode lo fran cês56 de sepa ra ção de pode res, enquan to, a nossover, tal mode lo não é o ado ta do no Brasil, onde a ins pi ra ção cons ti tu cio nal,desde a carta de 1891, é o mode lo ame ri ca no.

Para tanto, tal vez seja con ve nien te traçar a dife ren cia ção entre os mode -los, para, com isto, fir mar que con quan to possa soar inu si ta do, a sepa ra ção dostrês pode res har mô ni cos e inde pen den tes é, na ver da de, um mode lo de freiose con tra pe sos, de mútua depen dên cia.

em inte res san te estu do com pa ra do sobre a dou tri na da sepa ra ção depode res e o con tro le judi cial dos atos admi nis tra ti vos na França, e nos estadosunidos, armin uhler57 mos tra que embo ra na monar quia abso lu ta, como naFrança pré-revo lu cio ná ria, todos os pode res este jam con cen tra dos no monar -ca, a com ple xi da de das tare fas deman da va uma divi são de tra ba lho. assim, emmea dos do sécu lo Xviii o gover no na França esta va inves ti do na pes soa do reie era exer ci do por ele nomi nal men te atra vés de seu con se lho e seus inten -dants, com a coo pe ra ção dos par le ments. Na ver da de, estes pas sa ram a entrarem com pe ti ção com a coroa. o rei gover na va atra vés do conseil du roi, englo -ban do qua tro prin ci pais e dis tin tos con seils e inten dants, a quem eram dele -ga dos pode res prin ci pal men te para admi nis tra ção das finan ças reais e tri bu ta -ção. Por outro lado, uma par ce la con si de rá vel da auto ri da de gover na men tal,soma da com poder polí ti co, res ta va aos par le ments. além de pode res judi ciais,os par le ments arvo ra ram a si e exer ci ta ram impor tan tes pode res admi nis tra ti -vos e legis la ti vos.

inicialmente o rei exer ci ta va o poder de jul gar pes soal men te, com a ajudade seu con se lho, o mesmo que o asses so ra va em ques tões de estado. oParlement de Paris se des ta cou como corpo inde pen den te desse con se lho, sur -gin do pos te rior men te par la men tos pro vin ciais por toda a França. em tese taiscor tes con ti nua vam a dever suas auto ri da des à coroa, que pode ria revo gar asdele ga ções e exer ci tar o poder pes soal men te. todavia, com o tempo esses cor -

56 Não fala mos aqui da situa ção atual da sepa ra ção de pode res na França, mas do mode lo sur gi doapós a revolução.

57 uhler, armin. review of administrative acts. ann arbor: the university of Michigan Press,1942.

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pos judi ciais come ça ram a exer ci tar certa inde pen dên cia e, até, a usar influên -cia para obs truir a admi nis tra ção cen tral. as ins tân cias judi ciais – os par le -ments e tri bu nais infe rio res – tor na ram-se venais e here di tá rios ao longo dotempo. com o cres ci men to cons tan te das neces si da de do tesou ro real, a vendade pos tos tor nou-se fonte subs tan cial de recei ta, em detri men to óbvio dasobe ra nia real. Paralelamente, os juízes de então se viam com pe li dos a “ven -der Justiça” para reem bol sar o inves ti men to.58 tais fatos não pas sa ram desa -per ce bi dos da lide ran ça revo lu cio ná ria, que, lan çan do mão das ideias deMontesquieu, rees cre veu a legis la ção de 1789.59

a dou tri na da sepa ra ção de pode res na França car re ga duas face tas. eladeno ta, pri mei ro, o divór cio entre legis la ti vo e exe cu ti vo, comu men te cha ma -da de sépa ra tion des pou voir. Denota ainda a dis tri bui ção das fun ções judi ciaise admi nis tra ti vas em órgãos dis tin tos. este últi mo aspec to da dou tri na é usual -men te cha ma do la sépa ra tion des auto ri tés admi nis tra ti ve et judi ciai re ou,ainda, sépa ra tion des auto ri tés.60

No início, antes que os tri bu nais admi nis tra ti vos pas sas sem a exis tir, aproi bi ção quan to à inter fe rên cia das cor tes judi ciais resul tou em ser a hie rar -quia admi nis tra ti va juíza em causa pró pria. os cida dãos depen diam intei ra -men te das diver sas ins tân cias admi nis tra ti vas para ouvir seus recla mos. até1849, o conseil d’État61 – que é iden ti fi ca do como o “judi ciá rio daadministração” – era ape nas um órgão con sul ti vo do chefe do executivo.segundo uhler, “[the chief exe cu ti ve], on the theory of jus ti ce rete nue, retai -ned power finally to deci de all admi nis tra ti ve con tro ver sies in 1849 the prin -ci ple of jus ti ce délé guée was adop ted with the crea tion of an admi nis tra ti vecourt (sec tion du con ten tieux) within the conseil d’État with final and exclu -si ve juris dic tion in admi nis tra ti ve mat ters. still later; in 1852, due to chan gingpoli ti cal for tu nes, the “court” once more lost its inde pen den ce, jus ti ce rete nue

58 op. cit., p. 10.59 a seção iii, art. 7, da lei constitucional de 22 de dezem bro de 1789 afir ma va que as admi nis tra -

ções depar ta men tais e dis tri tais não seriam impe di das no exer ci do de suas fun ções por qual querato do Poder Judiciário. o título ii, art. 13, da lei constitucional de 16-24 de agos to de 1790 afir -ma va que as fun ções judi ciais são dis tin tas e devem per ma ne cer sepa ra das das fun ções admi nis -tra ti vas. os juízes não podem, sob pena de pre va ri ca ção, inter fe rir de qual quer modo com as ati -vi da des das agên cias admi nis tra ti vas; tam pou co devem pro ces sar fun cio ná rios admi nis tra ti vos aconta de seus atos ofi ciais (apud uhler, op. cit., p. 13, trad. livre do inglês).

60 Ber thÉ leMY, h. traité élé men tai re de droit admi nis tra tif, Paris, 1933, pp. 9 e ss. e pp. 20 e ss.,apud uhler, op. cit., p. 12, trad. livre.

61 Para uma des cri ção deta lha do do conseil d’État e outros tri bu nais admi nis tra ti vos, cf. uhler,op. cit., pp. 16-18, apên di ce.

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was res to red, and admi nis tra ti ve jus ti ce once more had its nomi nal sour ce inthe chief exe cu ti ve”.62

somente com a pro mul ga ção da lei de 24 de maio de 1872 o conseil d’É-tat foi defi ni ti va men te esta be le ci do como tri bu nal admi nis tra ti vo, com a ple -ni tu de dos pode res deci só rios dele ga da a si. a corte teve con fe ri da juris di çãoori gi ná ria e recur sal, nos casos deci di dos pelos conseils de pré fec tu re e outrostri bu nais admi nis tra ti vos infe rio res.63

idêntica é a ana li se do Prof. Bernard schwatz, para quem “a his tó riacons ti tu cio nal anglo ame ri ca na era mar ca da por ten ta ti vas da legis la tu ra e dostri bu nais de res trin gir exces sos do executivo. a teo ria cons ti tu cio nal fran ce -sa, por seu lado, foi influen cia da pela memó ria das cons tan tes obs tru ções aoexecutivo pelos Parlements, os tri bu nais de direi to cos tu mei ro no anciénregime (...) o que expli ca a pro fun da des con fian ça dos cons ti tuin tes fran ce sesquan to à ati vi da de judi cial”.64

o mesmo exame pare ce ser feito por parte pró pria dou tri na fran ce sa. Nalição de Michel troper:

la plu part des auteurs recon nais sent qu’en con fiant à l’administration lacon nais san ce des liti ges admi nis tra tifs, les légis la teurs de la révolutionont mécon nu le prin ci pe de la spé cia li sa tion, ins tau ré un régi me de con -fu sion des fonc tions, et fait l’administration à la fois juge et parti. c’estce qu’exprime e. laferrière quand il écrit: «la natuer et la forme desdéci sions sont les mêmes, qu’elles soient ren dues d’office, ou sur la récla -ma tion des par ties inté res sées; elles se con fon dent tou tes dans une notion uni que, celle de l’autorité hié rar chi que.»65 Dramard es enco replus affir ma tif: «Pour sépa rer le pou voir judi ciai re de l’administrationacti ve, pour se con for mer au prin ci pe sous l’égide duquel entend se pla -cer l’administration, il faut que les juges des matiè res admi nis tra ti vesres tent com plè te ment dans ce rôle de juges et qu’ils soient iden ti ques àceux du droit com mun...»; ce sont les abus des Parlements de l’ancienrégime qui, sous la révolution, « eurent pour effet dóbs cur cir la vue des

62 op. cit., pp. 14-15. No mesmo sen ti do, veja-se veDel, Georges e Del vol vÉ, Pierre. Droitadministratif, tomo i, Paris: PuF, 1992, 12ª ed., pp. 98-108.

63 cf. veDel, op. cit., p. 105.64 a common lawyer looks at Droit administratif, 29 can B. var. 121, 126 (1951), apud vaN -

Der Bilt, arthur t. the Doctrine of the separation of Powers and its Present-Day significance.the university of Nebraska Press, 1953, p. 19.

65 traité de la juris dic tion admi nis tra ti ve, pp. 187-188, segun do nota do ori gi nal cita do abai xo.

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légis la teurs et de leur faire coire à la néces si té d’une excep tion à la sépa -ra tion des pou voirs».66-67

o mode lo ame ri ca no de freios e con tra pe sos volta-se menos para a sepa -ra ção de fun ções em órgãos dis tin tos do que para uma con cep ção quase quenew to nia na de equi lí brio, como bem demons tra a larga expe riên cia ame ri ca -na com agên cias regu la do ras, per ten cen tes ao executivo, mas com lar gospode res legis la ti vos.

afir mar, por tan to, que “jul gar é pró prio do Judiciário”, com o sen ti do deque este deva sem pre impor suas con cep ções sobre as dos demais pode res, éestar mais liga do a uma “acep ção lapi dar” de sepa ra ção de pode res do quesobre o seu con teú do his tó ri co e teó ri co.

4. exemplos do mode lo de atua ção judi cial

o mode lo de con tro le do dis cur so, de con tro le das esco lhas alo ca ti vasfei tas pelos demais entes não cons ti tui uma “novi da de abso lu ta”, haven doexem plos na expe riên cia ame ri ca na e alemã.

a circuit court of columbia, ao apre ciar o caso competitive enterpriseinstitute and consumer alert v. National highway traffic safetyadministration68 deter mi nou que a agên cia esta tal recon si de ras se a regu la -men ta ção expe di da, rela ti va a padrões de con su mo de com bus tí vel, por des -con si de rar os pos sí veis efei tos adver sos des ses padrões e tam bém por não daruma fun da men ta ção para sua esco lha.69

a agên cia esta tal ini ciou con sul tas públi cas após a deci são e, ao final,man te ve a mesma regu la men ta ção antes ques tio na da. a mesma enti da deauto ra na outra ação ingres sou com uma nova deman da judi cial, mas dessa veza circuit court of columbia veri fi cou que a Nhtsa havia con si de ra do todas

66 «De la séparation des pou voirs et de la juris dic tion admi nis tra ti ve», in revue pra ti que de Droitfran çais, 1873, t. XXXv, pp. 432-444.

67 tro Per, Michel. la séparation des pou voirs et l’histoire cons ti tu tion nel le fran çai se, Paris, 1973,pp. 48/49. as duas notas acima são as notas 15 e 16 do texto.

68 956 F.2d 321.69 “When the govern ment regu la tes in a way that pri ces many of its citi zens out of access to large-

car safety, it owes them rea so na ble can dor. if it pro vi des that, the affec ted citi zens at least knowthat the govern ment has faced up to the mea ning of its choi ce. the requi re ment of rea so neddeci sion ma king ensu res this result and pre vents offi cials from cowe ring behind bureau cra ticmumbo-jumbo. accordingly, we order Nhtsa to recon si der the mat ter and pro vi de a genui neexpla na tion for wha te ver choi ce it ulti ma tely makes” (cit., p. 326).

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as variá veis em jogo e toma do uma deci são pon de ra da, pelo que, a ação foi jul -ga da impro ce den te.70

vê-se, aqui, que o Judiciário não fez qual quer con tro le obje ti vo danorma, mas um con tro le do pro ce di men to lógi co, da busca pelas variá veis emjogo e a con si de ra ção das mes mas.

Na expe riên cia alemã há vários pre ce den tes nos quais a corteconstitucional efe tuou o con tro le de deci sões alo ca ti vas, quan do, ao visardefen der um inte res se, outros foram sacri fi ca dos sem uma “justa pon de ra ção”.isto nos pare ce claro na decla ra ção de incons ti tu cio na li da de da lei de pro te -ção de ani mais que proi bia o trans por te des tes sob o sis te ma de reem bol so pos -tal, na deci são quan to à legi ti mi da de de lei do estado da Baviera que con di cio -na va a ins ta la ção de novas far má cias a uma espe cial per mis são da auto ri da deadmi nis tra ti va ou no caso Kassenzahnarzt-urteil, no qual se dis cu tiu a legi ti -mi da de de norma que esta be le cia um pro ces so de admis são, com nume rusclau sus, para os den ti stas das cai xas de assis tên cia, o que equi va le ria, pra ti ca -men te, a uma proi bi ção de exer cí cio pro fis sio nal.71

Nesses exem plos, temos o con tro le abs tra to dos padrões, não um con tro -le caso-a-caso e, ainda, uma gran de defe rên cia aos demais entes esta tais.

70 concluiu aque la corte: “the hNtsa has iden ti fied suf fi cient sup port in the record for its deci -sion not to amend the MY 1990 caFe stan dard. the manu fac tu rers did not assert in their com -ments to the agency on remand that they would imple ment any design or pro duct mix chan gesif the Nhtsa amen ded the MY 1990 caFe stan dard and there is no hard evi den ce in the recordthat the MY 1990 caFe stan dard cau sed any manu fac tu rer to price any con su mers out of themar ket for lar ger, safer cars. the peti tion for review is the re fo re denied” (a deci são foi obti da noende re ço http://www.ll.geor ge town.edu/Fed-ct/cadc.html).

71 todos os exem plos são extraí dos de arti go de Gilmar Ferreira Mendes. como não tive mos outrafonte quan to a este ponto espe cí fi co, faze mos a remis são dire ta ao tra ba lho ori gi nal, que é de fácilobten ção: MeN Des, Gilmar Ferreira. “controle de constitucionalidade: hermenêuticaconstitucional e revisão de Fatos e Prognoses legislativas pelo Órgão Judicial”, in DireitosFundamentais e controle de constitucionalidade. são Paulo: instituto Brasileiro de Direitoconstitucional, 1998, pp. 469 e ss.

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conclusões

1) a pala vra “direi to” tem diver sas acep ções, o que torna mui tas vezesequí vo co seu empre go.

2) os direi tos fun da men tais têm natu re za jurí di ca pró pria, incon fun -dí vel com as cate go rias mol da das à luz do direi to pri va do. Não sãoeles meras regras de estru tu ra nem meros valo res jurí di cos, poisinves tem o par ti cu lar em uma série de prer ro ga ti vas, legi ti man do-o a exi gir dadas con du tas esta tais. são eles a posi ti va ção dos direi toshuma nos, não per den do a natu re za de direi tos morais.

3) os direi tos fun da men tais, na esfe ra par ti cu lar ver sus estado, con ce -dem ao pri mei ro pre ten sões vol ta das a abs ten ções esta tais (pre ten -sões nega ti vas) e a pres ta ções esta tais (pres ta ções posi ti vas). ummesmo direi to gera pre ten sões de ambos os tipos.

4) o aten di men to às pre ten sões posi ti vas deman da o con su mo derecur sos mate riais que são intrin se ca men te escas sos. surge, assim, ocon fli to pelo empre go de recur sos escas sos, o que torna neces sá ria adeci são sobre alo ca ção des ses recur sos.

5) as deci sões alo ca ti vas com por tam vários momen tos e há váriosmeca nis mos de esco lha, não haven do um cri té rio único que per mi -ta apre ciar cada caso con cre to. as deci sões são, por tan to, emi nen -te men te polí ti cas.

6) ante a dimen são dos con fli tos e seus refle xos (os recur sos con su mi -dos no tra ta men to do cân cer não apro vei tam ao tuber cu lo so), nãocabe ao Judiciário fazer o con tro le fato-norma, mas sim con tro lar asesco lhas fei tas pelos demais Poderes.

7) Na alo ca ção de recur sos, é neces sá rio levar em con si de ra ção o fatode ser a socie da de plu ra lis ta, com diver sos valo res, inte res ses e, emcon se quên cia, múl ti plas neces si da des a serem aten di das, e, prin ci -pal men te, o grau de essen cia li da de da pre ten são fren te a situa ção demomen to.

8) o Judiciário, ao apre ciar deman das indi vi duais ou cole ti vas rela ti -vas a pre ten sões posi ti vas, deve pon de rar o grau de essen cia li da deda pre ten são, em fun ção do míni mo exis ten cial e a excep cio na li da -de da situa ção, que possa jus ti fi car a deci são alo ca ti va toma da peloestado que tenha resul ta do no não-aten di men to da pre ten são.

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Post scrip tum:vol tan do ao tema, quase dez anos depois

sumário: 1. introdução; 2. a posição dos tribunais superiores; 3. há acórdãos em con-trário nos estados; 4. a Doutrina nacional; 5. crítica; 6. a escassez e os custos médicos;6.1. o trade-off envolvido; 6.2. em síntese; 7. Premissas metodológicas; 7.1. a aplicaçãodo direito; 7.2. o consequencialismo; 8. robert alexy; 9. como escolher os direitos emum cenário de escassez (ou quais critérios jurídicos para lidar com a escassez de recur-sos e as decisões trágicas); 9.1. resgatando o orçamento; 10. a título de conclusão.

1. introdução

Passados quase dez anos da ela bo ra ção do estu do que resul tou no livroDireito, escassez & escolha e já esgo ta da a pri mei ra edi ção, volto ao tema, coma deman da de alguns bons ami gos que, creio, tor na ram a obra rele van te a par -tir da lei tu ra e do uso que fize ram.

retomar um tema tanto tempo depois é tare fa difí cil. a mesma obra cer -ta men te não seria escri ta hoje. Não que as con clu sões sejam outras. Na essên -cia, a visão atual é rigo ro sa men te a mesma da pri mei ra edi ção. contudo, algu -mas das pre mis sas muda ram, ou melhor, novas pre mis sas toma ram vulto, redu -zin do, na visão atual do autor, a rele vân cia de outros pon tos antes des ta ca dos.

Mais que isto, a lite ra tu ra jurí di ca bra si lei ra sobre o tema evo luiu muito.Basta dizer que a pri mei ra edi ção de a eficácia dos Direitos Fundamentais, deingo sarlet, cer ta men te obra mais impor tan te sobre o tema na lite ra tu ranacio nal neste iní cio de sécu lo, é de 1998, pouco ante rior ao tér mi no da ela -bo ra ção da dis ser ta ção de mes tra do que ori gi nou Direito, escassez & escolha.Para com ple tar, no iní cio deste ano de 2009 surge um novo clás si co do tema,o Direito ao Mínimo existencial, de ricardo lobo torres.

o ponto espe cí fi co da escas sez de recur sos como limi te ou con di cio nan -te da inter pre ta ção, apli ca ção ou efi cá cia dos direi tos fun da men tais, nota da -men te a saúde,1 apa ren te men te não era tra ta do até então e depois pas sou aser obje to de vários tra ba lhos, seja para enfa ti zá-la,2 seja para refu tá-la.3

1 a ques tão da escas sez de recur sos não se res trin ge à saúde, mas se apli ca a todas as pre ten sõesposi ti vas extraí das dos direi tos fun da men tais. a saúde, con tu do, é um “bom labo ra tó rio” para tes -tar a ques tão da escas sez fren te às situa ções extre mas que traz.

2 e. g. Galdino, 2005.3 e. g. Krell, 2002.

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enfrentar o tema nova men te exi gi ria a revi são biblio grá fi ca des sas obras,além de outras tan tas, adian te alu di das, que exer cem forte influên cia sobre aabor da gem que o autor, se fosse ini ciar a obra do zero, faria.

todavia, não se trata de “come çar do zero” e sim tra zer à luz umanova edi ção de uma obra que foi bem mais longe do que seu autor pode riaima gi nar. Fazer todas estas adap ta ções no corpo do texto resul ta ria, aofinal, em obra diver sa, cuja ela bo ra ção deman da ria muito mais tempo doque o dis po ní vel.

assim, dei xa mos a obra tal como na edi ção ante rior, salvo peque nos ajus -tes e cor re ções. em sepa ra do, ela bo ra mos um post scrip tum no qual o tema éabor da do a par tir da visão atual.

2. a posi ção dos tribunais superiores

Muito embo ra o tema do for ne ci men to de medi ca men tos este ja sendoobje to de audiên cias públi cas no stF, com vis tas a uma deci são em regi me dereper cus são geral, a par tir do lea ding case, o re 566.471, até agora há, nostribunais superiores, firme orien ta ção juris pru den cial segun do a qual oDireito à vida é um direi to supe rior, que não pode ser con tras ta do com ques -tões meno res como as finan ças públi cas e o orça men to.

Wang (2006), em tra ba lho apre sen ta do na Xi conferência internacionalda associação latino-americana e caribe de Direito e economia, traz ótimolevan ta men to da juris pru dên cia do stF acer ca de escas sez de recur sos, cus tosdos direi tos e reser va do pos sí vel. Por ser estu do dis po ní vel na rede mun dialde com pu ta do res,4 reme te mos o lei tor para seu texto.

como ali bem demons tra do, quan do estão em apre cia ção pedi dos de for -ne cer medi ca men tos, tra ta men to médi co ou aces so a cre ches, a escas sez derecur sos e a reser va do pos sí vel são tra zi das à baila em pou cos votos e, aindaassim, para des car tá-las do qua dro dos argu men tos a serem con si de ra dos, apli -can do uma visão radi cal de jus ti ça, na linha do fiat jus ti tia, pereat mun dus,como apon ta elster (1992, p. 189).5 Wang bem des ta ca:

4 http://repo si to ries.cdlib.org/cgi/view con tent.cgi?arti cle=1074&con text=bple. 5 elster, divi de as teo rias da jus ti ça em teo rias radi cais e intui cio nis tas, as radi cais par tem de “pri -

mei ros prin cí pios” e, então, apli cam-nos a casos con cre tos sem se impor tar com as con se quên ciascon cre tas. “Fiat jus ti tia et pereat mun dus – let jus ti ce be done, even should the world perish”. Jáas teo rias rela ti vas seriam mais relu tan tes em avan çar con tra jul ga men tos intui ti vos sobre o queseria justo em dadas cir cuns tân cias, tendo pouca fé no poder da razão para legis lar em abs tra to,bem como demons tran do mais res pei to quan to a visões rela ti vas a situa ções con cre tas. concluipor dizer que “an accep ta ble theory of jus ti ce must con form with our strong intui tion about

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este tipo de deci são igno ra as suas pró prias con se qüên cias dis tri bu ti vas,de deci são de alo ca ção de recur sos, pois deci de que alguns ganha rão sempen sar em quem per de rá. afinal, se os recur sos são escas sos, nada quecusta dinhei ro pode ser abso lu to. Portanto, tra tar estes direi tos como sefos sem abso lu tos é deci dir usan do uma dog má ti ca jurí di ca que faz usoape nas das regras jurí di cas e esque ce da rea li da de.(2006, p. 24)

todavia, como mos tra Wang, ao exa mi nar pedi dos de inter ven ção fede -ral, mesmo que para paga men to de pre ca tó rios ali men ta res, res sal va das asposi ções dos Ministros Marco aurélio, carlos Britto e alguns votos do Min.ilmar Galvão, os demais não ape nas levam em con si de ra ção a escas sez derecur sos em seus votos como tam bém fazem dela um dos prin ci pais argu men -tos da fun da men ta ção, mesmo argu men to que, nou tros casos, não é con si de -ra do como apto a con si de ra ção.

em sede de sus pen são de segu ran ça, limi nar ou ante ci pa ção de tute la ostF vem, em casos de ações cole ti vas e pres ta ções que não pare cem envol verdire ta e ime dia ta men te ris cos de morte, con si de ran do os limi tes orça men tá -rios. Foi assim, por exem plo, na suspensão de tutela antecipada (sta) 185-2,em que foi sus pen sa deci são em ação civil públi ca que deter mi na va à uniãoque tomas se todas as medi das neces sá rias para que fos sem rea li za das cirur giasde mudan ça de sexo pre vis tas na resolução nº 1.652/2002 do conselhoFederal de Medicina, bem como edi tas se ato nor ma ti vo pre ven do a inclu sãodes ses pro ce di men tos cirúr gi cos na tabe la de pro ce di men tos remu ne ra dospelo sus (tabela sih/sus), nas suspensões de segurança 3263, 3350 e 3322foram sus pen sas deci sões que asse gu ra vam o for ne ci men to de medi ca men tosque não cons ta vam da lista do Ministério da saúde para pacien tes aco me ti dasde pro ble mas de infer ti li da de femi ni na asso cia da à ano vu la ção. em outroscasos, em que pare ce estar em ques tão enfer mi da de que pode evo luir para oóbito ou con di ções físi cas degra dan tes, a Presidência do stF vem defe rin do asus pen são ape nas para afas tar a impo si ção de multa diá ria, como na sta 287,que envol via “a con tra ta ção tem po rá ria e emer gen cial de seten ta e cinco pro -fis sio nais de saúde, para pres tar ser vi ços na uni da de de transplante de MedulaÓssea” e “o apor te dos recur sos finan cei ros sufi cien tes à rea li za ção de con cur -so públi co para o pro vi men to defi ni ti vo dos refe ri dos casos”.

what is fair and just in par ti cu lar cases. only when intui tion is weak or vacil la ting, can the theory be allo wed to arbi tra te.”

