o leviatã declinante

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  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    1/15

    OLeviathan declinante:a

    crise brasileiradosanos80

    B R A S I L I O

    S A L L U M

    JR .

    e

    E D U A R D O K U G E L M A S

    sprocessos

    de

    transio

    ocorridosna

    Amrica Latina

    tm

    sido

    alvo

    de uma

    ateno particularmente concentrada

    da

    cincia

    poltica.

    J

    existe

    um a

    ampla bibliografia

    sobrea

    dinmica

    das

    transies,

    enfatizando

    o

    papel

    de

    atores

    estratgicos,

    comoempres-

    rios,sindicalistasemilitares. Tambm foram sublinhadasas potenciali-

    dades analticas abertas pela

    comparao

    com

    situaes vistas

    como

    an-

    logas, taiscomo

    as da

    Europa mediterrnea

    (1).

    Ocupou lugar central nestas discusses

    a

    longa

    e

    complexa transi-

    o

    brasileira, analisada

    ou at

    mesmo dissecada

    do

    ngulo acadmico

    duranteseudesenrolar.Por seuturno,acrise econmicadosanos80, a

    dcada

    perdida ,

    foi

    objeto

    de

    inmeros estudos

    de

    economistas (2).

    No

    caso brasileiro, aaceleraoda

    inflao

    e acentralidade poltica dadis-

    cusso sobre planos

    de

    estabilizao econmica deram

    o tom aos

    pri-

    meiros governos civis posteriores

    ao

    regime autoritrio,

    o de

    Jos Sar-

    ney

    (1985-1990)

    e o de

    Fernando Collor

    de

    Mello(1990-

    ). A

    sucesso

    de planos econmicos frustrados condicionou

    o

    processo poltico

    em

    seuconjunto, lanando dvidasetemores comrelaoprpria conso-

    lidao

    das

    instituies democrticas.

    Certamente, ningum ignoraque ainteraoe o

    feedba ck

    entreos

    processos poltico

    e

    econmico constituem elemento central para

    a

    melhor compreenso de ambos. Porm, apesardealgumas referncias

    quase

    rituais

    ao contexto institucional ou aos

    constrangimentos

    polticos ,

    em

    textos

    de

    economistas,

    soraras

    ainda

    as

    tentativas verdadeiramente

    interdisciplinares

    na

    abordagem

    da

    temtica

    da

    interao entre transi-

    o

    polticaecrise econmica (3).

    Entreos trabalhosdoscientistas polticos, houve algumas tenta-

    tivasdignasderegistro noestabelecimentode umquadrode referncia

    analticoqueescapasseao queAlbert

    Hirschman

    denominou

    "

    seqn-

    ciacclica simples e desoladora (4). Esta seria asubstituio de um

    regime militar autoritrio

    por um

    governo democrtico

    que no

    teria

    condies

    de

    enfrentar

    o

    inevitvel crescimento

    das

    demandas sociais.

    A

    acelerao

    inflacionaria

    resultante desgastaria o novo regime, abrindo

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    2/15

    espao

    a

    fortes presses pelo

    retornodo

    autoritarismo.

    Esta expectativa pessimista certamente esteve presente nos clcu-

    los dos

    atores

    polticose

    sociais

    dos

    processos

    de

    transio

    e nas

    anlises

    (acadmicas

    ou

    no)

    que

    acompanharam taisprocessos.Todavia,

    como

    os

    prprios regimes autoritrios enfrentaram terrveis dificuldades

    de

    gesto

    econmica e financeira e as democracias

    transicionais

    mostraram

    maiscapacidade de sobrevivncia do que se supunha (5), evidenciou-se

    a

    necessidade

    de

    abordagens mais sofisticadas

    e

    abrangentes.

