o novo tipo penal estupro de vulnerável e suas repercussões em nossa sistemática jurídica artigo

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    Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereçohttps://jus.com.br/artigos/13908 Para ver outras publicações como esta, acesse http://jus.com.br 

    O novo tipo penal estupro de vulnerável e suas repercussões em nossa sistemática jurídica

    O novo tipo penal estupro de vulnerável e suas repercussões em nossa sistemática jurídica

    Júlia de Arruda Rodrigues| Larissa Ataide Cardoso| Lina Marie Cabral| Marina Dantas Pereira

    Publicado em 11/2009. Elaborado em 10/2009.

    RESUMO

    Em decorrência de novas demandas da sociedade no sentido de adaptar nosso Código Penal às novas realidades sociais, e dainiciativa da CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, produziu-se o PLS nº. 253/04, que findou na promulgação

    da Lei 12.015/09, que trouxe variadas alterações ao Título VI do Código Penal. Por ocasião desta Lei, foi introduzida uma novafigura típica em nosso ordenamento jurídico: o art. 217-A do CP - o Estupro de V ulnerável , que será o objeto central de nossoestudo, cujo enfoque será no sujeito passivo menor de 14 anos. Diante da importância do estudo deste novo tipo penal, e da escassaliteratura acerca do mesmo, realizamos uma pesquisa bibliográfica qualitativa, no sentido solver a seguinte problemática: aintrodução do crime de Estupro de Vulnerável em nossa sistemática jurídica representou avanço ou retrocesso  em relação àsprevisões legais anteriormente vigentes? Para tanto, teremos como objetivo geral a análise do novo tipo penal Estupro de

     Vulnerável , e especificamente: indicar as disposições doutrinárias acerca do mesmo; analisar a constitucionalidade  do tipo e seusefeitos na Lei de Crimes Hediondos; e, por fim, estabelecer uma crítica comparativa acerca dos conceitos da anteriormente vigente

     Presunção de Violência, e a dita Objetividade Fática do tipo em apreço.

    Palavras-chave: Estupro de Vulnerável. Menor de 14 anos. Avanço ou retrocesso. Disposições doutrinárias. Constitucionalidade.Lei de Crimes Hediondos. Presunção de Violência e Objetividade Fática.

     ABSTRACT

     As a result of new demands of society to adapt our Penal Code to new social realities, and of the initiative of JPCI on SexualExploitation of Children and Adolescents, was produced Senate Bill No. 253/04, which ended in the promulgation of Law 12.015/09, which brought various amendments to Title VI of Penal Code. At this Act, was introduced a new typical figure in ourlegal system: the art. 217-A of PC - the Rape of Vulnerable, which is the central object of our study, which focus is on the youngerthan 14 years passive subject. Due to the importance of studying this new criminal type, and to the limited literature about it, weconducted a qualitative literature research, in order to solve the following problem: the introduction of the crime of Rape of 

     Vulnerable in our legal systematic represented advancement or retreat in relation to legal provisions previously in force?Therefore, we’ll have as general objective analyzing the new criminal type Rape of Vulnerable, and specifically: indicating thedoctrinaire provisions about it; analyzing the constitutionality of the t ype and its effects on Heinous Crimes Law, and, finally, toestablish a comparative critic about the concepts of the previously existing Violence Presumption, and the said Factual Objectivity of the type in analysis.

    Key-words: Rape of Vulnerable. Younger than 14 years. Advancement or retreat. Doctrinaire provisions. Constitutionality. Heinous

    Crimes Law. Violence Presumption or Factual Objectivity.

    SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O ANTIGO TÍTULO VI DO CÓDIGO PENA L. 2. A NOVA LEI 12.015/09: 2.1 Dos Crimes Contra aDignidade Sexual: modificações trazidas pela nova Lei; 2.2 Exposição de Motivos do PLS nº 253/04 e a Nova Lei 12.015/09; 3.

     ART. 217-A: ESTUPRO DE VULNERÁVEL: 3.1 Conceito e Elementos do Tipo; 3.2 Elemento Subjeti vo do Tipo; 3.3 Consumação eTentativa; 3.4 Modalidades Típicas ; 3.5 Classificação Doutrinária; 3.6 Penas Cominadas; 4. LEI Nº. 12.015/2009 E A LEI DECRIMES HEDIONDOS. 5. AÇÃO PENAL DIANTE DA LEI 12.015/09; 5.1 Quadro Sinótico da Ação Penal; 6 GARANTIASCONSTITUCIONAIS CRIMINAIS; 6.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 6.2 Princípio da Adequação Social; 6.3Princípio da Proporcionalidade; 6.4 Princípio da Culpabilidade; 6.5 Princípio da Individualização da Pena; 6.6 Princípio daPresunção de Inocência; 7. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA VERSUS  OBJETIVIDADE FÁTICA; CONCLUSÃO.

    INTRODUÇÃO

    Nas últimas décadas, em especial a partir dos anos 80, vem-se constatando um novo clamor da sociedade no sentido de adaptarnosso ordenamento jurídico às novas realidades sociais e expressões culturais que vêm se estabelecendo em nosso país com aevolução do tempo. Este clamor é especialmente devotado ao âmbito penal, vez que nosso Código é uma Lei que, publicada em1940, resta anciã nestes novos tempos.

     

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    Destarte, ezenas e trans ormaç es oram ntro uz as no re er o spos t vo, como por exemp o, a ext nç o o cr me e Adultério, acompanhando as novas c oncepções sociais a respeito do casamento, e as próprias disposições constitucionais queapregoam princípios que consolidam um Direito Penal mínimo, a última medida de controle social aplicável.

    Em decorrência destas novas preocupações e anseios, é que, de uma iniciativa da CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que produziu o Projeto de Lei do Senado nº. 253 de 2004, foi promulgada, em 07 de agosto do deste ano, a Lei12.015, trazendo consigo vultosas alterações, com espec ial destaque ao Título VI do Código Penal, anteriormente denominado "DosCrimes Contra os Costumes", passando agora a c hamar-se "Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual".

    Por ocasião desta nova Lei, foi introduzido um novo tipo penal em nosso ordenamento jurídico, a figura típica do art. 217-A do

    Código Penal, o Estupro de Vulnerável, que será o objeto central de nosso estudo, com enfoque no sujeito passivo menor de 14anos.

    Diante da importância da introdução deste novo tipo penal em nosso ordenamento jurídico, e da escassa literatura acerca destetema, em virtude de sua recente promulgação, entendemos de essencial relevância a reflexão acerca dos efeitos sociais e jurídicosprovenientes desta alteração.

     A problemática desta produção se constituirá no seguinte questionamento: a introdução do c rime de Estupro de Vulnerável emnossa sistemática jurídica representou um avanço, ou um retrocesso em relação às previsões legais anteriormente vigentes?

    Desta forma, teremos como objetivo geral a análise do novo tipo penal Estupro de Vulnerável, e especificamente: indicar oconceito, os elementos objetivo e subjetivos do tipo, consumação e tentativa, modalidades típicas, classificação doutrinária, penascominadas e ação penal; analisar a constitucionalidade do tipo à luz dos Princípios Constitucionais, além de seus efeitos na Lei deCrimes Hediondos; e, por fim, estabelecer uma crítica acerca das implicações da figura típica do Estupro de Vulnerável em nossasistemática jurídica, estabelecendo uma comparação entre os conceitos da pretérita Presunção de Violência, e a vigente

    Objetividade Fática do tipo.

    Para tanto, teremos como método uma pesquisa bib liográfica qualitativa, na medida em que utilizaremos doutrina por nós elegida,para fundamentarmos nossas colocações e entendimentos, estabelecendo críticas durante o dec orrer do trabalho.

    Desta feita, sem a pretensão de esgotar a discussão acerca do assunto e a polêmica gerada por este, nos dedicaremos, ao longo desteartigo, a apontar sinteticamente as transformações inseridas em nosso ordenamento jurídico pela Lei 12.015/09, com enfoqueespecífico na nova figura típica E stupro de Vulnerável, apontando as disposições doutrinárias referentes ao mesmo, além de nossaspróprias considerações acerca de suas implicações no contexto social brasileiro.

    1 O ANTIGO TÍTULO VI DO CÓDIGO PENAL

    O objetivo principal do pretérito Título VI do Código Penal, que tratava "Dos Crimes Contra os Costumes", era tutelar a moralidade e

    a eticidade nos comportamentos sexuais, como bem aponta Hungria (1956; p. 103-104): "O que a lei penal se propõe a tutelar, insubjecta materia, é o interesse jurídico concernente à preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dosfatos sexuais". Esta afirmação refletia o pensamento da época em que foi promulgado nosso Código Penal, em 1940.

    O título em análise passou por algumas modificações em 2005, com a Lei nº. 11.106, na busca de acompanhar o desenvolvimentodos valores sociais e culturais que surgiam com a adoção de novos costumes. Tais transformações, no entanto, não foramsuficientes, visto que, ainda assim, a proteção oferecida pelo título ainda se destinava a conceitos já ultrapassados acerca dasexualidade, e do controle estatal sobre a mesma.

    Durante muito tempo se discutiu a necessidade de mudar, não só os tipos penais constituintes do Título em apreço, assim como suaprópria denominação, vez que as expressões que introduzem os tipos penais delimitam o próprio objeto da lei, e o bem jurídico aser protegido.

