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CONSCIÊNCIA GRAMATICAL E PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS: UM ESTUDO DE INTERVENÇÃO Kátia Leal Reis de Melo - UFPE O aprendizado da escrita é um processo complexo e se constitui um grande desafio para os professores, que dedicam boa parte do tempo, nos primeiros anos escolares ao ensino da língua escrita. Compreender os fatores que influenciam esta aquisição é importante para ajudar as crianças a se tornarem usuárias competentes da língua escrita. Algumas pesquisas têm evidenciado a existência de uma conexão entre o desenvolvimento de habilidades metalingüísticas e diferenças individuais na aquisição língua escrita, suscitando investigações sobre a especificação das relações entre os diferentes aspectos da consciência metalingüística e as várias habilidades de leitura e escrita. Consciência metalingüística é a habilidade para pensar e refletir sobre a natureza e as funções da linguagem, bem como manipulá-la. Pesquisadores têm se esforçado, no sentido de identificar as contribuições de habilidades metalingüísticas específicas com relação à aquisição da leitura e da escrita. Os dois aspectos da consciência metalingüística mais pesquisados, em suas relações com a aquisição da língua escrita, são a consciência fonológica e, em menor proporção, a consciência gramatical. Os termos “consciência gramatical” e “consciência sintática” têm sido

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CONSCIÊNCIA GRAMATICAL E PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS: UM ESTUDO DE INTERVENÇÃO

Kátia Leal Reis de Melo - UFPE

O aprendizado da escrita é um processo complexo e se constitui um grande

desafio para os professores, que dedicam boa parte do tempo, nos primeiros anos

escolares ao ensino da língua escrita. Compreender os fatores que influenciam esta

aquisição é importante para ajudar as crianças a se tornarem usuárias competentes da

língua escrita.

Algumas pesquisas têm evidenciado a existência de uma conexão entre o

desenvolvimento de habilidades metalingüísticas e diferenças individuais na aquisição

língua escrita, suscitando investigações sobre a especificação das relações entre os

diferentes aspectos da consciência metalingüística e as várias habilidades de leitura e

escrita.

Consciência metalingüística é a habilidade para pensar e refletir sobre a natureza

e as funções da linguagem, bem como manipulá-la. Pesquisadores têm se esforçado, no

sentido de identificar as contribuições de habilidades metalingüísticas específicas com

relação à aquisição da leitura e da escrita. Os dois aspectos da consciência

metalingüística mais pesquisados, em suas relações com a aquisição da língua escrita,

são a consciência fonológica e, em menor proporção, a consciência gramatical. Os

termos “consciência gramatical” e “consciência sintática” têm sido concomitantemente

usados na literatura como sinônimos. O primeiro termo é aqui usado porque inclui a

consciência tanto da sintaxe quanto da morfologia.

O presente trabalho se propôs a contribuir para a compreensão do papel da

consciência gramatical sobre a aquisição da língua escrita, verificando os efeitos do

treinamento dessa habilidade metalingüística sobre o desempenho em produção de

textos escritos.

A consciência gramatical tem sido definida como a habilidade da criança para

refletir sobre a estrutura gramatical das sentenças (Tunmer & Grieve, 1984). De acordo

com essa definição, o fato de as crianças serem capazes de produzir sentenças,

gramaticalmente corretas, desde uma idade precoce, não poderia ser tomado como

evidência de consciência gramatical. Isto porque a produção correta, em geral, é

decorrente de um conhecimento tácito de gramática, em uma forma que não necessita de

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reflexão. Em outras palavras, a competência lingüística da gramática gerativa, que se

refere ao conhecimento tácito da gramática da língua, não implica, necessariamente, em

consciência gramatical.

Alguns autores acrescentam, à definição de consciência gramatical, a idéia da

necessidade de um controle cognitivo ou controle intencional subjacente a essa

habilidade É o caso de Gombert (1992) que considera a competência metasintática ou

consciência gramatical, como a habilidade de refletir conscientemente sobre os aspectos

morfo-sintáticos da língua e de exercer controle intencional da aplicação das regras

gramaticais.

