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Viagem. Destino: Origens 1 Contexto Filosófico: Religiões “A Religião é a expressão de um sentimento de dependência [do ser humano] frente a um poder exterior [a ele], um poder de natureza espiritual [e] ou moral”. Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) A “instituição” da Religião remonta ao Neolítico. Para os antropólogos a Religião Primitiva era mais uma questão de ritos que teriam se antecipado à Crença. Isto é, os Rituais teriam se antecipado aos Mitos, Dogmas e as Teologias. O homem primitivo dependia fundamentalmente da Natureza e, para ele, o acontecimento ou não dos fenômenos naturais “exigiam” que ele cumprisse certos sacrifícios, certos Rituais. Talvez ele já entendesse, ainda que inconscientemente, que, apesar de sua aparente insignificância, cabia a ele desempenhar o seu papel, o seu dever ritual, e se submeter diante das “forças da natureza”. “Nós não cremos, nós tememos”. Médico/ Feiticeiro Esquimó Mas havia ainda outro elemento presente na Religião Primitiva: o Medo. “Nós não cremos, nós tememos” teria dito um Médico/ Feiticeiro Esquimó ao explorador e antropólogo dinamarquês Knud Rasmussen (1879 a 1933). Tudo o que é estranho e desconhecido estaria repleto de perigos, o que exigia que o homem primitivo cumprisse com certas “precauções rituais”. Em seu estado “pré-lógico” (“pré-racional”) o homem primitivo não fazia distinção entre objetos animados e inanimados, entre o natural e o sobrenatural, não reconheciam milagres já que para eles nada era impossível ou absurdo, o acaso não existia e tudo tinha uma explicação e/ou um significado místico. Por exemplo, alguns homens primitivos não percebiam a relação entre o ato sexual e a reprodução, a união dos sexos seria apenas para preparar o caminho para que algum espírito penetrasse no corpo da mulher e ela engravidasse. A importância dos rituais fez com que o homem primitivo passasse a venerar aqueles homens responsáveis pelos rituais de uma tribo, os Feiticeiros. Assim pareceu possível a eles que após a morte desses homens (seus antepassados) o espírito deles passasse a habitar os cumes das montanhas ou moradas celestes. O homem primitivo acreditava, portanto, na sobrevivência da alma humana após a morte do corpo, ou pelo menos de seus “notáveis”. Aos poucos esses Feiticeiros ou “notáveis” ganhariam o status de Sacerdotes, e passariam a ter grande poder nas sociedades primitivas. Eles passariam a ser os “representantes máximos” dos Deuses e seriam depois adorados como os próprios Deuses, no que pode ter sido o início de uma transição entre a Religião Primitiva e as Religiões Teológicas (como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo). “ O Poder se estabelece a partir da Crença e do Medo”. A identificação de um “líder” teria sido um fator (embora não o único) determinante na criação dos “estados” primitivos. O “líder” era aquele homem dotado da qualidade de comando que, em um momento de crise, se destacava no grupo e assumia o controle. Nesse contexto, os Sacerdotes (ou Patriarcas) de uma tribo, que detinham maior Conhecimento eram (em muitos casos) os que mais provavelmente se destacariam como líderes. Ainda que não tivesse a força física para exercer o Poder, o Sacerdote poderia gerar o Medo, impor penalidades ao espírito de seus adeptos e exercer uma poderosa autoridade coercitiva.

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Page 1: Viagem. Destino: Origens · O homem primitivo dependia fundamentalmente da Natureza e, para ele, o acontecimento ou não dos fenômenos naturais exigiam que ele cumprisse certos sacrifícios,

Viagem. Destino: Origens

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Contexto Filosófico: Religiões

“A Religião é a expressão de um sentimento de dependência [do ser humano] frente a um

poder exterior [a ele], um poder de natureza espiritual [e] ou moral”. Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955)

A “instituição” da Religião remonta ao Neolítico. Para os antropólogos a Religião Primitiva era mais uma questão de ritos que teriam se antecipado à Crença. Isto é, os Rituais teriam se antecipado aos Mitos, Dogmas e as Teologias. O homem primitivo dependia fundamentalmente da Natureza e, para ele, o acontecimento ou não dos fenômenos naturais “exigiam” que ele cumprisse certos sacrifícios, certos Rituais. Talvez ele já entendesse, ainda que inconscientemente, que, apesar de sua aparente insignificância, cabia a ele desempenhar o seu papel, o seu dever ritual, e se submeter diante das “forças da natureza”.

“Nós não cremos, nós tememos”.

Médico/ Feiticeiro Esquimó

Mas havia ainda outro elemento presente na Religião Primitiva: o Medo. “Nós não cremos, nós tememos” teria dito um Médico/ Feiticeiro Esquimó ao explorador e antropólogo dinamarquês Knud Rasmussen (1879 a 1933). Tudo o que é estranho e desconhecido estaria repleto de perigos, o que exigia que o homem primitivo cumprisse com certas “precauções rituais”. Em seu estado “pré-lógico” (“pré-racional”) o homem primitivo não fazia distinção entre objetos animados e inanimados, entre o natural e o sobrenatural, não reconheciam milagres já que para eles nada era impossível ou absurdo, o acaso não existia e tudo tinha uma explicação e/ou um significado místico. Por exemplo, alguns homens primitivos não percebiam a relação entre o ato sexual e a reprodução, a união dos sexos seria apenas para preparar o caminho para que algum espírito penetrasse no corpo da mulher e ela engravidasse. A importância dos rituais fez com que o homem primitivo passasse a venerar aqueles homens responsáveis pelos rituais de uma tribo, os Feiticeiros. Assim pareceu possível a eles que após a morte desses homens (seus antepassados) o espírito deles passasse a habitar os cumes das montanhas ou moradas celestes. O homem primitivo acreditava, portanto, na sobrevivência da alma humana após a morte do corpo, ou pelo menos de seus “notáveis”. Aos poucos esses Feiticeiros ou “notáveis” ganhariam o status de Sacerdotes, e passariam a ter grande poder nas sociedades primitivas. Eles passariam a ser os “representantes máximos” dos Deuses e seriam depois adorados como os próprios Deuses, no que pode ter sido o início de uma transição entre a Religião Primitiva e as Religiões Teológicas (como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo).

“ O Poder se estabelece a partir da Crença e do Medo”. A identificação de um “líder” teria sido um fator (embora não o único) determinante na criação dos “estados” primitivos. O “líder” era aquele homem dotado da qualidade de comando que, em um momento de crise, se destacava no grupo e assumia o controle. Nesse contexto, os Sacerdotes (ou Patriarcas) de uma tribo, que detinham maior Conhecimento eram (em muitos casos) os que mais provavelmente se destacariam como líderes. Ainda que não tivesse a força física para exercer o Poder, o Sacerdote poderia gerar o Medo, impor penalidades ao espírito de seus adeptos e exercer uma poderosa autoridade coercitiva.

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Assim, de certa forma, a Religião contribuiu para o aparecimento dos primeiros Estados e muito provavelmente muitos Sacerdotes se tornaram Reis que herdariam a “imortalidade” e o poder dos Sacerdotes. O Politeísmo (típico das Mitologias) é a adoração ou crença em múltiplas divindades, geralmente representações de forças da natureza ou de ancestrais que passaram a ser venerados após a sua morte física. O Politeísmo prevaleceu durante a Idade do Bronze (3200 a 1200 a.C.) e a Idade do Ferro (1200 a 1 a.C.). Primordialmente Politeístas, as religiões do antigo Oriente Médio foram a base para as principais religiões atuais. Entre elas a Religião do Antigo Egito e a Religião Suméria da Antiga Mesopotâmia.

“[Religião] é o sentimento de absoluta dependência”. Friedrich Schleiermacher (1768 a 1834)

A Religião do Antigo Egito era um complexo sistema de Crenças e Rituais politeístas que faziam parte integrante da sociedade egípcia de então. Esse sistema se baseava na interação dos Egípcios com muitas divindades que eles acreditavam estarem presentes, ou que controlassem as forças da natureza, das quais os Egípcios dependiam de forma absoluta. Rituais como Orações e Ofertas eram esforços feitos para agradar os deuses (ou as forças da natureza) e, assim, obter o seu favor. Durante o período anterior da unificação do Egito e do Período Dinástico (isto é, até 3200 a.C.) cada cidade egípcia tinha seu próprio Deus. Assim, a unificação do país não foi apenas uma consolidação do território, mas também uma fusão das várias divindades. O Antigo Império Egípcio (3200 a 2800 a.C.) já era uma Teocracia, ou seja, um sistema de governo no qual os Sacerdotes governam em nome dos Deuses. A prática religiosa egípcia ou o poder para realizar os rituais, estava nas mãos do Faraó, o Sacerdote Supremo ou Rei do Egito, que se acreditava possuir um poder divino. O Faraó era o intermediário entre seu povo e os deuses os quais ele deveria “manter sob controle” através de rituais e ofertas, garantindo

assim a “ordem no universo”. Para a realização dos rituais enormes recursos teriam sido dedicados pelos Egípcios na construção de Templos. Quando da unificação do país e da consequente “fusão das divindades”, em um primeiro momento prevaleceu a divindade da nova capital do reino unificado, Memphis (baixo Egito) e as diversas divindades com características protetoras das demais cidades foram consubstanciadas na figura do Deus Solar, Ra, de Memphis. Mais tarde, com a predominância de Tebas (alto Egito) essa divindade passou a ser chamada de Amon-Ra, o Deus de Tebas. Ainda, os deuses que personificavam as forças produtivas da natureza se fundiram na figura de Osíris (ao lado), que era também o Deus do Nilo. As demais divindades ficariam subordinadas a Amon-Ra ou a Osíris que rivalizariam entre si pela conquista da supremacia.

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Inicialmente Politeísta a religião do antigo Egito evoluiu para um “Monoteísmo Filosófico”, isto é: da crença de que os deuses são seres divinos distintos, separados e reais, para a crença que sustentava que os diversos deuses podem ser diferentes aspectos de um único deus, arquétipos psicológicos ou personificações de forças naturais.

O Império Egípcio teria atingido seu auge durante o Período do Novo Reino (1550 a 1077 a.C.). Nessa época a religião egípcia também atingiu seu auge quando o culto a Amon-Ra, O Deus Sol e a Osíris, o Deus do Nilo se fundiram de maneira a preservar os melhores atributos de ambos. Nesse momento, pela primeira vez, passa a se evidenciar o caráter ético e moral da religião e os homens passam a manifestar seu desejo de busca da verdade e a praticar a justiça, simplesmente por ser tal conduta do agrado de Ra, O Grande Deus Sol. Mas, a religião no Egito passaria ainda por um período de retrocesso, quando seu sentido ético foi desvirtuado por um grupo de Sacerdotes e a magia e a superstição prevaleceram. “Atón é o autor da ordem moral [e

ética] e o recompensador da integridade e pureza do coração

humano” Akhenaton, sua esposa Nefertiti e uma filha oferecem sacrifícios ao disco solar: Áton.

Coube ao Faraó Amenotep IV ou Akhenaton (1353 a 1334 a.C.) expulsar esses Sacerdotes e introduzir (agora de forma mais evidente) um viés Monoteísta na religião egípcia: Áton ou Aten passou a ser o único deus existente, não somente do Egito, mas de todo o Universo. O principio ético foi restaurado na crença de que Áton era a personificação de um “comportamento virtuoso”, um “ordenador das atitudes”. Infelizmente essa renovação do sentido ético da religião não teve sucesso duradouro. Os antigos Sacerdotes voltaram e o povo egípcio mergulhou novamente na ignorância e na superstição. Mas a concepção religiosa, Monoteísta de Áton, como único Deus, permaneceu ainda válida para uma minoria educada de egípcios e, ainda que o deus Áton não fosse mais reconhecido popularmente, suas qualidades éticas continuaram a merecer profunda reverência da nobreza egípcia.

O Êxodos dos Hebreus do Egito teria ocorrido entre 1350 e 1250 a.C. e os Hebreus podem ter sido os herdeiros do conceito Monoteísta (ético) do Faraó Amenotep IV. Ainda, os filósofos religiosos desse tempo desenvolveram a ideia de que Áton suspenderia a punição do pecador penitente que implorasse com humildade o perdão (como acreditam os Cristãos). Essas concepções éticas só seriam invocadas novamente, 600 anos depois, pelos Profetas Hebreus.

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“A Vida após a Morte em oposição à valorização imediata da Vida” A religião egípcia estava muito centrada na crença da vida após a morte. Homens ricos deixavam grandes doações para os Sacerdotes para que eles se encarregassem de fornecer sustento as suas múmias pelo tempo que durassem esses recursos. Os mortos deveriam comparecer frente a Osíris para serem julgados. O Livro os Mortos ou “Livro para Sair Para a Luz” teria sido criado entre 1040 e 945 a.C.. É uma coletânea de feitiços, fórmulas mágicas, orações e hinos do Antigo Egito, escritos em rolos de papiro e colocados nos túmulos junto das múmias, uma espécie de “manual” para ajudar o morto em sua viagem para o outro mundo, afastando eventuais perigos que este poderia encontrar na viagem para o Além. A ideia central do Livro dos Mortos é o Respeito Ético à Verdade e à Justiça. Era crença geral que diante de Maat, Deusa da Verdade e da Justiça (irmã de Osíris), de nada valeria a riqueza e a posição social do falecido, mas apenas os seus atos seriam levados em conta.

Fragmento do Livro dos Mortos

Menos homogênea que a Civilização Egípcia, a Civilização Mesopotâmica, que começou no vale entre os rios Tigre e Eufrates (atual Iraque) e que inclui principalmente (mas não apenas) os Sumérios (3500 a 3000 a.C.) e os antigos Babilônicos (2000 a 1750 a.C.), teria profundas diferenças para com a Civilização Egípcia. Eminentemente Politeísta e antropomórfica - seus deuses e deusas tinham personalidades distintas e atributos humanos - a religião das civilizações da Mesopotâmia se dedicava somente a este mundo (semelhantemente à Mitologia Greco-Romana). Enquanto a cultura religiosa egípcia foi, predominantemente, ética e espiritual, a cultura mesopotâmica foi jurídica (o que vale é o “contrato social”) e nem um pouco espiritual. Enquanto os Egípcios acreditavam na imortalidade da alma e dedicavam grande parte de seus esforços à preparação da “vida após a morte” (do que dependia uma vida justa e honesta), os Mesopotâmios viviam o presente imediato e olhavam com indiferença seu destino além-túmulo. Em oposição à crença egípcia de uma vida após a morte - que parece sugerir certo desprezo pela “vida terrena” ou pelo menos uma atitude de “alegre resignação” diante da Morte - os Mesopotâmicos reconheciam a Morte como definitiva, o que faria com que fossem mais melancólicos, pessimistas, fatalistas e assombrados por terrores mórbidos (talvez apocalípticos).

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Um interessante legado da religião das civilizações Mesopotâmicas (Sumérios) foram as Narrativas Épicas da Criação e do Dilúvio que teriam sido depois adaptadas e incorporadas ao Velho Testamento dos Hebreus (Judeus). O Mito da Criação dos Sumérios conta o triunfo mágico do deus Marduc sobre outros deuses ciumentos e covardes que o haviam criado, a formação do mundo com os despojos de um dos rivais mortos por Marduc, e, finalmente, a “confecção” do Homem com barro e sangue de um Dragão, que passaria a servir de “alimento para os deuses vencidos”. Nada que apelasse para o senso espiritual ou moral.

