o enfraquecimento do leviatã brasileiro renato hayashi

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1 O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi [email protected] Universidade Federal de Pernambuco Trabalho preparado para sua apresentação no 9º Congresso Latino-americano em Ciência Política, organizado pela Associação Latino-americana de Ciência Política (ALACIP). Montevidéu, 26 a 28 de julho de 2017.

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O enfraquecimento do Leviatã brasileiro

Renato Hayashi

[email protected]

Universidade Federal de Pernambuco

Trabalho preparado para sua apresentação no 9º Congresso Latino-americano em Ciência

Política, organizado pela Associação Latino-americana de Ciência Política (ALACIP).

Montevidéu, 26 a 28 de julho de 2017.

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O enfraquecimento do Leviatã brasileiro

RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar o enfraquecimento institucional do Supremo Tribunal Federal

brasileiro. Surpreendentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal foi descumprida

pelo presidente do Senado Federal e nem a coercitividade (possibilidade do uso da força para

se cumprir a ordem jurídica) foi suficiente. Para amenizar o enfraquecimento jurídico-político,

o Pleno do STF encontrou uma saída: manter o Presidente do Senado Federal no cargo, mas o

impossibilitando de assumir a presidência do Brasil quando necessário. Mas será que a segunda

parte da decisão será realmente cumprida? É importante lembrar que nos termos do art. 80, da

Constituição Federal, a ordem de sucessão presidencial é: 1º Presidente da Câmara dos

Deputados, 2º Presidente do Senado Federal e 3º Presidente do STF. Há muito mais elementos

importantes envolvidos nesse caso do que os debates ideológicos e partidários.

Palavra-chave: Supremo Tribunal Federal. Institucionalismo. Enfraquecimento do STF.

RESUMEN

Este trabajo se propone analizar el debilitamiento institucional del Supremo Tribunal Federal

brasileño. Sorprendentemente una decisión del Supremo Tribunal Federal fue incumplida por

el presidente del Senado Federal y ni la coercitividad (posibilidad del uso de la fuerza para

cumplir el orden jurídico) fue suficiente. Para suavizar el debilitamiento jurídico-político, el

Pleno del STF encontró una salida: mantener al Presidente del Senado Federal en el cargo, pero

imposibilitando asumir la presidencia de Brasil cuando sea necesario. ¿Pero la segunda parte

de la decisión se cumplirá realmente? Es importante recordar que, de conformidad con el art.

De la Constitución Federal, el orden de sucesión presidencial es: 1º Presidente de la Cámara de

Diputados, 2º Presidente del Senado Federal y 3º Presidente del STF. Hay muchos más

elementos importantes involucrados en este caso que los debates ideológicos y partidarios.

Palabra clave: Supremo Tribunal Federal. Institucionalismo. Enfriamiento del STF.

Sumário: Introdução, 1. A estrutura do Judiciário brasileiro. 2. As proporções

institucionais do Leviatã brasileiro. 3. O conflito entre o STF e o Presidente do Senado

Federal. 4. Conclusão.

Introdução

O presente trabalho busca uma análise da infraestrutura e da atuação do Poder Judiciário

brasileiro, em especial, do Supremo Tribunal Federal. Por analogia, utilizamos a teoria de

Thomas Hobbes, O Leviatã, para apresentar o Poder Judiciário no Brasil.

Page 3: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

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O crescimento do judiciário tem ocorrido em várias sociedades ocidentais desde o final

do século passado. A existência de tribunais constitucionais passou a ser uma variável no

desenho metodológico das políticas públicas (CARVALHO, 2004).

É principalmente por causa do controle de constitucionalidade que o judiciário possui

tanto poder em face do executivo e do legislativo. No sistema brasileiro o judiciário exerce

tanto o controle concentrado, quanto o controle difuso.

O controle concentrado de constitucionalidade é exclusivo do Supremo Tribunal

Federal (art. 102, I, a, da Constituição Federal de 1988), cujas decisões possuem efeitos erga

omnes, ou seja, para todos. A competência para impetrar um dos remédios constitucionais

necessários ao exercício do controle de concentrado de constitucionalidade é concedida à

poucos atores, que estão previstos no art. 103, da Constituição Federal de 1988. No tempo, as

decisões, em regra, possuem efeito ex nunc (para o futuro) (MORAES, 2007).

Entre os cinco maiores impetrantes de Ação Direta de Inconstitucionalidade, temos1:

Tabela 1 – os cinco maiores impetrantes de ADI’s

Legitimado Quantidade de

processo

Porcentagem

Procurador Geral da

República

971 18,82%

Conselho Federal da

Ordem dos Advogados

do Brasil

152 2,95%

Partido Democrático

Trabalhista - PDT

135 2,62%

Governador do Estado

de São Paulo

131 2,54%

Associação dos

Magistrados Brasileiros

130 2,52%

Total de ADI’s até

05/02/2017

5.159 100%

Entre os partidos políticos2:

Tabela 2 – os cinco partidos que mais impetraram ADI’s

Partido

Quantidade de

processo Porcentagem

PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT 135 2,62%

PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT 119 2,31%

1 Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi 2 Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi

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PARTIDO SOCIAL LIBERAL – PSL 88 1,71%

PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA

BRASILEIRA – PSDB 67 1,30%

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB 49 0,95%

No tocante aos partidos, em especial, os partidos de oposição, que são minoria nas

casas legislativas, costumam usar o judiciário para barrar os projetos de lei contrários aos seus

interesses (CARVALHO, 2014).

