o lugar do guru na vida espiritual

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  • 7/25/2019 O Lugar do Guru na Vida Espiritual

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    O LUGAR DO GURU NA VIDA ESPIRITUAL(*)

    Por Swami Paratparananda

    * Editorial da revista The Vedanta Kesari Fevereiro de 1965; Vol. 51; pg. 487

    UMA INTERESSANTE pergunta colocada por pensadores, que dealgum modo tem um vago conhecimento de que a divindade averdadeira natureza dos seres humanos : Se ns todos somos fagulhasdo mesmo divino Esprito, que necessidade existe de um homem ajudaroutro a realiz-la? uma colocao sincera e inteligente. Podemos sentirque aquele que questiona sincero. Talvez um pouco de tudo tenhaperturbado tal mente e existem tantas novas filosofias surgindo, osuficiente para confundir qualquer homem comum.

    Qual a resposta para tal questionamento? Vamos colocar emprova aquele que questiona. Como ele sabe que uma fagulha dadivindade? Ele sabe por sua prpria experincia ou de livros, literatura oude outras pessoas? Bem, se ele conheceu isto de outras pessoas ou livros,ele foi derrotado por sua prpria pergunta. Pois se ele pode acreditar emcertas coisas ditas em algum lugar e por algumas pessoas que o impedede acreditar na necessidade de confiar na eficcia e na utilidade de umguia espiritual, uma pessoa, talvez, mais regular em suas oraes e

    meditaes, sincera at o mago em sua vida espiritual e de carter puroe imaculado? Isto, claro, o questionador no pode responder excetoconcordando que sua premissa estava errada. Ainda assim ele pode sentirque sua pergunta permanece sem resposta. Portanto vamos nos voltarpara o lado prtico da questo. Vamos tomar o exemplo de um filhoocupado com seu jogo. O jogo o absorveu e ele esquece seus estudos.No necessrio que a me o lembre de seus estudos? No mundoespiritual ns somos todos crianas at que tenhamos atingido os maisaltos estgios da realizao. Precisamos de um guia, o Guru, paralembrar-nos, mais ainda, ajudar-nos realmente a vencer os obstculos

    em nosso caminho.Por que ns no podemos faz-lo por nossos prprios esforos?Talvez isto seja possvel em casos muito raros onde o anelo por Deus intenso, onde a renncia como um fogo flamejante, mas para osaspirantes comuns um guia espiritual essencial. verdade que nossanatureza divina, que somos filhos da Imortalidade. Mas somosconscientes deste fato? Quantos dias em um ano somos conscientes disto,quantos minutos em um dia? Temos que confessar que muito raramentesomos conscientes disto. A idia das prticas espirituais a de tornar-nosconscientes desta divindade mais e mais. Agora, os caminhos espirituais

    so numerosos, qual deveria um determinado aspirante escolher? Todasestas questes intrincadas so resolvidas por um verdadeiro mestre por

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    sua percepo profunda da vida do discpulo. De outra forma osaspirantes sero tentados a seguir quaisquer caminhos que seapresentem a eles como atrativos, como fceis. Ser como cavar embusca de gua em determinado local agora e em seguida em outro, masno suficientemente fundo para atingir o veio da gua. preciso serperseverante e persistente se desejar qualquer resultado na vidaespiritual. Apenas flutuar nas guas no nos levar s gemas querepousam no leito do oceano. Deve-se mergulhar fundo, diz SriRamakrishna.

    O Kathopanishadadverte os futuros aspirantes vida espiritual deforma rgida: No para muitos nem mesmo escutar sobre isto. Emesmo entre aqueles que escutam sobre Ele, muitos no compreendem.Maravilhoso o mestre e afortunado o que obtm este ensinamento.Ainda mais maravilhoso aquele que O compreende quando ensinado porum sbio.1Muitas vidas tm sucumbido nos mares desta existncia. Umsbio piloto necessrio. Se mesmo depois de repetidas instrues nsno somos capazes de compreender o Supremo Esprito, ento comopodemos por nossos prprios esforos atingi-lo!

    Tomando como certo que algum dia a fagulha em ns se acenderse as condies se tornarem propcias, como ns podemos saber queoutras circunstncias permitiro a ela brilhar? Se, por exemplo, umagrande carga de lenha molhada jogada sobre brasas, estas serocapazes de consumir a lenha? Nunca. O fogo diminuir e se apagar embreve. Mas supondo que se conhea como acender o fogo com esta

    fagulha, ir manuse-la com sabedoria e o faria crescer e brilhar maisadicionando folhas secas, no seria este mesmo fogo capaz de queimarat mesmo uma floresta? A condio do homem quase idntica. Umagrande quantidade de tendncias est abafando a divina fagulha etornando impossvel uma melhor viso daquele brilho divino. A luxria e acobia so as duas principais dificuldades que oprimem sua mentetornando impossvel para ele estar consciente de sua divindade.