Consciência gramatical, então, pode ser definida como a habilidade de refletir

sobre e manipular intencionalmente a estrutura gramatical da língua. Convém salientar

que gramática está aqui sendo usada para se referir aos princípios básicos da

organização da língua que permite ao usuário manejar bem a língua de todos os dias. Ou

seja, gramática enquanto um sistema de unidades e regras que as combinam em algo

estável, mas sem juízo de valor sobre o prestígio social de qualquer das variedades da

língua.

Tendo claro o conceito e a natureza da consciência gramatical, é necessário

compreender como ocorre a sua emergência e o seu desenvolvimento.

De acordo com Gombert (1992), seria possível distinguir quatro níveis de

desenvolvimento metalingüístico geral, que variariam do nível mais elementar de um

conhecimento intuitivo, declarativo e funcional da língua (epilingüístico), a níveis mais

elaborados de um conhecimento procedural envolvendo um controle intencional e

reflexão sobre a língua (metalingüístico). O conhecimento tácito ou implícito das regras

morfo-sintáticas constituiria o 1º nível e, embora não seja consciência propriamente

dita, é considerado pré-requisito para a subseqüente análise e uso consciente da língua.

Os três níveis seguintes refletem diferentes graus da habilidade metalingüística. O nível

2 é caracterizado pela organização de um controle epilingüístico estável, que se reflete

na habilidade para usar estratégias definidas ou manipular os aspectos estruturais mais

gerais da língua, e é o aspecto mais comumente acessado nos estudos de consciência

metalingüística (e.g. Bowey, 1986, a, b; Tunmer, Nesdale & Wright, 1987). O nível 3

caracteriza-se por um controle intencional decorrente da habilidade para identificar a

existência de regras morfo-sintáticas e articulá-las e aplicá-las. E, por fim, o nível 4,

caracterizado pela habilidade de refletir sobre o próprio conhecimento das regras morfo-

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sintáticas ou sobre o próprio desempenho em tarefas que requerem conhecimento

morfo-sintático.

Para Gombert (1992), Bertoud-Papandropoulou e Sinclair (1983) é preciso

esperar até a idade entre 6 e 7 anos para encontrar julgamentos que revelem uma

identificação consciente da não aplicação de uma regra gramatical. Outros autores como

Bialystok (1986) sugerem que a aplicação consciente de tais regras aparece bem mais

tarde. Segundo Tunmer, Nesdale e Wright (1987) a criança desenvolve a consciência

gramatical entre os 5 e 8 anos de idade e, à medida que aprende a ler e escrever, a

criança se torna progressivamente consciente da estrutura das sentenças.

Pesquisas recentes sugerem que as crianças precisam, logo cedo, de algum

conhecimento da estrutura da língua para ajudá-las a prever palavras desconhecidas,

enquanto aprendem a ler, e que, à medida que aprendem a ler e a escrever, a

compreensão da sintaxe e da morfologia progride.

A revisão da literatura, sobre os estudos de treinamento em consciência

gramatical, aponta que, de modo geral, tais estudos apresentam problemas

metodológicos. Por exemplo, muitos deles limitam a extensão do treinamento ou, ainda,

são realizados quando a aquisição da língua escrita já aconteceu ou quando a criança já

foi submetida a um ensino sistemático sobre questões morfo-sintáticas.

Considerando que as crianças que são mais conscientes e mais sensíveis à

estrutura gramatical da língua parecem estar em vantagem para a aprendizagem da

língua escrita em geral, seria interessante pesquisas que se propusessem a investigar se a

estimulação precoce dessa habilidade metalingüística, antes mesmo que possa ter sido

influenciada pela leitura ou pelo ensino formal das questões gramaticais, poderia

promover o progresso na aquisição da língua escrita. Tornam-se, então, necessários

estudos de treinamento precoce da consciência gramatical, baseado em atividades onde

haja uma maior reflexão da língua de modo a desenvolver um controle intencional dos

seus aspectos gramaticais e que examinem seus efeitos sobre a aquisição da língua

escrita. Isto foi o que se propôs o presente estudo.

Participaram deste estudo 60 crianças, que estavam cursando a alfabetização em

duas escolas com abordagens metodológicas diferentes. As crianças de cada escola

foram divididas em dois grupos, um experimental (GE) e um de controle (GC).