Marduc

O Mito do Dilúvio dos Sumérios não é menos bárbaro. Cheio de inveja do Homem, os deuses resolveram destruir completamente a raça dos mortais, afogando-os. No entanto, um desses deuses revelou o segredo a um habitante terreno, seu favorito, ensinando-o a construir uma arca para sua salvação e de sua espécie. A chuva de sete dias inundou toda a terra. Quando as águas baixaram, o “homem favorito” (o “escolhido”) e seus irmãos saíram da arca e ofereceram um sacrifício em ação de graças. Os antigos Babilônicos elevaram Marduc a mais alta hierarquia entre os deuses, e também aumentaram as superstições. A Astrologia, a previsão do futuro e outras formas de magia cresceram de importância entre os Babilônicos. Houve até mesmo um aumento na adoração de demônios, como Nergal, o Deus da Peste. Hordas de outros demônios e espíritos malévolos escondiam-se na escuridão e cruzavam os ares, espalhando no seu caminho o terror e a destruição. Não havia defesa contra eles a não ser através dos sacrifícios e dos sortilégios mágicos. Os Babilônicos talvez tenham sido o primeiro povo civilizado a dar um lugar de destaque à Feitiçaria.

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“Compreende que és um segundo pequeno mundo,

e que o Sol e a Lua estão dentro de ti, e também as estrelas”. A Astrologia teria se iniciado entre os povos Indo-Europeus no 3º milênio a.C., com raízes em sistemas de calendário que eram usados para prever as mudanças das estações e para interpretar os ciclos celestiais como sinais de comunicações divinas. Os Sacerdotes da Babilônia usavam a Astrologia para verificar a vontade e a intenção dos deuses (outro meio era através da inspeção do fígado de animais sacrificados). A Astrologia Babilônica que surgiu no 2º milênio a.C. foi o primeiro sistema organizado de astrologia, e por volta do Século XVI a.C. era amplamente empregada para identificar presságios celestes. Acreditava-se que os Deuses se apresentavam nas imagens celestiais dos planetas ou estrelas com os quais estavam associados. Assim, maus presságios celestiais ligados a um determinado planeta eram vistos como indícios de insatisfação do deus associado ao planeta. Tais indicações eram seguidas de tentativas de apaziguar esse deus e encontrar alguma forma pela qual ele poderia ser acalmado sem prejuízo para o rei e a nação. As crenças astrológicas na existência de uma relação entre observações dos corpos celestiais e os eventos terrestres influenciaram vários aspectos da história humana, incluindo visões do mundo, linguagem e muitos elementos da cultura social. Incialmente rudimentar, no Século IV métodos matemáticos haviam progredido o suficiente para calcular as posições futuras dos planetas com razoável precisão (efemérides). Essa ambivalência entre uma visão de mundo Teísta (ou com seus Deuses) e ao mesmo tempo “Mecânico”, ou “Matemático”, faz da adivinhação celestial dos Babilônicos dependente da magia e ao mesmo tempo livre de punições divinas que tivessem o objetivo de vingança.

Depois dos antigos Babilônios a Mesopotâmia seria ocupada pelos Assírios um povo guerreiro por excelência e sem muitas preocupações religiosas. Assurbanipal (668 a 627 a.C.) talvez tenha sido o único soberano assírio a devotar alguma atenção ao ensino e às artes. Com a queda do Império Assírio, a partir de 609 a.C. os Caldeus (povos de origem Semita, assim como os Hebreus) revitalizaram a antiga Babilônia no que seria o Império Neobabilônico (626 a 539 a.C.) e promoveriam um “renascimento” das antigas Culturas Sumeriana e Babilônica introduzindo ainda grandes avanços e mudanças. Mas os principais herdeiros da Cultura Mesopotâmica seriam os Hebreus. Provavelmente ainda durante o período dos antigos Babilônicos (2000 a 1750 a.C.), o Patriarca Abraão dos Hebreus teria vivido em Ur Kaśdim (ou Ur dos Caldeus), cidade na margem sul do rio Eufrates do Império Babilônico. Em 587 a.C. o Rei Nabucodonosor dos Neobabilônicos (605 a 562 a.C.) invadiu o Reino de Judah e destruiu o Primeiro Templo (de Salomão) de Jerusalém. Entre os anos de 586 e 538 a.C. os Hebreus viveram como exilados na Babilônia e receberiam uma influência ainda maior da Cultura Mesopotâmica. A despeito do ódio a seus opressores Neobabilônicos, os Hebreus adotariam muito dos costumes deles. Teria sido nesse momento que os Hebreus se “apoderaram” dos Mitos da Criação e do Dilúvio (com modificações). Além disso, muito do pessimismo, fatalismo, e demonologia dos Neobabilônicos (ou Caldeus), herdeiros dos antigos Babilônicos, passou para a Religião Judaica.

“Todos os reinos da terra têm o Senhor, o Deus do céu que [também] me foi dado. E Ele me ordenou que o construísse uma casa para Ele em Jerusalém, que está em Judah.

Todo aquele entre vós de Seu povo [do Senhor, seu Deus] que esteja com Ele, deixe-o voltar para Judah”. Rei Ciro, O Grande, Rei da Pérsia.

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O exílio dos Hebreus na Nova-Babilônia terminaria em 562 a.C. quando o (tolerante) Rei Ciro, O Grande, do Império Persa Aquemênida (550 a 330 a.C.) se impôs aos Neobabilônicos e libertou os Hebreus que puderam voltar para sua “Terra Prometida”.

“Se duvidas, cala-te”. Zoroastro

Zoroastrismo Zoroastro (ou Zaratrusta) foi um antigo profeta que viveu em algum período de tempo entre 1500 e 500 a.C. (?) na atual região do Iran, e desenvolveu o Zoroastrismo, que se tornou a religião dominante no Império Persa. Segundo alguns, o Zoroatrismo teria sido a primeira Religião ou Fé Monoteísta, possivelmente anterior ao Monoteísmo determinado pelo Faraó Amenotep IV dos egípcios. Considera-se que a Teologia Zoroastrista no que se refere a Deus, ao Mal, às Almas e a outros

importantes conceitos religiosos, teve grande influência sobre as religiões monoteístas posteriores. Entre elas estão as chamadas Religiões Abraâmicas que adotaram o Monoteísmo em oposição ao Politeísmo Greco-Romano e mais tarde, em oposição às Religiões Tribais como o Paganismo Germânico e o Paganismo Eslavo. As Religiões Abraâmicas são assim chamadas ou porque teriam sua origem comum no Patriarca Tribal Abraão (Abraham) dos Hebreus (Judaísmo e Islamismo) ou por que se identificam com o patriarca através de uma tradição espiritual (Cristianismo). As principais religiões Abraâmicas são: o Judaísmo (Século VII a.C.), o Cristianismo (Século I d.C.) e o Islamismo (Século VII d.C.) e, mais recentemente, a Fé Bahá'í (Século XIX). Abraão foi o primeiro dos três Patriarcas do Judaísmo, os outros seriam seu filho Isaac e seu neto Jacoh. A história de Abraão é contada nos textos sagrados de todas as religiões Abraâmicas por ele ter desempenhado um papel proeminente como um exemplo de Fé. A narrativa bíblica conta que Abraão foi chamado por Deus para deixar a casa de seu pai (Terah) e se estabelecer na terra que Ele havia originalmente dado a Canaã (neto de Noé), mas que agora Deus estaria prometendo a Abraão e à sua descendência: a Terra de Canaã ou Terra Prometida. Deus fez ainda outras promessas a Abraão entre elas a de que ele teria muitos descendentes:

"Farei de ti (Abraão) uma grande nação, e eu te abençoarei".

Abraão e seus descendentes se tornariam assim filhos de uma mesma “Aliança” com Deus (que seria depois confirmada pela Arca da Aliança dos tempos de Moisés). Os Judeus reivindicam sua descendência de Abraão, através de Isaac, filho de Abraão e, os Árabes (depois Islâmicos) reivindicariam sua descendência do outro filho, mais velho, de Abraão, Ismael.

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Ismael e Isaac: os filhos do Patriarca Abraão. Para seguir os desígnios de Deus e gerar muitos descendentes, Abraão (85 anos) e sua esposa Sarah (75 anos) procuraram então um modo de ter filhos, a fim de dar início a “Aliança” com Deus. Já idosa e sem nenhuma esperança de ter filhos, Sarah teve então a ideia de oferecer sua serva egípcia, Hagar, para Abraão, para que eles pudessem ter um filho por ela. Pelos costumes da época, embora Hagar viesse a ser a mãe biológica, qualquer criança concebida por ela pertenceria a Sarah, sua senhora. Hagar engravidou de seu relacionamento com Abraão e, embora tivesse consentido, a partir de então, Sarah passou a desprezar Hagar. Assim, ainda grávida, Hagar resolveu fugir e na fuga encontrou um anjo de Deus, que lhe disse:

"Eis que estás grávida e darás à luz a um filho. Você deverá chamá-lo Ismael, porque o Senhor tem ouvido a tua aflição.

Ele será o jumento selvagem dos homens, a sua mão [se levantará] contra todos e a mão de todos [se levantará] contra ele, e ele habitará entre todos os seus parentes".

Ao nascer a criança recebeu seu nome, Ismael, e a antiga promessa de Deus para com Abraão de que: “os seus descendentes serão tão numerosos quanto o pó da terra”, teria passado a ser associada aos descendentes do primogênito de Abraão, Ismael. Aparentemente Deus não “abençoou” a forma encontrada por Abraão e Sarah para “procriar” através e Hagar e, pouco tempo depois, Ele informou Abraão que agora sua esposa Sarah daria à luz a um filho dele e instruiu Abraão a dar à criança o nome de Isaac. Deus ainda avisou Abraão que a “Aliança” seria estabelecida por meio de Isaac e não do primogênito Ismael. Abraão perguntou a Deus sobre qual seria então o destino de Ismael, e Deus respondeu que Ismael também seria abençoado e que Ele também “o faria frutífero e multiplicá-lo-ia grandemente, fazendo [também] dele uma grande nação”. Assim como o Anjo havia dito à Hagar, Deus ainda reforçou que Ismael seria um grande guerreiro. Embora Sarah já tivesse a algum tempo deixado de mostrar sinais de fertilidade, um ano depois, Isaac, meio-irmão de Ismael, nasceu de Abraão com sua esposa. No dia do banquete durante o qual Abraão celebrou o desmame de Isaac, Ismael estava "zombando de" ou "brincando com" Isaac. Incomodada Sarah pediu a Abraão que expulsasse Ismael e sua mãe, Hagar: "Livre-se daquela escrava e de seu filho, porque o filho da mulher escrava nunca compartilhará [nossa] herança com meu filho Isaac". Para Abraão era doloroso fazer o que Sarah lhe pedia e ele só concordou em fazê-lo depois que Deus lhe disse: "É em Isaac que sua descendência será chamada", e ainda: "[mas] farei uma nação [também] do filho da escrava", já que Ismael era também um descendente de Abraão.

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Aos 14 anos de idade, Ismael foi “libertado” junto com sua mãe, uma escrava. Ficou claro que Ismael não era um descendente legítimo de Abraão e que a “Aliança” do Senhor seria herdada pelos descendentes de Isaac, que seria a semente desta “Aliança”. Abraão deu a Ismael e sua mãe uma oferta de pão e água e se despediu dela dizendo: “Leve seu único filho que você ama, e vá para a região de Moriah". Moriah, segundo o Livro do Gênesis, é a localização do Sacrifício de Isaac (ver abaixo) e seria também o monte onde depois foi construído o Primeiro Templo dos Judeus, ou Templo de Salomão, atual Monte do Templo (onde estão hoje a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha, Islâmicos). Mas, Hagar e Ismael foram mais para o sul, para a região selvagem do deserto de Beer-Sheva (hoje a maior cidade do Deserto do Neged a sudoeste de Jerusalém) onde os dois logo ficaram sem água. Não querendo testemunhar a morte de seu filho, Hagar se afastou do menino para chorar. Mas, “Deus ouviu a voz do rapaz" e enviou o seu anjo para falar a Hagar:

"Levanta-te, levanta o menino [Ismael] e toma-o pela mão, porque dele farei uma grande nação".

A seguir Deus "abriu os olhos [de Hagar], e ela viu um poço de água", do qual ela tirou a água para salvar sua própria vida e a de Ismael. Ismael cresceria no deserto e seria um grande arqueiro. Ismael é reconhecido pelos Mulçumanos como o ancestral de várias tribos árabes proeminentes e seria mesmo um antepassado do Profeta Maomé, o fundador do Islamismo. Para os Muçulmanos, Abraão é um Profeta, um Mensageiro de Deus, “um dos primeiros Mulçumanos”, que está na linha de descendência de Adão e Eva, até Maomé e ainda o “reformador reverenciado da Kaaba em Meca”. Uma lenda sugere que o veio de água encontrado por Hagar no deserto teria sido aberto por uma “rocha” que veio do céu (um meteorito). Essa “rocha” teria aberto a cratera hoje junto a Mitzpe Ramon no Deserto do Negev (abaixo) e parte dela seria a pedra que se encontra hoje dentro da Kaaba em Meca desde muito tempo antes de Maomé.

Para os Cristãos Abraão é um importante exemplo de fé e um ancestral físico e espiritual de Jesus e do Cristianismo, e isso se explica através do “Sacrifício de Isaac”.

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O “Sacrifício” de Isaac: Para testar a “fé de Abraão em um só Deus”, em algum momento durante a juventude de Isaac Deus ordenou a Abraão que oferecesse seu filho, Isaac, em sacrifício, na terra (ou monte) de Moriah (o mesmo local para onde Abraão havia mandado Hagar e Ismael). Resignado, o patriarca informou então ao seu povo que ele iria oferecer um sacrifício (sem dizer nada sobre o pedido de Deus). Abraão e Isaac viajaram por três dias até a montanha indicada por Deus. Lá chegando, Abraão pediu aos servos que o acompanhavam que esperassem enquanto ele e seu filho Isaac subiram o monte. Sem saber das intenções do pai, Isaac carregava a madeira sobre a qual seria feito o (seu) sacrifício. No caminho ele perguntou ao pai onde estava o animal (carneiro) que iria servir ao sacrifício. Abraão respondeu: "Deus proverá ele mesmo o cordeiro para o sacrifício”. No exato momento em que Abraão se preparava para sacrificar Isaac, ele foi interrompido por um anjo do Senhor, e viu atrás dele um carneiro preso em um matagal pelos chifres, que foi sacrificado no lugar de Isaac. Por sua obediência e demonstração de fé, Deus prometeu novamente a Abraão que ele teria numerosos descendentes e prosperidade abundante. Para os Cristãos, Abraão é um Modelo de Fé e obediência a Deus. Os Cristãos veem nesse episódio do “Sacrifício de Isaac” uma antecipação à oferta que Deus faria depois ao entregar o seu filho, Jesus, em sacrifício, para que ele morresse na cruz. Abraão é ainda visto como um antepassado espiritual (mas às vezes também, um ancestral direto) do Apóstolo (São) Paulo de Tarso, uma ancestralidade definida pela Fé em Cristo, e não necessariamente por uma descendência biológica. Finalmente, a Fé Bayaní (ou Bábismo) que foi fundada em 1844 por 'Ali Muhammad Shirazi, quem primeiro assumiu o título de Profeta Báb (Báb = literalmente a "Porta”), e que floresceu na Pérsia até 1852, depois se tornando uma religião clandestina no Império Otomano (especialmente em Chipre). Considerada uma anomalia entre os Movimentos Messiânicos Islâmicos, o Bábismo marcou uma ruptura com o Islã, iniciando um novo sistema religioso com leis, ensinamentos e práticas próprias. O Bábismo ensina que existe um único Deus incorpóreo, desconhecido e incompreensível, que manifesta a Sua Vontade em uma série sem fim de “Manifestações de Deus”. O Bábismo foi violentamente atacado tanto por grupos clericais como governamentais (islâmicos) o que levou à fundação da Fé Bahá'í. Os seguidores da Fé Bahá’í consideram o Profeta Báb um Sayyid, isto é, um descendente direto do Profeta Maomé e, assim, ele teria a sua ascendência traçada até ao filho de Abraão, Ismael. O Profeta Báb por sua vez seria um antecessor do Profeta Bahá'u'lláh o fundador da Fé Bahá’í, que afirmou ser ele o cumprimento profético do Bábismo e, em um sentido mais amplo, ser uma nova “Manifestação de Deus” (como teriam sido Moisés, Jesus e Maomé).