    Uma contribuio relevante e a de Laurence Whitehead. Ele acen-

    tua a

    importncia

    das

    percepes

    do

    quadro poltico-econmico pela

    opinio pblica. Outrofator enfatizado por Whitehead a nitidez da

    distino entre

    o

    pacto formativo constituinte,

    de

    natureza poltico-

    institucional,

    e os

    eventuais pactos e/ou consensos

    de

    natureza social

    e

    econmica. Para este autor, uma cuidadosa separao entre estas duas

    modalidades ter efeitos positivos para

    o

    xito

    da

    consolidao demo-

    crtica

    (6). Por seu turno, Paul Drake quase inverte a "seqnciadeso-

    ladora"

    mencionada por Hirschman, ao sugerir que as democracias,

    portadoras de maior legitimidade, podem

    enfrentar

    as crises econmicas

    com maior resilincia (7). Uma abordagem instigante a de Jeffrey

    Frieden,

    que

    prope

    o uso das

    conhecidas categorias

    de

    Albert Hirsch-

    man "sada"

    exit} e

    "voz" voice] para analisar o comporta-

    mento

    dos

    empresrios

    e dos

    detentores

    de

    ativos

    em

    geral

    no mo-

    mento datransio marcadaporcrise econmicae financeira. A opo

    pela "sada" seria,de forma literal,aretirada atravsda

    transferncia

    de ativos para

    fora

    do Pas, configurando o

    capitalflight,

    enquanto a

    "voz" seria a escolha pela atuao poltica

    (8).

    Examinando casos concretos aArgentinade

    Alfonsn

    e oBrasil

    deSarney ,Juan CarlosTorre (9) e Lourdes Sola (10) apontarama

    presena

    dos

    resduos

    do

    autoritarismo

    nopolicy-ma king dos

    regimes

    de

    transio democrtica. Tambm salientaram

    aimportnciado "apren-

    dizado"

    por

    atores polticos

    e

    sociais relevantes sobre

    a

    natureza

    de

    constraints estruturaisdenatureza econmicae

    insti tucional .

    O que caracteriza este conjunto de estudos a busca,

    freqente-

    mente

    bem-sucedida,

    de conexes entre a natureza dos regimes polticos

    e as modalidades de gesto econmica em meio a situaes de crise.

    Julgamos pertinente, noentanto, sugerirumalinhadeanliseque

    ressalte

    uma

    outra dimenso

    dos

    processos polticos, usualmente deixa-

    da

    emsegundo plano:a daestruturaodopoder polticono s como

    regime, mas tambm como Estado. A necessidade de incorporar esta

    distino j foi apontada com vigor, mas sem muita repercusso, por

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    3/15

    Fernando Henrique Cardoso,apropsito dasdiscussessobreoauto-

    ritarismo

    (11).

    O

    conceito

    de

    regime

    diz

    respeito

    ao

    mbito poltico-institucional.

    Refere-se:

    s

    regras

    que

    ligam

    os

    principais centros

    de

    poder

    poltico

    (Legislativo, Executivo,Judicirio, sistema partidrioediferentes nveis

    depoderna Federao); e aoslaospolticos quevinculamos cidados

    e a classepoltica (democracia mais ou menos extensa, oligarquia,etc.).

    Oconceito deEstadodizrespeito articulao entreo poder poltico e

    o

    conjunto

    do

    corpo social, isto

    , a

    realidade social perpassada

    por

    conflitos fundados em diferenciaes interclasses e intraclasse.

    Esta distino analtica entre Estadoeregimepolticoimportan-

    te, namedidaem que opadro bsicodearticulao

    poltica,

    isto, as

    relaes

    dedomnio

    entre classes

    e

    fraes

    de

    classe, comporta variaes

    considerveis nas regras pertinentes ao mbito poltico-institucional;

    umamesma formadeEstado pode seorganizarsobvrios regimespo-

    lticos. No caso da

    transio poltica

    brasileira, a distino

    crucial por-

    que

    como

    pretendemos mostrar

    a

    crise

    do

    regime autoritrio

    sobredeterminada pela criseda

    forma

    deEstado caractersticadasocie-

    dade brasileira desdeosanos30.

    Olongo

    processo

    de

    transio poltica

    dos

    anos

    70 e 80 no

    Brasil,

    aagonia do regime autoritrio debase mili tare asdores do parto de

    umaalternativa democrtica de base civil ocorreram no interior de um

    conjunto

    de

    crises

    que

    demarcam tanto

    sua

    natureza como seus impas-

    ses.