Os participantes dos grupos GE1 e GC1 foram provenientes da Escola A, cuja

metodologia de ensino é mais tradicional, enquanto que os participantes dos grupos

GE2 e GC2 da Escola B onde a alfabetização se dá através de uma abordagem

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construtivista. Ambas as escolas pertencem à rede de escolas particulares da cidade do

Recife.

O presente estudo envolveu quatro etapas consecutivas. Na primeira etapa os

professores, sob cuja responsabilidade estiveram os grupos GE1 e GE2, participaram de

um treinamento cujo objetivo foi capacitá-los para, por sua vez, procederem à aplicação

do treinamento em consciência gramatical sugerido pelo presente estudo.

A segunda etapa constou do emparelhamento dos grupos de cada escola quanto a

idade, inteligência, memória verbal, consciência fonológica, consciência gramatical,

nível de concepção da escrita e exposição da criança à língua escrita no ambiente

familiar.

Apenas as crianças dos grupos GE1 e GE2 participaram da terceira etapa onde

foi desenvolvido o programa de estimulação da consciência gramatical. Esta etapa

constou de sessões semanais, desenvolvidas em dias alternados ao longo do ano letivo,

perfazendo um total de 25 sessões, nas quais foram desenvolvidas atividades de

estimulação da consciência gramatical. As atividades de treinamento em consciência

gramatical foram integradas à própria rotina da sala de aula. O treinamento em

consciência gramatical constou não só de atividades orais, mas também de atividades de

leitura e de escrita, através das quais se procurou favorecer uma maior manipulação da

estrutura da língua, de modo que a criança fosse encorajada a atentar e refletir sobre a

estrutura morfo-sintática e a desenvolver um controle intencional dos aspectos

gramaticais. As sessões eram norteadas por questões geradoras de discussões, reflexões,

explicitações e avaliações da questão morfo-sintática que estava sendo tratada. Sendo

assim, as atividades foram elaboradas de modo a envolver: reestruturação de frases

desordenadas; identificação e correção de frases gramaticalmente incorretas;

reconhecimento de estruturas padrão das frases; posicionamento de diferentes palavras

na frase; elaboração, complementação e expansão de frases e textos; recriação e

inovação de frases e textos; derivação de palavras; analogia entre palavras a partir de

relações morfo-sintáticas.

A fim de ilustrar o procedimento do treinamento estão descritas, a seguir,

algumas das atividades propostas.

Uma atividade, envolvendo pronomes, foi realizada a partir de um pequeno

texto, onde as crianças eram solicitadas a reescreverem o texto substituindo os

pronomes e depois a refletirem sobre como o texto havia ficado, já que as substituições

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levariam a uma repetição excessiva de um determinado termo. Um dos textos usados e

sua respectiva transformação estão expostos a seguir.

Extrato de protocolo 1

Texto original

“Mário tinha um viveiro com quatro canários e sete sabiás. Seu pai lhe deu três

periquitos e o irmão dele, que é seu tio, lhe deu dois beija-flores. Com quantos pássaros

ele ficou?”

Texto transformado

“Mário tinha um viveiro com quatro canários e sete sabiás. O pai de Mário, deu

a Mário três periquitos e o irmão do pai de Mário, que é tio de Mário, deu a Mário

dois beija-flores. Com quantos pássaros Mário ficou?”

As atividades de expansão e junção de frases foram muito úteis para o trabalho

com advérbios e conectivos, ao mesmo tempo em que permitiam abordar,

conjuntamente, outras questões gramaticais, como adjetivos. Por exemplo, eram dadas

às crianças (escritas no quadro ou em atividades de ficha) frases do tipo: “A menina

corre no parque”. Solicitava-se às crianças que acrescentassem uma palavra que dissesse

algo sobre a menina. Palavras como “bonita, sabida, feliz, triste” eram sugeridas e

consideradas aceitáveis. Neste caso, a frase poderia tomar a seguinte forma: “A menina

triste corre no parque”. As crianças eram, então, convidadas a acrescentar uma palavra

que informasse algo sobre o parque. Por exemplo, “grande, sujo, perigoso, florido”,

poderiam ser palavras consideradas adequadas e a frase poderia ser expandida para: “A

menina triste corre no parque florido”. Até aqui a atividade esteve voltada para os

adjetivos, mas em seguida foi solicitado às crianças que acrescentassem uma palavra

que dissesse algo sobre como a menina corre. Os advérbios “rapidamente, devagar,

cuidadosamente” poderiam ser aceitos como pertinentes e a frase poderia ficar da

seguinte maneira: “A menina triste corre rapidamente no parque florido”. As sugestões

eram por reflexões sobre sua adequação e em seguida era feito o registro escrito.