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Judaísmo

O Êxodo e Os Dez Mandamentos Possivelmente liderados por Jacoh- neto de Abraão, e depois chamado Israel (de onde deriva o nome dos Israelitas) - os Hebreus fugiram de um período de estiagem e fome na Terra de Canaã. Viajando para o sul, os Hebreus se estabeleceriam próximos ao delta do rio Nilo por “400” anos. Até que um faraó egípcio resolveu escravizar os Hebreus mandando matar muitos homens e crianças. Moisés (o Profeta dos Judeus) teria nascido nessa época e foi escondido pela mãe entre juncos do rio Nilo para fugir à morte. Encontrado pela filha do Faraó, Moisés foi criado entre a nobreza egípcia até descobrir a sua real origem hebraica. Por ter matado um egípcio que açoitava um Hebreu, Moisés teve que fugir para não ser punido pelo seu crime. Enquanto estava escondido no deserto, Deus falou a Moisés para que ele voltasse e libertasse o Seu povo. Ao voltar, Moisés tentou sem sucesso convencer o Faraó a libertar os Hebreus, e o Faraó só seria convencido após o evento das Sete Pragas que afligiram o Egito, supostamente “impostas pelo poder do Deus dos Hebreus”. Libertados pelo Faraó, os Hebreus partiram do Egito agora liderados por Moisés, o Êxodo do Egito. Depois de atravessar o Mar Vermelho de forma milagrosa os Hebreus vagaram algum tempo pela Península do Sinai (no atual Egito) e junto ao Monte Sinai Moisés recebeu de Deus as duas tábuas com os Dez Mandamentos. Moisés havia sido criado entre a nobreza egípcia e, provavelmente, teria tido algum contato com as ideias Monoteístas do antigo Faraó Amenotep IV (1353 a 1334 a.C.). Assim, possivelmente, Moisés era o homem de maior conhecimento entre aqueles que estavam com ele no Deserto do Sinai, o mais provável líder.

Estima-se que 600.000 Israelitas, homens, mais suas mulheres e filhos, de 12 diferentes tribos hebraicas, além de outros não-Israelitas, teriam seguido Moisés. Com isso, Moisés era agora o líder e o responsável por mais de 2 Milhões de pessoas, no meio de um deserto inóspito. Era imperioso estabelecer e validar algumas “regras ou leis de convivência social” e confirmar a sua liderança, através da Crença, ou pela Fé. Os Dez Mandamentos ou o Decálogo são um conjunto de Leis Bíblicas relacionadas com a Adoração (culto) e a Ética (talvez aprendida dos antigos Egípcios), que desempenhariam um papel fundamental no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo. Os Dez Mandamentos teriam sido originalmente escritos por Deus em tábuas de pedra e entregues ao Profeta Moisés (as Tábuas da Lei) no Monte Sinai. Os quatro primeiros mandamentos se referem ao “Amor (Culto) a Deus” e os últimos seis mandamentos, de amor ao próximo: honrar os pais, manter os sábados, proibição da idolatria, blasfêmia, assassinato, adultério, roubo, desonestidade e cobiça, isto é, as leis básicas, éticas, para a uma “convivência social”. Os Hebreus ainda vagariam por “40” anos pelo deserto até chegarem a “Terra Prometida”.

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O Desenvolvimento do Cânone Bíblico Hebraico A palavra "Cânone" vem do grego e significa "regra" ou "vara de medição" e seria originalmente usado pelos Cristãos. Não há consenso acadêmico a respeito de quando o Cânone da Bíblia Hebraica foi definido, mas alguns eruditos consideram que isso teria acontecido durante o período da Dinastia Hasmoneana (140 a 37 a.C.), enquanto outros consideram que isso aconteceu apenas no Século II d.C., ou mesmo mais tarde.

O Judaísmo Rabínico reconhece o Tanakh ou a Bíblia Hebraica, como sendo o Texto Massorético, ou “Texto Original” do Judaísmo. O Tanakh é uma coleção canônica de textos judaicos (24 livros) – e também a fonte textual para o Antigo Testamento Cristão - que foram transmitidos oralmente, de geração em geração. Ele é, principalmente, um

relato do relacionamento dos Israelitas com Deus desde a sua mais antiga história até a construção do Segundo Templo (535 a.C.). No Tanakh, Abraão é saudado como o primeiro Hebreu e o pai do Povo Judeu. Para recompensar Abraão por seu “ato de fé em um só Deus”, Deus prometeu a ele que seu filho Isaac herdaria a Terra de Canaã ou Terra Prometida. O neto de Abraão, Jacoh, seria depois chamado Israel e a Terra de Canaã, ou Terra Prometida seria agora a Terra de Israel. Tanakh é um acrônimo da primeira letra de cada uma das três subdivisões tradicionais do Texto Massorético: Torah, que significa "Ensinar", Nevi'im, que significa "Profetas" e Ketuvim, que significa “Escritos". O Torah é a referência central do Judaísmo e seria o conjunto dos cinco primeiros livros do Tanakh, o Pentateuco, ou Cinco Livros de Moisés: o Livro do Genesis, o Êxodos, Levíticos, Numbers e Deuteronômio. Mais conhecido, o Livro do Gênesis fornece no seu início relatos da criação do mundo e da história do relacionamento inicial de Deus com a humanidade e, em seguida, faz um relato da Aliança de Deus com os Patriarcas Hebreus, até sua mudança para o Egito. Os outros quatro livros do Torah contam a história de Moisés e a renovação da Aliança com Deus junto ao Monte Sinai. O último livro do Torah, o Deuteronômio (ou “Palavras [faladas]” pela interpretação judaica) consiste de três sermões feitos aos Israelitas por Moisés nas planícies do Deserto do Moabe (costa leste do Mar Morto, Jordânia) pouco antes de eles entrarem na Terra Prometida. O Primeiro Sermão lembra os quarenta anos que os Israelitas vagaram pelo deserto e termina com uma exortação para que eles observassem a Lei de Moisés (ou os ensinamentos recebidos através dos Dez Mandamentos). O Segundo Sermão lembra aos Israelitas a importância de se manterem fiéis ao Monoteísmo, o amor a um só Deus, e de que disso dependia a posse da Terra Prometida. O Terceiro Sermão oferece a certeza de que, mesmo que Israel se mostrasse infiel e assim viesse a perder a sua terra, através do arrependimento esta terra lhes seria devolvida. Um de seus versos mais significativos e que se tornou uma declaração definitiva da identidade judaica é: "Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus, o Senhor é um", seria também citado depois por Jesus.

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O Torah, que termina com a morte de Moisés consiste, em síntese, da origem do povo judaico, seu chamado por Deus, as provações e sofrimentos desse povo, e sua Aliança com Deus, o que significa seguir um modo de vida de obrigações morais, religiosas e de acordo com as leis. Quando lido por gerações posteriores de Cabalistas, a descrição da Torah sobre a Criação no Livro de Gênesis revelou mistérios sobre o próprio Deus, a verdadeira natureza de Adão e Eva, o Jardim do Éden, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e a Árvore da Vida. O Torah fornece amplo material para a especulação mítica e mística. O Tanakh teria sido seguido ainda de outros escritos:

o Livro das Lamentações, escrito após a destruição de Jerusalém e do Primeiro Templo judaico, o Templo de Salomão, pelo Rei Nabucodonosor II da Babilônia (Século VI a.C.),

o Livro do Profeta Jonas, escrito após o exílio dos Judeus na Babilônia, Séculos V e IV a.C.),

o Livro de Daniel, que descreve o Apocalipse Bíblico, isto é, uma profecia e uma escatologia (‘estudo das últimas coisas’) com enfoque tanto cósmico como político. Daniel é um personagem semimítico, um jovem membro da nobreza judaica de Jerusalém que foi levado cativo pelo Rei Nabucodonosor II da Babilônia e serviu ao rei e a seus sucessores com lealdade e habilidade até a conquista da Babilônia pelo Rei Ciro I, O Grande, da Pérsia (559 a 530 a.C.), mas permanecendo todo esse tempo sempre fiel ao Deus de Israel.

A Era Rabínica teria começado durante o Período do Segundo Templo (com os Rabinos Zugot, ~200 a.C. ) e é dividida em sete períodos que chegam até os nossos dias (Rabinos Acharonim). O segundo desses períodos foi o dos Rabinos Tannaim (Séculos I e II) que teriam contribuído para a compilação do Mishnah (ou "para estudar e rever") a primeira grande redação escrita das tradições orais judaicas (o "Torah Oral") e também o primeiro grande trabalho da Literatura Rabínica. Na Literatura Rabínica, a palavra "Torah" denota tanto os cinco livros escritos o Torah Escrito ou Petateuco como o Torah Oral. O Torah Oral

consiste em interpretações e amplificações do Torah Escrito que, de acordo com a tradição rabínica, foram transmitidas de geração em geração oralmente e seriam reunidos na Mishnah. Ainda, de acordo com a tradição rabínica, todos os ensinamentos encontrados no Torah, escritos ou orais, foram dados por Deus através do Profeta Moisés, alguns no Monte Sinai e outros no Tabernáculo, o que resultou no Torah que existe hoje. A maioria das discussões na Mishnah (“Torah Oral”) diz respeito à maneira correta (e tradicional) de entender as leis registradas no Torah (Escrito), embora, geralmente, suas conclusões não estejam vinculadas explicitamente a nenhuma passagem bíblica, o que resultou na não aceitação tácita por alguns grupos judaicos (Karaitas). O Mishnah e depois dele o Gemarah (uma discussão da Mishnah), comporiam o Talmude, um registro do conjunto das Discussões Rabínicas sobre a Lei, a Ética, os Costumes e a História do Judaísmo e que teria sido compilado pelos escribas de Tiberíades no Século IV.

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Desde o Século VI o Judaísmo Rabínico tem sido a principal forma do judaísmo e se baseia na crença de que, no Monte Sinai, Moisés recebeu de Deus a “Torah Escrita” (o Pentateuco), além de uma explicação oral, o "Torah Oral", que Moisés transmitiu ao Povo de Israel. O Judaísmo Karaítico, que teria suas raízes nos antigos Saduceus (uma seita de judeus que viviam na Judeia durante o Período do Segundo Templo e até a sua destruição em 70) se distingue dos Judeus Rabínicos, e reconhece apenas o Tanakh como autoridade suprema. Os Samaritanos ou “ Guardiões do Torah” (grupo étnico-religioso menor concentrado em Holon / Tel Aviv Yafo e Nablus na Cisjordânia) se baseiam em alguns dos mesmos livros utilizados como base do Judaísmo, mas incluem uma “Versão Samaritana” do Torah, a Memar Markah, que seria mais próxima dos textos Massoréticos, além da Liturgia Samaritana, Códigos de Lei Samaritana e Comentários Bíblicos próprios. Durante a Idade Média a redescoberta da antiga Filosofia Grega incorporou certo Racionalismo ao Judaísmo Bíblico-Talmudeico. Com o tempo a preocupação da Filosofia Judaica passou a reconciliar as ideias novas que iam surgindo ao longo do tempo de modo coerente com a tradição do Judaísmo Rabínico, isto é, organizar as novas ideias que não eram necessariamente de Judeus em uma estrutura e visão do mundo exclusivamente judaica. Nas diversas Diásporas, os Judeus que recebiam uma educação secular (não religiosa) abraçaram ou desenvolveram filosofias inteiramente novas para atender às demandas do mundo em que eles se encontravam. Nos Séculos XVIII e XIX surgiria a Halakha - literalmente, "Sabedoria", "Erudição" - um movimento intelectual entre os judeus da Europa Central e Oriental como uma visão ideológica de mundo e foi definida entre ~ 1770 e 1881, junto com o surgimento do Nacionalismo Judaico (Sionismo). A Halakha é o conjunto de leis religiosas judaicas derivadas do Torah Escrito e do Torah Oral e tinha dois objetivos, complementares entre si: preservar os Judeus como um “coletivo separado e único” e trabalhar para uma “renovação cultural e moral”, especialmente no ressurgimento do uso do Hebraico para fins seculares. A Halakha buscava ainda, ao mesmo tempo, uma melhor integração dos Judeus nas sociedades que eles habitavam (Diáspora) o que incluía o estudo da língua local e a adoção de valores culturais locais, com uma atitude “moderna”. O Halakha promoveu o Racionalismo, o Liberalismo, a liberdade de pensamento e o interesse pela investigação, sendo por isso percebido como a versão judaica do Movimento Iluminista da época. Tradicionalmente as leis judaicas não fazem uma distinção clara entre a vida religiosa e a não religiosa, a Halakha guia não apenas práticas e crenças religiosas, mas também numerosos aspectos do dia a dia. Historicamente, na Diáspora, a Halakha serviu muitas comunidades judaicas como “um caminho a ser seguido”, obrigatório, tanto civil como religioso. Mas, partir dessa Era da Iluminação e emancipação, muitos Judeus passariam a ver a Halakha menos vinculada à vida cotidiana (uma vez que ela depende da interpretação rabínica) e mais como as palavras puras e escritas registradas na Bíblia Hebraica. Mesmo assim, de acordo com o direito israelense contemporâneo, certas áreas da lei israelense relativos à família e ao status pessoal, estão sob a autoridade dos Tribunais Rabínicos e, portanto, são tratadas de acordo com Halakha. Entre as diversas comunidades judaicas (Ashkenazi, Mizrahi, Sephardi, Yemenite e outros) que historicamente viviam em comunidades isoladas (como na Etiópia), existem algumas diferenças na Halakha, que refletem a diversidade histórica e geográfica dessas comunidades dentro da Diáspora. A Halakha teve um importante papel (embora limitado) na modernização dos Judeus da Europa Central e Oriental. Mas entre esses Judeus haveria desde os Moderados, que esperavam o máximo de compromisso com as tradições e conservadorismo, até os mais Radicais, que buscavam mudanças mais profundas.

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Os ativistas da Halakha, os Maskilim, exortaram e implementaram reformas educacionais e culturais em suas comunidades, tanto na esfera pública quanto na privada, mas suas políticas dualistas conflitaram tanto com a elite rabínica mais tradicional (que tentava preservar os valores e normas dos antigos Judeus) como com os convertidos mais radicais, que desejavam minimizar ou mesmo eliminar a existência do modo de vida dos Judeus como um coletivo definido. Ainda, dentro do (ainda predominante) Judaísmo Rabínico apareceram diferentes movimentos (os Ortodoxos, os Reformistas e os Conservadores) que difeririam em relação à força vinculante da Halakha, ainda que todos esses movimentos se identifiquem como provenientes da Tradição da Lei ou do Torah, e do método rabínico de análise. As diferentes respostas dos diversos grupos de Judeus às ideias modernas da Halakha, fez com que as ideias filosóficas judaicas desenvolvessem toda uma gama de emergentes movimentos religiosos. Esses movimentos seriam, ou no sentido da continuidade de valorização do Cânone da Filosofia Rabínica da Idade Média, ou no sentido da ruptura para com essa tradição, bem como de outros aspectos históricos do pensamento judaico. Uma Reforma do Judaísmo (Judaísmo Liberal, Progressista) teve origem e foi proposta na Alemanha. Um viés religioso ainda mais liberal que significava menos importância na observação de rituais e propunha uma abertura a valores externos e mais progressistas. Essa reforma levaria à construção do (controverso) Templo de Hamburgo (1819) a primeira Sinagoga com o rito de oração reformista. O Templo de Hamburgo operou entre 1818 e Novembro de 1938 quando foi destruído pelos Nazistas na Noite dos Cristais que precedeu a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Hoje essa visão reformista está reunida na União Mundial para o Judaísmo Progressista, fundada em 1926. Em reação a Reforma do Judaísmo um grupo de Judeus alemães tradicionalistas emergiu em apoio de alguns dos valores da Halakha, mas queria também defender a interpretação clássica da Lei e da Tradição Judaicas. Estes Judeus alemães foram liderado por um grupo de Rabinos Reformistas que haviam se oposto ao estabelecimento do Templo de Hamburgo. Nos anos seguintes eles aprofundaram a consciência e a força dos Judeus Ortodoxos.