    Esto em crise o padro anterior de articulao entre capitais

    locais privadoseestatal e ocapital internacional;a

    forma

    existente

    de

    agregao

    e

    representao

    de

    interesses econmico-sociais gerados

    em uma

    sociedade cada

    vez

    mais complexa;

    e a

    relao entresetor

    p-

    blico

    e

    privado

    no

    processo

    de

    desenvolvimento capitalista. Tais crises

    se condensam

    no

    ncleo poltico

    da

    sociedade, pondo

    em

    xeque

    no s

    oregimeque sebusca substituirmas aprpria

    forma

    deEstado,o Es-

    tado Desenvolvimentista.

    Esta formadeEstado que no peculiarao regimede 1964,

    j

    que

    nasce

    na

    dcada

    de 30 e se

    consolida

    no

    EstadoNovo

    (1937-

    1945) vemsendo abaladadedoismodos.De umlado,tem mostrado

    crescente incapacidade

    de

    absorver

    em

    suas estruturas

    os

    processos

    de

    agregaoerepresentaode interesses econmico-sociais emergentes.

    De

    outro,

    tem

    perdido progressivamente

    sua

    capacidade

    de

    nuclear

    o

    processo de desenvolvimento capitalista nacional.

    No

    perodo

    posterior Revoluo de 1930, o Estado nacional

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    4/15

    procedeu

    a uma

    peculiar acomodao entre

    as

    oligarquias tradicionais

    e

    osnovos setoresurbanos eindustriaisemexpanso.Etpica desta mo-

    dalidade

    de

    Estado intervencionista

    a

    capacidade

    de

    articular diretamen-

    te nointeriordoExecutivoos interesses econmico-regionais e os eco-

    nmico-funcionais, sejam eles

    tradicionais

    ou modernos.

    Assim,os interesses ligados aoprincipal complexo exportador,o

    cafeeiro,etambmosdemais

    setores

    daagricultura tradicional

    como

    os

    do acar, do cacau, do mate eoutros passaram a ter uma presena

    pblica

    nas

    autarquias

    e

    institutos como

    o

    Departamento Nacional

    do

    Caf (depois substitudo pelo InstitutoBrasileiro

    do

    Caf),

    oInstituto

    do

    Acar

    e do

    lcool,

    a

    Comisso Econmica

    da

    Lavoura

    Cacaueira,

    o

    Instituto Nacionaldo Mate, etc.

    Almdisso,trabalhadores

    e

    empresrios passaram

    a

    vincular-se

    ao

    Estado

    por

    meio

    de uma

    rede

    de

    organizaes formada pelos sindicatos

    oficiais,federaes

    e

    confederaes

    de

    categoria profissional

    ou desetor

    empresarial,eatravsdaJustiado Trabalho.

    Este esmaecimento dasfronteiras entreosmundos pblicoepri-

    vado, inerente

    exacerbao

    das

    funes

    do

    Estado nacional

    na Era

    Vargas, sempre dificultou a articulao institucional autnoma dos gru-

    pos de

    interesse (12).

    Oextraordinrio desenvolvimento capitalista,ocorridoapartirdo

    fim dos

    anos

    60 at os

    anos

    80,

    impulsionou mudanas socioeconmicas

    importantes, mas sem modificar o padro bsico (basicpattern) de re-

    lao Estado/sociedade.

    Nesteperodo,

    ocorreramnoapenas alteraes

    significativas na estrutura social, mas tambm aquilo que Wanderley

    Guilherme

    dos

    Santos chama

    de

    "complexificao

    social",

    isto

    , o

    surgimento

    de uma

    teia

    de

    organizaes

    que

    articulam

    e do

    identidade

    coletiva aosagentes sociais, moldamo seucomportamento eveiculam

    suasdemandas. Centenasdeassociaes empresariais,demoradores, de

    tcnicos, de trabalhadores surgiram paralelamente s

    formas

    estatais de

    representao

    de

    interesses.

    Mesmo quando a forma de articulao de interesses continua es-

    tatal,

    os

    padres

    de

    conduta

    j no se

    subordinam

    ao

    Estado.

    Em

    suma,

    a sociedade extravasou o

    Estado,

    tornou-se complexa demais para ser

    absorvidapor seus mecanismosderepresentao e decooptao.Reci-

    procamente, acapacidadedo Estado controlar edirigiraaodos seg-

    mentos sociais tende

    a

    reduzir-se progressivamente

    (13).