Os conectivos foram abordados em atividades de junção ou de complementação

de frases. Nas atividades de junção de frases, as crianças eram solicitadas a juntar frases

anteriormente elaboradas a partir de gravuras, usando diferentes conectivos e

justificando a escolha. As frases: “O cavalo vive na fazenda e a vaca vive na fazenda”,

“O cavalo e a vaca vivem na fazenda” ou “O cavalo vive na fazenda, mas o leão vive na

floresta” são exemplos, de como as crianças fizeram a junção de frases.

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Na quarta etapa os efeitos da estimulação da consciência gramatical, ao qual as

crianças do GE1 e GE2 foram submetidas, foram avaliados comparando-as com as

crianças do GC1 e GC2 respectivamente, no que diz respeito à consciência gramatical e

à produção de textos escritos. Para isso, as crianças de todos os grupos foram testadas

em dois momentos (pós-testes 1 e 2). Para a tarefa de produção de textos escritos

elegeu-se um gênero textual da ordem do narrar, bastante conhecido por crianças em

fase de alfabetização: história, porém foram usados temas distintos, nos diferentes pós-

testes.

No pós-teste 1 esta tarefa envolveu a produção escrita de uma história a partir do

seguinte tema: “O(A) menino(a) que aprendeu a voar”. O tema proposto favorece o

ingresso da criança no mundo da fantasia e sugere o “frame” adequado ao gênero

escolhido. É importante observar, também, que o mote sugere um problema e uma

possível resolução (crianças não voam/aprendizado do vôo). Estudos sobre produção de

histórias por crianças (Stein, 1988; Hudson & Shapiro, 1991) evidenciam a influência

exercida pelo tema no conteúdo e estrutura da história produzida. Sendo assim, ao

apresentar um mote que incluía uma situação-problema esperava-se favorecer a

produção de histórias com uma estrutura episódica, bem como evitar o aparecimento de

produções do tipo carta, scripts ou outros. Já o pós-teste 2 teve como tema “A grande

aventura” que foi escolhido segundo os mesmos critérios usados para escolha do tema

do pós-teste 1.

As produções foram analisadas em função de categorias baseadas em Rego

(1986), as quais consideram os aspectos macrolinguísticos do gênero história. Segundo

Spinillo (1996), que já utilizou estas categorias em outros estudos (Spinillo 1991), esta

categorização envolve tanto a estrutura de histórias como expressões convencionais que

são típicas do registro e do gênero de histórias. A preocupação desta classificação é

mostrar níveis da competência narrativa das crianças, a partir de uma perspectiva

episódica (as histórias focalizam metas e ações para resolver problemas).

As categorias propostas se encontram descritas a seguir.

categoria 1- produções que consistem na simples repetição do tema ou na

produção de enunciados desconectados. Nestes casos, quando o mote é colocado,

apresenta-se como mais um enunciado desarticulado, assim como todos os outros. Estão

incluídas nesta categoria as crianças que não produziram história alguma ou que

tentavam reproduzir histórias conhecidas. Exemplo:

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“O menino que aprende a voar e. Ele gostava de pular da avore e o menino

gostava de comer muito feijão com arroz e gostava de jogar bola.”

categoria 2- produções circunscritas à introdução de uma história. A criança

constrói um começo convencional de história sem chegar, no entanto, à elaboração do

problema central, introduzindo simplesmente o personagem principal e um cenário.