O controle difuso é exercido por qualquer magistrado, ou seja, não se limita ao STF,

embora caiba análise pelo Supremo em sede de recurso. Os efeitos do controle de

constitucionalidade são inter partes, ou seja, para as partes do processo, podendo

excepcionalmente ser erga omnes. No tempo, as decisões, em regra, possuem efeito ex tunc

(retroativos) (MORAES, 2007).

A judicialização da política se dá em duas perspectivas: normativa e analítica. A

perspectiva analítica tem como pressuposto que a Constituição está acima das decisões

políticas, o que nos leva a teoria da pirâmide de Kelsen, onde a Constituição está no topo do

ordenamento jurídico e todas as demais regras não podem contrariar a lex superior (KELSEN,

2003). A perspectiva analítica aborda o judiciário enquanto elemento formador da política

pública (CARVALHO, 2014).

Para uma melhor compreensão do tema, abordaremos no próximo capítulo uma análise

da infraestrutura do Poder Judiciário, principalmente sobre a ótica constitucional.

No segundo capítulo apresentamos as proporções institucionais do leviatã brasileiro

(Poder Judiciário).

No terceiro capítulo apresentamos uma análise de um fato inédito na história recente

do Brasil e que representa um enfraquecimento da Suprema Corte brasileira: um caso em que

o Presidente do Senado Federal se recusou a cumprir uma decisão do STF, que determinou seu

afastamento da presidência da casa legislativa.

Por fim, a conclusão apresentada é no sentido de o Supremo Tribunal Federal errou

duas vezes: na decisão liminar e na decisão colegiada.

As decisões estão maculadas pela ausência de fundamentação jurídica e da imposição

que fere manifestamente a tripartição dos poderes.

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1. A estrutura do Judiciário brasileiro

O Poder Judiciário é dotado de independência e autonomia, cuja função não se limita

a gerir a administração da justiça, tem a importante função de ser o guardião da Constituição

Federal e das leis (MORAES, 2007, p. 485).

Segundo Eugênio Zaffaroni (1995, p. 87), “a chave do poder judiciário se acha no

conceito de independência”.

Para a existência e funcionamento da tripartição dos poderes (na concepção de

Montesquieu) a democracia é fundamental. Não há de falar em judiciário independente sem a

democracia.

Ao Judiciário brasileiro cabe tanto a função típica (aplicar a lei ao caso concreto),

quanto as funções atípicas (administrar e legislar):

Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada

pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese

controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa

julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das

partes. Evidentemente tem-se que distinguir a atividade jurisdicional da

administrativa e da legislativa. As duas últimas, especialmente a

administrativa, consistem em atuação em conformidade com a lei, mas

são nitidamente diversas da atividade jurisdicional, pois esta é atividade

secundária ou substitutiva, ao passo que a administrativa é primária

(ALVIM, 1985, v. 1, p. 149).

A função administrativa corresponde à gestão da estrutura, por exemplo, concessão de

férias dos servidores e magistrados. A função legislativa consiste na criação de normas

regimentais (MORAES, 2007).

A Constituição brasileira traz em seu texto a previsão de toda a estrutura do Poder

Judiciário (arts. 92 a 126).

Para melhor visualização de toda a estrutura, apresentamos o gráfico abaixo:

Page 6: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

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Na base da estrutura temos o primeiro grau de jurisdição formado pelos juízes de

primeiro grau: juiz de direito, juiz federal, juiz do trabalho, juiz eleitoral e juiz militar. No

segundo grau estão os Tribunais: Tribunais de Justiça, Tribunal Regionais Federais, Tribunais

Regionais Eleitorais e Tribunais Militares. No terceiro grau de jurisdição temos os Tribunais

Superiores: Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do

Trabalho e Superior Tribunal Militar, cujas sedes são em Brasília. No topo do judiciário (quarto

grau de jurisdição) temos o Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição e

última instância recursal.

Para movimentar toda a estrutura do judiciário há uma grande quantidade de servidores

e magistrados.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2016) a força de trabalho totaliza

451.497 servidores, na seguinte distribuição:

Tabela 03: força de trabalho do judiciário3

Magistrados 17.338

Servidores:

(efetivos)

(cedidos/requisitados)

(sem vínculo efetivo)

278.515

(242.646)

(20.405)

(15.464)

Auxiliares 155.644

Total 451.497

3 Dados obtidos do Relatório do CNJ 2016

Page 7: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

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Vale ressaltar que ainda não houve preenchimento da totalidade das vagas, existem

ainda 5.085 cargos vagos para magistrado e 55.031 cargos vagos para servidores (CNJ, 2016).

Para garantir o exercício com independência das funções judiciais, de forma a

resguardar os magistrados das pressões institucionais, sociais e políticas, aos magistrados são

garantidos constitucionalmente três direitos (art. 95, da CF) (MORAES, 2007). A vitaliciedade

(1) garante que o magistrado permanecerá no cargo até a idade limite (75 anos) e que só perderá

o cargo após decisão final transitada em julgado, ou seja, quando não couber mais recursos. A

inamovibilidade (2) garante que o magistrado não poderá ser movido da sua comarca, salvo por

interesse público ou vontade própria. A irredutibilidade de subsídios garante a impossibilidade

de redução dos “salários” dos magistrados.