     Assim surgiu o Projeto de Lei do Senado nº 253, em 2004, a partir de uma inic iativa da CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que introduziu a nova Lei 12.015/09, c inco anos depois, incutindo novas percepções sociais acerca do papel estatalna defesa da liberdade e dignidade sexual, em uma busca de o foco de proteção do Estado a estes valores.

     A grande questão a ser analisada no estudo desta nova norma é se esta realmente acompanhou o desenvolvimento dos valoressociais, cumprindo o objetivo que a própria sociedade já clamava, ou se esta, além de não acompanhá-los, fez retroceder o avançoalcançado ao longo de tantos anos de debates e luta pela evolução dos costumes, e mínima intervenção penal.

     A nosso ver, o novo crime trazido pela nova norma, o Estupro de Vulnerável, é uma das grandes mostras das verdadeiras alteraçõestrazidas pela mesma, de modo que, em virtude disto, após uma breve introdução acerca das novas disposições legais, passaremos adiscorrer sobre o tipo Estupro de Vulnerável, estabelecendo comparações como a Lei antiga e, por fim, fornecendo nossas própriasconclusões acerca da introdução desta nova conduta típica em nosso ordenamento jurídico.

    2 A NOVA LEI 12.015/09

    Em 7 de agosto do ano corrente de 2009, foi promulgada a Lei 12.015, sendo publicada do Diário Oficial da União, em 10 domesmo mês, trazendo em si significativas mudanças em relação ao Título VI do Código Penal, anteriormente denominado "DosCrimes Contra os Costumes".

     

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      nova e surg u e uma n c a va a om ss o ar amen ar s a e nqu r o a xp oraç o exua e r anças e Adolescentes, que, juntamente c om o Ministério da Justiça, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério Públic o doTrabalho, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, e a Organização Internacional do Trabalho, deu origem ao

     Anteprojeto de Lei que, por sua vez, forneceu os parâmetros basilares para a formação do Projeto de Lei nº. 253 de 2004 doSenado Federal, cujo objetivo seria justamente a criação da nova Lei.

    Ter o conhecimento da origem de tal Projeto é o que torna possível discernir as motivações que levaram a propositura do mesmo, e,portanto, os bens jurídicos que este procura proteger, possibilitando a análise da coerência entre os objetivos do Projeto, e o que olegislador realmente alcançou na formulação da nova Lei.

    2.1 Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual: modificações trazidas pela nova LeiCom a nova redação do Título VI do Código Penal Brasileiro, diversas e abrangentes foram as transformações sofridas peloordenamento jurídico penal, com a modificação de crimes já existentes, a supressão de outros e, ainda, a criação de novos tipos.

     Assim, podemos citar como os tipos constituintes da nova Lei: Estupro (Art. 213); Violação sexual mediante fraude (Art. 215); Assédio sexual (Art. 216-A); Estupro de vulnerável (Art. 217-A); Corrupção de menores (Art. 218); Satisfação de lascívia mediantepresença de criança ou adolescente (Art. 218-A); Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de

     vulnerável (Art. 2 18-B); Mediação para servir a lascívia de outrem (Art. 2 27); Favorecimento da prostituição ou outra forma deexploração sexual (Art. 228); Casa de prostituição (Art. 229); Rufianismo (Art. 230); Tráfico internacional de pessoa para fim deexploração sexual (Art. 231); Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (Art. 231-A); Ato obsceno (Art. 233); Escritoou objeto obsceno (Art. 234);

    Em contrapartida, houve tipos penais que se encontravam nas anteriores previsões legais que não foram modificados, mas querestaram revogados pela Lei 12.105/09; entre eles os pretéritos artigos 214 (Atentado violento ao pudor) e o 216 (A tentado ao pudor

    mediante fraude), assim como os artigos 223 e 224, que tratavam, respectivamente das Formas Qualificadas e da Presunção de Violência, e o art. 232 , que tratava destes mesmos artigos.

    2.2 Exposição de Motivos do PLS nº 253/04 e a Nova Lei 12.015/09

    Fácil notar que, por advir de iniciativa de uma CPMI destinada à investigação da Exploração Sexual, o Projeto de Lei em questão sedestina, em especial, justamente à proteção do bem jurídico dignidade sexual, com destaque para crianças e adolescentes.

     A motivação inicial apontada no Projeto de Lei são os reclames da sociedade por uma legislação penal mais atualizada, e em acordocom as novas concepções sociais acerca da sexualidade, pois considera-se que nosso Código Penal, por ser de 1940, já não atendede forma eficaz as novas demandas sociais. Deste modo, a primeira preocupação do projeto foi a mudança do Título VI do CódigoPenal, que antes era denominado de "Dos Crimes Contra os Costumes", passando a ser conhecido como "Dos Crimes Contra aDignidade Sexual".

     Verifica-se, a partir do contraste entre as expressões "Costumes" versus "Dignidade Sexual", que o bem jurídico que agora se busca

    salvaguardar é diametralmente diverso do anterior, na medida em que se preocupava com as concepções sociais acerca dasexualidade, com os valores morais atribuídos a esta, e não com a própria naturalidade e dignidade em relação ao objeto, e com oindivíduo ofendido imediatamente.

    Neste sentido, a Justificação do Projeto de Lei 253/04:

    Para a ciência penal, os nomes e os títulos são fundamentais, poisdelineiam o bem jurídico a ser tutelado. Assim, a concepção atual brasileira não se dispõe a proteger a liberdade ou dignidade sexual ,tampouco o desenvolvimento benfazejo da sexualidade, mas hábitos,moralismos e eventuais avaliações da sociedade sobre estes.  Dessa

     forma, a construção legislativa deve começar por alterar o foco da proteção, o que o presente projeto de lei fez ao nomear o Título VI da Parte Especial do Código Penal como Dos crimes Contra a Liberdade eo Desenvolvimento Sexual   . (SENADO FEDERAL, PLS nº 253,2004). (grifo nosso)

     Ainda em se tratando das concepções morais intrínsecas à antiga redação do Código Penal, este trazia, em seu Título VI,determinadas previsões legais que traziam em seu tipo, como causa de aumento de pena, ou até mesmo como elementar do tipo,expressões como "praticá-lo contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos", como, por exemplo, nosantigos crimes de Violação Sexual Mediante Fraude e o crime de Sedução.

     Via-se aqui o equívoco do legislador, ao valorar a medida da proteção que merece a vítima, com base em sua virgindade ouausência desta, quando na verdade sua maior proteção deveria dar-se, única e exclusivamente, por sua tenra idade. Assim justificou o mencionado Projeto: "Ora, o crime contra pessoas que se encontram em determinada faixa etária não deve sercondicionado à virgindade, nem crimes contra mulheres devem ser avaliados por sua pretensa honestidade (...)".

     

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      ,qual, tanto homem, quanto mulher, poderiam ser sujeito ativo ou passivo. Isto porque antes o Estupro somente se daria por meioda conjunção carnal (cópula vagínica), como anteriormente explicado. Assim, restava discriminatória a disposição do legisladorao prever crimes distintos, para condutas semelhantes (pois ambos advêm de ato sexual) e bens jurídicos iguais (a liberdadesexual), com base exclusivamente no gênero da vítima.

    Corrobora tal afirmação, novamente, a Justificação do supramencionado Projeto:

    (...) o presente projeto, por inspiração da definição ínsita no Estatuto do

    Tribunal Penal Internacional, cria novo tipo penal que não distingue a violência sexual por serem vítimas pessoas do sexo masculino oufeminino. (...) A nova redação pretende também corrigir outra limitaçãoda atual legislação, ao não restringir o crime de estupro à conjunçãocarnal em violência à mulher, que a jurisprudência entende como sendoato sexual vaginal. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004).

    Por fim, como já afirmado, o PLS nº. 253/04 foi uma proposição da CPMI da Exploração sexual, de modo que seu enfoqueprincipal certamente é a proteção á liberdade e dignidade sexual de crianças e adolescentes, contra este tipo de exploração. Poreste motivo é que, de forma mais explícita, porém não tão acertada, o novo crime faz jus a sua origem ideológica, na medida emque protege estas vítimas tão específicas, em razão de sua idade e maturidade sexual, tanto no aspecto físico, quanto psicológico.

    Explica-se na Justificação que:

    O constrangimento agressivo previsto pelo novo art. 213 e sua formamais severa contra adolescentes a partir de 14devem, ser lidos a partirdo novo art. 217 proposto. Esse artigo, que tipifica o estupro de

     vulneráveis, substitui o atual regime de presunção de violência contracriança ou adolescente menor de 14 anos, previsto no art. 224 doCódigo Penal. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004).