Exemplo:

“Era uma ves uma menina voadora. Ela era uma pricesa que aprendeu a voar no

castelo.”

categoria 3- produções que apresentam uma pequena introdução e o

delineamento de um problema central. Estas produções incorporam uma segunda parte

da organização inicial da história, sendo uma possível manifestação de um esquema

narrativo, mas o texto permanece inacabado. Exemplo:

“Era uma vez um menino que si chamava Marcelo. Ele estava olhando na janela

duas estrelas uma estrela vermelha e a outra amarela e as duas estrelas estavam brigãdo

e o menino ficou muito triste e disse para o pai. – pai eu quero vuar. E o pai disse. – mas

você não pode. – Mas eu quero. – filho va dormi. E o menino ficou muito triste de ver

as estrelas brigãdo. Ele passou a noite sonhando.No dia seguinte o menino foi para a

casa do tio dele e o tio dele pilotava avião.”

categoria 4- produções com começo e final de história. Nestes tipos de

produção, a criança se preocupa com a introdução e com o desfecho da história, mas

não consegue elaborar uma trama, ou seja, um evento ou seqüência de eventos

responsáveis pela resolução final da situação-problema apresentada. São histórias

constituídas de um episódio simples onde a situação-problema é colocada, bem como o

desfecho caracterizado pela resolução desta situação. No entanto, este desfecho mostra-

se pouco elaborado, surgindo de forma repentina, fechando rapidamente a história, sem

haver um maior desenvolvimento entre o problema e a sua solução. Exemplo:

“Certo dia uma menina chamada Patricia foi convidada para fazer um espetacolu

e ela aceitou. Ela foi fazer o papel da minhoca voadora e na ora que abriu a cortina que

ela ia voar ela não conseguiu. O dono do espetacolu disse – voce tem que treinar. E no

outro dia do espetacolo, na ora que a cortina abriu ela conseguiu voar e ela adorou e ela

ficou otima com aquele papel. Ficou lindo e todo mundo adorou ela.”

categoria 5- produções completas, com começo, meio e fim. Estas produções

apresentam episódios mais elaborados, com tramas mais complexas, podendo surgir

novos personagens e novos problemas paralelos ao que é suscitado pelo mote. Observa-

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se, também, uma maior elaboração na passagem do estado inicial para o estado final,

não ocorrendo uma mudança tão abrupta como a que ocorre na categoria 4. Exemplo:

“Era uma vez um menino que si chamava Bruno. Ele queria voar, um dia Bruno

perguntou para sua mãe – Mãe você pode voar?

A mãe respondeu: posso filho porque você não tenta. Vou tentar respondeu o

menino:

Ele estava ansiosso para voar. Subiu na arvore e pulou mas não conseguiu

passou horas e não conseguiu. No dia seguinte quando amanheceu tentou mais uma vez

voar da arvore mas não conseguiu. Aí foi jogar bola com seus amigos, pulou chutou

mas não conseguia voar. Passou vários dias tentando mas não conseguiu. Uma bela

noite ele foi dormir e imaginou que estava voando. No sonho ele conseguia voar por

todos os lugares e muito alto. No dia seguinte quando amanheceu ele acordou feliz e

disse para sua mãe: - mãe eu agora posso voar quando eu quiser na imaginação!!!!!!!!!”

As histórias escritas produzidas pelas crianças, em ambos os pós-testes, foram

classificadas de acordo com as categorias descritas anteriormente. As Figuras 1, 2, 3 e 4

(em anexo) mostram a distribuição de freqüência dos textos produzidos pelas crianças

dos grupos da Escola A e da Escola B, nas categorias utilizadas. A distribuição pelas

categorias, assim como a freqüência desta distribuição, variou em função do grupo, em

ambas as escolas.

Como se observa na Figura 1 as histórias do grupo controle da Escola A (GC1),

no pós-teste 1, parecem se concentrar mais nas Categorias 1 e 2 (87,50%). O GC1 teve

31,25% dos seus textos caracterizados como não-histórias, contra uma ausência absoluta

de casos do GE1 nesta categoria. No entanto, o mesmo percentual de crianças de ambos

os grupos (56,25%) produziram histórias contendo apenas a introdução da história, dos

personagens e do cenário, sem apresentar nenhuma trama (Categoria 2). As Categorias 3

e 4 também foram fonte de diferenças entre os grupos da Escola A. Enquanto 25% das

crianças do GE1 produziram histórias que continham, além da introdução, uma situação

problema ou início de trama (Categoria 3), apenas 12,5% do GC1 apresentou produções

dentro desses parâmetros. E, com relação à Categoria 4, o GE1 apresentou 3 produções

(18,75%), contra uma ausência absoluta de produções do GC1. Por outro lado, ambos os

grupos não produziram histórias classificadas na Categoria 5, ou seja, não foram

produzidas, pelas crianças da Escola A, histórias completas. O teste U de Mann

Whitney demonstra que estas diferenças são significativas (U= 62.5, p= 0.006)

indicando um melhor desempenho do grupo experimental.

