o estupro de vulnerÁvel e a presunÇao relativa da vulnerabilidade, quanto aos menores de 14 anos -...

Upload: paulo-luiz-fernandes

Post on 06-Jul-2018

228 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    1/23

    134

    O ESTUPRO DE VULNERÁVEL E A PRESUNÇAORELATIVA DA VULNERABILIDADE, QUANTO AOS

    MENORES DE 14 ANOS

    Amanda Araújo1

     Hessen Handeri de Lima2 

    RESUMOO presente artigo pretende analisar a relativização do estado devulnerabilidade da possível vítima maior de 12 e menor de 14 anos deidade, prevista no art. 217-A do Código Penal vigente, distinguindocada uma delas, bem como, as particularidades do caso concreto, a fimde se evitar possível responsabilidade penal objetiva, face aos princípios constitucionais consagrados.

    PALAVRAS-CHAVE:Vulnerabilidade. Vítima. Relativização. Responsabilidade penalobjetiva. Princípios Constitucionais.

    ABSTRACT: This article aims to analyze the vulnerability state of a

     possible victim, older than 12 years old and younger than 14 years old,mentioned in the Brazilian Criminal Code (217-A), differentiating eachone, as well as the particularities of the recorded case to avoid criminalresponsibility, focusing the established constitutional principles.

    KEYWORDS:Vulnerability. Victim. Relativization. Criminal Responsibility.Constitutional principles.

    1 Acadêmica do Curso de Direito do IESI/FENORD, graduada em 2013.2 Especialista em Direito Público, professora de Direito Empresarial e EstágioSupervisionado do IESI/ FENORD.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    2/23

     

    135

    1 INTRODUÇÃO

    O presente trabalho visa a uma análise do tipo penaldisciplinado no artigo 217-A do Código Penal, qual seja, o estupro devulnerável, introduzido em nosso ordenamento jurídico através da Lei12.015, de sete de agosto de 2009, buscando demonstrar a necessidadee a viabilidade de se considerar, de forma relativa, a vulnerabilidade da possível vítima maior de 12 e menor de 14 anos, bem como, as possíveis consequências do entendimento contrário.

    A Lei 12.015 teve sua gênese com a Comissão ParlamentarMista de Inquérito (CPMI), criada em 2003, que teve por finalidadeinvestigar a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.Essa Comissão promoveu, de 12 de junho de 2003 a 13 de julho de

    2004, atividades que tiveram como resultado o Projeto de Lei doSenado nº 253/2004, destinado a adaptar o Código Penal Brasileiro àsnovas realidades sociais.

    Alterou-se o Título VI da Parte Especial do Código PenalBrasileiro, que tratava “Dos crimes contra os costumes”, que passou avigorar com dicção “Dos crimes contra a dignidade sexual”, visando

    garantir maior proteção à liberdade e dignidade sexual da pessoahumana em desenvolvimento, introduzindo novos tipos penaisincriminadores, unificando tipos antigos e modificando normas emgeral.

    Dentre as modificações realizadas, foi revogado doordenamento jurídico o regime da presunção de violência, previsto noartigo 224 do Código Penal, substituído pela criação do novo tipo penaldo estupro de vulnerável, disciplinado no artigo 217-A do mesmodiploma, que traz, dentre seus sujeitos passivos, o menor de 14 anos deidade, objeto central desse trabalho.

    Segundo Fernando Capez, vulnerável é qualquer pessoa que se

    encontre em situação de perigo ou fragilidade, não fazendo a leiqualquer referência à sua capacidade para consentir ou à suamaturidade sexual. Refere-se àquele que se encontra em situação demaior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica, em diante.(CAPEZ, 2012).

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    3/23

    136

    A pesquisa em pauta não objetiva discutir a vulnerabilidade dosmenores de 12 anos, devendo esta ser considerada de forma absoluta.Da mesma forma, não serão objeto de estudo aqueles vulneráveis porenfermidade ou deficiência mental ou que não podem oferecerresistência; também não se pretende desconsiderar por completo afigura do vulnerável menor de 14 anos, que merece e necessita da proteção do Estado.

    O que se busca por meio deste é distinguir o estado devulnerabilidade de cada possível vítima e aplicar a lei penal da melhorforma possível. Procuramos demonstrar as vantagens de se analisar avulnerabilidade do menor de 14 anos de forma relativa, observadas as particularidades do caso concreto, a fim de se evitar possívelresponsabilidade penal objetiva.

    1 BREVE RELATO HISTÓRICO

    2.1 Evolução histórica do crime de estupro

    A violência sexual sempre esteve presente no contexto dassociedades, desde as primeiras civilizações, e, por esse motivo, semprehouve a necessidade de penalizar aqueles que praticassem tais crimes.

    As penas eram severas e cruéis, como a pena de morte, trabalhosforçados e açoites. Para que fosse configurado o delito, era necessárioque a vítima preenchesse determinados requisitos, tais como servirgem, honesta e estar sob o poder familiar patriarcal.

