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2 ESTUPRO DE VULNERÁVEL: DA POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DO ARTIGO 217-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. Dalila Dayse Matias Melo¹ Raissa Siqueira Mendes Pacheco² ¹Aluna do curso de direito da Faculdade Icesp Promove. ²Orientadora do curso de direito da Faculdade Icesp Promove. Resumo: Com o advento da Lei nº 12.015/09 o Título VI do Código Penal sofreu importantes alterações, sendo uma delas a criação da figura do “Estupro de vulnerável”, consequentemente, revogando o antigo regime da presunção de violência constante no revogado artigo 224 do CP. Antes da introdução da referida lei, existiam diversas divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade de relativização da presunção de violência em relação àqueles com idade inferior a quatorze anos. A introdução da nova figura típica de estupro de vulnerável, no entanto, não foi suficiente para sanar os questionamentos suscitados pela doutrina e pela jurisprudência acerca do consentimento válido pelo menor de quatorze anos para a prática de atos sexuais. Assim, o presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo a análise do crime de estupro à luz da relativização da presunção de vulnerabilidade dos menores de quatorze anos, ensejando aplicar o real objetivo da lei que atenda aos anseios sociais e, consequentemente, acompanhe o pensamento majoritário que defende a aplicação da relativização da vulnerabilidade. Palavras-chave: Direito Penal - Estupro. Código Penal Art. 217-A. Crimes contra a Dignidade Sexual. Estupro de Vulnerável. Relativização da Vulnerabilidade Sexual. Abstract: With the enactment of Law n. 12,015/09 Title VI of the Criminal Code has undergone major changes, one of which is the creation of the figure of the "vulnerable Rape", thus revoking the old regime of constant violence presumption repealed Article 224 of the Penal Code. Before the introduction of the law, there were various doctrinal and jurisprudential disagreements about the possibility of relativization of the presumption of violence against those under the age of fourteen. The introduction of the new typical figure of vulnerable rape, however, was not enough to address the questions raised by the doctrine and jurisprudence about the valid consent at least fourteen years to engaging in sexual acts. Thus, this work completion course aims to analyze the crime of rape in the light of the vulnerability of presumption of relativization of children under fourteen, occasioning apply the real purpose of the law that meets the social expectations and consequently follow the majority thought that advocates for the vulnerability of relativity. Keywords: Criminal law - Rape. Criminal Code - Article 217-A.. Crimes Against Sexual Dignity. Rape vulnerable. Relativization Sexual Vulnerability.

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ESTUPRO DE VULNERÁVEL: DA POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO

DA PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DO ARTIGO 217-A, CAPUT, DO

CÓDIGO PENAL.

Dalila Dayse Matias Melo¹

Raissa Siqueira Mendes Pacheco² ¹Aluna do curso de direito da Faculdade Icesp Promove.

²Orientadora do curso de direito da Faculdade Icesp Promove.

Resumo: Com o advento da Lei nº 12.015/09 o Título VI do Código Penal sofreu

importantes alterações, sendo uma delas a criação da figura do “Estupro de vulnerável”,

consequentemente, revogando o antigo regime da presunção de violência constante no

revogado artigo 224 do CP. Antes da introdução da referida lei, existiam diversas

divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade de relativização da

presunção de violência em relação àqueles com idade inferior a quatorze anos. A

introdução da nova figura típica de estupro de vulnerável, no entanto, não foi suficiente

para sanar os questionamentos suscitados pela doutrina e pela jurisprudência acerca do

consentimento válido pelo menor de quatorze anos para a prática de atos sexuais.

Assim, o presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo a análise do crime

de estupro à luz da relativização da presunção de vulnerabilidade dos menores de

quatorze anos, ensejando aplicar o real objetivo da lei que atenda aos anseios sociais e,

consequentemente, acompanhe o pensamento majoritário que defende a aplicação da

relativização da vulnerabilidade.

Palavras-chave: Direito Penal - Estupro. Código Penal – Art. 217-A. Crimes contra a

Dignidade Sexual. Estupro de Vulnerável. Relativização da Vulnerabilidade Sexual.

Abstract: With the enactment of Law n. 12,015/09 Title VI of the Criminal Code has

undergone major changes, one of which is the creation of the figure of the "vulnerable

Rape", thus revoking the old regime of constant violence presumption repealed Article

224 of the Penal Code. Before the introduction of the law, there were various doctrinal

and jurisprudential disagreements about the possibility of relativization of the

presumption of violence against those under the age of fourteen. The introduction of the

new typical figure of vulnerable rape, however, was not enough to address the questions

raised by the doctrine and jurisprudence about the valid consent at least fourteen years

to engaging in sexual acts. Thus, this work completion course aims to analyze the crime

of rape in the light of the vulnerability of presumption of relativization of children under

fourteen, occasioning apply the real purpose of the law that meets the social

expectations and consequently follow the majority thought that advocates for the

vulnerability of relativity.

Keywords: Criminal law - Rape. Criminal Code - Article 217-A.. Crimes Against

Sexual Dignity. Rape vulnerable. Relativization Sexual Vulnerability.

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Sumário: Introdução. 1. Breve histórico dos crimes sexuais envolvendo menor. 1.1. Os

tipos penais antes da Lei nº 12.015/09. 1.2. Os tipos penais após a lei nº12.015/09. 2.

Principais aspectos do estupro de vulnerável. 2.1. Conceito. 2.2. Objeto e bem jurídico

tutelado. 2.3. Elemento objetivo e subjetivo. 2.4. Modalidades comissiva e omissiva.

2.5. Modalidades qualificadas. 2.6. O sujeito passivo e a abrangência do conceito de

vulnerabilidade. 2.7. O alcance da expressão “ato libidinoso” nos crimes sexuais. 2.8.

Princípio da insignificância. 2.9. Ação penal e prescrição. 2.10. O erro de tipo. 2.11. A

hediondez do crime e suas consequências à luz da lei nº8.072/90. 3. A responsabilidade

penal diante da definição legal de vulnerabilidade.

Introdução

Em 07 de agosto de 2009, ocorreu uma grande revolução penal, com a vigência da

Lei nº 12.015, a redação dos ditos crimes contra os costumes foi alterada possuindo

agora a nomenclatura de crimes contra a dignidade sexual, com essa nova denominação

o bem jurídico maior a ser tutelado é a dignidade sexual, consequentemente, passando a

utilizar a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida sexual de todos os indivíduos.

Dentre as modificações realizadas, o regime jurídico da presunção de violência,

previsto no artigo 224 do Código Penal, foi revogado e substituído pela criação do tipo

penal do estupro de vulnerável com previsão no artigo 217-A do mesmo diploma legal.

Torna-se de suma importância o estudo da nova figura típica do estupro de

vulnerável no que tange à revogação da presunção de violência, isso porque questões

envolvendo a possibilidade de relativização da violência ficta sempre geraram

controvérsias entre a doutrina e a jurisprudência.

O problema de estudo do presente trabalho reside na determinação do alcance do

conceito de vulnerabilidade estabelecido na figura típica estupro de vulnerável,

principalmente no tocante ao ato sexual praticado com menor de quatorze anos com o

seu consentimento, a fim de definir se é possível relativizar aquela vulnerabilidade

nessa hipótese.

O presente trabalho tem como objetivo a análise da presunção de vulnerabilidade

quanto aos crimes contra a dignidade sexual, mais precisamente, do artigo 217-A do

Código Penal. Neste sentido busca-se confrontar os diplomas normativos, a doutrina e

quaisquer decisões relativas ao tema com o intuito de estabelecer a natureza da

violência presumida contra o vulnerável.

O trabalho em pauta não objetiva discutir a vulnerabilidade dos menores de 12 anos,

devendo esta ser entendida de maneira absoluta, delimitando-se, portanto, aos crimes

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que envolvem indivíduos que possuem mais de 12 anos e menos de 14 anos e não

portadores de enfermidade mental, não se pretende desconsiderar a figura do vulnerável

por completo, este que merece e necessita da proteção Estatal.

Por meio deste trabalho, busca-se a distinção do estado de vulnerabilidade da vítima,

ou seja, uma análise do caso concreto e assim aplicar a lei penal da melhor maneira

possível. A vulnerabilidade não deve ser entendida como um critério absoluto, mas

precisa ser medida de acordo com as circunstancias de cada caso.

Assim, o primeiro capítulo traça um breve histórico acerca dos crimes sexuais

envolvendo o menor, tratando dos tipos penais antes e depois da entrada em vigor da

Lei nº 12.015/09, objetivando demonstrar a evolução da legislação para acompanhar as

realidades sociais. Abordará, ainda, acerca do fim da presunção de violência e o

surgimento do conceito de pessoa vulnerável.

O segundo capítulo, por sua vez, analisa os principais aspectos do crime de estupro

de vulnerável, assim irá dispor sobre: conceito e objeto jurídico tutelado, o sujeito

passivo, ação penal e prescrição, o erro de tipo, bem como, a hediondez prevista na Lei

nº 8.072.

Por fim, o último capítulo trata da questão da responsabilidade penal diante da

vulnerabilidade estabelecida pelo Código Penal, com especial destaque na

vulnerabilidade absoluta à luz da Constituição Federal da República tal como

posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema.