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Os resultados obtidos pelos grupos da Escola B, no pós-teste 1, estão expostos

na Figura 2. De modo geral, as crianças da Escola B parecem se concentrar em níveis

mais altos de competência narrativa. Mais de 50%, de ambos os grupos, encontram-se

classificadas nas Categorias 4 e 5. Mesmo assim, há uma grande diferença entre os dois

grupos, pois, em se tratando do GE2, observa-se que a totalidade das suas crianças está

distribuída nas categorias 4 e 5, sendo que 50% em cada uma delas; em contraste com o

GC2 que apresenta 35,71% na Categoria 4 e 28,57% na Categoria 5. Além do que o

GC2, apesar de também não ter casos na Categoria 1, apresentou produções

classificadas na Categoria 2 (14,28%) e na Categoria 3 (21,42%). Esses resultados

apontam para uma superioridade do GE2 sobre o GC2 no que diz respeito à produção

escrita de histórias, fato este confirmado pelo teste U de Mann Whitney (U= 53 ., p=

0.026) indicando estas diferenças como estatisticamente significativas.

A distribuição de freqüência dos textos produzidos pelas crianças dos grupos da

Escola A e da Escola B, pelas categorias textuais, no pós-teste 2, está exposta, nas

Figuras 3 e 4.

Observa-se, na Figura 3, que as produções textuais do grupo controle (GC1) da

Escola A, estão concentradas em sua grande maioria na categoria 1 (25%) e na categoria

2 (50%). É importante destacar a baixa incidência (18,75%) na categoria intermediária

(categoria 3), a ausência de produções classificadas na categoria 5 e apenas 1 produção

na categoria 4, indicativas de textos mais elaborados. A situação se inverte quando se

observam os dados do GE1. A grande concentração desse grupo está na categoria

intermediária (categoria 3= 43,75%) e na categoria 4 (25%), além de 3 produções na

categoria 5, e uma incidência muito baixa nas categorias mais elementares: apenas 2

casos na categoria 2 e nenhum na categoria 1. Estes resultados apontam para uma

superioridade do GE1 sobre o GC1 na produção escrita de história, fato confirmado

pelo teste U de Mann Whitney que indica estas diferenças como altamente significativas

(U= 35.5, p= 0.000).

Os resultados obtidos pelos grupos da Escola B, no pós-teste 2, estão

sumarizados na Figura 4. A diferença em prol do GE2 é marcante. Não há, nesse grupo,

produções classificadas nas categorias 1 e 2, mas, por outro lado, suas produções estão

concentradas na categoria 3 (14,28%), na categoria 4 (21,42%) e, especialmente, na

categoria 5 (64,28%) indicativa de textos completos e bem elaborados. Já no grupo

controle, apesar da baixa incidência na categoria 1 (1 caso), a maior concentração das

produções vai estar nas categorias 2 (21,42%) e 3 (50%), além de poucas produções

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classificadas nas categorias referentes a textos mais elaborados: apenas 2 produções na

categoria 4 e uma na categoria 5. O teste U de Mann Whitney evidencia como altamente

significativas estas diferenças em prol do GE2 (U=23.5, p= 0.000).

Em todas as comparações, os resultados dos grupos experimentais, de ambas as

escolas, estiveram à frente daqueles dos grupos controle, e tais diferenças foram

significativas. Essas diferenças persistem ao longo do tempo, como demonstrado pelos

resultados dos pós-testes 1 e 2 e evidenciam um melhor desempenho dos grupos

experimentais, em comparação com os grupos controle, na produção de textos escritos.

Sabendo-se que o treinamento foi eficaz em promover a estimulação da consciência

gramatical, é interessante analisar o que os resultados apresentados significam.