    Deste modo, não há mais que se falar em Presunção de Violência no crime de estupro contra menor de 14 anos, pois se consideraaqui que, em virtude da tenra idade, a prática sexual é, em qualquer hipótese, uma violação da liberdade e dignidade sexual doofendido. Assim descreve a Justificação, quando diz que:

    O projeto de reforma do Código Penal, então, destaca avulnerabilidade de certas pessoas, não somente crianças eadolescentes, mas também a pessoa que, por enfermidade ou doençamental, não possuir discernimento para a prática do ato sexual, eaquela que não pode, por qualquer motivo, oferecer resistência; e comessas pessoas considera como crime ter conjunção carnal ou praticar

    qualquer outro ato libidinoso; sem entrar no mérito da violência e sua presunção. Trata-se de objetividade fática. (SENADO FEDERAL, PLSnº 253, 2004). (grifo nosso)

    Em virtude deste novo entendimento, nos ateremos, no decorrer deste trabalho, ao novo tipo penal Estupro de Vulnerável,apontando nossa compreensão sobre este, e as considerações doutrinárias acerca do mesmo, abordando para tanto, seu conceito,os elementos objetivos e subjetivos do tipo, suas modalidades típicas, e a ação penal cabível, além de outros aspectos que julgamosnecessários à compreensão dos efeitos desta nova mudança em nosso ordenamento jurídico penal.

    3 ART. 217-A: ESTUPRO DE VULNERÁVEL

    Entre os Crimes Contra a Dignidade Sexual, certamente o crime de Estupro é o que mais se destaca por sua gravidade ereprovação, por atingir não somente a esfera física do indivíduo, mas também seu bem estar psicológico.

      "

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      . , , violência ou grave ameaça. Pena- reclusão, de 6 a 10 anos". Era, como se pode depreender da descrição, uma espécie deconstrangimento ilegal, cuja ação nuclear consistia em constranger mulher à conjunção carnal, cujos meios poderiam ser tanto agrave ameaça, quanto a violência real, exigindo-se para a consumação do crime, o dissenso da vítima.

    O art. 214, por sua vez, descrevia o crime de Atentado Violento ao Pudor, consistindo na prática de atos libidinosos diversos daconjunção carnal , quando previa que: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir quecom ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena- reclusão, de 6 a 10 anos". Assim como no antigo crime deEstupro (e também no atual), também exigia dissenso da vítima, de modo que o crime deveria proceder mediante violência realou grave ameaça.

    O que ocorre agora, com a nova Lei 12.015/09, é que o crime de Estupro passou a abarcar, além do anteriormente previsto,também as condutas delitivas do Atentado Violento ao Pudor (revogado), de modo que passou a dispor da seguinte forma:"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele sepratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos". Note-se que, na verdade, não houve efetiva criação deuma nova conduta típica, se não a agregação de duas já existentes, com meios de execução, condutas e penas semelhantes.

    Quando passamos a considerar este crime sob a perspectiva de uma vítima infante ou adolescente, o tipo adquire um caráter aindamais repugnante e merecedor de repreensão estatal, pois, como disposto no art. 227, em especial no seu §4º, da própria CartaMagna de nosso país:

     Art. 227 -  É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar àcriança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à

    saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    § 1º - (...)

    § 2º - (...)

    § 3º - (...)

    § 4º -  A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploraçãosexual da criança e do adolescente. (BRASIL, 1988). (grifo nosso)

    Desta feita, foi trazido pela nova Lei o crime Estupro de Vulnerável, e, em virtude da proteção constitucional acima demonstrada,nos ateremos às vítimas crianças e adolescentes, quando tratando desta nova conduta típica.

    3.1 Conceito e Elementos do Tipo

    Discorre o caput  do art. 217-A do Código Penal: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos".

    Temos assim que incorre no crime de Estupro de vulnerável aquele que realiza atos sexuais, que podem incluir tanto a conjunção

    carnal, como qualquer outro ato libidinoso, com menor de 14 anos. Destacam-se, portanto, duas ações nucleares distintas "ter"conjunção carnal, e "praticar" outro ato libidinoso. Essa multiplicidade de meios de produção do crime advém de outra mudançaintroduzida pela Lei 12.015/09, que é já mencionada a absorção do Crime de Atentado Violento ao Pudor, que tratava os atoslibidinosos diversos da conjunção carnal, pelo crime de Estupro, que tratava somente do coito vagínico.

    Pela legislação anterior, a proteção às vítimas menores de 14 anos ocorria através do art. 224 do CP, nas Disposições Gerais dosCrimes Contra a Liberdade sexual, através da cominação de pena mais gravosa para quem cometesse os crimes de Estupro ouatentado Violento ao Pudor contra pessoas nesta faixa etária. Descrevia o artigo que: "Presume-se a violência, se a vítima: Não émaior de 14 anos. É alienada ou débil mental, que o agente conhecia essa circunstância. Não pode, por qualquer outra causa,oferecer resistência".

    O artigo em tela previa o fenômeno da Presunção de Violência , por considerar que, em virtude de sua idade e imaturidade,tanto física, quanto psicológica, o passivo do crime seria indefeso, e, por este motivo, incapaz de consentir na prática do ato sexual,presumindo-se deste modo, a violência da conduta. Não era exigido o dissenso da vítima, de modo que bastava a vítima encontrar-se em uma das hipóteses do artigo para que se materializasse o crime, representando uma verdadeira adoção da ResponsabilidadeObjetiva pelo Código Penal, contrariando postulados fundamentais do mesmo, vez que os fatos não devem ser tratados como sepresumíveis fossem.

    Diante desta celeuma a doutrina se inclinava ara a relativiza ão da Presun ão de Violência considerando o consentimento da

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      vítima como válido em determinados casos, corroborando com este entendimento, Nucci:

    Uma menor de 14 anos prostituída, que já tenha tido inúmeros contatossexuais, com a ciência geral da comunidade, inclusive de sues pais, nãopoderia ser considerada incapaz de dar o seu consentimento. Não seriarazoável – e o direito, em última análise, busca a justiça – punir o

    agente por estupro, caso mantenha com a jovem conjunção carnal.(NUCCI, 2007, p. 839).

    O entendimento dos Tribunais, no entanto, não seguia a mesma tendência, considerando totalmente inválido o consentimento domenor de 14 anos, afirmando ser a Presunção absoluta. Apesar disso, nos últimos anos, até mesmo os Tribunais Superiorescomeçavam a aceitar a Presunção como relativa, em uma demonstração de adaptação da norma à evolução da realidade social.

     A alteração do Título VI, do Código Penal, trazida pela Lei 12.015/09, incluiu também uma importante mudança no que dizrespeito aos sujeitos ativo e passivo do crime, qual seja a possibilidade de que tanto o agente, quanto a vítima, possam ser do sexomasculino, ou feminino, sem que isto importe o enquadramento da conduta em outro tipo penal, isto porque já não exigecaracterísticas ou condições morfológicas especiais do agente para a realização de tal conduta, exigindo-se, por outro lado, emrelação à vítima, q ue esta seja menor de 14 anos.

    O que ocorre com o novo tipo penal é que não exige que o crime proceda mediante violência real ou grave ameaça. Importa dizer,

    por conseqüência, que, como já demonstrado previamente, não se trata aqui de presunção de violência, nem relativa, nemabsoluta, mas sim de "objetividade fática", isto é, basta que a vítima seja menor de 14 anos para que se configure o crime, mesmoque não haja violência, real ou ficta, nem mesmo ameaça, direta ou indireta, explícita ou implícita.

    Compartilhando este pensamento, Greco:

    (...) surge em nosso ordenamento jurídico penal, fruto da Lei nº 12.015,de 7 de agosto de 2009, o delito que se convencionou denominar deestupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de

     vulnerabilidade que se encontra a vítima. Agora, não poderão osTribunais entender de outra forma quando a vítima do ato sexual for

    alguém menor de 14 (quatorze) anos. (GRECO, 2009, p. 65).

    O que se poderia questionar, a partir destes apontamentos, é: o Estupro de vulnerável realmente atendeu a este objetivo, ousimplesmente ratificou de forma ainda mais gravosa uma situação jurídica já estabelecida? 

    Na verdade, embora a Justificação do Projeto de Lei considere que não há mais que se falar em Presunção de Violência, o novo tipopenal simplesmente provoca efeito no sentido de que há violência ficta na realização da conduta, recaindo no entendimento deuma presunção absoluta, pois presume-se que, em qualquer hipótese, independentemente das circunstâncias fáticas, a suposta

     vítima é incapaz de consentir.

    3.2 Elemento Subjetivo do Tipo

    O chamado elemento subjetivo do crime, ou elemento normativo, é a culpa lato sensu, composta, por sua vez pelo dolo, que podeser direto ou eventual, e pela culpa. Sem estes elementos do fato típico, segundo as Teorias Bipartida e Tripartida, não se configura

    o crime.

    Levando em consideração a conduta descrita no art. 217-A, podemos inferir que o crime Estupro de vulnerável admite tão somentea modalidade dolosa, nos moldes do art. 18, inc. I: "Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o riscode produzi-lo". Este dolo poderá ser direto, quando o agente souber da circunstância da vítima ser menor de 14 anos, optandoainda assim pela realização da conduta; ou eventual, quando o sujeito, embora não tenha certeza da tenra idade da vítima, maspudesse percebê-la por seu aspecto físico, assumindo mesmo assim o risco de realizar a conduta.

    Não há pela descrição do tipo como conceber a modalidade culposa, pois o retromencionado artigo, em seu inc. II descreve que:"Diz-se o crime: II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia", de modo que otipo do 217-A não tangencia o conceito de culpa stricto sensu.

