o movimento a da geracao 1870 angela alonso

Upload: gustavo-zatelli

Post on 10-Jul-2015

55 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

CRTICA E CONTESTAO: o movimento reformista da gerao 1870*Angela Alonso

No Brasil de fins do Imprio formou-se o movimento da nova gerao, assim autonomeado numa referncia juventude de seus membros. Os intrpretes passaram depois, convencionalmente, a identific-lo como movimento intelectual da gerao 1870. primeira vista, a unidade geracional parece ser mesmo o nico critrio unificador deste movimento. Embora os intrpretes usualmente o subdividam conforme a adeso a correntes intelectuais europias cientificismo, positivismo, liberalismo, spencerianismo, darwinismo social , o retrato mais comum aponta um sincretismo, quando* Este artigo resume o argumento de minha tese de doutorado em Sociologia, defendida em maio de 2000 na FaculDade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP. Agradeo os comentrios dos professores Jos Murilo de Carvalho, lide Rugai Bastos, Eduardo Kugelmas e Srgio Miceli, da banca examinadora, e especialmente ao meu orientador Braslio Sallum Jr., pelo empenho destes cinco anos. Registro tambm meu reconhecimento ao GT de Pensamento Social Brasileiro da Anpocs, pela indicao para a publicao e pelas discusses de que meu trabalho muito se beneficiou. Agradeo ainda o parecerista annimo da RBCS e a leitura cuidadosa de sua editora, Argelina Figueiredo. Sou grata especialmente a Fernando Limongi, pela interlocuo e pela solidariedade.

no um caos terico: intelectuais imitativos, deslumbrados com as modas europias; suas preferncias oscilando ao sabor delas. Pesa sobre a gerao 1870 a acusao de ter se interessado mais em edificar novos sistemas filosficos que em interpretar a realidade nacional, ignorando solenemente, salvo honrosas excees, como Joaquim Nabuco, os problemas cruciais da sociedade brasileira, sobretudo a escravido. Mesmo quando se admite um lugar para as idias, ele freqentemente pouco lisonjeiro. Na formulao de Srgio Buarque, a gerao 1870 teria incorporado idias europias essencialmente como ornatos discursivos. Por princpio artificiais em relao ao patrimonialismo brasileiro, tais idias forneceriam to-somente uma forma para o alheamento, a evaso, o secreto horror nossa realidade acalentado pelos intelectuais. A controvertida tese de Roberto Schwarz (1989) igualmente tem por ponto de partida que a questo central perpassando os escritos da gerao 1870 seria a imitao de teorias estrangeiras. Existiria tambm uma contradio entre as formas de pensar estrangeiras copiadas e os traos coloniais da realidade brasileira. Schwarz supe, porm, que certos membros da gerao 1870 tivessem habiliRBCS Vol. 15 no 44 outubro/2000

36

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44Assim, analiso o movimento intelectual da gerao 1870 do ponto de vista da experincia compartilhada por seus membros. Dada a inexistncia de um campo intelectual autnomo no sculo XIX, a experincia da gerao 1870 diretamente poltica. Por isso adoto a dinmica poltica como ngulo de anlise. Ao invs de organizar textos e prticas conforme referncias tericas estrangeiras, inscrevo-os na conjuntura poltica local. Esta mudana de tica revela que aquele movimento intelectual nem era alheio realidade nacional, nem visava formular teorias universais. As teorias estrangeiras no eram adotadas aleatoriamente, sofriam um processo de triagem: havia um critrio poltico de seleo. O sentido principal do movimento intelectual da gerao 1870 foi a interveno poltica. Argumento que grupos politicamente marginalizados pela ordem imperial recorreram ao repertrio estrangeiro e prpria tradio nacional em busca de recursos para expressar seu descontentamento. Suas opes tericas adquirem, assim, uma dimenso inusitada: auxiliaram na composio de uma crtica ao status quo imperial. O movimento intelectual revela ser um movimento poltico de contestao. Suas obras exprimem interpretaes do Brasil crticas ao status quo monrquico e programas de reformas. Por isso proponho nome-lo reformismo. A seguir, procuro demonstrar meu argumento inicialmente apresentando uma crtica s interpretaes de que o movimento intelectual foi objeto e, em seguida, construindo uma nova abordagem para suas obras e aes a partir de trs conceitos-chave: estrutura de oportunidades polticas, comunidade de experincia e repertrio.

dades para desvelar os fundamentos desta experincia social, inacessveis aos demais: Machado de Assis teria logrado uma obra de valor cognitivo superior de seus contemporneos. Nogueira (1984) aplica esquema similar para Nabuco. Nos dois casos, intelectuais de grande estatura servem como ponto de vista para anlises que visam produzir conhecimento acerca dos dilemas estruturais da sociedade escravista brasileira. Continuamos sem uma explicao para os autores menores que compem a maior parte do movimento intelectual da gerao 1870. Nas anlises que enfocam diretamente o movimento intelectual, como j veremos, o fenmeno aparece reduzido ora s posies sociais de seus membros, ora a sistemas de idias, descolados das prticas. Acredito que o quadro de imitao resulta de dois procedimentos adotados pelos analistas. De um lado, a incorporao acrtica das explicaes e classificaes construdas por membros da prpria gerao 1870 ps-factum, j na Repblica, endossando, assim, a clivagem doutrinria como eixo explicativo do movimento. De outro lado, a suposio de uma autonomia do campo intelectual. Por isso tomaram os sistemas intelectuais europeus contemporneos como parmetro de avaliao do movimento. por comparao a teorias europias e em acordo com as memrias e reconstrues dos prprios agentes que se forma o juzo do movimento da gerao 1870 como intelectual e imitativo. Neste artigo apresento uma nova interpretao para o fenmeno. Minha proposta tomar por ponto de vista para a anlise do movimento intelectual da gerao 1870 a experincia social compartilhada por seus membros. Parto da posio mais ou menos consensual na sociologia contempornea de que formas de pensar e formas de agir esto em ntima conexo, de sorte que no possvel compreend-las separadamente. No se trata de reduzir mecanicamente uma esfera outra; a questo , antes, como a cultura se vincula experincia. A interpretao, por isso, exige uma anlise fina, emprica, do modo pelo qual uma certa experincia social concreta plasma certas formas de pensar.

Movimentos intelectuais e crise do Imprio: principais linhas de interpretaoO movimento intelectual da gerao de 1870 tem sido tema de anlises h mais de um sculo. Os tratamentos que recebeu so muito desiguais em escopo. O movimento tanto compe uma dimenso de obras de interpretao do Brasil, como as de Raimundo Faoro, Srgio Buarque de Holanda e

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870Florestan Fernandes, amalgamado s explicaes da formao do Estado e da sociedade nacionais, quanto incorporado como a atmosfera do oitocentos, espcie de esprito de poca, nos estudos culturais sobre o fin-de-sicle (por exemplo, Skidmore, 1976). Os estudos diretamente sobre o tema podem ser agrupados em duas grandes vertentes: uma perspectiva cognitiva considera o movimento intelectual do ponto de vista de sua capacidade de gerar teorias sociais, situando-o no plano da histria das idias; outra, prtica, caracteriza o movimento como produtor de ideologia modernizadora para novos grupos sociais, particularmente uma nova classe mdia. A tica da histria das idias a mais tradicional no tratamento do movimento intelectual. Os dois principais nomes nesta linha so Cruz Costa e Antonio Paim. Embora ambos divirjam em vrios e importantes pontos, concordam em tomar o movimento do ngulo da produo de textos. No caso de Paim e de seus seguidores, no h pretenso de relacionar texto e contexto. Antes o contrrio. A explicao privilegia o valor heurstico das obras e extirpa qualquer caracterstica exgena ao prprio campo das idias. O conceito operatrio a noo de influncia. O movimento intelectual aparece como feixe de rplicas nacionais de linhas de pensamento europeu, compondo escolas de pensamento (Paim, 1966). Este passo tem por efeito tomar um fenmeno disseminado no perodo a formulao de interpretaes do Brasil e de projetos de reforma como desiderato de grandes sistemas de pensamento. De outro lado, supe uma anterioridade lgica das idias: a ao poltica dos intelectuais no nem mesmo aventada. O levantamento sistemtico de autores e obras louvvel. Mas atribuir aos agentes o propsito de produzir conhecimento de valor terico universal tem o efeito de elev-los categoria de filsofos. O metro heurstico suprime a conjuntura: toda conexo com a problemtica social contempornea desaparece. Cruz Costa, de outro lado, prope-se a conectar correntes intelectuais europias ao processo de formao da sociedade nacional brasileira, jogando o foco para o modo pelo qual as idias

37

europias se conformam experincia americana (Cruz Costa, 1956, p. 436). O padro da formao nacional e o rescaldo colonial no plano das idias so apresentados como obstculos ao desenvolvimento de escolas nativas de pensamento, fazendo a reflexo pender mais para a sociologia que para a metafsica. Por isso, o estudo da histria das idias no Brasil deve se concentrar nos anos 1870 e no positivismo, momento de origem de uma sociologia nacional. A investigao sublinha os processos de deformao das teorias estrangeiras no Brasil de modo a servir como instrumentos de ao, principalmente de ao social e poltica, para grupos sociais especficos. Dada a nfase em uma perspectiva prtica, seria de esperar aqui uma avaliao da ao poltica. No entanto, o material emprico aparece, como em Paim, organizado conforme autores e escolas europias. Embora o propsito geral seja conectar as doutrinas europias e a experincia brasileira, precisamente a chave desta conexo excluda da anlise: todo o pensamento no-sistemtico, no imediatamente sociolgico, expelido da anlise como os escritos de Silva Jardim e de Joaquim Nabuco. O liberalismo do Segundo Reinado praticamente no mencionado. Mesmo rivais, as duas linhagens convergiram na circunscrio de um campo intelectual no fim do Imprio, a partir dos critrios e informaes de um dos agentes (Slvio Romero, talvez o mais faccioso deles), e na cristalizao do movimento intelectual como escolas. Contriburam, assim, para a naturalizao da Escola de Recife, da Igreja Positivista, do Darwinismo Social, do Castilhismo, do Positivismo Ilustrado. Porque evitam o reconhecimento direto dos agentes que produzem o pensamento do perodo, ambos os trabalhos desguam na constatao de um voluntarismo poltico ou de uma ingenuidade terica como caractersticas da gerao 1870. Estas duas verses de histria das idias so muito influentes. Suas categorias foram acatadas e incorporadas pela bibliografia especializada, como se descrevessem instituies, com distino clara entre membros e no-membros. Mesmo estudos que recusaram as explicaes de Cruz Costa ou Paim recorreram s suas categorias e fontes.

