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O FUNDAMENTO COMUNICACIONAL DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA ONLINE Marco Silva - UNESA Introdução A avaliação da aprendizagem na sala de aula online requer rupturas com o modelo tradicional de avaliação historicamente cristalizado na sala de aula presencial. Se o professor não quiser subutilizar as potencialidades próprias do digital online, ou, se não quiser repetir os mesmos equívocos da avaliação tradicional, terá que buscar novas posturas, novas estratégias de engajamento no contexto mesmo da docência e da aprendizagem e aí redimensionar suas práticas de avaliar a aprendizagem e sua própria atuação. O modelo tradicional de avaliação da aprendizagem está marcado por procedimentos arbitrários vinculados à medida cumulativa de resultados obtidos em testes pontuais definida pelo docente sobre trabalho e as atitudes do discente. Mede-se a atuação do discente como se mede extensão, quantidade e volume, em escalas, atribuindo-lhe graus numéricos. Segundo Hoffman (2004a, p. 25), “a avaliação na escola vem sendo um ato penoso de julgamento de resultados”. Uma prática de “registro de resultados acerca do desempenho do

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O FUNDAMENTO COMUNICACIONAL DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA ONLINE

Marco Silva - UNESA

Introdução

A avaliação da aprendizagem na sala de aula online requer rupturas com o

modelo tradicional de avaliação historicamente cristalizado na sala de aula presencial.

Se o professor não quiser subutilizar as potencialidades próprias do digital online, ou, se

não quiser repetir os mesmos equívocos da avaliação tradicional, terá que buscar novas

posturas, novas estratégias de engajamento no contexto mesmo da docência e da

aprendizagem e aí redimensionar suas práticas de avaliar a aprendizagem e sua própria

atuação.

O modelo tradicional de avaliação da aprendizagem está marcado por

procedimentos arbitrários vinculados à medida cumulativa de resultados obtidos em

testes pontuais definida pelo docente sobre trabalho e as atitudes do discente. Mede-se a

atuação do discente como se mede extensão, quantidade e volume, em escalas,

atribuindo-lhe graus numéricos.

Segundo Hoffman (2004a, p. 25), “a avaliação na escola vem sendo um ato

penoso de julgamento de resultados”. Uma prática de “registro de resultados acerca do

desempenho do aluno em um determinado período” ou uma “uma prática de provas

finais e atribuição de graus classificatórios”. Para ela, uma concepção consciente ou

inconsciente sedimentou-se numa prática coletiva angustiante baseada em históricas

exigências burocráticas e enraizada feição autoritária.

Essa autora notabilizou-se no cenário acadêmico e no escolar pelo seu

engajamento no “fenômeno da avaliação”. As conclusões de sua pesquisa sugerem

fortemente a opção pela “avaliação mediadora”, sua orientação teórico-prática para

superar o modelo tradicional de avaliação na perspectiva de “uma prática de avaliação

construtivista e libertadora”. Essa orientação se sustenta nos fundamentos autonomia,

dialógica, participação e colaboração para superar o modelo baseado na arbitrariedade

da avaliação baseada em provas, conceitos, boletim, recuperação e reprovação.

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“Dar nota é avaliar, fazer prova e avaliar, o registro das notas denomina-se

avaliação”. Essa formulação da autora revela a visão reducionista em que se encontra

colocada a avaliação da aprendizagem na escola e na universidade. Avaliar é julgar o

resultado do trabalho do aprendiz após o tempo da aprendizagem. Avaliar é emitir uma

apreciação final dissociada do processo da aprendizagem, porém intimamente vinculada

aos fantasmas do controle e do autoritarismo que marcam historicamente a educação.

Esse modelo ainda perdura em nosso tempo. Traz para a sociedade do

conhecimento e para a cibercultura (Lemos, 2002a) a velha marca do autoritarismo e da

arbitrariedade que não condizem com a dinâmica de aprendizagem em emergência.

Doravante teremos a perspectiva da interatividade sustentando as comunidades

de aprendizagem em redes online que valorizam autonomia, dialógica, participação e

colaboração. O velho modelo de avaliação perderá a centralidade no novo contexto

sociotecnico. Isso abrirá espaço para a construção de novas práticas de aprendizagem e

de avaliação em sintonia com a dinâmica do nosso tempo.