O Judaísmo Ortodoxo adere à interpretação e aplicação das leis e éticas do Torah conforme legislado nos textos do Talmude e como compilados ainda nos tempos dos Rabinos Tannaim e Amoraim (Séculos I a início do VI). O Judaísmo Ortodoxo é heterogêneo e dividido em Judaísmo Ortodoxo Moderno e Judaísmo Haredi.

Entre esses grupos e subgrupos de Ortodoxos existem diferenças sociais significativas, mas essas diferenças são menos significativas na compreensão da Halakha. O que unifica os vários grupos como sendo "Ortodoxos" é a crença central de que o Torah, incluindo o Torah Oral, foi dado diretamente por Deus a Moisés no Monte Sinai e se aplica a vida de um Judeu, em todos os momentos e lugares.

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Assim, todos os Judeus Ortodoxos são obrigados a viver de acordo com os mandamentos e a Lei Judaica. Como não há um corpo de documentos (cânone) ortodoxo, cada grupo afirma ser um herdeiro não exclusivo da Tradição Recebida da Teologia Judaica. Essa relativa “flexibilidade filosófica” gerou diversos pontos de vista, particularmente em assuntos que não são explicitamente abordados pela Halakha. Algumas exemplos de controvérsias são: 1. O quanto um Judeu Ortodoxo deve se integrar ou se desvincular da sociedade secular, 2. Se o Sionismo faz parte do Judaísmo ou se opõe a ele, definindo um papel do moderno

Estado de Israel no Judaísmo, 3. A abordagem espiritual para com o Torah, 4. A validade do Conhecimento Secular incluindo: crítica da Literatura Rabínica e ideias

filosóficas modernas, 5. O papel (religioso) das mulheres na sociedade.

Adendo: Cabala (Kabbalah)

A Cabala (Kabbalah), literalmente "Paralelo, Correspondente" ou "Tradição Recebida" é um método esotérico, disciplinar e uma escola de pensamento que se originou no Judaísmo. De acordo com o entendimento tradicional, a Cabala teve sua origem ainda no Jardim do Éden, com Adão, e foi revelada a um grupo de eleitos, os Tzadikim (Pessoas Justas) e desde então preservada apenas por alguns privilegiados. A Cabala pretende explicar a relação entre um imutável, eterno e misterioso Ein Sof, ou Infinito, e o Universo mortal, a criação de Deus, o Finito. A Cabala procura definir a natureza do Universo e do Ser Humano, a própria Natureza, o propósito da existência e várias outras questões ontológicas. Ela também apresenta métodos que auxiliam na compreensão de certos Conceitos para ajudar a alcançar a Realização Espiritual. O Talmude registra um Protocolo adequado para ensinar essa sabedoria, bem como muitos de seus Conceitos, entre ele: 1. O Deus Oculto e o Deus Revelado: A natureza do Divino levou os Cabalistas a ver dois

aspectos de Deus. O primeiro conhecido por Ein Sof (Infinito, Sem Fim) é um Deus, em essência, absolutamente transcendente, incognoscível, de “Simplicidade Divina” ilimitada. O outro Deus que se manifesta, é a “pessoa” de Deus revelada através da qual Ele cria, sustenta e se relaciona com a Humanidade. Isto é, Aquele cujas emanações divinas estão disponíveis para a percepção humana e interage de forma dinâmica ao longo da existência espiritual e física, ligado à vida do homem. Os Cabalistas acreditam que esses dois aspectos de Deus não são contraditórios, mas complementares, emanações que revelam o mistério da Divindade.

2. Sephirot: são as dez emanações e atributos de Deus através dos quais, continuamente, Ele sustenta a existência do Universo, isto é, são os dez diferentes “canais” ou “pilares” através dos quais Deus revela sua Vontade Divina. Os Sephirot correspondem a vários níveis da Criação (um número infinito de possibilidades) e são emanadas do Criador com a finalidade de Criar o Universo. Os Sephirot não devem ser entendidos como dez "deuses" diferentes, mas como dez maneiras diferentes do único Deus revelar sua Vontade Divina. Não é Deus quem muda, mas a (nossa) capacidade de perceber Deus que muda. A Criação Divina por meio do Sephirot é um processo ético, assim, os Sephirot representam os diferentes aspectos da Moralidade. Por exemplo, o Amor e a Bondade é a justificativa moral (da criação) encontrada no Sephirot Chesed. A Justiça é a justificativa moral para a “Força” ou o “Temor a Deus” que são evocados pelo Sephirot Gevurah. No entanto, esses pilares da moralidade se tornam imorais quando se tornam extremos. Quando Amor e Bondade se tornam extremos, isso pode levar à depravação sexual. Quando a Justiça se torna extrema, ela pode levar à tortura e ao assassinato de inocentes e punições injustas.

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3. Origem do Mal: Um dos problemas considerados na Cabala é a questão teológica da natureza e origem do Mal. Para alguns Cabalistas, o Mal é concebido como uma "qualidade de Deus", afirmando que a negatividade está na essência do Absoluto. Isto é, o Absoluto precisa do Mal para "ser o que é", ou seja, absoluto, completo, e existir. Textos do Cabalismo Medieval concebiam o Mal como um paralelo demoníaco ao Sagrado, chamado Sitra Achra (ou, o "Outro Lado"), e que as "Cascas ou Peles” que cobrem e escondem o Sagrado se nutrem do Sitra Achra e, ainda assim o protegem limitando sua revelação. Em uma noção radical, a raiz do mal se encontra dentro dos Sephirot sagrados, através de um desequilíbrio do Gevurah ("Força”, “Temor a Deus”, “Julgamento”), necessário para que a Criação exista,

em oposição do Chesed ("Bondade”, “Amor”), mantendo com isso a ilimitada generosidade divina dentro do adequado. O reino demoníaco, apesar de ilusório na sua origem sagrada, se torna o verdadeiro domínio aparente da impureza na Criação.

4. O Papel do Homem: A doutrina cabalística dá ao Homem o papel central na Criação, pois sua alma e seu corpo correspondem às (são o resultado das) sublimes manifestações divinas.

5. A Alma Humana: A Cabala postula que a alma humana tem (pelo menos) três elementos: o Nefesh, encontrado em todos os seres humanos, que se incorpora no corpo físico a partir do nascimento e é a fonte de sua natureza física e psicológica. As outras duas partes da Alma, o Ru'ach e o Neshamah, podem ser desenvolvidas ao longo do tempo dependendo das ações e crenças do indivíduo. Essas duas partes só existiriam plenamente em pessoas “despertadas espiritualmente”. O Ru’ach ou "espírito" contém as virtudes morais e a capacidade de distinguir entre o Bem e o Mal. O Neshamah ou "super-alma", é o que separa o homem de todas as outras formas de vida e está relacionado ao Intelecto, permitindo ao homem que ele aproveite e se beneficie da vida após a morte e até mesmo tenha a consciência da existência e da presença de Deus. O Zohar (o principal livro da Cabala) discute ainda outros dois elementos da alma humana. O Chayya, que permite que alguém tenha consciência da força de vida divina, e o Yehidah o plano mais alto da alma, no qual se consegue uma união tão plena com Deus quanto possível. Ainda outras três partes da alma são postuladas em obras rabínicas e que podem se desenvolver em certas ocasiões: a Ru’ach HaKodesh ou "espírito de santidade", um estado da alma que torna possível ao homem comum se transformar em um Profeta, o Neshamah Yeseira ou a "alma suplementar" que um Judeu pode experimentar durante o Shabat, possibilitando um maior prazer espiritual nesse dia e, finalmente, o Neshamah Kedosha que é dado aos Judeus na idade de maturidade (13 anos para os meninos e 12 anos para as meninas) e está relacionado ao estudo e observância por eles dos mandamentos do Torah.

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6. Reencarnação: A reencarnação, a transmigração da alma após a morte, foi introduzida no Judaísmo como um princípio central esotérico da Cabala do período medieval. Chamado Gilgul Neshamot ("Ciclos da Alma") esse conceito não aparece abertamente na Bíblia Hebraica ou na literatura rabínica clássica, e foi rejeitado por vários filósofos judeus medievais. No entanto, os Cabalistas explicaram várias passagens bíblicas em referência a Gilgulim. O conceito tornou-se central para a Cabala depois que o Mestre Isaac Luria o sistematizou como sendo um paralelo pessoal a um processo cósmico de retificação, ou correção (do ser). A partir de então, a Reencarnação entrou na cultura judaica popular como um motivo literário.

Isaac Luria, também conhecido como "Ha'Ari" (" O "Leão", 1534 a 1572) foi um Rabino e místico judeu, Ashkenazi, da comunidade de Safed (Galileia) nos tempos da Síria Otomana e é considerado o Pai da Cabala Contemporânea. Sua fama espiritual levou à sua veneração e à aceitação de sua autoridade. A antiga Sinagoga Ha'Ari em Safed foi construída em sua memória no final do Século XVI e seu túmulo em Safed é venerado e muito visitado.

O conceito de uma Árvore da Vida é tema de todas as Mitologias do mundo e em geral se relaciona ao conceito de uma Árvore Sagrada, tanto na Religião como na Filosofia. A Árvore do Conhecimento - que conecta o Céu ao Submundo - e a Árvore da Vida - que conecta todas as formas de criação - são ambas formas da Árvore Cósmica.

A Cabala judaica considera a Árvore da Vida como sendo o símbolo central da Cabala, na qual ela é retratada na forma de dez nós interconectados que compreendem os dez canais ou pilares do Sephirot no Reino Divino. A crença de que o divino permeia e interpenetra todas as partes do Universo, que ele também se estende além do Tempo e do Espaço e a atribuição de traços humanos (emoções e intenções) a entidades não humanas, “emanariam” da interpretação do Torah.

A partir do Renascimento, a Cabala Judaica se incorporou como uma tradição importante na cultura ocidental não judaica, primeiro através da sua adoção por Cabalistas Cristãos e depois no esoterismo e ocultismo ocidental. Estes adaptaram a Árvore de Vida da Cabala Judaica de maneira sincrética, associando-a a outras tradições religiosas, teorias esotéricas e práticas mágicas.

Keter = "A Coroa": Vontade Divina para Criar. Luz Infinita do Criador. Chochmah ="Sabedoria": Primeiro Vislumbre Infinito de uma ideia antes dela assumir limitações. Primeira revelação. Criação [a partir] do nada. Binah = "Entendimento": o Vislumbre Infinito de Chochmah preenche o “Entendimento” para lhe compreensão de amplitude e profundidade. Emoções e Razão. Daat = "Conhecimento": Árvore da Vida ou Árvore do Conhecimento. Chesed = "Bondade": Entrega gratuita. Amor de Deus. Visão inspiradora. Gevurah = "Severidade": Força. Julgamento. Temor a Deus. Tiferet = "Beleza": Simetria. Equilíbrio entre o Chesed / Bondade e Gevurah/ Força. Compaixão. Netzach = "Eternidade": Perpetuidade. Vitória. Resistência. Hod = "Esplendor": Retirada, Entrega, Sinceridade. Yesod = "Fundação": Conexão à tarefa para realizar. Conhecimento coerente Malchut = "Kingship": Fonte de vontade do Keter na realização do Plano Divino.

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No Judaísmo, o termo Hebraico “Māšîaḥ” ou o Messias ("ungido, coberto de óleo") é um título dado para um esperado Salvador e Libertador do povo judeu. O Talmude discute extensivamente a vinda do Messias, um período que é descrito como de liberdade e paz, o tempo da bondade final para os Judeus. Para os Cristãos, Jesus de Nazaré foi esse Messias.

Cristianismo

Pouco antes da Era Cristã a Nação Judaica (vassala do Império Romano) se dividia em três seitas principais. A maioria dos Judeus pertencia a seita dos Fariseus que representavam a classe média e a parte mais instruída do povo. Os Fariseus acreditavam na ressurreição, em recompensas e punições depois da morte e (descontentes com os Romanos) na vinda de um Messias “político”. Os Fariseus eram extremamente nacionalistas, buscavam sua participação no governo e seguiam fielmente os antigos rituais judaicos. Outra seita minoritária era a dos Saduceus, que incluíam os Sacerdotes e as classes sociais mais ricas e que, embora tivessem aceitado (ao menos temporariamente) a ordem Romana, eram ainda mais inflexíveis do que os Fariseus em relação à prática das antigas leis e rituais religiosos. Finalmente a seita dos Essênios, a menor delas, mas talvez a mais influente. Os Essênios pertenciam às classes mais baixas da sociedade judaica, praticavam o ascetismo e praticavam o misticismo como forma de protesto contra a riqueza e o poder das outras duas seitas. Os Essênios pregavam um Judaísmo ainda mais radical, não eram “patrióticos”, encaravam o governo com indiferença, compartilhavam os seus bens e comiam e bebiam apenas o necessário para se manter vivos. Mais espirituais que as outras seitas, os Essênios esperavam por um Messias “religioso” e a eminente destruição do mundo. Foi nesse contexto que Jesus apareceu. Com exceção dos Saduceus, as outras duas seitas judaicas exerceriam forte influência no Cristianismo.

Jesus nasceu em Nazaré e teria levado uma vida simples e ascética, cercado de alguns humildes discípulos (os Doze Apóstolos). Jesus condenava o legalismo e a hipocrisia dos Fariseus, mas, como eles, reverenciava os Profetas, acreditava nas recompensas e castigos depois da morte e exigia o cumprimento das leis, mas insistia que elas não deveriam ser a parte preponderante da religião. Como os Essênios, Jesus pregou com eloquência em defesa dos pobres e oprimidos, denunciou a impostura e a cobiça e proclamou a esperança da salvação num outro mundo, por meio da Fé e do arrependimento. Ainda, Jesus parecia acreditar ter a missão divina de salvar a humanidade do pecado. Jesus não era propriamente um “rebelde”, mas parecia querer trazer mais espiritualidade (e até mesmo algum misticismo) ao Judaísmo. Os Sacerdotes Judeus da época estariam deslumbrados com a opulência da Dinastia Herodiana, que, por sua vez, tinha o apoio dos Romanos (imperialistas). O evento em que Jesus destrói as barracas dos comerciantes que vendiam suas mercadorias no Templo sugere a visão mais mercantilista do Judaísmo de então. Os milagres atribuídos a Jesus (verdadeiros ou não) se tornaram o veículo para exaltar o Poder da Crença naquele que diziam ser o esperado Messias. O apostolado de Jesus teria durado apenas três anos, ao final do qual Jesus seria condenado por um tribunal judeu e entregue

aos Romanos para que o crucificassem. O verdadeiro motivo da condenação de Jesus teria sido o fato dos Sacerdotes conservadores (Saduceus) considerarem Jesus um rebelde contra as tradições sagradas e receavam que a sua pretensão em ser o Messias lhes criasse dificuldades com o governador romano, Pôncio Pilatos, que os Saduceus apoiavam. A Crucificação de Jesus seguida de sua Ressurreição assinalaria um momento decisivo na História.

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O Cristianismo Primitivo compreende o período desde a Era Apostólica, isto é, durante as vidas dos Doze Apóstolos, após a Crucificação de Jesus (ano 33), até a Era dos Concílios Ecumênicos (início do Século IV). Cristo é a tradução da palavra grega “Khristós” que significa "Ungido" que por sua vez, é uma tradução do termo Hebraico “Māšîaḥ” ou Messias. Os seguidores de Jesus passaram a ser chamados de Cristãos porque acreditam que Jesus é o Cristo, ou o Messias, sobre quem falam as profecias do Tanakh Judaico (ou “Antigo Testamento”). A maioria dos Judeus rejeita essa reivindicação e ainda espera a vinda do Messias enquanto a maioria dos Cristãos espera pela Segunda vinda de Cristo quando (acreditam) que Ele cumprirá o resto das profecias messiânicas. Portanto, o título Cristo dá uma perspectiva religiosa à figura histórica de Jesus. A igreja cristã vê a Era Apostólica (33 a ~ 100) como a base sobre a qual toda a sua história é construída. Nesse período foram produzidos os escritos (Evangelhos e Epístolas) atribuídos tradicionalmente aos seguidores diretos de Jesus Cristo e que comporiam depois o Novo Testamento e os escritos dos Padres Apostólicos, teólogos cristãos que viveram nos Séculos I e II e teriam conhecido pessoalmente os Apóstolos ou teriam sido significativamente influenciados por eles.