38

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44rianismo (Graham, 1973); positivismo e setores mdios urbanos (Nachman, 1972); liberalismo democrtico/positivismo ilustrado e nova burguesia do caf de So Paulo (Bresciani, 1976 e 1993); novo liberalismo e classe mdia (Hall, 1976); positivismo e estancieiros gachos (Love, 1971); positivismo ortodoxo e classe mdia/ contra-elite (Carvalho, 1989). Assim, o movimento intelectual expressaria anseios de grupos sociais novos, surgidos com o processo de modernizao econmica do pas. Este raciocnio equaliza pertencimento a uma classe, posicionamento poltico e crena ideolgica: grupos de constituio moderna, como as classes mdias ou a burguesia, adotariam teorias coerentes com seus interesses, isto , variaes do liberalismo (moderado por adjetivos spenceriano, doutrinrio ou moderando substantivos positivismo ilustrado). Esta equiparao apressada gera equvocos, como a apresentao dos filhos da elite imperial brasileira, de famlias socialmente enraizadas, como representantes de novas classes mdias (Hall, 1976). Mas esta linha de anlise traz tambm ganhos explicativos. A justaposio entre os estudos aponta uma pluralidade de grupos se apropriando das novas doutrinas. Diversidade inclusive geogrfica, como Bosi (1992, p. 274) sintetiza: positivismo ortodoxo na Corte; spencerianismo paulista; positivismo modernizador e de bem-estar no Rio Grande Sul e novo liberalismo no Nordeste. Quando comparada com as interpretaes em termos de histria das idias, essa abordagem ilumina um fenmeno antes invisvel: a ao poltica dos grupos intelectuais. Dois pressupostos partilhados pela bibliografia Embora tenham clivagens e nuanas aqui abstradas, estas duas grandes linhagens de explicao do movimento intelectual comungam dois pressupostos que, me parece, tm obstado uma interpretao adequada do fenmeno: a separao entre campo intelectual e poltico e a incorporao das autodefinies doutrinrias dos agentes. Boa parte dos intrpretes supe que o movimento intelectual da gerao 1870 seja, por definio, formado por intelectuais voltados para a

A perspectiva da histria das idias tomou por pressuposto que o objetivo central do movimento intelectual fosse a criao de uma filosofia, uma literatura e uma cincia nacionais e sua institucionalizao acadmica. Por isso, nem procurou possveis conexes com a prtica poltica, assumindo como dada sua inclinao terica e seu apoliticismo. No mximo, sups os intelectuais como idelogos da ao de outrem. Estudos mais contemporneos tm estreitado o foco e tendido para uma histria intelectual. So essencialmente monografias que reconstroem a viso dos intelectuais, pela anlise combinada de biografia e obra representativas de uma tendncia (Sussekind e Ventura, 1984; Carvalho, 1998). Estudos deste tipo ganham em preciso ao explodirem categorias gerais como positivismo e liberalismo em troca da nfase na constituio da identidade de um grupo ou na viso de um personagem sobre seu tempo. Mas seus objetos empricos restritos os levam a abandonar a prpria perspectiva de um movimento intelectual. De outro lado, h estudos restringindo o movimento intelectual s instituies intelectuais do Imprio, como, por exemplo, s faculdades de direito e medicina (Schwarcz, 1993) e escola militar (Castro, 1995). De fato, os membros dos movimentos intelectuais so jovens altamente educados. Mas da no se segue que as escolas de ensino superior do Imprio sejam as unidades de organizao do movimento ou de produo de sua identidade coletiva. Uma abordagem no-institucionalista permitiria ler a criao de associaes pelo movimento intelectual como indcio da prpria falncia dessas instituies em socializarem a nova gerao segundo o esprito e o cnon do Imprio (Alonso, 1998). Ser apenas na Repblica que os membros do movimento passaro a integrar instituies propriamente intelectuais. A interpretao alternativa da histria das idias consiste em explicar o movimento intelectual em termos da posio social de seus membros. Especialmente nos anos 1970, surgiram estudos associando a configurao de novos grupos sociais na esfera econmica, ou classes, com a emergncia de novos movimentos intelectuais, ou ideologias: burguesia urbana e darwinismo social/spence-

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870produo de conhecimento e apartados do cerne do processo poltico. A suposta autonomia do campo intelectual gera a seco da gerao 1870 em dois objetos de anlise. Os intelectuais (imitadores de idias importadas ou criadores de sistemas de pensamento prprios) pertencem aos estudos de histria das idias, alocados em grandes correntes, como cientificismo. A outra metade de estudos sobre o pensamento poltico de agentes que, admite-se, andaram envolvidos em prticas para alm de seus gabinetes e escreveram obras polticas. Entretanto, os autores das obras filosficas e das obras polticas no so assim to facilmente discernveis. Empiricamente, os dois crculos so parcialmente sobrepostos, com membros duplamente alocados. O pressuposto da autonomia do campo intelectual, quero argumentar, de validade duvidosa para o Brasil da segunda metade do sculo XIX. A separao entre um campo poltico e outro intelectual estava ainda em processo mesmo na Europa. Na Frana e na Inglaterra, o prprio termo intelectual s se firma nos anos 1870. Ao longo do sculo XIX, o clima de turbulncia e ativismo poltico produziu uma reflexo intelectual colada conjuntura, visando interveno poltica (Epstein, 1996, pp. 54 ss). O contexto intelectual do oitocentos europeu tem uma clivagem poltica forte e suas circunscries escolas tericas so frouxas. Se nem mesmo na matriz havia teorias puras e bem delineadas disposio, no h razo para tomar as classificaes tericas como critrio para a leitura das obras da gerao 1870. O fato de muitos membros da gerao 1870 exercerem profisses ou pertencerem a instituies intelectuais na Repblica no autoriza expandir o raciocnio para trs. Observando as trajetrias individuais e o conjunto de obras publicadas, impossvel distinguir intelectuais de polticos. A diviso um anacronismo. No havia um grupo social cuja atividade exclusiva fosse a produo intelectual. A existncia de uma nica carreira pblica centralizada no Estado, incluindo de empregos no ensino a candidaturas ao parlamento, fazia da sobreposio de elites poltica e intelectual a regra antes que a exceo.

39

A partio convencional da gerao 70 em positivistas, liberais, darwinistas etc. resultado do critrio adotado. o intrprete quem seleciona caractersticas intelectuais em detrimento das polticas. Empiricamente, os grupos tanto se identificam por recurso a termos doutrinrios quanto a posies polticas. Se ainda se quiser falar de duas esferas, digo que elas estavam preenchidas pelas mesmas pessoas. Tanto os autores de obras filosficas desenvolveram atividade poltica contnua, quanto os polticos escreveram interpretaes com base em recursos doutrinrios. No tomar o fato em conta significa decepar parte do objeto: a atividade poltica dos intelectuais ou a atividade intelectual dos polticos. O agravante da separao de campos que o critrio requer das obras uma consistncia terica que simplesmente no visavam e supe dos autores uma dedicao prioritria atividade intelectual que no existia. Um recorte estrito do universo das idias num momento em que faltam as instituies de um campo intelectual plenamente constitudo s pode concluir pela fluidez dos grupos, pela baixa qualidade das obras e pela inconstncia dos autores. Da a desvantagem explicativa de uma sociologia dos intelectuais estrito senso para o movimento intelectual da gerao 1870. Como argumentam Hale (1989) e Rosanvallon (1985) para casos contemporneos, o Mxico do Porfiriato e a Frana da Monarquia de Julho, ao invs de ignorada, a sobreposio entre cultura e poltica deve ser iluminada. O outro pressuposto comum a vrias interpretaes do movimento intelectual da gerao 1870 a incorporao acrtica de termos genricos criados pelos prprios agentes para nomear o movimento intelectual. Autodefinies de partidrios da prpria luta doutrinria como Slvio Romero viram conceitos. Categorias como darwinismo, positivismo, spencerianismo, liberalismo sofreram apropriaes, redefinies, usos polticos. Isso evidente nas polmicas entre faces: termos como positivistas laffittistas e littrestas, darwinistas e spencerianos, liberais e conservadores foram criados nas controvrsias. As categorias se constroem

40

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44particularmente em seu extremo idealismo ou intelectualismo. Idias nunca so totalmente separveis de seu enraizamento em instituies, prticas e relaes sociais. (Ringer, 1992, p. 11). Este modo de pr a questo tem outro alicerce bambo. Supe uma distino de natureza entre a problemtica intelectual europia e a americana nos fins do sculo XIX, que tornaria qualquer transferncia de conceitos e argumentos deslocada por definio. A sobrevalorizao das singularidades dos pases coloniais leva, como argumenta Hale, a ignorar a partilha, por europeus e americanos, de uma tradio e de um universo de valores, de um repertrio ocidental. Paradoxalmente, muitas anlises apagam o elemento efetivamente singular: a tradio polticointelectual brasileira. Porque ex-colnias, os pases americanos teriam mantido as tradies herdadas. Isto s parcialmente verdade. As naes novas se empenham em inventar tradies que as definam e as distinguam (Hobsbawn, 1984). O fato de ser inventada no torna esta tradio menos ativa. A relao entre contexto brasileiro e teorias europias dinmica. A frase de Hale para o Mxico aplica-se perfeitamente ao Brasil: Devemos superar a contrversia estril acerca do carter imitativo ou original das idias mexicanas, se elas eram perifricas realidade mexicana ou propriamente incorporadas e mexicanizadas. (Hale, 1989, p. 19). H um repertrio comum, que inclui tanto teorias estrangeiras quanto a tradio nacional. A apropriao de elementos deste repertrio seletiva e envolve necessariamente supresso, modificao. A explicao do movimento intelectual da perspectiva cognitiva, como formao de filiais brasileiras de matrizes europias, implica assumir um critrio de avaliao exgeno ao objeto e que solapa o contexto sociopoltico em que ele se constitui. O movimento analisado principalmente a partir de seus escritos e conforme sua capacidade de produzir sistemas de pensamento coerentes. Assim acentua-se a inteno cognitiva dos agentes: reduz-se o movimento intelectual a um projeto de conhecimento, seja de teorias estrangeiras, seja da realidade nacional. As teorias a liberal de Locke e Rousseau ou ainda Tocqueville,