Este texto sugere um engajamento comunicacional capaz de contribuir para a

necessária redefinição da aprendizagem e da avaliação. Lança mão da potencialidade

comunicacional própria do ambiente digital online e aponta sugestões de

encaminhamento para a docência, para a aprendizagem e, em particular, para a

avaliação interativa.

Fundamentos da avaliação mediadora

Nesse segmento coloco em destaque uma abordagem extremamente favorável à

avaliação que se baseia na autonomia do aprendiz, na dialógica professor e alunos, na

participação de cada aprendiz e na colaboração de todos na construção da comunicação,

do conhecimento e da avaliação da aprendizagem. Trata-se da abordagem da

pesquisadora já citada, Jussara Hoffman (2004a, 2004b, 2004c). Sua abordagem foi

construída a partir da sala de aula presencial e para a sala de aula presencial. Vale a

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pena conhecer a sua alternativa ao modelo tradicional. Trata-se de sugestão

consistentemente oportuna porque está em sintonia com o nosso tempo e com o que há

de muito arejado em educação cidadã. Vejamos, em síntese, os fundamentos dessa

abordagem e verifiquemos se ela pode contribuir para a construção de práticas

condizentes com as especificidades da educação online.

Hoffman (2004a, p. 91) define dois modelos de avaliação e os coloca em

confronto por suas diferenças. De um lado, o modelo que ela chama de “avaliação

liberal”; do outro, a avaliação “libertadora”.

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A avaliação liberal A avaliação libertadora

ação individual e competitiva,

concepção classificatória,

intenção de reprodução das classes

sociais,

postura simplificadora e diretiva do

professor,

valorização da memorização,

exigência burocrática periódica.

ação coletiva e consensual,

concepção investigativa, reflexiva,

proposição de conscientização das

desigualdades sociais e culturais,

valorização da compreensão,

consciência crítica de todos sobre o

cotidiano.

A oposição dos dois modelos serve à autora para revelar de que lado ela se

posiciona para propor a linha de sugestões que ela intitula “avaliação mediadora”. Com

essa proposta, ela se engaja na superação da postura autoritária da avaliação tradicional

em favor de uma prática de avaliação que se inspira no processo dialógico e cooperativo

que proporciona autonomia e participação ao atores da aprendizagem, seguindo a linha

de engajamentos sugerida pelo educador Paulo Freire.

A autora nos remete à forte influência que passou a exercer sobre a educação

brasileira a partir da década de 1960 o teórico americano da avaliação Ralph Tyler. Este

autor semeou entre nós sua proposta conhecida como “avaliação por objetivos”, que é

adotada até hoje nos cursos de formação de professores e nas práticas de avaliação da

aprendizagem nas escolas e universidades.

Hoffman sintetiza essa influência nos seguintes termos:

“no início do processo, o estabelecimento de objetivos pelo professor (na

maioria das vezes relacionados estreitamente a itens de conteúdo

programático) e a determinados intervalos, a verificação, através de testes,

do alcance desses objetivos pelos alunos. Quanto inserida no cotidiano, a

ação avaliativa restringe-se à correção de tarefas diárias dos alunos e

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registro dos resultados. Assim, quando se discute avaliação, discutem-se,

de fato, instrumentos de verificação e critérios de análise de desempenho

final” (2004a, p. 34).

Seu empenho na superação desse modelo é assim sintetizado:

“uma ação avaliativa mediadora envolveria um complexo de processos

educativos (que se desenvolveriam a partir da análise das hipóteses

formuladas pelo educando, de duas ações e manifestações) visando

essencialmente ao entendimento. Tais processos mediadores objetivariam

encorajar e orientar os alunos à produção de um saber qualitativamente

superior, pelo aprofundamento às questões propostas, pela oportunização

de novas vivências, leituras ou quaisquer procedimentos enriquecedores ao

tema em estudo” (2004a, p. 61).

Juntamente com a perspectiva libertadora, essa autora também situa sua proposta

na psicogenética de Jean Piaget para sustentar a opção pela autoria construtiva do

aprendiz. Conhecer não é assimilar e repetir, mas construir em interlocução ou interação

com mundo, organizando a experiência de modo a tornar-se compreensível para o ator

do conhecimento.