    Poroutrolado, aspossibilidadesdoEstado continuar

    como

    arti-

    culador

    do

    desenvolvimento capitalista nacional,

    como

    Estado Desen-

    volvimentista, foram fortemente diminudas

    por um

    duplo

    processo:a

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    5/15

    crise

    fiscal e financeira, que

    envolve

    o

    padro

    de

    financiamento

    do de-

    senvolvimento, surge entrelaada com a balcanizao do aparelho es-

    tatal,

    ou

    seja,

    a

    progressiva perda

    de

    comando

    da

    cpula governamental

    sobre a multiplicidade de

    rgos

    do

    setor

    pblico (14). Examinemos

    estes dois aspectos fundamentais.

    O primeiro diz respeito sua capacidade financeira de interveno

    no processo.

    Desde 1930,

    o

    Estado

    tem

    funcionado sistematicamente

    como mecanismo de proteo das vrias atividades econmicas existen-

    tes no

    Pais,

    frente s vicissitudes dos mercados internacional e nacional.

    A

    partir

    do

    Estado

    Novo,o poder

    pblico passou

    a

    atuar, tambm,

    comopromotor

    da diferenciao do aparelho produtivo nacional, am-

    pliando

    sua

    capacidade industrial.

    Neste

    sentido, existe

    um

    parentesco

    direto

    entre

    a

    implantao

    da

    siderurgia pesada

    em

    Volta Redonda

    du-

    rante

    o

    Estado

    Novo,

    a

    execuo

    do

    Plano

    de

    Metas

    de

    Juscelino

    Ku-

    bitschek (1956-1961)e a do II

    Plano Nacional

    de

    Desenvolvimento

    (PND)deErnesto Geisel(1974-1979).Paraacompreensodanatureza

    da

    relao Estado-sociedadenahistria brasileira,estratgico ressaltar

    a

    forte continuidadedoestilodeatuaodoEstado Desenvolvimentista,

    atravsdedistintos regimes oEstado

    Novo,

    aConstituiode 1946

    e o

    autoritarismo inaugurado

    em

    1964.

    H,

    hoje,

    um

    amplo consenso sobre

    a

    importncia

    do II PND

    como momentodaafirmaomximadascaractersticas desta formade

    Estado e da definio dos contornos da crise atual. Frente ao estrangu-

    lamento externo ocasionado pela alta extraordinriados preos inter-

    nacionais do petrleo, o

    governo Geisel desencadeou

    um

    ambicioso

    programa de substituiode importaes sob agidedo Estadomas

    com

    macia utilizao

    de

    emprstimos externos. Esta onda

    de

    investi-

    mentos

    na

    rea

    de

    bens

    de

    capital

    e

    intermedirios,

    naquala

    distribui-

    o dasaplicaes orientava-se pelo famoso trip capital estrangeiro,

    nacional eestatal , amplia aautonomia industrialdo Pas frente ao

    Exterior. Com isso, as taxas de crescimento do PIB, embora menores

    que as

    vigentes

    nos

    anos

    do

    milagre

    econmico

    (1968-1973),

    foram

    ain-

    daelevadas.

    Entretanto, areduo conseguidanadependncia produtiva teve

    como contrapartidaaelevaodadependnciafinanceira emrelaoao

    mercado internacional

    de

    capitais. Enquanto

    as

    taxas internacionais

    de

    jurosmantinham-se relativamentebaixase opreodo

    petrleo

    conser-

    vava-se

    no

    mesmo patamar,

    o

    Pas conseguiu preservar

    sua

    capacidade

    de

    pagamentos absorvendo novos capitais

    que

    permitiam rolar

    a

    dvida.

    A

    partir

    da

    alta violenta

    da

    taxa internacional

    de

    juros,

    em

    1979,

    e da

    nova elevao

    do

    patamar

    dos

    preos

    dopetrleo,a

    capacidade

    de

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    6/15

    adaptao da economia brasileira ao ambiente econmico internacional

    foi

    postaemxeque. Restringiu-se paulatinamenteoacessodoBrasilao

    mercado internacional de capitais, at a completa interrupo dos fluxos

    voluntrios a partir do setembro negromexicano de 1982 (15).