Além de proteger a atuação da magistratura, essas garantias são imprescindíveis a

democracia e manutenção dos direitos fundamentais (MORAES, 2007). Segundo Fayt (1994),

as garantias dos magistrados não são privilégios pessoais, servem para o livre desempenho do

cargo público.

Há de se destacar ainda as garantias institucionais, que preservam o judiciário

enquanto instituição. Nos termos do art. 85, II, da Constituição, é considerado crime de

responsabilidade do Presidente da República atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário

e dos demais poderes:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que

atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público

e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

A independência do judiciário tem como principal alicerce a ausência de hierarquia

entre os magistrados e o princípio do livre convencimento do juiz. Ambos estão devidamente

previstos nos arts. 371 e 372, do Código de Processo Civil de 2015. Não obstante, a

independência financeira do judiciário liberta-o de quaisquer pressões por parte dos outros

poderes.

Em termos orçamentários, historicamente, o judiciário sempre realizou elevados

gastos, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (2016):

Page 8: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

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Apresentamos, ainda, a distribuição da despesa por Justiça. É importante ressaltar que

a Justiça Estadual é responsável por 56,4%, o que decorre da maior capilaridade no território

nacional e o tamanho da sua estrutura.

Apesar de possuir um orçamento bilionário o Judiciário brasileiro apresenta uma

elevada taxa de processos pendentes de apreciação, o que gera uma elevada morosidade

judicial:

Tabela 04: Número de processos pendentes

Ano 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Processos

Pendentes/Milhões

60,7 61,9 64,4 67,1 70,8 72 73,9

Elaborado pelo autor a partir dos danos do CNJ (206)

Page 9: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

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O sistema constitucional brasileiro não previu uma forma de fiscalização e

acompanhamento do judiciário. Por diversas vezes o STF julgou inconstitucional as tentativas

de criação de um órgão fiscalizador.

Em 2005 o Brasil passou por uma reforma do judiciário, por meio da Emenda

Constitucional 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz parte do Poder

Judiciário (art. 92, da Constituição Federal) e possui competência para controle da atuação

administrativa e financeira do Judiciário, bem como do cumprimento das obrigações legais da

magistratura (art. 103-B, §4º, da Constituição Federal). Ocorre que o CNJ não goza de plena

liberdade ou autonomia, pois é um órgão fiscalizador que faz parte do poder que fiscaliza, o

que gera problemas de credibilidade quanto à sua atuação:

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com

mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder

Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de

outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

Entretanto, a Associação dos Magistrados do Brasil impetrou a ADI nº 4.638-DF, em

face de possível inconstitucionalidade do CNJ quanto ao poder de punir os magistrados. O

conflito de competência ocorre por causa da existência prévia da corregedoria do judiciário.

Ocorre que o STF julgou pela competência concorrente do CNJ e da corregedoria para

processar os magistrados que cometem infrações.

Mesmo com a decisão do STF o CNJ tem se mostrado mais um conselho analítico do

que julgador. O que, ao menos, tem contribuído para a transparência do judiciário brasileiro.

Por meio do relatório do CNJ (Justiça em números), observa-se que há um sério

problema de gestão financeira no judiciário, pois mesmo com orçamentos bilionários tem

prestado um serviço público de baixa qualidade.

Tabela 5 – Evolução da despesa total, número de decisões, casos novos e processos baixados do Poder

Judiciário4

Ano Despesa Total

do Judiciário

Número de

decisões

Casos

novos

Processos

baixados

Casos

pendentes

2009 R$51,2

bilhões

23,7 milhões 24,6

milhões

25,3 milhões 60,7 milhões

4 Informação extraída do Relatório CNJ em números, disponível em http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros

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2010 R$ 53 bilhões 23,1 milhões 24 milhões 24,1 milhões 61,9 milhões

2011 R$ 60 bilhões 23,6 milhões 26,1

milhões

25,8 milhões 64,4 milhões

2012 R$ 64,6

bilhões

24,8 milhões 28 milhões 27,7 milhões 67,1 milhões

2013 R$ 65,6

bilhões

25,9 milhões 28,5

milhões

28,1 milhões 70,8 milhões

2014 R$ 68,4

bilhões

27 milhões 28,9

milhões

28,5 milhões 72,0 milhões

2015 R$ 79,2

bilhões

27,2 milhões 27,3

milhões

28,5 milhões 73,9 milhões

Observa-se que apesar da elevada despesa, o número de decisões proferidas pelos

magistrados e tribunais sempre fica abaixo da quantidade de novos processos, o que cria um

enorme passivo (12.100.000) de processos que aguardam julgamento. Infelizmente as

informações ainda são pouco estudadas no Brasil. Tem-se, ainda, um elevado número de

processos casos pendentes, que em 2015 totaliza 73,9 milhões de processos.

Nesse sentido (CÉSAR, 2017):

Assim, a fiscalização propriamente dita garantiria um mero controle e

consequentemente aumento da segurança jurídica. A proposta do autor não

implica na revisão das decisões judiciais (formais e materiais), não há de se

falar em censura judicial, tampouco em supressão da competência disciplinar

do próprio judiciário.

Outro aspecto que contribui para o fortalecimento do judiciário brasileiro é a grande

quantidade de escândalos de corrupção que envolvem diversos atores políticos tanto do

executivo, quanto do legislativo. Além da descrença social nesses atores, a capacidade de

governar e de produzir leis fica altamente comprometida, de forma que sobra para o judiciário

tomar as decisões mais importantes para a nação.