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examinando alguns jul ga dos que nos pare ce ram mais sig ni fi ca ti vos,vemos que o Min. celso de Mello, no agravo regimental no recurso extraor -dinário 393.175-0,6 afir ma:

tal como pude enfa ti zar em deci são por mim pro fe ri da no exer cí cio daPresidência do supremo tribunal Federal, em con tex to asse me lha do aoda pre sen te causa (Pet 1.246/sc), entre pro te ger a invio la bi li da de dodirei to à vida e à saúde, que se qua li fi ca como direi to sub je ti vo ina lie ná -vel asse gu ra do a todos pela pró pria constituição da república (art. 5º,“caput” e art. 196), ou fazer pre va le cer, con tra essa prer ro ga ti va fun da -men tal, um inte res se finan cei ro e secun dá rio do estado, enten do – umavez con fi gu ra do esse dile ma – que razões de ordem ético-jurí di ca impõem ao jul ga dor uma só e pos sí vel opção: aque la que pri vi le gia o res -pei to inde cli ná vel à vida e à saúde huma nas.

De modo simi lar, o Min. eros Grau, no agravo regimental na recla ma -ção nº 3034,7 afir mou que o fato de o cre dor públi co, via pre ca tó rio, estar aco -me ti do de molés tia grave tor na va a situa ção excep cio nal, não valen do para elaa regra dos pre ca tó rios. Nas pala vras de sua excelência:

2. o seqües tro foi defe ri do em razão da doen ça grave e incu rá vel daagra van te, não de que bra da ordem cro no ló gi ca de paga men tos. adeci são impug na da deter mi na o seqües tro de bens do estado daParaíba, para qui ta ção de pre ca tó rio resul tan te de ação de cobran çamovi da pela agra van te em des fa vor do estado-mem bro, tendo porfun da men to as con di ções crí ti cas de saúde da agra van te e a “notí ciade que o trt –22ª região já defe riu plei to nas mes mas cir cuns tân -cias” [fl. 100].

3. em opor tu ni da de ante rior afir mei serem três, e ape nas três, assitua ções nas quais a ec 30/00 admi te o seqües tro:

[....]4. o supremo enten de, de modo uni for me, que cabe o seqües tro uni -

ca men te se hou ver pre te ri ção ao direi to de pre fe rên cia, o que nãose veri fi cou no caso des tes autos. [....].

6 stF – 2ª turma. agte. estado do rio Grande do sul, agdos. luiz Marcelo Dias e outros Brasília,12.dez.2006. No mesmo sen ti do: re-agr 271286 / rs, stF – 2ª turma, 12.set.2000, agte. Muni -cípio de Porto alegre, agdos. eduardo von Mühlen e outros.

7 stF-Pleno. agte: estado da Paraíba. agdo. Pres. do trib. de Justiça da Paraíba. Decisão unâ ni me.Brasília, 21.set.2006.

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5. Daí por que, até para ser coe ren te com o que tenho rei te ra da men teafir ma do neste Plenário, eu have ria de votar no sen ti do de dar pro -vi men to ao agra vo. ocorre, no entan to, que a situa ção de fato deque nes tes autos se cuida con subs tan cia uma exce ção. com efei to,esta mos dian te de uma situa ção sin gu lar, exce ção, e, como obser vacarl schMitt, as nor mas só valem para as situa ções nor mais. anor ma li da de da situa ção que pres su põem é um ele men to bási co doseu “valer”. [....]

6. o esta do de exce ção é uma zona de indi fe ren ça entre o caos e oesta do da nor ma li da de, uma zona de indi fe ren ça cap tu ra da pelanorma. De sorte que não é a exce ção que se sub trai à norma, masela que, sus pen den do-se, dá lugar à exce ção – ape nas desse modoela se cons ti tui como regra, man ten do-se em rela ção com a exce ção.a esta corte, sem pre que neces sá rio, incum be deci dir regu lan dotam bém essas situa ções de exce ção. ao fazê-lo, não se afas ta doorde na men to, eis que apli ca a norma à exce ção desa pli can do-a, istoé, reti ran do-a da exce ção.

cabe notar que o fato “ser cre dor do Poder Público, via pre ca tó rio” écomum, tal vez extre ma men te comum, não só por que são diver sas as lidesenvol ven do a administração Pública, nos três níveis – o que gera ano a anoum núme ro con si de rá vel de pre ca tó rios –, mas tam bém por que há um gran -de acú mu lo de pre ca tó rios de anos ante rio res não pagos. ante o uni ver so depes soas físi cas envol vi das, pare ce razoá vel assu mir, mesmo que sem com pro -va ção, que há um núme ro elevado de pes soas aco me ti das de molés tias gra vese que são cre do res de algum ente da admi nis tra ção públi ca fede ral, esta dual,dis tri tal ou muni ci pal.

Muito embo ra uma lei tu ra pouco aten ta do voto possa suge rir que setrata de uma situa ção excep cio nal, não qua li fi ca da pela regra dos pre ca tó riosno enten di men to do stF-Pleno, este não nos pare ce ser o sen ti do.

como bem des ta ca Maccormick (2006, p. 127), às vezes é pos sí vel jus ti -fi car deci sões jurí di cas por meio de argu men tos dedu ti vos cujas pre mis sassejam nor mas váli das de direi to e pro po si ções de fatos com pro va dos. há situa -ções, con tu do, em que esgo ta mos as nor mas sem que esgo te mos a neces si da dede deci sões jurí di cas, seja por que as nor mas não são cla ras, seja por que a cor -re ta clas si fi ca ção dos fatos per ti nen tes é ques tio ná vel. Neste caso é pre ci souma jus ti fi ca ção de segun da ordem, qual seja, criar uma deli be ra ção “‘univer-sal’ ou ‘ genérica’, muito embo ra a pró pria dis pu ta entre as par tes e seus fatos

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sejam irre du ti vel men te indi vi duais e par ti cu la res, como deve(m) ser a ordemou ordens emi ti da(s) para essas par tes com o intui to de encer rar a dis pu ta”.

certamente o caso acima não é daque les cuja solu ção seja obti da pelasub sun ção a uma norma expres sa e pré via, em silo gis mo sim ples. Parecemais acer ta do enten der que no feito acima refe ri do o stF-Pleno, ou aomenos o voto do Min. eros Grau, afir mou exis tir8 um coman do no orde na -men to jurí di co pelo qual em situa ções em que o cre dor de pre ca tó rio este -ja aco me ti do de molés tia grave seu paga men to não pre ci sa rá aguar dar aordem dos pre ca tó rios, e o apli cou ao caso em con cre to. É claro que o con -cei to de “aco me ti do por molés tia grave” é aber to e que tal vez seja pos sí velacres cen tar uma res tri ção no enun cia do, qual seja, que a pron ta libe ra çãodo paga men to seja neces sá ria e útil no com ba te à molés tia. todavia, o pontorele van te para este tra ba lho é a supe rio ri da de, não prima facie, mas abso lu -ta, do “direi to à vida”.9

Neste mesmo sen ti do vem deci din do o stJ, tanto pela pri mei ra quan topela segun da turma. confira-se, exem pli fi ca ti va men te:

Processual civil. Meios de coer ção ao deve dor (cPc, arts. 273, § 3º, e 461,§ 5º). Fornecimento de medi ca men tos pelo estado. Bloqueio de ver baspúbli cas. conflito entre a urgên cia na aqui si ção do medi ca men to e o sis -te ma de paga men to das con de na ções judi ciais pela fazen da. Prevalênciada essen cia li da de do direi to à saúde sobre os inte res ses finan cei ros doestado. recurso espe cial a que se dá pro vi men to.10

Pro ces so civil e aDMi Nis tra ti vo. recur so esPe cial. cus -teio De MeDi ca MeN to. Direi to À viDa e À saÚDe. Blo -Queio De valo res eM coN tas PÚBli cas. Pos si Bi li Da De.art. 461, § 5º, Do cPc.1. a constituição Federal excep cio nou da exi gên cia do pre ca tó rio os cré -di tos de natu re za ali men tí cia, entre os quais se incluem aque les rela cio -na dos à garan tia da manu ten ção da vida, como os decor ren tes do for ne -ci men to de medi ca men tos pelo estado.

8 ou, mais pre ci sa men te, criou, sem que isto possa ser toma do como algo pejo ra ti vo. como se lêem Ávila, a cons tru ção da norma jurí di ca com preen de tanto a ela bo ra ção legis la ti va quan to acria ção para o caso con cre to pelo apli ca dor (2003, pp. 23-24).

9 cabe des ta car que as aspas aqui e alhu res em “direi to à vida” não pre ten de deno tar nenhu ma iro -nia ou menos pre zo, mas ape nas para indi car que a expres são não é uti li za da como um con cei to,mas como uma alu são à ple to ra de sen ti dos e efi cá cias que lhe são atri buí das.

10 stJ, 1ª turma. recurso especial n.º 933.563 – rs, rel. Min. teori albino zavascki, unâ ni me.Brasília, 05.jun.2007.

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2. É líci to ao magis tra do deter mi nar o blo queio de valo res em con taspúbli cas para garan tir o cus teio de tra ta men to médi co indis pen sá vel,como meio de con cre ti zar o prin cí pio da dig ni da de da pes soa huma na edo direi to à vida e à saúde. Nessas situa ções, a norma con ti da no art. 461,§ 5º, do código de Processo civil deve ser inter pre ta da de acor do comesses prin cí pios e nor mas cons ti tu cio nais, sendo per mi ti da, inclu si ve, amiti ga ção da impe nho ra bi li da de dos bens públi cos.3. recurso espe cial pro vi do.11

o stJ se ali nha ao stF não ape nas na efi cá cia desse direi to, mas tam bémna (in)deli mi ta ção de seu con teú do. como res tou afir ma do no recursoespecial nº 904443:12

3. os arts. 196 e 227 da cF/88 ini bem a omis são do ente públi co(união, estados, Distrito Federal e Municípios) em garan tir o efe ti -vo tra ta men to médi co a pes soa neces si ta da, inclu si ve com o for ne ci -men to, se neces sá rio, de medi ca men tos de forma gra tui ta para o tra -ta men to, cuja medi da, no caso dos autos, impõe-se de modo ime dia -to, em face da urgên cia e con se qüên cias que pos sa acar re tar a não-rea li za ção.

os acór dãos acima, bem como os demais de ambas as cortes, apon -tam para uma com preen são do “direi to à vida” como amplo, não pas sí -vel de limi ta ção quan to ao con teú do, como na esti pu la ção de tra ta men -tos- padrão,13 seja quan to à efi cá cia, como à sub mis são ao regi me de pre -ca tó rios.

11 stJ, 2ª turma. recurso especial n.º 893792 / rs, rel. Min. João otávio de Noronha, unâ ni me.Brasília, 17.abr.2007.

12 stJ, 1.ª turma. rel. Min. José Delgado, unâ ni me. Brasília, 13.fev.2007.13 Neste sen ti do vale tam bém trans cre ver tre cho do voto do Min. Joaquim Barbosa no ai

507072/MG:6. ademais, con so li dou-se a juris pru dên cia desta corte no sen ti do de que o estado não pode fur -tar-se do dever de pro pi ciar os meios neces sá rios ao gozo do direi to à saúde por todos os cida dãos.se uma pes soa neces si ta, para garan tir o seu direi to à vida, de medi ca men to que não este ja na listadaque les ofe re ci dos gra tui ta men te pelas far má cias públi cas, é dever soli dá rio da união, do esta doe do muni cí pio for ne cê-lo. Nesse sen ti do, ai 396.973 (rel. min. celso de Mello, DJ 30.04.2003),re 297.276 (rel. min. cezar Peluso, DJ 17.11.2004) e ai 468.961 (rel. min. celso de Mello, DJ05.05.2004). o acór dão não diver giu desse enten di men to.

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3. há acór dãos em con trá rio nos estados

Nada obs tan te, há tri bu nais, como o de Minas Gerais, que vêm enten -den do a ques tão de modo diver so. a 1ª turma cível daque le tribunal,14 noPro ces so 1.072.05.232550-4/001(1), rel. Des. armando Freire, afir mou nofinal da emen ta que:

não se pode reco nhe cer, em sede de man da do de segu ran ça, direi to líqui -do e certo opo ní vel con tra o ente muni ci pal, a fim de deter mi ná-lo a cus -tear, por prazo inde ter mi na do, apli ca ções da vaci na anti-tumo ral deno -mi na da ‘hybricell’, de alto custo e ainda em fase expe ri men tal, que ésupos ta men te des ti na da à esta bi li za ção nos casos de mela no ma, mor -men te em se con si de ran do as reais limi ta ções orça men tá rias muni ci paise a sis te má ti ca de aten di men to aos cida dãos defi ni da em pro gra ma nacio -nal de saúde, esta be le ci do segun do pos si bi li da des, prio ri da des e essen cia -li da des em con tex to comu ni tá rio.

indo mais a fundo na dire ção opos ta àque la que cons ta nos pre ce den -tes dos tribunais superiores, a 22ª câmara cível do tJrs, em acór dãosrela ta dos pela Desembargadora Maria isabel de azevedo souza, vem afir -man do que

a pres ta ção do ser vi ço de saúde está subor di na da à dis po ni bi li da de dosser vi ços den tro do sistema Único de saúde, segun do o fluxo pré-esta be -le ci do pelo órgão ges tor. a pres ta ção ime dia ta do ser vi ço por ordem judi -cial sem con si de ra ção da orde na ção esta be le ci da admi nis tra ti va men teimpor ta na que bra da garan tia cons ti tu cio nal a todos do aces so uni ver sale igua li tá rio aos ser vi ços.15

14 Julgado em 26.set.2006. Não se trata de deci são iso la da. em con sul ta ao sítio do tJMG é pos sí velencon trar vários pre ce den tes em sen ti dos simi la res, muito embo ra alguns tenham por fun da men -to apa ren te a sepa ra ção de pode res, no sen ti do de que “a com pe tên cia para deci dir sobre a alo -ca ção des ses recur sos cabe exclu si va men te ao Poder legislativo, sem pos si bi li da de de inge rên ciado Judiciário, por res pei to aos prin cí pios cons ti tu cio nais da demo cra cia e da sepa ra ção dos pode -res” (proc. nº 1.0000.06.443869-0/000(1), 2º Grupo de câmaras cíveis, jul ga do em 02.maio.2007,maio ria).

15 apelação cível 70020722500, julg. em 27.set.2007, unâ ni me. o mesmo pará gra fo cons ta naemen ta da apelação cível 70028998623 em 16.abr.2009. o resp. 1.032.222, inter pos to con tra opri mei ro acór dão, teve o segui men to nega do mono cra ti ca men te pelo Min. luiz Fux ao argu men -to de que a ques tão fora deci dida com base em fun da men tos cons ti tu cio nais.

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4. a Doutrina nacio nal

Parte da dou tri na nacio nal16 pre ten de ver os cha ma dos direi tos sociaisem geral como direi to sub je ti vo, cuja natu re za aber ta da for mu la ção naconstituição pode ser com ple ta da ou col ma ta da pelo Judiciário, inde pen den -te men te de media ção legis la ti va. isto decor re ria da con ju ga ção do § 1º do arti -go 5º da constituição com o inci so XXXv do mesmo arti go.17

esta visão leva alguns a defen der que na falta de recur sos para aten der atodos, “a res pos ta coe ren te na base da prin ci pio lo gia da carta de 1988 seria:tra tar todos! e se os recur sos não são sufi cien tes, deve-se reti rá-los de outrasáreas (trans por te, fomen to, ser vi ço de dívi da) onde sua apli ca ção não está inti -ma men te liga da aos direi tos mais essen ciais do homem: sua vida, inte gri da defísi ca e saúde” (Krell, 2002, p. 53).

como demons tra do adian te, tais posi ções nos pare cem insus ten tá veis.Bem mais acer ta da nos pare ce a posi ção de sarlet (2007) e torres (2009).sarlet, depois de afir mar que “negar que ape nas se pode bus car algo onde

este algo exis te e des con si de rar que o Direito não tem o con dão de – qualtoque de Midas – gerar recur sos mate riais para sua rea li za ção fáti ca, sig ni fi ca,de certa forma, fechar os olhos para os limi tes do real”, reco nhe ce que mesmoem caso de sufi cien te deter mi na ção do con teú do da pres ta ção em nível cons -ti tu cio nal, disto não resul ta ria afas ta men to abso lu to da bar rei ra fáti ca dareser va do pos sí vel (2007, p. 372). a seu ver, sem pre que esti ver em jogo ovalor maior da vida e da dig ni da de da pes soa huma na, ou que “da aná li se dosbens cons ti tu cio nais coli den tes (fun da men tais, ou não) resul tar a pre va lên ciado direi to social pres ta cio nal”, será pos sí vel sus ten tar que, na esfe ra de um padrão míni mo exis ten cial, deve ser reco nhe ci do um direi to sub je ti vo a pres -ta ções. onde o míni mo é ultra pas sa do, have ria ape nas um direi to sub je ti voprima facie. reconhece o autor, entre tan to, que “se impõe uma rela ti vi za çãoda noção de direi to sub je ti vo”. afirma ainda sarlet que o míni mo exis ten cial“não pode rá ser redu zi do ao nível de um mero míni mo vital, ou, em outraspala vras, a uma estri ta garan tia da sobre vi vên cia físi ca”, mas não deli mi ta seuscon tor nos para além desse “míni mo do míni mo” (2007, pp. 374-376).

16 Neste sen ti do, Mello (1981, pp. 144-5); Grau (1997, pp. 311-315); assis (1990); Fioranelli Jr.(1994) e ruschel (1993).

17 cF/88, art. 5º [...]. XXXv – a lei não exclui rá da apre cia ção do Poder Judiciário lesão ou amea çaa direi to. [...] § 1º - as nor mas defi ni do ras dos direi tos e garan tias fun da men tais têm apli ca çãoime dia ta.

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sarlet faz tam bém impor tan te cone xão entre a reser va do pos sí vel e oprin cí pio da sub si dia rie da de para extrair uma pri ma zia da autor res pon sa bi li -da de, que impli ca para o indi ví duo o dever de zelar pelo seu pró prio sus ten toe o de sua famí lia (2007, p. 383). com isto o autor deixa aber ta a pos si bi li da dede se pon de rar, em caso de deman da de pres ta ções posi ti vas, não ape nas aessen cia li da de da pres ta ção, mas a capa ci da de de obtê-la dire ta men te oudaque les que com põem sua famí lia.18 aberta esta pon de ra ção, fica evi den te arela ti vi za ção do con cei to de “direi to sub je ti vo” empre ga do fren te ao para dig -ma clás si co da teoria Geral do Direito civil.

torres cen tra seu exame sobre o míni mo exis ten cial, que cons ti tui o con -teú do essen cial dos direi tos fun da men tais – da liber da de e sociais – e, assim, éregra e não valor ou prin cí pio jurí di co (2009, pp. 83-85).

embora seja regra e direi to abso lu to, o “míni mo do míni mo exis ten cial”pode sofrer limi ta ções fáti cas que podem com pro me ter o seu exer cí cio emcasos extre mos, afir ma torres.19

Destaca o autor que nem todo con teú do essen cial dos direi tos fun da men -tais se incor po ra ao míni mo exis ten cial, pois é neces sá rio que este ja pre sen tea nota espe cí fi ca do direi to à exis tên cia digna.

torres dis tin gue entre a reser va do orça men to e a reser va do pos sí vel. areser va do orça men to con sis ti ria na neces si da de de serem res pei ta das, peloJudiciário, as regras do direi to orça men tá rio. “se, por absur do, não hou verdota ção orça men tá ria, a aber tu ra de cré di tos adi cio nais cabe aos pode res polí -ti cos (administração e legislativo), e não ao Judiciário, que ape nas reco nhe cea intan gi bi li da de do míni mo exis ten cial e deter mi na aos demais pode res a prá -ti ca dos atos orça men tá rios cabí veis” (tor res, 2009, p. 96). Já a reser va dopos sí vel é expres são cunha da pelo tribunal constitucional da alemanha aoapre ciar ques tão rela ti va a vagas em facul da de de medi ci na para estu dan teshabi li ta dos, mas não clas si fi ca dos. afirma torres que se trata de “um con cei -to heu rís ti co apli cá vel aos direi tos sociais, que na alemanha não se con si de -ram direi tos fun da men tais”, equi va len do a reser va demo crá ti ca, no sen ti do deque sua legi ti mi da de decor re da con ces são dis cri cio ná ria em lei. a reser va do

18 cf. cF, arts. 226, 227 e 230, nota da men te o caput de cada um des ses arti gos.19 afirma o autor: “em casos de extre ma injus ti ça ou inse gu ran ça decor ren tes de sub ver são da

ordem públi ca, de guer ra e de cala mi da des públi cas ocor rem ofen sas à vida e à dig ni da de huma -na que não podem ser evi ta das pelo estado e nem geram a sua res pon sa bi li da de civil, pois não éele um segu ra dor uni ver sal” (tor res, 2009, p. 115).torres des ta ca, no entan to, que no Brasil a constituição esta be le ceu hipó te se de res pon sa bi li da -de obje ti va do estado, da qual o stF já extraiu dever de pro ver segu ran ça.

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pos sí vel não é apli cá vel ao míni mo exis ten cial, que se vin cu la à reser va orça -men tá ria (p. 105).

Prossegue o autor afir man do que a “reser va do pos sí vel” per deu seu sen -ti do ori gi ná rio ao che gar ao Brasil, tendo sido cria da uma “reser va do pos sí velfáti ca” em con tras te com a “reser va do orça men to”, que seria jurí di ca, levan -do ao extra va sa men to do campo de apli ca ção para o míni mo exis ten cial.assevera torres:

No Brasil, por tan to [a reser va do pos sí vel], pas sou a ser reser va fáti ca, ouseja, pos si bi li da de de adju di ca ção de direi tos pres ta cio nais se hou ver dis -po ni bi li da de finan cei ra, que pode com preen der a exis tên cia de dinhei rosonan te na caixa do tesouro, ainda que des ti na do a outras dota ções orça -men tá rias! como o dinhei ro públi co é ines go tá vel, pois o estado sem prepode extrair mais recur sos da socie da de, segue-se que há per ma nen te -men te a pos si bi li da de fáti ca de garan tia de direi tos, inclu si ve na via doseqües tro da renda públi ca! em outras pala vras, fati ca men te é impos sí vela tal reser va do pos sí vel fáti ca! (2009, p. 110).

5. crítica

como já anun cia do acima, des con si de rar a escas sez, seja pela com bi na -ção do § 1º com o inci so XXXv, ambos do arti go 5º da constituição, seja porqual quer argu men to, nos pare ce insus ten tá vel.

