o homem primitivo e seu comportamento

38
O HOMEM PRIMITIVO E SEU COMPORTAMENTO Henrique Ribeiro Tânia Halley Setembro de 2011 Faculdade de Educação UFMG Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social Disciplina: O biológico, o social e o cultural na obra de Vygotsky Prof.ª: Maria de Fátima Cardoso Gomes

Upload: xereque2009

Post on 03-Jul-2015

14.770 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: O homem primitivo e seu comportamento

O HOMEM PRIMITIVO E SEU COMPORTAMENTO

Henrique Ribeiro

Tânia Halley

Setembro de 2011

Faculdade de Educação – UFMG

Programa de Pós-Graduação em Educação:

Conhecimento e Inclusão Social

Disciplina: O biológico, o social e o cultural na obra de Vygotsky

Prof.ª: Maria de Fátima Cardoso Gomes

Page 2: O homem primitivo e seu comportamento

VYGOTSKY, L.S. & LURIA, A.R. O homem primitivo eseu comportamento. In: Estudos sobre a história docomportamento: símios, homem primitivo e criança.Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

TEXTO

Page 3: O homem primitivo e seu comportamento

Vygotsky define esses termos à luz de sua teoria do

desenvolvimento :

Como o homem progride ao longo da história, e a

criança, através dos estágios de desenvolvimento de sua vida, o

estágio primitivo ou natural não é substituído por estágios

culturais posteriores; antes, estes sobrepõem-se como andaimes

por sobre aqueles, alterando, reestruturando e adaptando esses

processos naturais. Assim, a psicologia de um homem cultural

não é superior nem inferior, mas diferente da de um homem

primitivo, assim como a psicologia de um adulto é diferente da de

uma criança, especialmente uma criança não-escolarizada.

TERMINOLOGIA: “PRIMITIVO” E “CULTURAL”

Page 4: O homem primitivo e seu comportamento

TERMINOLOGIA: “PRIMITIVO” E “CULTURAL”

Os processos mentais superiores nos povos “primitivos” não

eram inferiores, mas diferentes daqueles dos povos “culturais”

ou “civilizados”.

A afirmação mais importante de Vygotsky faz é que a diferença

entre povos primitivos e culturais está em seu

desenvolvimento social, e não em seu desenvolvimento

biológico.

Page 5: O homem primitivo e seu comportamento

Vygotsky volta a atenção para o desenvolvimento do comportamento do

HOMEM PRIMITIVO. Ele analisa os começos e a evolução dos sistemas

simbólicos de um ponto de vista histórico-cultural.

Divisão do Texto:

1. Três linhas de comportamento psicológico

2. Três teorias do desenvolvimento histórico-cultural

3. O homem primitivo como tipo biológico

4. A memória do homem primitivo

5. O pensamento ligado ao desenvolvimento da linguagem

na sociedade primitiva

6. As operações numéricas e o homem primitivo

7. O comportamento primitivo

ESTRUTURA DO TEXTO

Page 6: O homem primitivo e seu comportamento

1. O comportamento do homem é o resultado de uma evolução biológica

prolongada

A psicologia tem tomado reações primitivas como ponto de partida para

uma compreensão das formas mais elevadas de pensamento e de

vontade do homem moderno.

TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO

Medo e ódio humanos

Traços dos instintos de fuga e de ataque

dos animais predatórios

A psicologia vê os reflexos

condicionados iniciais como a

base do desenvolvimento de

toda atividade humana

complexa.

Vê nos instintos

animais o protótipo

das emoções

Page 7: O homem primitivo e seu comportamento

TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO

2. O pensamento e o comportamento do adulto são

produtos de um processo muito longo e complicado de

desenvolvimento da criança

Tenta estabelecer todas as transformações

quantitativas de uma forma de comportamento

para outra, isto é, todas as mudanças

quantitativas que, tomadas em

conjunto, constituem a base do desenvolvimento

da criança.