    Em que pese o caput do art. 20 do Código Penal, este descreve que: "O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crimeexclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei".

    Inferimos desta previsão legal que, em não sabendo o agente sobre a idade da vítima por esta possuir um desenvolvimento físicoque a faça parecer adulta, levando o agente ao erro sobre uma elementar do tipo (a idade da vítima), poderão ocorrer duassituações: a primeira, se o agente não pratica o ato sexual mediante violência, nem grave ameaça, excluindo-se o dolo e a

    tipicidade da conduta; a segunda, se o faz mediante violência ou grave ameaça, caso em que a conduta recairá no tipo do art. 213, o

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    Estupro.

    Neste sentido, Greco:

    No que diz respeito à idade da vítima, para que ocorra o delito emestudo, o agente, obrigatoriamente, deverá ter conhecimento de ser elamenor de 14 (catorze) anos, pois, caso contrário, poderá ser alegado o

    chamado erro de tipo que, dependendo do caso concreto, poderáconduzir até mesmo à atipicidade do fato, ou a sua desclassificação parao delito de estupro, tipificado no art. 213 do Código Penal. (GRECO,2009, p. 66-67).

    Complementa ainda seu pensamento, quando afirma que:

    Se, na hipótese concreta, o agente desconhecia qualquer uma dessascaracterísticas constantes da infração penal em estudo, poderá seralegado o erro de tipo, afastando-se o dolo e, consequentemente, a

    tipicidade do fato. Não é admissível a modalidade culposa, por ausênciade disposição legal expressa nesse sentido. (GRECO, 2009, p. 75).

     Assim sendo, conclui-se que para a configuração do c rime Estupro de Vulnerável, é necessário que o sujeito ativo conheça dacaracterística pessoal da vítima, qual seja o fato de ser menor de 14 anos, ou ao menos que, não tendo certeza, mas sabendo dorisco, persista no intuito e na realização da c onduta.

    3.3 Consumação e Tentativa

    O momento consumativo do crime é aquele em que se realiza a conduta nele descrita. Portanto, o crime de Estupro de Vulnerávelse consuma no instante em que o agente tem a conjunção carnal, com a penetração, total ou parcial, ou  pratica ato libidinosodiverso do coito vaginal, com a penetração anal, ou o sexo oral, por exemplo.

     Afirma este entendimento, Greco:

    (...) o delito de estupro de vulnerável se consuma com a efetivaconjunção carnal, não importando se a penetração foi total ou parcial,não havendo, inclusive, necessidade de ejaculação. Quanto à segundaparte prevista no caput do art. 217-A do estatuto repressivo, consuma-se o estupro de vulnerável no momento em que o agente praticaqualquer outro ato libidinoso com a vítima. (GRECO, 2009, p. 74).

     A tentativa, deste modo, se dará quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não conseguir realizar a conjunção carnalou o ato libidinoso necessário à configuração do crime, nos moldes do art. 14, inc. II do CP, e seu parágrafo único: "Diz-se o crime:

    II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvodisposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços".

    3.4 Modalidades Típicas

    Depreende-se da previsão legal do art. 217-A, que este possui uma modalidade simples, contida no caput  do artigo, já estudadonesta produção, com complementação no §1º, e duas modalidade qualificadas, nos §§ 3º e 4º.

    Quanto à complementação de sua modalidade simples, esta prevê que poderão ser agentes do crime Estupro de vulnerávelaqueles que o cometerem contra pessoas com enfermidade ou deficiência mental, ou que não possam oferecer resistência ao ato,como dispõe o §1º do art. 217-A: "Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, porenfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa,não pode oferecer resistência".

     As formas qualificadas, assim o são por protegerem, além do bem jurídico dignidade sexual, a integridade física do indivíduo e

    sua vida, respectivamente, como preveem os supracitados parágrafos: "§3º - Se da conduta resulta lesão corporal de naturezagrave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. §4º - Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta)anos".

    3.5 Classificação Doutrinária

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    Quanto à sua classificação, temos que o crime Estupro de Vulnerável é: em relação à conjunção carnal, crime de mão-própria, visto que exige atuação pessoal do sujeito ativo, e comum, em relação aos demais atos libidinosos; é próprio em relação à vítima,pois esta necessariamente deverá ser menor de 14 anos (caput ); doloso, como já apontado; e comissivo, pois é praticado medianteação do agente, cabendo no entanto a omissão imprópria, quando o sujeito ativo for garantidor;

    É ainda crime material , pois o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo sua produção para que se consume o mesmo,podendo ser de forma vinculada, quanto à conjunção carnal, ou de forma livre, quanto aos demais atos libidinosos; de dano, poissomente se consuma com a efetiva lesão do bem jurídico dignidade sexual; simples, pois apresenta um tipo penal único; e, por fim,

     plurissubsistente, pois se perfaz com vários atos, admitindo, por este mesmo motivo, tentativa.

    3.6 Penas Cominadas

    Dispõe o art. 217-A do CP:

     Art. 217-A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso commenor de 14 (catorze) anos:

     Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

    § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput

    com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem onecessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualqueroutra causa, não pode oferecer resistência.

    § 2o (VETADO).

    § 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

     Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

    § 4o Se da conduta resulta morte:

     Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 2009). (grifonosso)

    Como se pode observar, a pena aplicada à forma simples do Estupro de vulnerável pode ir de 8 (oito) a 15 (quinze) anos,independendo do ofendido a quem a conduta se dirige. Assim, se comparada com a pena prevista para o crime de Estupro na leiantiga, de 6 (seis) a 10 (dez) anos, a penalidade prevista para a nova conduta delitiva é muito mais gravosa, equiparando-seinclusive, quanto ao seu limite mínimo, à pena prevista para a forma qualificada do atual crime de estupro, se praticado contramenor de 18 anos e maior de 14, enquanto que seu limite máximo pode alcançar até três anos a mais.

    Em sua forma qualificada pelo resultado de lesão corporal de natureza grave, a pena possui um limite mínimo de 10 (dez) anos, eum máximo de 20 (vinte); na modalidade qualificada pelo resultado de morte, a pena poderá variar de 12 (doze) a 30 (trinta)anos, o máximo de tempo possível para a manutenção de um condenado em reclusão ou detenção.

    Note-se que a previsão legal para o crime em tela é sempre pena restritiva de liberdade, na modalidade de reclusão, e, em sendo ocrime atualmente elencado no rol de crimes hediondos, deverá o regime ser sempre fechado no início, podendo haver progressãode pena para o regime aberto, ou semi-aberto.

    4 LEI Nº. 12.015/2009 E A LEI DE CRIMES HEDIONDOS

    Prevê o art. 5º, XLIII, da Constituição da República, que:

     Art. º inc. XLIII  - A lei considerará crimes inafian áveis e

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     insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito deentorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimeshediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,podendo evitá-los, se omitirem. (BRASIL, 1988).

    Desse modo, entendendo que tais delitos constituem crimes de especial gravidade, diante de sua maior repulsividade social, uma vez que traduzem um maior desprezo pela condição humana por parte do agente, a Carta Magna recomenda que, para tais delitos,

    seja aplic ado um tratamento normativo mais rigoroso por parte do legislador.

     Assim, surge a Lei de Crimes Hediondos como forma de aplicar especial atenção a tais delitos, de forma que as normas jurídicasdessa lei impliquem em uma maior severidade, criando obstáculos para concessão de benefícios e, bem como diz o doutrinadorNUCCI, 2008, pg. 600: "Impor maior aspereza no trato com essa espécie de delinqüência". Assim, a Lei 8.072/90 dispõe em seuart. 1º, o rol dos delitos considerados hediondos, devendo-se aqui ressaltar a mudança sofrida por esta com a entrada em vigor daLei 12.015/2009.

    Com a nova Lei, passou-se a incluir expressamente  o estupro em sua forma simples, contida no caput  do art. 213, e suas formasqualificadas, nos §§ 1º e 2º do mesmo artigo, como crimes hediondos. Revogou-se, portanto, o inciso VI, uma vez que a figuratípica do Atentando Violento ao pudor não mais existe, sendo considerado como o próprio tipo penal de Estupro, havendo, dessemodo, apenas uma modificação típica normativa e não o fenômeno da abolitios criminis.

    Essa modificação, na realidade, trouxe-nos a solução para a celeuma doutrinária existente com relação à mens legis do inciso V do

    art. 1º da Lei 8.072/90, devido à redação apresentar-se dúbia, uma vez que, entendiam alguns doutrinadores, este só abarcava asformas qualificadas, enquanto outros, como Guilherme Nucci, entendiam que, na verdade, tratava tanto da forma simples, quantoda qualificada. Assim, o advento da nova lei pôs fim a estas discussões, prevendo como crime hediondo, tanto o estupro na formasimples, quanto na qualificada.

     A grande inovação trazida pela Lei em questão foi à revogação do art. 224 do Código Penal, que tratava de uma extensão doconceito de violência, configurando a denominada  Presunção de Violência, desde que presentes determinados requisitosestabelecidos no próprio artigo, que passaram, por sua vez, a delinear um novo tipo penal disposto no art. 217-A. Denominado deEstupro de Vulnerável, que também passou a figurar no rol dos crimes hediondos, no inciso VI, do art. 1º da Lei, tanto seu caput ,quanto os §§ 1º, 2º, 3º e 4º.