    Acompanhando a evolução da sociedade, as penas foramhumanizadas, mas sem perder sua finalidade de punir com rigor aviolência sexual. A principal mudança sofrida no decorrer dos anos dizrespeito à tutela legal, que não mais se restringe à proteção da mulhernas condições mencionadas, mas todo ser humano, independente de

    sexo ou idade. O objetivo é proteger a dignidade sexual, a liberdadesexual e a vítima considerada vulnerável.

    Significativas foram as evoluções na legislação penal no quediz respeito a modernização dos costumes na sociedade. Os costumese a moralidade sexual, constantes na configuração do delito de estupro,sofreram alterações ao longo do tempo, com o objetivo de atender à

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    4/23

     

    137

    realidade da sociedade de cada época, reprimindo severamente osdelitos sexuais.

    Para que fosse configurado o crime de estupro para o direitocanônico, era necessária que a mulher fosse virgem e que, para aconsumação do ato, fosse empregado violência física. A mulherdeflorada não poderia ser vítima desse crime, logo, a mulher casada ouque já houvesse praticado relação sexual com homem, não poderia sersujeito passivo desse delito. (PORTINHO, 2005).

    O termo estupro representava, para o direito romano, emsentido amplo, qualquer ato lascivo praticado com homem ou mulher,englobando o adultério e a pederastia. Em sentido estrito, referia-se aocoito com mulher virgem ou viúva honesta. O escravo não eraconsiderado sujeito passivo de tal crime, mas, sendo sujeito ativo, seria

     punido com pena de morte. Sendo o sujeito ativo homem nobre,sofreria a repreensão por pena pecuniária. (PRADO, 2001).As Ordenações Filipinas, no Livro V, Título XXIII, previa o

    estupro voluntário de mulher virgem, acarretando ao autor a obrigaçãode se casar com a vítima. Na impossibilidade do casamento, deveriaconstituí-la um dote, e na indisponibilidade de bens, seria açoitado edegredado (PRADO, 2011).

    O Código Criminal do Império de 1830, sobre a rubrica dodelito de estupro, elencou vários delitos sexuais. No artigo 222, foidefinido pelo legislador o crime de estupro propriamente dito, in verbis“Ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer

    mulher honesta”. Cominava-lhe pena de prisão de três a doze anos,mais constituição de dote em favor da ofendida. Sendo prostituta avítima, a pena era de um mês a dois anos de prisão. (PRADO, 2011).

    Já no Código Penal de 1890, em seu artigo 269, definiu comoestupro a violência com o fim de satisfação sexual, ou seja, o atoviolento pelo qual o homem abusa, com violência, de uma mulher,

    virgem ou não. A violência prevista nesse artigo engloba tanto aviolência física, como também moral e psicológica, que privasse amulher de suas faculdades psíquicas impossibilitando-a de resistir.(PRADO, 2011).

    O Código Penal de 1940, em sua redação originaria do artigo213, consistia em constranger mulher à conjunção carnal, mediante

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    5/23

    138

    violência ou grave ameaça, com pena prevista de reclusão de seis a dezanos. O referido artigo objetivava proteger a liberdade sexual damulher, seu direito de dispor do próprio corpo e liberdade de escolherseus parceiros sexuais. (PRADO, 2011).

    Se da prática do delito resultasse lesão corporal de naturezagrave, a pena aplicada seria de oito a doze anos. Se resultasse em morte,a pena seria de doze a vinte anos. Sendo a vítima menor de 14 anos,alienada ou débil mental, ou não pudesse oferecer resistência, era presumida a violência, e a pena agravada da metade.

    A Lei 12.015 de 2009 operou uma reforma penal,transformando o entendimento em relação aos delitos sexuais,incluindo novos dispositivos, revisando e excluindo outros. O crime deestupro passou a ser definido pela conduta de “constranger alguém,

    mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, permanecendo a pena de reclusão de seis a dez anos.

    Anteriormente à publicação da Lei 12.015 em sete de agosto de2009, o Código Penal Brasileiro, em seu Título VI intitulado “Dos

    Crimes Contra os Costumes”, buscava tutelar o comportamento médio

    da sociedade quanto a ética sexual, não prevendo tipificação específica para os crimes sexuais praticados contra menores de 14 anos.(ESTEFAM, 2010).

    Após a entrada em vigor da Lei 12.015, em 10 de agosto de2009, o Título VI recebeu nova denominação, qual seja “Dos crimescontra a dignidade sexual”, definindo como bem jurídico tutelado adignidade sexual, tendo como corolário, a dignidade da pessoa humanae o respeito à vida sexual de cada indivíduo. (NUCCI, 2013).

    2.2 Fim da presunção de violência em razão da idade e surgimentoda vítima vulnerável

    Anteriormente às alterações trazidas pela Lei 12.015 em 2009,aquele que estuprasse um adolescente menor de 14 anos praticava odelito de estupro, disciplinado no artigo 213 do Código Penal,combinado com o artigo 224, alínea “a” do mesmo diploma, no qual se

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    6/23

     

    139

     presumia a existência da violência dada a inexperiência sexual davítima.