Situada na confluência dessas opções teóricas, a “avaliação mediadora” requer o

acompanhamento crítico do processo de participação do aprendiz, a oportunização de

novos e diversos desafios que permitam sua expressão livre e o registro de sua atuação e

das suas descobertas como diálogo freqüente entre os participantes. Todos em interação

são sujeitos do seu conhecimento e partícipes da sua própria avaliação.

Avaliar na perspectiva da construção do conhecimento requer “duas premissas

básicas: a confiança na possibilidade de os educandos construírem suas próprias

verdades e a valorização de suas manifestações e interesses”. Para isso, se faz

necessário “o acompanhamento permanente do professor que incitará o aluno a novas

questões a partir de suas respostas formuladas”. A ele caberá então a iniciativa de

“dinamizar oportunidades de auto-reflexão” tendo claro que nesse processo “os erros e

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as dúvidas dos alunos são considerados como episódios altamente significativos e

impulsionadores da ação educativa” (2004a, p. 18).

Hoffman elucida a sua “avaliação mediadora” em alguns pontos.

Liberdade de expressão garantida. “Uma avaliação contínua exige muitas tarefas

com oportunidades de expressão do aluno. A primeira sugestão é que o aluno

tenha várias oportunidades de expressar os seus conhecimentos a respeito de um

estudo ou noção, e que essas várias expressões sejam observadas pelo professor,

durante a sua evolução. Essa é uma questão básica.”

Mediação a partir de atividades interativas. “Todo o conhecimento que o aluno

desenvolve é construído na relação consigo, com os outros e com o objeto do

conhecimento – tudo ao mesmo tempo. Ou seja, o aluno nunca aprende sozinho.

[...] Portanto, em primeiro lugar, a interpretação de muitas tarefas de

aprendizagem, sejam elas orais, escritas são fruto da interação dos alunos; em

segundo, a mediação, por meio de atividades interativas, questionadoras e

desafiadoras, e não apenas por meio de uma nova explicação do professor ou de

um estudo individual do aluno.”

A atuação do professor. “Lançar em um grupo as questões que ele considera

pertinentes para que, na heterogeneidade da sala de aula, na diversidade de

pensamentos, de fazeres e de saberes, seus alunos possam discutir essas

questões, refazer exercícios, trocar idéias uns com os outros e, de fato, formar

um grupo com a possibilidade de ampliar suas idéias. Essas tarefas são

observadas e interpretadas, e se transformam em estratégias pedagógicas

interativas.” Para responder sobre a evolução do aprendiz ele precisa caminhar

junto com ele, passo a passo. O professor não pode se postar no final do

caminho e dizer se o aluno chegou lá. “É preciso acompanhá-lo durante todo o

caminho.” http://www.mec.gov.br/SEED/tvescola/Avaliacao/entrevistas03.shtm

(Acessado em 20/07/2005)

São pontos esclarecedores, que não deixam dúvida quanto ao valor da opção

crítica da autora frente ao modelo tradicional de avaliação. Assim formulados, são

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valiosas sugestões de engajamento na modificação de práticas avaliativas

historicamente sedimentadas.

A emergência dessa abordagem é bem-vinda à sala de aula presencial e também

à sala de aula online. A primeira poderá desvencilhar-se do peso sufocante da tradição

que certamente remete a muito antes de Ralph Tyler. A segunda ainda carece de

pesquisa e de publicações a respeito da avaliação da aprendizagem adaptada à sua

especificidade, contudo poderá lançar mão da “avaliação mediadora” que certamente

têm suas sugestões grande sintonia com as potencialidades do suporte digital online.

No mundo digital, nós podemos tornar a informação infinitamente modificável

porque lidamos com um meio onde ela é facilmente manipulável. No ambiente digital

online estamos aptos a interferir na informação livremente e a engendrar comunicação

porque o pólo da emissão é liberado (Lemos, 2002b).

O ambiente digital online é manipulável no ponto da transmissão e sugere um

novo e sem precedente paradigma para a comunicação na mídia. O fato de ambientes

digitais online serem manipuláveis significa algo realmente extraordinário: usuários da

mídia podem dar forma a sua própria prática de informar e de comunicar. Isso significa

que informação manipulável pode ser comunicação interativa (Feldman, 1997, p. 4).

A sala de aula como ambiente digital online tem, portanto, uma especificidade

muito própria, em nada semelhante à sala de aula baseada na pedagogia da transmissão.