Maccormick (2007, pp. 63-67) e alexy (2007, pp. 333-335) bem apon -tam que seria inu si ta do e mesmo uma con tra di ção em ter mos ima gi nar que olegis la dor apro ve uma lei tendo a cons ciên cia de ser ela injus ta e imo ral.20

20 isto não sig ni fi ca, em abso lu to, uma pre sun ção de mora li da de da lei, mas sim orien ta ção para queinter pre ta ção e apli ca ção sejam fei tas con for me a mora li da de. Maccormick afir ma que con quan -to a defi ni ção do que seja justo este ja aber ta a gran des con tro vér sias, divi din do pes soas em cam -pos polí ti cos opos tos, pro cla mar publi ca men te a manu ten ção ou maxi mi za ção da injus ti ça comoa essên cia da lei é algo insus ten tá vel (p. 66). alexy des ta ca que a pre ten são de cor re ção (“claim tocor rect ness”), embo ra tenha uma ver ten te sub je ti va, tem tam bém um aspec to obje ti vo, vin cu la -do ao papel do agen te no sis te ma jurí di co, vin cu lan do tam bém o jul ga dor. No ori gi nal: “in con -trast to this, a claim [to cor rect ness] is rai sed objec ti vely if ever yo ne who per forms an act-in-lawor sub mits a legal argu ment neces sa rily has to raise the claim, whe ther he wants to do so or not.the objec ti ve claim is not a pri va te mat ter, rather, it is neces sa rily con nec ted to the role of a par -ti ci pant in the legal system. it could also be desig na ted as ‘ official’, using the term in a broadsense. the objec ti ve or offi cial cha rac ter beco mes most evi dent in the case of a judge who rai sesthe claim to cor rect ness qua repre sen ta ti ve of the legal system, but is pre sent even in the case ofa citi zen who addres ses publicly the issue of what the law demands” (pp. 334-335). a visão obje-

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esta pre mis sa de inter pre ta ção é apli cá vel não ape nas à legis la ção, mastam bém à constituição. o ponto em ques tão não é a inten ção sub je ti va de umima gi ná rio e irreal “legis la dor”,21 mas a con di cio nan te de par ti ci pa ção dos ato -res no cená rio jurí di co, como bem des ta ca alexy no tre cho cita do. tem-se, por -tan to, um ele men to da inter pre ta ção exter no ao texto, que deve ser obser va do.

a noção de jus ti ça e mora li da de, qual quer que seja, deve levar em contanão ape nas um catá lo go de “boas inten ções”, aspi ra ções legí ti mas ou uto piasdis tan tes, mas sim os resul ta dos con cre tos que se pode ante ver para o sen ti do.ademais, as solu ções jus tas para o caso devem ter por subs tra to a enun cia çãode nor mas com um míni mo de gene ra li da de e um nível ao menos ade qua dode não con tra di ção.

Pretender que haja direi tos cuja efe ti va ção con cre ta depen da de recur sosfini tos a des pei to da dis po ni bi li da de dos recur sos, não nos pare ce aten der atais requi si tos.

Dizer “que todos sejam aten di dos” é dis cur so legí ti mo no campo dos ato -res sociais. todavia, quan do tais pes soas estão inves ti das na qua li da de de ato -res jurí di cos, mor men te esta tais, e se está pre sen te um qua dro de falta de ele -men tos obje ti vos para o aten di men to,22 nos pare ce mis ter apon tar a ori gemdos meios e os cri té rios de esco lha.

o resul ta do desta visão tem sido tor nar o Judiciário o alo ca dor de recur -sos públi cos no campo de remé dios,23 tor nar a com pra emer gen cial e sem lici -ta ção roti na e, ao final, não haver um cri té rio de medi ção dos resul ta dos. seráque mais vidas foram sal vas com o pro vi men to judi cial sendo cri té rio majo ri -tá rio de alo ca ção de recur sos na saúde? ou será que o “custo” medi do em vidas

ti va de legis la do res e jul ga do res como agen tes morais está expres sa tam bém por Maccormick(“[...] since the law must be pre su med to have been deve lo ped by jud ges and legis la tors who arethem sel ves moral agents”, 2008, p. 187).

21 Maccormick, em outro tra ba lho, des ta ca as difi cul da des que o uso da figu ra de um “legis la dor”dota do de von ta de pró xi ma a de um ser indi vi dual traz. afirma o autor: “Kant pres cre ve nossamanei ra de agir como se fôs se mos legis la do res uni ver sais ou a con fir mar uma norma apli cá vel atodos. Mas não somos e há gran des difi cul da des em con cei tuar a atua ção desse legis la dor ideal”(2008, pp. 64-65, tra du ção livre. No ori gi nal: “Kant pres cri bes our acting as though we were uni -ver sal legis la tors making or con fir ming a law for every body. But we are not, and there are greatdif fi cul ties in con cep tua li zing the acti vity of this ideal law-maker.”). ainda acer ca da difi cul da -de do uso da figu ra do “legis la dor”, veja-se adian te o item 7 deste post scrip tum.

22 e. g., falta dinhei ro, fal tam fun cio ná rios, fal tam remé dios, fal tam órgãos para trans plan te, fal tamins ta la ções ade qua das, fal tam pes soas com a qua li fi ca ção neces sá ria que quei ram tra ba lhar pelaremu ne ra ção ofe re ci da pelo ente públi co, fal tam par ti cu la res que quei ram pres tar os ser vi ços pelatabe la de valo res paga pelo ente Público.

23 segundo notí cia vei cu la da na edi ção de 16.ago.2007 do jor nal valor econômico, 50% do orça -men to da secretaria de saúde do estado do rio Grande do sul é con su mi do na aqui si ção de remé -dios deter mi na da por deci sões judi ciais.

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dos “finan cia do res ocul tos” das deci sões alo ca ti vas toma das nas lides, aque lesque dei xa ram de rece ber o órgão, dei xa ram de ter aces so à polí ti ca públi ca queseria desen vol vi da com a verba rea lo ca da é mais ele va do que o bene fí cio?

Dizer que o estado tem ver bas nem sem pre bem empre ga das, mui tasvezes con su mi das com frau des é cons ta ta ção feita a par tir do noti ciá rio dosjor nais que, d.m.v., tem o mesmo valor jurí di co do que dizer, tam bém a par -tir de notí cias de jor nal, que há máfias por trás da “indús tria de limi na res demedi ca men to”: nenhum. isto pode ter empre go em dis cur sos pan fle tá rios, emdis cur so de jus ti fi ca ção de deci sões cujo fun da men to é outro, tal vez não expli -ci ta do, numa linha de rea lis mo jurí di co pela qual o magis tra do deci de por suacon vic ção e cria um pálio de jus ti fi ca ção. tal como não se acaba com infla çãopor decre to, não é por limi nar ou sen ten ça que se con se gue reti rar do “des vão”a verba mal empre ga da ou des via da e se pres ti gia os fins públi cos. Nelsonrodrigues disse certa vez que “o sub de sen vol vi men to não se impro vi sa”. opro ces so civi li za tó rio e a supe ra ção do patri mo nia lis mo tam bém não.

tem-se no Brasil um con jun to bem desen vol vi do de medi das de defe sada vida quan do a amea ça pode ser com ba ti da com medi ca men tos. Mas infe liz -men te, tal vez por que o fim é ine xo rá vel, há diver sas outras amea ças à vida quenão com por tam defe sa far ma co ló gi ca, mas sim por polí ti cas públi cas. Nestescam pos a imple men ta ção, jurí di ca e judi cial, não se tem obser va do. violênciaurba na, aten di men to em hos pi tais, caos aéreo. Nestes pon tos a inter ven ção doDireito e do Judiciário tem se mos tra do tími da e de pouco efei to con cre to.

No campo far ma co ló gi co, há um ponto que mere ce aten ção em espe cial.existe uma gama de remé dios novos, cujo desen vol vi men to exi giu ele va dosinves ti men tos em pes qui sa, que apa ren tam ele var o para dig ma de tra ta men toa padrões muito mais avan ça dos do que até então, mas cujo custo é muito ele -va do. a revis ta Época, em sua edi ção de 02 de maio de 2005 trou xe uma rela -ção exem pli fi ca ti va, da qual extraí mos o erbitux, cujo custo men sal para opacien te seria de 17 mil dóla res.

outro exem plo muito inte res san te tra zi do por outro perió di co está nocorreio Brasiliense de 14.ago.2003, ver são ele trô ni ca.24 surge a situa ção demilha res de pes soas que não con se guiam mar car exa mes de eco car dio gra ma,que na rede pri va da cus ta ria entre r$ 150 e r$ 170, mas só 250 con se gui ramser aten di das. Na mesma pági na, apa re ce outra situa ção, a de uma apo sen ta daque obte ve do conselho especial do tJDFt ordem para que a secretaria desaúde do DF for ne ces se o medi ca men to herceptim 440mg, que não cons ta na

24 http://www2.cor reio web.com.br/cw/eDi cao_20030814/pri_cid_140803_105.htm. acesso em26.out.2006.

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lista ofi cial de remé dios de alto custo do sistema Único de saúde (sus).segundo a repor ta gem, cada ampo la custa r$ 6 mil.

Mais uma notí cia inte res san te foi divul ga da na pági na de notí cias do stJem 18.set.2006, infor man do que fora nega da limi nar para sus pen der deci sãoque obri ga va um plano de saúde a cus tear um spa para uma segu ra da obesa, aocusto de uma diá ria de r$ 1 mil, mais todos os medi ca men tos e exa mes neces -sá rios.25

Para além de medi ca men tos, o conselho regional de Medicina do estadodo rio de Janeiro come çou, há alguns anos, cam pa nha “o médi co vale muito”.em pro pa gan das para a tele vi são dis po ní veis tam bém na inter net26 a cam pa -nha mos tra núme ro de feri dos a bala, falta de res pi ra dor, víti mas de aci den tesde trân si to, falta de macas e médi cos.

todos esses fato res são aptos, em si, a cau sar o even to morte. Nenhumdeles, con tu do, con se gue ser reme dia do por deci sões judi ciais. Bem ao con trá -rio, deci sões que pare cem tra zer sub ja cen te o racio nal de que o fim “aten derao pacien te-autor-da-ação-que-eu tenho-que-apre ciar” jus ti fi ca o uso de qual -quer meio – rup tu ra das regras orça men tá rias, dos requi si tos de pla ne ja men -to, ava lia ção e esco lhas téc ni cas, com pras por lici ta ção – cer ta men te agra vama rea li da de do setor.

Mesmo a que bra de paten tes, vista por alguns como pana ceia, envol veques tões mais com ple xas e escon de outro con fli to alo ca ti vo. Marques (2005)afir ma que em 2003 o total inves ti do em pes qui sa e desen vol vi men to de medi -ca men tos, em ter mos mun diais, alcan çou 36 bilhões de dóla res (p. 73). essaspes qui sas foram vol ta das para o desen vol vi men to de novos medi ca men tospara quem pode pagar. afirma Marques, no mesmo tre cho, que segun do oFórum Global da saúde, somen te 10% dos vul tuo sos recur sos finan cei ros, pri -va dos e de gover nos, des ti na dos à pes qui sa em saúde como um todo, são dedi -ca dos às con di ções que res pon dem por 90% da carga glo bal da doen ça e queape nas 0,2% são des ti na dos a con di ções que cor res pon dem a 18% no qua droda mor ta li da de mun dial por todas as enfer mi da des.

25 Pode-se obje tar que o caso acima não seria per ti nen te ao tema, pois a deci são, fun da men ta da emques tões pro ces suais, tinha ao fundo rei vin di ca ção fun da da na cha ma da efi cá cia hori zon tal dosdirei tos fun da men tais. todavia, é pre ci so notar que essa efi cá cia decor re do efei to de irra dia çãodo direi to fun da men tal (BÖc KeN FÖr De, , 1993, pp. 110 e ss.) e de sua visão mais como direi toobje ti vo ou sta tus, que vin cu lam além do estado o pró prio cida dão, crian do em para le lo ao tempode direi tos um tempo de deve res (zaGre BelsKY, 2008, cap. 4). Portanto, o con teú do mate rialextraí do na rela ção hori zon tal – tra ta men to de obe si da de mór bi da em sPa ao custo diá rio de r$1mil – é tam bém invo cá vel peran te o estado.

26 <http://www.quan to va leo me di co.com.br>. acesso em 24.abr.2009.

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Parcela sig ni fi ca ti va desse mon tan te vem de recur sos pri va dos, de inves -ti men tos, que bus cam retor no nas ven das futu ras sufi cien te não ape nas parapagar os cus tos de pro du ção, mas tam bém a pes qui sa bem-suce di da, as pes qui -sas malsuce di das, tudo isto em taxas de retor no com pa tí veis com o tempo e orisco envol vi dos.27

a even tual esco lha públi ca pelo for ne ci men to via que bra de paten tes nãoé um “almo ço grá tis”, não ape nas por que mas ca ra a ausên cia de esco lhas orça -men tá rias na pes qui sa de tra ta men tos para as cha ma das doen ças negli cen cia -das,28 mas tam bém traz risco para a con ti nui da de do ciclo de desen vol vi men -to tec no ló gi co, expres são de apa rên cia tec no crá ti ca que sig ni fi ca, nestecampo, o não-inves ti men to em novas pes qui sas, a não-des co ber ta de novosmedi ca men tos e tera pias e o não-tra ta men to de pes soas que se pode ria suportitu la res do mesmo direi to daque las que leva ram à que bra ini cial do ciclo. há,pois, um con fli to entre pre ten sões de mesma natu re za entre gera ções, entreaque les da gera ção pre sen te que podem usu fruir de um padrão por conta dolega do das gera ções ante rio res, e aque les das gera ções pre sen te e futu ras, quepre ci sam ter garan ti do tanto o pro gres so quan to mesmo o não-retro ces so, poiso pata mar atin gi do ainda não é sufi cien te para as suas neces si da des.

haverá um direi to-ao-tra ta men to-a-qual quer-custo? será que núme rospre ce di dos pelo cifrão ($) são cober tos por aná te ma no exame do “direi to àvida”? eficiência – no sen ti do de con si de rar cus tos e deci sões alo ca ti vas queper mi tam fazer mais por menos – é estran gei ris mo no idio ma dos direi tos fun -da men tais?

6. a escassez e os cus tos médi cos29

Dizer que um bem é escas so sig ni fi ca que não há o sufi cien te para satis -fa zer a todos. a escas sez pode ser, em maior ou menor grau, natu ral, quase-natu ral, ou arti fi cial. a escas sez natu ral seve ra apa re ce quan do não há nada

27 a des pei to de haver quem possa aqui ver a com pa ra ção des pro por cio nal entre o valor supre mo“vida huma na” e inte res ses mera men te ganan cio sos, pen sa mos que o dinhei ro não tem cará ter.Quem o tem são as pes soas. o vil metal pode estar a ser vi ço de fun dos sobe ra nos de per ver sasdita du ras coman da das em regi me per so na lis ta, pode estar a ser vi ço de mag na tas, pode estar tam -bém a ser vi ço de fun dos de pen são, para garan tir bene fí cios pre vi den ciá rios de pes soas liga das aofundo, pode estar a ser vi ço do pou pa dor médio, que apli ca em um fundo de inves ti men tos queadqui re cotas de outro fundo e este inves te na pes qui sa. Pode estar a ser vi ço de todos ao mesmotempo. ou pode ainda estar a ser vi ço de fins bene me ren tes, pois fruto de doa ções, de filan tro piae de finan cia men to públi co a fundo per di do.

28 cf. Marques (2005, pp. 69-79).29 Fazemos aqui uma reca pi tu la ção de alguns pon tos já expos tos nos capí tu los ante rio res.

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que alguém possa fazer para aumen tar a ofer ta. a escas sez natu ral suave ocor -re quan do não há nada que se possa fazer para aumen tar a ofer ta a ponto deaten der a todos. as reser vas de petró leo são um exem plo, a dis po ni bi li za çãode órgãos de cadá ve res para trans plan te é outro. a escas sez quase-natu ralocor re quan do a ofer ta pode ser aumen ta da, tal vez a ponto da satis fa ção, ape -nas por con du tas não coa ti vas dos cida dãos. a ofer ta de crian ças para ado çãoe de esper ma para inse mi na ção arti fi cial são exem plos. a escas sez arti fi cialsurge nas hipó te ses em que o gover no pode, se assim deci dir, tor nar o bemaces sí vel a todos, a ponto da satis fa ção. a dis pen sa do ser vi ço mili tar e a ofer -ta de vagas em jar dim de infân cia são exem plos (els ter, 1992, pp. 21-22).

além da escas sez pro pria men te dita, outras duas variá veis tra zem impor tan -tes ques tões quan to à alo ca ção de recur sos: a divi si bi li da de e a homo ge nei da de dobem a ser alo ca do. como bem exem pli fi ca elster (cit., pp. 23-24), o bem pode nãoser escas so, mas hete ro gê neo em aspec to rele van te na ava lia ção de quem irá rece -bê-lo. Quando o congresso indi ca mem bros para um comi tê, empre sas alo camsalas para empre ga dos ou uni ver si da des dis tri buem estu dan tes nos dor mi tó rios,con fli tos de inte res se sur gem com fre quên cia. No campo médi co, a sobre car ga dehos pi tais maio res e a subu ti li za ção de pos tos de saúde é um exem plo. o bem podeser escas so, indi vi sí vel e homo gê neo, como os bens de con su mo durá veis. o bempode ser escas so, indi vi sí vel e hete ro gê neo, como rins, cora ções e pul mões paratrans plan te. o bem pode ser tam bém escas so, divi sí vel e homo gê neo, como água,ener gia e a maio ria dos bens de con su mo. Por últi mo, o bem pode ser escas so, divi -sí vel inde fi ni da men te, mas hete ro gê neo, como a terra.

escassez, divi si bi li da de e homo ge nei da de dos meios mate riais30 desa fiama visão igua li tá ria31 do tra ta men to igual para todos. o pos tu la do igua li tá rio deofe re cer tudo a todos, como na França, onde há a admis são uni ver sal no jar -dim de infân cia, pode levar a um custo infac tí vel, se, por exem plo, forem exi -gi dos os padrões norue gue ses de rela ção pro fes sor e área por crian ça (els ter,1992, p. 71).32 Dilema simi lar pode mos ver no Brasil, onde há um sis te ma

30 estamos usan do aqui indis tin ta men te as expres sões “bens”, “meios mate riais”, “recur sos” pararefe rir àque les ele men tos físi cos neces sá rios para o aten di men to de deman das posi ti vas, ou aodinhei ro neces sá rio à obten ção des ses ele men tos, como equi va len te-geral. o empre go de “bens”deve-se à tra du ção da pala vra ingle sa goods, já que, no con tex to, nos pare ceu mais apro pria do doque “mer ca do rias”. conquanto possa haver nuan ças entre as expres sões, as empre ga mos aquiindis tin ta men te.

31 “igualitarismo” é outra expres são impre ci sa, geran do pos tu la ções anta gô ni cas. confira-se, sobreigua li ta ris mo, sua equi vo ci da de e alo ca ção de bens (lalaN De, 1996, ver be te “igual da de” eoPPe NheiM, 1999, ver be te “igualdade”, esp. itens ii-X.

32 complementa o autor dizen do que a razão ofi cial para os padrões norue gue ses é que qual quercoisa abai xo deles seria ina cei tá vel, mas a expli ca ção real é a pres são de pro fes so res e pais que jágaran ti ram vaga para seus filhos.

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públi co de edu ca ção que se expan de para che gar à uni ver sa li da de, mas com padrão infe rior ao neces sá rio para dar aos alu nos igual da de de opor tu ni da des,mas há tam bém, em para le lo, ilhas de exce lên cia no ensi no públi co, como, norio de Janeiro, os colé gios de apli ca ção da uerJ e da uFrJ, o colé gio mili tare o colé gio naval e, ainda, o colégio Pedro ii. todos são cus tea dos com recur -sos públi cos, mas ofe re cem padrões de ensi no bem mais ele va dos que as demais esco las públi cas e a ofer ta de vagas segue padrão dís par das demais.

“a ques tão da escas sez se põe de manei ra espe cial no aces so à saúde.algumas pes soas podem pen sar que quan do a saúde e a vida estão em jogo,qual quer refe rên cia a custo é repug nan te, ou até imo ral. Mas o aumen to docusto com tra ta men to tor nou essa posi ção insus ten tá vel” (aaroN & schWartz , 1984, p. 81, trad. livre). além da ques tão finan cei ra, há recur -sos não finan cei ros, como órgãos, pes soal espe cia li za do e equi pa men tos, quesão escas sos em com pa ra ção com as neces si da des. como bem des ta ca Kilner:

há hoje um mito, de que paí ses prós pe ros como os estados unidos nãopre ci sam se preo cu par com o pro ble ma da sele ção de pacien tes, já que hárecur sos sufi cien tes para todos. há até quem acre di te que essa sufi ciên ciase esten de mundo afora. esse mito é menos que meia ver da de. a ver da denele con ti da é que há recur sos finan cei ros para eli mi nar mui tas das escas -se zes de hoje. serão esses recur sos tor na dos dis po ní veis para satis fa zer asneces si da des médi cas de todos? infelizmente, isto não é pro vá vel, mesmonos estados unidos. outros recur sos não finan cei ros, como órgãos paratrans plan te, são escas sos em rela ção às neces si da des. Novas escas se zes,ade mais, são ine ren tes ao pro gres so da tec no lo gia. em outras pala vras,cri té rios de sele ção de pacien tes são deses pe ra do ra men te neces sá rios hojeem todos os luga res e con ti nua rão a sê-lo no futu ro33 (1990, p. 3).

Prossegue o mesmo autor, demons tran do que o desen vol vi men to de dro -gas que com ba tem a rejei ção de órgãos vem fazen do dos trans plan tes uma opção

33 tradução livre. No ori gi nal:a popu lar myth today holds that a pros pe rous country like the united states need not worryabout the pro blem of patient selec tion since there are resour ces suf fi cient for all. some maybelie ve even that this suf fi ciency extends throug hout the world. this myth is less than a halftruth. the truth in it is that the finan cial resour ces exist to eli mi na te many of today’s scar ci ties.Will such resour ces be made avai la ble to meet the medi cal needs of all? unfortunately, such adeve lop ment is not likely, even within the united states. other non fi nan cial resour ces likeorgan trans plants are also scar ce rela ti ve to need. New scar ci ties, moreo ver, are inhe rent in themarch of tech no logy. in other words, patient selec tion cri te ria are des pe ra tely nee ded every - whe re today and will con ti nue to be so in the futu re.

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tera pêu ti ca viá vel para mais pacien tes. em face da melho ra nos índi ces de êxito,mais médi cos indi cam o trans plan te, exau rin do os recur sos físi cos e huma nosexis ten tes para tanto. o mesmo ocor re, segun do Kilner (pp. 8-9), com as uti’s,cujo desen vol vi men to leva a uma expan são das indi ca ções médi cas de inter na -ção além dos níveis reco men dá veis por uma polí ti ca de con ten ção de cus tos.

aaron e schwartz (1984, p. 80) tocam tam bém em outro aspec to mui tasvezes não men cio na do: a ética médi ca. a ética médi ca proí be tra ta men tos queten dam a resul ta dos peri go sos, mas requer dos médi cos que pres cre vam qual -quer ação, não impor ta o custo, da qual se espe re resul tar em ajuda ao pacien -te. Destacam esses auto res:

o sis te ma de paga men to por uma ter cei ra parte, que domi na o reem bol -so hos pi ta lar nos estados unidos, enco ra ja sejam pro vi dos à maio ria dospacien tes todos os tra ta men tos que pro me tam tra zer algum bene fí cio,não obs tan te seu custo. a maior parte dos pacien tes norte-ame ri ca nosnão arca com as con se quên cias finan cei ras da maio ria dos pro ce di men -tos hos pi ta la res. a maio ria dos médi cos norte-ame ri ca nos ganha mais aopro ver cui da dos adi cio nais e a ética médi ca proí be ape nas tra ta men tosque pre ju di quem o pacien te, não os que sejam injus ti fi ca vel men te caros.os admi nis tra do res hos pi ta la res bus cam equi pa men tos de qua li da de ele -va da o bas tan te a satis fa zer as metas de suas equi pes. assim, o aten di -men to nos estados unidos cos tu ma ser pró xi mo daque le que pode ria serpro vi do se o custo não fosse obje to de con si de ra ção e o bene fí cio dopacien te fosse o único parâ me tro34 (p. 7).

um pouco mais adian te, no mesmo tra ba lho, esses auto res levan tam umainte res san te inda ga ção sobre a liber da de médi ca, cujos refle xos para o con teú -do do “direi to” à saúde pare cem ser evi den tes:

em segun do lugar, pode a liber da de médi ca sobre vi ver em um ambien tede limi te orça men tá rio? os médi cos defen dem zelo sa men te a liber da de

34 tradução livre. No ori gi nal:the system of third-party pay ment that domi na tes hos pi tal reim bur se ment in the united statesencou ra ges the pro vi sion to most patients of all care that pro mi ses to yield bene fits regar dless ofcost. Most american patients are insu la ted from the finan cial con se quen ces of most hos pi tal epi -so des. Most american physi cians gain finan cially from pro vi ding addi tio nal care, and medi cal ethics pre clu de only the deli very of care that will do harm, not of care that is unrea so nablyexpen si ve. hospital admi nis tra tors seek faci li ties of high enough qua lity to satisfy the pro fes sio -nal goals of their staffs. thus care in the united states is usually close to what would be pro vi -ded if cost were no object and bene fit to patients were the sole con cern.