1. Breve histórico dos crimes sexuais envolvendo menor

Nesse ponto, a pesquisa se debruça num brevíssimo histórico acerca do tema no

contexto brasileiro, destacando leis anteriores que são similares à questão em tela. É

notável que o tema chegou por diversas vezes estampar a primeira pagina de jornais,

com os crescentes casos apontados em nossa sociedade, trouxe debates calorosos e

ganhou a devida força nos últimos anos, porém é de grande importância demonstrar a

evolução legislativa pertinente ao tema abordado.

1.1. Os tipos penais antes da lei nº 12.015/02

A violência sexual é uma realidade existente nas mais diversas culturas e classes

sociais da sociedade. Desde os primórdios há relatos sobre a existência desse tipo de

conduta e a grande repugnância que ela causava.

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Ao longo dos anos, ocorreram diversas mudanças acerca da punibilidade de agentes

que praticavam tal violência. Tais mudanças faziam-se necessárias pela evolução do

comportamento humano e a evolução de direitos e deveres.

Até agosto de 2009, o Título VI do Código Penal previa os crimes contra os

costumes e contra a liberdade sexual. De acordo com os ensinamentos de CAPEZ:

Sob a epígrafe Dos crimes contra os costumes tutela o Código Penal a

moral social sob o ponto de vista sexual. A lei penal não interfere nas

relações sexuais normais dos indivíduos, mas reprime as condutas

anormais consideradas graves que afetem a moral média da

sociedade.1

Dentre os crimes previstos no Título VI do Código Penal havia o estupro, o atentado

violento ao pudor, a posse mediante fraude, o assédio sexual e a corrupção de menores,

previa-se também suas formas qualificadas e presumidas.

1.2. Os tipos penais após a lei nº 12.015/02

Em agosto de 2009 entrou em vigor a Lei nº 12.015/09 alterando significativamente

o Código Penal, especificamente o Título VI, também alterou o artigo 1º da Lei de

Crimes Hediondos, Lei nº 8.072/90, revogou o artigo 224 do Estatuto da Criança e do

Adolescente e a Lei nº 2.252/54. 2

É importante destacar a nova nomenclatura conferida ao Título VI do Código Penal

antes denominado “Crimes Contra os Costumes” passam a ser denominado “Crimes

Contra a Dignidade Sexual”. Isso demonstra o enorme peso que o tema da violência

sexual vem ganhando importância atualmente.

Segundo a doutrina majoritária, a expressão crimes contra os costumes já não

traduzia a realidade dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se

encontravam no Título VI do Código Penal, pois era necessário ser mais específico ao

se abordar o tema.

Uma das mais marcantes alterações trazidas pela Lei nº 12.015/90 foi à unificação

dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal, revogando

o artigo 214 do Código Penal.

2. Principais aspectos do estupro de vulnerável

1 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12 ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 18. 2 BRASIL. Estatuto da Criança e Adolescente: Lei n° 8.069 de 13 de Julho de 1990. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 23 de abr. de 2016.

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2.1. Conceito

Como já descrito anteriormente, a unificação dos delitos de estupro e atentado

violento ao pudor após o advento da Lei nº 12.015/90 tornou-se uma das principais

mudanças, no Código Penal, referentes aos crimes contra a dignidade sexual.

Destarte, o crime de estupro praticado contra pessoa vista e caracterizada como

vulnerável nos termos da lei, com violência ficta, isto é presumida, deixou de integrar o

artigo 213 do Código Penal, configurando-se agora como crime autônomo com previsão

legal no artigo 217-A denominado “estupro de vulnerável”.

O artigo 217-A do Código Penal, denominado de “estupro de vulnerável”, é

definido nos seguintes termos: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso

com menor de 14 anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. 3

O verbo “ter” se traduz em alcançar ou obter algo, o que neste caso é a copulação

pênis-vagina, ou seja, a conjunção carnal. No que se refere ao verbo praticar, este se

refere a realizar ou fazer quaisquer outros atos libidinosos, ou seja, diverso de

conjunção carnal.

Ressalte-se que, como no estupro visto como simples, há discussão sobre o crime se

tratar de um tipo misto alternativo ou tipo misto cumulativo. O crime é misto, ou

múltiplo, quando o agente ao cometê-lo passa por várias condutas no mesmo tipo penal.

Assim, é misto alternativo aquele crime no qual há uma fungibilidade entre as

diversas condutas, isto é, vários núcleos do tipo penal, se tornando indiferente a ação de

qualquer um deles, pois o delito continua único. 4

Por outro lado, é crime misto cumulativo quando o tipo penal prevê várias condutas,

ou núcleos, mas não há fungibilidade entre eles, pois são autônomos. Com isso, há um

desvalor ao fato quando o autor pratica mais de uma conduta. 5

Considera-se crime é misto alternativo, ou seja, permite a cumulação e fungibilidade

de suas condutas, não se enquadrando o agente, com isto, em delitos diversos. O crime

se caracteriza se o autor praticar apenas uma das condutas, ou duas ou todas contra a

3 BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 23 de abr. de

2016. 4 NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

901. 5 NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

903.

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mesma pessoa, sendo assim, se o agente praticar atos libidinosos com a vítima ao

tempo da realização da relação sexual, responde tão somente por um delito.

Sobre essa análise tem-se o seguinte “Habeas Corpus”:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.

DESCABIMENTO. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO

PUDOR. ALEGAÇÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA.

CONDUTAS PRATICADAS CONTRA A MESMA VÍTIMA, NO

MESMO CONTEXTO ÁTICO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº

12.015/2009. RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. ESTUPRO

DE VULNERÁVEL. [...] Com o advento da Lei nº 12.015/2009, que

trouxe para um mesmo tipo penal as condutas de estupro e atentado

violento ao pudor, ambas as figuras típicas foram unificadas, restando

sedimentado na jurisprudência dessa Corte o entendimento segundo o

qual, ante a prática de conjunção carnal e atos libidinosos contra a

mesma vítima e em um mesmo contexto fático, forçoso é o

reconhecimento de crime único, não havendo falar em concurso

material ou continuidade delitiva. 6

Nesse sentido, se trata de uma nova interpretação jurisprudencial por uma resposta a

vários clamores sociais, pois há a unificação da conduta de estupro e de atentado

violento ao pudor.

Entretanto, caso seja considerado como tipo misto cumulativo o agente responderá

pelos atos separadamente, ou seja, caso ele tenha cometido duas conjunções carnais e

três atos libidinosos, ele responderá por cinco crimes em concurso material.

Observa-se que ainda existem alguns magistrados que, mesmo após a Lei nº

12.015/2009 entendem se tratar de crime misto cumulativo, como é o exemplo da

Ministra VAZ:

PETIÇÃO RECEBIDA COMO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO

PENAL. PACIENTE COM DUAS CONDENAÇÕES POR

ESTUPRO PRESUMIDO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR.

PEDIDO DE REVISÃO DA PRIMEIRA CONDENAÇÃO POR

CERCEAMENTO DE DEFESA, E PARA AFASTAMENTO DO

CARÁTER HEDIONDO DO DELITO. ALEGAÇÃO DE

DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA EM RELAÇÃO À

SEGUNDA AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

NECESSIDADE DE REEXAME APROFUNDADO DA PROVA

PRODUZIDA NOS AUTOS. VIA IMPRÓPRIA. CONDENAÇÕES

PELOS CRIMES EM CONCURSO MATERIAL.

SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 12.015/2009. REUNIÃO DE

AMBAS IGURAS DELITIVAS EM UM ÚNICO CRIME. TIPO

MISTO CUMULATIVO. CUMULAÇÃO DAS PENAS.

6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 262367/GO. 6ª Turma, Relator Ericson

Maranhão, 24/03/2015. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=Estupro+e+Atentado+Violento+ao+Pudor> Acesso em: 23 de abr.

de 2016.

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INOCORRÊNCIA DE CONSTRAGIMENTO ILEGAL [...] Tendo as

condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do

tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade

delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção

carnal, mesmo depois de o Legislador tê-las inserido num só artigo de

lei. Se durante o tempo em que a vítima esteve sob o poder do agente,

ocorreu mais de uma conjunção carnal caracteriza-se o crime

continuado entre as condutas, porquanto estar-se-á diante de um

repetição quantitativa do mesmo injusto. Todavia, se, além da

conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como o coito anal, por

exemplo, cada um desses caracteriza crime diferente e a pena será

cumulativamente aplicada à reprimenda relativa à conjunção carnal. 7

Acerca da classificação do crime de estupro de vulnerável, o doutrinador GRECO

disserta que:

No que diz respeito ao sujeito ativo, quando a conduto for dirigida à

conjunção carnal, terá a natureza de crime de mão-própria, e comum

nas demais situações, ou seja, quando o comportamento for dirigido à

prática de outros atos libidinosos; crime próprio com relação ao

sujeito passivo, uma vez que a lei exige que seja a vítima menor de 14

(catorze) anos (caput), ou portadora de enfermidade ou deficiência

mental, que não tenha o necessário discernimento para a prática do

ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência;

doloso; comissivo (podendo ser praticado via omissão imprópria, na

hipótese de o agente gozar do status de garantidor); material; de dano;

instantâneo; de forma vinculada (quando disser respeito à conjunção

carnal) e de forma livre (quando estivermos diante de um

comportamento dirigido a prática de outros atos libidinosos);

monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte e transeunte

(dependendo da forma como é praticado, o crime poderá deixar

vestígios, a exemplo do coito vagínico ou do sexo anal; caso contrário,

será difícil sua constatação por meio de perícia, oportunidade em que

deverá ser considerado um delito transeunte). 8

A vulnerabilidade é objeto de especifico de preocupação dos Poderes Públicos, o

estupro de vulnerável possui como objetivo punir e coibir quaisquer relações sexuais ou

práticas de atos libidinosos, mesmo com o consentimento da vítima, com menores de 14

anos e com pessoas portadoras de necessidade específicas definidas em lei.