    Contudo, apesar das consideráveis inovações trazidas com o advento da Lei 12.015/09, ressaltando a suma importância destas,deixou o legislador a desejar, porém, em alguns pontos, em especial com relação à adaptação desta lei ao ordenamento jurídico

     brasileiro.

    Quando da criação ou modificação de qualquer norma ou instituto jurídico, deve o legislador proceder a um amplo estudoacadêmico jurídico-social, para que assim, possa inserir tais modificações ou produções de forma lógica dentro de todo o sistema

     jurídico vigente, evitando, pois, situações de inadequação das mudanças decorrentes destas novas normas. Foi, todavia o queaconteceu com a revogação do art. 224, do Código Penal e a ausência de reforma expressa do art. 9º da Lei 8.072/90.

    Dispõe o art. 9º da Lei 8.072/90, que:

     Art. 9º  - As penas fixadas no art. 6º. Para os crimes capitulados nosarts. 157, § 3º., 158, § 2º., 159, caput e seus §§ 1º., 2º. e 3º., 213, caput eparágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput eparágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade,

    respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também doCódigo Penal. (BRASIL, 1990).

    Insta esclarecer que, com a criação do tipo penal Estupro de Vulnerável, os requisitos previstos no art. 224, do Código Penalpassaram a constituir elementares do tipo incriminador previsto no art. 217-A, não mais podendo, desse modo, ser aplicado o art.224, como causa de aumento de pena citado no art. 9º da Lei de Crimes Hediondos, sob pena de ocorrer o chamado bis in idem.Em consequência, tratando-se de Estupro de Vulnerável não incidirá, em hipótese alguma, o art. 9º da Lei 8.072/09, tendo adiscussão relevância apenas p ara os outros tipos penais.

    Como aplicar, então, o retromencionado artigo, diante da revogação expressa do art. 224, do CP, trazida no art. 7º da Lei 12.015/09? Ocorreu definitivamente à revogação tácita do art. 9º da Lei de Crimes Hediondos, ou ainda perdurará o mesmo, tendo em

     vista que o art. 217-A traz os mesmo requisitos do antigo art. 224 do Código Penal? Se revogado haverá sua retroatividade?

    Entendemos que, uma vez que o legislador revogou expressamente o art. 224 do Código Penal, e tendo este quedado inerte nãoreformulando o artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos, teve-se, como corolário, a revogação tácita da causa de aumento emquestão, visto que já não existe mais o tipo penal ali indicado. Uma vez revogado, cria-se uma situação benéfica, pois não mais

    incidirá a causa de aumento, tanto para os réus já condenados, como para os que ainda estão sendo somente processados, sem 

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    r ns o em u ga o. re roa v a e a e ena ma s en ca um re o su e vo o acusa o, sen o garan o an o naConstituição da Repúb lica, quanto no Código Penal in verbis:

     Art. 5º, inc. XL, CR/88  - A Lei penal não retroagirá, salvo parabeneficiar o réu; (BRASIL, 1988). (grifo nosso)

     Art. 2º, CP - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa

    de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitospenais da sentença condenatória. Parágrafo Único –  A Lei posterior,que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatosanteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitadaem julgado. (BRASIL, 1940). (grifo nosso)

    Corrobora com a Carta Magna e o Código Penal o Pacto de São José da Costa Rica, surgido por ocasião da Convenção Americ ana deDireitos Humanos, em 1969, que prevê em seu art. 9º:

     Art. 9º - Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no

    momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordocom o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais gravedo que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de

     perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, odeliquente deverá dela beneficiar-se. (CADH, 1969). (grifo nosso)

    Diante do exposto, todos aqueles que tiveram sua pena aumentada em virtude do art. 9º da Lei de Crimes Hediondos devem tersua pena reduzida na mesma proporção, bastando que este dirija uma petição ao Juízo de Execução Penal, uma vez que caberá aeste juízo a competência para a apreciação do pedido. É este o entendimento da súmula 611 do Supremo Tribunal Federal:"Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna".

     Assim, apesar das acertadas e necessárias modificações trazidas pela lei 12.015/09, em especial , a tratada no art. 1 

    da Lei de

    Crimes Hediondos, deixando clara sua incidência no Estupro, nas formas simples e qualificada, além da presença do Estupro de Vulnerável , também nas formas simples e qualificada, no rol destes delitos considerados hediondos, há pontos ausentes nareforma, que acabaram por ensejar novas celeumas doutrinárias, tais como a incidência ou não do art. 9º da lei em questão, apesarde que, em um raciocínio lógico-sistemático, venha-se concluir pela sua revogação tácita.

    5 AÇÃO PENAL DIANTE DA LEI 12.015/09

    Um ponto importante a ser analisado, a respeito do Estupro de Vulnerável, diz respeito à Ação Penal cabível a este delito,ressaltando-se que estas previsões estão presentes nas Disposições Gerais dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, abarcando, destaforma, nosso objeto de estudo.

     Assim, de forma sistemática, analisaremos as consequências desta inovação de maneira geral, partindo da análise de quais e ondehouveram tais mudanças, assim como os objetivos das mesmas, e, ao final, proporcionando um melhor entendimento sobrealteração da Ação Penal para o delito de Estupro de Vulnerável.

     Antes da modificação tinha-se como regra geral que os denominados Crimes Contra os Costumes procederiam mediante queixa, ouseja, por uma ação penal privada, havendo, entretanto exceções, quais sejam:

    - A ação seria Penal Pública Incondicionada: se o crime fosse cometido pelo sujeito com abuso do poder familiar, tutela oucuratela; se da violência empregada resultasse lesão corporal grave ou morte; ou com emprego de violência real, para os crimes deestupro, segundo súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe da seguinte maneira: "No crime de estupro praticadomediante violência real, a ação penal é pública inc ondicionada".

    - A ação seria Penal Pública Condicionada à Representação: se a vítima ou seus pais não pudessem prover as despesas do processosem se privarem dos recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família.

    Faz-se mister  esclarecer que quando ocorre lesões corporais leves produzidas pelo delito de estupro, estas são abarcadas pelopróprio tipo legal mencionado, uma vez que enquadrava-se no seu modo de execução.

    Dessa forma, entendia o legislador que um delito praticado contra a liberdade sexual de uma pessoa afetava tão profundamente aesfera íntima do indivíduo, que não caberia ao Ministério Público provocar a persecução penal para punir o ofensor, cabendoapenas a vítima ou seu representante legal; ademais, por muitas vezes, a exposição de um ofendido nesta situação poderia provocar

    neste, danos ou situações consideradas incômodas, de modo que o denominado "escândalo do processo" (strepitus judicii ) venha a 

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      , , ,tais delitos proceder-se-ia mediante queixa.

    Todavia, o legislador, dessa forma, permitia que a vítima pudesse perdoar o acusado, abandonar a causa, renunciá-la, ocorrendoperempção, que são causas extintivas de punibilidade, tudo isto a despeito do tratamento mais rigoroso exigido pela lei para oscrimes hediondos, revelando a aparente contradição operada quanto à ação penal cabível, como se pode depreender da seguinteafirmação de Prado:

    Por um lado, têm-se crimes que são considerados hediondos, como no

    caso do estupro e do atentado violento ao pudor, merecedores detratamento rigoroso do legislador [...] Por outro lado, permite estemesmo legislador que a ação penal fique não só ao alvedrio da vítima,ou dos seus representantes do processo (lide), perdoando o acusador(art. 105 do CP) ou abandonando a causa, dando lugar à perempção(art. 60 do CPP). (PRADO, 2002, 255).

    Diante da gravidade dos delitos contra a liberdade sexual, que demonstra a necessidade de sua condenação, vez que atingem deforma reprovável não só o ofendido, repercutindo em todo o seio da coletividade, evidente, mostra-se, a necessidade namodificação da A ção Penal cabível.

    Com a entrada em vigor da Lei 12.015/09, portanto, ocorreu o que se chama de Mutação da Titularidade , uma vez que para osCrimes Contra a Liberdade Sexual não se procederá, via de regra, mediante queixa, mas sim por uma ação penal PúblicaCondicionada à Representação. É o que diz o novo art. 225 do Código Penal, in verbis:

     Art. 225 - Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título,procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

    Parágrafo Único –  Procede-se, entretanto, mediante ação penal  pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável . (BRASIL, 2005). (grifo nosso)

    Logo, conclui-se que ocorreu uma mudança no pólo ativo da ação, ou seja, na titularidade para mover a ação penal, que caberáagora ao Ministério Público. Desse modo, o Órgão Ministerial passa da legitimidade extraordinária, no sistema anterior, àsubstituição processual, atuando, a partir de então, com legitimidade ordinária, uma vez que ocorreu mudança na legitimidade ad causam.

     Vale ressaltar, sobre o conceito de legitimidade ad causam, o ensinamento de Capez:

    É a legitimação para ocupar tanto o pólo ativo da relação jurídicaprocessual, o que é feito pelo Ministério Público, na ação penal pública,e pelo ofendido, na ação penal privada, quanto o pólo passivo, peloprovável autor do fato [...] partes legítimas, ativa e passiva, são os

    titulares dos interesses materiais em conflito; em outras palavras, ostitulares da relação jurídica material levada ao processo. (CAPEZ, 2009,p. 112).