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médi ca, o direi to de pres cre ver o que pen sam seja o melhor para cadacaso. essa liber da de inclui o direi to de cada médi co pres cre ver remé dios,de cada espe cia lis ta acei tar ou rejei tar pacien tes, pres cre ver exa mes, rea -li zar ou pres cre ver pro ce di men tos cirúr gi cos que pensa pos sam ser bené -fi cos. como pode uma liber da de como essa ser pre ser va da quan do onúme ro de lei tos e de salas de cirur gia é res tri to, a capa ci da de de rea li zarexa mes é limi ta da pelo acú mu lo de ser vi ço, resul ta do da dimi nui ção nascom pras de equi pa men tos, e o orça men to para remé dios tem que com -pe tir com outras gran des prio ri da des em gas tos hos pi ta la res35 (aaroNe schWartz, 1984, p. 10).

segundo esse tra ba lho, os gas tos médi cos dos estados unidos, em valo resatua li za dos para 1982, cres ce ram de us $ 503 per capi ta em 1950 para us $776 em 1965 (últi mo ano antes da implan ta ção dos sis te mas medi ca re e medi -caid) e para us $ 1,365 em 1982, ou o equi va len te a 10,5% do PiB dos estadosunidos (p. 3). conforme pro je ções atua riais, o custo do segu ro hos pi ta lar sobo medi ca re, 2,97% do bene fí cio social bási co em 1982, mais que dobra rá em2005, para 6,29%, e quase qua dru pli ca rá em 2035, para mais de 11%.36 emlevan ta men to feito qua tro anos após, os gas tos dos estados unidos com saúdejá haviam che ga do a 11% do PiB, ou mais que 450 bilhões de dóla res a cadaano, com aumen to dos pre ços médi cos bem supe rior aos índi ces de infla ção(Kil Ner, 1990, p. 9). os gas tos do pro gra ma para doen tes renais crô ni cosaumen ta ram de us 229 milhões em 1972, para us $ 2 bilhões em 1983, aopasso que o núme ro de pes soas aten di das aumen tou de onze mil para seten tae três mil no mesmo perío do, num acrés ci mo do custo por pacien te de 31,60%(FraN ce, 1989, p. 28 e Kil Ner, 1990, p. 10).37

35 tradução livre. No ori gi nal:second, can cli ni cal free dom sur vi ve in an envi ron ment of bud get limits? Doctors jea lously guardcli ni cal free dom, the right of each prac ti tio ner to pres cri be as he or she thinks best in each case.included in this free dom is the right of each doc tor to pres cri be medi ca tion, and of each spe cia -list to admit and dis char ge patients, to pres cri be tests, and to under ta ke or pres cri be such sur gi -cal pro ce du res as are thought likely to be bene fi cial. how can such free dom be pre ser ved whenthe num ber of beds and ope ra ting rooms is cur tai led, the capa city to do test is limi ted by con ges -tion resul ting from redu ced pur cha ses of equip ment, and bud gets for drugs must com pe te withother high-prio rity hos pi tal expen di tu res?

36 MYers, robert J. “Financial status of the social security Program” social security Bulletin, 46:13, março 1983, apud aaroN & schWartz, op. cit., p. 113.

37 como con tra pon to aos dile mas pos tos pelos cus tos cres cen tes da moder na medi ci na, vale con fe -rir o rela to da pes qui sa de campo de Kilner, sobre alo ca ção de recur sos médi cos junto ao povoakamba, no Quênia, pes qui sa que envol veu não ape nas os pra ti can tes da medi ci na con ven cio nalcomo tam bém os curan dei ros, pajés e par tei ras (1990, pp. 20-23).

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observações seme lhan tes tam bém são encon tra das em arti go doProfessor Jost (1998), que faz inte res san te aná li se com pa ra ti va entre deci -sões de tri bu nais da alemanha, dos estados unidos e da Grã-Bretanha sobreo racio na men to de des pe sas com saúde. Jost des ta ca que o rela cio na men topor meio do qual cui da dos médi cos são for ne ci dos tem três impor tan tesdimen sões. Primeiramente, trata-se de um rela cio na men to pro fis sio nal, oque deman da uma qua li fi ca ção do pro fis sio nal de saúde, para que exer ça aauto ri da de pro fis sio nal e, dife ren te men te do pas sa do, deman da tam bém ainfor ma ção ao pacien te sobre as carac te rís ti cas e con se quên cias do tra ta -men to, além de uma rela ção de con fian ça. em segun do lugar, esse rela cio -na men to é tam bém eco nô mi co, onde o for ne ce dor de cui da dos de saúde38

comer cia li za mer ca do rias e ser vi ços, o pacien te é o con su mi dor e o pacien -te, o segu ra dor do pacien te, seu empre ga dor ou o gover no é o com pra dor. oscui da dos médi cos são pro du tos ofe re ci dos em um mer ca do que res pon de àsleis da eco no mia. Por últi mo, essas rela ções são tam bém jurí di cas (Jost,1998, pp. 640-642).

France (1989, p. 29), comen tan do a deci são 992/1988 da corte constitu -cional da itália, des ta ca ainda o cha ma do “efei to Buchanan”,39 pelo qual umsis te ma públi co de saúde que for ne ça assis tên cia gra tui ta ou a pre ços sociaisfinan cia dos pelo orça men to vai enfren tar situa ção crô ni ca de exces so dedeman da, já que o cida dão expri me uma deman da poten cial men te ili mi ta da,mas na posi ção de elei tor e con tri buin te relu ta em acei tar as impli ca ções fis -cais do pró prio com por ta men to.

Destaca o mesmo autor que mui tas téc ni cas e tec no lo gias médi cas sãoado ta das sem uma pré via ava lia ção cien ti fi ca men te fun da da da efi cá cia clí ni -ca e segu ran ça, ati vi da de com ple xa e cus to sa, dando exem plos que não secom pro va ram efi ca zes (FraN ce, 1989, pp. 30-31).

Quanto ao paga men to por ter cei ro, des ta ca o arti go um outro aspec toque com ple men ta a obser va ção de aaron e schwartz:

os inte res ses do adqui ren te e do pacien te são inde pen den tes e nemsem pre estão ali nha dos. enquanto o pacien te enfer mo pode que rer todainter ven ção que acene algum bene fí cio, por exem plo, o segu ra dor, queé quem efe ti va men te paga pelo tra ta men to médi co, tem que orga ni zar

38 usamos “cui da dos de saúde” para abran ger não só os cui da dos médi cos, mas tam bém cui da dos nãocom preen di dos na medi ci na, como de enfer ma gem, far ma co lo gia, orto don tia etc.

39 efeito apon ta do ori gi nal men te em Bucha NaN, J. the incon sis ten cies of the National healthservice. london: institute of economic affairs, 1985. apud France (1989, p. 29).

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seus recur sos cui da do sa men te para asse gu rar que todos seus segu ra dospos sam ser aten di dos, seus prê mios con ti nuem com pe ti ti vos e seusadmi nis tra do res e acio nis tas sejam ade qua da men te com pen sa dos. osfor ne ce do res podem ser menos pode ro sos como ven de do res do que sãoenquan to pro fis sio nais, mas estão muito longe de não terem poder. elestêm um pro du to valio so a ven der, e usual men te o ven dem em con di çõesde mer ca do res tri to, onde não estão expos tos à plena força da com pe ti -ção40 (1984, p. 642).

France (1989, p. 32) afir ma que os pacien tes são pro pen sos a pro ces sarmédi cos e hos pi tais quan do insa tis fei tos com a assis tên cia rece bi da. como queem medi da pre ven ti va, os médi cos ten dem a pres cre ver exa mes, remé dios, inter -na ções e inte ven ções cirúr gi cas nem sem pre estri ta men te neces sá rias. o efei tofinal, pros se gue o autor, é uma espé cie de impe ra ti vo tec no ló gi co da medi ci napelo qual se obser va “uma ten dên cia a fazer uso a qual quer custo [da tec no lo giamédi ca], pois ofe re ce sem pre uma míni ma pos si bi li da de de ser útil”.41

Prosseguem aque les auto res (aaroN & schWartz, 1984, pp. 644-645) dizen do que um dos mais impor tan tes desa fios aos moder nos sis te mas desaúde é a alo ca ção de recur sos. os recur sos para cui da dos de saúde têm que seralo ca dos em um sis te ma de saúde no con tex to de escas sez e incer te za.recursos para saúde são alo ca dos atra vés de deci sões pro fis sio nais e eco nô mi -cas, mas os resul ta dos gera dos por esses meca nis mos mui tas vezes ori gi namlití gios. esses lití gios são fre quen te men te resol vi dos por ins ti tui ções de direi -to e por meio do judi ciá rio, em par ti cu lar.

Nesse con tex to, em vários orde na men tos, a alte ra ção do con teú do dadeli be ra ção judi cial e da con cep ção tra di cio nal de adju di ca ção em vir tu de daneces si da de de pro te ção de direi tos de índo le cole ti va foi um refle xo destepro ces so.

40 tradução nossa. No ori gi nal:the inte rests of the pur cha ser are inde pen dent of, and not always alig ned with, those of the patient. While the sick patient may want every medi cal inter ven tion that may be of bene fit, forexam ple, the insu rer, who actually pays for medi cal care, must mars hal its resour ces care fully toassu re that all of its insu red can be ser ved, its pre miums remain com pe ti ti ve, and its mana gersand sha re hol ders are well com pen sa ted. Providers may be less power ful as sel lers that they areas pro fes sio nals, but they are far from power less. they have a valua ble com mo dity to sell, andoften sell it under res tric ted mar ket con di tions where they are not expo sed to the full force ofcom pe ti tion.

41 council for science and society. expensive medi cal tech ni ques. london: calvent. 1983. apudFrance (1989, p. 32).

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6.1. o trade-off envol vi do

a ideia de escas sez traz con si go a noção de trade-off. sem tra du çãoexata para o por tu guês, pode mos dizer que a alo ca ção de recur sos escas sosenvol ve, simul ta nea men te, a esco lha do que aten der e do que não aten der.Preferir empre gar um dado recur so para um dado fim sig ni fi ca não ape nascom pro mis so com esse fim, mas tam bém deci dir não avan çar, com o recur -so que está sendo con su mi do, em todas as demais dire ções pos sí veis.Decidir aten der dada pes soa com um órgão para trans plan te é tam bém deci -dir não aten der todos os demais que pode riam ser bene fi cia dos com aque leórgão espe cí fi co. uma uti neo na tal con so me recur sos – dinhei ro, espa ço,pes soal – que não esta rão dis po ní veis para aten der as neces si da des que nãosejam de recém-nas ci dos.

France (1989, p. 33) des ta ca que judi cia li za ção do aces so à saúde cos tu -ma por uma ênfa se exa ge ra da na cha ma da enge nee ring medi ci ne, que podelevar a impor tan tes con si de ra ções no plano da equi da de ao absor ver quan tiasvul to sas de recur sos para bene fi ciar gru pos extre ma men te res tri tos. Destacatam bém que numa rea li da de de orça men tos res tri tos, o uso do Judiciário comoalo ca dor de recur sos cria, na prá ti ca, o cri té rio prior in tem po re. afirma oautor: “in effet ti, si assis te all’applicazione di una sorta di sis te ma di lot te ria,che non tiene alcun conto né del rela ti vo bisog no medi co dei sin go li pazien tiné di altri cri te ri comun que per ti nen ti” (p. 45).

Não se trata de algo “mau”, mas sim de uma carac te rís ti ca ine xo rá vel.a noção de trade-off vem bem a calhar para situa ções como a do estado

do rio Grande do sul. segundo notí cia vei cu la da pelo jor nal valoreconômico,42 50% de todo o orça men to des ti na do à saúde no estado tem sidocom pro me ti do com a com pra de medi ca men tos por ordem judi cial. a gran demaio ria des ses recur sos é empre ga da para a com pra de novos medi ca men tospara com ba te ao cân cer.

Pode-se assim dizer que a rea li da de retra ta da ao menos na notí cia é queno rio Grande do sul tem se deci di do empre gar recur sos na aqui si ção deremé dios, em gran de parte novas dro gas para tra ta men tos onco ló gi cos, e,refle xa men te, se tem deci di do pri var todas as demais prio ri da des do estado,no campo médi co, dos recur sos dis pen di dos com a alo ca ção deter mi na dajudi cial men te.

42 edição de 16.ago.07, cader no legislação & tributos. acesso a par tir do ende re ço<http://www.valo ron li ne.com.br>. acesso em 17.ago.07.

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6.2. em sín te se

Do expos to acima pare ce ser pos sí vel extrair que, no campo da saúde,43

a escas sez, em maior ou menor grau, não é um aci den te ou um defei to, masuma carac te rís ti ca impla cá vel. No pas sa do, isso nos leva va a diver gir de sarlet(2007, p. 305) para enten der que ante o cará ter expan sio nis ta do cha ma do“direi to à vida”,44 a escas sez faz parte da defi ni ção, da deli mi ta ção em con cre -to do pró prio direi to, ou, como afir ma do antes, da den si fi ca ção e deci sãoquan to ao aten di men to da pre ten são (cf. cap. 4), pelo que a cha ma da “reser vado pos sí vel”45 seria ele men to inte gran te.

agora – e aqui resi de o ponto cen tral da evo lu ção entre o que expos to naver são ori gi ná ria e na atual – nos pare ce que é pre ci so sepa rar a inter pre ta çãoda apli ca ção do Direito. a ques tão da escas sez tem papel mais rele van te naapli ca ção do direi to do que na espe ci fi ca ção de seu con teú do sem ser em vistade um caso con cre to.

voltaremos adian te a este ponto, mas, desde já, vale trans cre ver a liçãode zagrebelsky:

según la con cep ción posi ti vis ta tra di cio nal, en la apli ca ción del dere chola regla jurí di ca se obtie ne tenien do en cuen ta exclu si va men te las exi -gen cias del dere cho. exactamente eso sig ni fi ca ban la inter pre ta ción y loscri te rios (o «cáno nes») para la misma ela bo ra dos por el posi ti vis mo.como, ade más, una vez deter mi na da la regla, su apli ca ción con cre ta seredu cía a un meca nis mo lógi co sin dis cre cio na li dad –y en caso de quehubie se dis cre cio na li dad se afir ma ba la ausen cia de dere cho– se com -pren de que los pro ble mas de la apli ca ción del dere cho vinie sen ínte gra -men te absor bi dos en los de la inter pre ta ción.…

43 em outros cam pos tam bém, mas disto não tra tou o ponto acima e, por tan to, dele não pode mos extrair tal con clu são.

44 a afir ma ção na ver da de se diri ge aos Direitos Fundamentais, mas como neste tra ba lho é tra ta doape nas o cha ma do “direi to à vida”, nos limi ta mos a ele.

45 cf. Barcellos (2002, pp. 236-237): “a expres são reser va do pos sí vel pro cu ra iden ti fi car o fenô me noeco nô mi co da limi ta ção dos recur sos dis po ní veis dian te das neces si da des quase sem pre infi ni tas aserem por eles supri das. (...) sig ni fi ca que, para além das dis cus sões jurí di cas sobre o que se pode exi -gir judi cial men te do estado – e em últi ma aná li se da socie da de, já que é esta que o sus ten ta –, é impor -tan te lem brar que há um limi te de pos si bi li da des mate riais para esses direi tos. em suma: pouco adian -ta rá, do ponto de vista prá ti co, a pre vi são nor ma ti va ou a refi na da téc ni ca her me nêu ti ca se abso lu ta -men te não hou ver dinhei ro para cus tear a des pe sa gera da por deter mi na do direi to sub je ti vo”.torres (2009, pp. 108-110), entre tan to, apon ta essa con cei tua ção como des vir tua men to do sen ti -do ori gi nal, sur gi do na alemanha e empre ga do tam bém em Portugal.

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Pero esta con tra dic ción ter mi na rá por mani fes tar se como tal y hacer seinsos te ni ble cuan do el dere cho pase a con ce bir se como una dis ci pli naprác ti ca. la juris pru den cia, en ese momen to, debe rá poner se al ser vi ciode dos seño res: la ley y la rea li dad. sólo a tra vés de la ten sión entre estasdos ver tien tes de la acti vi dad judi cial se podrá res pe tar esta con cep ciónprác ti ca del dere cho (2008, pp. 131-132).

7. Premissas meto do ló gi cas

como bem des ta ca Greco (2000, pp. 23 e ss.), é comum se dizer que anorma é “ine xo rá vel”, que o fato gera dor é “neces sá rio” e é “causa” da obri ga -ção, demons tran do a gran de influên cia da visão cau sa lis ta de mundo sobre oDireito. esse cau sa lis mo e o cor re la to cien ti fi cis mo, com a busca por um “obje -to” que seja exclu si va men te jurí di co e que não “con ta mi nas se” a ciên cia doDireito com ele men tos de socio lo gia, polí ti ca, his tó ria etc. levou alguns posi -ti vis tas a focar a norma, dimen são for mal do Direito, como único obje to mere -ce dor do qua li fi ca ti vo de “jurí di co”.

Prossegue o mesmo autor:

Na medi da em que somen te seria “ciên cia” aque la ati vi da de vol ta da aoconhe ci men to da rea li da de exis ten te e que tives se obje to e méto dos pró -prios, pro cu ra-se excluir do campo desta “ciên cia” os fatos, pois eles seriamobje to da sociologia. Por isto afir ma-se que obje to da ciência do Direito sãoas nor mas, e não os fins, ou valo res, por que estes seriam obje to da Política.com isto, pre ten dia-se cir cuns cre ver um peda ço da rea li da de para torná-lo o único obje to de estu do, como se fosse pos sí vel con ce ber sepa ra da -men te fra ções de uma rea li da de com ple xa.....isto ocor reu em mais de uma opor tu ni da de com o Direito (espe cial men teo Direito tributário) quan do se tem pre sen te o deba te fer re nho pelabusca da “auto no mia” deste ramo, retra ta do nos ingen tes esfor ços em dis -tin gui-lo da ciência das Finanças, do Direito administrativo e assim pordian te. a busca desta “cien ti fi ci da de” apoia da num racio na lis mo exa cer -ba do, che gou em cer tos momen tos a ofus car as razões prag má ti cas daexis tên cia da tri bu ta ção, para des lo car o deba te para a fixa ção de um obje -to exclu si vo, den tro do qual outras pes soas não pode riam se pro nun ciarpor não serem “cien tis tas do Direito”. atitude que, mais do que con tri buirpara o conhe ci men to e ope ra cio na li da de do orde na men to, asse me lha va-se à defe sa da exclu si vi da de no tra ta men to de um seg men to da rea li da de.

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ou seja, a racio na li da de e a obje ti vi da de que infor ma ram o desen vol vi -men to das ciên cias exa tas foram trans plan ta das para uma ciên cia emi -nen te men te social como é a do Direito, como se fosse pos sí vel sub me tero fenô me no jurí di co às mes mas regras de expe ri men ta ção e aos mes moscri té rios de seg men ta ção e assep sia uti li za dos naque las (pp. 23-24).

Posner (1993, p. 463) afir ma que o triun fo da físi ca new to nia na nos sécu -los 17 e 18 levou a maio ria a pen sar que o uni ver so tinha uma estru tu ra racio -nal aces sí vel à razão huma na e que, por tan to, os sis te mas sociais pode riam teruma estru tu ra simi lar.46 Wintgens afir ma que o “lega lis mo” foi o pen sa men todomi nan te desde o sécu lo 17 até mea dos do sécu lo 20, sendo com par ti lha dotanto por posi ti vis tas quan to por jus na tu ra lis tas. Para essa cor ren te, diz oautor, o com por ta men to nor ma ti vo é uma ques tão de seguir a regra, poucoimpor ta sua ori gem. as cons tru ções legais cons ti tuem pro po si ções nor ma ti vas

46 Nesse mesmo sen ti do, afir mam Bergé, Pomeau e Dubois-Gance (1996, pp. 11 e 30) que o sécu loXiX foi a idade de ouro da ciên cia posi ti vis ta. a fé na oni po tên cia da ciên cia era gran de e as men -tes escla re ci das não duvi da vam que se pudes se pro gres si va men te che gar a um conhe ci men toquase com ple to do uni ver so, pre sen te e futu ro, com base no deter mi nis mo das rela ções mate má -ti cas. o deter mi nis mo atin ge seu ápice no ensaio Filosófico sobre as pro ba bi li da des, de laplace,mas não se tra ta va ali de uma dedu ção pura men te cien tí fi ca e sim de uma toma da de posi çãomate ria lis ta, que se opu nha a toda inter ven ção de ori gem divi na.este deter mi nis mo, que tam bém pode mos cha mar de cau sa lis mo, fixou um parâ me tro do queseria con si de ra do “ciên cia”, numa ver da dei ra ideo lo gia da ciên cia ou cien ti fi cis mo. esse parâ me -tro pas sou para as ciên cias sociais. se, na céle bre frase de laplace, “uma inte li gên cia que, por umins tan te dado, conhe ces se todas as for ças de que está ani ma da a natu re za e a situa ção res pec ti vados seres que a com põem, e que, além disso, fosse ampla o bas tan te para sub me ter seus dados àaná li se, abar ca ria na mesma fór mu la os movi men tos dos maio res cor pos do universo e os do maisleve átomo: nada seria incer to para ela, e o futu ro, como o pas sa do, esta ria pre sen te aos seusolhos” (p. 30), com muito mais razão, no âmbi to do Direito, conhe cen do-se as regras da ciência,as regras jurí di cas e os fatos, seria pos sí vel afas tar toda a incer te za.o mesmo ponto é defen di do por Pereira (2006, pp. 28 e ss.), que ainda conec ta na cria ção de umnovo para dig ma o reco nhe ci men to da pré-com preen são, a par tir da obra de hans Georg Gadamer.esta visão do mundo jurí di co leva a crer haja direi tos “em abs tra to”, que, com bi na dos com asvariá veis de fato, gerem as con clu sões, em um cami nho de mão única. É certo que há diver sas visões e méto dos, desde os silo gis mos mais sim ples, do tipo pre mis sa maior, pre mis sa menor e sín -te se, até os com ple xos mode los de pon de ra ção.zagrebelsky pare ce che gar ao mesmo ponto, embo ra par tin do do exame dos Direitos do homem.afirma o autor que “se com pren de fácil men te que tras esta con cep ción de los dere chos [orien ta -dos a la liber tad] se haya podi do vis lum brar una super va lo ra ción del hom bre, casi una reli gión dela huma ni dad o una sus ti tu ción del creador por el hom bre” (2008, p. 87). em ampa ro a esta afir -ma ção, zagrebelsky reme te aos tra ba lhos de u. schneuner, (“Menschenrechte und chris tli cheexistenz”, em J. listl (coord.), schriften zum staatskirchenrecht, Duncker & humblot, Berlin,1973) e G. thils, (“Droit de l`homme et pers pec ti ves chré tien nes”: cahiers de la revuethéologique de louvain 2(1981), pp. 114 ss).