    Foi criada pelo legislador a presunção legal do emprego deviolência, aplicada nas situações em que a vítima não possuíacapacidade para consentir validamente ou para oferecer resistência,integrando o mesmo tipo incriminador do estupro com violência real e possuindo as mesmas penas.

    A presunção de violência prevista no artigo 224, quanto ao seucaráter absoluto, foi tema de grande debate entre os doutrinadores, prevalecendo o entendimento de que tal presunção deveria serconsiderada de forma relativa, ponderando sobre o caso concreto,conforme defendia Noronha, Hungria, Damásio e Mirabete.(BARROS, 2010).

    Tal presunção, considerada de forma absoluta, violava vários princípios constitucionais, dentre eles, o princípio da presunção deinocência e do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não eraoportunizada ao acusado a defesa e o princípio da ofensividade oulesividade, pois o agente era punido por um objeto de ficção criado pelolegislador e não por um resultado lesivo causado à vítima, tornandonecessária a atualização trazida pela Lei 12.015.

    A principal inovação trazida foi a revogação do artigo 224, quetratava da presunção de inocência e sua classificação, sendo substituído pelo novo artigo 217-A, consolidando as alterações.

    Surgiu, então, a necessidade de proteção da dignidade sexualdaqueles que, aos olhos do legislador, não possuíam capacidade paraemitir um consentimento válido para a prática do ato sexual.

    Em relação aos menores de 14 anos, entendeu o legislador queestes são incapazes de compreender e avaliar as consequências dos atossexuais, faltando-lhes maturidade fisiológica e capacidade psicoética para entender o ato sexual.

    3 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

    3.1 Conceito, classificação, sujeitos do delito e elemento subjetivo

    A Lei 12.015 trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro um

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    7/23

    140

    novo tipo penal, autônomo, com penas rigorosas, denominado estuprode vulnerável, destinado a proteger aqueles que não possuemcapacidade de discernir sobre os atos e consequências da sexualidadeou que, por alguma razão não, podem reagir.

    Segundo Guilherme de Souza Nucci, a vulnerabilidade contidano artigo 217-A: “trata-se da capacidade de compreensão eaquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso, continua, na essência,existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referidacapacidade para consentir.” (NUCCI, 2011). 

    O estupro de vulnerável é classificado como um crime de mão própria em relação à conjunção carnal, uma vez que exige a atuação pessoal do agente, e comum em relação aos demais atos libidinosos. Ématerial, exigindo o resultado naturalístico do efetivo tolhimento da

    liberdade sexual da vítima. É um delito de forma vinculada quanto àconjunção carnal ou de forma livre, quando cometido através dequalquer ato libidinoso. É também comissivo, exigindo ação do agenteou de omissão imprópria quando o sujeito ativo for garantidor,instantâneo quanto ao resultado, de dano, se consumando com a efetivalesão à dignidade sexual, unissubjetivo, bastando um só agente e plurissubsistente, necessitando de vários atos para integrar a conduta.

    O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa,independente de sexo, desde que maior, enquanto que o sujeito passivodeve ser pessoa vulnerável, ou seja, vítima com idade inferior a 14 anosou com enfermidade ou deficiência mental que limite o discernimento para a prática do ato ou que, por qualquer outra causa, não possaoferecer resistência.

    O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, consciência e vontadede realizar os elementos objetivos do tipo, não existindo a formaculposa.

    Conforme o pensamento de Guilherme de Souza Nucci é nítida a

    liberação sexual na atualidade, não podendo o legislador ficar alheioao mundo e sua evolução, devendo garantir a satisfação dos desejossexuais, de forma digna e respeitada, desde que não incorra emexploração, violência ou grave ameaça. (NUCCI, 2013). 

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    8/23

     

    141

    3.2 Estupro de vulnerável contra vítima menor de 14 anos

    O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2º,considera criança a pessoa com até 12 anos de idade incompletos, eadolescente aquela com idade entre 12 e 18 anos.

    O legislador, não acompanhando as mudanças decomportamento na sociedade brasileira, definiu para o Código Penalque tanto a criança quanto o adolescente menor de 14 anos devem ter proteção sexual penal integral, uma vez que se encontram em fase dedesenvolvimento biológico, psicológico e moral (LEAL, 2009).

    Dessa forma, o artigo 217-A, caput , tipifica como estupro devulnerável ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso commenor de 14 anos, prevendo pena de reclusão de oito a quinze anos.

    A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deveser absoluta quando se tratar de criança menor de 12 anos, mas relativaao cuidar do adolescente (NUCCI, 2013).

    Segundo o Desembargador do TJSC, Jaime Ramos:

    [...] vulnerável é qualquer dessas pessoas, que se presume de forma absoluta não ter discernimentosuficiente para consentir validamente aos atos sexuais a

    que são submetidos. Mesmo que consintam ao atosexual, esse consentimento deverá ser consideradoinválido. (RAMOS, apud, GUIMARÃES, 2011).

    O novo tipo penal criado pela Lei 12.015 é uma consequênciada revogação do artigo 224 e das hipóteses de presunção de violêncianele prevista, transformadas em elementos do crime de estupro devulnerável. (GÊNOVA, 2009).