    A parbola de Sri Ramakrishna do tigre comedor de ervas descrevecorretamente a condio do homem. Um tigre recm-nascido que foideixado no meio das ovelhas, mesmo antes de ter bebido o leite de sua

    me, seguiu os modos das ovelhas comia grama e balia quandoameaada por um perigo. Um dia outro tigre atacou o rebanho e quandoviu um tigre balindo e fugindo, ficou surpreso. Contudo ele agarrou o tigrecomedor de ervas e perguntou, Por que voc est fugindo? Voc umtigre como eu. Mas o tigre comedor de ervas no podia acreditar nisto.Ento o outro tigre o arrastou at um lago; mostrou ele seus reflexosna gua e empurrou um pouco de carne em sua boca e rugiu. O tigrecomedor de ervas, assim convencido de sua natureza e tendo provado acarne, rugiu em resposta. Aqui como o verdadeiro mestre ajuda umaspirante. Ns nos esquecemos de nossa verdadeira natureza e presos

    nas redes do mundo acreditamos ser ovelhas. Portanto dvidas surgemem nossa mente mesmo quando nos dizem que somos a prpria

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    divindade. O outro tigre o Guru que nos torna consciente de quemsomos.

    Agora vamos analisar outra ilustrao. Swami Vivekananda deu oexemplo sobre plantar uma semente. Voc faz crescer uma planta? eleperguntou. No. A vitalidade para germinar est na prpria semente.Voc no pode infundir esta vitalidade nela. O que voc pode fazer coloc-la em um solo adequado, agu-la e assim ajud-la a crescer. Vocapenas remove os impedimentos e obstculos no seu caminho permitindoque ela cresa por si s. Da mesma forma a divina fagulha no homem para ser sentida e no simplesmente conhecida teoricamente. O trabalhodo Guru ajudar o discpulo a senti-La, realiz-La, descobrindo eremovendo os impedimentos que bloqueiam seu caminho.

    Ns temos apenas que verificar a maneira com a qual SriRamakrishna treinou seus discpulos para compreender esta relao entreo Guru e o sisya. Primeiro houve sua seleo dos discpulos apropriados eento seu treino deles. Ele conhecia o passado, presente e futurodaqueles que ele tomou em suas mos para moldar como seus discpulos.No foi apenas Sri Ramakrishna que possua tais poderes. Jesus tambmos teve diante dele. No escolheu Jesus alguns de seus discpulos entrepescadores? As Encarnaes podiam com um olhar conhecer a naturezade qualquer homem que tivessem contato.

    Conhecendo assim seus mais ntimos pensamentos as Encarnaespodiam corrigir seus discpulos sempre que agissem errado. Jesus previupara seu rebanho apenas um dia ou dois antes da crucificao: Um entre

    vocs me trair. E eles ficaram tristes, pois o Senhor no acreditavaneles. Mas esta profecia no foi cumprida? Pois ele disse a Pedro, Vocme negar trs vezes antes do galo cantar e no foi isto cumprido? EPedro no negou firmemente que tal coisa fosse possvel para ele? Eainda assim como isto veio a acontecer? Isto mostra que Jesus podia verno apenas o que iria acontecer com si mesmo, mas tambm quepensamentos surgiriam nas mentes daqueles prximos a ele. Isto provaque as Encarnaes de Deus tm o poder de conhecer tudo que queremsaber. Nada fica escondido ao seu olhar. Por isso eles tm o mais altolugar como Gurus, como mestres de humanidade, em todas as pocas.

    O ministrio espiritual de Sri Ramakrishna foi um fenmenomaravilhoso. como uma paisagem de tonalidades em constantemudana, sempre atrativas e nunca cansativas, o jogo espectral de cores,contudo apontando para a mesma meta, que Deus. Algumas vezes elecostumava fazer seus jovens discpulos rolarem no solo de tanto rir porseu humor; em outros momentos ele cantava canes para eles sobre odivino e os transportava a uma regio exaltada. Em outros momentoshaviam discusses sobre as filosofias de diferentes seitas em diferentespocas. E ento ele os exortava a uma vida austera e de meditao. Umavez quando um discpulo disse a ele que tentava meditar, mas sua

    meditao no era muito profunda e nem sem perturbaes, SriRamakrishna escreveu algo sobre a lngua do discpulo e o mandou para o

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    retirado Panchavati em Dakshineswar. O discpulo, mesmo enquanto iapara o citado lugar foi perdendo sua conscincia externa e a perdeutotalmente to logo chegou ao lugar e se sentou sob aquela rvore. Elevoltou a si, para usar uma expresso mundana, somente quando SriRamakrishna massageou seu corpo, do peito para baixo. Numerosos soos exemplos na vida do Mestre e seus discpulos em que ele acentuou opotencial espiritual de seus discpulos.

    Uma pergunta pode ser feita: Por que voc diz que existe adivindade em todos os seres humanos, se deve ser atingida por durosesforos e a ajuda de um mestre? Pela simples e bvia razo de que umobjeto no pode mudar sua natureza e permanecer o mesmo. Ns nuncaescutamos falar de fogo gelado e gelo quente, exceto como uma forma deexpresso. Se o fogo no fosse quente, de que serviria? Um objeto podemanifestar apenas o que inerente nele. Se um homem no fosse divinoele jamais poderia se tornar assim. Mas a nossa experincia totalmenteoposta. Ns vemos personagens divinos manifestando-se e sereshumanos se tornarem divinos. Assim a proposio de que o homem no divino mais atinge a divindade no tambm verdadeira. O que acontecepelos esforos que eles descobrem a si mesmos, se descartam dasincrustaes que os envolvem uma por uma. Portanto a nica soluoaceitvel e racional que o homem divino, chame-o de fagulha dadivindade ou um filho de Deus ou do que voc quiser.