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atem po rais, não caben do dis cus sões acer ca de seu con teú do, tam pou co sobrequais seriam seus fins. Qualquer pro po si ção nor ma ti va ori gi na da do sobe ra nosobre pu ja va, ipso facto, qual quer outra que pudes se ter algu ma aspi ra ção avalor nor ma ti vo. Não menos rele van te, no “lega lis mo” o estu do do direi to estácon fi na do ao estu do das pro po si ções nor ma ti vas das leis, ado tan do meto do lo -gia idên ti ca das ciên cias natu rais (2005, pp. 5-6).

ricoeur, no mesmo sen ti do, afir ma que a ascen são do posi ti vis mo enquan -to filo so fia pode ser enten di da, em ter mos bas tan te gerais, como “a exi gên cia doespí ri to de man ter como o mode lo de toda inte li gi bi li da de o tipo de expli ca çãoque vinha sendo ado ta da no domí nio das ciên cias natu rais” (1977, p. 24).

soares bem des ta ca quan to aos peri gos do “culto des men su ra do à lógi ca for -mal e à racio na li da de da cons tru ção dedu ti va, tida como váli da por seu pró priorigor arqui te tu ral, por ela mesma váli da, por que racio nal e coe ren te den tro doracio cí nio abs tra to”, mas com um gran de des pre zo quan to aos resul ta dos efe ti -vos, quan to à vida real (1999, p. 29). No mesmo sen ti do, Posner des ta ca que “aessên cia do for ma lis mo é con ce ber o direi to como um sis te ma de rela ções entre ideias ao invés de con ce bê-lo como prá ti ca social” (1993, pp. 454-455).47

houve, por tan to, a trans po si ção ou mesmo imi ta ção acrí ti ca de mode lodas ciên cias natu rais para o Direito, mode lo este que não per du ra nem mesmono campo das ciên cias natu rais (Perei ra, 2006, pp. 28 e ss.; zaGre BelsKY,2008, p. 41).

Mas mesmo que a trans po si ção fosse cabí vel, se dei xou de aten tar para adife ren ça entre a meto do lo gia de tra ba lho no campo das ciên cias natu rais parao campo das ciên cias sociais.

silveira, em tra ba lho semi nal, des ta ca:

existe uma divi são subs tan cial de tra ba lho entre físi cos e cien tis tas daengenharia. o pri mei ro é for ça do, pela busca de gene ra li da de ascen den -te, a um pro ces so de cres cen te abs tra ção, enquan to o segun do é res tri toden tro do rea lis mo impos to pela exi gên cia de apli ca bi li da de. ambos sãoteó ri cos, em opo si ção ao enge nhei ro pro fis sio nal. os cons tru tos da Física– vácuo, gás per fei to, movi men to sem atri to etc.– tor nam-se cres cen te -men te dis tan cia dos da rea li da de na medi da em que a teo ria pro gri de.este não é, e não pode ser, o caso das ciên cias da engenharia, por que as

47 No ori gi nal: the essen ce of for ma lism is to con cei ve of law as a system of rela tions among ideas rather than as a social prac ti ce. i do not reject for ma lism tout court; not only are there immen -sely worth whi le for mal systems such as logic, mathe ma tics, and art, but logic has impor tant roleto play in legal deci sion making. i reject the exag ge ra ted legal for ma lism that con si ders rela tionsamong legal ideas to be the essen ce of law and legal thought.

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enti da des teó ri cas pre ci sam estar mais pro xi ma men te liga das às suas con -tra par ti das reais, e toda espé cie de coe fi cien tes de segu ran ça tem que serdesen vol vi da para per mi tir imple men ta ção. o fenô me no sob aná li se é omesmo, mas é tra ta do sob dife ren tes fachos de luz (1991, p. 72).

Prossegue silveira afir man do que saber-como é tare fa do enge nhei ropro fis sio nal. seu inte res se no saber-por que limi ta-se ao neces sá rio para odesen vol vi men to de pro du tos e pro ces sos, nada mais. Já o físi co, por opo si ção,está inte res sa do no saber-como ape nas até o ponto em que isto auxi lia nodesen vol vi men to de sua teo ria, nada mais. seu com pro me ti men to é com osaber-por que, não com pro du tos e pro ces sos (pp. 73-74).48

a natu re za não-expe ri men tal da eco no mia, e de outras ciên cias sociais,acaba por sig ni fi car deman das con fli ti vas sobre eco no mis tas abs tra tos, pre ju -di can do a espe cia li za ção e ali men tan do o dis sen so de mode los entre os espe -cia lis tas, abs tra tos ou apli ca dos (sil vei ra, 1991, pp. 85-86).

com ampa ro nas lições de Mill,49 senior50 e schumpeter,51 den tre outros,silveira for mu la o que chama de inde ter mi na ção de senior, nos seguin tes ter mos:

48 continua:seu com pro me ti men to [do físi co] é com o aper fei çoa men to e recons tru ção de teo rias, nos ter mosda Navalha de occam, dos requi si tos de occam sobre forma e estru tu ra de teo rias: con sis tên cialógi ca, fer ti li da de lógi ca, cone xão múl ti pla, sim pli ci da de, ele gân cia etc. a lin gua gem do físi co é alógi ca e sua habi li da de o espe rit geo me tri que. Debreu [ DeBreu, Gerard. Discours des laureats.in le Prix Nobel en 1983. stockholm: Nobel Foundation, 1984, apud sil vei ra, 1991] fala pelocien tis ta abs tra to (1984, p. 46):um cien tis ta sabe que suas moti va ções são frou xa men te rela cio na das com as con se qüên cias dis -tan tes do seu tra ba lho. o rigor lógi co, a gene ra li da de e a sim pli ci da de de suas teo rias satis fa zemneces si da des inte lec tuais pro fun das e pes soais, neces si da des que são mui tas vezes per se gui daspelo que em si repre sen tam.....a habi li da de do cien tis ta apli ca do é o esprit de fines se (sic). a lin gua gem não pode res trin gir-seà lógi ca, por que “todas as ciên cias do homem e da socie da de estão envol vi das” quan do se está res -tri to den tro do rea lis mo impos to pela reque ri da apli ca bi li da de (sil vei ra, 1991, pp. 73-74).

49 Mill, stuart. essays on some unsettled Questions of Political economy. london longmans,Green and co., 1877. vale repro du zir cita ção de sil vei ra, da pági na 155 do ori gi nal:Ninguém que bus que esta be le cer pro po si ções para orien ta ção da huma ni da de pode dis pen sar, nãoimpor tan do suas rea li za ções cien tí fi cas, o conhe ci men to prá ti co sobre as manei ras em que os afa -ze res do mundo são de fato con du zi dos, e uma ampla expe riên cia pes soal com as ideias, sen ti men -tos, e ten dên cias inte lec tuais e morais de fato exis ten tes em seu país e em sua época (apud sil -vei ra, 1991, p. 79).

50 seNior, Nassau William. an outline of the theory of Political economy. london: Kimble &Bradford, 1938, apud silveira, loc. cit.

51 schuM Pe ter, Joseph a. science and ideology. american economic review, XXXiX: 345-59,march 1949 e history of economic analysis. london: allen & unwin, 1986, apud silveira, loc. cit.

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as pro po si ções de eco no mia abs tra ta, não impor tan do a gene ra li da de oua ver da de que encer rem, não auto ri zam con clu sões nor ma ti vas,52 masnão podem ser igno ra das. a eco no mia apli ca da posi ti va pres su põe as teo -rias abs tra tas da eco no mia, assim como em rele vân cia variá vel, outrasciên cias sociais. conclusões nor ma ti vas – sob a forma do que não podeser feito – são deri vá veis das pro po si ções da eco no mia apli ca da, mas sãoainda qua li fi cá veis pelas espe ci fi ci da des do caso em ques tão (sil vei ra,1991, p. 79).

silveira des ta ca tam bém o cha ma do vício ricar dia no, bati za do porschumpeter, con for me tre cho abai xo:

eles [senior, Mill e outros] qui se ram ape nas dizer que as ques tões depolí ti ca eco nô mi ca envol vem sem pre tan tos ele men tos não-eco nô mi cos,que seu tra ta men to não deve ser feito na base de con si de ra ções pura men -te eco nô mi cas... poder-se-ia ape nas dese jar que os eco no mis tas daque le(como de qual quer outro) perío do nunca se esque ces sem deste toque desabe do ria – nunca fos sem cul pa dos do vício ricar dia no.o vício ricar dia no, a saber, o hábi to de empi lhar uma carga pesa da decon clu sões prá ti cas sobre uma fun da ção tênue, que não se lhe igua la, masque pare ce, em sua sim pli ci da de, não ape nas atra ti va, mas tam bém con -vin cen te.53

silveira trata da apli ca bi li da de de teo rias eco nô mi cas, mas com liçõesque, pen sa mos, são apli cá veis ao Direito.

há várias for mas de nor mas jurí di cas, mas as mais rele van tes são as regras de con du ta. as regras de con du ta, jurí di cas ou não, são estru tu ra das emdois seg men tos, o ante ce den te e o con se quen te, ou ante ces sor e pres cri tor. Éa estru tu ra se isto ocor re então aqui lo deve se suce der.

No ante ce den te da norma há o des cri tor, a hipó te se de inci dên cia. Nãohá uma des cri ção de um fato, mas sim de qua li da des ou carac te rís ti cas abs tra -tas. caberá ao apli ca dor da norma veri fi car a rela ção de per ti nên cia entre aocor rên cia con cre ta e a hipó te se, seja atra vés de apli ca ção sub sun ti va, sejamedia do por pré via den si fi ca ção da norma.

52 Para o autor, “diz-se posi ti vo em rela ção ao que é, nor ma ti vo em refe rên cia ao que tem que serou, mais apro pria da men te, ao que não pode ser” (p. 76).

53 schuM Pe ter, Joseph a. history of economic analysis. london: allen & unwin, 1986, pp. 540e 1.171, apud sil vei ra, 1991, p. 80.

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o dis cur so jurí di co se dá não quan to ao fato em si, mas sim quan to à ima -gem do fato. todavia, os fatos sim ples não são regi dos pelo Direito e sim pelanatu re za em geral ou mesmo pela natu re za huma na. Não raro um mesmo fatoserá sig ni fi ca ti vo para mais de um ramo do direi to, pro du zin do sua ima gemnos res pec ti vos domí nios.

Giannini (1993, pp. 217-218) apon ta, com pre ci são, a exis tên cia de atosou pro ce di men tos coli ga dos, quan do há con fluên cia de inte res ses públi cosdis tin tos sobre a mesma situa ção con cre ta.

isto pare ce demons trar que os mes mos pro ble mas colo ca dos por silveirapara a eco no mia estão pre sen tes no direi to.

o con teú do de tais prin cí pios pode ser for mu la do de diver sos modos,mas sem pre sig ni fi ca rá tam bém um con tro le de resul ta dos. a falta de razoa bi -li da de pode rá se dar em abs tra to, tal como a notó ria ine fi ciên cia. caberá ocon tro le abs tra to, o con tro le da norma. Mas tam bém have rá casos nos quais oirra zoá vel ou o ine fi cien te se dará na apli ca ção da norma abs tra ta ao caso con -cre to. haverá a cha ma da incons ti tu cio na li da de do caso con cre to.

isto demons tra, o nosso ver, que há, tal como des ta ca do por silveira(1991), pla nos dis tin tos de abor da gem, em dife ren tes níveis de abs tra ção, nãocaben do reti rar con clu sões nor ma ti vas do plano mais abs tra to sem con si de rara situa ção con cre ta. esta con clu são pare ce ter ampa ro em larenz (1989), quebem apon ta a dis tin ção entre o “sis te ma «exter no» ou con cep tual-abs tra to”(pp. 531 e ss.), o “sis te ma «inter no»” (pp. 577 e ss.) e a neces si da de do examecaso a caso (p. 591).54 a rele vân cia da situa ção em con cre to para a defi ni ção-espe ci fi ca ção-cria ção da norma em con cre to encon tra apoio tam bém emÁvila, (2003, p. 23) e Kelsen (1991, pp. 363 e ss., espe cial men te p. 366).

além da influên cia ideo ló gi ca e dos para dig mas epis te mo ló gi cos vin dosdas ciên cias natu rais, a pró pria rea li da de social favo re cia a visão cau sa lis ta.como bem des ta ca zagrebelsky (2008, p. 96), a rea li da de do sécu lo XiX era desocie da des em que havia uma única clas se hege mô ni ca. Nesse tipo de socie da -de a lei refle tia uma ordem sim ples, com a qual expres sa va sua visão de jus ti -ça. É certo que havia crí ti cas ao orde na men to libe ral bur guês a par tir de outras visões de jus ti ça, mas tais crí ti cas eram exter nas ao sis te ma, pelo que,vis tas como anti ju rí di cas. afirma ainda o autor, em outra pas sa gem:

54 tomando como exem plo o con cei to téc ni co-jurí di co de “decla ra ção de von ta de”, larenz afir maque este “só liber ta o apli ca dor do Direito da neces si da de de exa mi nar caso a caso, se nele se tratauni ca men te de «auto de ter mi na ção» ou se entra em jogo a «hete ro de ter mi na ção». esta con duzdesde logo à ine fi cá cia do acto, se ocor rer uma das pre vi sões a este pro pó si to cria das pela lei, taiscomo dolo, coac ção ou pre juí zo imo ral” (1989, p. 591).

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en el estado libe ral de dere cho, no se sen tía la agu de za de estos pro ble -mas y la inter pre ta ción podía redu cir se a la bús que da del sig ni fi ca do delas nor mas que ri das por el legis la dor. ello deri va ba no de una mejor ymás clara doc tri na de la inter pre ta ción, sino sim ple men te de un con tex -to polí ti co y cul tu ral homo gé neo y de situa cio nes socia les mucho másesta bles que las actua les. Dada la uni for mi dad de los con tex tos de sen ti -do y de valor en los que ope ra ban tanto el legis la dor como los intér pre -tes, la pre sión de los «casos crí ti cos» sobre el dere cho, si no ine xis ten te,era al menos tan poco evi den te que podía des pre ciar se o, en todo caso,no crea ba pro ble mas de prin ci pio (p. 145).

hoje, para além do novo para dig ma epis te mo ló gi co, há uma mudan çaessen cial no obje to do Direito enquan to ciên cia. o estado mono clas se foisubs ti tuí do pelo estado plu ri clas se e houve gran de frag men ta ção das rea li da -des regra das, e.g., direi to do con su mo, direi to da con cor rên cia, diver sos seg -men tos de direi to regu la tó rio.

há hoje uma mar can te “con tra tua li za ção” do con teú do das leis, vez queesta é a con clu são de um pro ces so polí ti co em que par ti ci pam gru pos de pres -são, sin di ca tos, par ti dos, gru pos supra par ti dá rios. o resul ta do deste pro ces soplu ral é mar ca do pela oca sio na li da de. o acor do é visto como second best: sealgum dos gru pos crer que tem força sufi cien te para apro var o texto em seuspró prios ter mos, o fará, ou ten ta rá mudar a lei já apro va da, san cio nan do anova cor re la ção de for ças (zaGre BelsKY, 2008, p. 37). “esta oca sio na li dades la per fec ta con tra dic ción de la gene ra li dad y abs trac ción de las leyes, liga -das a una cier ta visión racio nal del dere cho imper mea ble al puro juego de lasrela cio nes de fuer za” (idem).

vale aqui tra zer o depoi men to de Maccormick, que soma além da pri vi -le gia da posi ção de, junto com robert alexy, con fi gu rar “o que se pode ria cha -mar de teo ria padrão (atual) da argu men ta ção jurí di ca” (atieN za, 2002, pp.13-14), ter tido a expe riên cia con cre ta de ser mem bro do par la men to euro peude 1999 a 2004. afirma Maccormick:

Falando da expe riên cia rela ti va men te tran si tó ria de legis la dor (fui mem -bro do par la men to euro peu de 1999 a 2004), posso dizer que o pro ces sodeli be ra ti vo está dis tan te de uma deli be ra ção moral pura. ele envol veargu men tos entre indi ví duos e entre par ti dos (tam bém den tro dos par ti -dos). ele recla ma com pro mis sos e então com pro mis sos sobre os com pro -mis sos e, final men te, há uma vota ção sobre um texto que não é o idealde nin guém, mas o melhor a que se con se guiu che gar naque le momen to.

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Quando apro va do (se o for), há uma mino ria que votou con tra, não rarouma mino ria subs tan cial. Nenhuma des tas carac te rís ti cas me pare ce algoa se lamen tar. sistemas polí ti cos de demo cra cia plu ral geram exa ta men -te este pro ces so. todavia, como mode lo para deli be ra ção moral pes soal,me pare ce algo bem dis tan te do para dig ma.No domí nio jurí di co, é o judi ciá rio mais que o legis la ti vo o Poder queasse gu ra um para le lo mais crí vel de deli be ra ção moral, deli be ra ção que,tem que se admi tir, tipi ca men te chega às suas con clu sões no jul ga men tomais que na ela bo ra ção de leis (2008, pp. 64-65).55

Não se diga que o argu men to não é ade qua do por que vol ta do ao legis la -dor e um dos mar cos do cons ti tu cio na lis mo con tem po râ neo é a vin cu la ção dolegis la dor à cons ti tui ção. Primeiro, qual quer des cri ção his tó ri ca daconstituição e de seu pro ces so de for ma ção mos tra seu ele va do grau com pro -mis só rio. É texto que, em sua reda ção ori gi nal, esta va sendo redi gi do comforte viés socia li zan te, vol ta do para regi me par la men ta ris ta, mas que depois sofreu forte mudan ça em decor rên cia do sur gi men to de um grupo supra par ti -dá rio deno mi na do na impren sa de “centrão”, que ajus tou as deci sões para umaeco no mia de mer ca do e regi me pre si den cia lis ta, man ten do ins tru men tos deregi mes par la men ta res, como a medi da pro vi só ria, o que aca bou por resul tarem hiper tro fia do executivo. até abril de 2009 já foram 57 as emen das apro -va das, pela maio ria de três quin tos, em duas vota ções em cada casa,56 e maisseis emen das apro va das em revi são cons ti tu cio nal.

Mesmo a lei tu ra dos cha ma dos direi tos fun da men tais posi ti va dos não éuní vo ca. as reda ções são solu ções de com pro mis so e influen cia das pelas trêsgran des cor ren tes do pen sa men to polí ti co moder no, o libe ra lis mo, o socia lis -mo e o cris tia nis mo social. o valor social do tra ba lho e da livre ini cia ti va, bem

55 tradução nossa. No ori gi nal:speaking from rela ti vely tran sient expe rien ce as a law-maker (i was a MeP 1999-2004), i wouldsay that the legis la ti ve pro cess is at some con si de ra ble remo ve from pure moral deli be ra tion. itinvol ves argu ments bet ween indi vi duals and bet ween par ties (also within par ties). it calls forcom pro mi ses and then com pro mi ses upon com pro mi ses, and then finally there is a vote on a textwhich is nobody’s ideal text, but the best that can be put toge ther at the time in ques tion. Whenit is adop ted (if it is) there is a mino rity –and often a subs tan tial mino rity– in the legis la tu re thatvotes against it. None of these fea tu res seems to me to be regret ta ble. Pluralistic demo cra tic poli -ti cal systems gene ra te just such pro cess. however, as a model for per so nal moral deli be ra tion, itseems far from the mark.Within the legal realm, the judi cial rather than the legis la ti ve branch of govern ment affords amore cre di ble paral lels for moral deli be ra tion –deli be ra tion which, it will be admit ted, typi callyrea ches its con clu sion in jud ge ment rather than in law ma king.

56 cF, art. 60, § 2º, e aDct, art. 3º.

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como o direi to de pro prie da de57 difi cil men te podem ser defi ni dos sem o usodas visões de mundo coli den tes des sas três cor ren tes de pen sa men to, todasins pi ra do ras da carta.58

Dir-se-á que a fun ção do intér pre te é exa ta men te esta, encon trar o sen -ti do decor ren te desta inte ra ção, desta mis tu ra de con teú dos, pon de ran do-os.Nenhum autor hoje nega rá que ele men to chave da pon de ra ção é a razoa bi li -da de, mas como bem des ta ca zagrebelsky, “es «razo na ble» el dere cho que sepres ta a some ter se a aque la exi gen cia de com po si ción y aper tu ra, es decir, eldere cho que no se cier ra a la coe xis ten cia plu ra lis ta” (2008, p. 147).

a constituição brasileira, por suas carac te rís ti cas his tó ri cas con cre tas,pela ambi gui da de dos ideais polí ti cos posi ti va dos, é um marco aber to de prin -cí pios, o que con fe re um razoá vel espa ço de con for ma ção para “o legis la dor”.59

o mesmo já não pare ce acon te cer com as cons ti tui ções da alemanha e daespanha, que, pelas carac te rís ti cas his tó ri cas con cre tas em que sur gi ram,carac te ri zam-se como marco fecha do, em que o “cons ti tu cio na lis mo” envol vecom ple ta men te a legis la ção em uma rede de vín cu los jurí di cos que deve serreco nhe ci da pelos juí zes (zaGre BelsKY, 2008, p. 151). a lei Fundamentalde Bonn é de 23 de maio de 1949, qua tro anos após a ren di ção nazis ta. comela sur giu o país “república Federal alemã”, fruto da uni fi ca ção dos ter ri tó -rios ocu pa dos por estados unidos, França e reino unido, tendo como con tra -pon to a área de ocu pa ção sovié ti ca, que em 07 de outu bro do mesmo ano viriaa ser a república Democrática alemã. a constituição da espanha é fruto dacha ma da transição espanhola, haven do uni da de não ape nas na implan ta çãoda demo cra cia pós-Franco, como tam bém nos pré-requi si tos para ulte rior ade -são à então comunidade econômica europeia.

57 cF, arts. 1º, iv, e 5º, XXii e XXiii.58 os cha ma dos “direi tos” não se mate ria li zam em abs tra to, mas em situa ções con cre tas que estão

inse ri das em uma com ple xa rela ção de aspec tos que são valo ra dos juri di ca men te por diver sosângu los. o “direi to à saúde”, na sua apli ca ção em con cre to, sofre influên cias do “valor social dotra ba lho” e da livre ini cia ti va. os ser vi ços de saúde são pres ta dos den tro de uma cadeia de fatosque envol ve tra ba lho, ini cia ti va, capital e a remu ne ra ção de cada um desses elementos. Pare ce -ria-nos inu si ta do não reco nhe cer isto, inclu si ve a influên cia do direi to à remu ne ra ção, ante o des -com pas so da valo ra ção esti pen dial exis ten te den tro dos ramos do ser vi ço públi co bra si lei ro, atépor que, custa a crer que esta opção rea lo ca ti va, na via judi cial, este ja no catá lo go daque les quepre ten dem uma “saúde-a-qual quer-custo”.

59 o legis la dor e não neces sa ria men te o legis la ti vo. a obser va ção pare ce ele men tar, mas des ta ca mospor que a esma ga do ra maio ria da dou tri na estran gei ra uti li za da, aqui e alhu res, é ori gi na da de paí -ses par la men ta ris tas, em que a maio ria no par la men to leva ao con tro le do exe cu ti vo. No Brasil,entre tan to, a pre pon de rân cia da fun ção legis la ti va está no exe cu ti vo, ou melhor, é exer ci da peloexe cu ti vo, não ape nas em “pro por e apro var leis”, mas tam bém em pro por, rema ne jar e exe cu taro orça men to.

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Por tudo isto, pelo cho que, pela ten são dinâ mi ca entre suas pro po si ções,não nos pare ce ade qua do ver a constituição bra si lei ra como um repo si tó rio deres pos tas à espe ra de serem apli ca das.