    É necessário observar também, que a representação é condição de procedibilidade da ação, como um requisito de autorizaçãopara que o Ministério Público possa dar início à persecutio criminis. É nos seguintes dizeres, do mesmo autor:

    É a manifestação de vontade do ofendido ou do seu representante legal no sentido de autorizar o desencadeamento da persecução penal em juízo. Trata-se de condição objetiva de procedibilidade. [... ] É condição específica da ação penal  pública. [...] É um obstáculo ao legítimo exercício da ação penal, cuja remoção fica ao exclusivo critério do ofendido, ou de quemlegalmente o represente, ou, ainda do ministro da justiça". (CAPEZ, 2 009, p. 121) ( grifo nosso)

    Ressalta-se, ainda, que uma vez ocorrendo a morte do ofendido caberá a titularidade para a representação ao cônjuge, ascendente,

    descendente ou irmão, em igual prazo, conforme art. 31 do Código de Processo Penal.

     Vale lembrar q ue essa representação não exige q ualquer formalidade vinculada à lei, podendo se ap resentar de forma escrita ou 

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    , ,Público. A única exigência é que esta representação expresse uma manifestação de vontade inequívoca quanto à vontade doofendido ou ofendida em se ter o prosseguimento da presecutio criminis.

    Todavia, mais uma vez, surge uma problemática com a nova redação dada ao art. 225 do Código Penal pela Lei 12.015/09. A questão diz respeito à mudança do tipo de Ação Penal que deverá ser intentada com relação aos processos que já se encontram emtramitação, ou seja, aqueles ainda não transitados em julgado, devendo-se aferir se ocorrerá ou não retroatividade do art. 225 doCP para esses p rocessos.

    Para chegarmos a alguma conclusão, é imperioso que se determine qual a natureza jurídica da norma contida no dispositivo doartigo em questão: se este possui natureza penal, podendo retroagir para beneficiar o réu; se guarda natureza processual, não

    havendo a ultratividade; ou, por fim, se é mista. Afirma Capez (2008; p. 51), que: "Sempre que houver lei híbrida (misto penal eprocesso), a parte penal tende a prevalecer, para fins de retroatividade em benefício do agente".

    O que se pode concluir dentro de uma visão hermenêutica-material da norma contida no art. 225, é que esta possui natureza jurídica processual uma vez que exige uma condição de procedib ilidade da ação penal, qual seja a representação, trazendotambém, entretanto, natureza penal, pois o não oferecimento dessa manifestação de vontade ocasionará a decadência e a extinçãode punibilidade, que são matérias de direito penal.

    Como conseqüência lógica de todo o entendimento doutrinário acerca de normas com natureza jurídica híbrida, se esta norma for benéfica para o réu, deverá retroagir. Sendo assim, há q ue se observar que, se a Ação Penal fora iniciada mediante queixa, nãohaverá nenhuma providência a ser tomada em juízo, prosseguindo a ação seu curso normal. A questão de grande relevância é se aação intentada tiver sido Pública Incondicionada.

    Ressalta-se que, necessitando o Órgão Ministerial da representação para dar início à persecução penal, essa condição de

    procedibilidade cria um obstáculo para o  Parquet , de modo que, as ações Públicas Condicionadas à Representação são mais benéficas que as aç ões Públicas Incondic ionadas. Desta feita, sendo o art. 2 25, do Código Penal uma norma processual penalmaterial, deve esta retroagir, com fulcro no art. 5º, XLIII da CR/88 e art. 2º, CP, quando houver sido intentada uma ação penalPública Incondicionada, nos casos em que, com a entrada em vigor da lei 12.0105/09, deveria ter sido procedida mediante açãopenal Pública Condicionada à Representação. Com isso, serão esses processos principiados por iniciativa exclusiva do MinistérioPúblico, dependendo da representação do ofendido, que será notificado para manifestar sua vontade, sob pena de decadência.

     A questão a ser auferida neste ponto diz respeito ao prazo. Apesar da prematuridade da Lei dos Crimes Contra a Liberdade Sexual,alguns já têm entendido que o prazo será o definido no Código de Processo Penal, em seu art. 38 , qual seja de 6 (seis) meses acontar da data da notificação. Em outro sentido, já há manifestação entendendo que, em havendo lacuna, poder-se-á utilizar o art.91 da Lei 9.099/95, que dispõe que: "Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penalpública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência".Parece-nos mais acertada a primeira posição, pois trata-se de uma condição de procedibilidade exigida e disciplinada pelo Códigode Processo Penal.

    Entretanto, apesar da gravidade dos delitos em questão, uma vez que estes, em regra, dependem de uma representação para quese proceda à ação penal necessária, ocorrerá à extinção de punibilidade de muitos desses delitos sexuais, pois, na maioria doscasos, após o decurso do prazo para a manifestação de vontade do ofendido (seis meses – prazo decadencial), apesar do  jus

     puniende do Estado ainda existir, este não mais poderá promover a prestação jurisdicional; é que muitas vezes a vítima não semanifesta imediatamente, fazendo-o muito tempo depois de decorrido o prazo decadencial para a representação.

     Vale salientar que, apesar de várias críticas feitas ao legislador, por ter contemplado a ação penal Públic a Condicionada ao invés daIncondicionada, a nosso ver, há de se considerar ainda, a possibilidade da strepitus judicii  para o ofendido, uma vez que os delitossexuais, mesmo repercutindo no âmbito social, atingem gravosamente a própria vida íntima da vítima; logo, procedeu o legisladorde forma correta agravado a situação com a modificação da ação penal Privada para ação penal Pública, evitando que ocorresse,desta maneira, tanto certas impunidades ante o perdão da vítima, quanto que ocorresse a perempção, como colocadoanteriormente.

    Insta esclarecer que, a despeito de ser a ação penal Pública Condicionada à Representação, a ação devida para os crimes Contra a

    Liberdade Sexual, proceder-se-á por ação penal Pública Incondicionada nos delitos enquadrados no parágrafo único do novo art.225, ou seja, nos casos de Estupro de Vulnerável, objeto deste estudo, e Mediante Fraude.

    É evidente a necessidade de tratamento mais rigoroso para as situações acima mencionadas, diante da maior vulnerabilidade dossujeitos passivos, e, portanto, de uma maior exigência de proteção, ademais configurarem delitos de reprovabilidade social demaior extensão. Com relação a estes casos, faz-se mister a exposição dos motivos presentes no Projeto de Lei nº 253/04, que deuorigem a Lei 12.015/09:

    Sem dúvida, a eficácia na proteção da liberdade sexual da pessoa e, em 

    [05]

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     ANTES DA NOVA LEI 12.015/09  COM A ENTRADA EM VIGOR DA 

    LEI 12.015/09

    Em Regra   Mediante Ação Penal Privada  Mediante Ação Penal Pública

    Condicionada à Representação

     Violência Real   Mediante Ação Penal Pública Incondic ionada Mediante Ação Penal PúblicaCondicionada à Representação

    Menor de 18 Anos e Vulnerável  Mediante queixa, salvo os incs. I e II, do art.

    225 do CPMediante Ação Penal PúblicaIncondicionada

     Vítima sem Condições de Arcar com asDespesas do Processo

    Mediante Ação Penal Pública Condicionada àRepresentação, tendo em vista o inc. I, do art.225 do CP.

    Mediante Ação Penal PúblicaCondicionada à Representação, vez que seenquadra na regra geral

    Crime Cometido com Abuso do PátrioPoder, ou da qualidade de Padrasto, Tutorou Curador

    Mediante Ação Penal Pública Incondicionada Mediante Ação Penal PúblicaCondicionada à Representação

     

    especial, a proteção ao desenvolvimento da sexualidade da criança e doadolescente são questões de interesse público, de ordem pública, nãopodendo em hipótese alguma ser dependente de ação penal privada epassível de das correlatas possibilidades de renúncia e de perdão doofendido ou ofendida, ou ainda de quem tenha qualidade pararepresentá-los. Na prática, as qualidades da ação penal privada, no caso

    de violação de criança ou adolescente, têm contribuído para resguardarcumplicidades, intimidar e, assim, consagrar a impunidade. (SENADOFEDERAL, PLS nº 253, 2004).

     Ademais todas as c onsiderações feitas sobre as modificações introduzidas no art. 225 do Código Penal, restam-nos ainda algunsapontamentos, os quais consideramos de enorme relevância, entre elas a omissão do legislador nos casos antigamente previstos noinciso II, do art. 225, que tratava do crime cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padastro ou curador, que seprocedia mediante ação penal Pública Incondic ionada.

    Isto ocorria dado ao fato de que como bem afirma, Nucci:

    É natural que, nessas hipóteses, torne-se muito difícil para a pessoaofendida representar ou patrocinar um advogado para ajuizar queixa-crime contra a pessoa que deveria representá-la em juízo, defendendoseus interesses. Assim, é interesse público punir o sujeito que desvirtuasua função protetora, atacando a pessoa de quem deveria cuidar.(NUCCI, 2007, p.847).