2.2. Objeto e bem jurídico tutelado

O crime elencado no Título VI do Código Penal, estupro de vulnerável, visa a

proteção da liberdade sexual, tanto quanto a dignidade sexual são objetos jurídicos

protegidos.

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Petição nº 6.610/SP. Relatora Laurita Vaz, 5ª Turma,

09/03/2012). Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2252240/5-turma-do-stj-em-posicao-

divergente-declara-o-art-213-do-cp-como-tipo-misto-cumulativo>. Acesso em: 23 de mar. de 2016. 8 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 538.

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Em relação ao objeto material do delito em questão, tem-se a pessoa vulnerável,

GRECO define o objeto material deste crime da seguinte maneira:

[...] a criança, ou seja, aquele que ainda não completou 12 (doze) anos,

nos termos preconizados pelo caput do art. 2º do Estatuto da Criança e

do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) .

Portanto, legalmente a criança é vulnerável quando se encaixa nesse critério

biológico estipulado pelo doutrinador, isto é, quando, do fato, não possui 12 anos

completos.

2.3. Elemento Objetivo e Subjetivo

De acordo com NUCCI os elementos objetivos do tipo são: “Ter (conseguir, alcançar)

conjunção carnal (cópula entre pênis e vagina) ou praticar (realizar, executar) outro ato

libidinoso (qualquer ação relativa à obtenção de prazer sexual) com menor de 14 anos.” 9

Sendo assim, independe do consentimento da vítima, o simples ato de ter conjunção

carnal ou praticar quaisquer atos libidinosos com a vítima, caracterizada como

vulnerável, configura o elemento objetivo do tipo. O elemento subjetivo é o dolo do

agente que pratica a conduta, neste sentido MIRABETE leciona que:

No estupro de vulnerável, o dolo é a vontade de ter conjunção carnal

ou de praticar ato libidinoso com menor de 14 anos ou pessoa

vulnerável nos termos do parágrafo 1º do art. 217. É necessária a

consciência dessa condição de vulnerabilidade do sujeito passivo. A

dúvida quanto à idade ou à enfermidade ou doença mental da vítima é

abrangida pelo dolo eventual. 10

Não se admite a modalidade culposa, por ausência de dispositivo legal expresso

nesse sentido.

2.4. Modalidades comissiva e omissiva

O delito em questão, como regra, é comissivo, isto é, em que o agente tem

comportamento ativo e intencional de fazê-lo. Entretanto, há possibilidade de ser

praticado via omissão imprópria, que se caracteriza quando o agente possui status de

garantidor, como previsto pelo parágrafo 2º do artigo 13 do Código Penal.

9 NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

834. 10

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 411.

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10

Um exemplo recorrente desse tipo de conduta omissiva se caracteriza quando mães

aceitam, permitem ou não tentam impedir que seus maridos ou companheiros tenham

relações sexuais com seus filhos.

2.5. Modalidades qualificadas

O artigo 217-A do Código Penal prevê, nos parágrafos 3º e 4º duas modalidades

qualificadas no delito de estupro de vulnerável. O primeiro caso, previsto no § 3º,

discorre acerca da qualificação do crime pelo resultado lesões graves. Ou seja, se a

partir da conduta do agente delituoso houver resultado de lesão corporal de natureza

grave, sendo esta, prevista nos parágrafos 1º e 2º do artigo 129 do Código Penal, para a

vítima, a pena cominada é de reclusão, de dez a vinte anos.

O parágrafo 4º prevê a qualificação pelo resultado morte, sendo assim, se da conduta

do agente resultar em morte da vítima, a pena cominada é de reclusão, de doze a trinta

anos.

Destarte GRECO defende que esses resultados que qualificam a infração penal

somente podem ser imputados ao agente a título de culpa, cuidando-se, outrossim, de

crimes eminentemente preterdolosos. 11

O crime de estupro de vulnerável, em sua forma simples e qualificado é considerado

como hediondo, consoante expresso teor do artigo 1º, da Lei nº 8.072/90. Dessa forma,

o Poder Legislativo entendeu por hediondos crimes que merecem maior reprovação do

Estado, portanto, possuem penas mais severas.

2.6. O sujeito passivo e a abrangência do conceito de vulnerabilidade

O Código Penal brasileiro, no artigo 217-A, possui como sujeito passivo o indivíduo

que se caracteriza como vulnerável, independentemente de seu gênero. Nesse sentido

NUCCI afirma que o sujeito passivo do estupro de vulnerável é “a pessoa vulnerável

(menor de 14 anos, enfermo ou deficiente mental, sem discernimento para a prática do

ato, ou pessoa com incapacidade de resistência).” 12

11

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 541. 12

NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

833.

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11

A abrangência do conceito de vulnerabilidade vai além do fator cronológico deste

tipo penal, também se considera sujeito passivo os que têm deficiência mental ou

quaisquer enfermidades que privam o pleno discernimento acerca de questões sexuais.

Nesse contexto, o professor CAPEZ disciplina que

[...] não se confundem a vulnerabilidade e a presunção de violência da

legislação anterior. São vulneráveis os menores de 18 anos, mesmo

que tenham maturidade prematura. Não se trata de presumir

incapacidade e violência. A vulnerabilidade é um conceito novo muito

mais abrangente, que leva em conta a necessidade de proteção do

Estado em relação a certas pessoas ou situações. Incluem-se no rol de

vulnerabilidade casos de doença mental, embriaguez, hipnose,

enfermidade, idade avançada, pouca ou nenhuma mobilidade de

membros, perda momentânea de consciência, deficiência intelectual,

má formação cultural, miserabilidade social, sujeição a situação de

guarda, tutela ou curatela, temor reverencial, enfim, qualquer caso de

evidente fragilidade. 13

Observa-se que em relação ao sujeito passivo não há discussão acerca da

relativização, o próprio tipo penal expõe sobre “[...] o discernimento necessário para a

prática do ato”,14

ou seja, o tipo penal impõe que se deve verificar como o

discernimento do sujeito passivo é afetado pelo grau da doença mental ou pela

deficiência mental.

Nesse sentido JESUS, corroborando com NUCCI, menciona que além dos menores

de 14 anos, também são considerados vulneráveis “[...] aqueles que possuem

enfermidade ou deficiência mental que lhes retire a capacidade de discernimento do

ato”. 15

Acerca da vulnerabilidade da vítima portadora de enfermidade ou deficiência mental

não basta que seja portadora de doença mental ou que seu desenvolvimento mental seja

incompleto ou retardado é imprescindível que, por uma dessas causas, a capacidade de

entendimento ou de autogoverno implique em total incapacidade de consentir ou

resistir.

Nesse sentido, para que o crime de estupro de vulnerável seja configurado é

necessário o conhecimento do agente acerca da vulnerabilidade da vítima, nas palavras

13

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12 ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 80. 14

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 23 de abr. de

2016. 15

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial, volume III. Dos crimes contra a propriedade

imaterial a dos crimes contra a paz pública. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 159.

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12

de GRECO: “[...] deverá o agente ter conhecimento de que a vítima é menor de 14 (catorze)

anos, ou que esteja acometida de enfermidade ou deficiência mental, fazendo com que não

tenha o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, por outra causa, não possa

oferecer resistência” 16

2.7. O alcance da expressão “ato libidinoso” nos crimes sexuais

Atos libidinosos são todos os atos lascivos que visam prazer sexual se dividem em

dois grupos alguns são considerados como próprios, possuindo caráter nitidamente

sexual, ainda que não haja penetração entre o pênis e a vagina como a masturbação,

sexo oral, sexo anal, por exemplo. 17

Já outros são impróprios, ou seja, inicialmente não possuem caráter sexual,

entretanto, adquirem caráter libidinoso em razão das circunstâncias em que são

praticados. Por exemplo, em caso de um médico tocar em órgãos sexuais da paciente em

seu consultório pode, ou não, configurar estupro. Mas se o mesmo médico o fizer fora

de seu ambiente de trabalho se trata nitidamente de estupro. 18

CAPEZ define ato libidinoso da seguinte maneira: “Ato libidinoso é aquele

destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante

abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que

tenha por finalidade a satisfação da libido.” 19

Nesse sentido deve-se entender a conjunção carnal como a cópula entre o homem e

a mulher, a efetiva penetração do membro viril na vagina. Por sua vez, ato libidinoso é

termo generalíssimo que corresponde a todos e quaisquer atos destinados à satisfação da

libido, razão pela qual compreende a própria conjunção carnal como uma de suas

possíveis formas.

Não são todos os atos libidinosos que importam em estupro. O tipo penal restringe-

se ao ato de praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, portanto,

não foram contempladas as hipóteses em que a vítima é constrangida a assistir a atos

sexuais praticados. Nesse sentido, o delito de estupro exige a participação ativa ou

16

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 540. 17

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 618. 18

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 618. 19

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12 ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 26.

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13

passiva da vítima, quer seja com o autor ou consigo mesma. Em suma, o essencial é

uma intervenção sobre o corpo da vítima, constrangendo-a a praticar ou permitir que

com ela se pratique tal ato.