Page 8: O homem primitivo e seu comportamento

TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO

Choro do recém-nascido

Balbucio da criança pequena

Lampejos individuais de fala

humana

Como o

brinquedo

Revela, De

senvolve e

Modela

As futuras

tendências, capac

idades e talentos

da

criança

Page 9: O homem primitivo e seu comportamento

TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO

3. Desenvolvimento Histórico

O comportamento do homem moderno, cultural, não

é só produto da evolução biológica, ou resultado do

desenvolvimento infantil, mas também produto do

desenvolvimento histórico.

No processo do desenvolvimento histórico da

humanidade, ocorreram mudanças e

desenvolvimentos não só nas relações externas

entre as pessoas e no relacionamento do homem

com a natureza; o próprio homem, sua natureza

mesma, mudou e desenvolveu-se.

Page 10: O homem primitivo e seu comportamento

1. Associacionismo (Tylor e Spencer)

Lei da Associação: As sensações e sentimentos vêm juntos em estreita

sucessão de tal modo que quando um deles vem à mente, muito

provavelmente o outro a acompanhará.

Mecanismo da atividade mental e a própria estrutura dos processos de

pensamento e comportamento são iguais, no homem primitivo e no cultural.

A especificidade do comportamento e do pensamento do homem

primitivo, pode ser explicada em função das condições em que esse homem

vive e pensa.

Ex.:

Se fossemos despojados de toda a enorme experiência acumulada pelo

homem e colocados nas condições de vida em que vivia o homem

primitivo, pensaríamos e agiríamos como um tal homem age e pensa.

Porque o desenvolvimento psicológico é entendido

como acumulação quantitativa de experiências adquiridas.

TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO

HISTÓRICO-CULTURAL

Page 11: O homem primitivo e seu comportamento

TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO

HISTÓRICO-CULTURAL

2. A estrutura psicológica de um indivíduo é função direta da estrutura

social a que pertence - Lévy-Bruhl

É impossível explicar as crenças e as ideias coletivas que surgiram

como fenômenos sociais numa comunidade ou povo, baseando-se

em leis de uma psicologia individual como, por exemplo, as leis da

associação de ideias.

Essas ideias coletivas surgiram como resultado da vida social de um

dado povo e são comuns a todos os membros de um dado grupo.

Procurou basear sua explicação da psicologia do indivíduo no

caráter das ideias coletivas que emergem nesses grupos, bem como

no tipo e estrutura da sociedade em que vivem.

Conclusões:

As funções psicológicas superiores no homem primitivo

diferem profundamente dessas funções no homem cultural.

Page 12: O homem primitivo e seu comportamento

TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO

HISTÓRICO-CULTURAL

2. A estrutura psicológica de um indivíduo é função direta da

estrutura social a que pertence - Lévy-Bruhl

O homem primitivo foi caracterizado como PRÉ-LÓGICO.

O que não quer dizer que seja anti-lógico ou

alógico, mas simplesmente que não alcançou o ponto de

desenvolvimento do pensamento lógico.

Caracteriza-se por não se obrigar a evitar a contradição

e por obedecer a LEI DE PARTICIPAÇÃO – uma só e

mesma coisa pode participar de diversas formas

absolutamente diferentes de existência.

Page 13: O homem primitivo e seu comportamento

TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO

HISTÓRICO-CULTURAL

3. O pensamento primitivo é lógico do ponto de vista do homem

primitivo - Thurnwald

Ex.:

Quando acometidos de algum ataque ou doença, os homens

primitivos supunham que algum espírito mau tomara posse deles.

Para curar o doente, tentavam exorcizar esse espírito. Para

tanto, utilizam os métodos que aparentemente se supõe sirvam para

afugentar uma pessoa real: dão um nome ao espírito, pedem que se

vá embora, ou assustam-no com barulho.

A presença do pensamento lógico no homem primitivo:

A invenção e o uso de instrumentos, a caça, a pecuária e

agricultura. Isso demonstra que o homem primitivo também possui

pensamento lógico, ainda que não suficientemente desenvolvido.

Page 14: O homem primitivo e seu comportamento

Traços distintivos entre o homem primitivo e o homem cultural:

Superioridade X Inferioridade

1. Superioridade do homem primitivo sobre o homem

cultural, quando o primitivo está em suas circunstâncias naturais – crença de

que o homem primitivo está mais bem equipado pela natureza do que o

homem cultural.