Em termos de legitimidade, o Judiciário não sofre com a pressão social

(accountability). O termo accountability ainda não tem uma tradução precisa para nosso idioma,

mas em linhas gerais trata-se de uma forma de controle/prestação de contas (ODONNELL,

1998).

Pela própria natureza do judiciário não há de se falar em accountability vertical, ou

seja, o povo não cobra ou faz pressão social sobre os magistrados, uma vez que a investidura

no cargo e sua permanência independe da vontade direta do povo, portanto, o risco político do

judiciário é zero. O mesmo ocorre em relação ao accountability horizontal, que é realizado por

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outros entes governamentais. No Brasil, tanto o legislativo, quanto o executivo não possuem

ferramentas para fiscalizar ou rever os atos do judiciário, não há uma prestação de contas.

Assim, a fiscalização propriamente dita garantiria um mero controle e

consequentemente aumento da segurança jurídica. A proposta do autor não implica na revisão

das decisões judiciais (formais e materiais), não há de se falar em censura judicial, tampouco

em supressão da competência disciplinar do próprio judiciário.

Accountability vertical pode ocorrer nas eleições, quando os cidadãos punem o mau

político através do não voto ou premiam pelo bom desempenho. Esse fenômeno só ocorre em

países democráticos, ou seja, países nos quais os cidadãos participam livremente das eleições

(ODONNELL, 1998).

2. As proporções institucionais do Leviatã brasileiro

Segundo Faria (2004), os juízes brasileiros possuem um histórico destaque na

sociedade brasileira, decorrente das garantias constitucionais. Tanto protagonismo carece de

legitimidade e exacerba a independência e a autonomia em detrimento de princípios

constitucionais, tais como, eficiência, transparência, etc. (FARIA, 2004).

Uma análise do elevado custo e da baixa produtividade caracteriza uma máquina

pública morosa e ineficiente (FARIA, 2004).

Dois fenômenos são fortemente presentes no Brasil: a judicialização da política e da

economia e o ativismo judicial.

A judicialização da política e da economia tem ocorrido em diversos países

democráticos, tendo como base a teoria da supremacia constitucional, oriunda da Constituição

Americana de 1787 (BARBOZA; KATYA, 2012).

Vários significados podem ser atribuídos à judicialização da política, destacam-se a

ideia de que o judiciário decide temas de competência do legislativo e do executivo e a ideia de

que os magistrados decidem de forma a extrapolar os limites originários (VALLINDER, 1995,

p. 13).

A judicialização da política é muitas vezes confundida com o ativismo judicial, que

ocorre quando o magistrado cria o direito através de uma decisão judicial. Existem duas fortes

críticas ao ativismo judicial: 1) os magistrados não foram eleitos, logo carecem de legitimidade,

pois não estão nos respectivos cargos por vontade direta do povo; 2) não há critérios

Page 12: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

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estabelecidos previamente que regulem a criação do direito pelos magistrados, as decisões são

orientadas pelo livre convencimento do juiz, um dos princípios inerentes à magistratura no

Brasil (DICKSON, 2007, p. 367).

Democracia é conditio sine qua non para o fenômeno da judicialização da política

(CARVALHO, 2004). Não há de se falar em fortalecimento do judiciário e autoritarismo no

mesmo cenário sócio-político.

Em especial, o Executivo e o Legislativo no Brasil possuem elevada dificuldade para

elaborar normas jurídicas constitucionais, legais e que harmonizem com os princípios gerais do

direito, o que cria um vácuo normativo que vem sido ocupado estrategicamente pelo Judiciário

(FARIA, 2004).

Ran Hirschl (2006, p. 273), aborda três esferas de judicialização: expansão da retórica

legal, judicialização de políticas públicas e judicialização da política em sentido amplo.

A expansão da retórica legal está diretamente ligada ao aumento da complexidade

social, o que nos leva a criação de critérios objetivos e universais para prescrição das condutas

sociais (normas éticas) (HIRSCHL,2006, p.724-725).

A judicialização de políticas públicas decorre do controle de constitucionalidade feito

pelo judiciário, que acaba sendo uma forma extremamente utilizada de revisão dos atos

administrativos e das leis. Ocorre que muitas políticas públicas acabam não saindo do papel ou

são canceladas quando o judiciário interpreta a política pública como inconstitucional. Da

mesma forma diversas leis são retiradas do ordenamento jurídico por causa de decisões judiciais

que estabelecem a inconstitucionalidade. Esse tipo de judicialização interfere diretamente na

gestão pública e nos atos legislativos, de forma que aumenta demasiadamente o poder do

judiciário ao tempo que enfraquece os demais poderes (BARBOZA; KATYA, 2012).