Os antigos (primeiros) seguidores de Jesus eram principalmente da seita dos Essênios, considerada uma seita Judaica Apocalíptica do Período Segundo Templo. Assim, inicialmente, o Cristianismo Primitivo tomou a forma de uma fé Escatológica Judaica (ou estudo das últimas coisas). Após a destruição do Segundo Templo (Templo de Herodes) os Judeus se dispersaram e os Apóstolos (seguidores de Jesus) passaram a viajar até as comunidades judaicas ao redor do Mar Mediterrâneo para atrair e converter os Judeus dessas comunidades para a sua fé. Em apenas 10 anos após a morte de Jesus, os Apóstolos haviam pregado o Cristianismo de Jerusalém até a Antioquia e no Éfeso (Turquia), Corinto e Tessalônica (Grécia), Chipre, Creta e Roma. O Livro de Atos (5º. Livro do Novo Testamento) relata que os primeiros (Cristãos) seguidores de Jesus continuaram frequentando os templos judaicos e faziam em suas casas as tradicionais orações e o jejum judaicos, prestavam reverência ao Torah e observavam os dias santos judaicos.

Em meados do Século I, na Antioquia (Turquia), Paulo de Tarso (depois o Apóstolo ‘São’ Paulo) começou a pregar aos Gentios, isto é, não Judeus. Paulo era um cidadão romano de cultura helênica que no início havia se dedicado a perseguir os primeiros discípulos de Jesus em Jerusalém. Segundo o Livro dos Atos, Paulo estava viajando na estrada entre Jerusalém e Damasco em uma missão para prender Cristãos e trazê-los de volta para Jerusalém, quando Jesus, ressuscitado, apareceu para ele. Paulo teria então sido atingido por uma intensa luz e ficado cego por três dias até que sua visão foi restaurada por Ananias de Damasco, um discípulo de Jesus. Paulo passou então a pregar que Jesus de Nazaré era o Messias e o Filho de Deus.

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Os novos convertidos pelo Apóstolo Paulo deixaram de seguir a "lei judaica" disponível na época (o Torah). Paulo e seus convertidos se recusavam, principalmente, a ser circuncisados, o que era considerado repulsivo na cultura helênica (grega) que predominava na região. No Conselho (Cristão) de Jerusalém (ano 50) a controvérsia sobre a circuncisão foi abordada e Paulo recebeu o apoio do Apóstolo (São) Pedro, que argumentou que a circuncisão não era uma prática necessária para a conversão. O Conselho de Jerusalém concordou que o convertido poderia renunciar a circuncisão, mas outros aspectos da "lei judaica", o Torah, deveriam ser considerados, o que levou a uma séria controvérsias entre os Cristãos. Começando pela Crucificação de Jesus (ano 33), a separação entre o Judaísmo e o Cristianismo é atribuída a uma série de outros eventos. A relação ente Paulo de Tarso e o Judaísmo é tema de muitas discussões, mas acredita-se que Paulo de Tarso tenha desempenhado um papel importante em dar início a essa separação. O pensamento de (São) Paulo teria sido muito mais significativo do que o de qualquer outro autor do Novo Testamento. Além do Conselho de Jerusalém (50), o Conselho de Jâmnia (90) e a Revolta de Bar Kokhba (132 a 135) foram também decisivos para a separação entre Judeus e Cristãos.

O Conselho de Jâmnia (Yavneh, Israel) foi realizado quando se considera que o Cânone da Bíblia Hebraica já teria sido finalizado. Teria sido no Conselho de Jâmnia que as autoridades judaicas passaram a proibir aqueles que acreditavam ser Jesus de Nazaré o Messias, de participarem dos serviços religiosos nas Sinagogas. Alguns anos depois, aconteceria a Revolta de Bar Kokhba, a última das três grandes Guerras Romano-Judaicas e que eclodiu como resultado das tensões religiosas e políticas que eclodiram durante os anos seguintes à destruição do Segundo Templo dos Judeus (em 70) pelos Romanos. Na revolta de Bar Kokhba 580.000 judeus morreram, muitos outros morreriam de fome e doença e outros foram ainda vendidos como escravos. Isso levou ao despovoamento das comunidades da Judéia (mais ainda do que havia ocorrido na Primeira Guerra Judaico-Romana em 70) que foram devastadas a tal ponto que alguns estudiosos descrevem essa guerra como tendo sido um genocídio. Os “Judeus Cristãos” (que consideravam Jesus como o Messias) não haviam apoiado a revolta de Bar Kokhba, assim essa revolta foi também um dos acontecimentos chave para que os Romanos passassem a separar os Cristão dos Judeus e passar a ver o Cristianismo como uma religião distinta do Judaísmo. Apesar disso tanto os Judeus que sobreviveram a essa guerra como os (agora) Cristãos foram impedidos pelos Romanos de entrar em Jerusalém. Ao longo das Guerras Romano-Judaicas os Judeus se dispersaram pelo Oriente Médio e Europa o que daria mais tarde origem as Diásporas.

O Cristianismo Primitivo estava assim enraizado no Judaísmo do Segundo Templo, mas voltado para uma Nova Aliança com Deus, mediada pelo novo Messias, Jesus de Nazaré, enquanto o Judaísmo seguia ainda os preceitos e mandamentos ordenados por Deus segundo a Aliança Mosaica (original), mediada por Moisés.

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Ao final da Era Apostólica o Cristianismo Primitivo (já separado do Judaísmo) cresceu gradualmente para além do Judaísmo e durante (mas principalmente após) a Era Apostólica a Fé Cristã se propagou por toda a Europa Ocidental, pelo Mediterrâneo e norte da África e para o Oriente. Mas a clandestinidade e, em muitos casos, a perseguição dos Cristãos pelo Império Romano levou, tanto a uma enorme diversidade de vertentes cristãs como também, ao mesmo tempo, ao fortalecimento de algumas características unificadoras entre elas, como para com uma maior rejeição dos Cristãos ao Judaísmo e às práticas judaicas. O Desenvolvimento do Cânone Bíblico Cristão Historicamente, o Rei Ptolomeu II do Egito (283 a 246 a.C.) teria patrocinado a tradução do Torah (o Pentateuco) Hebraico que passou a circular entre os Judeus de Alexandria. Nos anos seguintes, outros livros judeus foram traduzidos e esse conjunto de textos resultou na Septuaginta completada por volta de 132 a.C. Os Cristãos Primitivos usavam principalmente uma tradução da Septuaginta em um dialeto grego (Koine) que serviria de base para diversas outras versões, em diversos idiomas (latim, eslavo, siríaco, etc..) do Antigo Testamento Cristão. O Antigo Testamento é a primeira parte da Bíblia Cristã e esta baseado principalmente na Bíblia Hebraica, isto é, o Tanakh e incluí ainda os livros Deuterocanônicos. A aceitação entre os Cristãos Primitivos dos livros Deuterocanônicos era generalizada, embora não fosse uma unanimidade. Por exemplo, fragmentos de três livros Deuterocanônicos foram encontrados (abandoados ou escondidos) entre os Pergaminhos do Mar Morto (Qumran). Mais tarde, os Concílios Ecumênicos dos Séculos IV e V publicariam cânones oficiais incluindo os livros Deuterocanônicos, mas não há um consenso claro entre as igrejas cristãs sobre se os livros Deuterocanônicos devam ser considerados canônicos (portanto, partes autorizadas da Bíblia) ou não. Os Católicos e os Ortodoxos consideram os livros Deuterocanônicos como parte da Bíblia, já a maioria das igrejas Protestantes os considera como não canônicos. Na verdade o termo Deuterocanônico é um termo que passou a ser usado em 1566 pelo teólogo Sixtus de Siena, que se converteu do Judaísmo ao Catolicismo. Sixtos empregou o termo para descrever textos escriturais do Antigo Testamento considerados canônicos pela Igreja Católica e que (simplesmente) não estavam presentes na Bíblia Hebraica.

Entre os anos 50 e 150 vários documentos cristãos circulavam entre as igrejas, incluindo Epístolas (Cartas), Evangelhos que teriam sido “escritos pelos Apóstolos guiados por anjos”, Memórias, Apocalipses, Homilias (comentários a uma Escritura) e coleções de ensinamentos. Alguns desses documentos eram de origem apostólica e outros se baseavam na tradição que os Apóstolos e Ministros da Palavra (antigos “Padres”) usaram em suas missões. Vários desses escritos procuravam ampliar, interpretar e aplicar o ensino apostólico para atender às necessidades dos Cristãos de uma determinada localidade. No final do Século I, algumas cartas (Epístolas) de (São) Paulo de Tarso chegaram ao conhecimento do Papa Clemente I em Roma (88 a 99) juntamente com alguma forma das "Palavras de Jesus" (Evangelhos). Apesar de valorizar esses documentos o Papa não os considerava como uma "Escritura", um termo que ele ainda reservava para a mais antiga Septuaginta.

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O Novo Testamento reuniria muitos desses documentos e entraria em uso no início do segundo século. O Novo Testamento é uma coleção de 27 livros de 4 gêneros que são ordenados de maneira diferente nas diferentes tradições cristãs (Católica, Ortodoxa, Protestante, Eslava, Siríaca e Etíope). Ele discute principalmente os ensinamentos e a pessoa de Jesus, bem como acontecimentos do Cristianismo do primeiro século e se compõe de: 1. Quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João, com quatro narrativas sobre a vida, os

ensinamentos, a morte na cruz e a ressurreição de Jesus, 2. Uma narrativa dos apóstolos da igreja primitiva, chamada "Atos dos Apóstolos", 3. 21 cartas, chamadas de "Epístolas" (do grego, "episódio") de vários autores entre elas: as

Epístolas de (São) Paulo, as Epístolas Pastorais e as Epístolas Gerais, que consistem da Doutrina Cristã, conselhos, instruções e a resolução de conflitos, e,

4. O Livro do Apocalipse, que é um livro de Profecias, contendo algumas instruções para sete congregações da Ásia Menor, mas que contém, principalmente, uma simbologia profética sobre o fim dos tempos.

Ainda, como consequência do Conselho de Jâmnia (ano 90, quando os Cristãos teriam sido impedidos de frequentar as Sinagogas) houve uma controvérsia entre os Cristãos sobre se a Bíblia Hebraica (ou Antigo Testamento para os Cristãos) deveria ou não ser incluída como uma Escritura Sagrada Cristã junto com os escritos cristãos do Novo Testamento. Ao final, algumas obras do Antigo Testamento que vinham sendo usadas pelos Cristãos Primitivos acabaram sendo excluídas por eles. Os livros do cânone do Novo Testamento foram escritos nos Século I e II, em grego, que era a língua comum do Mediterrâneo oriental desde as conquistas de Alexandre, O Grande (335-323 a.C.) até as conquistas dos Muçulmanos no Século VII. Os escritos e manuscritos gregos originais do Novo Testamento, não sobreviveram, mas, historicamente, existem cópias desses originais transmitidas e preservadas em várias tradições manuscritas, com algumas pequenas variações, adições ou omissões. Quando os antigos escribas copiavam os livros do Novo Testamento, às vezes eles escreviam notas nas margens da página para corrigir o texto ou comentar sobre o texto. Quando novos escribas - depois dos antigos escribas - estavam copiando a cópia, às vezes eles tinham dúvidas sobre se essas notas deveriam ser incluídas ou não como parte do texto. Ao longo do tempo, as diferentes regiões acabaram criando diferentes versões do Novo Testamento. As três principais tradições textuais do Novo Testamento escrito originalmente em grego são: O Texto de Alexandria, o Texto Bizantino e o Texto Ocidental, juntos, eles compõem a maioria dos manuscritos antigos do Novo Testamento. Se por um lado o cânone do Antigo Testamento não é unanimidade entre os principais grupos cristãos, o cânone de 27 livros do Novo Testamento foi quase universalmente reconhecido no Cristianismo. O Novo Testamento reflete e serve como fonte de teologia e moral cristã, e, ao longo dos tempos, viria a influenciar movimentos religiosos, filosóficos e políticos, deixando uma marca indelével na literatura, na arte e na música de nossa civilização. Em 331 o Imperador Constantino I dos Romanos emitiu o Edito de Milão liberando os Cristãos (até então perseguidos) a exercer o seu direito religioso, o que, com o tempo, faria do Cristianismo a religião predominante do Império Romano. No mesmo ano, o Imperador Constantino encomendou ao Bispo Eusebius de Caesarea (atual Israel) para que lhe entregasse cinquenta cópias da “Bíblia” ou do Novo Testamento que seriam usados na Igreja de Constantinopla. Isso teria motivado uma lista de cânones entre eles o Codex Vaticanus e Codex Sinaiticus que seriam as primeiras Bíblias Cristãs existentes, mas evidenciariam as diferentes visões da igreja cristã na época. Considera-se que este tenha sido o fim do Cristianismo Primitivo e o início a Era dos Concílios Ecumênicos.

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Os Concílios Ecumênicos foram uma tentativa dos líderes da Igreja em alcançar um consenso, restaurar a paz e desenvolver uma cristandade unificada. Os Cristãos Ortodoxos (os do Leste e os Orientais), os Nestorianos e os Católicos Romanos, todos traçam a legitimidade de seu clero, como sucessores dos Apóstolos, a partir desse período e, para mais além, do Período do Cristianismo Primitivo. Os sete Primeiros Concílios Ecumênicos (entre 325 e 787) são considerados os principais e procuraram homogeneizar as diferentes vertentes cristãs que haviam se criado nos mais de dois séculos anteriores, durante o período do Cristianismo Primitivo. Esse período se inicia com o Primeiro Concílio de Nicéia (325), na atual Turquia, e termina no Segundo Concílio de Nicéia (787). A Igreja Ortodoxa do Leste e a Igreja Católica aceitam estes sete conselhos como legítimos. A Igreja Ortodoxa Oriental aceita apenas os três primeiros, enquanto a Igreja Nestoriana aceita apenas os dois primeiros. Um dos propósitos do Primeiro Concílio de Nicéa (talvez o mais importante de todos os Concílios) era o de resolver os desentendimentos da Igreja de Alexandria (Egito) sobre a natureza do Filho (Jesus) em relação ao Pai (Deus). Para o Papa (São) Alexandre e o Bispo Atanásio ambos de Alexandria (Egito), Jesus era o próprio Pai (Deus) consubstanciado em uma única “pessoa”. Já o Presbítero Arianos afirmava que Jesus é o Filho de Deus, e que foi gerado, em certo momento, por Deus Pai, e seria, portanto, distinto do Pai e subordinado a ele, o que fazia de Jesus uma espécie de Profeta e não o próprio Deus. Esse conceito cristológico ficaria conhecido como Arianismo e passaria depois a ser seguido por muitos cristãos (particularmente os povos Germânicos), mas o Concílio decidiu esmagadoramente contra Arianos. O Primeiro Concílio de Nicéa foi ainda visto por todos os conselhos posteriores como a pedra fundamental da ortodoxia na Doutrina da Trindade que sustenta que Deus é três pessoas consubstanciadas: o Pai, o Filho (Jesus) e o Espírito Santo: "um Deus em três Pessoas Divinas". Outro resultado do Primeiro Concílio de Nicéa foi um acordo sobre quando celebrar a Páscoa, a festa mais importante do calendário eclesiástico que até então seguia a prática judaica. Foi ainda no Primeiro Concílio de Nicéa que foi enunciado o Credo de Nicéia (oração) em sua forma original (depois modificada pelo Concílio de Constantinopla de 381).