por constraste, exprimem relaes entre grupos: a prpria nomeao uma arma em meio a conflitos de definio de identidades. Os termos esto inscritos num contexto de significados; so construes no s histricas como polticas. Grande parte das guerras doutrinrias disputa precisamente significados. Como demonstra Bannister (1988) para o darwinismo, o uso de terminologia doutrinria obedece motivao polmica contra adversrios mais que exprime filiao terica. da natureza dos movimentos intelectuais e polticos inventarem rtulos de identidade como estratgia de diferenciao, bem como uma tradio, um panteo de heris e obras de legitimao de suas posies, especialmente em perodos de mudana social (Hobsbawn, 1984; Wuthnow, 1992; Tilly, 1993). Positivista ortodoxo ou liberal radical no so categorias adstritas, neutras. Seu uso inquestionado implica assumir as autoclassificaes, os preconceitos, as tores e o prprio esquema explicativo dos agentes, numa traduo direta da terminologia da disputa doutrinria em conceitos sociolgicos. A auto-imagem e as explicaes dos agentes devem ser o objeto, no o guia da anlise. Da o imperativo de desmistificar as prprias categorias, de redefini-las, de modo a perguntar no quais indivduos ou grupos eram darwinistas sociais, mas como o rtulo ele mesmo funcionava nos debates [] (Bannister, 1988, p. xi). Outro inconveniente que o caso europeu se torna parmetro automtico de avaliao do movimento intelectual. Ler os textos brasileiros conforme graus de fidelidade doutrinria a teorias estrangeiras conduz sempre a um diagnstico de insuficincia: a questo acaba formulada como relao de cpia/desvio entre sistemas intelectuais nativos e estrangeiros. Neste tipo de raciocnio, os agentes do processo so as idias. Os intelectuais so seus meros portadores. Como se idias, lembra Ringer, por alguma fora lgica ou verdade imanente, fossem capazes de induzir pensamentos e aes dos agentes num determinado sentido. Quando processos de influncia direta no so facilmente identificveis, geram-se explicaes em termos de difuso, distoro, diluio das idias no senso comum. A fraqueza deste esquema repousa

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870a positivista de Comte ou a evolucionista de Spencer e Darwin tornam-se parmetros automticos. Por conseqncia, autores profusamente citados pelo movimento intelectual da gerao 1870 que no atravessam a alfndega da qualidade intelectual, como Thophilo Braga, Littr, Renan e Taine, e polticos profissionais, como Gladstone, Gambetta e Jules Ferry, so expurgados da anlise. O suposto de que os agentes estivessem buscando teorias de maior potencial cognitivo esbarra no fato de que o hit do sculo XIX brasileiro foi o positivismo, no o marxismo. Diante deste quadro, os analistas deslocam o foco das teorias para a capacidade cognitiva da elite intelectual oitocentista: seu carter tacanho, sua mania de imitao das modas europias, a impediria de compreender teorias sofisticadas. A perspectiva cognitiva reduz o movimento intelectual. O verbo no acidental. Ao menosprezarem a prtica dos agentes, os analistas deixaram de perceber que o debate poltico coetneo a principal fonte intelectual do movimento da gerao 1870.

41

Uma abordagem poltica do movimento intelectualA explicao do movimento intelectual em termos de correspondncia ou desvio em relao ao padro intelectual estrangeiro ampara-se na anlise das obras publicadas. Uma dimenso relevante, sem dvida. Mas a interpretao das idias como sistemas oculta o fundamental: so os agentes sociais que fazem uso de idias, que as selecionam, que as tomam como orientao de sua ao. O mesmo efeito unilateral resulta das anlises em termo de ideologias. Vrios intrpretes declaram tomar em conta a ao dos agentes, mas acabam por reduzir o movimento intelectual a posies e origens sociais de seus membros. Assim, pem na sombra o significado do substantivo movimento. De um modo ou de outro, perde-se de ver que o fenmeno a explicar tem dupla face: so tanto textos quanto prticas. A dificuldade provm antes do critrio dos analistas que das opes dos agentes. O n desaparece se admitirmos que os agentes recorreram a um

certo repertrio por razes prticas, ao invs de atribuir-lhes a inteno de gerar teorias universais. A base de meu argumento um trusmo sociolgico: formas de pensar esto imersas em prticas e redes sociais. Minha proposta tomar a experincia compartilhada pelos componentes do movimento intelectual como perspectiva analtica. Adotar este ponto de vista significa, como argumentam Rosanvallon (1985) e Hale (1989), explodir a distino entre textos e prticas, teoria e obra de circunstncia, e privilegiar a tenso entre a obra e a experincia social de seus autores. O efeito desta mudana de ngulo considervel. Ao invs de partir das teorias e da realidade brasileira como dois blocos a serem relacionados, procuro empreender uma anlise conjugada da experincia social da gerao 1870 e de seus textos. A inscrio da produo doutrinria do movimento intelectual no processo sociopoltico em que surge lhe confere nova inteligibilidade: a prpria produo de textos aparece como uma forma de ao. As abordagens cognitiva e prtica podem se completar se tomarmos em conta que representaes e comportamentos esto j articulados nas estratgias de ao criadas pelos agentes sociais (Swidler, 1986). Aes e escritos unificam-se politicamente. Dada a indistino de campos no Imprio, uma manifestao intelectual era imediatamente poltica. Por isso, a prpria dinmica poltica a performance poltica de agentes e argumentos, e no as teorias ou os intelectuais oferece a melhor perspectiva de anlise. Esta opo metodolgica permite lanar luz sobre a atividade poltica dos intelectuais brasileiros de final do Imprio e identificar uma complementaridade entre textos e formas de ao. Assim se vislumbra o sentido principal dos escritos do movimento da gerao 1870: a interveno poltica. O recurso a argumentos de teorias estrangeiras explica-se como busca de armas retricas de combate aos modos de pensar e agir do Imprio. Nesta chave, o problema passa a ser como capacidades culturais criadas em um contexto histrico so reapropriadas e alteradas em novas circunstncias. [...] [e qual a] capacidade de determinadas idias [] organizarem dados tipos de ao que

42

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44demandas mesmo fora das instituies polticas estabelecidas. Isto , movimentos sociais surgem tipicamente em momentos de crise. Tarrow (1994) agrega que movimentos sociais se formam quando h uma expanso da estrutura de oportunidades polticas. Quando processos de crise dilatam as [...] dimenses consistentes mas no formais ou permanentes do ambiente poltico que fornece incentivos para pessoas se engajarem em aes coletivas, por afetarem suas expectativas de sucesso ou fracasso. (Tarrow, 1994, p. 85). A estrutura de oportunidades polticas que propicia a configurao do movimento intelectual da gerao 1870 composta por dois processos fundamentais: a ciso da elite poltica imperial e uma modernizao conservadora incompleta. Uma parte da elite poltica monrquica comeou, no incio dos anos 1870, uma reforma controlada, modernizante para a economia e a sociedade m a sem alterar o mago das instituies polticas s o gabinete Rio Branco (1871-75) sintetiza esta iniciativa. O impasse quanto ao rumo das reformas gerou uma crise poltica sem precedentes: os partidos se desestabilizaram, com a formao de dissidncias em cascata, desembocando mesmo na criao de um partido anti-regime. A crise poltica enfraqueceu os pilares e instituies que sustentavam o Segundo Reinado, desfigurando a lgica poltica imperial e criando um clima de incerteza. A pulverizao tornou a poltica mais dinmica e permevel. Diante da crise do regime, vrios grupos sociais alijados pela poltica imperial adquiriram condies para expressar publicamente seus dissensos e projetos. A reforma conservadora, doutra parte, impulsionou uma significativa modernizao da infraestrutura, com conseqncias polticas inadvertidas e desestabilizadoras para o regime. A disseminao de tipografias e a implantao de estradas de ferro e do telgrafo revolucionaram o padro da imprensa. Nivelaram o acesso a informaes sobre temas polticos e culturais nacionais e estrangeiros entre todos os grupos sociais alfabetizados. A mudana social e a crise poltica alteraram os contornos da populao capacitada para agir politicamente tambm pela redistribuio de recursos materiais, polticos e simblicos.

afetam as oportunidades histricas que os atores so capazes de capturar (Swidler, 1986, p. 283). Meu argumento que os agentes no visavam reproduzir e/ou construir sistemas abstratos: estavam em busca de subsdios para compreender a situao que vivenciavam e para desvendar linhas mais eficazes de ao poltica. A tica das prticas permite ver a dimenso de ao coletiva do movimento intelectual:Se a luta entre movimentos e seus oponentes fosse primariamente simblica, ento um movimento social poderia ser entendido como nada mais que um centro cognitivo de mensagem. [] Neste caso, ns estaramos habilitados a ler a interao entre movimentos e autoridades como um crtico literrio l um texto [] Mas, se [] os significados so construdos atravs da interao social e poltica por empreendedores de movimento, no h substitutivo para relacionar textos e contextos e perguntar como os movimentos eles mesmos fazem esta conexo. (Tarrow, 1994, p. 119)

Assim, para entender por que certos movimentos recorrem a certas prticas simblicas preciso inscrever a anlise do discurso do movimento na estrutura de relaes de poder. Esta abordagem do movimento intelectual como movimento poltico se ampara em trs noes bsicas: estrutura de oportunidades polticas, comunidade de experincia e repertrio. A estrutura de oportunidades polticas Movimentos intelectuais so uma modalidade de movimento social. Por sua vez, movimentos sociais so uma das formas modernas de ao coletiva, que surgem com o enfraquecimento das formas tradicionais de expressar demandas, seja por sua ineficcia, seja pelo aumento da participao poltica. Segundo Tilly (1978 e 1993), esto associados a momentos nos quais as instituies polticas falham em responder as demandas de parte dos membros da prpria comunidade poltica. Esta situao de crise permite que pequenos grupos insatisfeitos com as regras de distribuio de bens e recursos e de representao, antes silenciosos ou inaudveis, possam vocalizar suas