A judicialização da política permite que o judiciário decida sobre questões que estão

além do direito, tais como cultura, moral, política em sentido estrito, etc. Essas decisões

ocorrem por meio da flexibilização da letra da lei, tendo a hermenêutica jurídica como principal

ferramenta. Cria-se, assim, um “novo estatuto dos direitos fundamentais” (VERBICARO,

2008, p. 391). Vale ressaltar que o elevado grau de abstração normativa das normas

constitucionais acaba por aproximar o sistema jurídico brasileiro (civil law) do sistema

jurisprudencial (common law), pois as decisões dos tribunais superiores (BARBOZA; KATYA,

2012), em especial, as súmulas, passam a ter um poder vinculante maior que a própria lei. Por

Page 13: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

13

exemplo, a Súmula 331, V, do Tribunal Superior do Trabalho é aplicada em detrimento do

disposto no Art. 71, §1º, da Lei Federal 8.666/90:

Lei 8.666/90 (BRASIL, 1990)

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários,

fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais

e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu

pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o

uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

Súmula nº 331 do TST (TST, 2011)

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do

item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em

27, 30 e 31.05.2011

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem

subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta

culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993,

especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da

prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de

mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa

regularmente contratada.

No tocante à aplicação da norma jurídica, Sobota (1995) apresenta a teoria da

aplicação entimemática da lei, na qual o magistrado decide com base em aspectos diversos do

direito, mas ao fundamentar sua decisão utilizam as normas jurídicas para evitar um colapso da

dogmática jurídica, cujos pressupostos são: pretensão de monopólio do poder pelo Estado,

inegabilidade dos pontos de partida, que é a norma jurídica e proibição de non liquet, que é a

proibição de deixar de decidir (ADEODATO, 2007, p. 175).

Exemplificando as decisões políticas do Supremo Tribunal Federal, temos a

fidelização partidária, aborto, pesquisa em células-tronco, etc (BARBOZA; KATYA, 2012).

Em se tratando de segurança jurídica, o Brasil enfrenta uma difícil realidade, uma vez

que existem decisões divergentes sobre a mesma matéria. Mesmo quando há entendimento

consolidado nos tribunais superiores, nada garante que um magistrado do primeiro grau aplicará

o entendimento uniforme.

3. O conflito entre o STF e o Presidente do Senado Federal.

Page 14: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

14

Nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 402, do

Distrito Federal5, impetrada pelo partido político REDE Sustentabilidade, o Ministro do STF

Marco Aurélio proferiu uma decisão liminar monocrática extremamente controvertida:

determinou o afastamento do Senador Renan Calheiros da presidência do Senado Federal, mas

não do mandato de senador (BRASIL, 2016):

Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de

Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de Presidente do Senado o

senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por

mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão.

A decisão tem como fundamento o fato de que o Senador Renan Calheiros passou a

ser réu em ação criminal, que tramita no Supremo Tribunal Federal e há incompatibilidade de

um político que está na linha sucessória da presidência assumir o cargo sendo réu em ação

criminal.

A Constituição Federal estabelece, no art. 80, a linha sucessória para a presidência do

País:

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância

dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o

Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal

Federal.

Segundo o texto constitucional o Presidente do Senado é o terceiro na linha sucessória.

Contudo, o Brasil passa pela maior crise política e financeira da sua história, que causou o

impeachment da Presidente Dilma Rousseff, sendo que seu Vice-Presidente, Michel Temer,

assumiu a presidência, o que faz de Renan Calheiros o terceiro na linha sucessória.

O fato é que a decisão monocrática não possui amparo legal, pois não há previsão

normativa que proíba um réu de estar na linha sucessória ou assumir a presidência do País. Não

obstante, o atual presidente do Senado Federal não adquiriu o status de condenado pela justiça

brasileira, ainda haverá um longo processo judicial que determinará sua culpabilidade.

Nos termos do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o sistema jurídico

brasileiro é regido pelo princípio da presunção de inocência, ou seja, o réu só é considerado

culpado após decisão judicial em última instância:

5 Todo o andamento processual está disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF%24%2ESCLA%2E+E+402%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/h8zxkr3

Page 15: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

15

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória;

Há de se falar em verdadeiro consenso entre os juristas brasileiros quanto à

inviolabilidade da presunção de inocência. Segundo D’urso (2007):

O princípio da presunção de inocência está entre as principais garantias

constitucionais do cidadão brasileiro, ao estabelecer que todo e qualquer acusado deve

ser considerado inocente até a decisão final, contra a qual não caiba mais recurso,

independente da acusação que lhe seja imputada. Ou seja, ninguém pode ser

considerado culpado antes da sentença final, que advirá após lhe ser garantida a ampla

defesa e o contraditório, dentro do devido processo legal. O Art. 5, inciso LVII da

CF, é muito claro: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da

sentença penal condenatória”.

Além da Constituição brasileira, há de se ressaltar o disposto na Declaração Universal

dos Direitos Humanos:

Artigo 11°

1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua

culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que

todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

2.Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática,

não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo

modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em

que o acto delituoso foi cometido.

Não obstante, uma simples análise da decisão liminar (anexo 1) já mostra a carência de

fundamentação legal, assim, a conclusão que se faz quanto à natureza da decisão liminar é que

ela possui natureza política.

Decisões políticas proferidas pelo STF e o protagonismo não são novidades no Brasil.

Segundo Falcão (2012), “A presença do STF na mídia vem crescendo consideravelmente nos

últimos anos”.

Falcão (2010) fez um levantamento nos principais sites de notícias do Brasil (Folha,

Veja e O Globo), apresentando o seguinte resultado ao se pesquisar notícias sobre o STF:

Gráfico 04 elaborado por Falcão (2010)

Page 16: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

16

Aliado ao protagonismo e às decisões estritamente políticas, o Judiciário brasileiro não

passa por fiscalização financeira, tampouco revisão dos seus atos, o que cria uma enorme e

poderosa instituição: o leviatã.