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Em 382 o Papa Damasus I encomendou uma tradução para o Latim da Bíblia Cristã (Novo e Velho Testamentos) que ficaria conhecida por Vulgata. Mais tarde no Concílio de Trento (1545 a 1563) a Igreja Católica confirmou a Vulgata como sua Bíblia oficial. A primeira edição autorizada da Vulgata é de 1592 e se tornou o texto bíblico padrão da Igreja Católica Romana até 1979, quando a Nova Vulgata foi promulgada. A Igreja Ortodoxa Cristã Desde a Era Apostólica os Apóstolos nomeavam seus sucessores que seriam conhecidos como Bispos, que, por sua vez, nomeavam outros Bispos num processo conhecido como Sucessão Apostólica. Ao longo do tempo, cinco Patriarcados (a Pentarquia) foram estabelecidos para organizar o mundo cristão (quatro destes antigos Patriarcados são ainda hoje Ortodoxos). O Cristianismo Ortodoxo alcançou sua forma atual já entre o Século III e VIII, quando os Concílios Ecumênicos foram realizados e as disputas doutrinárias foram discutidas e algumas (não todas) resolvidas. No início da Idade Média, os missionários ortodoxos (gregos) espalharam a sua visão do Cristianismo para o norte, entre Búlgaros, Sérvios, Russos e outros. Enquanto isso, um processo gradual de distanciamento ocorria entre os quatro Patriarcados Orientais / Gregos (Constantinopla, Alexandria, Antióquia e Jerusalém) e a Igreja Latina (Roma), que culminou com o Grande Cisma no Século XI. O Grande Cisma ou Cisma do Leste-Oeste de 1054 representou a ruptura da comunhão entre os Patriarcados Ortodoxos Orientais e a Igreja Católica Romana devido às diferenças eclesiásticas e às disputas teológicas entre o Oeste Latino e o Leste Grego. Entre estas disputas estava a controvérsia sobre a natureza do Espírito Santo, uma discussão se o pão usado na Eucaristia devia ou não ser feito com fermento e (principalmente) a reivindicação do Bispo de Roma para assumir a jurisdição universal sobre a Pentarquia no lugar da Sé de Constantinopla. Em 1053 as igrejas gregas no sul da Itália foram forçadas a se conformar com práticas religiosas latinas ou a fechar. Em retaliação, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Michael I Cerularius, ordenou o fechamento de todas as igrejas latinas em Constantinopla. Em 1054, o Papa Leão IX (em Roma) enviou um Legado Papal (seus representantes) para Constantinopla com o objetivo de conseguir a ajuda do Imperador Justiniano dos Bizantinos contra os Normandos que haviam conquistado o sul da Itália. O Legado Papal devia ainda convencer o Patriarca Michael I Cerularius a renunciar a seu titulo de Patriarca Ecumênico e aceitar o Papa Leão IX como chefe da Pentarquia. Michale I Cerularius se recusou a aceitar o pedido do Papa Leão IX e por isso foi excomungado pelo líder do Legado Papal, o Cardeal Humbert de Silva Candida. Em troca, Michael I Cerularius excomungou o Cardeal Humbert e os outros legados. Este foi o primeiro passo para uma disputa que duraria séculos e que culminou com a separação formal entre as duas igrejas que se afastaram nas suas Doutrinas, Teologias, Línguas (Grego vs. Latim), além de uma divisão política e geográfica entre as duas. A disputa original nunca seria resolvida, e ambos os lados se acusavam de heresia e de ter iniciado a divisão. As Cruzadas, o Massacre dos Latinos em Constantinopla (Turquia - 1182), a retaliação do Ocidente no Saque de Tessalônica (Grécia - 1185), a captura e o Cerco de Constantinopla em 1204 (no contexto das Cruzadas), tornaram qualquer reconciliação mais difícil. Apenas em 1965, o Papa Paulo VI e o Patriarca Ecumênico de Constantinopla Athenagoras I anularam as “excomunhões” de 1054. Os contatos entre os dois lados foram retomados e continuam, mas os esforços dos Patriarcas Ecumênicos Ortodoxos para a reconciliação com a Igreja Católica Romana têm sido ainda alvo de muitas críticas por parte de alguns Ortodoxos.

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O Cisma da Igreja Católica (1378 a 1414) Durante toda a alta idade média os reis europeus estavam (ainda que de forma precária) “subordinados” de alguma maneira ao Papa em Roma. Mas, na França, o processo de centralização do poder real e o desenvolvimento de um verdadeiro Estado Nacional vinham se desenvolvendo há algum tempo. O então Rei Felipe IV da França (1285 a 1314) havia mesmo expulsado o clero de toda participação na administração da lei de seu reino, e passou a tributar o clero na França, para financiar suas guerras contra a Inglaterra (que fazia o mesmo). Em 1300 o Papa Bonifácio VIII (1294 a 1303) organizou em Roma o primeiro ano do "Jubileu" Católico Romano quando declarou (“lembrou” ao Rei Felipe IV) que o “poder espiritual e temporal estava sob a jurisdição do Papa e que os Reis estavam subordinados ao poder do Pontífice Romano”. Uma disputa entre o Papa Bonifácio e o Rei Felipe IV foi inevitável. Após a morte do Papa Bonifácio VIII (1303) e, logo em seguida, de seu sucessor, o Papa Benedito XI (1305), um conclave impetuoso finalmente elegeu o Papa Clemente V, um francês, que contava com o total apoio do rei francês. O Papa Clemente V se recusou a se mudar para Roma, e em 1309, trouxe a sua corte para Avignon, na França, onde o papado permaneceria pelos próximos 67 anos, com sete papas, todos franceses. Finalmente, em Setembro de 1376, o Papa Gregório XI (1370 a 1378) deixou Avignon e mudou sua corte para Roma. Após a morte do Papa Gregório XI (1378) houve uma ruptura nas relações entre o seu sucessor, o Papa (eleito) Urbano VI (Italiano) e os Cardeais (que tinham o apoio da França) que apontaram outro Papa, Clemente VII (1378 a 1394) que voltou a se instalar em Avignon. Assim passou a haver uma Papa em Roma e um (como ficou conhecido) Antipapa em Avignon. O conflito escalou rapidamente fazendo com que esse problema da Igreja Católica se transformasse em uma crise diplomática que dividiu a Europa: Aragão, Castela e Leão (reinos da atual Espanha), França, Chipre, Borgonha, Savóia, Nápoles, e Escócia reconheciam o Antipapa em Avignon; Dinamarca, Inglaterra, Flandres e o Sacro Império Romano (Principados da atual Alemanha), Hungria, Irlanda, Noruega, Portugal, Polônia, Suécia, República de Veneza e outras Cidade- Estados do norte da Itália, reconheciam o Papa em Roma. Finalmente, em 1414 um conselho foi convocado pelo Antipapa João XXIII em Constance (sul da Alemanha), aceito pelo Papa Gregório XII. Em 1415, Papa e Antipapa renunciaram e em 1417 foi eleito o Papa Martin V, pondo fim ao Cisma da Igreja Católica. A desunião dos anos do Cisma fragilizou a Igreja Católica e deu lugar as ideias Reformistas.

A Reforma Protestante Embora tenha havido importantes tentativas anteriores de reformar a Igreja Católica Romana (Jan Hus, Peter Waldo e John Wycliffe), Martinho Lutero é amplamente reconhecido por ter iniciado a Reforma Protestante. Considera-se que ela começou com a publicação das Noventa e Cinco Teses de Lutero (1517), o que levou a um longo conflito, as Guerras Religiosas (1524 a 1648), uma série de guerras que terminaram ao final da Guerra dos Trinta Anos, na Paz da Vestefália (1648). Martinho Lutero (1483 a 1546) começou criticando a venda de indulgências pelo Papa (uma maneira de reduzir a punição pelos pecados), insistindo que o Papa não tinha autoridade sobre o Purgatório. Depois, que a doutrina

católica dos Méritos/Comunhão dos Santos (isto é, “a união espiritual dos membros da Igreja Cristã, vivos ou mortos, na terra ou no céu, que acreditam no Purgatório e/ou que estão em estado de purificação”) não tinha nenhum fundamento segundo o Evangelho.

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A posição dos Protestantes viria a incorporar mudanças doutrinais na igreja, como uma dependência completa às Escrituras como fonte de crença (sola scriptura) e que somente a Fé e não as Boas Ações trazem Salvação (sola fide). Embora a principal motivação por trás dessas mudanças tenha sido teológica, muitos outros fatores e movimentos também desempenharam um importante papel: o Nacionalismo, a Corrupção da Cúria Romana, o Humanismo e o Renascimento. O movimento reformista que se iniciou na atual Alemanha se diversificou e recebeu impulso com a invenção da Imprensa por Gutenberg em 1450 – A Bíblia Cristã, a Vulgata, seria uma das primeiras impressões de Gutenberg, 1455. Os maiores grupos Protestantes foram os Luteranos (Alemanha, Báltico e Escandinávia) e os Calvinistas, seguidores de João Calvino (1509 a 1564, Suíça, Hungria, França, Holanda e Escócia). A partir de 1547 o movimento Reformista acabou influenciando a Igreja da Inglaterra de forma decisiva, particularmente durante os reinados do Rei Eduardo VI e da Rainha Elizabete I, embora a Igreja Anglicana da Inglaterra tenha se tornado independente de Roma antes disso, no reinado do Rei Henrique VIII (início da década de 1530). A Igreja Católica Romana respondeu com uma Contra Reforma iniciada pelo Concílio de Trento (1545 a 1563). A nova Ordem dos Jesuítas liderada por Inácio de Loyola, originada na Espanha, trabalhou muito na luta contra o Protestantismo. Em geral, o norte da Europa (com a exceção da maior parte da Irlanda) passou a ser influenciada pelo Protestantismo enquanto o sul da Europa permaneceu no Catolicismo Romano. Já a Europa Central foi palco de um conflito feroz, que culminou com a Guerra dos Trinta Anos (1618 a 1648), que a deixou devastada.

Os Jesuítas A Sociedade de Jesus é uma congregação religiosa da Igreja Católica que se originou na Espanha e cujos membros são chamados Jesuítas. (Santo) Inácio de Loyola, um nobre basco da região dos Pirenéus, no norte da Espanha, fundou a sociedade depois de reconhecer sua vocação espiritual enquanto se recuperava de uma ferida sofrida na Batalha de Pamplona (guerra entre França e Espanha pela conquista do norte da Espanha, Navarra). Ele compôs os Exercícios Espirituais (um conjunto de meditações cristãs, contemplações e orações) para ajudar os outros a seguir os ensinamentos de Jesus Cristo. Em 1534, Inácio e outros seis jovens se reuniram e professaram votos de pobreza, castidade e em particular, obediência ao Papa.

Inácio era um nobre com formação militar, e os membros da sociedade fundada por ele deveriam aceitar ordens em qualquer lugar do mundo, onde pudessem ser obrigados a viver em condições extremas (como no Novo Mundo, Brasil). Assim, no documento que dá origem a Ordem dos Jesuítas consta que a Sociedade de Jesus foi fundada para: "quem deseja servir como soldado de Deus esforçar-se especialmente pela defesa e propagação da fé e pelo progresso das almas na Vida e Doutrina Cristãs".

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Judaísmo vs. Cristianismo

Os Cânones Judaico e Cristão tem, portanto, muitos livros em comum, mas na prática (e em síntese) têm algumas diferenças de pensamento. Divina Simplicidade e Trindade: Para os Judeus vale a doutrina da Divina Simplicidade que diz que Deus é indivisível. A doutrina cristã da Trindade sustenta que Deus está consubstanciado em três entidades: o Pai, o Filho (Jesus Cristo) e o Espírito Santo, isto é, "um Deus em três Divindades". Essa três divindades são distintas, mas são uma única "substância, natureza ou essência". Aliança Mosaica e Nova Aliança: Para muitos (não todos) Judeus, a etnia judaica está intimamente ligada à sua relação com Deus e, portanto, possui um forte componente Teológico. Esta relação é baseada na noção de que os Judeus são “O Povo Escolhido” o que significa que era o desejo de Deus que um grupo de pessoas (os Judeus) existisse em uma “Aliança” que os obriga (um dever, mas também uma escolha) a obedecer a certo conjunto de leis. Assim, os Judeus acreditam ter o um propósito divino, ser uma "luz sobre as nações", "o povo santo", que vive suas vidas plenamente de acordo com a vontade Divina, um exemplo para os outros: a observância da Lei de Deus é uma maneira de responder à Graça de Deus. Sendo uma religião étnica, o Judaísmo aceita que os outros povos possam ter seus próprios e diferentes caminhos para Deus (ou para a "Salvação") e não esperam que as “outras nações” obedeçam a Lei de Moisés (Dez Mandamentos) que renovaram a Aliança entre Deus e o Povo de Israel. Entretanto, um não-Judeu deve ser consistentes com as Sete Leis de Noé para ser considerado um gentio justo e lhe ser assegurado um lugar no mundo vindouro. De acordo com o Talmude as Sete Leis de Noé foram passadas por Deus para os "filhos de Noé" (isto é, toda a humanidade): 1. Não negue a Deus, 2. Não blasfeme a Deus, 3. Não assassine, 4. Não se envolva em relações sexuais ilícitas, 5. Não roube, 6. Não coma de um animal vivo, 7. Estabeleça tribunais para garantir a obediência às leis.

Os Cristãos Primitivos (ou “Judeus Cristãos”) acompanhavam todos os aspectos do Judaísmo contemporâneo ao Período do Segundo Templo, mas acreditavam ser Jesus o esperado Messias e o mediador da Nova Aliança. O famoso Sermão do Montanha de Jesus (Monte das Beatitudes, Mar da Galileia) é considerado por alguns estudiosos cristãos como tendo sido a proclamação da ética da Nova Aliança (talvez uma paralelo ao sermão feito por Moisés nas planícies do Deserto do Moabe). A Nova Aliança Cristã contrasta com a Aliança Mosaica, renovada por Deus através de Moisés do Monte Sinai durante o Êxodo do Egito. O Messias Jesus, ou Jesus Cristo, é tanto o Filho do homem quanto o Filho de Deus: Deus encarnado. Pecado Original: A visão judaica, moralmente equilibrada, é a de que a desobediência de Adão e Eva (Pecado Original) passou a ser uma herança espiritual, por assim dizer. O Judaísmo não vê os seres humanos como pecadores que precisam ser salvos, mas sim com tendo o “Livre Arbítrio” para ser justos.