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870O pacote conservador de reformas quebrou duas regras tcitas do regime. Na forma, violava o princpio do consenso na tomada de decises no Imprio, que dava s medidas seu carter de responsabilidade coletiva. Substantivamente, inseria na agenda poltica os prprios fundamentos do status quo: a escravido, a religio de Estado, a monarquia representativa. Assim, a estrutura de oportunidades polticas abre vias de ao poltica inditas para agentes sociais at ento alijados do sistema poltico. A crise expandiu a discusso dos dilemas estruturais para alm do crculo da elite, configurando um espao pblico paralelo vida parlamentar. Esta conjuntura poltica incentivou grupos marginalizados ou insatisfeitos com o arranjo poltico imperial a externarem pblica e coletivamente seus dissensos. Meu argumento que o movimento intelectual contemporneo da gerao 1870 uma dessas formas coletivas de contestao ordem imperial formadas por grupos marginalizados pelas instituies monrquicas. A combinao entre rpida mudana social e crise poltica minou a capacidade repressiva do regime e seus mecanismos de legitimao e reproduo. Contexto em que tipicamente, argumenta Ringer, gera-se uma clarificao: [] assunes culturais [] tornam-se explcitas, condies e ocasies so criadas para a transcendncia parcial dessas assunes pela inovao intelectual (Ringer, 1992, p. 8). A crise obriga a explicitao do repertrio de valores e princpios que legitimava o establishment monrquico no debate pblico: os princpios estamentais do liberalismo imperial e a justificao das bases coloniais do status quo (a monarquia e a escravido). A reiterao dos princpios, do esprito do regime e dos modos de agir das instituies ameaadas do status quo imperial se fez em opsculos e discursos de uma ala da elite imperial. Pondo em alto-relevo a letra no escrita do regime, trazendo ao debate pblico temas antes indiscutveis. A experincia compartilhada Algumas interpretaes, vimos, associam a emergncia do movimento intelectual constituio de uma classe mdia, resultante da moderni-

43

zao econmica. Entretanto, num contexto de mudana social acentuada, os contornos dos grupos sociais so pouco precisos. A crise da sociedade brasileira de finais do sculo XIX, decorrente da mudana de padro da organizao do trabalho, era estrutural (Holanda, 1972; Fernandes, 1977), modificando a distribuio de recursos econmicos, sociais, polticos e de status, e mesmo a capacidade de manipul-los. Por sua magnitude, atingia todos os grupos sociais, provocando no apenas a emergncia de novos segmentos, mas a desestruturao e reorganizao dos antigos. O movimento intelectual no de classe mdia. Nenhum membro do movimento intelectual era totalmente alijado de recursos sociais e econmicos. Por definio, um movimento intelectual um movimento de elite. Quanto mais em uma sociedade em que o acesso educao era to restrito. Ao contrrio da maioria da populao do Imprio, os membros do movimento tinham acesso ao diploma superior, que era tambm o primeiro degrau da carreira poltica. Tinham acesso aos meios materiais (imprensa, posio social) e intelectuais (educao superior, ingresso no universo erudito) imprescindveis para exprimir e amplificar suas opinies e reivindicaes. Entretanto, no so homogneos. Seguindo a trajetria de cerca de 130 de seus membros, encontrei uma enorme diversidade. No possvel definir o movimento em termos de socializao escolar ou origem regional:h bacharis em direito, em engenharia, em medicina; militares e civis; h gente de praticamente todas as provncias. Tampouco podese reduzi-los a uma classe. Havia tanto representantes de grupos sociais novos quanto de outros que h muito cresciam na margem ou nos interstcios da sociedade estamental, e havia mesmo membros de famlias tradicionais do Imprio. Portanto, no representavam exclusivamente nem setores mdios ascendentes, nem grupos decadentes. Os componentes do movimento intelectual se definem melhor pela negativa. So um pouco o que sobra entre o dinheiro e a poltica da Corte e o universo escravista rural: os filhos de famlias sem vnculo com a atividade agroexportadora; os oriundos de provncias de peso poltico grande, como Pernambuco, mas de grupos marginais

44

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44micos novos, no representados pela elite poltica. Uma parte dos membros do movimento intelectual vinha de grupos sem laos estreitos com a elite imperial. Estes eram, pois, negativamente privilegiados pela estrutura estamental de distribuio de recursos sociais e de status. Outros eram oriundos ou de grupos sociais novos ou das faces politicamente subordinadas da elite imperial e estavam alijados das instituies polticas fundamentais do regime. Por razes diferentes, os grupos que compem o movimento intelectual no tinham suas demandas processadas pelo sistema poltico. Todos amargavam uma insatisfao com um regime fechado, que no se modernizava. As interpretaes do movimento intelectual tm procurado estabelecer caractersticas positivas comuns a seus membros. Assim, perdem o mais relevante: so vrios grupos, heterogneos entre si, que compem o movimento. Embora socialmente diferenciados, estes grupos comungam uma marginalizao poltica. a experincia compartilhada de excluso que d a sentido seus escritos e associaes: so a expresso de uma crtica s instituies, valores e prticas fundamentais do regime imperial. O movimento intelectual da gerao 1870 pode ser definido, ento, como manifestaes de contestao ao status quo imperial por parte de grupos sociais parcial ou totalmente marginalizados em seu arranjo poltico. As diferenciaes entre os grupos e a ausncia de uma unidade institucional levaram a bibliografia a segmentar a anlise em termos de filiaes doutrinrias. Entretanto, a reconstruo das trajetrias dos membros do movimento intelectual e de seus principais agrupamentos revela duas outras caractersticas importantes: (1) havia uma flagrante indistino entre suas atividades polticas e intelectuais; (2) suas associaes e publicaes no se restringem a instituies e tm o carter de contestao ao status quo imperial. A lgica das manifestaes intelectuais apenas se torna inteligvel no contexto de crise do Imprio. Todos os grupos exprimem um dissenso concomitantemente poltico e intelectual em relao ao status quo imperial. Recorrem a um repertrio intelectual distinto do liberalismo estamental cata de recursos para a compreenso da crise e de

aliana hegemnica nacional; os de famlias de estancieiros, mas sem entrada nos feudos polticos da provncia; os de origem excntrica, no alocados no mundo da elite poltica e da grande economia, filhos de professores; de profissionais liberais urbanos; de pequenos comerciantes; de imigrantes portugueses; de estancieiros; de inspetores de alfndega; de juzes; de oficiais do exrcito (major; marechal; tenente-coronel); de mdicos de provncia; de tipgrafos; de pequenos lavradores; de mestres-escolas e at de um vigrio de parquia. O que os une uma situao. O epteto gerao 70 delimita um grupo social que partilhava uma certa comunidade de experincia: [] isso inclui um largo nmero de modos possveis de pensar, de experincias, sentimentos e aes, e restringe o escopo de autoexpresso aberta para o indivduo a certas possibilidades circunscritas. (Mannheim, 1997, p. 366). Esta unidade de gerao circunscreve os indivduos chegando idade adulta e ao mercado de trabalho ao longo dos anos 1870 e incio dos anos 1880. Mas certos contemporneos s criam laos concretos entre si, configurando uma ao coletiva, ao serem expostos aos sintomas sociais e intelectuais de um processo de desestabilizao dinmica. [], compartilhando um destino comum e idias e conceitos os quais so de certo modo delimitados com seus desdobramentos. (idem, p. 378). A idia de gerao d a chave para entender por que o movimento surge em concomitncia com a crise do Imprio. Seus membros vivenciaram uma mesma experincia social, compartilhavam uma comunidade de situao: a marginalizao frente s instituies centrais da sociedade imperial. Esta marginalizao relativa, diferenciada: diz respeito ao cerne do establishment e comporta vrias modalidades. A longa dominao conservadora bloqueava o acesso aos melhores postos pblicos, cadeiras no parlamento e empregos na burocracia do Estado. Gerava, assim, para os grupos no diretamente vinculados faco hegemnica da elite imperial, alocada no Partido Conservador, uma falta de perspectiva de carreira. De outra parte, a lentido da modernizao econmica obstava o andamento dos negcios de grupos econ-

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870armas para a luta poltica. A incorporao de novas perspectivas intelectuais se compreende, desta tica, como busca de novos recursos tericos e retricos para gerar uma explicao da crise e da mudana social, bem como para oferecer vias de ao alternativas aos grupos sociais alijados das principais instituies monrquicas. As referncias a doutrinas estrangeiras tinham um significado poltico. Os grupos expressaram suas especificidades adotando para si nomes que os distinguissem precisamente uns dos outros. Esse mecanismo de identidade constrastiva formou rtulos que combinam termos descritivos da pauta poltica e da orientao intelectual de cada grupo. Assim, novos liberais, igreja positivista, comteanos, cientficos, darwinistas, abolicionistas, federalistas so termos que vo sendo criados no processo mesmo em que os grupos se criam. O movimento intelectual no est voltado para um debate doutrinrio alheado da realidade brasileira. Muito ao contrrio, seus membros so participantes ativos do debate poltico em torno dos princpios do liberalismo estamental e da reforma das instituies monrquicas. Este o sentido do positivismo, do cientificismo, do novo liberalismo: so modalidades de crtica ao status quo imperial. O critrio doutrinrio e a assuno anacrnica da autonomia dos campos poltico e intelectual tm dificultado a percepo desta unidade essencial: a dimenso coletiva da revolta poltico-intelectual nos fins do Imprio e sua participao na prpria derrocada do regime. As diferenas entre liberais, positivistas, darwinistas, spencerianos configuram oposies internas a um nico movimento de ataque ao Imprio. As obras da gerao 1870 e seu repertrio poltico-intelectual Dada esta redefinio do fenmeno, estamos agora em condies de entender melhor as obras produzidas pelos membros do movimento intelectual. Podemos l-las como formas de interveno no debate pblico. Os livros tm um propsito poltico que escapa ao leitor cujas vistas esto fixas nas questes doutrinrias ou que parte do fosso entre