2. Dificuldade de realizar funções mentais superiores como cálculo e

rememoração – operações abstratas.

O resultado é um quadro bastante complexo: de um lado, o homem

primitivo supera o homem cultural numa série de aspectos; por outro

lado, ele é inferior.

O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO

Page 15: O homem primitivo e seu comportamento

O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO

Seria então o organismo do homem primitivo diferente do homem

cultural? Poderíamos então atribuir todas as diferenças entre

esses dois homens à diferenças biológicas?

Muito embora se tenha sustentado por vezes que o homem

primitivo possui uma superioridade sobre o homem cultural, que é

mais bem equipado pela natureza, que possui sentidos mais

apurados de olfato, visão e audição, Vygotsky deixa bem claro que

os dados existentes não oferecem prova alguma de um tipo

orgânico de ser humano verdadeiramente diferente.

“A acuidade dos sentidos do homem primitivo muitas vezes é

resultado da prática; o déficit nessas esferas dos habitantes de

cidades é muitas vezes consequência da falta de uso, devido a seu

modo de vida em locais restritos. “ (Thurnwald)

Page 16: O homem primitivo e seu comportamento

O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO

CONCLUSÃO

A diferença entre povos primitivos e culturais está

em seu desenvolvimento social, e não em seu

desenvolvimento biológico. Portanto, o

subdesenvolvimento cultural dos homens primitivos é o

responsável pelo atraso que se pode observar nesses

homens na área das funções psicológicas.

Page 17: O homem primitivo e seu comportamento

A memória desempenha papel muito mais significativo na mente e no

comportamento do homem primitivo do que em nossa vida mental, porque

determinadas funções que, em certa época, a memória exercia em nosso

comportamento separaram-se da memória e se modificaram.

Nós, homens culturais, estamos livres da necessidade de armazenar uma

massa enorme de impressões concretas. Para o homem primitivo, quase toda

a experiências é apoiada na memória.

A memória primitiva é ao mesmo tempo muito acurada e extremamente

emocional. Ela preserva as representações com riqueza de detalhes e sempre

na mesma ordem de sua conexão na realidade.

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Diferenças com a do homem cultural

Page 18: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Diferenças com a do homem cultural

Ex.: O nativo conhece todos os rastros de todos os bichos e pássaros.

Aborígenes são capazes de recitar uma canção que demora 5 noites

para ser completada.

Levam mensagens de tamanho considerável a grandes distâncias e

as transmitem quase que palavra por palavra.

A memória do homem primitivo está ligada ao concreto, e eles

apresentam dificuldades em memorização de algo

abstrato, como a contagem numérica.

Para o homem cultural, a memória limita-se ao papel

subordinado de registrar os resultados que foram obtidos por

meio de uma elaboração lógica de conceitos.

Page 19: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Eidetismo

A essência dessa forma de memória é a capacidade de uma

pessoa de reproduzir visualmente de maneira literal um objeto

ou figura previamente concebidos imediatamente após vê-

los, ou até mesmo depois de um longo intervalo de tempo.

Experimentos com crianças: Após olhar a figura por 30

segundos, a criança continua a ver sua imagem sobre a tela e

a descrever detalhes minuciosos como a inter-relação entre

os objetos e suas partes.

Page 20: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Eidetismo

Os pesquisadores acreditam que a memória eidética

constitui um estágio primário, indiferenciado, de

unidade de percepção e memória.

Por isso, acredita-se que a admirável memória do

homem primitivo tem algum parentesco com a forma

eidética, pois o modo pelo qual ele percebe, pensa e

imagina, indica também que seu desenvolvimento está

extremamente próximo da fase eidética.

Nesse estágio de desenvolvimento, o homem primitivo

utiliza a memória, mas não é capaz de controla-la.

Page 21: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Eidetismo

• Memória se confunde com suas percepções

• Memória domina o homem

• Homem cria fantasias, mitos

• Se configuram como obstáculos no desenvolvimento do homem primitivo, que é dominado pela sua memória.

Page 22: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Desenvolvimento histórico da memória

O desenvolvimento histórico da memória começa a partir

do momento em que o homem, pela primeira vez, deixa

de utilizar o memória como força natural e passa a

dominá-la.