7.1. a apli ca ção do direi to

a falta de um sen ti do uní vo co ao coman do jurí di co, ou, mais pro pria -men te, a neces si da de de cons truir o coman do com a inter pre ta ção e em vis tasda apli ca ção, não leva, por óbvio, a uma mera mol du ra ou lista de sig ni fi ca dospos sí veis, cujo cri té rio de esco lha este ja além do Direito.60

o des lo ca men to do foco do legis la dor para o apli ca dor da norma torna oDireito um “servo de dois senho res”, a lei e a rea li da de. esta con cep ção prá ti -ca faz com que a enun cia ção do caso a par tir da situa ção posta tenha que serem refe rên cia ao orde na men to, mas tam bém a atri bui ção de sen ti do ao texto,a inter pre ta ção da norma, que deve estar orien ta da ao caso (Mac cor MicK,2008, p. 192, e zaGre BelsKY, 2008, pp. 131-132).

um bom exem plo dessa actio duplex no lugar da sub sun ção do tipomodus bar ba ra i61 pode ser vista no caso das gêmeas sia me sas tra zi do porMaccormick (2008, pp. 173-181). um casal de cató li cos pra ti can tes, nacio nale resi den te na ilha de Malta, foi para o reino unido a fim de que fosse rea li -za do o parto de suas filhas gêmeas, uni das pelo tórax e pelo abdô men. apenasuma delas pos suía as fun ções car día cas com ple tas, mas jamais con se gui ria oxi -ge nar seu san gue e o de sua irmã. se as gêmeas não fos sem sepa ra das, aque laque pos suía as fun ções car día cas mor re ria em pou cas sema nas ou meses, mor -ren do tam bém a outra, que não pos suía todas as fun ções car día cas. realizadaa ope ra ção, have ria a morte ime dia ta da “segun da irmã” e a pri mei ra, sobre vi -ven do, teria que ser sub me ti da a uma série de com ple xas e difí ceis cirur giaspara recons truir seu corpo em algo pró xi mo à forma huma na nor mal, embo raincom ple ta.

os pedia tras e cirur giões encar re ga dos do caso enten de ram que teriam odever de rea li zar os pro ce di men tos, pois esta vam vin cu la dos em agir no melhor inte res se da “irmã viá vel”. os pais, devo tos, entre tan to, pre fe riam quea cirur gia não fosse rea li za da por que não pode riam con cor dar com a morte de

60 como quer Kelsen (1991, cap. viii).61 Premissa maior, pre mis sa menor e sín te se, con for me Klug, que des ta ca ser esta forma de racio cí -

nio jurí di co uma forma de impli ca ção, que, como carac te rís ti co da lógi ca clás si ca, não demons traa cor re ção do racio cí nio e adver te quem busca o cará ter de evi dên cia para fun da men tar leis dalógi ca con fun de lógica com Psicologia (KluG, 1990, pp. 61-63)

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nenhu ma delas como decor rên cia dire ta de sua esco lha, pois ambas lhes haviam sido dadas por Deus. além disto, pon de ra vam que a outra meni na, na melhor das hipó te ses, depen de ria de cons tan te e inten so acom pa nha men tomédi co, que isto não era viá vel em Malta, onde mora vam, e que não teriamcon di ções de mudar para a inglaterra.

o caso foi leva do ao Judiciário pelos médi cos, ante a falta de con cor dân -cia dos pais, muito embo ra tenha sido man ti da em todo o tempo uma rela çãode res pei to mútuo e cola bo ra ção, segun do des ta ca do no voto do lord JusticeWard (p. 179).

ao final de seu voto, des ta cou o lord Justice Ward:

Não se deve pen sar que esta deci são pode se tor nar pre ce den te para pro -por ções maio res, como que um médi co possa matar seu pacien te uma vezque diag nos ti ca do que não sobre vi ve rá; é impor tan te enfa ti zar as cir -cuns tân cias úni cas para as quais este caso cons ti tui pre ce den te. elas sãoque seja impos sí vel pre ser var a vida de X sem levar à morte Y, que Y, porsuas pró prias con di ções, leva rá ine vi ta vel men te e em breve à morte de Xe que X é capaz de viver uma vida inde pen den te, mas Y não é capaz emnenhu ma cir cuns tân cia, incluin do todas as for mas de inter ven ção médi -ca, de uma exis tên cia inde pen den te viá vel62 (p. 179).

este caso limi te per mi te evi den ciar a rele vân cia do des co bri men to dúpli -ce e cir cu lar entre o caso e o orde na men to, com vis tas à deter mi na ção da regracon cre ta.

a situa ção fáti ca é dada no mundo feno mê ni co. cabe, para a ela bo ra çãodo caso, não ape nas a ati vi da de pro ba tó ria, a trans po si ção para os autos oupara o foro de deci são daqui lo que antes exis tia ape nas no mundo feno mê ni -co,63 mas tam bém a sepa ra ção dos ele men tos rele van tes nos fatos à luz daspos si bi li da des jurí di cas e a atri bui ção de sen ti do às nor mas abs tra tas à luz docaso em cons tru ção.

62 tradução livre. No ori gi nal:lest it be thought that this deci sion could beco me autho rity for wider pro po si tions, such as thata doc tor, once he has deter mi ned that a patient can not sur vi ve, can kill the patient, it is impor -tant to res ta te the uni que cir cums tan ces for which this case is autho rity. they are that it must beimpos si ble to pre ser ve the life of X. without brin ging about the death or Y., that Y. by his or hervery con ti nued exis ten ce will ine vi tably bring about the death of X. within a short period oftime, and that X. is capa ble of living an inde pen dent life but Y. is inca pa ble under any cir cums -tan ces (inclu ding all forms of medi cal inter ven tion) of inde pen dent exis ten ce.

63 vale lem brar que deci dir a par tir de uma “ver da de demons tra da” e não de uma “ver da de real” écon quis ta fun da men tal do pro ces so civi li za tó rio, como bem demons tra Foucault (2003, cap. ii).

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Pode ser toma do como dado que no orde na men to jurí di co bri tâ ni co há regras que vedam a um médi co agir con tra a vida de um pacien te, mesmo seesta se reve lar inviá vel, e era exa ta men te isto o que se esta va fazen do em rela -ção à outra meni na. Pode-se tam bém tomar como dado que mesmo pacien tester mi nais têm direi to ao pouco de vida que lhes resta, a mor rer “por que che -gou a hora” e não por que fula no ou bel tra no “adian tou o reló gio”. Pode-setam bém admi tir que den tro da dig ni da de huma na está o direi to à iden ti da decul tu ral. Dentro da iden ti da de cul tu ral daque la famí lia – bis pos foram ouvi -dos no pro ces so e rati fi ca ram a posi ção do casal – e tendo em vista que o prog -nós ti co para a outra filha era de ele va da chan ce de morte ao longo das inú me -ras cirur gias, neces si da de de cui da dos impos sí veis de serem dis pen sa dos emseu país, uma esco lha razoá vel, den tro de um cená rio trá gi co, foi feita e deveser jul ga da à luz daque la opção cul tu ral acei tá vel.

Possivelmente em qual quer orde na men to jurí di co demo crá ti co atualestas regras – proi bi ção ao médi co de agir con tra a vida de pacien te; direi todos pacien tes ter mi nais não terem sua vida abre via da; direi to à iden ti da de cul -tu ral – exis tem. Não há anti no mia ou coli são entre tais nor mas, todas podemser enun cia das como regras e se iso la da a hipó te se de cada regra, todos os seusele men tos sig ni fi ca ti vos estão pre sen tes no caso das gêmeas sia me sas, muitoembo ra não seja pos sí vel apli cá-las simul ta nea men te.

a esco lha dos ele men tos rele van tes da situa ção tra zi da à deba te e a esco -lha das nor mas per ti nen tes para che gar à solu ção fazem parte de um pro ces sonão linear, mas cir cu lar, em que se com preen de o caso a par tir do orde na men -to e o orde na men to a par tir do caso, em cír cu los con cên tri cos a par tir de ante -ci pa ções de sen ti do.64

há, por tan to, uma dis tin ção de méto do entre os casos jurí di cos sim plesou roti nei ros e casos difí ceis.65 Nos casos sim ples o tra ba lho do apli ca dor éexer ci do atra vés do que Wróblewski cha mou de jus ti fi ca ção inter na, que sevale da lógi ca dedu ti va e das infe rên cias. Já nos casos difí ceis o apli ca dor pre -ci sa bus car uma jus ti fi ca ção exter na, obti da exa ta men te atra vés desse pro ces -so cir cu lar de mútuas des co ber tas.66

caso difí cil é aque le que envol ve um pro ble ma, assim enten di da “a todacues tión que apa ren te men te per mi te más de una res pues ta y que requie renece sa ria men te un enten di mien to pre li mi nar, con for me al cual torna el carizde la cues tión que hay que tomar en serio y a la que hay que bus car una única

64 cf. Gadamer, (1998, pp. 436 e ss.), Günther, (1995) e zagrebelsky, (2008, pp. 136, 147 et pas sim).65 Neste sen ti do cf. atienza (2002, pp. 50-51).66 veja-se tam bém Günther (2004, pp. 247-252).

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res pues ta como solu ción” (vieh WeG, 2007, p. 57. cf. tb. zaGre BelsKY,2008, p. 136).

7.2. o con se quen cia lis mo

a pos si bi li da de de haver mais de uma res pos ta pode decor rer de cho quese anti no mias apa ren tes no sis te ma, que a dou tri na clás si ca supe ra com os cri -té rios cro no ló gi co, de espe cia li za ção e hie rár qui co, ou, mais recen te men te,com a pon de ra ção à luz de cate go rias e situa ções-tipo.

outra pos si bi li da de – e é a tra ta da aqui e nas obras refe ri das – é que aapa rên cia de mais de uma res pos ta decor ra das pecu lia ri da des do ocor ri do, quena com po si ção67 do caso a par tir dos fatos, haja ele men tos sig ni fi ca ti vos quepos sam pro je tar res pos tas dis tin tas e incom pa tí veis entre si, como exem pli fi -ca do acima, a par tir do caso das gêmeas sia me sas.

Mais uma vez nos valen do das pala vras de zagrebelsky: “los prin ci pios dejus ti cia vie nen pre vis tos en la constitución como obje ti vos que los pode respúbli cos deben per se guir. el cua dro no es está ti co, vuel to hacia el pasa do, sinodiná mi co y abier to al futu ro” (2008, p. 93).

exatamente por que os prin cí pios de jus ti ça nas cons ti tui ções vigen tessão mui tos, fru tos de ins pi ra ções polí ti co-filo só fi cas dis tin tas, a razoa bi li da -de na inter pre ta ção é aque la que não se fecha à coe xis tên cia plu ra lis ta de lei -tu ras.68 assim:

67 enfatizamos a ausên cia de iden ti da de neces sá ria entre “o que ocor re” e “o que se prova”, bemcomo que a refe rên cia da deci são é com a ver da de “cons truí da a par tir da prova” e não com uma“ver da de sabi da” a des pei to da prova.

68 cabe des ta car aqui a rea fir ma ção do direi to natu ral, não como uma ordem pré-esta be le ci da, masno sen ti do de que há prin cí pios morais e de jus ti ça que são uni ver sal men te váli dos e aces sí veis àrazão huma na, não poden do ser reco nhe ci do como “jurí di co” um sis te ma que não os aco lha(NiNo , 1995, p. 28). Destaca o mesmo autor que a velha polê mi ca entre ius na tu ra lis mo e posi -ti vis mo jurí di co gira ao redor da rela ção entre Direito e Moral (idem, p. 18).García de enterría, em pró lo go à edi ção espa nho la de tópica y juris pru den cia, de theodorviehweg, depois de des ta car que a ciência Jurídica sem pre foi e não pode dei xar de ser uma ciên -cia de pro ble mas sin gu la res, jamais redu tí vel aos esque ma men tal axio má ti co-dedu ti vo expres sa -do nas mate má ti cas, afir ma que se deve afas tar qual quer pre ten são axio ma ti zan te basea da no direi -to natu ral e espe ci fi cá-lo “no, repe ti mos, en un orden abs trac to, leja no, eva nes cen te, de pre cep toso de direc ti vas, sino en unos «prin ci pios gene ra les del Derecho» per fec ta men te sin gu la res y espe -cí fi cos, ope ran tes em ámbi tos pro ble má ti cos con cre tos, así como tam bién posi ti va dos, a tra vés deunas u otras for mas, y no per di dos en la impre ci sión, y mucho menos en la infor mu la ción de lasfamo sas bue nas inten cio nes” (2007, pp. 15 e 17. cf., tb, Mac cor MicK, 2008, pp. 200-201).o vín cu lo entre direi to e moral, con tu do, não impe de a con si de ra ção dos resul ta dos, ao con trá -rio, a impul sio na. hare des ta ca que embo ra possa pare cer implí ci to em cer tos auto res que, emdados tipos de situa ção, seja imo ral con si de rar os resul ta dos da ação, pois deve ría mos fazer nossodever pouco impor tan do os resul ta dos, mas isto, a seu ver, é insus ten tá vel. cumprir um dever

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en lugar de [a constitución] ser como el vec tor que hace irre sis ti ble lafuer za que actúa en su nom bre, ponen en esce na vec to res que se mue venen muchas direc cio nes y es pre ci so cal cu lar cada vez «la resul tan te» de lacon cur ren cia de fuer zas. De nuevo, el resul ta do cons ti tu cio nal no vienedado, sino que debe ser cons trui do. (p. 96)

Portanto, no lugar da exclu si va visão cau sa lis ta, na qual dadas as pre mis -sas a con clu são é ine xo rá vel e a pre mis sa menor ape nas decla ra, ape nas afir masua per ten ça à maior, ganha rele vo cada vez maior, nos casos difí ceis, a con si -de ra ção quan to aos resul ta dos.

hart (1953, pp. 20-21) já des ta ca a rele vân cia das con se quên cias e dospres su pos tos de apli ca bi li da de na defi ni ção dos con cei tos jurí di cos e na deli -mi ta ção dos sig ni fi ca dos.

lübbe-Wolff (1981) vai mais longe, afir man do que “não é o papel dapon de ra ção das con se qüên cias da deci são no caso iso la do que deve ser abor -da do, mas sim o papel da pon de ra ção das con se qüên cias na for ma ção das regras jurí di cas e dos con cei tos ali impli ca dos” (p. 139).69 afirma a auto ra,hoje Magistrada da corte constitucional da alemanha,70 que a ade qua ção docon teú do na for ma ção de regras e con cei tos jurí di cos depen de de suas con se -quên cias reais (p. 138).

Ponderar as con se quên cias não cor res pon de neces sa ria men te a um uti li -ta ris mo quan to aos efei tos do ato em con cre to, mas sim quan to ao pres tí gio docon jun to de regras cuja obser va ção pela gran de maio ria dos envol vi dos deva

posi ti vo (“in so far as it is doing some thing”) é pro vo car cer tas mudan ças na situa ção total (1964,p. 57). conclui o autor afir man do:então uma jus ti fi ca ção com ple ta de uma deci são deve ria con sis tir na pon de ra ção com ple ta deseus efei tos junto com a pon de ra ção com ple ta dos prin cí pios que ela [a deci são] deve obser var, eos efei tos de obser var tais prin cí pios – pois, é claro, são os efei tos (no que con sis te em obe de cê-los) o que dá o con teú do aos prin cí pios tam bém (1964, p. 69).(tradução nossa. No ori gi nal: thus a com ple te jus ti fi ca tion of a deci sion wuold con sist of a com -ple te account of its effects, toge ther with a com ple te account of the prin ci ples which it obser ved,and the effects of obser ving those prin ci ples – for, of cour se, it is the effects (what obe ying themin fact con sists in) which give con tent to the prin ci ples too).

69 tradução nossa. No ori gi nal:Daß die juris tis che entscheidung des ein zel nen rechtsfalles anhand von regeln zu erfol gen hat,gilt, soweit ich sehe, all ge mein als eine selbstverständlichkeit und wird in der gegen wär ti genuntersuchung schon durch das thema voraus ge setzt: nicht die rolle von Folgenerwägungen beider entscheidung des einzelfalles als sol chen, son dern die rolle von Folgenerwägungen bei derBildung rech tli cher regeln und der darin vor kom men den Begriffe soll behan delt wer den.

70 http://www.bun des ver fas sungs ge richt.de/rich ter/lueb be-wolff.html. acesso em 04 de agos to de2008.

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pro du zir os melho res resul ta dos (hoo Ker, 2002;71 lÜBBe-WolFF, 1981;72

Mac cor MicK, 2008, pas sim, zaGre BelsKY, 2008, pp. 136-137 e 147).em sen ti do simi lar é a lição de Günther (2004, p. 67), para quem “uma

norma é váli da se as con se quên cias e os efei tos cola te rais de sua obser vân ciapude rem ser acei tos por todos, sob as mes mas cir cuns tân cias, con for me osinte res ses de cada um, indi vi dual men te”.

sobre a argu men ta ção con se quen cia lis ta, vale a defi ni ção deMaccormick (2006, p. 329):

a argu men ta ção con se quen cia lis ta envol ve a ela bo ra ção da deli be ra çãouni ver sa li za da neces sá ria para a deci são em pauta, exa mi nan do seu sig -ni fi ca do prá ti co pela pon de ra ção dos tipos de deci são que ela exi gi rá na

71 hooker, (2002) defen de o uso do con se quen cia lis mo de regras em con tra po si ção ao con se quen -cia lis mo de atos. segundo autor, o con se quen cia lis mo de regras pode ser assim defi ni do:rule-coN se QueN tia lisM. an act is wrong if it is for bid den by the code of rules whose inter na li -za tion by the over whel ming majo rity of ever yo ne every whe re in each new gene ra tion has maxi -mum expec ted value in terms of well being (with some prio rity for the worst off). the cal cu la -tion of a code’s expec ted value inclu des all costs of get ting the code inter na li zed. if in terms ofexpec ted value two or more codes are bet ter than the rest but equal to one ano ther, the one clo -sest to con ven tio nal mora lity deter mi nes what acts are wrong (p. 33).Já o con se quen cia lis mo vol ta do ao ato em con cre to pode ser assim defi ni do:act-coN se QueN tia lisM claims that an act is morally per mis si ble if and only if the actual (orexpec ted) ove rall value of that par ti cu lar act would be at least as great as that of any other actopen to the agent (p. 144).o mesmo autor (p. 129) traz como argu men to con trá rio ao con se quen cia lis mo de atos a exis tên -cia de atos ina cei tá veis a des pei to dos resul ta dos, para o que se pode tomar como exem plo o tre -cho abai xo, do diá lo go entre os irmãos ivan e aliócha Karamazov (Dos toiÉvs Ki, 2004, p. 694).– responde-me fran ca men te. imagina que os des ti nos da huma ni da de este jam entre tuas mãos eque para tor nar as pes soas defi ni ti va men te feli zes, pro por cio nar-lhes afi nal a paz e o repou so, sejaindis pen sá vel tor tu rar um ser ape nas, a crian ça que batia no peito com seu peque no punho, e basear sobre suas lágri mas a feli ci da de futu ra. consentirias tu, nes tas con di ções, em edi fi carseme lhan te feli ci da de? responde sem men tir.– Não, não con sen ti ria.sem o mesmo liris mo, Maccormick (2008, pp. 47-49) expõe que o “erro” é uma razão exclu den -te, afas tan do qual quer pos si bi li da de de deli be ra ção, mas que pres su põe um padrão de jul ga men -to, uma base de jul ga men to e um con tex to rele van te. restariam aber tas a con si de ra ção todas as opções “não-erra das” (non-wrong).

72 afirma a auto ra que enquan to para o uti li ta ris ta de ato a ação con cre ta deve ser con si de ra da cor -re ta ou não em fun ção de serem seus resul ta dos bons ou úteis, o uti li ta ris ta de regra con si de racor re to ape nas o ato que segue a regra cuja obser vân cia geral pro duz melho res resul ta dos. No ori -gi nal:Während der handlungsutilitarist die richtigkeit einer kon kre ten handlung ausschließlich danach beur teilt sehen will, ob die Folgen die ser indi vi duel len handlung gut, d. i. nütz lich, sindoder nicht, kommt es nach Meinung des regelutilitaristen ausschließlich darauf an, ob die zubeur tei len de handlung einer regel folgt, deren all ge mei ne Befolgung gute Konsequenzen hat (p.138).

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faixa de casos pos sí veis que cobrir e ava lian do esses tipos de deci sãocomo con se qüên cias da deli be ra ção. essa ava lia ção não usa uma esca laúnica de valo res men su rá veis [...]. ela envol ve cri té rios múl ti plos, quedevem incluir no míni mo “jus ti ça”, “senso comum”, “polí ti ca de inte res -se públi co” e “con ve niên cia jurí di ca”.

como bem des ta ca sen (1999, p. 91), o argu men to em favor do racio cí -nio con se quen cia lis ta surge do fato de que as ati vi da des têm con se quên cias.Mesmo ati vi da des que são intrin se ca men te valio sas podem ter outras con se -quên cias, pelo que o valor intrín se co de qual quer ati vi da de não é uma razãoade qua da para menos pre zar seu papel ins tru men tal, e a exis tên cia de umaimpor tân cia ins tru men tal não é uma nega ção do valor intrín se co de uma ati -vi da de. É pre ci so, pois, exa mi nar não ape nas o valor intrín se co da norma e oesta do de coi sas por ela dire cio na do, mas tam bém as diver sas con se quên ciasintrin se ca men te valio sas ou des va lio sas que pos sam decor rer das ati vi da desafe ta das pela norma.

o exame das con se quên cias não ocor re ape nas ex post facto, mas tam bémquan to aos resul ta dos que razoa vel men te se podem espe rar.

Neste ponto cabe o empre go amplo da inter dis ci pli na rie da de, com uso derecur sos da antropologia, da economia, da Psicologia de mas sas e dasociologia, den tre outros ramos do conhe ci men to, sem pre ilus tra dos pelaÉtica, pois “as deli be ra ções éti cas não podem ser total men te irre le van tes parao com por ta men to huma no real” (seN, 1999, p. 20).

8. robert alexy

Na recen te tra du ção bra si lei ra da obra fun da men tal de robert alexy,teoria dos Direitos Fundamentais, feita a par tir da 5ª edi ção alemã, de 2006, olei tor é brin da do com um pos fá cio, de 2002, no qual alexy res pon de às prin -ci pais crí ti cas fei tas às teses cen trais do livro (silva, 2008, p. 9).

afirma alexy (2008) que “aqui lo que as nor mas de uma cons ti tui ção nemobri gam nem proí bem é abar ca do pela dis cri cio na rie da de estru tu ral do legis -la dor” (p. 584) e que “há três tipos de dis cri cio na rie da de estru tu ral: a dis cri -cio na rie da de para defi nir obje tos, a dis cri cio na rie da de para esco lher os meiose a dis cri cio na rie da de para sope sar” (p. 585).

Prossegue o autor afir man do que a dis cri cio na rie da de para esco lhermeios é típi ca dos direi tos fun da men tais que exi gem ações posi ti vas, e que“essa dis cri cio na rie da de decor re da estru tu ra dos deve res posi ti vos” (p. 586).essa dis cri cio na rie da de não gera maio res pro ble mas se não hou ver dis tin ção

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rele van te entre os meios. todavia, quan do fomen ta rem a fina li da de em grausdis tin tos “ou se tive rem efei tos nega ti vos em dife ren tes graus nas outras fina -li da des ou em outros prin cí pios ou, ainda, se for incer to em que grau isto ocor -re”, já pode haver pro ble mas, que devem ser resol vi dos à luz do sope sa men to.