45

positivistas e liberais, monarquistas e republicanos. Os intelectuais da crise do Imprio no visavam produzir obras de valor universal, mas interpretaes do Brasil. Seguir por uma interpretao em termos de influncias tericas e de linhagens de liberalismo versus linhagens de positivismo ou cientificismo (por exemplo, Faoro, 1993; Morse, 1988) nubla uma parte importante do fenmeno: a unidade de temas e problemas, de repertrio poltico-intelectual e de postura crtica da nova gerao. A separao convencional em cientificistas, liberais, positivistas impede de ver a dimenso coletiva da revolta poltico-intelectual dos anos 1870 e 1880 no Brasil. A circunscrio geracional evidencia que, apesar das separaes doutrinrias autoproclamadas, as posies polticas de autores usualmente classificados como extremos, como por exemplo Joaquim Nabuco e Miguel Lemos, so muito mais prximas do que se apregoa. Seus livros O Abolicionismo (1883) e O Positivismo e a escravido moderna (1884) defendem a mesma plataforma: abolio imediata e no indenizada da escravido. De outro lado, novos liberais, como Nabuco, esto um pouco mais longe e cientificistas como Miguel Lemos, um pouco mais perto da tradio liberal do Imprio do que se costuma imaginar: os novos liberais assim se autonomearam precisamente para se distinguir do velho liberalismo da gerao de seus pais, com o qual travaram guerras abertas, enquanto vrios positivistas estiveram em franco namoro com liberais dissidentes. A anlise das obras da gerao 1870 conforme os parmetros do debate pblico permite constatar que h uma unidade de problemas compartilhada. A maior parte dos escritos tematiza sistematicamente dimenses da sociedade imperial. Seus temas acompanham a conjuntura poltica e coincidem com a agenda parlamentar do perodo: so os dilemas estruturais da sociedade imperial brasileira vindos a pblico durante a crise poltica dos anos 1870, sobretudo a organizao poltica e o regime de trabalho. As obras da gerao 1870 so respostas ao contexto de crise poltica. Este sentido coletivo apenas se esclarece com a inscrio dos livros no processo de luta

46

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44provinciano, mas como constituio de uma perspectiva comparada: os pases usualmente citados estavam atravessando crises similares brasileira caso de Portugal, da Itlia, da Espanha, da Alemanha e da Frana (Hobsbawn, 1996, pp. 22-23). Meu ponto que a perspectiva poltica de crtica ao status quo imperial explica o recurso a determinado conjunto de autores e argumentos. A questo relevante no est em determinar qual autor ou matiz terico de predileo de cada grupo. Havia um repertrio poltico-intelectual compartilhado. Um repertrio o conjunto de recursos intelectuais disponvel numa dada sociedade em certo tempo: padres analticos; noes; argumentos; conceitos; teorias; esquemas explicativos; formas estilsticas; figuras de linguagem; conceitos e metforas (Swidler, 1986). No importa a consistncia terica entre os elementos que o compem. Seu arranjo histrico e prtico.Repertrios so criaes culturais aprendidas, mas elas no descendem de uma filosofia abstrata ou ganham forma como resultado de propaganda poltica; eles emergem da luta. []. Repertrios de ao coletiva designam no performances individuais, mas meios de interao entre pares ou grandes conjuntos de atores. [] um conjunto limitado de esquemas que so aprendidos, compartilhados e postos em prtica atravs de um processo relativamente deliberado de escolha. (Tilly, 1993, p. 264)

poltica. Os textos brasileiros precisam ser analisados com referncia local, a partir dos significados contemporneos. Ao invs de buscar semelhanas tericas entre as fontes citadas pela gerao 1870, podemos entend-las a partir de seu potencial rendimento poltico para o movimento intelectual. As citaes e referncias so selecionadas conforme seu potencial para legitimar posies polticas, antes que tericas. Os autores recorrentemente mencionados no so filsofos. Vige uma literatura de autores menores, voltados para a poltica. Sobretudo polticos estrangeiros e pensadores da reforma social. tambm o propsito poltico que orienta a citao. Assim, a referncia a Littr deixa de significar o uso de um manual de vulgarizao do sistema filosfico de Comte, donde se derivaria uma escola positivista heterodoxa, para sinalizar a simpatia pelo republicanismo francs de orientao cientfica. O mesmo vale para Thophilo Braga, lder republicano portugus, talvez o nome mais citado entre cientificistas e positivistas. As solues positivas da poltica brasileira (1880) de Pereira Barreto so, no ttulo e no argumento, um verso nacional de seu As solues positivas da poltica portuguesa (1879). A prpria srie Biblioteca til de Ablio Marques repetia o nome de uma coleo republicana portuguesa. Vrios ttulos da biblioteca positivista foram traduzidas com intuito poltico: Aaro Reis (1881) escolheu na obra de Condorcet um texto abolicionista para traduzir: Lesclavage. A tipografia do Dirio da Bahia fez reimprimir em 1883 a verso portuguesa das obras completas do republicano francs Leon Gambetta. O critrio de eleio o republicanismo dos citados. Do mesmo modo, o alemo Theodor Mommsen e o portugus Oliveira Martins comparecem como propugnadores de uma monarquia esclarecida, espcie de cesarismo, que foi referncia para novos liberais como Rebouas e Nabuco. A regra de relao entre autores brasileiros e estrangeiros de filiao poltica. Mesmo os pensadores sociais mais recorrentes como Comte, Spencer, Stuart Mill, Renan no so referidos como filsofos, mas como tericos da reforma da sociedade. O interesse pela reflexo e experincia estrangeira pode ser lido no como deslumbramento

Repertrios funcionam como caixas de ferramentas (tool kit) s quais os agentes recorrem seletivamente, conforme suas necessidades de compreender certas situaes e definir linhas de ao. O movimento intelectual da gerao 1870 buscou no repertrio poltico-intelectual de fins do oitocentos os recursos que lhe permitisse exprimir sua crtica ao regime imperial numa forma distinta da tradio liberal-romntica inventada pela elite imperial. Dois grupos de elementos foram mobilizados pelo movimento: a incorporao de teorias estrangeiras da reforma da sociedade, o que Hale (1989) chamou, no estudo do congnere mexicano, de

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870poltica cientfica, e uma resignificao da prpria tradio nacional. Poltica cientfica designa a simplificao e converso das principais descobertas da sociologia nascente em princpios de orientao poltica. O recurso a uma cincia da sociedade um modo de distanciamento em relao filosofia poltica do liberalismo francs da Restaurao que orientou a fundao das instituies do Segundo Reinado (Matos, 1987). O movimento intelectual encontrou a uma linguagem e um esquema conceitual para se diferenciar da tradio imperial. Incorporou especialmente duas teorias fundamentais: uma para a histria, outra para a poltica. Uma teoria da histria sociologicamente formulada forneceu-lhe uma explicao cientfica da sociedade brasileira. Uma lei de evoluo universal organizaria todas as sociedades em graus de atraso e civilizao conforme padres sucessivos de produo, sociabilidade, instituies polticas e formas de pensar. H uma teleologia, uma crena no progresso social: a histria caminha no sentido de desenvolvimento econmico; complexificao social; secularizao das instituies; expanso da participao poltica; racionalizao do Estado. A correlao entre mudana econmica, social e poltica aparece como necessidade. Civilizao significa modernizao: a obsolescncia das instituies e dos modos de pensar e agir das sociedades aristocrticas. Em par, vem uma teoria da mudana poltica. A modernidade estaria gerando um novo padro poltico. Em oposio preponderncia das personalidades excepcionais na direo do Estado, glorificada no incio do sculo (Rosanvallon, 1985), a poltica cientfica recomendava a aplicao do saber sociolgico na conduo do governo, mediante uma planificao racional das tarefas poltico-administrativas (Hale, 1989). Estas teorias, comuns a vrios autores da segunda metade do sculo XIX, permitiram ao movimento intelectual reinterpretar as opes estruturais da elite poltica e a prpria histria brasileira, inscrevendo o processo de colonizao e de formao do Estado-nao numa histria mundial. Por este parmetro, o Brasil aparecia em meio a impasses e dilemas da crise de transio: da

47

economia escravista ao trabalho livre; de um regime poltico aristocrtico a outro mais democrtico; de uma monarquia catlica a um Estado laico e representativo. Desaguando na constatao da incompatibilidade entre a sociedade imperial seu fundamento escravista, o carter estamental de suas instituies polticas e a modernidade. A conjuntura nacional interpretada, assim, como decadncia: crise inevitvel do padro de sociedade e do regime poltico tpicos do ancient rgime e prenncio de mudana da estrutura social e de abertura do sistema de representao poltica. A poltica cientfica poderia regrar essa mudana, impedindo a anarquia potencial. A poltica cientfica fornece, assim, conceitos e macroexplicaes para o movimento intelectual. De outra parte, a prosa organicista tpica da poltica cientfica oferece formas de expresso para o movimento: o estilo de tese e principalmente as metforas organicistas e qumicas, cientficas, contrastam a com a retrica liberal-romntico do Imprio. Comparece, assim, como a linguagem comum pela qual experincias particulares de marginalizao podem se sintonizar em um mesmo discurso de crtica. O movimento intelectual adotou mesmo o gnero literrio experimental tpico dos adeptos europeus da poltica cientfica, o romance naturalista. Romances de tese, minuciosamente descritivos, sociolgicos, rompiam com a estetizao da sociedade imperial que o indianismo de Alencar tinha nutrido e se dedicavam ao desvelamento das patologias da sociedade estamental e escravista. O movimento intelectual incorporou seletivamente elementos da poltica cientfica para compor seu repertrio por razes prticas. Conforme a capacidade de certos gneros de argumentos para: (a) interpretar os rumos da mudana social, dando respostas aos dilemas estruturais (particularmente a escravido e a representao poltica) expostos no debate pblico a partir da ciso da elite; (b) exprimir as insatisfaes e anseios polticos dos diferentes tipos de marginalizados que compunham o movimento; (c) oferecer recursos para combater os princpios liberais que justificavam os bloqueios polticos e sociais impostos pela sociedade estamental, bem como para legitimar reivindicaes por reformas. Neste sentido, a poltica