Capacidade de

encontrar caminhos

(domínio da memória)

Capacidade de utilizar

pistas como signos

1ª criação de um signo

artificial

Page 23: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Desenvolvimento histórico da memória

Início do uso dos signos pelo homem primitivo – os primeiros

instrumentos de memória são signos. Ex.: Figuras douradas dos

contadores de histórias da África ocidental; cada uma das figuras

recorda determinada história. Cada uma dessas figuras parece

representar o nome inicial de uma longa história, por exemplo, a lua.

Uso social do signo primitivo

Quem

está

usando

matou

o

inimigo

Cortou a garganta do

inimigo e o escalpelouCortou sua garganta

Feriu o

inimigo

Page 24: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Desenvolvimento histórico da memória

Esse tipo de nó amarrado para estimular a memória

é, aparentemente, o registro mais antigo que mostra como o

homem progrediu a partir do uso desse recurso para o controle de

sua memória.

Page 25: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Desenvolvimento histórico da memória

Determinaram o desenvolvimento

da memória humana

Passagem do desenvolvimento natural

da memória para o desenvolvimento da

escrita

Passagem da atividade

mnemônica para a mnemotécnica

Passagem do eidetismo para o uso de sistemas

externos de signos

Page 26: O homem primitivo e seu comportamento

A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:

Desenvolvimento histórico da memória

O nível de desenvolvimento cultural da memória pode ser

medido pela habilidade do homem de fazer uso da memória e

controla-la.

Quando o homem começa a controlar sua memória, “sobe”

um estágio no desenvolvimento da escrita, pois começa

utilizar dos signos para se comunicar.

Ex. : Escrita pcitográfica – que utiliza imagens visuais para

transmitir certos pensamentos e conceitos.

Page 27: O homem primitivo e seu comportamento

O PENSAMENTO LIGADO AO

DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NA

SOCIEDADE PRIMITIVA

• À primeira vista, temos a impressão de que a linguagem do homem primitivo é mais

simples pelo fato de o homem primitivo diferir do homem cultural também por causa

de que sua linguagem se apresenta mais pobre de meios, mais tosca e menos

desenvolvida do que a linguagem do homem cultural.

• No entanto, a sua linguagem nos surpreende precisamente pela enorme riqueza de

vocabulário.

• Toda a dificuldade em entender e estudar essas línguas origina-se, antes de mais

nada, de sua superioridade sobre as línguas dos povos culturais, devido ao grau de

riqueza, abundância e exuberância de suas diversas terminologias, coisa totalmente

ausente em nossa língua.

• Essa imensa riqueza terminológica de sua linguagem se deve à extraordinária

riqueza de sua memória. Para exprimir detalhes concretos, ele utiliza um número

enorme de palavras e expressões.

Page 28: O homem primitivo e seu comportamento

• Exemplo: Os tasmanianos não possuem palavras para especificarquantidades tais como doce, amargo, duro, frio, comprido, curto e redondo.Ao invés de "duro", dizem "como pedra", em lugar de "alto" - "pés altos", de"redondo" - "como uma bola", "como a lua", e também acrescentam umgesto que o explica. Analogamente, no arquipélago de Bismarck, não hánomes para cores. As cores são designadas apenas pela menção de umobjeto com o qual se assemelham (Lévy-Bruhl, 1910/1926, p.171).

• Exemplo: Os maori possuem um sistema incomumente completo para anomenclatura da flora da Nova Zelândia. Para eles, existem nomes distintospara o gênero de árvores masculinas e femininas. Também dão nomesindividuais a árvores cujas folhas mudam de forma em diferentes momentosde seu crescimento. O pássaro koko, ou o tui, possui quatro nomes: doispara o gênero masculino e dois para o gênero feminino, dependendo daépoca do ano. Há palavras diferentes para a cauda do pássaro, a cauda deanimal, e a cauda de peixe. Há três palavras para designar a voz dopapagaio: a voz em estado de calma, sua voz quando está zangado e outraquando está com medo (Lévy-bruhl, 1910/1926, p. 172).