     A nova lei não abarcou essa situação como causa de ação penal Públic a Incondic ionada, determinando que se proceda medianteação penal Pública Condicionada à Representação. Tal fato ocorre, uma vez que já se contemplou no mesmo artigo penal que, se a

     vítima é menor de 18 (dezoito) anos, a ação deverá ser a Pública Incondic ionada; nunca haverá um maior de idade sendorepresentado em juízo, a não ser que seja curatelado, em virtude de alguma doença ou falta de discernimento, situações essatambém abarcadas pelo conceito de vulnerável. Sendo assim, apesar da aparente incoerência trazida com a modificação do art.225 do Código Penal, vê-se que, na verdade, as situações da antigo inc. II já foram abrangidas pelas hipóteses do Parágrafo Únicodo artigo supracitado.

    5.1 Quadro Sinótico da Ação Penal

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    eg m a e r n r a   en o n s r o co

     

    O Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, tendo como características a submissão à lei, a separação dos poderes eo respeito aos direitos e garantias fundamentais. Desta forma, qualquer conduta atentatória a esses direitos, cujo caráter éindisponível, estará indo de encontro à ordem constitucional.

    Estando a Constituição Federal no ápice do ordenamento jurídico brasileiro, todas as normas infraconstitucionais devem seguirsuas orientações e diretrizes, sob pena de serem declaradas inconstitucionais. Sendo assim, o Direito Penal brasileiro somentepode ser concebido à luz dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito.

    Desse importante princ ípio emergem diversos outros que serão os norteadores da atividade legislativa e da aplicação da lei ao casoconcreto.

    O Direito Penal, portanto, deve ser orientado em conformidade com a ordem constitucional sob pena de torna-se um instrumentode repressão, contrário ao perfil constitucional b rasileiro.

    6.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

     A Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da Repúbl ica Federativa do B rasil, é um valor supremo que atrai o conteúdo detodos os direitos fundamentais do homem.

    O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana apresenta-se em três dimensões: a dimensão fundamentadora, que consiste em umnúcleo informativo e uma diretriz de todo ordenamento jurídico; a dimensão orientadora, que traça metas que devem ser seguidas,tornando ilegítima qualquer disposição normativa distinta; e a dimensão crítica, que é o parâmetro para auferir a legitimidade da

    produção legislativa.

    Com relação ao Direito Penal, essas orientações devem ser analisadas de forma ainda mais cuidadosa, tendo em vista que aqueleexerce um controle social, aplicando sanções aos membros da coletividade.

    Com relação à figura penal do art. 217-A do CP, o Estupro de Vulnerável, introduzida pela Lei n° 12.015/09, é necessário verificarse o seu grau de reprovação é proporcional à pena aplicada, visto que tipos penais que revelam desproporção entre a efetivapotencialidade lesiva e a pena aplicada atentam contra a Dignidade da Pessoa Humana.

    Nesse contexto convém lembrar a lição de Mello:

     Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico

    mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. E maisgrave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme oescalão do princípio atingido representa a ingerência contra todo osistema, subversão de valores fundamentais, contumélia irremissível aseu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura. (MELLO, 1994,p.451).

    Como se pode compreender de tal afirmação, o tipo penal deve obedecer a critérios formais e materiais, pois de nada adiantaráestar haver previsão legal que afronte valores basilares de toda a ordem jurídica, dentre eles o Princípio da Dignidade da PessoaHumana.

    Diante do exposto, o art.217-A, do CP (Estupro de vulnerável) atende a um critério formal, pois descreve a conduta típica em lei,atendendo ao princípio da legalidade, porém não leva em consideração a sua potencialidade lesiva. Este despreza apotencialidade lesiva ao bem jurídico, quando admite haver crime mesmo sem violência ou grave ameaça e com anuência da

     vitima no ato. Sendo, portanto, inquestionável a afronta a dignidade da pessoa humana.

     Aplic a-se a justiça, quando observa-se não apenas critérios formais, mas a interpretação fundada em valores superiores, como osadotados pela sociedade como norma moral de conduta, pela qual regem seus atos, sem que possa ser considerado um fato típico.

    O princípio da dignidade da pessoa humana faz, portanto, um controle da qualidade do tipo penal, ou seja, de seu conteúdo,diante de cada contexto fático, tendo em vista, a constante evolução social em contraste com a estagnação normativa

    6.2 Princípio da Adequação Social

    Para que possa atingir verdadeiramente os fins sociais do Estado Democrático, o Direito Penal deve tipificar, unicamente, condutasque tenham relevância social. O legislador ao selecionar tais comportamentos, tem obrigação de escolher aqueles que tutelem

     bens jurídicos importantes para a convivência social, sendo necessário, além disso, que estes sejam atentatórios e nocivos aointeresse público.

    O tipo penal Estupro de Vulnerável tutela, sem dúvida, um bem jurídico importante em uma sociedade democrática. No entanto,esta proteção foi tratada de forma equivocada pelo legislador, quando incrimina toda e qualquer prática sexual com menores de 14

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    anos e doentes mentais, considerando de todo irrelevante o consentimento da vítima.

    Essa tipificação atenta flagrantemente ao Princípio da Adequação Social, de modo que se encontra desvinculado da realidadesocial brasileira, pois é inegável que os jovens iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo, nos dias atuais, sendo esta uma prática

     já inserida no contexto social com as transformações dos valores e costumes.

    Este é o entendimento compartilhado pelo Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 73.663,que trata da conjunção carnal com vítima menor de 14 anos:

     Assim é que, sendo irrestrito o acesso à mídia, não se mostra incomumreparar-se a precocidade com que as crianças de hoje lidam, semembaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudode uma forma espontânea, quase natural. Tanto não se diria nos idosdos anos 40, época em que exsurgia, glorioso e como símbolo damodernidade e liberalismo, o nosso vetusto e ainda vigente CódigoPenal. (STF, HC 73.662 – MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996)

     Acrescenta ainda em seu voto:

    Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos.Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta comdiscernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, aindaque não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbraremtoda sorte de conseqüências que lhe podem advir. (STF, HC 73.662 –MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996)

    Por este motivo, no tocante à idade especialmente, deve-se fincar a interpretação penal à realidade, buscando manter o equilíbrio jurídico na aplicação da lei.

    Outro ponto conflitante no dispositivo em apreço, quando se remete à questão do consentimento da vítima, é que este seja

    considerado absolutamente inválido, em conflito com as próprias disposições do Estatuto da Criança e Adolescente. O ECA deixoudeterminada a distinção entre criança e adolescente, nos termos do art.2°: "considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até12 (doze) anos incompletos, e adolescente entre 12 (doze) e18 (dezoito) de idade".

    Nestes termos, tanto a criança quanto o adolescente são considerados inimputáveis, ou seja, não praticam crime ou contravençãopenal, consequentemente não se aplicando a eles o Código Penal. Entretanto, o mencionado dispositivo considera que, quando acriança ou adolescente pratica uma figura típica, essa conduta é um ato infracional (art.105, ECA), sendo punido de acordo comsuas determinações.

    Sendo assim, às crianças aplicam-se as medidas de proteção, e aos adolescentes as medidas socioeducativas, que são mais gravosasque as anteriores. Essa medida mais severa aplicada aos adolescentes é o reconhecimento de sua capacidade de discernimento ecompreensão em relação a suas atitudes e escolhas.

    Tal entendimento é compartilhado pelo juristaCapez:

    Um fato não pode ser definido como infração penal e, ao mesmo tempo,ser aplaudido, tolerado e aceito pela sociedade. Tal antinomia fere as

     bases de sistema que se quer democrático. (...) Com apoio nessapremissa básica construiu-se a teoria da adequação social, para excluirdo âmbito de incidência típica algumas condutas que são socialmentetoleradas, praticadas e aceitas pela sociedade. Faltava, nesse caso, umaelementar implícita, não escrita, que está em todo modelo descritivolegal, que é o dano de repercussão coletiva. (CAPEZ, 2008; p.128-129)

    O reconhecimento da relevância da adequação social na jurisprudência e na doutrina pátria é um forte indício de que a legislaçãopenal deve adequar-se aos anseios e valores sociais e aos princípios fundamentais que regem todo o arcabouço jurídico.

    6.3 Princípio da Proporcionalidade

     

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      , , ,nos seguintes termos, art.15: "a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito" (grifo nosso). Nalegislação pátria, este princíp io vem disciplinado em vários dispositivos da Constituição Federal ·, para oferecer equilíbrioentre as limitações impostas à sociedade e os benefíc ios por ela auferidos.

    No que c oncerne ao Direito Penal, toda vez que o legislador cria um novo tipo penal, ou faz alteração em seu conteúdo para tornar aresposta estatal mais gravosa, impõe um ônus à sociedade, que conseqüentemente sofre uma limitação em seu poder de agir. Emcontrapartida, a sociedade deve ser compensada pela vantagem de proteção do bem jurídico.

    Segundo o Princípio da proporcionalidade, quando o ônus imposto for superior a vantagem auferida, o tipo penal seráinconstitucional, visto que fere a Dignidade da Pessoa Humana e, por conseguinte, a própria razão de ser do Estado Democráticode Direito.

    O tipo penal Estupro de Vulnerável (art. 217-A do CP) fere, deste modo, o Princípio da Proporcionalidade, na medida em que trazmais limitação do que beneficio à sociedade, visto que a pena cominada no delito traz desproporção entre a extensão do dano secomparado com o de outros delitos considerados mais reprováveis pela sociedade.