48

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44rm, no expressa mais o indianismo, mas antes o padro de desenvolvimento dos Estados Unidos. O ncleo da tradio inventada atacado tambm em sua ambio de definir a identidade nacional. A deslegitimao do cnon se expressa no ataque ao cerne da imagem da nacionalidade que o indianismo romntico cristalizara: a idia de singularidade brasileira. As efemrides dos anos 1880 em torno de Cames e de Castro Alves, poeta-smbolo do movimento, so exemplos do modo pelo qual a herana cultural ibrica recuperada, em alternativa tradio nativista imperial. O movimento logra um efeito crtico a partir da manipulao do passado imperial: a histria serve de referncia para a avaliao do presente. A poltica cientfica e a resignificao da tradio imperial so os dois elementos centrais que o movimento intelectual selecionou no repertrio oitocentista para construir uma explicao e uma crtica do modus operantis da sociedade brasileira. A partir deste repertrio, os diferentes grupos geraram interpretaes cujo fulcro era a deteco de uma crise da ordem sociopoltica legada pela colonizao. Os fundamentos socioeconmicos da sociedade imperial e suas principais instituies surgem como herana colonial e como obstculos para o desenvolvimento do pas. essencialmente esta concepo que os livros do movimento intelectual exprimem. Alm da convergncia temtica, trazem um ponto de vista poltico comum. A principal dimenso da produo doutrinria da gerao 1870 a construo de uma crtica coletiva s instituies, prticas, valores e modos de agir do status quo imperial. Os livros privilegiam um ou ambos os flancos principais da ordem imperial: a base socioeconmica escravista e a forma da monarquia centralizada. Entretanto, a crtica se expande para praticamente todos os setores da sociedade imperial: o carter oligrquico e a vitaliciedade das instituies polticas centrais; a organizao escravista da produo; o carter estamental do liberalismo poltico; a definio indianista da identidade nacional; o tradicionalismo e a hierarquia da sociedade imperial. Trata-se de um ataque coletivo lgica excludente do liberalismo estamental. Empenham-se

cientfica foi decisiva na passagem do estado de descontentamento difuso com a ordem imperial para uma situao de contestao poltica. No estamos diante de um quadro de importao aleatria de idias a serem adaptadas a um contexto inteiramente diverso. Os elementos que o movimento intelectual privilegia no repertrio europeu so aqueles que permitem o dilogo com a tradio poltico-intelectual imperial. As formas tradicionais de pensar e de agir constrangem e impem balizas para as inovaes. Novos movimentos [...] geralmente inovam no permetro do repertrio existente, ao invs de romper inteiramente com as maneiras antigas (Tilly, 1993, pp. 265-266). A contraparte nativa da poltica cientfica uma releitura do repertrio de smbolos e prticas do prprio Imprio. Em perodos de transformao, os esquemas de pensamento e o repertrio cultural cristalizado so no s contestados, como tambm reinterpretados (Swidler, 1986). O movimento intelectual gerou parte de seu repertrio a partir de uma apropriao e reinterpretao dos esquemas de pensamento e formas de ao cristalizados como tradio poltico-intelectual nacional. Esta reelaborao implica o manejo do cnon de personagens, efemrides e smbolos nacionais contra o status quo imperial. A explicao histrico-sociolgica permite recuperar passagens e personagens nacionais, edificando uma tradio alternativa da elite imperial a partir de seu prprio panteo. Assim que os movimentos polticos reformistas derrotados, como a revoluo pernambucana de 1817 e a vertente semi-republicana do liberalismo da Regncia, expurgados na histria oficial do Segundo Reinado, so recuperados como autnticas manifestaes da nao. Figuras como frei Caneca so reabilitadas como heris picos, decisivos na fundao da ptria. O movimento intelectual preserva certos traos romnticos, sobretudo a oratria inflamada. O prprio estilo de seus opsculos em parte se inspira no tom jacobino e na retrica clssica do panfletismo poltico do Primeiro Reinado e da Regncia. Tambm recupera o americanismo, segregando-o do nativismo. O modelo americano, po-

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870em rechaar a justificao do regime poltico pelo direito divino do monarca, em negar a desigualdade racial entre os indivduos como base legtima da hierarquia social e anfase e escopo, os pontos centrais comuns so: (1) a reforma das instituies polticas: supresso ou esvaziamento poltico dos postos vitalcios (Poder Moderador; Senado; Conselho de Estado); Judicirio independente do Executivo, que garantisse a lisura das eleies; mudana dos critrios de representao poltica; adoo do federalismo; (2) a reforma do Estado: descentralizao poltico-administrativa e tributria e liberalismo econmico; (3) a secularizao das instituies: separao Igreja/Estado; instituio do registro civil de nascimento, casamento e bito; abolio da religio de Estado; liberdade de exerccio pblico de cultos e direitos polticos plenos para adeptos de qualquer credo; laicizao do ensino pblico; (4) a extenso da cidadania: expanso dos direitos civis a estrangeiros e escravos; liberdade civil, religiosa, de imprensa e tribuna; veto censura; habeas-corpus pleno; expanso do direito de voto e de candidatura; expanso do ensino; (5) a questo social: abolio completa do regime escravista e liberao da imigrao; (6) na poltica externa, um americanismo pacificista. As obras demandavam um novo arranjo polticoinstitucional e a instituio de um mercado livre tanto para o trabalho quanto para as mercadorias. O sentido das obras do movimento intelectual era, em uma palavra, a contestao dos valores e instituies da ordem imperial e a proposio de reformas estruturais. At aqui tenho falado do movimento intelectual. Entretanto, conforme mencionei antes, o movimento formado por diferentes grupos marginalizados. Esta diferena significa que os pontos de estrangulamento da sociedade imperial variavam conforme a posio de cada grupo. Em conseqncia, h diferenas de nfase em elementos do repertrio poltico-intelectual; em modalidades de crtica ao status quo imperial; no gnero de explicao da crise do Imprio; e no programa de reformas proposto. Assim, a crise do Imprio associada por todos os grupos herana colonial, mas para novos liberais e positivistas abolicionistas, da Corte e de Pernambuco, a causa determinante o complexo latifndio-monocultor-escravista, enquanto para liberais republicanos e federalistas cientficos de So Paulo e do Rio Grande do Sul o ndulo a forma monrquica do regime poltico. Em consonncia, cada grupo privilegiou uma reforma como crucial: a dos liberais republicanos da Corte foi a repblica; a dos novos liberais foi a abolio; federalistas cientficos de-

49

mandaram sobretudo uma repblica federativa, enquanto os positivistas abolicionistas sobrepuseram as duas pautas, a abolio e a repblica. De modo geral, eram favorveis universalizao de direitos civis, com a abolio da escravido; de direitos polticos, com o sufrgio universal ( exceo de parte dos positivistas abolicionistas), e de direitos sociais, com uma legislao protetora do trabalhador (positivistas abolicionistas e parte dos novos liberais). exceo de parte dos novos liberais agrupados em torno de Nabuco, todos os grupos entenderam que a conseqncia lgica da abolio da escravido era a repblica. A produo intelectual da gerao 1870 compe, ento, modalidades de crtica a instituies, prticas e valores fundamentais do status quo imperial e de projetos de reforma. As modalidades variam conforme o grau de marginalizao dos grupos em relao s instituies, bens e privilgios da ordem imperial. E no conforme a adeso a doutrinas estrangeiras. A diviso doutrinria entre positivismo, spencerianismo, darwinismo social, novo liberalismo e a separao entre poltica e vida intelectual dificultam a percepo desta unidade essencial: os escritos e as atividades dos vrios grupos intelectuais compem modalidades de contestao do status quo imperial e de demanda por reformas estruturais. Neste sentido, o movimento intelectual contemporneo crise do Imprio pode ser entendido como um movimento de contestao. A ruptura crtica, entretanto, no se efetiva numa plataforma revolucionria. O movimento intelectual comunga com o status quo a opo pela reforma ao invs da revoluo. Os projetos de todos os grupos tm por ponto de fuga a mudana controlada das instituies. A poltica cientfica fornece elementos para um novo tipo de elitismo. As mudanas no sentido da modernizao social e econmica e da universalizao da participao poltica rompem com o critrio de propriedade como base da comunidade poltica. Mas so compensadas pela criao de uma nova elite polticointelectual para gerir as reformas: uma intelligentsia. O elitismo aparece tambm na reedio da soluo pedaggica: a criao do prprio povo pelo Estado. Essa vocao antipopular do movimento ajuda a explicar a recepo da poltica positiva em detrimento das teorias da revoluo, tambm disponveis em fins do sculo XIX. A questo de fundo em todas as obras encontrar princpios de organizao social que preservem a hierarquia social, a distino entre elite e povo, depois de findo o regime escravista.

50

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44e que ficaram disposio dos movimentos sociais desde ento, incluindo desde a manifestao pblica de reivindicaes atravs da formao de associaes temticas e clubes, a organizao de comcios e passeatas, at as greves (Tilly, 1993; Favre, 1990). Foi neste repertrio de estratgias de ao, formas de organizao e de mobilizao que o reformismo buscou modelos para suas prticas. Inspirou-se especialmente nas formas contenciosas do abolicionismo americano, do movimento pr-reformas eleitorais na Inglaterra e dos republicanismos francs e portugus. Este gnero de organizao explica a fluidez, a ao dispersa, a flutuao de membros do movimento. Porque correm em paralelo e mesmo em desafio s instituies polticas, os movimentos so formas intermitentes e pouco estruturadas de mobilizao (Tilly, 1993-94, p. 8). Mas as atividades e associaes, manifestos e eventos esto conectados entre si. H uma rede de solidariedade entre as prticas dos diferentes grupos e h coalizes tpicas conforme a convergncia em um item de protesto ou reforma, como o caso da abolio da escravido. isto que permite considerar esta forma de ao como ummovimento. As coalizes so negativas. Como qualquer movimento poltico, o reformismo extraa unidade da situao de marginalizao poltica compartilhada pelos vrios grupos. Era um inimigo comum, mais que um programa unificado, que alinhava o movimento. Por isto sua unidade instvel (1878-1888) e se desfaz com o esfacelamento do adversrio A abolio da escravido, ponto de convergncia central do movimento, tambm chancela seu esboroamento. Desde 1888 os reformistas deixam de ser um bloco contra o status quo e passam a disputar entre si a prerrogativa de gerir as mudanas polticas. Porque o reformismo formado por grupos socialmente heterogneos e divergentes em interesses, quando a pauta negativa tem de se converter em propostas concretas, comeam os dissensos desagregadores quanto s modalidades e ao alcance das mudanas. Neste momento a coalizo se pulveriza em vrios pequenos grupos, conforme combinaes de nfase em certos componentes da poltica positiva e alternativas de reforma: reforma poltica (republicanos/monarquistas; federalistas/centralistas; presidencialistas/parlamentaristas); programa de reformas sociais (imigrao/trabalhador nacional; educao estatal/privada; tipos de seguridade social) e econmicas (agricultura/indstria; latifndio/minifndio). De tal sorte que os aliados de uma dcada sero freqentemente