Para res pon der à crí ti ca de que os prin cí pios como man da tos de oti mi za -ção leva riam a uma con cep ção do ponto máxi mo, e, com isto, à visão daconstituição como um geno ma jurí di co, sub train do qual quer espa ço cria ti voao legis la dor, incom pa tí vel com a ideia da cons ti tui ção como mol du ra, alexymos tra que esta é uma visão equi vo ca da do sign fi ca do da oti mi za ção.

alexy afir ma ainda que “as máxi mas da ade qua ção e da neces si da deexpres sam a exi gên cia de uma máxi ma rea li za ção em rela ção às pos si bi li da desfáti cas”, o que já pouco teria que ver com a ideia do “ponto máxi mo” (p. 588).Mais adian te, tra zen do como exem plo caso jul ga do em 1994 pelo tribunalconstitucional alemão, afir ma o autor que os exa mes de ade qua ção e deneces si da de dizem res pei to a uma rela ção meio-fim, cuja ava lia ção fre quen te -men te sus ci ta difi cí li mos pro ble mas de prog nós ti cos. Nesse caso, o tribunalman te ve a vali da de de lei que proi bia a fabri ca ção, comer cia li za ção, dis se mi -na ção e aqui si ção de pro du tos deri va dos de can na bis, pois “o legis la dor temuma prer ro ga ti va de ava lia ção e deci são para a esco lha entre diver sos cami -nhos poten cial men te ade qua dos para alcan çar um obje ti vo legal”,73 mor men -te por que não have ria conhe ci men tos fun da dos cien ti fi ca men te que deci dis -sem em favor de um ou de outro cami nho.

em outra deci são do tribunal constitucional alemão rele van te para estetema foi expli ci ta do o prin cí pio do uso racio nal dos recur sos públi cos, peloque “os indi ví duos não podem espe rar que, para que sejam evi ta das inter ven -ções em direi tos fun da men tais, ‘os limi ta dos recur sos públi cos sejam uti li za -dos – para além da medi da que a socie da de pode ria razoa vel men te espe rar –na amplia ção dos órgãos res pon sá veis pelo com ba te a essas irregularidades’”(pp. 592-593).

estava em ques tão recur so em que se ques tio na va regra proi bin do uso detra ba lha do res tem po rá rios. informa alexy que a prá ti ca envol via mui tas vio -la ções aos pre cei tos tra ba lhis tas, de direi to eco nô mi co e tri bu tá rio, mas quehavia agên cias inter me dia do ras que agiam cor re ta men te. Questionou-se oexces so da lei, pois, em lugar da veda ção, o mesmo fim – com ba ter a prá ti caile gal – pode ria ser alcan ça do com medi da menos gra vo sa, a fis ca li za ção maisefi cien te nos can tei ros. afirma alexy que se fos sem rele van tes ape nas a liber -da de pro fis sio nal (prin cí pio 1 ou P1) e o com ba te à prá ti ca ile gal (prin cí pio 2

73 BverfGe 90, 145 (183), apud aleXY, 2008, p. 591.

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ou P2), então, sendo igual men te idô neos o con tro le (meio 1 ou M1) e a proi -bi ção (meio 2 ou M2), seria ina fas tá vel a incons ti tu cio na li da de da proi bi ção.

contudo, ao esta be le cer o uso racio nal dos recur sos públi cos como prin -cí pio (P3), o cál cu lo jurí di co muda de forma pro fun da. o con tro le passa a serfeito entre P1 e P3. “com esta ques tão, aban do na-se o âmbi to da oti mi za çãocom rela ção às pos si bi li da des fáti cas. [...]. o que se inda ga é se P2 e P3, toma -dos em con jun to, jus ti fi cam a inter ven ção rela ti va men te inten sa em P1, pre -sen te na proi bi ção (M2). essa é uma ques tão de sope sa men to” (p. 593), queabran ge ava liar tanto o grau de não-satis fa ção ou afe ta ção de cada um dosprin cí pios envol vi dos quan to se a impor tân cia de satis fa zer o prin cí pio pres ti -gia do jus ti fi ca a afe ta ção ou não-satis fa ção do outro, cor res pon den do à lei dataxa mar gi nal decres cen te de subs ti tui ção, tra ta da pelo autor no capí tu lo 3,iii.2.2.2.74

Destaca ainda alexy, res pon den do a crí ti cas de habermas, que o sope sa -men to não é rea li za do de forma arbi trá ria ou irre fle ti da, mas basea do em stan -dards e hie rar quias já sedi men ta dos.75 “os ele men tos do caso con cre to essen -ciais para a deci são são a medi da ques tio na da e os efei tos que sua ado ção e suanão-ado ção têm nos prin cí pios envol vi dos”, que vemos como reco nhe ci men -to explí ci to do trato da ques tão como pro ble ma, da rele vân cia do “con se quen -cia lis mo” e da ado ção de mode lo bem dis tan te do cau sa lis mo. afirma ainda:

Para excluir a pos si bi li da de de impas ses seria neces sá rio, de ante mão, clas si -fi car a rela ção de equi va lên cia como impos sí vel ou sus ten tar que não há nenhum caso no qual ela ocor ra. a pri mei ra alter na ti va é uma sim ples eli -mi na ção daqui lo que não se quer ter. isto é ina cei tá vel. a segun da exige quese inda gue se os prin cí pios de direi tos fun da men tais e as for mas de argu men -ta ção liga das à sua apli ca ção têm uma estru tu ra tão pre ci sa que pudes se fazer

74 Nos seja per mi ti do aqui des ta car que a repre sen ta ção grá fi ca da téc ni ca de con tro le das esco lhastrá gi cas con ti da no item 3 do capí tu lo 6 deste livro é, mate ma ti ca men te, a mesma curva de indi -fe ren ça tra zi da por alexy no capí tu lo 3, iii.2.2.2 ade qua da à evi den cia li za ção do con fron to “P1 eP3”, ao con fron to entre a satis fa ção da pre ten são posi ti va e as pos si bi li da des fáti co-finan cei ras. ainver são da ima gem entre os dois grá fi cos cor res pon de à inver são do ponto de obser va ção, talcomo olhar uma ima gem dire ta men te ou por meio do espe lho.

75 cremos caber lem brar aqui a dife ren cia ção de níveis feita por silveira, entre ciên cia pura, ciên -cia apli ca da e trato com a rea li da de. a crí ti ca haber ma sia na a alexy pode ser clas si fi ca da comouma acu sa ção de vício ricar dia no que é res pon di do por alexy não por defe sa da trans po si ção quecarac te ri za o vício, mas sim por dizer que não há o vício, que não se trata de um mode lo de deci -sões aprio rís ti cas. o des ta que é feito por que a nosso enten der o que ocor re, pre ci sa men te, emparte da dou tri na e na juris pru dên cia até aqui domi nan te, é a prá ti ca do vício ricar dia no com aabla ção do uso racio nal dos recur sos públi cos do rol das ques tões a con si de rar e jus ti fi car.

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com que quase sem pre hou ves se uma dife ren ça de grau que excluís se umimpas se; ou seja, um impas se seria tão impro vá vel que essa cate go ria pode -ria ser eli mi na da. isto seria assim se as inten si da des de inter ven ções, os grausde impor tân cia e os pesos abs tra tos esti ves sem de fato em con di ção de seremrepre sen ta dos por meio de uma esca la com infi ni tos níveis. uma repre sen -ta ção desse tipo seria, então, não ape nas um mode lo idea li za do, mas umarepre sen ta ção de uma estru tu ra de fato exis ten te. Mas há pou cos indí cios deque uma tal estru tu ra de fato exis ta. aqui vale – como vale em geral noâmbi to prá ti co – a obser va ção de aristóteles segun do a qual nós não pode -mos “bus car a mesma exa ti dão em rela ção a todo e qual quer obje to, mas, emcada caso, ape nas aqui lo que é com pa tí vel com o mate rial dado”. os direi tosfun da men tais não são um obje to pas sí vel de ser divi di do de uma forma tãorefi na da que exclua impas ses estru tu rais – ou seja, impas ses reais no sope sa -men to –, de forma a torná-los pra ti ca men te sem impor tân cia. Nesse caso,então, de fato exis te uma dis cri cio na rie da de para sope sar, uma dis cri cio na -rie da de estru tu ral tanto do legislativo quan to do Judiciário (pp. 610-611).

alexy con clui o pos fá cio afir man do que a dis cri cio na rie da de cog ni ti va76

inte gra-se ao direi to fun da men tal, que a inter na li za. isto é “um tri bu to que oideal dos direi tos fun da men tais tem neces sa ria men te que pagar em razão doganho difi cil men te supe res ti má vel decor ren te de sua ins ti tu cio na li za ção nomundo tal como ele é” (p. 627).

9. como esco lher os direi tos em um cená rio de escas sez (ouquais cri té rios jurí di cos para lidar com a escas sez de recur sose as deci sões trá gi cas)

como já des ta ca do, a visão sim plis ta, de bus car a res pos ta numa super fi -cial com bi na ção de dis po si ti vos, in casu o § 1º e o inci so XXXv, ambos do art.5º da cF, nos pare ce pro fun da men te equi vo ca da, sob todo e qual quer aspec to.

a linha dos pre ce den tes do supremo até agora, nota da men te os da lavrado Min. celso de Mello77 nos pare cem, d.m.v., pecar por dei xar de reco nhe -

76 “reconhecer uma dis cri cio na rie da de cog ni ti va ao legis la dor sig ni fi ca, por tan to, con ce der a ele acom pe tên cia, em certa exten são – que é exa ta men te a exten são da dis cri cio na rie da de cog ni ti va –,para deter mi nar aqui lo que a ele é obri ga tó rio, proi bi do ou facul ta do em vir tu de dos direi tos fun -da men tais” (aleXY, 2008, p. 620).

77 stF – 2ª turma. agte. estado do rio Grande do sul, agdos. luiz Marcelo Dias e outros Brasília,12.dez.2006. No mesmo sen ti do: re-agr 271286 / rs, stF – 2ª turma, 12.set.2000, agte.Município de Porto alegre, agdos. eduardo von Mühlen e outros.

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cer o prin cí pio do uso racio nal dos recur sos públi cos, bem como por tra tar daques tão como se não hou ves se sepa ra ção entre inter pre ta ção e apli ca ção, bemcomo sem aten tar para as pecu lia ri da des do caso. Não se está a dizer que adeci são no caso foi equi vo ca da, mas, sim, que ao for mu lar uma solu ção gene -ra lis ta, pela qual a ques tão a ser res pon di da é o con tras te entre um direi to sub -je ti vo ina lie ná vel e um inte res se finan cei ro subal ter no, a deci são enun cia umaregra de deci são que acaba por tor nar sim ples ou roti nei ra a deci são de casosaté então difí ceis. o supremo tribunal Federal falhou em sepa rar os dois cam -pos, da inter pre ta ção e da apli ca ção, aca ban do por enun ciar um cri té rio dedirei to-a-qual quer-custo.

sarlet e Figueiredo (2008, pp. 43-44), ao con trá rio das posi ções até aquiata ca das, reco nhe cem que o impac to eco nô mi co expres si vo torna neces sá riauma dis cus são espe cial. Destacam que “o míni mo exis ten cial está sujei to àdemons tra ção e dis cus são com base em ele men tos pro ba tó rios, nota da men teno que diz com as neces si da des de cada um em cada caso, assim como em rela -ção às alter na ti vas efe ti va men te efi cien tes e indis pen sá veis ao tra ta men to”.havendo opção “igual men te efi cien te”, mas mais bara ta, deve ela ser pres ti -gia da. concluem dizen do que “em ter mos mais prag má ti cos”, em caso de soli -ci ta ção de tra ta men tos não incluí dos nas lis tas ofi ciais o juiz deve “assu mir umpapel mais ativo na con du ção da deman da”, for mu lan do dúvi das quan to aorecei tuá rio, soli ci tan do auxí lio de pro fis sio nal espe cia li za do e, se não hou verpro to co los clí ni cos ou dire tri zes tera pêu ti cas esta be le ci das, “há neces si da de deprova cien tí fi ca robus ta que emba se a pos tu la ção feita”, mas, a des pei to disto,não há pre juí zo para a con ces são de tute la ante ci pa da (p. 48).

É conhe ci da a posi ção de sarlet no sen ti do de que a escas sez não inte graa defi ni ção do “direi to à vida” (2007, p. 305), sendo mais uma res tri ção que oautor e coautor, niti da men te, pre ten de tra tar res tri ti va men te.

Pensamos que o viés res tri ti vo não pro ce de. Não há que se ter qual querviés antes do fato, antes da cons tru ção do caso. entendemos que o mode lo desarlet (2007) e sarlet e Figueiredo (2008) abar ca na inter pre ta ção eta pas queficam melho res na apli ca ção.

Não se diga, na linha retó ri ca espo sa da em pre ce den tes do stF, que seesta ria a com pa rar coi sas desi guais e uma supe rior. É um erro de per cep ção. acom pa ra ção entre coi sas desi guais é feita no orça men to. Quando se deci decomo alo car o orça men to da saúde, o ver da dei ro con fli to é entre “a vida” doreque ren te e “a vida” de tan tos outros.78

78 repetimos a opi nião expres sa no item 5, supra: Dizer que o estado tem ver bas nem sem pre bemempre ga das, mui tas vezes con su mi das com frau des, é cons ta ta ção feita a par tir do noti ciá rio dos

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outro aspec to que nos pare ce não bem obser va do é que a escas sez podese dar não ape nas quan to a recur sos finan cei ros, mas tam bém quan to a recur -sos não finan cei ros. Falta de espe cia lis tas, falta de equi pa men tos etc.conquanto no médio-longo prazo isto seja uma ques tão resol vi da com recur -sos, no curto prazo, não raro, não resol vem. aqui a conhe ci da frase de Keynes,“a longo prazo todos nós esta re mos mor tos” assu me uma rea li da de sotur na,agra van do um drama que pre ci sa ser con si de ra do no pro ces so deci só rio.

além disto, a one ro si da de exces si va, o ele va do custo pode ser rela ti vo aum tra ta men to, como indi ca do nas notí cias men cio na das no item 5, acima.Mas ela pode se mate ria li zar, tam bém, no aspec to de massa popu la cio nal. hácasos de doen ças raras que, tal vez por que raras, têm tra ta men to muito ele va -do, em alguns casos ao limi te de colo car em risco o equi lí brio de peque nos e médios pla nos de saúde. todavia, por que raras, isto é, de bai xís si ma inci dên -cia no uni ver so popu la cio nal, dada uma larga base de con tri buin tes – em sen -ti do estri to quan do se fala de pres ta ção esta tal, em sen ti do lato quan do se falaem pla nos de saúde – o custo efe ti vo, o mon tan te a arcar não seja inviá vel. oincre men to decor ren te de um novo tra ta men to ou medi ca men to que em ter -mos uni tá rios não pare ça ele va do, por que rela ti vo a doen ça abran gen te, podeser, ao final, muito mais rele van te do que o da outra mudan ça. assim, pode serque o incre men to de mais r$ 5 mil/mês em um tra ta men to seja, em con cre to,um desa fio muito maior para as finan ças públi cas do que um desa fio de r$ 100mil/mês posto por uma crian ça com síndrome de Kabuki, mal gené ti co queem abril de 2003 afe ta va cem crian ças no mundo.79

acrescentar este ele men to àque les que o magis tra do deve con si de rar exi -gi ria tal vez não o “juiz hércules”, mas o juiz Khrónos, senhor do tempo parapoder pon de rar, ave ri guar todos os ele men tos sig ni fi ca ti vos pos tos por sarlet.infelizmente tempo tam bém pare ce ser um recur so escas so para o Judiciário.

jor nais que, d.m.v., tem o mesmo valor jurí di co do que dizer, tam bém a par tir de notí cias de jor -nal, que há máfias por trás da “indús tria de limi na res de medi ca men to”: nenhum. Pode ter empre -go em dis cur sos pan fle tá rios, em dis cur so de jus ti fi ca ção de deci sões cujo fun da men to é outro, tal -vez não expli ci ta do, numa linha de rea lis mo jurí di co pela qual o magis tra do deci de por sua con -vic ção e cria um pálio de jus ti fi ca ção.

79 informação obti da em <http://www.orpha.net/con sor/cgi-bin/oc_exp.php?lng=Pt&expert=2322>. acesso em 29.abr.2009. o valor e a esco lha da doen ça foram abso lu ta men te alea tó rios,sem qual quer vín cu lo com a rea li da de, inclu si ve por que não temos notí cia de remé dios para estadoen ça. cabe lem brar, con tu do, que o fato de ser rara a doen ça (ou rarís si ma) não nos pare ce serum fun da men to váli do para uma exclu são. como bem des ta ca Maccormick (2008, cap. 3) a fun -ção con cei tual do “erro” (ou “erra do”) é mar car o que está excluí do de deli be ra ção. vale tam bémlem brar o diá lo go dos irmãos ivan e aliócha Karamazov (Dos toiÉvs Ki, 2004, p. 694) trans cri -to na nota 71.

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sunstein e ulmann Margalit (2000, p. 192), em estu do sobre o com por -ta men to dos jul ga do res demons tram a invia bi li da de de pau tar deci sões do dia-a-dia em méto dos com ple xos de adju di ca ção. Por mais rele van tes e dra má ti -cos que sejam os casos, para boa parte dos magis tra dos tal vez a “natu re za” dosautos-a-deci dir acabe por ser simi lar à do pacien te-a-aten der para o plan to nis -ta de emer gên cia. Não é o ideal, mas é o real, que não pode ser des con si de ra -do por que o ele men to huma no está pre sen te em todos os aspec tos da ques tãoe o emo cio nal é parte indis so ciá vel do huma no.80-81

assim, o mode lo de sarlet nos pare ce pecar pelo aspec to prá ti co. comoo dis cur so jurí di co é um caso espe cial do dis cur so prá ti co geral (aleXY,2005), trata-se de uma ques tão jurí di ca. a nosso ver, o resul ta do deste mode -lo, não em um momen to teó ri co, idea li za do, não nas con di ções nor mais detem pe ra tu ra e pres são, mas em um dos foros e tribunais do Brasil, é o de umjuiz asso ber ba do deci din do sobre a pres são moral dos resul ta dos ale ga dos paraseu seme lhan te, que decor re riam da nega ti va de deci são, com a fer ra men ta

80 cremos que a deci são da suprema corte dos estados unidos no caso New York times co. v. unitedstates, 403 u. s. 713 (1971), apud calabresi e Bobbitt (1978, p. 40) pode ser vir como um exem ploprá ti co disto. Nesta opor tu ni da de, afir mou a suprema corte, nas pala vras do Justice steward, que“uma regra abso lu ta proi bin do a cen su ra pré via que possa pro var esta tis ti ca men te cus tar várias cen -te nas de vidas toca aos magis tra dos dife ren te men te da deci são, em um caso espe cí fi co, quan to a per -mi tir uma publi ca ção quan do se sabe que uma cen te na de vidas serão per di das como resul ta do”(tradução livre. No ori gi nal: “an abso lu te rule for bid ding prior cen sors hip which can be sta tis ti -cally shown to cost many hun dreds of lives stri kes us dif fe rently form a deci sion in a spe ci fic caseto allow publi ca tion when we know that a hun dred lives will be lost as a result”).

81 a pro pó si to, um dos ele men tos cen trais da tese de Maccormick (2008) é a cons tru ção de umimpe ra ti vo que une tanto a racio na li da de kan tia na quan to o espec ta dor impar cial de adam smithem sua teoria dos sentimentos Morais. afirma o autor:Kant nos acon se lha a for mu lar os juí zos morais “como se” a máxi ma de nos sas ações pudes se setor nar, pela nossa von ta de, uma “lei uni ver sal da natu re za”. a melhor lei tu ra para esta frase obs -cu ra agora se torna clara. Nossos jul ga men tos devem levar em con si de ra ção a nossa natu re za –seguin do smith, pouco impor tan do se Kant con cor da ria, essa nossa natu re za é expres sa em gran -de medi da por meio de “sen ti men tos” ou emo ções e pai xões que são des per ta das na inte ra çãohuma na. À luz do nosso enten di men to mútuo como seres dota dos de pai xões temos que pro cu -rar com quais nor mas de jul ga men to pode mos con vi ver enquan to nor mas comuns. o que é cor -re to e o que é bom para nós são maté rias que depen dem e estão refe ren cia das à nossa natu re zahuma na comum. Neste sen ti do há um “direi to natu ral” (p. 200).tradução livre. No ori gi nal:Kant coun sel led us to for mu la te moral jud ge ments ‘as if’ the maxim of our acting would beco me through our will a ‘uni ver sal law of nature’. the best rea ding of that del phic phra se beco mes nowclear. our jud ge ments should take account of our natu re –fol lo wing smith, whe ther or not Kantwould have agreed, this natu re of ours is expres sed to a very great extent through the ‘senti-ments’ or emo tions and pas sions that are arou sed in human inte rac tion. in the light of our mutu-al unders tan ding as pas sio na te beings we must see what norms of jud ge ment we can live by ascom mon norms. What is right for us to do and what it is good for us to do are mat ters that do depend on and refer back to our com mon human natu re. to that extent there is ‘natu ral law’.

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teó ri ca do direi to prima facie e do risco de demo ra para fun da men tar a limi -nar, o acú mu lo como jus ti fi ca ti va para maior vagar, a difi cul da de em pon de -rar tudo que é rele van te e, ao final, a teo ria do fato con su ma do e a natu re zaali men tar da pres ta ção já for ne ci da. ao che gar a este ponto, o “caso difí cil”torna-se um “caso fácil” (perda do obje to da ação), mais uma sen ten ça entra naesta tís ti ca de pro du ti vi da de, tal como mais deci sões inter lo cu tó rias já foramcon ta bi li za das ao longo do feito.

o mode lo pro pos to por sarlet per mi te uma indu ção ao dile ma do pri sio -nei ro,82 pondo ao nível do jul ga dor uma opção racio nal que, no agre ga do,resul ta em uma opção cole ti va irra cio nal. cabe ao mode lo de ação indu zir aque as melho res esco lhas indi vi duais sejam aque las mais ade qua das a que oponto ótimo cole ti vo seja alcan ça do. Por isto, esse mode lo não nos empol ga.

todavia, sarlet (2007, p. 338) abre um outro campo para a tute la juris di -cio nal com o vín cu lo que esta be le ce entre a reser va do pos sí vel e o prin cí pioda sub si dia rie da de, extrain do uma pri ma zia da autor res pon sa bi li da de do indi -ví duo e de sua famí lia. aquela pre ten são que não tem ele men tos sufi cien tespara ser aten di da como pre ten são posi ti va pode, sim, ser aten di da como pre -ten são nega ti va, inclu si ve por que tais pre ten sões não são afe ta das pela escas sez.

com efei to, há situa ções em que, por força da prer ro ga ti va de ava lia çãoe deci são para esco lha entre cami nhos poten cial men te ade qua dos e do prin cí -pio do uso racio nal dos recur sos públi cos, apon ta dos por alexy (2008, pp. 591-593) na juris pru dên cia cons ti tu cio nal alemã, não se reco nhe ce rá o direi to àobten ção de um dado medi ca men to, mor men te se hou ver outro sendo ofe re -ci do. o grau de cer te za cien tí fi ca pode não ser forte o sufi cien te para dese qui -li brar a ten são neces si da de-pos si bi li da de em favor da pri mei ra, mas pode bas -tar para con cluir que se trata de um plei to legí ti mo, tal vez muito pró xi mo aomíni mo exis ten cial.

a par tir de dados ver da dei ros, for mu le mos um exem plo ape nas paraacla rar o ponto jurí di co do sur gi men to de pre ten são nega ti va pelo não aten di -men to de pre ten são posi ti va.

Pacientes com a Doença de crohn e retrocolite ulcerativa têm infla ma -ção crô ni ca em uma ou mais par tes do tubo diges ti vo, desde a boca até o ânus.Não há cura nem téc ni cas de pre ven ção e a ori gem é des co nhe ci da.83 trata-sede doen ça debi li tan te, que reduz a expec ta ti va de vida do pacien te.

um dos fár ma cos uti li za dos para con tro le dos sin to mas e de suas com pli -ca ções é a mesa la zi na, que foi incluí da na rela ção de anti-in fla ma tó rios intes -

82 cf. capí tu lo 5, item 5, supra.83 <http://www.abc da sau de.com.br/arti go.php?152>. acesso em 07.maio.09.

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ti nais. contudo, há algu ma evi dên cia cien tí fi ca – e este o ponto da ques tão emcon cre to que não pre ten de mos enfren tar por que não é rele van te para o quepre ten de mos exem pli fi car84 – de que ape nas a minis tra ção da mesa la zi na emsi não seja sig ni fi ca ti va. Dependendo do ponto em que se dá a infla ma ção –que para estes doen tes pode ser da boca ao ânus, é pre ci so a asso cia ção doremé dio com for mu la ção de libe ra ção con tro la da, per mi tin do con tro lar olocal de libe ra ção do prin cí pio ativo (Frei re, 2006, p. 338). esse sis te ma estápre sen te em um remé dio de refe rên cia, o Pentasa. o sus, ao menos no iní cio,for ne ceu outro remé dio, adqui ri do em lici ta ção, com o mesmo prin cí pio ativo,mas não o Pentasa, que nem mesmo é fabri ca do no Brasil.

há notí cia de movi men to de pacien tes, em Juízo e peran te o MinistérioPúblico, plei tean do o Pentasa e não outros. há vários pon tos do plei to, comofalta de prova de equi va lên cia para per mi tir regis tro como gené ri co ou simi -lar, mas, como dito, não nos inte res sa a ques tão em si.

suponha-se que de fato haja uma dúvi da legí ti ma quan to a maior uti li -da de do Pentasa, ou que a maior uti li da de do Pentasa peran te outros nãoresul te em um resul ta do geral satis fa tó rio, sendo o sufi cien te para, ante a prer -ro ga ti va de ava lia ção e deci são para esco lha entre cami nhos poten cial men teade qua dos e do prin cí pio do uso racio nal dos recur sos públi cos, man ter aopção esta tal pela aqui si ção do medi ca men to que for ofe re ci do ao menorpreço tendo como prin cí pio ativo a mesa la zi na.

isto pode ser razão sufi cien te para, exa mi nan do o caso, afas tar a pre ten -são a que o remé dio “de marca” seja for ne ci do pelo estado, mor men te paraquem tenha con di ções de arcar com o custo que, no caso do Pentasa, podeche gar a mil reais por mês, o dobro do custo em far má cia de outras mesa la zi -nas. todavia, pare ce que, no exem plo, há razão sufi cien te para con cluir pelapro ce dên cia da pre ten são nega ti va, vol ta da con tra a união Federal, de que osgas tos com o medi ca men to seja dedu tí vel do impos to de renda, eis que partedo míni mo do míni mo exis ten cial.