    Tomando-se como exemplo, se for comparada a resposta estatal (pena) para o Estupro de Vulnerável àquela aplicada aoHomicídio Simples, observa-se ser flagrante o desequilíbrio. Isto porque, a pena para o Homicídio Simples é de 6 a 20 anos dereclusão, enquanto que a pena para o Estupro de Vulnerável é de 8 a 15 anos de reclusão, sendo considerado, inclusive, crimehediondo, o que torna a sanção ainda mais gravosa. Agindo assim, o legislador considerou mais grave a prática sexual consentidacom uma pessoa de 13 anos, do que matar uma pessoa.

     Verifica-se também violação a esse princípio, a diferenciação da resposta estatal, em relação à vítima com 14 anos completos, quenão pode ser enquadrada no tipo penal do art.217-A, do CP, em virtude da elementar típica "menor de 14 anos". Dessa maneira, se

    o crime for cometido mediante grave ameaça ou violência será enquadrado no tipo do art.213, do CP (estupro), que tem pena dereclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos, enquanto que se o fato for consentido pela menor será atípico.

    Tais exemplos deixam claro a desproporção do tipo penal em apreço em relação a outros delitos do ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina já tem se posicionado contra essas contradições que o legislador comete no exercício de suas funções. Nestesentido, pode-se citar a lição de Bitencourt:

    O campo de abrangência, e por que não dizer de influencia do princípioda proporcionalidade, vai além da simples confrontação dasconseqüências que podem advir da aplicação das leis que não observamdito princípio. Na verdade, modernamente a aplicação desse princípio

    atinge inclusive o exercício imoderado do poder, inclusive do própriolegislativo no ato de legislar. (...) Na verdade, a evolução dos tempostem nos permitido constatar, com freqüência, o uso abusivo do "poderde fazer leis had hocs", revelando, muitas vezes contradições,ambigüidades, incongruências e falta de razoabilidade, quecontaminam esses diplomas de inconstitucionalidades. (BITENCOURT,2006, p.310).

    Esses excessos não podem ser admitidos em um Estado Democrático de Direito, cominando penas iguais para crimes de lesividadedistintas, pois frustra um de seus postulados, a garantia a d ireitos inalienáveis como a liberdade.

    6.4.Princípio da Culpabilidade

     Antes de discorrer mais especificamente sobre o p rincípio da culpabilidade, faz-se nec essário, uma breve explanação sobre oconceito de crime na doutrina.

    Crime pode ser definido da várias maneiras, porém, neste estudo, nos interessa o aspecto analítico, que é aquele que busca, sobum prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do conceito de crime.

    Parte da doutrina considera que crime é todo fato típico e ilícito, tendo como elementos integrantes apenas a tipicidade e ailicitude. Entendimento do jurista Capez, que adota a Teoria Bipartida:

    Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em 

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      .positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendofato típico e ilícito já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar seo autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrerum juízo de reprovação pelo crime que cometeu. (CAPEZ, 2008, p.113).(grifo nosso)

    Outra parte da doutrina discorda deste posicionamento, incluindo a culpabilidade como elemento integrante do conceito decrime, adotando a Teoria Tripartida. Neste sentido, pode-se c itar Noronha:

     A ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamenteà conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendoseu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se,então, o delito ação típica, antijurídica e culpável. Ele não existe semuma (compreendendo também a omissão), a qual se deve ajustar àfigura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a

    titulo de culpa lato sensu. (NORONHA, 1986, p.94). (grifo nosso) Verifica-se que independentemente da concepção adotada, a culpab ilidade demonstra fundamental importância para o estudo daconduta delituosa. Sendo assim, segundo o princípio da culpabilidade não há crime ou imposição de pena sem culpabilidade, adepender da concepção adotada.

    O princípio da culpabilidade contrapõe-se à Responsabilidade Objetiva, que se caracteriza com a simples produção do resultado,sem analisar o seu c ontexto fático, estando, por esse motivo, praticamente erradic ada do Direito Penal contemporâneo.

    O ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade subjetiva, considerando que nenhum resultado pode ser atribuído aquem não o tenha produzido por dolo ou culpa, sendo, portanto, inconstitucional qualquer lei que despreze esse preceito.

    O que ocorre, porém, ao analisar o tipo penal Estupro de Vulnerável, "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso commenor de 14 anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15(quinze) anos", o legislador não levou em conta a responsabilidade subjetiva,tendo em vista que basta realizar a conjunção carnal ou o ato libidinoso com uma pessoa menor de 14 anos para configurar o crime,

    não importando as circunstancias fáticas em que foi realizado, ou se a vitima consentiu com a prática, uma vez que o critérioobjetivo é cometê-lo com "menor de 14 anos".

    6.5 Princípio da Individualização da Pena

    Pelo princípio constitucional criminal da Individualização Punitiva, a pena deve ser adaptada ao condenado, considerando ascaracterísticas do sujeito ativo. Assim, a imposição da pena depende do juízo de culpabilidade do agente (censurabilidade de suaconduta).

    Dessa forma, o art. 217-A do Código Penal se demonstra novamente contrário as garantias constitucionais e ao p róprio art. 59 do CP,tendo em vista que o novo tipo penal não permite ao aplicador do direito valorar as particularidades de cada pessoa, nem a c ondutado agente, bastando a configuração do fato, sem importar-se com o comportamento da vítima, seu consentimento ou se o agenteusou de violência.

    Caracteriza-se, de tal modo, flagrante o desrespeito ao Princípio da Individualização da pena, vez que o sujeito que praticar a

    conduta com o consentimento da vítima sofrerá a mesma sanção que aquele que o cometer com violência ou grave ameaça, se,neste último caso, o crime não deslanchar em sua modalidade qualificada.

    6.6 Princípio da Presunção de Inocência

     A Constituição Federal, em seu art. 5°, inc . LVII, estabelece que "Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado dasentença penal condenatória", consagrando a Presunção de Inocência como um dos princípios basilares do Estado Democrático deDireito, e do Direito Processual Penal.

     A Presunção de Inocência é juris tantum, exigindo um mínimo de provas colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesapara ser afastada, materializando-se o devido processo legal.

    Quando o tipo penal Estupro de Vulnerável estabelece que ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14anos é crime, está implicitamente admitindo que o agente é culpado, sem considerar em que condições a conduta foi praticada, aintenção do agente ou o comportamento do vitima. Basta, portanto, para a comprovação da materialidade a autoria e a idade da

     vítima, sem a necessidade de comprovação da existência de dano ou dissenso da vítima, uma vez q ue, são irrelevantes para atipificação.

    Isto, como se pode depreender das declarações feitas ao longo desta produção, é uma afronta clara à Presunção de Inocência e àTeoria da Responsabilidade Subjetiva adotada pelo Código Penal, pois é inadmissível que alguém possa ser responsabilizado, sem

     

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    Recurso Especial. Estupro. Vítima menor de 14 anos de idade. Violênciapresumida. Presunção Relativa. 1. É Relativa a presunção de violênciacontida na alínea ‘a’ do artigo 224 do Código Penal . 2. Recursoconhecido e improvido. (STJ, REsp 206.658 – SC, 6ª T., rel. Min.

     Vicente Leal, 18/04/2002, D.J, 10/03/2003). (grifo nosso)

    Ocorre que, diante destes entendimentos, o Projeto de Lei do Senado nº. 253/04 afirma que não há mais que se falar emPresunção de Violência, nem absoluta, nem relativa, dispondo tratar-se de uma objetividade fática, como já fora expositado nestetrabalho.

    Consideramos, no entanto, que embora haja denominação diversa para os efeitos da norma do art. 217-A, do CP, o que vigora, narealidade, é uma norma cujo o caráter é de verdadeira presunção absoluta, vez que continua a  presumir -se que em qualquerhipótese a suposta vítima seria incapaz de consentir, independente da análise fática, ou se quer da existência de violência real ougrave ameaça, sem analisar as características pessoais do sujeito ativo, qual seja sua culpabilidade.

    Quando o tipo Estupro de Vulnerável prevê que há violência em toda e qualquer situação, sem levar em consideração ascaracterísticas pessoais de cada vítima e do agente, acaba por reputar que haverá somente um tipo de fato social para todos os casosconcretos a que a norma seria aplicável, quais sejam o abuso da condição de despreparo físico e psicológico da vítima.

    Na verdade, esta previsão demonstra o retrocesso trazido pelo legislador, pois ratifica um entendimento que já vinha sendoafastado, em razão de sua desproporcionalidade, pela doutrina, e inclusive por nossa jurisprudência, como bem demonstra o juízoarbitral do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, colacionado abaixo:

     A presunção de violência prevista no art. 224 do Código Penal cede àrealidade. Até porque não há como deixar de reconhecer a modificaçãode costumes havida, de maneira assustadoramente vertiginosa, nasúltimas décadas, mormente na atual quadra. [...] de qualquer forma, onúcleo do tipo é o constrangimento, e, à medida que a vítima deixoupatenteado haver mantido relações sexuais espontaneamente, não se

    tem, mesmo à mercê da potencialização da idade, como concluir, naespécie, pela caracterização.  A presunção não é absoluta, cedendo