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Já os Cristãos acreditam que os seres humanos herdaram uma natureza humana corrompida ou prejudicada a partir do Pecado Original. Assim, a tendência dos seres humanos em praticar o Mal é maior do que teria sido sem o Pecado Original, a ponto da natureza humana não ser agora, mais capaz de participar com Deus da vida após a morte. Para os Cristãos, em seu estado natural todas as pessoas são pecaminosas e a morte de Jesus pela crucificação teria sido um sacrifício para expiar (perdoar) todos os pecados da humanidade. A aceitação de Jesus como seu Salvador e Senhor salva as pessoas do Juízo Divino, e lhe dá a Vida Eterna. Ainda que cada pessoa seja responsável por seus próprios pecados, essa compreensão do Pecado Original é o que está por trás da ênfase cristã na necessidade da Salvação Espiritual. Um Salvador espiritual pode perdoar e separar o pecado, mesmo que os seres humanos não sejam inerentemente puros e dignos dessa salvação. São Paulo enfatizou essa doutrina de que a crença em Jesus permitiria aos Cristãos vencer a morte e alcançar Salvação. Os Católicos Romanos, os Cristãos Ortodoxos orientais e alguns Protestantes ensinam que o Sacramento do Batismo é o meio pelo qual a natureza humana de cada pessoa (prejudicada pelo Pecado Original) é curada e a Graça Santificadora (capacidade de desfrutar e participar da vida espiritual de Deus) é restaurada. A maioria dos Protestantes acredita que essa graça ocorre já no momento da decisão pessoal de seguir Jesus e que o Batismo é (apenas) um símbolo da graça já recebida. Boas Ações e Fé: O propósito do Torah para o Judaísmo é nos ensinar a agir corretamente, fazer “Boas Ações”. Embora algumas autoridades judaicas entendam que o Torah impõe aos Judeus a crença em Deus, para os Judeus a crença em Deus é (apenas) uma condição necessária, mas não suficiente. Assim, fundamentalmente, segundo o Judaísmo, nós estamos encarregados de trazer a santidade à nossas vidas através de boas ações (seguindo as orientações das leis de Deus). Não é necessário que nos afastemos da (boa) vida para nos tronarmos “santos”. O Cristianismo também ensina que Deus quer que as pessoas realizem boas ações, mas a realização de boas ações por si só não levarão à salvação. Para alguns Cristãos Católicos Romanos e Ortodoxos a salvação depende também da Fé em Jesus, que se expressa ao deixarmos um legado de boas ações. A visão (mais radical) dos Cristãos Protestantes é a de que todo ser humano é um pecador e sua salvação não depende apenas do mérito de suas próprias e boas ações, mas fundamentalmente de sua Fé em Deus, isto é, a Fé em Deus estaria acima das Boas Ações.

"Se confessarmos os nossos pecados, Deus será fiel e justo, e perdoará os nossos pecados e nos purificará de toda injustiça".

Perdão: Os Judeus acreditam em um eterno e contínuo diálogo com Deus, mantido através de tradições, rituais, orações e ações éticas. No Judaísmo é preciso pedir perdão diretamente para aqueles a quem se prejudicou, isto é, não se pode obter o perdão de Deus por erros que tenhamos cometidos contra outra pessoa. Isso significa, por exemplo, que um assassinato é imperdoável, pois a vítima não terá a oportunidade de dar o seu perdão ao assassino, que responderá a Deus por seu ato. Os Cristãos acreditam no perdão dos pecados através do arrependimento e em Jesus Cristo como Deus e Salvador, através da sua Fé no Cristianismo. No Cristianismo o perdão de Deus é prometido àqueles que se arrependem de seus maus atos, ainda que a parte ofendida não dê seu perdão ao seu ofensor. No entanto, Jesus exigia que seus discípulos perdoassem uns aos outros se quisessem ser eles mesmos perdoados. Para um Cristão o perdão não é uma opção, é preciso saber perdoar para ser Cristão.

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Juízo Final: O Cristianismo assim como o Judaísmo acredita em alguma forma de Julgamento, ou Juízo Final. A maioria dos Cristãos acredita em um retorno ou, Segunda Vinda de Jesus, junto com a Ressurreição dos Mortos e o Juízo Final. Aqueles que aceitaram Jesus como seu Salvador pessoal serão salvos e viverão na presença de Deus no Reino dos Céus, aqueles que não aceitaram Jesus como seu salvador, serão lançados no Lago de Fogo (tormento eterno). Na liturgia judaica, há uma importante oração que fala de um "Livro da Vida" no qual está escrito que Deus julga cada pessoa a cada ano, mesmo depois de sua morte. Este processo anual de julgamento começa no Rosh Hashanah (início do ano judaico) e termina no Yom Kippur (Dia de Expiação ou do Arrependimento, o dia mais sagrado e basicamente o final do ano judaico). Pouco antes da chegada do Messias, Deus julgará as nações por sua perseguição aos Israelitas durante o exílio. Depois Deus julgara também os Israelitas pela sua observância (ou não) do Torah. O Vale do Cedrón (“Kidron Valley”, abaixo) é o vale que separa o Monte do Templo do Monte das Oliveiras em Jerusalém. A Bíblia Hebraica o chama "Vale de Jeosafá" e ele aparece nas profecias escatológicas (do fim do mundo) judaicas, que incluem o retorno do Profeta Elias, que será seguido pela chegada do Messias e do Dia do Juízo Final quando: “uma corda se estenderá das ameias do Monte do Templo, sobre o vale até o Monte das Oliveiras, e os justos atravessarão, sustentados por seus anjos da guarda, enquanto os pecadores serão lançados em condenação”.

Vale do Cédron - Jerusalém

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Guerra e Paz: O Judaísmo tem muitos ensinamentos sobre a Paz, que tornam a violência física a última opção possível. No entanto, o Talmude ensina que: "Se alguém vier com a intenção de matá-lo, então é sua obrigação matar em defesa própria [ao invés de ser morto]". Além de poder ser considerado uma ajuda a um assassino a matar alguém, uma atitude não auto-defensiva é mesmo vista como equivalente ao suicídio, o que a lei judaica proíbe (embora em Masada possa ter havido um suicídio em massa). O conflito entre as leis que tratam da Paz e a obrigação de autodefesa levou a um conjunto de ensinamentos judaicos que foram descritos como Pacifismo Tático. Isto é, deve-se evitar o uso da força e da violência sempre que possível, e apenas usá-la para salvar a própria vida ou de outras pessoas. O Judaísmo se concentra nesta vida. Para os Cristãos o Pacifismo é uma posição teológica e ética de que qualquer forma de violência é incompatível com a fé cristã: Jesus era um pacifista que ensinava e praticava o pacifismo e seus seguidores devem fazer o mesmo. O Sermão da Montanha (que teria sido onde é hoje o Monte das Beatitudes, junto ao Mar da Galileia) registra que Jesus ensinou que, se alguém o agride então “deve-se dar a outra face”. Isso levou algumas seitas Protestantes a desenvolver uma Teologia do Pacifismo, segundo a qual se deve evitar o uso da força e da violência em qualquer circunstância. Esses Cristãos ficaram conhecidos como as Igrejas da Paz e incorporaram os ensinamentos de Cristo sobre a não-violência na sua teologia, entre eles os Quakers, Menonitas e Amish. Entretanto, na prática, a grande maioria das nações e grupos cristãos não seguiram essa posição.

Monte das Beatitudes – Mar da Galileia, Israel

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Islamismo

Mesquita de Al-Aqsa – Monte do Templo, Jerusalém

Até o Século VII, os Árabes não eram unidos politicamente, mas tinham pontos em comum: o idioma árabe e as crenças religiosas. Nesse período os Árabes eram Politeístas e tinham muitas divindades e para unir as várias tribos árabes, eles construíram em Meca um Templo Religioso, a Caaba (Casa de Deus), com as principais divindades. Na Caaba, encontra-se (ainda) uma Pedra Negra que, de acordo com a crença, veio do céu pelas mãos do Arcanjo Gabriel. De acordo com a Doutrina Islâmica, Maomé (ou Muhammad, 570 a 632) foi o Profeta e Fundador do Islã, um mensageiro de Deus, enviado para confirmar os ensinamentos essenciais do Monoteísmo pregado anteriormente por outros Messias como Adão, Abraão, Moisés, Jesus e outros Profetas. O Islã ou Islamismo é também uma religião Monoteísta e Abraâmica que prega a existência de um Deus único e exclusivo, Allah, e Maomé é visto pelos Mulçumanos (os seguidores do Islamismo) como o último Mensageiro, o último Profeta de Deus. Nascido na cidade árabe de Meca, Maomé ficou órfão ainda criança e foi criado por um tio de seu pai, Abu Talib. Com frequência, Maomé se isolava em uma caverna de uma montanha (Hira) passando diversas noites em oração. Aos 40 anos, Maomé teria sido visitado na caverna pelo Arcanjo Gabriel e teria recebido através dele uma “Primeira Revelação de Deus”. Três anos depois, em 610, Maomé começou a pregar essas revelações publicamente, proclamando que "Deus é um só" e que “total rendição" a Ele era a ação correta, e ainda, que ele, Moisés, era um Profeta e Mensageiro de Deus, semelhante a outros profetas do Islã. Assim, Maomé reuniu seus primeiros seguidores, mas atraiu também a hostilidade de outros habitantes de Meca. Para escapar da perseguição destes, em 622 Maomé e seus seguidores se mudaram de Meca para Medina (então conhecida por Yathrib). Este evento passou a ser conhecido por a Hégira (ou Hijrah) e marca o início do Calendário Islâmico. Em Medina, Maomé uniu as tribos locais sob a Constituição de Medina que serviu de base para um Estado Islâmico multireligioso.

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Isra e Mi’raj Segundo a tradição islâmica, por volta de 620 ou 621, Maomé teria feito uma “viagem milagrosa por toda a noite” junto com o Anjo Gabriel. No início dessa viagem – conhecido com Isra – Moisés teria saído de Meca viajado em um cavalo alado para "uma mesquita distante” ou até onde futuramente haveria uma Mesquita. A “mesquita” deve ser entendida com um “templo” já que as Mesquitas são posteriores a essa “viagem”. Para alguns estudiosos do Islã, esta teria sido “uma experiência ou viagem espiritual”, para os historiadores, Moisés teria feito uma viagem física, real, isto é, até o Monte do Templo em Jerusalém onde está hoje a Mesquita de Al-Aqsa. Ainda na parte da viagem conhecida por Mi'raj, na “Mesquita” Maomé visitou o Céu e o Inferno, e falou com os profetas anteriores, entre eles Abraão, Moisés e Jesus que ele liderou em uma oração e depois disso “falou com Deus”. A lembrança desta viagem é um dos eventos mais significativos no calendário islâmico. O Domo da Rocha no Monte do Templo marca o local onde Maomé “subiu ao Céu” para falar com Deus. E é um dos mais sagrados e icônicos santuários para os Mulçumanos. Em Dezembro de 629, após oito anos de conflito intermitente entre as tribos de Meca e Medina, Maomé reuniu um exército de 10.000 Muçulmanos convertidos a sua fé e marchou para a cidade de Meca. A vitória de Maomé foi incontestável e a cidade foi tomada com pouco derramamento de sangue.

Em 632, poucos meses após o retorno de Maomé da Peregrinação do Adeus, a única Peregrinação à Meca (ou Hajj) feita por Maomé, ele adoeceu e morreu. Antes de sua morte, a maior parte da Península Arábica já havia se convertido ao Islamismo. O Domo da Rocha foi concluído em 691 por ordem do Califa (Omíada) Abd al-Malik durante a Segunda Fitna, um período de desordem política que atingiu o então já estabelecido Império Islâmico. No

local onde o Domo da Rocha foi construído havia um Templo Romano dedicado a Júpiter que por sua vez tinha sido construído sobre o local do Segundo Templo Judaico (Templo de Herodes) e também o local que os Judeus consideram teria sido o Sacrifício (não consumado) de Isaac por seu pai Abraão. O Domo da Rocha é uma das mais antigas obras existentes da arquitetura islâmica. Para os Muçulmanos o local está ligado a Criação do Mundo e à crença de que a jornada do Profeta Maomé até os céus (Mi’raj) começou partir da rocha no centro da atual estrutura do Domo da Rocha.

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A morte de Maomé representou um momento de crise na comunidade Muçulmana já que ele não havia nomeado claramente um sucessor, e o início de uma cisão entre os Muçulmanos. Abu Bakr (632 a 634) foi escolhido para suceder Maomé (de quem ele era o sogro), mas alguns Árabes, os Shiat Ali (ou partidários de Ali) que seriam depois conhecidos como os Xiitas e os Kharijitas, acreditavam que o genro do Profeta Maomé, Ali, deveria sucedê-lo. O grupo que apoiava Abu Bakr viria depois a ser conhecido como os Sunitas. Ali era casado com Fátima, única filha do Profeta Maomé e, portanto quem geraria os únicos descendentes consanguíneos de Maomé. Mais tarde Ali acabaria sendo reconhecido como o quarto dos “Califas Corretamente Guiados” (656 a 661), do que foi o Califado do Rashidun (632 a 661). Cinco anos depois Ali seria assassinado pelos Kharijitas com uma espada envenenada. Os Kharijitas teriam ficado desiludidos com o Califa Ali e não o haviam perdoado por não ter “lutado” por seu direito como sucessor de Maomé ainda quando da escolha de Abu Bakr. A divisão entre os Mulçumanos estava consumada. As principais escrituras do Islã são o Alcorão e as normas da Sunnah. Para os Mulçumanos o Alcorão é a Revelação Final e inalterada de Deus (o Último Testamento). A Sunnah é o registro transmitido oralmente dos ensinamentos, atos e palavras, permissões silenciosas ou reprovações de Maomé, e é definida como "um caminho, um modo de vida", “modelos a serem seguidos" pelos Muçulmanos. Os Sunitas são mais fiéis a Sunnah original, de onde deriva o seu nome. Já os Xiitas não reconhecem alguns dos textos da Sunnah original. Mas, todos os Mulçumanos acreditam que o Islã é a versão universal e completa de uma “Fé Primordial” que foi revelada muitas vezes antes por meio de profetas como Adão, Abraão, Moisés e Jesus. Os Cinco Pilares do Islã são os cinco atos obrigatórios e considerados a base da vida muçulmana, isto é:

1. Declaração da Fé, 2. Obrigatoriedade das Orações, 3. Caridade Compulsória, 4. Jejum no mês do Ramadan e 5. Peregrinação à Meca. Os Xiitas consideram serem Sete Pilares do Islã e parecem substituir a Declaração de Fé pela Guarda (ou Proteção), que denota o Amor e Devoção a Deus e incluem ainda, outras duas práticas: a Pureza da Mente, da Alma de das Ações, e a “Jihad” ou Luta. Os demais pilares dos Xiitas são comuns aos dos Sunitas.

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Jihad em árabe significa literalmente Esforço (ou Luta) com um objetivo meritório. Mas no contexto islâmico, o termo Jihad pode ter diferentes entendimentos, como a “Luta” contra aqueles que tenham más inclinações, ou “Esforços” para converter os incrédulos (infiéis), ou ainda “Esforços” para o aperfeiçoamento moral da sociedade. Entretanto, o termo Jihad é mais frequentemente associado com a guerra. Na Lei Islâmica Clássica, o Jihad se refere à luta armada contra os infiéis, mas para os estudiosos islâmicos modernos a Jihad é uma guerra com fins defensivos. A palavra Jihad aparece com frequência no Alcorão, com e sem conotações militares, por exemplo: "Esforçar-se no caminho de Deus” ou “al-Jihad fi Sabil Allah" . Juristas islâmicos e outros Ulemás (estudiosos) da era clássica entendem a Jihad como uma obrigação, predominantemente no sentido militar e até mesmo desenvolveram um elaborado conjunto de regras relativas à Jihad como, por exemplo, a proibição de ferir aqueles que não estão envolvidos no combate. Modernamente, o conceito de Jihad deu origem a um discurso ideológico e político. Enquanto modernos estudiosos islâmicos procuram enfatizar os aspectos defensivos e não militares da Jihad, alguns islamitas assumem interpretações agressivas que vão além da teoria clássica. Os Sunitas (que hoje representam cerca de 75 a 95% dos Muçulmanos) também conhecidos como Ahl as-Sunnah, que significa "pessoas da tradição [de Maomé]”, acreditam que os primeiros quatro califas, os chamados “Califas Corretamente Guiados” (do Califado do Rashidun (632 a 661), incluindo Ali (genro de Maomé), foram os sucessores legítimos de Maomé, uma vez que Deus não especificou nenhum líder particular para sucedê-lo e esses líderes foram eleitos. Para os Sunitas qualquer um que fosse justo poderia ser um Califa, ou o “legítimo sucessor religioso do Profeta Maomé”, mas ele têm que agir de acordo com o Alcorão e o Hadith (um dos vários textos que descrevem as palavras, ações ou hábitos de Maomé). Os Xiitas acreditam que Maomé havia nomeado seu genro, Ali ibn Abi Talib, como seu sucessor e que apenas certos descendentes de Ali poderiam ser um Imam (ou Líder). Assim, para os Xiitas, Ali ibn Abi Talib foi o primeiro Imam, e eles rejeitando a legitimidade dos três Califas Muçulmanos anteriores: Abu Bakr, Uthman ibn al-Affan e Umar ibn al-Khattab. Outros pontos de divergência incluem certas práticas dos Xiitas vistas como inovadoras da religião, como a prática de luto pelo Tatbir e a maldição de figuras (ícones) reverenciadas pelos Sunitas. A prática de Tatbir inclui golpear a própria cabeça com uma espécie de "espada", fazendo com que o sangue jorre em memória do sangue do inocente o Imam Husayn (neto de Maomé). Alguns também batem nas costas e/ou no peito com as lâminas presas às correntes.