De igual sorte, se a sub si dia rie da de e a soli da rie da de do núcleo fami liarfazem com que o dever de pro ver o tra ta men to recaia pri mei ro sobre o indi -ví duo e sua famí lia, igual dedu ção há de ser reco nhe ci da àque le fami liar quearcou com a medi ca ção.

assim, o fato de não se reco nhe cer a pre ten são posi ti va acer ca do tra ta -men to não exclui o reco nhe ci men to da essen cia li da de quan to aos mes mos ele -men tos, mas para fins de pre ten são nega ti va. tal pre ten são pode fun dar o afas -ta men to de tri bu tos, seja via dedu ção do impos to de renda, seja, nos casos de

84 Muito embo ra de enor me rele vân cia para os afe ta dos e seus fami lia res.

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impor ta ção dire ta,85 exclu são do iPi e do icMs. o imposto de importaçãotam bém pode rá ser afas ta do, mas no caso de não haver pro du ção nacio nal.

essa exclu são pres cin de de qual quer media ção legis la ti va, já que tem ori -gem no míni mo exis ten cial. sarlet não avan ça nes tes aspec tos tri bu tá rios, mascre mos que dá bases segu ras para que ele seja feito, tal como aqui.

torres (2009) cri ti ca a posi ção defen di da na pri mei ra edi ção desta obrapor enten der que ela “apre sen ta a des van ta gem de exi gir a deter mi na ção decon cei tos aber tos cons tan tes de duas variá veis (essen cia li da de e excep cio na li -da de) de difí cil inter se ção” (p. 76), embo ra reco nhe ça o méri to de criar meca -nis mo para a inter pre ta ção da exi gi bi li da de das pres ta ções de saúde.

torres defen de o res pei to a um míni mo exis ten cial como regra, apli cá velpor sub sun ção e não sujei to a pon de ra ção (p. 84), mas pare ce limi tá-los à par -ce la “aquém da qual desa pa re ce a pos si bi li da de de se viver com dig ni da de”,sendo o últi mo con teú do essen cial dos direi tos fun da men tais (p. 88). Para aspres ta ções posi ti vas não con ti das no míni mo exis ten cial é neces sá ria lei ins ti -tui do ra da polí ti ca públi ca, lei orça men tá ria e do empe nho da des pe sa, pois “apre ten são do cida dão é à polí ti ca públi ca, e não à adju di ca ção indi vi dual debens públi cos” (2009, p. 106).

afirma tam bém torres que o míni mo exis ten cial está sujei to a limi tesfáti cos, sobre tu do de ordem finan cei ra. “o míni mo exis ten cial pro te ge a exis -tên cia físi ca como valor jurí di co abso lu to, que só nos casos extre mos se tornafati ca men te limi tá vel” (2009, p. 114). torres reco nhe ce os impac tos de res tri -ções de recur sos, em casos extre mos, tanto das pre ten sões nega ti vas (p. 115)quan to das pre ten sões posi ti vas (p. 117).

com todas as vênias a este que é meu para dig ma de pro fes sor e juris ta,não vemos a dife ren ça entre as posi ções, ape nas uma maior expli ci ta ção doque antes pro pos to.

se há limi tes fáti cos, “sobre tu do de ordem finan cei ra” (p. 114), não pare -ce plau sí vel tra ba lhar com um duplo “tudo-ou-nada”, um sepa ran do o que“está no míni mo” e é defen di do por regra do que “não está no míni mo” e éimple men ta do por polí ti cas públi cas; outro sepa ran do o que sejam situa çõesfáti cas extre mas que afas tam a pro te ção tanto do sta tus nega ti vus quan to dosta tus posi ti vus liber ta tis do míni mo e o que não cons ti tui situa ção extre ma e,por tan to, não é óbice à apli ca ção da regra de pro te ção.

85 Por razões que não cabem aqui expli car, mas que guar dam algu ma sin to nia com a súmu la 591 dostF, não nos pare ce cabí vel excluir icMs e iPi na impor ta ção feita por quem não será o con su -mi dor final. isto depen de rá de media ção legis la ti va.

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Não há uma linha pre ci sa que sepa re os cam pos. há, sim, uma zona detran si ção e, mesmo den tro desta zona de tran si ção, não se pode che gar a umaano mia, em que nada mais res tou dos direi tos fun da men tais. Mesmo no extre -mo cabe algum tipo de pon de ra ção.

esta pon de ra ção é o que se bus cou repre sen tar gra fi ca men te com o eixoessen cia li da de x excep cio na li da de.

um ponto que nos pare ce rele van te, mas não é des ta ca do por torres éque o parâ me tro da razoa bi li da de e da pro por cio na li da de, para usar umaexpres são tam bém uti li za da pelo autor (2009, p. 120), pode ser rom pi do nãonaque la causa em con cre to que está sendo exa mi na da, mas pelo agre ga do dasdeman das con gê ne res, como exem pli fi ca mos algu mas pági nas atrás alu din doà síndrome de Kabuki.

Para além das referências a ingo sarlet e ricardo lobo torres cabereafirmar a visão de que o Judiciário não é nem o único e nem mesmo o me -lhor intérprete quando a afirmação de direitos envolve decisões alocativas, talcomo já exposto ao longo de todo o texto original deste livro, notadamente noitem 5 do capítulo 1 e nos itens 1 e 2 do capítulo 6.

a mesma ordem de ideias está em muito mais bem desenvolvida e desta-cada no seminal artigo de sunstein e vermeule (2003), em que destacam afutilidade (futility) do debate acerca de questões interpretativas apenas a par-tir de um nível elevado de abstração (p. 2) e advogam a ênfase em duasquestões negligenciadas, as capacidades institucionais e os efeitos dinâmicosde qualquer abordagem. com isto, defendem a necessidade de uma viradainstitucional no pensamento acerca de problemas de interpretação. Quanto àscapacidades institucionais, sunstein e vermeule defendem que a questão cen-tral não é “como, em princípio, deve o texto ser interpretado?”, mas, ao con-trário, “como certas instituições, com suas distintas habilidades e limitações,devem interpretar certos textos?”.

sunstein e vermeule sugerem uma postura mais restrita do judiciário,respeitando o espaço institucional do legislativo e de agências reguladoras, que,na experiência brasileira, creio que podemos traduzir melhor por órgãos técnicos.

as mesmas críticas ao modelo de atuação do judiciário podem ser vistasem Ávila (2009), Binenbojm e cyrino (2009) e sarmento (2009), sendo queBinenbojm e cyrino defendem abertamente o modelo de sunstein evermeule, ao passo que sarmento, a nosso ver, segue na mesma linha.

Nesse modelo, o papel do judiciário é mais voltado ao controle dasopções legislativas e das escolhas técnicas e políticas do executivo, restringin-do-as nos casos de erro manifesto, mas não quando, aparentemente, não é amelhor. Neste mesmo sentido já defendíamos na primeira edição o papel

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principal do Judiciário como o de controle do discurso, controle da justifi-cação das escolhas feitas pelo legislativo e pelo executivo na alocação dosrecursos necessários à satisfação das pretensões positivas.

9.1. resgatando o orça men to

escassez sig ni fi ca haver menos do que o neces sá rio para aten der, em con -di ções de uso em tempo ade qua do. a escas sez pode ser resul ta do de difi cul da -des alo ca ti vas, inclu si ve de logís ti ca. se não hou ver escas sez, não temos umaques tão rele van te, não temos um caso difí cil e as ques tões devem ser resol vi -das como casos sim ples, atra vés de sub sun ção. havendo escas sez, é pre ci soveri fi car sua causa. sendo rele van te a ori gem, aí pode ser que se ins tau re umcaso difí cil. se no polo opos to da con si de ra ção esti ver um direi to com po nen -te do míni mo exis ten cial, no sen ti do de “míni mo do míni mo”, se esta rá noslimi tes máxi mos de essen cia li da de e a razão da escas sez, para afetá-lo, deve rátam bém ser extre ma, ver da dei ra situa ção-limi te, caso con trá rio se esta rá tam -bém dian te de um caso fácil.

No tocan te à saúde, em espe cial, tal vez haja uma pecu lia ri da de. Por querazão uma pres ta ção seria essen cial? Porque amea ça a vida? Porque amea ça avida com um míni mo de dig ni da de? se a qua li fi ca ção se dá pelo resul ta do, peloefei to pro te tor do núcleo “vida”, sub ja cen te em qual quer noção de direi toshuma nos, direi tos fun da men tais, míni mo exis ten cial ou qual quer outro nomeque se quei ra uti li zar, então não have ria dife ren ça entre doen ças.

admitida algu ma pon de ra ção, esta pode ria ser, numa sim pli fi ca ção, como prin cí pio do uso racio nal dos recur sos públi cos afir ma do pelo tribunalconstitucional alemão.86 Mas o que é rele van te para os “recur sos públi cos”não é o valor indi vi dual, mas o efei to total, o efei to agre ga do. limitar o con -tro le a ser o tra ta men to obje to do ques tio na men to judi cial “bara to”, “rela ti va -men te bara to”, “caro”, “muito caro” ou “absur da men te caro” é pre ci fi car avida. como já se demons trou acima, o que deve ser visto é o efei to da medi dana massa popu la cio nal envol vi da.

Por tudo isto, a sede por exce lên cia para estas esco lhas é o orça men to.talvez por que déca das de infla ção ames qui nha ram a noção de moeda no

Brasil e sem moeda o orça men to se torna uma peça de fic ção, tal vez por queuma larga tra di ção auto ri tá ria tenha lega do uma hiper tro fia do executivo, oorça men to pare ce ainda ser um ins ti tu to a ser (re)des co ber to.

86 cf. acima, item 5 deste post scrip tum.

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o Min. ricardo lewandowski, em pre fá cio à obra de sabbag (2007, p.Xii), afir ma mos trar-se urgen te que a socie da de par ti ci pe das esco lhas orça -men tá rias e pro ta go ni ze o pro ces so de pla ne ja men to, pois a extraor di ná riacon cen tra ção de poder no exe cu ti vo soma-se à subal te ri da de do par la men to eambas pro du zem, no meio de for mas e apa rên cias, défi cit demo crá ti co sempre ce den tes.

sabbag, nesta obra (pp. 141-142) defen de a par ti ci pa ção popu lar namode la gem das esco lhas finan cei ras, pois esta aber tu ra “divi de res pon sa bi li da -des e impe de que a cobran ça sobre os desa cer tos da polí ti ca orça men tá ria sejadire cio na da ape nas ao Poder executivo”.

os vín cu los entre direi tos fun da men tais e orça men to são bem cla ros na melhor dou tri na, como se lê em sarlet (2007, p. 382 e pas sim) e torres (1999,pas sim). o orça men to, aliás, forma um todo incin dí vel com a sujei ção tri bu tá -ria cha ma do Direito Financeiro, evi den cia do pela melhor dou tri na, con for mese lê em amatucci (2007, pas sim), Ferreiro lapatza (2006, pp. 40-41), Nabais(2005, pp. 60 e ss.), Plazas vega (2004, p. 38) e torres (2007, pp. 26-27).

esta dig ni da de do orça men to torna, a nosso ver, des ca bi do tratá-lo como“ques tão menor”. até por que, como “levar o direi to a sério é tam bém levar aescas sez a sério” (holMes, sustein, 1999, p. 94) e como “jus ti fi car a deci sãopar ti cu lar envol ve a enun cia ção de algu ma deli be ra ção ‘ universal’ per ti nen teà ques tão par ti cu lar” (Mac cor MicK, 2006, p. 128), afir mar que alguém temo direi to de rece ber dada pres ta ção do estado, sem limi tes nas pos si bi li da des,deman da que se admi ta, ao menos impli ci ta men te, um cus teio ili mi ta do, ades pei to das garan tias cons ti tu cio nais liga das à tri bu ta ção, ao res pei to da pro -prie da de e dos con tra tos, que pro te ge não ape nas os que con tra tam com oPoder Público, mas tam bém o direi to dos ser vi do res aos seus ven ci men tos.

Por orça men to, con tu do, não se pode enten der ape nas o pro ces so for malde apro va ção das leis orça men tá rias. o que pre ci sa ser res ga ta do é o pro ces sode esco lhas públi cas. isto passa neces sa ria men te pelo orça men to, mas não éape nas o orça men to.

É pre ci so defi nir pro to co los médi cos, defi nir mon tan tes de recur sos ades ti nar, esco lher prio ri da des por cri té rios públi cos. Nesse pro ces so de esco -lha públi ca, na ela bo ra ção dos pro gra mas de des pe sas que inte gra rão o pro je -to de lei orça men tá ria cabe, sim, o con tro le judi cial, na linha defen di da peloProfessor ricardo lobo torres.

o deba te na arena cole ti va tem a van ta gem de evi den ciar a dupli ci da deda esco lha: deci dir quem aten der é um lado da mesma moeda que tem, dooutro lado, o vulto de quem não será aten di do.

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vale aqui lembrar as observações de sunstein e vermeule (2003). avirada institucionalista é defendida a partir de um fundamento pragmático:“essa abordagem pode produzir o sistema jurídico mais sensato, dada as insti-tuições que efetivamente temos”87 (p. 4). o prestígio dado aos órgãos técni-cos nesse modelo decorre da confiança e da expertise técnica. sem esses doisrequisitos, os próprios autores reconhecem que o argumento em favor dessadeferência ficaria muito fraco (p. 34). Nesse mesmo sentido é o entendimen-to de Binenbojm e cyrino (2009, p. 750).

uma virada institucionalista no campo da saúde no Brasil requer nãoapenas que o Judiciário leve a sério a escassez de recursos e explicite as duasvertentes do trade-off: quem é atendido e quem “paga a conta” com a perda dorecurso. tal virada requer o que poderíamos ousar chamar de publicizaçãodas escolhas. Publicização não é apenas divulgar, mas é tornar público oprocesso de escolha. tal como o Judiciário vem se abrindo à sociedade atravésda figura dos amici curiae, é preciso, no campo da saúde, que entidades técni-cas representativas sejam ouvidas na elaboração das políticas públicas e doorçamento.

o apelo ao legislador, a declaração de inconstitucionalidade com eficáciapara o futuro denotam a existência de instrumentos88 para que o Judiciário,

87 tradução livre. No original e na íntegra da frase: “We suggest that a formalist or textualistapproach to statutes might be most plausibly defended, not by controversial claims about theconstitution or implausible claims about meaning, but through a suggestion that this approachmight produce the most sensible system of law, given the institutions that we actually have”.

88 sunstein (2001, pp. 221-222) e Binenbojm e cyrino (2009, p. 752) apontam como exemplo ino-vador o julgamento do caso republic of south africa v. Grootboom and others, no qual a corteconstitucional da África do sul entendeu que os apelantes – a república, o estado-membro, amunicipalidade e o condado – teriam falhado no dever de implantar um programa coerente ecoordenado para cumprir com a obrigação constitucional de, nos limites dos recursos existentes,propiciar a progressiva realização do direito à moradia para com os mais miseráveis, grupo ao qualpertenciam os recorridos. todavia, ao invés de adjudicar algum direito, determinou que o pro-grama fosse elaborado, encarregando a human rights commission de acompanhar o cumpri-mento da decisão.com a ressalva de que não conhecemos a realidade jurídica sulafricana, o julgado nos parecemuito próximo da primeira linha seguida pelo stF quanto a inconstitucionalidade por omissão,inclusive na via dos mandados de injunção, o que tira o caráter inovador apontado por sunstein(2001, p. 222). Foi reconhecido um estado de inconstitucionalidade e determinado que um pro-grama fosse iniciado, devendo a human rights commission acompanhar o cumprimento dadecisão.a human rights commission é uma das instituições de garantia da democracia constitucionalsul-africana, ao lado do Protetor Público, da comissão para Promoção e Proteção dos direitos cul-turais, religiosos e linguísticos das comunidades, da comissão para a igualdade de Gênero, oauditor Geral e a comissão eleitoral (constituição da república da África do sul de 1996, art.181). seus membros são nomeados pelo Presidente da república, após indicação da assembleiaNacional (constituição, art. 193 (4) (a)). Dentre suas competências está a de fazer relatórios acer-

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diante de políticas públicas, diante de opções alocativas que não se mostremcoerentes, possa levar executivo e legislativo a corrigir tais políticas no planomacro, e não ficar tratando apenas as questões pontuais, de modo a se ter, nofinal metade ou mais dos já insuficientes orçamentos da saúde em grandesestados do Brasil alocados pela sucessão de decisões judiciais, sem nenhumacoordenação, sem nenhuma possibilidade de controle pela eficiência, semcritérios de escolha conhecidos ou sindicáveis.

É preciso, que executivo e legislativo não tenham a mesma postura quetiveram quanto aos casos em que o supremo tribunal Federal apontou moralegislativa na regulamentação de direitos constitucionais. se não houver pos-tura ativa do estado, não apenas estabelecendo os critérios de escolha, mastornando-os conhecidos e abertos para debate com a sociedade, certamente oJudiciário tomará postura mais ativa, como fez, nos mandados de injunção re -lativos a greve no serviço público a partir de outubro de 2007.89

contudo, é preciso criar o espaço para que um processo público, abertode escolhas públicas, com forte justificação técnica, surja. a realidade de uma“chuva de liminares” com ordem para comprar, pagar, entregar em 24hs sobpena de prisão não parece ser o melhor ambiente para isto.

ca do cumprimento dos direitos humanos, pelo que, quanto a acompanhar o cumprimento dadecisão e reportar eventuais problemas, a decisão da corte foi mera explicitação do teor literal doartigo 184 (2) (a) da constituição sulafricana.Muito embora “assegurar moradia para os mais miseráveis na África” lembre a afirmação decanotilho (2008) de que o Direito garante o mínimo desde que haja dinheiro, é preciso recon-hecer que a human rights commission tem elaborado relatórios precisos sobre a situação dosdireitos humanos na África do sul, destacando a área específica abrangida pelo caso Grootboom.tais relatórios, disponíveis no endereço <http://www.sahrc.org.za/sahrc_cms/publish/cat_index_28.shtml>, mostram que esforços têm sido envidados e dilemas, como fazer casas de maisbaratas e de menor qualidade, que permitem atender mais pessoas que estão sem nem mesmoum teto num primeiro momento, ou fazer casas de qualidade um pouco melhor, pois elas durammais e demandam menos manutenção e, no médio prazo, são mais baratas e mantém por maistempo o carater de moradia digna, muito embora no curto prazo sejam mais custosas e permi-tam que a velocidade de atendimento dos necessitados seja menor.De vantajoso em comparação com a experiência brasileira com os mandados de injunção, em suaprimeira fase, é o fato de haver um relatório anual, feito por uma comissão governamental inde-pendente, que aponta claramente a situação. talvez isto seja um constrangimento político queimpulsione a implementação dessas políticas.

89 em 25 de outubro de 2007 o stF julgou os mandados de injunção 670, 708 e 712, não apenasreconhecendo a mora legislativa na regulamentação do direito de greve, mas estabelecendo as lin-has gerais da regra a ser utilizada até que a necessária lei fosse criada. até então o stF já haviajulgado, sobre o mesmo assunto, o Mi 20, em 19 de maio de 1994, e os MMii 438 (em 1994), 485,585 (em 2002), reconhecendo a mora e oficiando ao congresso para que sanasse o problema.

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10. a títu lo de con clu são

Buscando sin te ti zar nossa opi nião sobre o tema, as pala vras “direi to” e“direi tos” são polis sê mi cas, aca bam por se reve lar como pala vras-cama leão oucomo “tû-tû”, como bem apon tam hohfeld (1995) e ross (1994 e 2004). Noque tange aos direi tos cons ti tu cio nais em geral e aos direi tos fun da men tais empar ti cu lar, a situa ção não guar da iden ti da de com o “direi to sub je ti vo” do direi -to civil “clás si co”, do sécu lo XiX.

os direi tos fun da men tais peran te o estado não têm exa ta men te um fatocons ti tu ti vo, reves tin do-se mais como um sta tus decor ren te da con di ção departe da socie da de ou, quan to aos mais ele men ta res, da con di ção de huma no.

tais direi tos dão ori gem a pre ten sões a pres ta ções nega ti vas e a pre ten -sões a pres ta ções posi ti vas por parte do estado. conquanto os cha ma dos direi -tos nega ti vos ou direi tos da liber da de cos tu mem ter maior con teú do de pre -ten são nega ti va e os cha ma dos direi tos sociais cos tu mem ter maior con teú dode pre ten são posi ti va, a divi são não é cor re ta. De um mesmo direi to, como aliber da de de ir e vir, aces so a Justiça e direi to à edu ca ção, decor rem tanto pre -ten sões nega ti vas quan to pre ten sões posi ti vas.

as pre ten sões posi ti vas deman dam um agir e este pres su põe o uso derecur sos. assim, há, poten cial men te, um con fli to espe cí fi co entre estas, o con -fli to pelo con su mo dos meios neces sá rios ao aten di men to. trata-se de um con -fli to res tri to a este tipo de pre ten são, cuja solu ção só pode se dar ou pelo fimdo con fli to com a dis po ni bi li za ção de recur so a todos, ou por meio de umaopção dis jun ti va, que é a de, ao mesmo tempo, esco lher quem aten der e esco -lher não aten der.

tais deci sões alo ca ti vas têm como melhor sede o orça men to. Não a leifor mal do orça men to, mas todo o pro ces so desde a ela bo ra ção de sua pro pos -ta até a exe cu ção. o con tro le das esco lhas ínsi tas a este pro ces so per mi tem vere dar voz tanto ao lado “ven ce dor”, que rece be rá os meios, quan to ao lado“per de dor”, que os terá em menor monta ou mesmo não os terá.

Muito embo ra não mere ça o nome “direi to” algo que não possa ser defen -di do em Juízo, o pro ces so judi cial indi vi dual, o con tro le pon tual – seja daneces si da de, seja da dis po ni bi li da de neces sá ria para aque la situa ção espe cí fi ca– pode mas ca rar um “custo ocul to”, pode mas ca rar uma massa sem rosto e semiden ti da de conhe ci da, mas que são atin gi dos pela trans fe rên cia alo ca ti vaquan to aos meios empre ga dos.

É neces sá rio ter, como ele men to de pré-com preen são, que a escas sez élimi te ao con teú do das pre ten sões posi ti vas. a inter pre ta ção deve ter isto emcon si de ra ção.

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a deci são do caso é ato de apli ca ção do direi to, que detém rele vân ciapró pria em rela ção à inter pre ta ção.

Na apli ca ção é pre ci so ter em con si de ra ção o caso con cre to. ele inclui nãoape nas a neces si da de rela ti va àque les indi ca dos ou refe ri dos na deman da, mastam bém os resul ta dos que razoa vel men te se pode espe rar (1) da enun cia çãocomo regra de que todos os casos com as mes mas carac te rís ti cas devem ser ounão aten di dos e (2) da indis po ni bi li da de dos meios uti li za dos para aten der aosbene fi cia dos pelo pedi do para aten der a outros. o órgão que foi para um nãovai para outro, o remé dio que um rece beu o outro não toma, cons truí do o cen -tro de refe rên cia para quei ma dos, os tuber cu lo sos não serão ali anten di dos.

esta é tare fa do pro ces so judi cial, não ape nas do jul ga dor. incumbe emespe cial ao órgão públi co jus ti fi car suas esco lhas. o não aten di men to de pre -ten são abar ca da pelo míni mo exis ten cial pres su põe razão extre ma, que oubem é notó ria como um cata clis mo, ou deve ser cabal men te demons tra da.cabe ao órgão públi co ao menos deli near “quem paga a conta”, qual o per fildaque les que foram bene fi cia dos pelo nível de deci são alo ca ti va toma do e seriam pre ju di ca dos se fosse deter mi na do o aten di men to pre ten di do nademan da. cabe à advocacia Pública zelar para que tais infor ma ções sejampres ta das nos autos e orien tar não ape nas que as esco lhas sejam fun da men ta -das, mas que haja regis tro disto. o espa ço para argu men tos pura men te for maisou eté reos, como sepa ra ção de pode res, méri to do ato admi nis tra ti vo, pre va -lên cia do inte res se públi co são de pouco valor prá ti co.

o direi to à saúde se afir ma pre fe ren cial men te por polí ti cas públi cas ecomo tal deve ser con tro la do.

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