    Agora veremos a assistncia que o Guru realmente presta aodiscpulo. A vida espiritual tem alguns assuntos que devem ser

    considerados como reais, assuntos que voc no pode desvendar peloraciocnio. Mas no fato que a vida religiosa desprovida de todoraciocnio. dada grande importncia para a razo na religio e filosofiaHindu. Voc livre para questionar e inquirir, mas quando se torna umcaso de mera argumentao, a os sbios antigos colocam um limite.

    A razo seria cega quando no existir comparaes a fazer. Oraciocnio possvel e benfico enquanto se referir ao mundo fenomenal.Se voc tem que inferir, voc deve tecer um paralelo e o que existe quepossa se comparar com a vida transcendental? Se o transcendental podeser reduzido ao fenomenal, ele no mais permaneceria transcendental;

    em outras palavras o transcendental jamais poderia se tornar fenomenal.As leis do mundo fenomenal jamais podero, portanto, ser aplicadas aotranscendental. O Atman, por exemplo, no pode ser visto pelos olhos,nem mesmo o mais poderoso microscpio pode revel-lo. Mas ele o sermais recndito do homem. Quando o homem morre algo se retira dele.Ele no pode ser impedido, pois ele no visvel. Mas que algo, queestava movendo o corpo e o fazia vivo mesmo antes do momento damorte, estava no corpo no pode ser negado. A vida espiritual lida comaquele ser, o Atman. Portanto, da mesma forma que voc busca aprendermsica de um msico e no de um professor de lgica, temos que

    aprender a cincia da alma somente de um mestre espiritual. Ele conheceou descobrir quais as nossas atitudes e inclinaes e nos guiar de modo

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    adequado.Os seres humanos no so todos iguais; eles tm diferentes gostos

    e vrias naturezas. Talvez todos concordamos com esta declarao.Agora, o que melhor deixar o homem crescer em seu proprio modonatural, que facil para ele ou for-lo a seguir um padro de disciplinargido, fixo e intolerante, que certamente lhe causar dano e destruir suanatureza? Os sbios Hindus pensaram ser melhor deixar o homem crescerem seu proprio modo rumo a Deus; eles no tentaram modificar suanatureza inerente.

    Por isso existem tantos caminhos para se aproximar de Deusdescritos nas escrituras Hindus. Assim tambm sobre a forma ou ausnciade forma de Deus que o aspirante gosta de adorar. Uma forma particularde Deus apela mais para um homem e assim ele capaz de concentrarseus pensamentos em Deus mais facilmente, mesmo que haja outrasformas que, apesar de ser do mesmo Divino Esprito, no provocam omesmo nele. o Guru que descobre qual forma da Divindade maisadequada para cada discipulo, seleciona um mantra ou uma frmulasagrada pela qual ele pode invoc-Lo e o instrui como deve prosseguir emseu caminho. Tudo isto o Guru faz sem qualquer motivo. O nico desejodo Guru que o discipulo possa realizar a Deus, possa se libertar dasredes de Maya, do mundo. Isto compaixo sem motivo, amor inegostaque impele o Guru a tomar para si a tarefa de despertar o potencialespiritual do discipulo. Assim ns vemos que alta posio o verdadeiroGuru ocupa no plano do Esprito. Ele considerado como um pai, me,

    amigo, filsofo e guia. Como um pai o Guru nos pune quando erramos,como uma me amorosa nos ajuda quando hesitamos, como amigo ficaconosco em nossas dificuldades e como um filsofo ele nos aconselhaquando no sabemos como prosseguir.

    Por tudo isto fica claro que o Guru ocupa uma posio suprema navida do aspirante espiritual. Muitos hinos foram escritos sobre o Guru,entre os quais o Guru-Gita famoso.

    O Mundakopanishad d a descrio do verdadeiro mestre: srotriya,bem versado nas escrituras e brahmanistha, estabelecido emBrahman2. Sri Sankara em seu Vivekachudmaniampliando este conceito

    e em concordncia com as passagens da Sruti diz que aquele que estpossudo de profundo esprito investigativo e de runncia deve seaproximar de um Guru, que versado nos Vedas, imaculado, intocadopelo desejo e um conhecedor de Brahman parexcellence, que retirou-seem Brahman, que calmo como o fogo que consumiu seu combustvel,que um oceano de compaixo sem nenhuma razo e um amigo de todaspessoas boas que se prosternam ele.3Este o verdadeiro mestre dequem se nos aproximarmos estaremos certos de encontrar nosso caminhoe a paz duradoura.

    1Kathopanishad 2.7.

    21.2.12.3Vivekachudamani, 33. 33.