    O recente dispositivo tutela a proteção integral do ser humano

    ainda criança, cuja integridade sexual precisa ser penalmente garantidacontra qualquer ato sexual. Dessa forma, para a realização objetiva dainfração penal basta que o agente tenha conhecimento que a vítima émenor de 14 anos e decida com ela praticar conjunção carnal ou outroato libidinoso (LEAL, 2009).

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    9/23

    142

    Qualquer pessoa, independente de sexo, pode ser sujeito ativodesse delito, enquanto que o sujeito passivo, no caso do artigo 217-A,caput, será o menor de 14 anos, também independente de sexo,conforme as mudanças sofridas no artigo 213 do Código Penal.

    Os elementos objetivos do tipo são ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Por conjunçãocarnal temos a definição do ilustre Fernando Capez (CAPEZ, 2012, p.82) “é a cópula vagínica, ou seja, a introdução do pênis na cavidade

    vaginal da mulher”. Já o ato libidinoso, em definição dada pelo referido

    doutrinador, “compreende outras formas de realização do ato sexual,que não a conjunção carnal. São os coitos anormais”. 

    Relembrando, o elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a busca pela satisfação da lascívia, não existindo modalidade culposa. Admite-

    se, porém, a tentativa, quando o agente, por motivo alheio a suavontade, é impedido de concluir com o seu intento, embora de difícilcomprovação. (NUCCI, 2013).

    3.3 Formas típicas qualificadas do estupro de vulnerável

    O estupro de vulnerável dispensa qualquer demonstração deemprego da violência ou grave ameaça. Mas, conforme previsto nos

     parágrafos 3º e 4º do artigo 217-A do Código Penal, o delito podequalificar-se pelo resultado se da conduta resultar lesão corporal denatureza grave ou morte.

    Anteriormente previstas no artigo 223 do Código Penal, asqualificadoras pelo resultado foram deslocadas, a partir da entrada emvigor da Lei 12.015, para os parágrafos dos artigos 213 e 217-A domesmo diploma, com o objetivo de tornar a redação mais técnica. Asubstituição do termo violência pela expressão conduta possibilitou

    maior abrangência ao tipo, permitindo sua aplicação nas hipóteses delesões graves decorrente de grave ameaça. (GÊNOVA, 2009).Dessa forma, o estupro de vulnerável, quando qualificado pela

    conduta do agente que resultar lesão corporal de natureza grave, terá pena aplicada de reclusão de dez a vinte anos. Se a conduta tiver porconsequência a morte, a pena será de reclusão de doze a trinta anos.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    10/23

     

    143

    A conduta pode se dar com dolo na conduta antecedente, ouseja, na violência sexual, e com dolo ou culpa quanto ao resultadoqualificador. Se o agente pretende alcançar tais resultadosqualificadores ou, no mínimo, assume o risco de produzi-los, haveráconcurso material entre o delito sexual praticado e o delito dehomicídio ou de lesão corporal grave. (PRADO, 2011).

    3.4 Causas de aumento de pena

    As causas de aumento de pena serão aplicadas na terceira faseda dosimetria da pena, após a fixação da pena base e a análise dasagravantes e atenuantes.

     No caso do estupro de vulnerável, são aplicadas as causas de

    aumento previstas no artigo 226 do Código Penal, genéricas a todos oscrimes contra a dignidade sexual, bem como as introduzidas aoordenamento jurídico pela Lei 12.015, exclusivas aos crimes de estuproe estupro de vulnerável, previstas no artigo 234-A do referido texto penal.

    Pelo artigo 226, duas são as causas de aumento de pena: se ocrime for cometido com o concurso de duas ou mais pessoas, a penaserá aumentada da quarta parte; será também aumentada a pena, demetade, se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, tio, irmão,

    cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador davítima, ou por qualquer outro título de autoridade (ANDREUCCI,2011).

     No novo artigo 234-A, o qual prevê causas de aumento de penaexclusivas ao estupro de vulnerável e estupro simples, prevê, no incisoIII, que seja aumentada de metade a pena se do crime resultar gravidez.Prevê também, no inciso IV, aumento de um sexto até metade, se oagente transmitir à vítima doença sexualmente transmissível de que

    sabe ou deveria saber ser portador (ANDREUCCI, 2011).Ocorrendo mais de uma causa de aumento de pena, deveráo juiz agir em conformidade com o artigo 69 do Código Penal, procedendo os aumentos tantos quantas sejam suas causas.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    11/23

    144

    4. PRESUNÇÃO DA VULNERABILIDADE

    4.1 Noções básicas

    A presunção da vulnerabilidade, assim como a presunção daviolência no extinto artigo 224 do Código Penal, é gênese de muitasdiscussões no universo jurídico. A questão da vulnerabilidade dosmenores de 14 anos é tratada desde a vigência do extinto artigo 224 doCódigo Penal e muito antes dele como afirma Adelina de Cássia BastosOliveira Carvalho:

    O próprio Direito Romano remontava ao princípio quovelle non potuit, ergo noluit, que significa quem não pode querer, não quer, quem não pode consentir,dissente. Tal princípio baseou várias legislações queadotaram critérios mínimos quanto a idade para validaro consentimento de prática sexual pelo menor. (2006, p.23-24 apud MENDES, 2010)

    O estupro de vulnerável foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de proteger aqueles que, pela lei, não possuem capacidade e discernimento para consentir na prática de atossexuais. Teve também por finalidade por fim à discussão existente

    quanto a natureza da presunção de violência prevista no revogadoartigo 224, ou seja, se era absoluta, não admitindo prova em contrário,ou se tinha natureza relativa, possibilitando a produção de provas emfavor do réu.