Inesperadamente o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, não cumpriu a

decisão liminar que determinou seu afastamento da presidência. Contou, ainda, com o apoio da

maioria dos Senadores. (In)Felizmente, o STF não possui meios de exigir por meio da coação

o cumprimento de uma decisão dessa natureza em face de outro Poder, o que causou um abalo

na imagem do STF, pois, inusitadamente, alguém não cumpriu uma decisão do STF e

permaneceu no cargo.

Diante do cenário, o Pleno do STF decidiu julgar a liminar concedida pelo Ministro

Marco Aurélio. Numa tentativa de não gerar contradição interna e de não mostrar fraqueza

perante a sociedade, a decisão foi no sentido de que um réu não pode figurar na linha sucessória

da presidência da república, mas que o Senador Renan Calheiros poderia permanecer no cargo

de Presidente do Senado, mas não poderia assumir a presidência em caso de necessidade:

os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80

da Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte

Suprema, ficarão unicamente impossibilitados de exercer o ofício de

Presidente da República

A decisão proferida gera a seguinte dúvida: O STF poderá barrar a linha sucessória da

presidência da república? Caso isso aconteça o próximo da linha sucessória é o Presidente do

próprio STF, que atualmente é a Ministra Cármen Lúcia.

Talvez essa pergunta seja respondida em breve, pois no atual cenário político

brasileiro, surgiram denúncias criminais contra o atual Presidente da República, Michel Temer,

Page 17: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

17

o que pode levar a um novo impeachment, que acarretaria eleições diretas, nos termos do art.

81, §1º, da Constituição Federal:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-

se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a

eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo

Congresso Nacional, na forma da lei.

Não obstante, tudo indica que o STF não levou em consideração os efeitos políticos e

econômicos das suas decisões, pois resultou em um aumento da insegurança política, jurídica

e econômica.

A bancada governista do Senado se manifestou contrariamente à decisão do

STF, enquanto a bancada de oposição se mostrou favorável. De fato, o

afastamento não ocorreu por causa do poder político que o Presidente do

Senado possui na Casa Legislativa:

O líder do Governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), avalia que o

afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência da Casa

por decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) coloca

em risco a estabilidade política. Ele considera, no entanto, que uma eventual

mudança no comando do Senado não vai atrapalhar as votações finais,

incluindo a da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 55/2016) que

estabelece um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos.

Já o líder da Minoria, senador Lindbergh Farias (PT–RJ), considera que

independentemente de uma decisão definitiva do Supremo, o Senado não tem

condições de votar o segundo turno da PEC do Teto de Gastos, previsto para

o dia 13. O segundo vice-presidente do Senado e líder do Governo no

Congresso Nacional, senador Romero Jucá (PMDB-RR), ressaltou que a

votação em segundo turno da PEC faz parte de um acordo firmado com todos

os partidos e que independe de quem presida a sessão. Reportagem de Hérica

Christian, da Rádio Senado. (SENADO FEDERAL, 2016)6

Através de uma pesquisa popular no site de notícias UOL, foi constatado que a maior

parte da população apoia a decisão do STF de afastar Renan Calheiros da presidência do STF.

A pergunta foi: O que você achou da decisão do STF de manter Renan Calheiros como

presidente do Senado? E o resultado foi: 92,33% votaram em apoio à decisão do STF, 6,26%

votaram em desfavor da decisão do STF e 1,41% votaram indiferente. O total foi de 42.680

votos.

6 Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2016/12/senadores-avaliam-impacto-da-decisao-do-ministro-do-stf-sobre-renan-calheiros

Page 18: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

18

4. Conclusão

Diante do exposto, a conclusão do presente trabalho reside no fato de que o Supremo

Tribunal Federal brasileiro há muito tempo deixou de lado a norma jurídica ao julgar e se vale

da política para nortear suas decisões.

A despreocupação com a ausência de fundamentação jurídica chegou a tal ponto que

determinaram o afastamento de um representante do Poder Legislativo discricionariamente. É

importante destacar que o presente artigo não faz nenhum juízo de valor quanto à inocência ou

culpabilidade do Senador Federal Renan Calheiros. A análise vai do aspecto institucional ao

jurídico-formal.

Nos termos da Constituição Federal de 1988, Art. 53, o devido processo legal deve ser

seguido, inclusive, no que se trata ao processamento dos Deputados e Senadores, que possuem

imunidade civil e penal sobre suas opiniões, palavras e votos:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por

quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 35, de 2001)

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão

submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não

poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os

autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para

que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido

após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa

respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto

da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento

da ação.

O foro competente para julgar os Deputados e Senadores é o Supremo Tribunal

Federal, contudo cabe ao Ministério Público Federal oferecer a denúncia ao STF que, caso

aceite os termos, deve enviar a denúncia à respectiva Casa Legislativa (Câmara dos Deputados

ou Senado Federal). Essa regra se aplica aos crimes praticados após a diplomação.

Encaminhada a denúncia a Casa Legislativa o parlamentar será afastado apenas por

decisão da maioria dos membros.

Page 19: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

19

Referências

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm Acesso em 13/02/2017.