Page 29: O homem primitivo e seu comportamento

• Essa riqueza de vocabulário depende diretamente da natureza concreta eprecisa da língua do homem primitivo. Do mesmo modo que ele fotografa ereproduz toda a sua experiência, ele também a rememora, com a mesmaprecisão. Ele não sabe expressar-se abstratamente econdicionalmente, como faz o homem cultural.

• Por isso é que em certos casos em que o europeu pode usar uma ou duaspalavras, às vezes o homem primitivo emite dez; por exemplo, a frase: "umhomem matou um coelho", na língua da tribo dos índios ponka seria ditaliteralmente assim· "O homem aquele vivo (caso nominativo) em pé matouintencionalmente arremessar uma flecha um coelho aquele vivo (casoacusativo) sentado" (Lévy-Bruhl 1910/1926,p.140).

• Essa descrição flexível e detalhada acaba sendo tanto a maior vantagemquanto o maior inconveniente da língua primitiva. A grande vantagem é queesse tipo de língua cria um signo para quase todos os objetos concretos eproporciona ao homem primitivo a possibilidade única de dispor de réplicasextremamente exatas de todos os objetos com que entra em contato.Assim, é bem evidente que, dado o modo de vida característico do homemprimitivo, passar de sua língua para um idioma europeu significaria para eledespojar-se imediatamente de seu meio mais poderoso de orientação navida.

Page 30: O homem primitivo e seu comportamento

• Contudo, ao mesmo tempo, essa língua sobrecarrega o pensamento cominfindáveis detalhes e particularidades e não processa os dados daexperiência, ela os reproduz não sob formas abreviadas, mas com toda ainteireza com que são observadas na realidade. Para comunicar opensamento simples de que um homem matou um coelho, o índio tem quetraçar todo o quadro desse evento com todos os detalhes. Por isso é que aspalavras do homem primitivo não se diferenciam de objetos, mas continuamintimamente ligadas às percepções sensoriais imediatas.

• As operações de linguagem e as operações numéricas só são factíveisquando ligadas às situações concretas que lhes deram origem. A naturezaconcreta, visual, das línguas primitivas afeta as formas gramaticais. Essasformas gramaticais destinam-se a denotar os mínimos detalhes dosignificado.

• A linguagem do homem primitivo é essencialmente duas linguagens numasó: por um lado, é uma linguagem de palavras; por outro, uma linguagem degestos. A linguagem do homem primitivo transmite as imagens dos objetosdo modo como são percebidos pelos olhos e pelos ouvidos. O objetivo deuma linguagem desse tipo é a reprodução exata.

• Essa segunda linguagem - a linguagem dos sinais ou dos gestos – éextremamente difundida entre os povos primitivos, mas é usada emdiferentes situações e em diferentes combinações com a linguagem verbal.

Page 31: O homem primitivo e seu comportamento

• Lévy-Bruhl chega à conclusão de que a maioria das comunidades primitivaspossuem duas linguagens: a fala oral e os sinais. Por isso, diz ele, é quenão se pode afirmar que essas linguagens poderiam existir sem seinfluenciar reciprocamente.

• Até certo ponto, falar com as mãos é literalmente pensar com as mãos; porisso, os traços desses conceitos manuais necessariamente se reproduzirãonas expressões verbais do pensamento. Os processos gerais de expressãoserão semelhantes: as duas linguagens, cujos signos diferem tãoextensamente, de gestos a sons articulados, estarão associadas por suaestrutura e método de interpretar objetos, ações e condições. Por isso, se alinguagem verbal descreve e delineia em detalheposições, movimentos, distâncias, formas e contornos, isto se dá porque alinguagem de sinais utiliza exatamente os mesmos meios de expressão.

• O pensamento, nesse tipo de linguagem, exatamente como a próprialinguagem, é inteiramente concreto e ligado à imagem. É pleno de detalhese trata de situações diretamente reproduzidas - de contextos extraídos davida real.

• Quanto ao número de palavras, de modo algum se poderá dizer que alinguagem do homem primitivo é limitada em expressões. Desse ponto devista, isto é, concretude da expressão, a língua dos povos primitivos superaa língua do homem cultural.