    Estas

    restries

    obrigaram a uma reduo das atividades econ-

    micasdoPas.Oajuste recessivo anteriore posterior aos acordos com o

    FMIteveocondodeadaptaraeconomia comoum

    todo

    para enfrentar

    a

    crise da balana de pagamentos. Paulatinamente, foram gerados os

    excedentes exportveis necessriosaopagamentodoservioda divida

    externa.Nosanos80 e,especialmente, depoisde1982, osetorcapita-

    listaprivado

    se

    adapta

    a

    patamares inferiores

    de

    produo, diminuindo

    celerementeseuendividamento internoeexterno.

    O

    setor

    pblico teve comportamento diverso. Almda reduo

    drstica do financiamento externo a suas atividades, a capacidade extra-

    tiva do Estado, que j fora afetada pela reduo do ritmo de cresci-

    mento econmico ocorrida

    a

    partir

    de 74, se

    comprimemaisainda

    com

    a

    recesso

    dos

    anos

    80. Ao

    passo que, entre 1970

    e 75, a

    receita tribu-

    triabruta situava-seemtornode 26% doPIB,em1980 este percentual

    caa

    para 24,2%

    e em

    1985 chegava

    a

    22,1% (16).

    Sitiado pela interrupo

    das

    fontes externas

    de financiamento e

    pelaqueda da arrecadao, o ajuste dosetorpblico foi extremamente

    moderado. Segundo

    o

    padro

    que vem

    caracterizando suas relaes

    como setor privado desde osanos 30, e

    mais

    ainda no ps-1967, o

    Estado manteve-se como rede

    de

    proteo

    dos

    capitais privados

    absorvendo prejuzos eventuais, incorporando empresasfalidas ousuas

    dvidas; preservando

    com

    subsdios

    e

    incentivos

    as formas

    arcaicas

    de

    produo,protegendo-as

    das

    foras

    do

    mercado; dando condies

    de

    implantao

    e

    sobrevivncia

    a

    formas

    avanadas

    de

    produo

    mas

    cus-

    ta

    de sua auto-sustentao. Deve notar-se que, por um complexo con-

    junto de mecanismos, a dvida externa foi amplamente estatizada, com

    o

    setor

    pblico passando

    a

    responder

    por 75% de seu

    total.

    Outro aspecto centraldadeterioraodasituaofiscal porvezes

    objetodemal-entendidos.Aestatizaoda

    dvida

    externa veio acompa-

    nhada

    de umcrescimento emespiralda

    dvida interna,

    j que o setor

    pblico tem queadquirirosdlares gerados pelo setor privado expor-

    tador,produzindo umdficitde grandes propores. Como colocaram

    Silveirae Bielschowsky,

    "

    o financiamento deste

    dficit,

    via dvida in-

    terna, tem gerado um processo de substituio de endividamento ex-

    terno por endividamento interno, responsvel em grande medida pelo

    crescimento extraordinrio deste

    "(17).

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    7/15

    Almdisso,

    osetor

    pblico continuou sendo usado, especialmente

    nos

    mbitos estadual

    e

    municipal,

    como

    instrumento

    de

    clientelismo.

    Neste sentido,o ano de 1982 foitpico.Emplena recesso e nopice

    da crise

    do

    balano

    de

    pagamentos,

    os

    governos estaduais aumentaram

    drasticamente o seupessoal, nabusca davitria naseleies de 15 de

    novembro.

    Em

    suma,

    o que

    desejamos salientar

    a

    relevncia

    da

    caracterstica

    bsica

    da forma especial do Estado intervencionista que se construiu

    desde 1930,

    que seu

    carter

    de

    vanguarda

    do

    desenvolvimento

    e de

    protetordo

    atraso,

    na

    felizexpresso

    de

    Jos Luis Fiori (18).

    Ao

    pro-

    curara impossvel

    compatibilizao

    de umamultiplicidadede papis em

    um

    momento

    de

    crise internacional,

    o

    Estado mergulha

    em uma

    crise

    fiscal que amanifestaode umimpassepolticobsico. Ao procurar

    manter tona

    todos

    os heterogneos setores do bloco

    depoder

    soldado

    no regime

    autoritrio,

    o Estado tende a desgastar-se frente a todos.

    Neste contexto,o

    endividamento pblico interno surge como

    a

    vlvula

    de

    escape

    mar montante

    de

    presses,

    no

    sentido

    da

    manuteno

    da

    lucratividade

    privada e da conservao do desenho tradicional do apa-

    relho

    de

    Estado.