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Page 20: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

20

ANEXO 1 – DECISÃO LIMINAR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL 402 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

REQTE.(S) : REDE SUSTENTABILIDADE

ADV.(A/S) : EDUARDO MENDONÇA E

OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA CÂMARA DOS

DEPUTADOS ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : PARTIDO DO MOVIMENTO

DEMOCRÁTICO

BRASILEIRO - PMDB

ADV.(A/S) : MARCELO DE SOUZA DO

NASCIMENTO E

OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. : PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE -

PHS

AM. CURIAE. : PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL - PTN

AM. CURIAE. : PARTIDO PROGRESSISTA - PP

AM. CURIAE. : PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO - PRB

ADV.(A/S) : CARLOS BASTIDE HORBACH E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. : SOLIDARIEDADE - SDD

AM. CURIAE. : PARTIDO SOCIAL CRISTÃO - PSC

ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO

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21

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

– LIMINAR – RELEVÂNCIA E URGÊNCIA – DEFERIMENTO.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

– LINHA DE SUBSTITUIÇÃO –

CARGO – OCUPAÇÃO – RÉU.

1. O assessor Dr. Vinicius de Andrade Prado prestou as

seguintes informações:

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ADPF 402 MC / DF

22

Rede Sustentabilidade, por meio da petição/STF nº 69.260/2016,

subscrita por profissionais da advocacia regularmente habilitados,

protocolada às 11h16 de 5 de dezembro de 2016, reitera, ante o

surgimento de fatos novos, o pedido liminar descrito no item 55, “b”,

da inicial.

Segundo narra, postulou, ao formalizar a arguição de

descumprimento de preceito fundamental, o deferimento de medida

acauteladora voltada à fixação, em caráter provisório, do

impedimento preconizado no artigo 86, § 1º, da Constituição Federal

relativamente aos ocupantes dos cargos em cujas atribuições figure a

substituição do Presidente da República. Consoante destaca, além da

plausibilidade do direito, o requisito da urgência se fazia presente, à

época do ajuizamento, em virtude de a Presidência da Câmara dos

Deputados estar ocupada por parlamentar que respondia a ação penal

em trâmite no Supremo. Esclarece o afastamento deste do cargo antes

da apreciação do pleito de urgência considerada a decisão do ministro

Teori Zavascki na ação cautelar nº 4.070, posteriormente referendada

pelo Pleno.

Aponta o início da análise do tema de fundo deste processo

objetivo em 3 de novembro último, quando, rejeitadas as

preliminares, a ilustrada maioria admitiu a arguição. Esclarece terem

se manifestado, além de Vossa Excelência, os ministros Edson Fachin,

Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello, totalizando seis

votos, no sentido da procedência do pleito, no que evidenciada a

formação da maioria absoluta. Salienta a suspensão do julgamento

ante pedido de vista formulado pelo ministro Dias Toffoli.

Menciona o parcial recebimento de denúncia, em 1º de

dezembro de 2016, pelo Pleno, contra o atual Presidente do Senado

Federal, senador Renan Calheiros, que passou à condição de réu

devido à acusação veiculada no inquérito nº 2.593, presente a alegada

prática do crime de peculato, acórdão

2

Page 23: O enfraquecimento do Leviatã brasileiro Renato Hayashi

ADPF 402 MC / DF

23

pendente de publicação. Argumenta que o citado parlamentar está

alcançado pelo impedimento noticiado na arguição, proclamado pela

maioria do Tribunal. Diz do ressurgimento do perigo da demora tendo

em vista o fato superveniente.

Faz referência, no tocante ao requisito da plausibilidade do

direito, ao consignado na inicial. Frisa a formação da maioria no

julgamento iniciado. Aponta a improbabilidade de alteração do

entendimento adotado por ocasião da conclusão do exame,

observado o decidido pelo Colegiado na ação cautelar nº 4.070, relator

o ministro Teori Zavascki. Afirma estar em jogo, quanto à configuração

do risco, a honorabilidade do Estado brasileiro e a funcionalidade da

separação de poderes. Articula com a proximidade do recesso, no que

improvável a retomada da apreciação do processo objetivo. Defende

possível a atuação monocrática do Relator na situação retratada,

reportando-se ao disposto no artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999,

mesmo suspensa a análise da arguição. Evoca a liminar deferida por

Vossa Excelência na ação direta de inconstitucionalidade nº 5.326, na

qual debatida a validade de atos normativos por meio dos quais

atribuída à Justiça do Trabalho a competência para autorizar a

participação de crianças e adolescentes em representações artísticas.

Segundo relembra, embora suspenso o julgamento em virtude de

pedido de vista formulado pela ministra Rosa Weber, Vossa Excelência

implementou medida acauteladora, passível de referendo pelo Pleno,

considerada a excepcionalidade da situação.

Requer o acolhimento do pleito deduzido no item 55, “b”, da

inicial, para que, “até o julgamento definitivo desta ADPF, seja

reconhecida, em caráter provisório, a impossibilidade de que pessoas

que respondam ou venham a responder a ação penal instaurada pelo

STF assumam ou ocupem cargos em cujas atribuições constitucionais

figure a substituição do(a) Presidente da República”. Postula, em

consequência, o afastamento cautelar imediato do senador Renan

Calheiros do

3

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ADPF 402 MC / DF

24

cargo de Presidente do Senado Federal, expedindo-se as notificações

decorrentes ao Primeiro Vice-Presidente e ao Primeiro Secretário.