Nesse contexto, podemos dizer que felizmente as disposições informacionais e

comunicacionais do computador online estão em sintonia com os indicadores de

qualidade em educação e com os fundamentos da “avaliação mediadora”. Liberdade de

autoria, multiplicidade de acessos e de conexões, diálogo, troca de informações e de

opiniões, participação, intervenção e autoria colaborativa são princípios essenciais em

educação cidadã.

No entanto, muitos cursos online estão alheios ao movimento das tecnologias

digitais na internet. Prevalece nas salas de aula o ambiente informacional baseado na

apresentação para a recepção. Prevalece a pedagogia baseada na transmissão para a

recepção solitária e contemplativa que cumpre tarefas e tem sua avaliação no final.

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Oportunamente, Hoffman enfatiza a importância do fundamento “interatividade”

em sua “avaliação mediadora”. Ela critica com veemência a pedagogia da transmissão e

a informação de conteúdos inquestionáveis. No lugar desse constrangimento, ela

vislumbra aprendizes autônomos, com capacidade de autoria nas próprias decisões,

inventivos, descobridores e participativos, agindo em cooperação e reciprocidade.

A avaliação nesse contexto é a reflexão transformada em ação. Ação que nos

impulsiona a novas reflexões. Educador e aprendizes estarão em situação de reflexão

permanente na trajetória de construção do conhecimento. A ação avaliativa exerce uma

função dialógica e interativa, num processo através do qual educandos e educadores

aprendem sobre si mesmos e sobre o mundo no próprio ato da avaliação.

A sala de aula online, equipada com interfaces como chat, blog, fórum e

portfolio, permite autonomia, dialógica, interatividade e tudo aquilo que Hoffman

(2004b, p. 125) destaca como “linhas mestras” perseguidas pela prática avaliativa:

“oportunizar aos alunos muitos momentos para expressar suas idéias e retomar

dificuldades referentes aos conteúdos introduzidos e desenvolvidos;

realizar muitas tarefas em grupo para que os próprios alunos se auxiliem nas

dificuldades (princípio da interação entre iguais), mas garantindo o

acompanhamento de cada aluno a partir de tarefas avaliativas individuais em

todas as etapas do processo;

ao invés de simplesmente assinalar certo e errado nas tarefas dos alunos e

atribuir conceitos ou notas a cada tarefa realizada, fazer anotações significativas

para professor e aluno, apontando-lhes soluções equivocadas, possibilidades de

aprimoramento;

propor a cada etapa tarefas relacionadas às anteriores, numa gradação de

desafios coerentes às descobertas feitas pelos alunos, às dificuldades

apresentadas por eles, ao desenvolvimento do conteúdo;

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converter a tradicional rotina de atribuir conceitos classificatórios às tarefas,

calculando médias de desempenho final, em tomada de decisão do professor

com base nos registros feitos sobre a evolução dos alunos nas diferentes etapas

do processo, tornando o aluno comprometido com tal processo.”

Necessário se faz explicitar como tais linhas mestras podem ser efetuadas na sala

de aula online. Esse é o tema do próximo segmento.

Pressupostos comunicacionais da avaliação da aprendizagem online

Os professores e alunos acostumados ao primado da transmissão na educação e

na mídia de massa têm agora de criar alternativas à pedagogia da transmissão e seu

modelo de avaliação da aprendizagem. Têm que desenvolver sua imaginação criadora

para atender às novas demandas sociotécnicas de autonomia, multiplicidade de

conexões, dialógica, colaboração e interatividade.

Em sala de aula online docente e discentes podem subutilizar as potencialidades

do ambiente digital e da internet se não compreenderem o conceito complexo da

interatividade. Por esse termo entenda-se a modalidade comunicacional que ganha

centralidade na era digital e na cibercultura. O conceito exprime a disponibilização

consciente de um mais comunicacional de modo expressamente complexo presente na

mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor possibilidades de responder ao

sistema de expressão e de dialogar com ele. Entendida assim, a interatividade representa

um salto qualitativo em relação ao modo de comunicação de massa que prevaleceu até o

final do século XX e cuja lógica unívoca agora se encontra ameaçada, num contexto em

que também se espera a superação do constrangimento da recepção passiva.