Estando os dois grupos de cada escola pareados, em relação à interação familiar

com a leitura e a escrita e estando sujeitos ao mesmo contexto escolar, e, portanto,

submetidos às mesmas experiências escolares com a língua escrita, a pergunta que surge

é: de onde viria esta diferença na produção escrita de textos? Porque até mesmo na

Escola B, onde as crianças têm um maior e mais variado acesso a livros e material

impresso em geral e um maior estímulo à produção, encontrou-se uma diferença

expressiva e significativa em prol do grupo experimental, ou seja, o grupo que

participou do treinamento em consciência gramatical apresentou melhores produções

textuais do que o grupo controle. O que revela estes resultados?

É importante refletir sobre esses resultados à luz do estudo feito por Spinillo

(1996), no qual a autora, usando as mesmas categorias de classificação das produções

textuais de histórias deste estudo, analisa o uso de coesivos por crianças com diferentes

níveis de domínio de um esquema narrativo. De acordo com Spinillo (1996), a forma

como a coesão é estabelecida nas produções textuais permite identificar a Categoria 3

(início de uma situação-problema), como um momento intermediário nessa progressão,

marcando a transição de narrativas pouco coesas, tanto em número como em

diversidade de coesivos, para produções ricas em elementos coesivos.

É interessante lembrar que, nesta pesquisa, os grupos submetidos ao treino em

consciência gramatical apresentam um maior índice de produções textuais mais

elaboradas do que os grupos controle. E, de acordo com Spinillo (1996), provavelmente

isso não é indicativo apenas de melhores níveis de esquema narrativo, mas também de

produções mais coesas.

Uma vez que o treinamento em consciência gramatical, proposto neste trabalho,

envolveu, entre outros, os elementos coesivos, é possível que a diferença encontrada,

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entre os grupos, na produção escrita de histórias, esteja relacionada nem tanto com o

domínio de estruturas narrativas mais elaboradas, ou seja, com o conhecimento macro-

lingüístico acerca dos componentes estruturais dos gêneros narrativos; mas,

principalmente, com a forma como as sentenças foram estruturadas e pela articulação

entre elas, ou melhor, com o conhecimento micro-lingüístico sobre como lidar com a

variedade de relações coesivas. A consciência gramatical estaria, assim, sendo um

facilitador de produções textuais mais elaboradas.

Isso sugere que a estimulação da consciência gramatical pode ser relevante, não

só quando ela é o principal ou único instrumento promotor do melhor desempenho na

escrita de textos, como na Escola A, mas também pode ter um papel relevante como

uma grande aliada na propulsão da habilidade de escrita de textos em contextos

escolares mais favoráveis ao desenvolvimento dessa habilidade, como é o caso da

Escola B.

Compreender os fatores que influenciam a aquisição da língua escrita é

importante para ajudar as crianças a se tornarem usuárias competentes da língua escrita.

Sabe-se, pelo exposto anteriormente, que a emergência e desenvolvimento da

consciência gramatical, em sua plenitude, não é algo fácil para a criança. O treinamento

em consciência gramatical, proposto nesta pesquisa, parece ter promovido, a partir de

uma mobilidade sempre progressiva, a explicitação e conscientização dos aspectos

morfo-sintáticos, possibilitando uma reflexão e controle intencional sobre a língua. Os

resultados alcançados, nesta pesquisa, já nos permitem, pelo menos, afirmar que é

possível uma ação pedagógica que desperte a sensibilidade da criança para os aspectos

gramaticais, levando-a a uma compreensão e um conhecimento explícito destas

questões, possibilitando o desenvolvimento da consciência gramatical e sua aplicação

sobre aspectos funcionais da língua, melhorando a competência da criança, em

produção de textos escritos, muito antes do ensino formal da gramática.

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ANEXOS

Figura 1 - Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas

pelos grupos da Escola A pelas categorias utilizadas no pós-teste 1.

Figura 2- Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas

pelos grupos da Escola B pelas categorias utilizadas no pós-teste 1.

Figura 3- Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas

pelos grupos da Escola A pelas categorias utilizadas no pós-teste 2.

Figura 4- Freqüência de distribuição (em percentagem) das histórias escritas

pelos grupos da Escola B pelas categorias utilizadas no pós-teste 2.

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