2. Observem os dados alusivos à tramitação deste processo e precedente

de minha lavra. Recebi-o, por distribuição, em 3 de maio de 2016. À época,

presidia a Câmara dos Deputados o parlamentar Eduardo Cunha. Ante a

delicadeza extrema da matéria e a urgência notada, conferi preferência para

imediata apreciação, pelo Plenário, como convém, do pedido de concessão de

medida acauteladora, a implicar o entendimento segundo o qual réu – e o

Deputado já o era – não pode ocupar cargo compreendido na linha de

substituição do Presidente da República. Na sessão do dia 4 seguinte, informei ao

Presidente do Tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, encontrar-me habilitado

a votar. Perguntou-me sobre a divulgação de que o processo estaria na bancada,

para exame, na sessão imediata, de quinta-feira, 5 de maio. Disse que sim,

considerada a publicidade dos atos judiciais.

Surgiu situação de maior emergência. O ministro Teori Zavascki, na

ação cautelar nº 4.070/DF, acolhera pedido do Procurador-Geral da

República e implementara, de quarta para quinta-feira, liminar não só

afastando o citado parlamentar da Presidência da Câmara como também

do exercício do mandato. Entendeu-se que o Colegiado deveria

pronunciar-se sobre o referendo, ou não, da medida. Ante o referendo e

indagado sobre a urgência da análise da pretensão da Rede, veiculada

nesta arguição, informei não persistir. A razão foi simples: já não havia réu

ocupando cargo na linha de substituição do Presidente da República.

O processo teve sequência para, aparelhado, haver o julgamento de

fundo. Foi inserido na pauta de 3 de novembro de 2016, tendo sido

apregoado no mesmo dia. Proferi voto acolhendo o pleito formulado,

prejudicado aquele alusivo ao afastamento do Presidente da Câmara.

Acompanharam-me os ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa

Weber e Luiz Fux, seguindo-se, presente o escore de cinco votos a zero, o

4

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ADPF 402 MC / DF

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pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O decano, ministro Celso de

Mello, direcionou à Presidência o desejo de antecipar o voto. Fê-lo,

prolatando o sexto voto no sentido dos outros cinco, sendo alcançada a

maioria absoluta de seis votos – seis a zero. Os seis ministros concluíram

pelo acolhimento do pleito formalizado na inicial da arguição de

descumprimento de preceito fundamental, para assentar não poder réu

ocupar cargo integrado à linha de substituição do Presidente da República.

O tempo passou, sem a retomada do julgamento. Mais do que isso, o

que não havia antes veio a surgir: o hoje Presidente do Senado da

República, senador Renan Calheiros, por oito votos a três, tornou-se réu,

considerado o inquérito nº 2.593. Mesmo diante da maioria absoluta já

formada na arguição de descumprimento de preceito fundamental e réu, o

Senador continua na cadeira de Presidente do Senado, ensejando

manifestações de toda ordem, a comprometerem a segurança jurídica. O

quadro é mais favorável do que o notado, no segundo semestre do Ano

Judiciário de 2015, na ação direta de inconstitucionalidade nº 5.326. Após

o voto que proferi, deferindo a liminar, e o voto do ministro Luiz Edson

Fachin, acompanhando-me, pediu vista a ministra Rosa Weber. Acolhi o

pleito de urgência, em decisão individual, e, até hoje, não houve a

continuidade do exame, embora a Colega tenha devolvido o processo para

reinclusão em pauta.

Urge providência, não para concluir o julgamento de fundo,

atribuição do Plenário, mas para implementar medida acauteladora, forte

nas premissas do voto que prolatei, nos cinco votos no mesmo sentido, ou

seja, na maioria absoluta já formada, bem como no risco de continuar, na

linha de substituição do Presidente da República, réu, assim qualificado

por decisão do Supremo.

3. Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do

mandato de Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de

5

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26

Presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a

urgência que o caso requer, deem cumprimento, por

mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão.

4. Publiquem.

Brasília – residência –, 5 de

dezembro de 2016, às 15h.

Ministro

MARCO

AURÉLIO

Relator

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ANEXO II – DECISÃO DO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Decisão: O Tribunal referendou, em parte, a liminar concedida, para assentar, por

unanimidade, que os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da

Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte Suprema, ficarão

unicamente impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República, e, por maioria, nos termos

do voto do Ministro Celso de Mello, negou referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a

determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do Presidente da

República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas,

no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e

Cármen Lúcia (Presidente), vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber,

que referendavam integralmente a liminar concedida. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal,

também por votação majoritária, não referendou a medida liminar na parte em que ordenava o

afastamento imediato do senador Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado Federal, nos

termos do voto do Ministro Celso de Mello, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson

Fachin e Rosa Weber, restando prejudicado o agravo interno. O Ministro Celso de Mello ajustou a parte

dispositiva de seu voto de mérito, proferido na assentada anterior, aos fundamentos dele constantes,

para julgar parcialmente procedente o pedido formulado na presente argüição de descumprimento de

preceito fundamental, mantidos os termos de seu voto. Declarou-se suspeito o Ministro Roberto

Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes, em face da participação na 25ª Sessão

do Conselho de Estados Membros do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral

(Idea), realizada em Estocolmo, Suécia. Falaram, pela requerente, REDE SUSTENTABILIDADE, o Dr.

Daniel Sarmento; pelo Senado Federal, o Advogado-Geral do Senado, Dr. Alberto Cascais; e, pelo

Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros. Presidência da Ministra Cármen

Lúcia. Plenário, 07.12.2016.