O Sufismo é uma abordagem Místico-Ascética do Islã que busca encontrar uma experiência pessoal direta com Deus. Os estudiosos sufis clássicos concentraram-se na reparação do coração, afastando-se de tudo além de Deus, fazendo uso da “intuição” e das “emoções”, para o que se deve ser treinado para usar. As práticas sufis, como a veneração de santos, enfrentaram uma forte oposição de alguns grupos muçulmanos, às vezes com ataques físicos. A Ásia Central é considerada um centro do Sufismo que esta também muito presente nos países africanos como Tunísia, Argélia, Marrocos, Senegal, Chade e Níger.

Devixes

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A Filosofia da Religião Fonte Principal: Stephen Law - Guia Ilustrado Jorge Zahar

A Filosofia da Religião examina os temas centrais e conceitos envolvidos nas “Tradições Religiosas" e inclui outros ramos da filosofia como a Metafísica, a Epistemologia (que trata das etapas e limites do conhecimento humano) e a Ética. A Filosofia da Religião cobre as diferentes crenças sobre Deus, as diversas Experiências Religiosas, a interação entre Ciência e Religião, a natureza e o alcance do Bem e do Mal, e os enfoques religiosos de Nascimento e da Morte. Os estudos filosóficos incluem ainda as implicações éticas de compromissos religiosos, a relação entre Fé, Razão, Experiência e Tradição, conceitos sobre milagres, a Sagrada Revelação, o Misticismo, o Poder e a Salvação.

Deus existe?

Mas, três considerações são fundamentais para a Filosofia Religiosa: a Existência de Deus, a Natureza de Deus e o Conhecimento de Deus. Enquanto, do ponto de vista da Religião a existência de Deus é uma questão de Fé, a primeira pergunta da Filosofia Religiosa é: “Deus existe?”, uma questão central nos debates filosóficos. Existem várias posições a respeito da Existência de Deus:

1. Teísmo - a crença na existência de uma ou mais divindades, subdividida em: a. Panteísmo - a crença de que Deus existe assim como todas as coisas do Cosmos,

que Deus é Um e Tudo é Deus: Deus é Imanente. b. Panenteismo - a crença de que Deus reúne todas as coisas do Cosmos, mas que

Deus é maior do que o Cosmos: Deus é Imanente e Transcendente. c. Deísmo - a crença de que Deus existe mas Ele não interfere com a vida humana e

as Leis do Universo: Deus é (“apenas”) Transcendente. d. Monoteísmo - a crença de que uma única divindade existe que é Onipotente,

Onisciente e Onibenevolente e que criou todas as coisas. e. Politeísmo - a crença de que existem múltiplas divindades que governam o

Universo, como entidades separadas e individuais. f. Henoteísmo - a crença de que múltiplas divindades podem ou não existir, embora

haja uma única divindade suprema. g. Henologia - a crença de que existem múltiplos “avatares” de uma divindade, e que

representam aspectos únicos de uma única divindade. 2. Agnosticismo - literalmente, “Sem o Conhecimento”, é a crença de que a existência ou

inexistência de divindades ou Deus é (atualmente) desconhecida ou “não pode ser conhecida”. Ou seja, uma falta de certeza sobre existência ou não existência de Deus.

3. Ateísmo - a ausência de crença na existência de divindades, que inclui a negação dessa existência.

4. Apateísmo - um desinteresse completo em saber ou discutir se qualquer divindade existe ou não.

5. Possibilianismo - que rejeita tanto reivindicações das vários formas de Teísmo e as posições mais críticas do Ateísmo, em favor de um meio-termo.

Estas posições ou visões não são mutuamente exclusivas. Por exemplo, os Teístas Agnósticos escolheram acreditar na existência de que Deus existe, mas afirmam que o “Conhecimento da Existência de Deus” que é inerentemente incognoscível. Da mesma forma, os Ateus Agnósticos rejeitam a crença na existência de todas as divindades, mas afirmam que se quaisquer dessas entidades existem ou não é inerentemente incognoscível.

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O “Deus dos Filósofos” - ou sua Natureza - é definido por dois conceitos: 1. Deus é a Realidade Última, a base da existência de tudo o mais. 2. Deus é Perfeição.

Esses conceitos derivam da ideia do filosofo grego Platão segundo a qual Realidade e Perfeição estão intimamente ligadas, isto é: “O que é Perfeito é mais Real do que o que não é”. Por sua vez, a Perfeição pode ser entendida como completa autossuficiência, isto é: “O que é Perfeito não Carece de Nada, não Depende de nada”.

Na tradição filosófica ocidental, esses dois conceitos sustentam a ideia de um Deus Bondoso, Onipotente, Onipresente, o Criador do Universo, com mente e espírito puros (sem corpo material) e transcendendo o Espaço e o Tempo. Mas isso não responde a nossa principal questão: um Deus como esse existe? A busca de uma resposta “racional” nos leva a algumas considerações: Porque algo existe? Ou; porque algo existe e não [simplesmente o] Nada? Alguns argumentos tentam deduzir a existência de Deus a partir da “Ideia de Deus”.

A Ontologia é o estudo filosófico da Natureza do Ser, do tornar-se, da Existência e / ou da Realidade, bem como das categorias básicas de Ser e suas implicações. Tradicionalmente a Ontologia é vista como uma parte da Metafísica e muitas vezes trata de questões sobre quais entidades existem ou se podemos dizer que elas existem. A Ontologia é, portanto, altamente hipotética e, em síntese, ela é o exame do que se entende, em contexto, pela palavra "coisa".

“A Fé precede, necessariamente, a Razão, mas a Razão pode expandir a Fé”.

Santo Anselmo da Cantuária Santo Anselmo da Cantuária (1033 a 1109) apresentou um Argumento Ontológico, segundo o qual, a Ideia de Deus como a Perfeição e a Realidade Última o faz um Ser tão “Grandioso e Perfeito” que maior ou mais perfeito não pode ser concebido, portanto Deus deve existir. É claro que essa “hipótese” ontológica foi questionada por alguns que, por exemplo, contra argumentaram dizendo que: “não é possível inferir que algo exista, simplesmente a partir da ideia de que esse algo é perfeito”. Mas Santo Anselmo respondeu que esse argumento Ontológico valia apenas para Deus justamente por ser Ele quem Ele é, por Ele ter uma relação única com a Grandeza e a Perfeição. Segundo Immannuel Kant (1724-1804) o Argumento Ontológico supõe (erroneamente)

que a Existência é uma propriedade. Entretanto, as coisas (ou algo) não “possuem existência” da mesma forma que “possuem” outras propriedades. Pelo Argumento Ontológico, o conceito “Deus” contém a ideia (ou premissa) da (Sua) existência. Mas, segundo Kant, a Existência nada acrescenta (como propriedade) ao Conceito (Deus), e muito menos O define. Em outras palavras, ainda que Deus exista, não sabemos o que Ele é, portanto, não é verdade que a afirmação “Deus existe” tem de ser verdadeira.

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“Deus é a melhor explicação para a existência do Universo”. Outro argumento foi o Argumento Cosmológico que questiona: Por que Algo existe – porque Algo e não [o] Nada? Segundo o Argumento Cosmológico, a menos que Deus exista, a pergunta não tem resposta. Ou seja: o Que causou o Universo? Como Algo não pode surgir do Nada é imprescindível que tenhamos uma Causa, que não tenha, ela mesmo, um Causa (anterior). Só (a ideia de) Deus satisfaz essa exigência. Esse argumento pode ser entendido como: “Deus é a melhor explicação para a existência do Universo”.

“Todas as coisas no Universo são seres possíveis” Alfarabi

Uma versão do Argumento Cosmológico foi dado pelo Filósofo (Persa) Avicena (980-1037), conhecido com o Argumento de Kalam, que começa como uma observação do Filósofo (Persa) Alfarabi (870-950) de que: “Todas as coisas no Universo são seres possíveis” (que poderiam ou não ter existido). A Essência desses seres (possíveis) é diferente da sua Existência, e o fato deles existirem não é determinado por aquilo que eles são. Conclui-se que a Causa da existência desses “seres possíveis” deve depender de algo que lhes é externo. Entretanto, isso não deve se aplicar a tudo o que existe, pois nesse caso haveria uma regressão infinita e nenhuma razão última (ou Realidade Última) para a existência de nada. Assim, deve existir um Ser cuja existência é necessária e que sustente a existência de tudo: Deus ou Alah.

“ O Universo simplesmente esta aí, e isso é tudo".

Bertrand Russel Entretanto, embora nossa experiência mostre que tudo deva ter uma Causa (última), será que podemos aplicar esse princípio também ao Universo? Para responder a essa pergunta, nos falta ter a experiência de “inícios de Universos”. Além disso, o início do Universo não foi um evento como qualquer outro já que ele não teve lugar em um determinado Tempo ou Espaço, que surgiram com o próprio Universo. Poderia este Universo ter sido caudado por um anterior e assim por diante, numa regressão infinita? Nesse caso podemos ainda nos perguntar: o que explica a série total de causas sejam ela finitas ou infinitas? Outro argumento em favor da existência de Deus é o Argumento Teológico segundo o qual “só uma mente, um projetista, pode explicar apropriadamente a ordem que vemos a nossa volta”. Isto é: “sendo todas as partes da Natureza tão bem adaptadas para seu fim, podemos supor que há um único Projetista”. A Teoria da Evolução de Charles Darwin ( 1809 – 1882) sugere que esse aparente “planejamento” pode ter ocorrido naturalmente, através de uma evolução. Mas, o que explicaria essa evolução? Deus pode ter criado a Natureza de modo que a vida se desenvolvesse por seleção natural. O próprio Darwin aceitava essa possibilidade.

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Outro tema para a Filosofia Religiosa é o Bem e o Mal. Deus é descrito como sendo perfeitamente Bom, Onipotente e Onisciente. Por essa descrição podemos supor que Deus quer eliminar o Mal, é capaz disso e sabe como fazê-lo. Mas então, por que o Mal existe? Por Mal se entende ações ou motivos moralmente errados - Mal Moral - mas também o sofrimento humano (através ou não das catástrofes naturais), a predação entre animais, etc. – Mal Natural.

“O Bem só é entendido a partir do conhecimento do seu oposto, o Mal”. Um problema inicial é que a mera existência do Mal no mundo é, logicamente, incompatível com a existência de um Deus bom. Uma resposta lógica é possível se aceitarmos que o Mal possa ser necessário para um Bem maior. Por exemplo, a dor física nos ensina a suportá-la, ou, perder aqueles que amamos é o preço a pagar para conhecermos o Amor. Assim, algum Mal seria necessário para fazer do mundo um lugar (tão) Bom (quanto ele é). Além disso, como muitas outras coisas, o Bem só é entendido e apreciado a partir da existência de seu oposto, o Mal; o que reforça a existência de um Deus sábio. Entretanto, o Mal parece distribuído de maneira desigual (alguns sofrem mais que outros) e, em muitos casos, parece mesmo ser desnecessário. Por exemplo, o que justifica o Mal da morte de crianças em terríveis circunstâncias? Mais uma vez a existência e ou pelo menos a sabedoria, bondade (perfeição) de Deus, é questionada. Outra justificação para o Mal seria pela maneira como exercemos (erradamente) nosso Livre-Arbítrio (por sermos imperfeitos), mas que o eventual Mal causado por nossas (más) decisões compensam que tenhamos o Livre-Arbítrio que nos foi dado por Deus. Isso se aplicaria apenas ao Mal Moral (de nossas decisões), mas ... , a opção, Livre Arbítrio, exercido por Adão e Eva ao cometerem o Pecado Original, teria levado ao que se chama de “A Queda”, isto é, uma mudança Metafísica que alterou a Natureza do Homem para sempre e teve como consequências a inimizade entre os homens, as dores do parto, e todas as dificuldades que temos que suportar para viver.

“Todo o Mal, Moral ou Natural é causado pelo Livre Arbítrio humano”. Santo Agostinho

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Entretanto, o Livre Arbítrio não pode ser considerado como a causa de todo o Mal, se assim fosse, por que os animais e crianças deveriam sofrer por causa de uma escolha feita, há muito tempo atrás, por dois “adultos”? Além disso, ainda que o Livre Arbítrio possa ser um Bem nos dado por Deus, não se pode apelar para o Livre Arbítrio para se justificar um assassinato ou o genocídio. Por que então Deus nos deu o Livre Arbítrio. Uma possibilidade seria que, se assim, não fosse, Deus teria que interferir infinitamente para evitar o Mal que causamos.

“ Não vês o quanto um Mundo de Dores e dificuldades é necessário para disciplinar uma Inteligência e fazer dela uma Alma?”

John Keats

De qualquer forma, Virtudes são impossíveis sem que reconheçamos a existência do Mal, para que possamos reagir a ele e corrigi-lo. Mas, será que Deus não poderia ter nos criado simplesmente virtuosos e bons (a sua semelhança)? Uma reposta para isso foi dada pelo filósofo John Hick (1922 - 2012). Segundo ele: “Quem se torna bom mediante a confrontação com o Mal, é Bom em um sentido mais valioso do que se tivesse sido criado Bom”. Essa premissa é aceitável se considerarmos que todo o Mal acabe levando a um crescimento espiritual o que não parece ocorrer. Muitos sofrem de uma maneira destrutiva, outros sofrem já no fim de suas vidas e alguns até crescem espiritualmente sem grandes sofrimentos. Segundo Richard Swinburne (1934) se o Mal fosse previsível e correspondesse sempre a uma necessidade de crescimento espiritual, duas importantes virtudes não existiriam: a Fé e a Esperança, isso é, se o Mal tivesse um padrão racional, não necessitaríamos dessas virtudes.

“A Crença deve ser fruto de investigação paciente não de dúvidas terríveis” Se para alguns - Cientistas em geral - é errado crer em algo com base em evidências insuficientes, outros - Religiosos em geral – acreditam que podemos sim enfrentar uma “opção genuína” que não possa ser decidida com base em evidências e aceitar uma entre duas alternativas mutuamente excludentes: “Deus Existe” e “Deus Não Existe”. Ou seja:

“Se nossa Inteligência (Conhecimento) não consegue decidir, nossas emoções e vontades devem fazê-lo”.

As metas de nossa Crença devem ser evitar erros e descobrir a Verdade, e para isso é válido que corramos certos riscos, como ter Fé. Isso nos leva de volta a base da Religião, a Fé, que envolve Compromisso, Confiança, mas não Irracionalidade. O Compromisso que caracteriza a Fé requer uma decisão, uma “salto no desconhecido”. Assim, a Fé Religiosa não pode ser avaliada de maneira Filosófica. Mas, por outro lado, a Razão é que pode nos ajudar a entender o Compromisso assumido pela Fé. Se por um lado a Fé Religiosa se mostra incompreensível por estar além da Razão, por outro lado, a Razão é capaz de reconhecer que tem limites e que a Fé pode estar situada fora desses limites racionais.

“Se pudéssemos chegar à Fé em Deus pela Razão, isso não acarretaria o tipo certo de compromisso”.

Kierkegaard

Créditos e Referências Fontes: Guia Ilustrado Zahar – Jorge Zahar Editor, Coleção Os Pensadores da Abril Cultural, Wikipédia, Enciclopédias Barsa e Delta Larousse

Fotos: Acervo Pessoal, Wikipedia,