O tratamento aprofundado da interatividade permite reunir diversas sugestões de

atuação capazes de redimensionar a prática docente e discente entendida como

pedagogia da transmissão. Com essas sugestões o professor e os alunos poderão rever

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sua autoria na construção da aprendizagem e da avaliação, transformando o ambiente de

comunicação e tornando possível a transição de um modelo centrado na seqüência

linear, que encadeia unidirecionalmente graus, idades e pacotes de conhecimento, a

outro descentrado e plural, cuja chave é o encontro do texto e o hipertexto.

Entretanto, antes de reunir as sugestões, vale a pena detalhar alguns aspectos

desenvolvidos no livro Sala de aula interativa (Silva, 2002) que nos convidam a

concordar sobre a necessidade de investimentos em aprendizagem e avaliação

interativas.

Em primeiro lugar, o professor precisará dar-se conta do movimento próprio das

tecnologias digitais em sintonia com a cibercultura e com o perfil comunicacional dos

aprendizes. Estes aprenderam com o controle remoto e com a lógica unívoca da mídia

de massa e, doravante, aprenderão com o mouse, com a tela tátil e com as “janelas”

móveis e tridimensionais que permitem bem mais do que meramente assistir.

Prevalece o ensino centrado no falar-ditar do mestre que continua guardião da

cultura e transmissor de pacotes fechados de informações. Transmite para arquivar o

que deposita nas mentes dos aprendizes. Como se quisesse cristalizar na recepção a

crença de que quanto mais se transmite mais se apropria do conhecimento.

A modificação dessa atitude comunicacional supõe técnicas específicas, mas

requer ao mesmo tempo a percepção crítica de uma mudança sociotécnica em curso. Em

sintonia com nosso tempo o professor disponibiliza aos aprendizes a participação na

construção do conhecimento e da própria comunicação entendida como colaboração da

emissão e da recepção.

Diferentemente de transmitir para o receptor massificado, o professor aprende

com a dinâmica das tecnologias digitais e com a conectividade online e libera ao

aprendiz a comunicação personalizada, operativa e colaborativa.

O professor e alunos constroem uma rede e não uma rota. Ele define um

conjunto de territórios a explorar. E a aprendizagem e a avaliação se dão na exploração

– ter a experiência de participar, de colaborar, de criar, de co-criar – realizada pelos

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aprendizes e não a partir da sua récita, do seu falar-ditar. Isso significa modificação em

seu clássico posicionamento na sala de aula.

O professor disponibiliza a experiência do conhecimento dispondo teias, criando

possibilidades de envolvimento, oferecendo ocasião de engendramentos, de

agenciamentos, estimulando a intervenção dos aprendizes como co-autores de suas

ações.

Disponibilizar possibilidades de múltiplas experimentações e de múltiplas

expressões. Isto é precisamente o que tem à mão o designer de software, o webdesigner:

oferecer uma montagem de conexões em rede que permite múltiplas recorrências.

Assim também nós, professores, podemos modificar nossa prática comunicacional no

sentido do hipertexto e como sistematizadores de experiências.

No ambiente de aprendizagem online, nós precisaremos propor conteúdos de

aprendizagem como obra aberta na qual a imersão, a navegação, a exploração e a

polifonia possam fluir na lógica da completação, ou seja, de modo a permitir ao

aprendiz completar e não meramente contemplar. Todos os participantes poderão

contribuir com a dinâmica conectiva e colaborativa.

Para isso, temos que atentar para cuidados essenciais. Podemos compartilhar

sugestões de encaminhamento para a efetivação da aprendizagem e da avaliação

interativas na sala de aula online.

Podemos criar ambientes hipertextuais portadores de: intertextualidade,

conexões com outros sites ou documentos; intratextualidade, conexões no

mesmo documento; multivocalidade, multiplicidade de pontos de vista;

usabilidade, ambiente simples e de fácil navegabilidade intuitiva e de

transparência nas informações; mixagem, integração de várias linguagens (sons,

texto, imagens dinâmicas e estáticas, gráficos, mapas); hipermídia, integração de

vários suportes midiáticos abertos a novos links e agregações.

Podemos viabilizar a interatividade síncrona (comunicação em tempo real) e

assíncrona (comunicação a qualquer tempo, quando emissor e receptor não

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precisam estar no mesmo tempo comunicativo).

Podemos criar atividades de pesquisa que estimulem a construção do

conhecimento a partir de situações-problema, onde o sujeito possa contextualizar

questões locais e globais do seu universo cultural.