Page 32: O homem primitivo e seu comportamento

• Lei da participação: o pensamento primitivo não segue as leis de 'nossa

lógica, mas possui sua própria lógica primitiva, baseada numa idéia de

conexões que é completamente diferente da nossa Esse tipo específico de

conexões, características da lógica primitiva, implica que um só e mesmo

objeto pode coexistir em diversos complexos, isto é, ser um elemento em

relações completamente diferentes. (Lévy-Bruhl)

• Todas as características do pensamento primitivo podem reduzir-se ao fato

de que ao invés de idéias, ele opera com complexos. Segundo Werner "todo

pensamento primitivo é ao mesmo tempo pensamento visual".

• O progresso principal do desenvolvimento do pensamento assume a forma

de uma passagem do primeiro modo de utilizar uma palavra como nome

próprio, para o segundo modo, em que uma palavra é signo de um complexo

e, finalmente, para o terceiro modo, em que uma palavra é instrumento ou

recurso para desenvolver o conceito. Assim como se verificou que o

desenvolvimento cultural da memória tinha as mais íntimas ligações com o

desenvolvimento histórico da escrita, verifica-se que o desenvolvimento

cultural do pensamento possui a mesma conexão íntima com a história do

desenvolvimento da linguagem humana.

Page 33: O homem primitivo e seu comportamento

AS OPERAÇÕES NUMÉRICAS E O HOMEM PRIMITIVO

• O estudo das operações numéricas do homem primitivo oferece-nos o

exemplo mais explícito do desenvolvimento de seu pensamento e de como

esse depende da perfeição dos signos exteriores que a comandam e a

realizam. Muitos povos primitivos não possuem números para contar além

de 2 ou 3.

• Contudo, seria errado inferir a partir daí que não saibam contar além de 3.

Isso significa apenas que carecem de conceitos abstratos que alcancem

além desses números. Não podem utilizar as operações que são

características de nosso modo de pensar, diz Lévy-Bruhl

(1910/1926), mas, "por processos que lhes são peculiares, podem, em certa

medida, obter os mesmos resultados" (pp. 181-182).

• Essas operações dependem, em alto grau, da memória. O homem primitivo

conta de modo diferente do nosso modo (de contar) - modo esse que

poderia ser, chamado de concreto - e com esse método concreto (de contar)

o homem primitivo mais uma vez supera o homem cultural.

Page 34: O homem primitivo e seu comportamento

• O estudo dos processos de cálculo do homem primitivo mostra que nestecaso, mais uma vez, como com a memória e a fala, o homem primitivo nãosó não é inferior (mais pobre), mas em certo sentido é superior (mais rico)do que o homem cultural.

• Exemplo: Quando os primitivos se preparam para a caça, lançam um olharsobre os seus muitos cães e imediatamente se dão conta caso um delesesteja faltando. Exatamente do mesmo modo, o homem primitivo podedetectar a ausência de um único animal numa manada de várias centenasde animais.

• A aritmética natural dos povos primitivos, como em geral seu pensamento, éao mesmo tempo mais e menos do que o nosso; é menos eficiente, porquedeterminadas operações acabam sendo completamente inacessíveis aohomem primitivo e suas capacidades nessa área sendo muito mais limitadasque as nossas. Essa aritmética natural é mais eficiente, porque opensamento do homem primitivo está sempre ancorado no contexto darealidade. Carece de abstração e reproduz imediatamente uma situaçãoconcreta de vida; e freqüentemente, como acontece em nossa vida cotidianae arte, essas imagens concretas acabam por ser representações muito maisreais do que abstratas.

Page 35: O homem primitivo e seu comportamento

• Exemplo: Exatamente do mesmo modo, ao tentar representar com um

diagrama típico algo simples como a quantidade de sabão consumido na

China e na Alemanha, desenhamos para esse fim um enorme chinês e um

pequeno alemão, que simbolizam o número de vezes que a população da

China é maior do que a da Alemanha. Sob essas figuras, desenhamos um

pequeno e um enorme pedaço de sabão, de modo que toda essa figura –

esse diagrama - nos diga diretamente mais do que fariam os dados

matemáticos abstratos. São essas figuras - esses meios gráficos - que são

utilizados na aritmética primitiva do homem primitivo.