Sobre o tema, CAPEZ afirma que “[...] também caracteriza ato libidinoso diverso

da conjunção carnal a ação do agente que, mediante o emprego de violência ou grave

ameaça, beija a vítima de forma lasciva, ou apalpa seus seios ou nádegas, ou acaricia

suas parte íntimas, ainda que esteja vestida.” 20

Sendo assim, não cometeria o crime em questão, mas constrangimento ilegal, o

indivíduo que obrigasse a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a assistir a atos

libidinosos praticados por terceiros, uma vez que a vítima não estaria praticando o ato,

nem permitindo que com ela fosse praticado.

O ato de manifestar o desejo de praticar atos libidinosos com alguém ou proferir

palavras obscenas não constitui estupro, pois é necessária a existência de algum tipo de

contato físico ou corpóreo com a vítima para o fim de libidinagem.

Não é possível definir exatamente o que pode vir a ser outro ato libidinoso, a

conduta humana é capaz de inovar essa expressão tornando-se impossível criar uma

listagem taxativa acerca do que seriam os atos libidinosos ou outro meio de conseguir

satisfação sexual.

2.8. Princípio da insignificância

Discute-se com frequência a questão da possibilidade da configuração do delito com

relação a atos de menor importância. Esses crimes são tidos como insignificantes, ou de

bagatela.

Segundo o dicionário jurídico de SANTOS o “Crime de Bagatela – Crime pelo

qual, depois de examinados, o juiz chega à conclusão de que a pena fixada, mesmo

sendo mínima, é inteiramente desproporcional ao fato.” 21

Majoritariamente, entende-se que condutas formalmente libidinosas, de cunho

exclusivamente sexual, que não importem em um constrangimento grave à liberdade

sexual da vítima, possuem aplicação do princípio da insignificância, e, uma vez

20

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12 ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 27. 21

SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 63.

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14

reconhecida à insignificância, segue-se, então, a possibilidade de absolvição ou a

desclassificação.

2.9. Ação penal e prescrição

2.9.1 Ação penal

O poder de punir do Estado é exercido mediante ação penal. A ação penal é o direito

público subjetivo de requerer ao Estado a aplicação da norma ao caso concreto. Divide-

se em pública e privada, podendo aquela ser incondicionada ou condicionada à

representação da vítima e está subdividida em ação penal privada exclusiva, subsidiária

ou personalíssima. 22

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público possui

privativamente a iniciativa para as ações penais públicas, dando-se início por meio de

“denúncia” que deve obedecer aos requisitos previstos no artigo 44 do Código de

Processo Penal. 23

Os crimes de cunho sexual, previstos no Título IV do Código Penal, que antes

discorria acerca da presunção de violência e algumas formas qualificadas, agora regula

também a ação penal nos delitos contra a dignidade sexual, além de discorrer sobre as

causas de aumento de pena dos crimes contra a liberdade sexual.

Anteriormente a Lei 12.015/09, o crime de estupro era perseguido por ação penal

privada, mediante “queixa-crime”, quando havia insuficiência de renda para arcar com

as custas processuais a ação penal seria intentada pelo Ministério Público, mediante a

representação da vítima. Nos casos de abuso do poder familiar ou quando o crime era

praticado mediante o emprego de violência real a ação penal seria pública

incondicionada. 24

Outra hipótese a qual será permitido ao Ministério Público ofertar denúncia, em

relação aos crimes sexuais, está prevista na Súmula 608 do STF: “No crime de estupro,

praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.” 25. Ocorre

22

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 111. 23

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil De 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 23 de abr. de 2016. 24

BRASIL. Lei n° 12.015 de 7 de Agosto de 2009. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm> Acesso em 23 de março de

2016. 25

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmulas. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp ?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_601_700.

Acesso em 23 de mar. de 2016.

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15

que tanto doutrinadores quanto a jurisprudência vêm dando dupla interpretação quanto à

aplicabilidade dessa Súmula.

A primeira interpretação entende que nos crimes de estupro e atentado violento ao

pudor quando cometidos mediante violência real, ou seja, lesões corporais ou vias de

fato aplica-se a Súmula 608 do STF, pois estar-se-ia diante de um crime complexo, com

base no artigo 101 do Código penal, autorizando o Ministério Público a intentar a ação

penal pública. 26

A partir da edição da Súmula 608, o Supremo Tribunal Federal confirmou seu

entendimento no sentido de que o artigo 101 do CP deve prevalecer sobre o artigo 225,

sendo assim, nos casos de violência real no crime de estupro, o Ministério Público

estaria autorizado a intentar a ação penal, no caso, pública incondicionada. 27

Nestes termos:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIMES DE HOMICÍDIO E

ESTUPRO. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

QUANTO AO CRIME SEXUAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DE

REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA. IRRELEVÂNCIA. CRIME

PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA REAL. SÚMULA

608/STF. AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA. Consoante o

entendimento firmado neste Superior Tribunal, tratando-se de crime

de estupro praticado com emprego de violência real, a ação penal é

pública incondicionada. Inteligência as Súmula 608/STF. 28

Por outro lado, há o entendimento de que no delito de estupro com violência real a

iniciativa é sempre privada, salvo as exceções dos §§ 1º e 2º do artigo 225. Segundo

essa corrente, as lesões corporais leves e as vias de fato seriam absorvidas pelo delito

sexual praticado, ou seja, o crime de estupro não seria complexo, não havendo, portanto,

possibilidade de aplicar o artigo 101 do Código Penal. Os seguidores dessa corrente

preceituam a flagrante impropriedade da Súmula 608 do STF. 29

26

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 23 de Abril de

2016. 27

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 23 de Abril de

2016. 28

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 168697/SP. 2010/0064439-4. Relator: Ministro

Sebastião Reis Júnior. Data de Julgamento: 07/02/2012. T6 Sexta Turma. Data de Publicação no DJe

21/03/2012. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21459299/habeas-corpus-hc-

168697-sp-2010-0064439-4-stj/inteiro-teor-21459300> . Acesso em 23 de mar. de 2016. 29

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 23 de Abril de

2016.

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16

Em 2009, a Procuradoria Geral da República ajuizou uma Ação Direita de

Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a nova redação do artigo 225

do Código Penal, a procedência da ADI irá revogar o entendimento previsto na súmula

608 do STF.

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido liminar,

proposta pelo Procurador-Geral da República, contra a redação dada

ao art. 225 do Código Penal pela Lei nº12.015, de 7 de agosto de

2009, que teria ofendido os princípios da dignidade da pessoa humana

e da proibição da proteção deficiente por parte do Estado. Tendo em

vista a relevância da matéria e seu especial significado para a

segurança jurídica, adoto o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999. 30

Pelo exposto, percebe-se que em decorrência da publicação da Lei nº 12.015 de

2009, cessou a eficácia da súmula do STF em razão do legislador não ter excepcionado

as condutas praticadas com violência real, portanto, enquanto não for declarada a

inconstitucionalidade pelo STF cabe aos juízes a realização do controle difuso do art.

225.

De acordo com a nova lei, a ação penal agora é pública condicionada à

representação, sendo que, quando a vítima é menor de 18 anos ou vulnerável

transforma-se em pública incondicionada. Nesse sentido, com o advento da referida lei,

o artigo 225 do Código Penal sofreu algumas alterações, dentre elas a abolição da ação

penal privada nos crimes sexuais, agora subsistindo a ação penal pública condicionada à

representação como regra geral. Assim, a nova redação do artigo dispõe:

Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se

mediante ação penal pública condicionada à representação.

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública

incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa

vulnerável. 31

Portanto, em se tratando de estupro na sua forma simples, previsto no caput do

artigo 213 do Código Penal a ação penal é pública, entretanto, detém a necessidade de

representação do ofendido ou de seu representante legal sujeitando-se à decadência

quando não houver manifestação no prazo de seis meses previsto em lei. Quando o

30

BRASIL; Supremo Tribunal Federal.. ADI 4301. MC. Relator (a): Min. Joaquim Barbosa, julgado em

07/10/2009, publicado no DJe – 194 Divulgado em 14/10/2009. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=TP&docID=431709. Acesso em 23 de abr. de

2016. 31

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 23 de Abril de

2016.

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17

estupro for praticado contra pessoa menor de dezoito anos ou contra aqueles

considerados vulneráveis a ação penal é pública incondicionada.

Verifica-se que a legitimidade para propor a ação penal sempre e do Estado, por

meio do Órgão Ministerial, havendo aqueles casos em que há necessidade de

representação do ofendido para exercer o direito de ação.

2.9.2 Prescrição

A Lei 12.650, de maio de 2012 que versa sobre prescrição penal alterou o Código

Penal introduzindo um novo termo inicial da prescrição da pretensão punitiva dos

crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

Os termos iniciais da prescrição estão previstos no artigo 111 do Código Penal. O

advento da referida lei acrescentou o inciso V no artigo 111 do Código Penal, sendo

assim agora há previsão de uma nova regra específica para o termo inicial da prescrição:

Art. 111 A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final,

começa a correr:

I. do dia em que o crime se consumou;

II. no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;

III. nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;

IV. nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento

do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. 32

V. nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes,

previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a

vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver

sido proposta a ação penal. 33

Nesse diapasão, o prazo prescricional começa a correr quando a vítima completa 18

anos se for cometido um delito contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

Entretanto, nada impede que seja, desde logo, instaurado o inquérito policial para apurar

o crime e que o Órgão Ministerial ofereça denúncia.

2.10. O erro de tipo

32

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 23 de abr. de

2016. 33

BRASIL. Lei n° 12.650 de 17 de Maio de 2012. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2011-2014/2012/lei/l12650.htm> Acesso em: 23 de abr. de

2016.