O movimento no , pois, revolucionrio. reformista. Ento, melhor que defini-lo por preferncias intelectuais nome-lo a partir desta caracterstica central, como reformismo, uma categoria que permite abranger todos os seus grupos: positivistas, liberais, cientficos. O termo permite tambm evidenciar o carter igualmente constitutivo das formas de contestao poltica s instituies monrquicas e de contestao intelectual ao liberalismo estamental. As formas da mobilizao No incio deste artigo enfatizei que o reformismo deve ser analisado do ponto de vista da prtica dos agentes. Isto significa tanto a leitura de suas obras a partir do debate poltico quanto a anlise de suas formas de ao e organizao. O reformismo se materializa tanto em formas discursivas quanto numa ao poltica coletiva. O sentido das prticas consonante com o dos textos: a contestao s instituies, prticas e valores essenciais da sociedade imperial. Os grupos doutrinrios positivistas, spencerianos, novos liberais foram os principais articuladores das duas maiores campanhas de contestao ao status quo imperial: o abolicionismo e o republicanismo. Cada uma abrangeu a quase a totalidade desses grupos, por visarem o cerne do regime: sua forma de reproduo material e sua organizao poltica. Ambas foram movimentos de rua. O reformismo recorreu especialmente a formas no institucionalizadas de ao coletiva, como as campanhas, associaes de curta durao, passeatas, comcios, banquetes. A razo dupla. Marginalizados pelas principais instituies imperiais, como as ctedras das faculdades, o parlamento e os partidos imperiais, os vrios grupos buscavam formas alternativas de associao poltica e de manifestao. De outro lado, o reformismo incorporou prticas que estavam em uso por seus congneres estrangeiros. Repertrios so compostos no s por formas de pensar, como tambm por formas de agir. Conectam-se a formas histricas de ao coletiva. Tilly (1993) designa como repertrios de conteno o conjunto de formas de ao poltica surgidas em meio a conflitos a partir de fins do sculo XVIII

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870inimigos na seguinte. Para os agentes, esta ciso ganhou uma forma doutrinria, especialmente na primeira dcada republicana: a preferncia terica passou a contar como critrio de distino, como forma de legitimao da ao e de um projeto positivo de nova ordem. O desfecho do reformismo sua dissoluo como movimento e a integrao dos seus componentes aos canais polticos, aos partidos, s associaes profissionais, aos seus grupos sociais de origem. Muitos dos derrotados ou alijados da grande poltica se dedicaro a atividades estritamente intelectuais e disputaro rtulos como positivistas e liberais. essa ltima faceta da identidade reformista que sobreviveu nas memrias de seus membros, criando a imagem que a bibliografia depois consagrou: a de um conflito entre linhagens intelectuais descoladas da poltica.

51

O sentido do reformismoO sentido das manifestaes intelectuais da gerao 1870, como procurei mostrar, precisamente o contrrio da evaso, do alheamento, da indiferena em relao realidade nacional usualmente apregoada pelos intrpretes. O reformismo desenvolveu interpretaes acerca dos principais problemas brasileiros e buscou instrumentos para intervir politicamente. O sentido da adoo de idias estrangeiras poltico. A produo intelectual no era alheia realidade nacional e os critrios de seleo de argumentos no repertrio estrangeiro no residiam na consistncia terica da combinao de autores e teorias, e sim na sua relevncia para clarificar a conjuntura brasileira e evidenciar linhas de ao poltica at ento inauditas. O aproveitamento do repertrio europeu pelo reformismo no visou legitimar ou ocultar os fundamentos do status quo imperial, mas precisamente compreend-los e contest-los. Trata-se de um pensamento engajado e de contestao. A radicalidade das idias no est dada a priori, em sistemas de pensamento prontos (liberalismo versus conservadorismo), mas no uso poltico que os agentes fazem do repertrio disponvel no seu tempo, extraindo mesmo efeitos progressistas, como o abolicionismo, de sistemas reacionrios, como o positivismo.

A formulao do problema em termos de doutrinas pe foco nas diferenas internas ao movimento, como aquelas entre positivistas e liberais. Encobre, assim, a polarizao essencial: entre modalidades de reformismo e o liberalismo estamental que elas combatem. As distines polticas so mais explicativas do que as filiaes intelectuais estritas. O ponto de vista poltico permite mostrar como liberais e positivistas estiveram mais prximos tanto no diagnstico da crise (centralidade da escravido na formao social brasileira) quanto no gnero de soluo poltica proposta (reformas pelo alto atravs do Poder Moderador). A anlise doutrinria a oposio entre positivistas e liberais oculta a proximidade poltica: o novo liberalismo, as variaes de positivismo e cientificismo compem modalidades de crtica ordem imperial. A tica da importao e adaptao de idias estrangeiras realidade nacional perde ainda de vista que o movimento recorreu no apenas ao repertrio estrangeiro disponvel, mas tambm prpria tradio nacional. A boa questo, me parece, por que o movimento intelectual recorre a determinados elementos do repertrio estrangeiro e nacional, composto por prticas e idias, de seu tempo. Minha resposta que suas razes so polticas. Os agentes mobilizaram intencionalmente elementos da poltica cientfica e da tradio nacional para exprimir seu dissenso com a ordem imperial. O movimento intelectual da gerao 1870 foi, sobretudo, um movimento poltico de contestao.

NOTAS1 Todo o nosso pensamento dessa poca [fim do Imprio] revela [] a mesma indiferena, no fundo, ao conjunto social []. No existiria base dessa confiana no poder milagroso das idias um secreto horror nossa realidade? (Holanda, 1990 [NA BIBLIOGRAFIA CONSTA 1972], pp. 121 e 118). Dois balanos recentes do debate sobre cultura e experincia (Boudon, 1997; Lamont e Wuthnow, 1998) apontam uma espcie de convergncia negativa: o esgotamento de anlises que tentam corresponder mecanicamente as duas esferas, a das representaes e a das prticas; a crtica a todos os gneros de reducionismo. Vrios autores argumentam que a questo est menos em saber qual o grau de autonomia ou determinao das formas de pensamento pelas prticas sociais, e mais em entender as articulaes entre estas duas dimenses. Assim, contemporaneamente as discusses se encaminham rumo a uma reformulao do prprio problema: ao e representaes so duas faces da mesma moeda,

2

52

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44duas dimenses da vida social. Para entend-las preciso conjugar o estudo da cultura como complexo de categorias cognitivas e como conjunto de prticas sociais. do Sul e de So Paulo. Uma pesquisa em profundidade foi feita para as lideranas de cada um dos grupos: Quintino Bocaiva e Salvador de Mendona; Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Andr Rebouas; Miguel Lemos e Teixeira Mendes; Anibal Falco e Martins Jr.; Jlio de Castilhos e Assis Brasil; Alberto Sales e Pereira Barreto, respectivamente. Veja Alonso (2000, cap. 2). 11 A socializao escolar no lhes deu uma identidade comum, como acontecera primeira leva de estadistas do Segundo Reinado (Carvalho, 1980), ou da Alemanha contempornea (Ringer, 1983). A educao superior imperial falhou em homogeneiz-los no houve alterao curricular significativa para acompanhar a mudana de perfil dos alunos (Haidar, 1972; Adorno, 1988; Alonso, 1998). 12 Ainda que essa alternativa traga o empecilho evidente de restringir por um meio estranho ao problema e, no caso da gerao 1870, tenha por custo adicional o bizarro de muitos de seus membros s passarem a se manifestar coletivamente no fim da dcada, ainda assim a idia de gerao eficiente como tcnica de circunscrio. Este critrio permite excluir os muito jovens, que so meros aderentes do movimento. Este o caso, por exemplo, de Alberto Torres, Manoel Bonfim, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues, que praticamente s comearam sua atividade pblica depois da queda do Imprio. 13 Esta subseo se baseia no inventrio de cerca de 200 obras publicadas no Brasil entre 1870 e 1897. Foram excludas obras literrias, de teoria literria e as que classifiquei como tcnicas (teses de medicina, livros sobre tcnicas de cultivo, manuais de engenharia e afins). O prximo passo foi a organizao do material a partir dos parmetros da conjuntura poltica, o que permitiu distinguir trs ondas temticas: (a) 1868-1878: a configurao de uma autocrtica do status quo imperial conforme o cnon do liberalismo imperial; (b) 18781888: a consolidao do movimento intelectual da gerao 70; (c) 1889-1897: o memorialismo, a reconstituio da histria poltica e intelectual do Imprio em termos doutrinrios. Minha anlise restringe-se ao segundo perodo. 14 O carter de interveno poltica destes escritos fica claro em vrios ttulos: A incorporao do proletariado escravo e o recente projeto do governo (1884), de Miguel Lemos; A Repblica federal (1881), de Assis Brasil; Apontamentos para a soluo do problema social no Brasil (1880), de Teixeira Mendes, Anibal Falco e Teixeira de Souza; Os abolicionistas e a situao do pas (1880), de Pereira Barreto; As trs formas de organizao republicana (1888), de Slvio Romero; A Repblica no Brasil (1889), de Silva Jardim. 15 Comparecem nomes agora obscuros: autores de artigos de jornais ou revistas de variedade, como a Revue des Deux Mondes; referncias a parlamentares europeus, como ao ingls William Gladstone (1809-1898), quatro vezes primeiro-ministro e um verdadeiro smbolo do reformador responsvel nas dcadas finais do Imprio; a Camillo Benso di Cavour (1810-1861), lder do movi-

3

Outros estudos em termos de [?] obras filosficas compondo[?] escolas so os do prprio Paim (1966, 1979 e 1980) para a Escola de Recife e o positivismo ilustrado; o de Lins (1964) para o positivismo; o de Collichio (1988) para o darwinismo social. As obras polticas, no mesmo diapaso, so organizadas em doutrinas como o liberalismo doutrinrio (Macedo, 1977) e o castilhismo (Velez Rodrigues, 1980). De modo geral, o movimento intelectual oitocentista seria a fase de nascena de uma ilustrao brasileira (Barros, 1967, p. 253). A nossa origem, as condies da nossa formao, a nossa experincia histrica nos afastam do alcantilado das metafsicas e nos impelem para a meditao de realidades concretas e vivas. Da a opo por estudar as transformaes ou deformaes das doutrinas europias no Brasil e indagar das influncias que estas tiveram entre ns [...] (Cruz Costa, 1956, pp. 10 e 14-15; grifos do autor). O carter proselitista das doutrinas filosficas em nossa terra [...] traduz, ao nosso ver, o desajustamento histrico entre as doutrinas intelectuais, de importao, e as nossas condies histricas. (Cruz Costa, 1956, p. 312). Bresciani (1976), por exemplo, evidencia que em So Paulo o debate doutrinrio corria junto com uma atividade jornalstica e pedaggica intensa. Carvalho (1989) mostra como a Igreja positivista desenvolveu ao jacobina no comeo da Repblica. Mesmo perodo em que, segundo Nachman (1972), positivistas atingiram cargos polticos de relevo. No primeiro caso esto autores de obras sistemticas, obras filosficas, como as capas das edies do sculo XX anunciam. A se classificam gente como Pereira Barreto, Tobias Barreto, Miranda Azevedo, Clvis Bevilqua, Farias Brito, Slvio Romero no acidentalmente, eleitos para ingressar nas tipologias de Cruz Costa e de Paim. No segundo caso, os polticos, h uma subdiviso conforme posies poltico-ideolgicas: liberais-democratas, como Joaquim Nabuco, Andr Rebouas, Tavares Bastos, e autoritrios, como Jlio de Castilhos, Anibal Falco, Alberto Torres e Lauro Muller. Os postos intelectuais eram ocupados por polticos e o teor da produo oriunda das faculdades e institutos era dirigido para o debate poltico (Adorno, 1988; Salgado Guimares, 1988; Castro, 1995). Todas as tradues das citaes em lngua estrangeira so minhas.