Podemos criar ambiências para avaliação formativa, onde os saberes sejam

construídos num processo de negociações, onde a tomada de decisões seja uma

prática constante para a ressignificação processual das autorias e co-autorias.

Podemos disponibilizar e incentivar expressões lúdicas, artísticas, com jogos,

simulações e objetos de aprendizagem (learning objects). Podemos oferecer

possibilidades de aprendizagem disponibilizando experimentações que

teceremos com os aprendizes.

Podemos mobilizar articulações entre os diversos campos de conhecimento

tomados como rede inter/transdiciplinar e, ao mesmo tempo, estimular a

participação criativa dos aprendizes, considerando suas disposições sensoriais,

motoras, afetivas, cognitivas e culturais.

Não são receita de bolo, mas proposições abertas a novas agregações de acordo

com cada apropriação, cada situação, cada ocasião. Para a finalidade desse texto, são

engajamentos que permitem a expressão da “avaliação mediadora” de Hoffman. Para

sua atualização na sala de aula online o ambiente de aprendizagem e de avaliação

deverá estar conscientemente preparado. Serão necessárias ferramentas e interfaces

adequadas. Podemos adotar, por exemplo, aquelas sugeridas por Schlemmer (2005, p.

141):

“Autoria cooperativa de formas, instrumentos e critérios de avaliação – permite

definir coletivamente, inserir, consultar, alterar e excluir formas, instrumentos e

critérios de avaliação;

Auto-avaliação – permite descrever, inserir e consultar o processo de

aprendizagem individual (desenvolvimento) segundo critérios estabelecidos;

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Avaliação do grupo – permite descrever, inserir e consultar o processo de

aprendizagem coletiva (desenvolvimento) segundo critérios coletivos

Avaliação do professor – permite descrever, inserir e consultar o processo de

aprendizagem individual (desenvolvimento) segundo critérios estabelecidos;

Histórico qualitativo – permite consultar e acompanhar atividades desenvolvidas

por cada um dos integrantes de uma determinada comunidade;

Histórico quantitativo – gera relatórios com dados estatísticos do ambiente, de

comunidades e individual.”

Estas sugestões são também proposições abertas a novas agregações de acordo

com cada apropriação, cada situação, cada ocasião. As comunidades de aprendizagem

estão convocadas ao compartilhamento de outras sugestões. Nosso tempo favorece tudo

isso. Favorece a “avaliação mediadora”, favorece a interatividade, favorece a educação

cidadã sintonizada com o espírito do tempo. Antes, tínhamos somente valorosos

mestres, como Paulo Freire e Piaget, nos convidando a ousar na aprendizagem e na

avaliação, doravante teremos a cibercultura, o suporte digital, a interatividade, as

comunidades de aprendizagem,o novo espectador e a sala de aula online.

Considerações finais

Na sala de aula presencial estamos acostumados ao baixo nível de participação

oral dos alunos, à ênfase em atividades solitárias, à aprendizagem mecânica de

conhecimento factual como principal objetivo do ensino, enfim, à distribuição em massa

das informações ditas “conhecimento”. Precisamos nos desvencilhar disso.

Precisamos ter claro que educação e avaliação interativas não são uma nova

tecnificação da sala de aula; que em primeiro lugar deve estar a função social da escola

e da universidade, que não é simplesmente a socialização das novas gerações no

contexto das novas tecnologias – a alfabetização digital entendida num sentido restrito:

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gerar mão-de-obra para o mercado de trabalho cada vez mais informatizado –, mas,

acima de tudo, a educação do sujeito na era do conhecimento e da aprendizagem.

Temos pela frente possibilidades de materialização de uma atitude

comunicacional que não apenas atente idealmente para a participação e para a dialógica,

mas que também as promova concretamente na materialidade da ação comunicativa.

Um contexto sociotecnico que favorece a substituição da prevalência do falar-ditar e da

distribuição em massa pela perspectiva da proposição complexa do conhecimento e da

participação ativa dos aprendizes.

Afinal, não podemos fugir à responsabilidade de disseminar um outro modo de

pensamento, de inventar uma nova sala de aula, presencial e online, capaz de educar, de

promover educação cidadã. Em lugar de meros instrutores ou apresentadores, sejamos

de fato educadores em nosso tempo.

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