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18

Na definição de NUCCI: “É o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo

penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes”. 34

Sendo assim, é

o erro que recai sobre elementos que estruturam o crime, criando um vício na vontade

pela falsa representação da realidade.

O erro de tipo está previsto no Código Penal em seu artigo 20 que dispõe que: “O

erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a

punição por crime culposo, se previsto em lei”. 35

De acordo com os ensinamentos de MASSON acerca da possibilidade de

configuração do erro de tipo:

A vulnerabilidade tem natureza objetiva. A pessoa é ou não

vulnerável, conforme reúna ou não as peculiaridades indicadas pelo

caput ou pelo parágrafo 1º do art. 217-A do Código Penal. Com a

entrada em vigor da Lei nº 12.015/2009 não há mais espaço para

presunção de violência, absoluta ou relativa, na seara dos crimes

sexuais. No entanto, nada impede a incidência do instituto do erro de

tipo, delineado no art. 20, caput, do Código Penal, no tocante ao

estupro de vulnerável, e também aos demais crimes sexuais contra

vulneráveis. 36

Nesse sentido, caracteriza-se o erro de tipo quando o agente desconhece alguma

condição concernente ao tipo penal, não há intenção de produzir o tipo objetivo,

tornando-se, assim, a conduta atípica por não estar presente o dolo. Nas palavras de

GRECO o “[...] dolo é a vontade livre e consciente de praticar a conduta criminosa”.

37. Um exemplo da ocorrência de erro de tipo, nas palavras de CAPEZ ocorreria quando:

Sujeito inexperiente vai a uma casa noturna, na qual só podem entrar

maiores de 18 anos; lá conhece uma prostituta muito bem

desenvolvida fisicamente, combina um “programa” e com ela se dirige

a um motel; após apresentarem seus respectivos documentos de

identidade na portaria, chegam a um cômodo; tão logo se encerra o ato

sexual (negocial), a polícia invade o quarto e prende o agente, uma

vez que a moça tinha apenas 13 anos de idade. [...] A segunda

hipótese seria a do erro de tipo essencial, o qual excluiria o dolo e

34

NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

309. 35

BRASIL. Código Penal: Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 23 de abr. de

2016. 36

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial, volume III. 4 ed. São Paulo:

Método, 2014, p. 134. 37

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 90.

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19

tornaria o fato atípico, diante da ausência de previsão legal, conforme

ampla jurisprudência a respeito do revogado art. 224 do CP. 38

A doutrina diferencia o erro de tipo vencível do erro de tipo invencível, ou seja,

quando há o erro invencível afasta-se tanto o dolo quanto a culpa do agente; tratando-se

de erro vencível ou evitável é injustificável, decorre da falta de cuidado do agente, nesse

sentido NUCCI disciplina:

[...] se denomina erro escusável (ou inevitável) aquele que, afastando

o dolo, possibilita ainda a exclusão da culpa, tendo em vista que

qualquer pessoa, ainda que prudente nos seus atos, teria provocado o

resultado. Por outro lado, erro inescusável (ou evitável) é aquele que

viabiliza o afastamento do dolo, mas permite a punição por crime

culposo, se houver a figura típica, uma vez que o agente não se

comportou com a prudência que lhe é exigida. 39

De acordo com o artigo 217-A do Código Penal, exige-se a presença do elemento

subjetivo para a configuração do delito, ou seja, o agente deve conhecer o estado de

vulnerabilidade da vítima, fato que inviabiliza manter prática sexual com pessoa menor

de 14 anos ou que tenha alguma incapacidade física ou mental, sob pena de incorrer em

erro de tipo.

Observa-se que o agente delituoso deve, ao menos, ter a consciência plena no

momento da prática da relação sexual com o vulnerável. De acordo com

BITENCOURT deve haver consciência acerca das consequências de sua conduta, veja-

se: “A consciência de todas as elementares do tipo, como elemento do dolo, deve ser

atual, isto é, deve existir no momento em que a ação está acontecendo, ao contrário da

consciência da ilicitude (elemento da culpabilidade), que pode ser apenas potencial.” 40

Pelo exposto, depreende-se que quando o agente não possui conhecimento ou a

consciência plena no momento da realização prática libidinosa, em se tratando de vítima

vulnerável, cometendo erro razoável, é legitima a aplicação do caput do artigo 20 do

Código Penal, tornando-se, assim, o fato atípico por ausência de previsão culposa do

tipo penal. Entretanto, há o entendimento de que nos casos de utilização de violência ou

grave ameaça, desclassifica-se para a modalidade qualificada de estupro prevista no

parágrafo 1º do artigo 213 do Código Penal.

38

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12 ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 87. 39

NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014,

p. 310. 40

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, volume I. 17 ed. São

Paulo: Saraiva, 2012, p. 235.

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2.11. A hediondez do crime e suas consequências à luz da lei nº 8.072/90

A natureza jurídica dos crimes denominados hediondos está diretamente vinculada a

Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLIII que preceitua que “a lei

considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia [...] os crimes

definidos com hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,

podendo evita-los, se omitiram”. 41

Em julho de 1990 foi editada a lei que regulamenta dispositivo constitucional. Neste

sentido, entende-se por hediondo o crime alarmante, depravado, horrendo, que causa

indignação moral, isto é, são crimes que ofendem aos bens juridicamente tutelados de

forma degradante. Percebe-se que as consequências aplicadas em razão da prática de

delitos que se enquadram neste molde possuem elevado grau de severidade penal e

processual.

A partir da Lei nº 12.015/09 o estupro de vulnerável passou a ter caráter hediondo,

colocando fim a controvérsia sobre a possibilidade de aplicação do artigo 9º da Lei dos

Crimes Hediondos aos antigos casos de crimes de estupro ou atentado violentos ao

pudor cometidos mediante violência presumida.

Nesse sentido:

Com o advento da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, os delitos de

estupro e atentado violento ao pudor praticados contra menor de 14

(quatorze) anos passaram a ser regulados por um novo tipo penal, sob

a denominação de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do

Código Penal, não sendo mais admissível a aplicação do art. 9.º da Lei

nº 8.072/90 aos fatos posteriores a sua vigência. 42

Assim, fica evidente que a interpretação mudou, entendendo que o estupro de

vulnerável se classificou como crime hediondo, portanto, com mais reprovação social e

com penas mais severas que o tipo comum.

Em decorrência da revogação do artigo 224 do Código Penal, não há mais a

possibilidade de aplicação do aumento de pena do artigo 9º da Lei de Crimes

Hediondos, Lei nº 8.072/90, sendo assim, esta impossibilidade gera efeitos retroativos,

41

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil De 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 23 de abr. de 2016. 42

BRASIL; Superior Tribunal de Justiça. HC n° 199.947/PB 2011/0052355-3. Relator: Ministra Laurita

Vaz, T5 Quinta Turma, DJe 26/02/2014. Disponível em:

<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24971094/habeas-corpus-hc-199947-pb-2011-0052355-3-

stj/inteiro-teor-24971095> Acesso em 28 de mar. de 2016.

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21

afastando-se o aumento de pena previsto de ½ das decisões e também das penas em

execução.

Nesse sentido, MASSON disciplina que:

Para resolver este problema, será preciso modificar mais uma

vez a lei dos crimes hediondos, alterando seu artigo 9º para

inserir neste dispositivo, de forma expressa e específica, as

hipóteses em que a pena de certos crimes hediondos deverá ser

aumentada de metade, afastando-se a menção ao revogado artigo

224 do CP. 43

Portanto, ainda falta muito que se fazer legislativamente. Todavia, esforços já se

iniciaram para tentar suprir o clamor social. Foi um grande avanço, mas se faz

necessária clareza na letra da lei.

3. Vulnerabilidade Absoluta X Vulnerabilidade Relativa

Após o advento da Lei nº 12.015 de 2009, com a criação do tipo penal do artigo

217-A, não houve por parte do legislador nenhuma menção à presunção de violência,

eliminando debates acerca do grau que impossibilita a compreensão do ato sexual,

sendo assim, a vulnerabilidade seria absoluta.

3.1. Distinção entre vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa

Segundo o conceito de presunção absoluta da vulnerabilidade no Direito Penal, o

agente será considerado culpado, sem a oportunidade de produzir provas em contrário,

evidenciando clara ofensa aos princípios constitucionais, privando-o de exercer seu

direito de defesa de forma plena e aplicando a responsabilidade objetiva para a

condenação. 44

A presunção relativa da vulnerabilidade, por outro lado, permite analisar o caso

concreto, fazendo um julgamento acerca do dolo ou da culpa na conduta do agente,

principalmente, se houve consentimento do menor envolvido na prática dos atos

sexuais.

Para os defensores da teoria absoluta a vulnerabilidade deve ser compreendida de

forma absoluta, bastando tão somente o critério etário para a caracterização da vítima

vulnerável. Podem ser citados como defensores desta teoria GUSMÃO e GRECO. Tais

43

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial, volume III. 4 ed. São Paulo:

Método, 2014, p. 47. 44

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 528.

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22

doutrinadores dissertam que independentemente da vítima estar envolvida em outros

relacionamentos ou que seu comportamento seja como o de um adulto, somente o

elemento etário configuraria o delito.

Nestes termos GRECO se pronuncia:

Hoje, com louvor, visando acabar, de uma vez por todas, com essa

discussão, surge em nosso ordenamento jurídico penal, fruto da Lei nº

12.015, de 7 de agosto de 2009, o delito que se convencionou

denominar de estupro de vulnerável. Justamente para identificar a

situação de vulnerabilidade que se encontra a vítima do ato sexual.