• Exemplo: Se um primitivo quer denotar 3 ou 5 pessoas, ele não designa sua

soma, mas chama todos que conhece pessoalmente pelo nome; se não

sabe o nome, então os conta usando algum outro traço concreto: por

exemplo, um homem de nariz grande, um velho, uma criança, um homem de

pele pálida e um homem baixinho estão esperando - tudo isso ao invés de

.dizer: "chegaram cinco homens".

Page 36: O homem primitivo e seu comportamento

• Um total é percebido inicialmente como imagem de alguma figura. A imagem

e a quantidade ainda estão fundidas num único complexo. Por isso é

que, como mostramos anteriormente, o cálculo abstrato para uma mente

primitiva é impossível; um primitivo só calcula na medida em que seu

ca1culo lhe parece estar associado à realidade. Assim, para os povos

primitivos o número é sempre um nome, que denota algo concreto; é uma

imagem numérica ou uma forma usada como símbolo para determinada

quantidade.

• A transição de uma aritmética natural, baseada na percepção direta de

quantidades, para uma operação mediada realizada com a ajuda de signos

já se encontra nas primeiras etapas do desenvolvimento cultural do homem.

• Exemplo: Roth perguntou a um homem primitivo quantos dedos e artelhos

ele tinha e pediu-lhe que marcasse o número deles com linhas na areia. O

homem começou a voltar os dedos para baixo de dois em dois e, para cada

par, traçava uma linha dupla na areia. Essa prática é utilizada pelos mais

velhos da tribo para contar os homens. É nesse fenômeno que observamos

um método instrumental indireto utilizado para criar a percepção da

quantidade com a ajuda de signos.

Page 37: O homem primitivo e seu comportamento

• A origem visual das denominações numéricas mostra-se na tendência do

primitivo de contar, não por unidades, mas por grupos nitidamente

diferentes; por exemplo, de dois em dois, de quatro em quatro, cinco em

cinco e assim por diante. Por essa razão, embora ele possua muitas vezes

um número muito pequeno de numerais, consegue, não obstante, calcular

quantidades extremamente grandes, repetindo os mesmos numerais várias

vezes.

• A contagem começou antes mesmo de serem criados os números. Nas

sociedades mais primitivas durante séculos as pessoas calcularam sem

números. Seria um erro pensar que a mente humana criou os números para

poder contar; ao contrário, as pessoas começaram a contar antes de

conseguir criar números.

• Exemplo: O primitivo calcula com os dedos de uma mão, dizendo ao mesmo

tempo: este é um, e assim por diante; chegando ao último dedo, diz: 1 mão.

A seguir, conta os dedos da outra mão e depois os artelhos dos pés. Se não

terminou seus cálculos, então "1 mão" é tomada como unidade de valor

superior A partir daí, ao contar os dedos e artelhos, conta-os por

"cincos", isto é, conta suas mãos como unidades globais.

Page 38: O homem primitivo e seu comportamento

O COMPORTAMENTO PRIMITIVO• Vemos que o primitivo já deu o passo à frente mais importante em seu

desenvolvimento, ao passar da aritmética natural para o uso dos signos. É

legítimo que digamos que todo o caminho do desenvolvimento histórico do

comportamento humano tem sua origem exatamente no uso dos signos.

• O mais importante, o mais crucial e o mais característico para todo o

processo do desenvolvimento é o fato de que seu aperfeiçoamento vem de

fora e é afinal determinado pela vida social do grupo ou do povo a que a

indivíduo pertence.

• Encontramos, também, uma transição a partir dos processos psicológicos

naturais (tais como a memória eidética, a percepção imediata de

quantidades) para a utilização de signos culturais, para a criação de

recursos culturais que ajudam o homem primitivo a regular seu próprio

comportamento.

• A vida social do homem e sua atividade de trabalho começam a exigir

requisitos ainda mais elevados para o controle sobre seu próprio

comportamento. Desenvolve-se a linguagem, cálculo, a escrita e outros

recursos técnicos de cultura. Com a ajuda desses meios, o comportamento

do homem ascende a um nível superior.