    A lei penal presume de forma absoluta que as pessoas menoresde 14 anos não possuem entendimento para a prática de atos sexuais, punindo de forma rigorosa aquele que transgredir a dignidade sexualdos mesmos.

    Entretanto, considerar de forma absoluta a vulnerabilidade domenor de 14 anos é um risco para a sociedade e para o ordenamento jurídico como um todo, uma vez que ao não admitir a prova emcontrário, estamos aplicando o reprovado instituto da responsabilidadeobjetiva.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    12/23

     

    145

    4.2 Vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa e teoriassobre a presunção de violência

    Imprescindível ao estudo do tema, a análise dos conceitos devulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa.

    A presunção absoluta da vulnerabilidade determina que oagente seja considerado culpado, sem que lhe seja oportunizada a produção de prova em contrário, ofendendo princípios constitucionais,cerceando o direito de defesa do indivíduo e aplicando aresponsabilidade objetiva para a condenação. Já a presunção relativada vulnerabilidade, nos permite analisar, de forma pormenorizada, as peculiaridades do caso concreto, fazendo julgamento de dolo ou culpana conduta do agente, se havia ou não o desígnio de cometer o crime,

    e, principalmente, se houve o consentimento do menor envolvido.Quanto à presunção de violência, a doutrina se subdividia emquatro teorias, quais sejam: a Teoria Absoluta, a Teoria Relativa, aTeoria Mista e a Teoria Constitucionalista.

    Para a Teoria Absoluta a vulnerabilidade deve ser entendida deforma absoluta, sendo suficiente o aspecto etário para a caracterizaçãodo vulnerável. A Teoria Relativa, de forma oposta, defende arelativização da vulnerabilidade, levando em consideração as particularidades do caso concreto, admitindo prova em contrário. ATeoria Mista, por sua vez, afirma que a relativização deverá ser feitaem casos excepcionais, voltadas aos adolescentes com idade entre 12 e14 anos. Por último, a Teoria Constitucionalista determina ainconstitucionalidade do instituto legal por ferir a responsabilidadesubjetiva.

    Sobre a presunção da vulnerabilidade, muitos autores pronunciaram acerca da análise relativa ou absoluta de tal dispositivo.

    Podem ser citados como defensores da Teoria Absoluta,

    Chrysolito de Gusmão e Rogério Greco. Pregam que independe se asuposta vítima já estivera envolvida em outros relacionamentos ou quese comporte de forma adulta, bastaria o elemento etário paracaracterizar o cometimento do delito.

     Nesses termos se pronuncia Rogério Greco:

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    13/23

    146

    A lei penal havia determinado, de forma objetiva eabsoluta, que uma criança ou mesmo um adolescentemenor de 14 anos, por mais que tivesse uma vidadesregrada sexualmente, não era suficientementedesenvolvido para decidir sobre seus atos sexuais. Sua personalidade ainda estava em formação. Seus conceitose opiniões não haviam, ainda, se consolidado. (GRECO,2011, p. 528).

    Contrariamente, Guilherme de Souza Nucci e outros,asseguram que a relativização deverá ser efetuada em situaçõesexcepcionais, voltadas para os adolescentes com idade entre 12 e 14anos. Mas no que diz respeito aos menores de 12 anos, avulnerabilidade deve ser entendida de forma absoluta.

    4.2 Possibilidade de relativização da vulnerabilidade pelo erroinevitável do agente

    A vulnerabilidade do menor de 14 anos é relativizada pelarealidade social do jovem de hoje, que não é mais ignorante ou inocenteem matéria sexual, iniciando cada vez mais cedo em relacionamentosamorosos, com desenvolvimento físico e psicológico precoces,frequentando lugares e eventos em que só é permitida a entrada de

    maiores, com atitudes não condizentes com o comportamento de umacriança.

     Na aplicação da presunção de violência, a jurisprudência e adoutrina entendiam que, em casos como os acima mencionados, comoa desenvolvida compleição física, comportamento amadurecido eexperiência em matéria sexual, levavam o agente a incidir em erro detipo.

    Em sua obra Manual de Direito Penal, Nucci leciona:

    A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais,deve ser absoluta, quando se tratar de criança (menor de12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maiorde 12 anos). É viável debater a capacidade deconsentimento de quem possua 12 ou 13 anos, nocontexto do estupro de vulnerável. Havendo prova de plena capacidade de entendimento da relação sexual, não

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    14/23

     

    147

    tendo ocorrido violência ou grave ameaça real, nemmesmo qualquer forma de pagamento, o fato pode seratípico ou comportar desclassificação. (NUCCI, 2011, p.851)

    Julio Fabbrini Mirabete, em seu Manual de Direito Penal,leciona:

     Não se caracteriza o crime, quando a menor de 14 anosse mostra experiente em matéria sexual; já haviamantido relações sexuais com outros indivíduos; édespudorada e sem moral; é corrompida; apresenta péssimo comportamento. Por outro lado persiste o crimeainda quando a menor não é mais virgem, é leviana, éfácil e namoradeira ou apresenta liberdade de costumes.