Agora, não poderão os Tribunais entender de outra forma quando a

vítima do ato sexual for alguém menor de 14 (quatorze) anos. 45

A Teoria Relativa, em sentido contrário, defende que deve haver a relativização da

vulnerabilidade, levando em consideração os fatos do caso concreto, admitindo,

portanto, prova em contrário. 46

Também há mais duas correntes acerca da vulnerabilidade, uma denominada Teoria

Mista que, por sua vez, defende que deverá ser aplicada a relativização em casos

excepcionais, visando adolescentes com idade entre 12 e 14 anos; e a Teoria

Constitucionalista que determina a inconstitucionalidade do instituto legal, pois este fere

a responsabilidade subjetiva. 47

3.2. Relativização diante do erro inevitável do agente

Desde a época da presunção de violência, prevista no artigo 244 do Código Penal,

muito já se discutia acerca de seu caráter relativo ou absoluto, pois a norma deixa vaga a

possibilidade de levar em conta um contesto fático do possível crime. Isso ocorria

porque a doutrina e a jurisprudência entendiam que em alguns casos, como a vítima

com idade próxima aos 14 anos e aparência física desenvolvida precocemente, além de

possuir experiência de cunho sexual, levava o agente a incidir em erro de tipo. 48

Sendo assim, nos casos em que o agente não tivesse como saber ou deduzir a real

idade da vítima, ou seja, alguns elementos o induzissem a pressupor a ausência da

45

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 532-533. 46

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 528. 47

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 528. 48

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9 ed. Niterói, RJ: Impetus,

2012, p. 530.

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23

elementar “menos de 14 anos” incorreria em falsa percepção da realidade, portanto, a

presunção de violência seria relativizada por inexistência de dolo.

A sociedade contemporânea, onde o jovem menor de 14 anos não é completamente

ignorante ou inocente em matéria sexual, permite observar a vulnerabilidade de um

novo prisma, ou seja, o jovem de hoje inicia cada vez mais cedo relacionamentos

amorosos, frequentando eventos ou estabelecimentos destinados a adultos, até mesmo

suas atitudes não condizem com as de uma criança.

Para NUCCI no campo dos crimes sexuais, em se tratando de ter relação sexual com

pessoa menor de 12 anos, com ciência disso, provoca o surgimento da figura do estupro

de vulnerável. Para ele torna-se viável discutir tão somente a capacidade de

consentimento de quem possua 12 ou 13 anos, ou seja, havendo prova de plena

capacidade de entendimento da relação sexual o fato pode ser atípico ou comportar

desclassificação. 49

Considerar a vulnerabilidade do menor de 14 anos como absoluta cria graves

consequências para a vida do acusado, isso porque ele será acusado de um crime grave o

qual não cometeu, não possuindo a oportunidade de se defender das alegações de forma

plena. É imputado a ele a responsabilidade objetiva, esta que não possui juízo de dolo

ou culpa, não importando a real intenção do agente.

O direito não é estático, ou seja, deve amoldar-se às mudanças sociais, ponderando

sempre quantos às diferenças existentes entre as várias classes sociais, principalmente

em relação à cultura. O tema é bastante discutido por doutrinadores e juristas,

demonstrando sua importância para a devida, e mais justa, aplicação do direito.

De acordo com a ministra MOURA, no Recurso Especial da sexta turma do

Superior Tribunal de Justiça:

[...] não se podendo considerar crime fato que não tenha violado

a liberdade sexual, quando a menor consente e os fatos não

derivaram de violência. Isso porque a parte especial do Código

Penal da de 1940 e o Direito não é estático, devendo se amoldar

às mudanças sociais, pois a educação sexual dos jovens não é

igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em

um país de dimensões continentais. Ademais, nem todos os

indivíduos se desenvolvem da mesma maneira e como os fatores

pessoais e culturais, dos costumes e do tempo, étnicos e

49

NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

838.

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24

mesológicos, determinam variações relevantes, nem sempre o

rígido limite legal estará adequado. 50

Portanto, a análise do caso em concreto é de suma importância. Os juízes devem

levar em consideração uma gama de fatores que são as variáveis para a aplicação da lei.

3.3. A vulnerabilidade absoluta à luz da Constituição de República

Os princípios constitucionais são motivos conceituais sobre os quais se funda uma

dada ordem, se traduzem em proteção contra o arbítrio da autoridade judicante.

Considerar de forma absoluta a vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos,

consequentemente, invalidando seu consentimento, claramente ofende vários princípios

basilares do nosso ordenamento jurídico.

Aplicar uma condenação severa a um agente sem a devida analise as circunstâncias

do caso concreto contraria princípios como o da presunção de inocência, do devido

processo legal, do contraditório e da ampla defesa, do favor rei e da adequação social.

3.3.1 Da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência é considerado um dos mais importantes

princípios basilar da Constituição Federal e do Estado de Direito, pois tem por objetivo

a tutela da liberdade pessoal, ou seja, evita que haja julgamento antecipado e injusto e

oferece ao acusado a prerrogativa de ser considerado inocente até a sentença

condenatória transitar em julgado.

A Carta Magna de 1988, no artigo 5º, inciso LVII, preceitua que “Ninguém será

considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória”. 51 Por

esse princípio a autoria delitiva somente poderá ser reconhecida após a decisão

condenatória transitar em julgado.

Nesse sentido SANCHES disserta que:

Na verdade, o princípio insculpido na referida norma garantia é o da

presunção de não culpa (ou de não culpabilidade). Uma situação é a

de presumir alguém inocente; outra, sensivelmente distinta, é a de

impedir a incidência dos efeitos da condenação até o trânsito em

50

BRASIL; Superior Tribunal de Justiça.. Resp 1.369.655/MG 2013/0000570-3. Rel. Ministro Rogerio

Schietti Cruz, publicado em 27/11/2014. Disponível em:

http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153772259/recurso-especial-resp-1359655-mg-2013-0000570-

3/relatorio-e-voto-153772287. Acesso em: 28 de mar. de 2016. 51

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 28 de abril de 2016.

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25

julgado da sentença, que é justamente o que a Constituição brasileira

garante a todos. 52

Somente o Estado deve comprovar a culpabilidade do indivíduo, uma vez que o

ônus da prova cabe àquele que acusa. Em relação ao delito de estupro de vulnerável o

suposto envolvido, sem qualquer instrução probatória, é considerado culpado por um

crime que pode nem ter praticado, bastando tão somente que a vítima tenha menos de 14

anos, idade exigida pelo legislador para a configuração do delito. Sendo assim, a

presunção de vulnerabilidade absoluta, claramente, viola o princípio da presunção de

inocência.

Ainda que exista o consentimento na relação ocorrida, e confirmada por parte da

vitima, o maior envolvido será considerado como culpado, não havendo admissão de

prova em contrário. Nesse sentido NUCCI discorre que:

A relação sexual pode ter sido “consentida” pelo ofendido, que, após,

não reclama e pode até ter apreciado. Entretanto, por regras de

experiência, captadas pelo legislador, é vedada a prática sexual com

tais pessoas, visto que a maioria não tem discernimento suficiente,

nem condições de autorizar o ato, logo, a vulnerabilidade de suas

situações indica a presunção de ter sido violenta a prática do sexo. 53

Dessa forma, o critério estipulado pelo legislador é puramente biológico, não

levando de fato o contesto que cerca o possível crime, e este critério independe da

vontade ou consentimento do menor, pois este, legalmente, não possui discernimento.

3.3.2 Do devido processo legal

O referido princípio está previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º,

inciso LIV, configurando uma dupla proteção ao indivíduo e determinando que

ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. 54

Nesse diapasão, de acordo com MORAES:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,

atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade,

quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições

com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa

técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de

52

SANCHES, Rogério Cunha. Manual de Direito Penal: parte geral. 1 ed. Salvador, BA:

jusPODIVM, 2013, p. 93. 53

NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p.

835. 54

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 28 de abr. de

2016.

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provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos

recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). 55

Observa-se que a pretensão punitiva deve, obrigatoriamente sem relutar, respeitar

um procedimento regular, perante a autoridade competente, com base em provas

validamente constituídas, respeitando o contraditório e a ampla defesa.

No tocante ao delito de estupro de vulnerável admitir a presunção de vulnerabilidade

de forma absoluta ofende o princípio do devido processo legal uma vez que a tramitação

do processo deixa de ser oferecida ao acusado nos conformes estabelecido em lei.

Ou seja, o acusado será condenado independentemente da produção de resultado ou

prejuízo, sem que tenha a chance de produção de provas relativas à ausência de um

possível constrangimento ou de emprego de violência ou grave ameaça.

3.3.3 Do contraditório e da ampla defesa

O Estado tem o dever de proporcionar ao acusado uma defesa plena, bem como a

possibilidade de influir no convencimento dos juízes. O acusado possui o direito a

prerrogativa de participar e de se manifestar acerca dos atos constitutivos da evolução

processual, dentre outros, possui o direito de produzir provas às quais achar devida, de

se manifestar ou alegar, de ser cientificado do andamento do processo etc.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa possuem previsão legal no artigo

5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988. Conforme leciona MORAES:

Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de

condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os

elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou

calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria

exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do

processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação

caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão

que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação

jurídica diversa daquela feita pelo autor.56

Quanto ao crime de estupro de vulnerável ocorre o cerceamento do direito de defesa

do acusado, que não pode sofrer restrições, devendo, portanto, haver igualdade de

condições, com os mesmos poderes, deveres, direitos e ônus.