4

5

6

7

8

9

10 Os componentes do movimento foram definidos por bola de neve [ ISSO MESMO?], conforme sua participao no debate pblico, autoria de opsculos e atuao em associaes e eventos. Reconstru uma biografia mnima, enfatizando a trajetria pblica, para os 130 indivduos identificados. Nomeei os seis microgrupos mais claramente delineados, de modo a enfatizar o cerne de suas reivindicaes, como: liberais republicanos, novos liberais, positivistas abolicionistas da Corte e de Pernambuco; federalistas cientficos do Rio Grande

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870mento de unificao da Itlia; aos franceses da passagem da Monarquia de Julho Terceira Repblica; polticos profissionais como Adolphe Thiers, Leon Gambetta e Jules Ferry e polticos-intelectuais como Littr, Laffitte, Taine e Renan; aos abolicionistas ingleses e americanos; ao positivista chileno Lastarria. 16 Estes so os temas, por exemplo, de A questo social (1879), de Quintino Bocaiva; O oportunismo e a revoluo (1880) e A Repblica federal (1881), de Assis Brasil; As solues positivas da poltica brasileira (1880), de Pereira Barreto; Apontamentos para a soluo do problema social no Brasil (1880), obra conjunta de Teixeira Mendes, Anibal Falco e Teixeira de Souza; Trabalhadores asiticos (1881), de Salvador de Mendona; A poltica republicana (1882), de Alberto Sales; A Repblica federal (1882), de Alcides Lima; Agricultura nacional estudos econmicos (propaganda abolicionista e democrtica) (1883), de Andr Rebouas; A frmula da civilizao brasileira (1883), de Anibal Falco; A incorporao do proletariado escravo e o recente projeto do governo (1884), de Miguel Lemos; Processo da monarquia brasileira: necessidade da convocao de uma Constituinte (1885), de Anfrsio Fialho; O erro do imperador (1886), de Joaquim Nabuco; A ptria paulista (1887), de Alberto Sales; A escravido, o clero e o abolicionismo (1887), de Anselmo da Fonseca; Salvao da ptria (1888), de Silva Jardim; Abolio da misria (1888), de Andr Rebouas.

53

BRESCIANI, M.S. (1976), Liberalismo: ideologia e controle social (Um estudo sobre So Paulo de 1850 a 1910). Tese de doutorado, Departamento de Histria, FFLCH/USP. __________. (1993), O cidado da Repblica. Liberalismo versus positivismo no Brasil: 1870-1900. Revista USP, 17, mar.-abr.-maio. CARVALHO, J.M. de. (1980), A construo da ordem. A elite poltica imperial. Rio de Janeiro, Campus. __________. (1989), A ortodoxia positivista no Brasil. Um bolchevismo de classe mdia. Revista Brasileira, ano 4, 8. CARVALHO, M.A.R. de. (1998), O quinto sculo. Andr Rebouas e a construo do Brasil. Rio de Janeiro, Iuperj/Revan. CASTRO, C. (1995), Os militares e a Repblica um estudo sobre cultura e ao poltica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. COLLICHIO, T.A.F. (1988), Miranda Azevedo e o darwinismo no Brasil. So Paulo, Edusp/Itatiaia. CRUZ COSTA, J. (1956), Contribuio histria das idias no Brasil. Rio de Janeiro, Jos Olympio. EPSTEIN, J. (1996), Bred as a mechanic: plebein intellectuals and popular politics in early nineteenth-century England, in L. Fink, S. Leonard e D.M. Reid (eds.), Intellectuals and public life. Between radicalism and reform, Cornell Universtiy Press. FAORO, R. (1993), A aventura liberal numa ordem patrimonialista. Revista USP, 17 FAVRE, P. (1990), La manifestation. Paris, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques. FERNANDES, F. (1977), Circuito fechado. So Paulo, Hucitec. GRAHAM, R. (1973), Gr-Bretanha e o incio da modernizao no Brasil (1850-1914). So Paulo, Brasiliense. HAIDAR, M. (1972), O ensino secundrio no Imprio brasileiro. So Paulo, Grijalbo/Edusp. HALE, C. (1989), The transformation of liberalism in late nineteenth-century Mexico. Princeton, Princeton University Press.

BIBLIOGRAFIAADORNO, S. (1988), Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro, Paz e Terra. ALONSO, A. (1998), Social frustration and republicanism in 19th century Brazil. Paper apresentado em congresso da Latin American Studies Association (LASA), Chicago, 24-26 de setembro. __________. (2000), Idias em movimento: a gerao 70 na crise do Brasil Imprio. Tese de doutoramento, Departamento de Sociologia, FFLCH/ USP. BANNISTER, R. (1988), Social darwinism. Science and myth in Anglo-American social thought. Philadelphia, Temple University Press. BARROS, R.S.M. (1967), A evoluo do pensamento de Pereira Barreto. So Paulo, Edusp/Grijalbo. BOSI, A. (1992), Dialtica da colonizao. So Paulo, Cia. das Letras. BOUDON, R. (1997), The analysis of ideology, in R. Boudon, M. Cherkaoui e J. Alexander, European sociology in the twentieth century: from post-industrialism to post-modernism, Londres, Sage.

54

REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 15 N o 44RINGER, F. (1983), The decline of the German mandarins: the German academic community 18901933. Cambridge, Cambridge University Press. __________. (1992), Fields of knowledge. French academic culture in comparative perspective, 1890-1920. Paris/Cambridge, Maison des Sciences de lHomme/Cambridge University Press. ROSANVALLON, P. (1985), Le moment Guizot. Paris, Gallimard. SALGADO GUIMARES, M.L. (1988), Nao e civilizao nos trpicos. Estudos Histricos, 1. SCHWARCZ, L. (1993), O espetculo das raas. So Paulo, Cia. das Letras. SCHWARZ, R. (1989), Nacional por subtrao, in R. Schwarz, Que horas so?, So Paulo, Cia das Letras. SKIDMORE, T. (1976), Preto no branco raa e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra. SUSSEKIND, F. e VENTURA, R. (1984), Uma teoria biolgica da mais-valia? anlise da obra de Manuel Bonfim, in F. Sussekind e R. Ventura, Histria e dependncia. Cultura e sociedade em Manuel Bonfim, So Paulo, Moderna. SWIDLER, A. (1986), Culture in action: symbols and strategies. American Sociological Review, 51. TARROW, Sidney. (1994), Power in movement. Social movements, collective action and politics. Cambridge, Cambridge University Press TILLY, C. (1978), From mobilization to revolution. Reading M.A., Addison-Wesley. __________. (1993), Contentious repertoires in Great Britain, 1758-1834. Social Science History, 17: 2. __________. (1993-94), Social movements as historically specific clusters of political performances. Berkeley Journal of Sociology: A Critical Review, XXXVIII. VELEZ RODRIGUES, R. (1980), Castilhismo. Uma filosofia da Repblica. Porto Alegre, UCS/EST. WUTHNOW, R. (1992), Infrastructure and superstructure. Revisions in marxist sociology of culture, in R. Munch e N. Smelser (eds.), Theory of culture, Berkeley, University of California Press.

HALL, M. (1976), Reformadores de classe mdia no Imprio: a Sociedade Central de Imigrao. Revista de Histria, 105. HOBSBAWN, E. (1984), A inveno das tradies, in E. Hobsbawn e T. Ranger (orgs.), A inveno das tradies, Rio de Janeiro, Paz e Terra. ___________. (1996), The age of empire (1875-1914). Londres, Abacus. HOLANDA, S.B. de. (1972), O Brasil monrquico do Imprio Repblica. Histria Geral da Civilizao Brasileira, vol. 3. So Paulo, Difel. LAMONT, M. e WUTHNOW, R. (1990), Betwixt and between: recent cultural sociology in Europe and the United States, in George Ritzer (ed.), Frontiers of social theory: the new syntheses, Nova York, Columbia University Press. LINS, I. (1964), Histria do positivismo no Brasil. So Paulo, Cia. Editora Nacional. LOVE, J. (1971), Rio Grande do Sul and Brazilian regionalism, 1882-1930. Stanford, Stanford University Press. MACEDO, U.B. (1977), A liberdade no Imprio. O pensamento sobre a liberdade no Imprio brasileiro. So Paulo, Convvio. MANNHEIM, K. (1997), Essays on the sociology of culture. Collected works. Londres/Nova York, Routledge. MATOS, I.R. (1987), O tempo Saquarema. So Paulo, Hucitec/INL. MORSE, R.M. (1988), O espelho de Prspero cultura e idias nas Amricas. So Paulo, Cia. das Letras. NACHMAN, R.G. (1972), Brazilian positivism as a source of middle sector ideology. Master Degree, University of California. NOGUEIRA, M.A. (1984), As desventuras do liberalismo. Joaquim Nabuco, a monarquia e a repblica. Rio de Janeiro, Paz e Terra. PAIM, A. (1966), A filosofia da Escola de Recife. Rio de Janeiro, Saga. __________. (1979), O pensamento poltico positivista na Repblica, in A. Crippa (coord.), As idias polticas no Brasil, vol. II, So Paulo, Convvio. __________. (1980), Como se caracteriza a ascenso do positivismo. Revista Brasileira de Filosofia, 119.

CRTICA E CONTESTAO: O MOVIMENTO REFORMISTA DA GERAO 1870

55