    (MIRABETE, 2006, p. 478 apud  GRAÇA, 2010)

    Os Tribunais, acompanhando o entendimento da maioria dosdoutrinadores, vem decidindo pela relativização da vulnerabilidade,como, por exemplo, a decisão da apelação crime nº. 70044569705 dasétima câmara criminal da comarca de Quaraí, Rio Grande do Sul:

    APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA ALIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE

    VULNERÁVEL. RELAÇÃO DE NAMORO ENTREVÍTIMA E RÉU. RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITODE VULNERABILIDADE. ABSOLVIÇÃOMANTIDA, POR FUNDAMENTO DIVERSO. Avulnerabilidade da vítima não pode ser entendida deforma absoluta simplesmente pelo critério etário –  o queconfiguraria hipótese de responsabilidade objetiva  –  devendo ser mensurada em cada caso trazido àapreciação do Poder Judiciário, à vista de suas particularidades.

    Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, daTerceira Seção do Superior Tribunal de Justiça:

     Não se pode considerar crime o ato que não violado o bem jurídico tutelado –  no caso, a liberdade sexual. [...]Apesar de buscar a proteção do ente mais desfavorecido,

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    15/23

    148

    o magistrado não pode ignorar situações nas quais o casoconcreto não se insere no tipo penal.

    Quanto ao menor que possui características físicas e psicológicas evoluídas, que o fazem parecer ter mais idade do que na

    verdade tem, podendo fazer qualquer homem médio se confundir, deveser aclamado o erro de tipo, uma vez que o envolvido não sabia se tratarde um menor e estar praticando um ato delituoso. O mesmo ocorre comaquele que se encontra em ambiente cuja entrada de menores é proibida.

    O erro de tipo encontra-se disciplinado no artigo 30 do CódigoPenal e recai sobre as elementares, circunstancias ou qualquer dado quese agregue a determinada figura típica. O agente tem falsa percepçãoda realidade, faltando-lhe a consciência de que pratica uma infração penal (GRECO, 2011).

    Assim, sempre que o agente não tiver como saber a real idadeda vitima, ou seja, supor não estar presente tal elementar, incidirá sobrea falta percepção da realidade, inexistindo dolo e, por consequência,tornando o fato atípico. Deve-se destituir o caráter absoluto davulnerabilidade e reconhecer o afastamento da regra geral do artigo217-A.

    Considerar de forma absoluta a vulnerabilidade do menor de 14

    anos gera graves consequências para a vida do acusado, que seráconsiderado culpado por um crime que não cometeu, sem teroportunidade de se defender de tal alegação. É imputado a ele aresponsabilidade objetiva, na qual não há juízo de dolo ou culpa,independendo a intenção do agente.

    São ofendidos vários princípios constitucionais, como adignidade da pessoa humana, o devido processo legal, o contraditórioe a ampla defesa, a presunção de inocência, o  favor rei, adequação

    social, que tem por preceito principal o direito do acusado à defesa, bem como a liberdade de escolha em matéria sexual dos cidadãos.O direito não é estático, devendo amoldar-se às mudanças

    sociais, ponderando sempre quanto às diferenças sociais e culturaisencontradas em um país de dimensões continentais. O tema é discutido por grandes doutrinadores e juristas, o que demonstra a sua importância

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    16/23

     

    149

     para o desenvolvimento da sociedade e para a aplicação mais justa dodireito.

    5. DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

    Considerar de forma absoluta a vulnerabilidade do menor de 14anos e, consequentemente, inválido o seu consentimento, ofendealguns princípios basilares do nosso ordenamento jurídico. Condenar oagente sem que sejam analisadas as circunstâncias do caso concreto,insulta princípios como o do devido processo legal, do contraditório eda ampla defesa, da presunção de inocência, do  favor rei e daadequação social que passaremos a analisar.

    5.1 Do devido processo legal

    Previsto na Constituição Federal de 1988, o princípio do devido processo legal encontra respaldo no artigo 5º, inciso LIV,determinando que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

    De acordo com o ensinamento de Alexandre de Moraes:

    O devido processo legal configura dupla proteção aoindivíduo, atuando tanto quanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbitoformal, ao assegurar-lhe paridade total de condições como Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito adefesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável àrevisão criminal.) (MORAES, 2009, p. 106)

    A pretensão punitiva deve ser feita respeitando um procedimento regular, perante a autoridade competente, tendo poralicerce provas validamente constituídas, respeitando o contraditório ea ampla defesa. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 assegurou atodos a razoável duração do processo, os meios que garantam a

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    17/23

    150

    celeridade de sua tramitação e a plenitude de defesa. No estupro de vulnerável, a vulnerabilidade percebida de forma

    absoluta ofende o mencionado princípio uma vez que não é oferecidaao acusado a tramitação do processo conforme estabelecido em lei, semchance de produzir provas da ausência do constrangimento e doemprego de violência ou grave ameaça, e se defender. Será condenadodiretamente, independente da produção de resultado ou prejuízo.