3.3.4 Do favor rei

55

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 207. 56

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 107.

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De acordo com esse princípio a interpretação da norma, nos casos de dúvida, deve

ser realizada da melhor forma que beneficie o réu. No estupro de vulnerável poderá

haver situações em que há dúvida quanto à validade do consentimento da vítima,

devendo amparar o acusado com a aplicação do princípio do favor rei, deve ser dado o

benefício da dúvida ao envolvido, evitando, assim, condenações injustas ou antecipadas.

3.3.5 Da adequação social

Segundo o princípio da adequação social o Direito Penal deve somente tipificar

condutas que possuam certa relevância social, escolhendo as contrárias e nocivas ao

interesse público. De acordo com o entendimento de MASSON:

De acordo com esse princípio, não pode ser considerado criminoso o

comportamento humano que, embora tipificado em lei, não afrontar o

sentimento social de Justiça. É o caso, exemplificativamente, dos

trotes acadêmicos moderados e da circuncisão realizada pelos judeus.

Advirta-se, porém, que a autorização legal para o exercício de

determinada profissão não implica, automaticamente, na adequação

social dos crimes praticados em seu bojo. 57

Com a evolução da sociedade contemporânea, o desenvolvimento sexual dos

adolescentes brasileiros se torna cada dia mais precoce, ou seja, o início do

envolvimento sexual de pessoas maiores de 18 anos com pessoas mais jovens e de

forma consentida tanto pelo jovem envolvido, quanto pelos familiares.

Destarte, considerar a vulnerabilidade do maior de 12 anos e menor de 14 anos de

maneira absoluta no crime de estupro de vulnerável, sem a devida análise ao caso

concreto, é uma afronta ao referido princípio fundamental.

3.4. A posição dos Tribunais Superiores

São latentes as mudanças que ocorrem em na sociedade com o decurso do tempo,

novas regras são criadas a todo o momento e outras deixam de produzir seus efeitos, os

costumes evoluem, sendo que, tais evoluções tangem todos os campos relacionados com

o ser humano. Ocorre que, por vezes, novos conceitos entram em conflito com os

antigos ensejando em desentendimentos e discordâncias nesse quadro evolutivo.

Questões que envolvem sexualidade não são recentes dentro do Direito Penal, pelo

contrário, é tão antigo quanto o próprio homem. Os debates, desde os primórdios, são

justamente acerca do que é considerado moral ou não para o convívio harmônico da

57

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial, volume III. 4 ed. São Paulo:

Método, 2014, p. 101.

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28

sociedade. Tal “moral” evoluiu, avançou e se modificou e a tendência é sempre se

modificar, nitidamente se percebe pelo comportamento da sociedade moderna tanto em

relação a vestuário, gestos e modismos, quanto pela mídia que pratica e impõem maciço

apelo sexual.

O Direito não pode ser estático, não pode ficar alheio aos novos anseios desses seres

sociais, consequentemente, as decisões proferidas pelos Tribunais buscam resultar em

uma convivência harmoniosa entre os integrantes da sociedade atual.

O Ministro TOFFOLI, da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, em

16/08/2011, no HC nº 97052/PR, se manifestou pela defesa do caráter absoluto da

presunção de violência:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE

ANOS. CONSENTIMENTO E EXPERIÊNCIA ANTERIOR.

IRRELEVÂNCIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER

ABSOLUTO. ORDEM DENEGADA. Para a configuração do estupro

ou do atentado violento ao pudor com violência presumia (previsto,

respectivamente, nos arts. 213 e 214, c/c o art. 224, a, do Código

Penal, na redação anterior à Lei nº 12.015/2009), é irrelevante o

consentimento da ofendida menor de quatorze anos ou, mesmo, a sua

eventual experiência anterior, já que a presunção de violência a que se

refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do Código Penal é de

caráter absoluto. 58

No mesmo sentido a Ministra LÚCIA, da segunda turma do Supremo Tribunal

Federal, em 10/12/2013, no HC nº 119.091/SP, corroborando com o Ministro Dias

Toffoli:

HABEAS CORPUS. CONSTITUIONAL. PROCESSUAL PENAL.

ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. ART 213 C.C. ART.

224, AL. ‘A’, DO CÓDIGO PENAL ANTES DA ALTERAÇÃO DA

LEI 12.015/2009. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA.

IRRELEVÂNCIA. NATUREZA DA VIOLÊNCIA PRESUMIDA.

ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E

PROVAS IMPRÓPRIO NA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA.

Eventual consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a

conjunção carnal ou a sua experiência anterior não elidem a presunção

de violência caracterizadora do crime de estupro praticado antes da

vigência da Lei 12.015/2009. Precedentes. 59

58

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 97.052/PR. Rel. Min. Dias Toffoli, Data de Julgamento:

16/08/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe – 176 Divulg 13/09/2001 Public 14/09/2011

Ementa Vol – 02586-01 PP 00012. Disponível em:

http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20623347/habeas-corpus-hc-97052-pr-stf. Acesso em: 1 de maio

de 2016. 59

BRASIL; Supremo Tribunal Federal. HC: 119091/SP. Relator: Min. Cármen Lúcia, Data de

Julgamento: 10/12/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe – 250 Divulg 17/12/2013 Public

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29

No que tange a jurisprudência, originaram-se divergências entre as Turmas do

Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido a Sexta Turma, no REsp nº 953805/RS, de

10/03/2014, se posiciona defendendo o caráter absoluta da presunção de violência:

RECURSO ESPECIAL – ESTUPRO – VÍTIMA MENOR DE

QUATORZE ANOS – PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA

– RECURSO ESPECIAL PROVIDO. A jurisprudência majoritária do

Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou-

se no sentido de que a presunção de violência no estupro, quando a

vítima não for maior de 14 anos de idade, é absoluta. [...] É

entendimento consolidado nesta Corte Superior de Justiça que a

aquiescência da adolescente ou mesmo o fato de a ofendida já ter

mantido relações sexuais não tem relevância jurídico-penal. 60

Em sentindo contrário, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que

a violência presumida pode ser relativizada conforme análise ao caso concreto, nesse

sentido o Agravo Regimental no Recurso Especial, nº 1303083/MG, de 19/02/2012:

ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO

DA VÍTIMA E PRÉVIA EXPERIÊNCIA SEXUAL. PRESUNÇÃO

RELATIVA DE VIOLÊNCIA. ATUAL ENTENDIMENTO DESTA

CORTE SUPERIOR. O Superior Tribunal de Justiça, em recente

julgado da 3ª Seção (EResp-1.021.634/SP), firmou o entendimento de

que a presunção de violência nos crimes sexuais, antes disciplinada no

art. 224 ‘a’, do Código Penal, seria de natureza relativa. 61

Observa-se que apesar de haver divergências, os Tribunais Superiores são uníssonos

em relação ao caráter absoluto da presunção de violência. Tal posição denota a

preocupação em zelar pelas crianças e adolescentes, entretanto, não é legítima a

violência que é imposta de forma presumida nos crimes sexuais praticados contra vítima

menor de 14 anos.

É notório que não se pode analisar a presunção de violência de forma absoluta e

abstrata, deve-se fazer a análise caso a caso, ou seja, de maneira relativizada, evitando

assim que o Estado cometa erros na aplicação do direito. Dada a não pacificação pela

doutrina e pela jurisprudência acerca do assunto, dentro de um mesmo tribunal

encontram-se posicionamentos distintos.

18/12/2013. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24801848/habeas-corpus-hc-

119091-sp-stf/inteiro-teor-112263721> . Acesso em: 1 de maio de 2016. 60

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 953805/RS 2007/0113415-4. Relator: Ministro Rogerio

Schietti Cruz, Data de Julgamento: 25/02/2014, T6 Sexta Turma, Data de Julgamento: DJe 10/03/2014.

Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24979088/recurso-especial-resp-953805-rs-

2007-0113415-4-stj/inteiro-teor-24979135> . Acesso em: 1 de maio de 2016. 61

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg n° REsp: 1303083/MG 2012/0021954-8. Relator:

Ministro Jorge Mussi, Data de Julgamento: 19/04/2012, T5 Quinta Turma, Data de Publicação: DJe

27/04/2012. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21539401/agravo-regimental-no-

recurso-especial-agrg-no-resp-1303083-mg-2012-0021954-8-stj> Acesso em: 1 de maio de 2016.

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30

O próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal já se posicionou, em determinados

casos, de maneira diversa, aplicando tanto a presunção absoluta quanto a presunção

relativa:

PENAL. CRIME DE ESTUPRO COM PRESUNÇÃO DE

VIOLÊNCIA. ART. 213 C/C ART. 224, ALÍNEA ‘A’, DO CÓDIGO

PENAL NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.015/2009.

SENTENÇA CONDENATÓRIA. [...] CONSENTIMENTO DA

VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. IRRELEVÂNCIA. PRESUNÇÃO

ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. [...] A jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no

sentido de que é absoluta a presunção de violência nos crimes de

estupro e atentado violento ao pudor [...]. O consentimento da vítima,

sua maturidade e eventual experiência sexual em nada interferem para

excluir a tipicidade da conduta do réu, pois o critério etário é objetivo. 62

Em 11/10/2011, a 1ª Turma Criminal, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal,

divergindo da maioria das decisões proferidas pelos Tribunais, entendeu que é possível

reconhecer o caráter relativo da presunção, nesse sentido:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO

DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. RELAÇÃO

CONSENTIDA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. RELATIVA.