    5.2 Do contraditório e da ampla defesa

    Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos noartigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988, são garantias aodireito absoluto e primário de defesa daquele contra quem se propõe

    uma ação penal.Conforme leciona Alexandre de Moraes:

    Por ampla defesa entende-se o asseguramento que édado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer parao processo todos os elementos tendentes a esclarecer averdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entendernecessário, enquanto o contraditório é a própriaexteriorização da ampla defesa, impondo a conduçãodialética do processo ( par conditio), pois a todo ato

     produzido pela acusação caberá igual direito da defesade opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lheapresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. (MORAES,2009, p. 106)

    É dever do Estado proporcionar a todo acusado a mais completadefesa, bem como a possibilidade de influir no convencimento domagistrado. Deve-se oportunizar a participação e manifestação sobre

    os atos que constituem a evolução processual, abrangendo o direito de produzir provas, alegar, se manifestar, ser cientificado, entre outros.Quanto ao estupro de vulnerável, considerar de forma absoluta

    a vulnerabilidade do menor é cercear o direito de defesa do acusado,que não poderá sofrer restrições, devendo haver igualdade decondições, com os mesmos direitos, poderes e ônus. 

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    18/23

     

    151

    5.3 Da presunção de inocência

    O Princípio da Presunção de Inocência é considerado um dos princípios fundamentais do Estado de Direito, tendo por objetivo atutela da liberdade pessoal, evitando um julgamento antecipado einjusto. É uma garantia processual atribuída àquele acusado pela prática de uma infração penal, oferecendo-lhe a prerrogativa de não serconsiderado culpado até o trânsito em julgado da sentençacondenatória.

    Por esse princípio, disciplinado no artigo 5º, inciso LVII daConstituição Federal, ninguém poderá ser considerado culpado até otrânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, a autoriadelitiva somente será reconhecida após o trânsito em julgado da

    decisão condenatória.A culpabilidade do indivíduo deve ser comprovada pelo Estado,uma vez que o ônus probatório cabe àquele que acusa. No caso doestupro de vulnerável o suposto envolvido, sem qualquer tipo deinstrução probatória, é considerado culpado por um crime que talveznão tenha cometido, bastando apenas que a hipotética vítima preenchao elemento da idade exigido pelo legislador.

    A presunção absoluta da vulnerabilidade ofende o referido princípio, pois ainda que exista consentimento na relação ocorrida, ouque tenha o agente incorrido em erro quanto a idade do parceiro, omaior envolvido será considerado culpado, não admitindo prova emcontrário.

    5.4 - DO FAVOR REI

    Por esse princípio, base de toda legislação processual penal,temos que a interpretação normativa deve ser feita nos momentos de

    dúvida da forma que melhor beneficie o réu. No conflito entre o direitode punir do Estado e o direito à liberdade do réu a balança deveinclinar-se em favor do último.

     No estupro de vulnerável poderá haver dúvida quanto àvalidade do consentimento da vítima, devendo amparar o acusado coma aplicação do referido princípio. Nos casos em que não há claras

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    19/23

    152

    evidências da ausência do consentimento ou do emprego de violênciaou grave ameaça deve ser dado o benefício da dúvida ao envolvido,evitando a condenação antecipada e injusta.

    5.5 Da adequação social

    Pelo princípio da adequação social, o comportamento que nãoafrontar o sentimento social de justiça, for socialmente aceito econsiderado normal, não pode sofrer valoração negativa e serconsiderado criminoso. O direito penal somente deve tipificar ascondutas que tenham certa relevância social, escolhendo as contráriase nocivas ao interesse público.

    Segundo Rogério Graco (GRECO, 2009, p. 57,58), a

    adequação social tem por função restringir o âmbito de abrangência dotipo penal, orientar o legislador na seleção das condutas que deseja proibir ou impor e na remoção do ordenamento jurídico daquelas quese adaptarem a evolução da sociedade. Deve o legislador limitar suainterpretação e proteger os bens considerados importantes.

    Com a evolução da sociedade atual, verificamos o precocedesenvolvimento sexual dos adolescentes brasileiros, que iniciam oenvolvimento sexual com cada vez menos idade e de forma consentida,em relacionamentos afetivos com maiores de 18 anos, de forma públicae com o consentimento e conhecimento dos familiares.

    Dessa forma, constata-se que considerar de forma absolutaa vulnerabilidade e inválido o consentimento da suposta vítima, semantes analisar o caso concreto, é uma ofensa ao mencionado princípio,fundamental para a interpretação e evolução da legislação penal.