CONSENTIMENTO VÁLIDO. AUSÊNCIA DE VÍCIO. RECURSO

CONHECIDO E NÃO PROVIDO. A sentença absolutória deve ser

mantida, pois, o principal fundamento da intervenção jurídico-penal

no domínio da sexualidade é a proteção contra o abuso e a violência.

Não é contra atos sexuais consentidos praticados em razão da relação

de afeto. 63

Novamente, em 11/06/2014 se posicionou pela defesa da relativização a partir da

análise ao caso concreto:

PENAL. PROCESSO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.

CONSENTIMENTO DO ATO SEXUAL. RELACIONAMENTO

AFETIVO ENTRE AS PARTES. FATO ATÍPICO. ABSOLVIÇÃO

MANTIDA. SENTENÇA CORRETA. RECURSO CONHECIDO E

DESPROVIDO. A tipicidade material não encontra ressonância nas

provas apresentadas, porquanto: houve consentimento da menor; trata-

se de adolescente que possui maturidade suficiente para compreender

o significado e as consequências da prática de uma relação sexual; e,

por fim, inexiste qualquer violação ao bem jurídico tutelado, qual seja:

62

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. APR – 20110510001928/DF 0000202-

10.2011.8.07.0005. Acórdão 843167. 22/01/2015. 3ª Turma Criminal. Relator: Humberto Adjuto Ulhôa.

Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/163167508/apelacao-criminal-apr-

20110510001928-df-0000202-1020118070005> Acesso em: 1 de maio de 2016. 63

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.. APR – Acórdão 542075 do Processo

nº20100310073825apr. 11/10/2011. 1ª Turma Criminal. Relator: Cesar Laboissiere Loyola. Disponível

em:

<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;distrito.federal:tribunal.justica.distrito.federal.territorios;turma.c

riminal.1:acordao:2011-10-11;542075> Acesso em: 1 de maio de 2016.

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31

a liberdade sexual. A palavra da vítima, em crimes dessa natureza,

ganha considerável relevo, na medida em que a grande maioria desses

fatos é perpetrada em ambientes doméstico-familiares, vale dizer,

lugares distantes dos olhos da sociedade, por consequência, longe de

eventuais testemunhas. (APR – Apelação Criminal – Acórdão 797145.

11/06/2014. 1ª Turma Criminal. Relator: Gilberto Pereira de Oliveira) 64

Assim, de acordo com a 4ª Câmara Criminal de Santa Catarina, o consentimento

espontâneo da vítima para a realização do ato sexual é indicativo de maturidade por

parte dela, ou seja, não haveria violação do bem jurídico tutelado:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE

SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SENTENÇA

ABSOLUTÓRIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRETENDIDA CONDENAÇÃO DO RÉU NOS MOLDES DA

DENÚNCIA. INVIABILIDADE. EXISTÊNCIA DO FATO E

MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CONSENTIMENTO

ESPONTÂNEO DA MENOR PARA O ATO SEXUAL

EVIDENCIADO E INDICATIVOS DE MATURIDADE PARA

TANTO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO

TUTELADO (LIBERDADE SEXUAL). PECULIARIDADES DO

CASO CONCRETO QUE CONDUZEM À RELATIVIZAÇÃO DA

PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 65

Essas decisões destacam o verdadeiro significado da tutela do Direito Penal, sendo

assim, a proteção é em relação ao bem jurídico tutelado, ou seja, a liberdade sexual,

deste modo, não há que se em vulnerabilidade absoluta tão somente pelo critério etário

afastando, portanto, a hipótese de imputação objetiva.

O Direito Penal moderno impossibilita qualquer forma de aplicação da

responsabilidade objetiva, sendo assim, a aplicação da figura da violência presumida

nos casos que envolvem maiores de 12 e menores de 14 anos pode atingir justamente tal

premissa, ou seja, punir injustamente as pessoas.

A doutrina sinaliza há algum tempo o caminho da relativização da presunção de

violência da pessoa vulnerável, o critério adotado pelo legislador demonstra-se

puramente biológico, nas palavras do Ministro LIMONGI:

64

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.. APR – Acórdão 797145 do Processo

nº20130910128316apr. 11/06/2014. 1ª Turma Criminal. Relator: Gilberto Pereira de Oliveira. Disponível

em:

<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;distrito.federal:tribunal.justica.distrito.federal.territorios;turma.c

riminal.1:acordao:2014-06-11;797145> Acesso em: 1 de maio de 2016. 65

BRASIL; Tribunal de Justiça de Santa Catarina. APR – Processo n° 20130199321. 10/07/2014, 4ª

Câmara Criminal, Tribunal de Justiça de SC, Relator Newton Varella Júnior. Disponível em: <http://tj-

sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25195482/apelacao-criminal-apr-20130199321-sc-2013019932-1-

acordao-tjsc/inteiro-teor-25195483> Acesso em: 1 de maio de 2016.

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Não se concebe, nos dias atuais, quando os meios de comunicação em

massa adentram em todos os locais, em especial nos lares de quem

quer que seja, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14

anos não tenha capacidade de consentir validamente frente a um ato

sexual. 66

A adoção de um critério biológico absoluto se apresentou falha diante da ausência

de unanimidade acerca da idade em que o menor considerado vulnerável passa a possuir

discernimento para compreender as consequências de atos sexuais ou libidinosos.

Atualmente vários menores de 14 anos já iniciaram ou mantêm relações sexuais de

forma consentida, sendo assim, a relativização da vulnerabilidade seria uma importante

ferramenta para resolver à problemática, não acarretando, portanto, no cerceamento dos

direitos e da defesa do acusado.

Conclusão

O presente trabalho buscou analisar os aspectos do estupro de vulnerável a partir das

alterações advindas da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, analisando, para tanto, o

impacto que tais alterações provocaram no processo de aplicação da pena, tal como sua

adequação aos princípios penais.

A violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes devem ser coibidas de

forma severa pelo Estado. Desde o começo de sua vida, a criança depende do meio em

que habita, não somente para sua sobrevivência, mas também para atingir seu pleno

desenvolvimento social, afetivo e intelectual.

Sendo assim, foi de suma importância a intenção do legislador ao penalizar de forma

severa, com máximo vigor, os crimes sexuais que envolvem aqueles considerados

vulneráveis, entretanto, deve se considerar que a maneira dos jovens se relacionar com a

sexualidade vem se modificando gradativamente ao longo dos anos.

Não parece razoável equiparar todos os adolescentes ao patamar de vulneráveis, pois

não são todos que estão no estado de innocentiaconsiliie, e provavelmente surgirão

casos especiais, em que a vulnerabilidade do menor de 14 anos não se encaixará no

conceito de vulnerabilidade pretendido pelo legislador.

O cerne da discussão se encontra na possibilidade, ou não, de relativização da

presunção de violência e sua extensão à nova redação do delito. Como se sabe, nunca

66

BRASIL; Superior Tribunal de Justiça. HC 88.664/GO. 6ª Turma, Relator Celso Limongi. 23/06/2009.

Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6060187/habeas-corpus-hc-88664-go-2007-

0187687-4/inteiro-teor-12192826> Acesso em: 1 de maio de 2016.

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33

houve na doutrina um consenso acerca da natureza relativa ou absoluta da presunção, no

mesmo sentido a jurisprudência sempre oscilou a respeito, principalmente nos Tribunais

Estaduais.

Decisões favoráveis à possibilidade de relativização da presunção de violência são

dignas de elogios, pois estas aproximam o direito da realidade em que o comportamento

sexual demonstra-se mutável ao decorrer dos anos, bem como por admitir a existência

de novas dimensões da sexualidade, característica presente em uma sociedade plural.

Os meios de comunicação atuais permitem aos jovens total acesso às informações

sobre o assunto e possuem demasiada relevância no estimulo dessa sexualidade. Nesse

sentido, é necessária a adequação da norma ao fato concreto, não podendo ser

desprezado nenhum de seus elementos, principalmente o consentimento da vítima e sua

vontade.

Se por um lado há uma preocupação acerca da proteção do menor de 14 anos,

também deve haver uma preocupação em zelar pelos direitos do acusado, o que se

defende é o direito ao devido processo legal, reconhecendo que deve prevalecer o

princípio da presunção de inocência.

O início precoce da vida sexual desses jovens é questão de saúde pública, o mais

importante e eficaz meio a ser utilizado é a instituição de programas educativos e de

conscientização de jovens em relação a questões sexuais, esclarecendo-os sobre a forma

mais correta de lidar com essa descoberta.

Deste modo, é legítima a preocupação por parte do Poder Público em relação à

tutela de jovens contra a violência e abusos sexuais. Ocorre que essa proteção deve

reconhecer, no caso concreto, sua capacidade ou não de autodeterminação a fim de zelar

pela dignidade da pessoa humana do acusado. Por outro lado, deve prevalecer no âmbito

do Direito Penal a apuração da responsabilidade que considera os aspectos subjetivos da

conduta do agente e das condições da vítima, de modo a evitar, ao máximo a

responsabilidade penal objetiva. Portanto, a relativização da presunção de

vulnerabilidade seria uma forma de proteger a vítima sem que isso possa acarretar no

cerceamento de defesa do acusado, lhe garantindo a proteção de todos os seus direitos.

Referencial bibliográfico

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