    6. CONCLUSÃO

    O presente artigo tratou da relativização da vulnerabilidade domaior de 12 anos e menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, que gera grande polêmica no campo doutrinário e na ceara jurisprudencial, quanto o seucaráter relativo ou absoluto.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    20/23

     

    153

    O problema detectado nessa pesquisa configurou-se na presunção absoluta da vulnerabilidade prevista no artigo 217-A, que,com o intento de proteger a dignidade sexual dos menores de 14 anos,não traz nenhuma possibilidade de relativização do seu conceito.Focamos, então, na demonstração de teorias quanto a vulnerabilidadee as situações em que a mesma pode ser considerada de forma relativa.

     Nos casos em que resta comprovado que o agente incorreu emerro dado ao precoce desenvolvimento físico, mental e psicológico davítima, que se mostra experiente em matéria sexual e em concordânciacom a prática do fato, ausente o dolo do agente, defendemos a tese deque não restará configurado o crime, uma vez que, não há ofensa ao bem jurídico tutelado, qual seja a dignidade sexual.

    Diante da pesquisa apresentada, foi possível concluir que até os

    14 anos, o indivíduo ainda está em desenvolvimento biológico, morale psicológico e, ao criar o tipo penal do estupro de vulnerável, olegislador buscou proteger os menores das garras de exploradoressexuais e pedófilos, garantindo-lhes um desenvolvimento saudável eseguro. Compete aos pais, ao Estado e à sociedade, como um todo, a proteção da dignidade das nossas crianças e adolescente.

    Contudo, não se pode deixar de analisar as consequências e prejuízos oferecidos pela presunção absoluta da vulnerabilidade emtodos os casos. Consagra-se a responsabilidade objetiva, ao seremignorados princípios constitucionais basilares para a defesa doindivíduo.

    Destarte, optamos por seguir a corrente doutrinaria que defendea vulnerabilidade relativa, evitando que os meios de defesa e os princípios constitucionais sejam violados, ao aplicar a responsabilidadeobjetiva ao acusado pelo estupro de vulnerável. É uma grave ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana negar o direito aocontraditório e a ampla defesa, declarando alguém como culpado, por

    critérios objetivos, sem mesmo lhe dar oportunidade de justificativa plausível nessas situações.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    21/23

    154

    REFERÊNCIAS

    ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de direito penal. 7. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

    BARROS, Francisco Dirceu de. Crimes contra a dignidade sexualpara concursos: principais divergências doutrinárias e

     jurisprudenciais, questões comentadas, casos práticos e casoscriminais superinteressantes. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010.

    BRASIL. Estatuo da Criança e do Adolescente. Disponívelem: Acessoem: 07 maio 2013.

    BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Presunção deviolência contra menor de 14 anos é relativa. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105175> Acesso em 26 de dezembro de 2012.

    CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimescontra a dignidade sexual e dos crimes contra a administração. 10 ed.São Paulo: Saraiva, 2012. p. 3.

    ESTEFAM, André. Crimes sexuais: comentários à Lei n.12.015/2009. São Paulo: Saraiva, 2009.

    GÊNOVA, Jairo José. Novo crime de estupro: breves anotações. JusNavigandi, Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2013.

    GRAÇA, Camila Barroso; REIS, Claudean Serra, Estupro devulnerável e a presunção de vulnerabilidade em menores de 14anos.  Disponível em Acesso em28 de fevereiro de 2013.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    22/23

     

    155

    GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. vol. 1. 11. ed.rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2009. V. 1.

    GRECO, Rogério. Curso de direito penal:  parte especial. 8. ed. rev.atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. V. 3.

    GUIMARÃES, Caroline Barbosa. Estupro de vulnerável: da possibilidade de relativização da vulnerabilidade sexual do Artigo 217-A, caput , do Código Penal. Brasília, 2011.

    LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal unificado:estupro comum e a figura do estupro de pessoa vulnerável. Disponívelem: Acesso em 30 de Abril de 2013

    MENDES, Karolinne França; SILVA, Sergianny Pereira da. Avulnerabilidade do art. 217-A: a relativização do conceito paraafastar a responsabilização penal objetiva. Disponível em: Acesso em 12 de Março de 2013.

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo:Atlas, 2009.

     NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 12. ed. rev.atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

     NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual:comentários à Lei 12.012, de 7 de agosto de 2009 . São Paulo: Revistados Tribunais, 2009.

     NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dosTribunais, 2011.

  • 8/17/2019 O ESTUPRO de VULNERÁVEL E a PRESUNÇAO Relativa Da Vulnerabilidade, Quanto Aos Menores de 14 Anos - Ama…

    23/23

    156

    PORTINHO, João Pedro Carvalho. História e violência sexual: aidade média e os estados modernos. Disponível em:

    . Acesso em: 01 de julho de 2013.

    PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro:  parteespecial, art. 121 a 249. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2011. V. 2.

    PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com os vários ramos do direito. 8.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2013.

    RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Crimes contra aliberdade sexual. estupro de vulnerável. relação de namoro entrevítima e réu. relativização do conceito de vulnerabilidade.absolvição mantida, por fundamento diverso. Apelação crime n.70044569705. Ministério Público x C.A.C.G. Relatora: Naele OchoaPiazzeta. Acórdão de 20 de outubro de 2011.