    A

    interrupo

    dos fluxos

    externos

    de

    capital,

    a

    reduo

    decapaci-

    dade extrativa

    e a

    ampliao

    do

    endividamento pblico externo

    e

    interno

    reduziram

    radicalmente a capacidade do Estado desencadear qualquer

    nova onda

    de

    inverses

    que

    canalizasse investimentos privados

    para

    tal

    ou qualsetor.A poupana lquida do setor pblico cai vertiginosamen-

    te de

    4,67%

    do PIB em

    1975 para 2,24%

    em

    1980, tornando-se nega-

    tiva

    em

    1985.

    Os

    investimentos pblicos,

    que

    correspondiam

    em

    1975

    a 4,1% do PIB, caram para 2,3% em 1985, pequena

    taxa

    ainda

    assim

    mantida

    graas

    a um

    dficit

    de

    3,08%

    em

    relao

    ao PIB (19).

    Estiolaram-se, aos

    poucos,

    as

    possibilidades

    do

    setor pblico

    in-

    duzir positivamente

    o

    sistema econmico.

    O

    Estado v-se, cada

    vez

    mais,

    prisioneiro

    da

    necessidade

    de

    servir

    prpria dvida.

    Em

    1985,

    os

    juros

    da

    dvida pblica, externa

    e

    interna,

    j

    alcanavam

    maisde 10% do

    PIB e, no fora a

    emisso

    de

    novos ttulos,

    o seu

    pagamento deveria

    consumir mais de 50% da receita do setor pblico. Por esta via, pode-se

    dizer

    que o

    conjunto

    dosc apitalistas

    privados manieta

    o

    Estado

    com a

    propriedadedosttulosdadvida. Este controle,noentanto, conduzno

    ampliao

    dos

    horizontes

    do

    capitalismo,

    mas

    estagnao, pois torna

    passivo

    o que at h

    pouco

    era o seu

    ncleo motor.

    O segundo aspecto, referente perda da capacidade do Estado

    nuclear

    o processo de desenvolvimento, diz respeito dimenso pro-

    priamente poltica

    das

    atividades econmicas estatais. Trata-se

    do enfra-

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    8/15

    quecimento das

    relaes

    de

    domnio entre

    a

    cpula

    do

    Estado

    e

    aquela

    parte

    do

    quadro administrativo

    que

    comanda

    as

    empresas estatais.

    Foi

    atravsdaadministrao descentralizadaque o

    poder

    pblico seexpan-

    diueconomicamente no

    ps-64.

    Aempresa pblicaou deeconomia

    mista foi a

    forma institucional bsica

    por

    meio

    da

    qual

    o

    regime

    .militar

    aprofundou

    de

    modo

    extraordinrio

    a

    participao estatal

    nas

    atividadesprodutivas.As

    relaes

    entreas

    vrias

    instnciasdaadminis-

    trao pblica, consubstanciadas

    no Decreto-Lein

    9

    200,

    de

    1969,

    re-

    sultaram em crescente autonomia gerencial das empresas estatais em

    relaoao

    poder central. Elas passaram

    a se

    conduzir,

    nocomo

    enti-

    dades pblicas subordinadas

    a um

    interesse geral, definido

    em

    centros

    de

    poder mais elevados no interior do Estado, mascomo corporaes

    privadas, cujos interesses so,

    no

    mnimo,

    a autoconservao e, se

    pos-

    svel,aexpanso mxima (20).

    Enquanto

    o

    Executivo

    federal

    manteve

    uma

    poltica compatvel

    com os impulsos de crescimento e diversificaodas atividades das

    empresas estatais, estas

    no

    ofereceram resistncia

    s

    suas diretrizes

    mesmo aquelas que pudessem prejudic-las a longo prazo, como a de

    ampliaremo seu endividamento externo em nome da preservao das

    reservas

    nacionais

    em

    moeda estrangeira.Logo

    que o

    padro

    de finan-

    ciamento da economia entrou em colapso, com a reverso do ciclo eco-

    nmico,

    e o

    governo central tentou impor certadisciplina

    s

    atividades

    de

    suas empresas, estas passaram

    a

    oferecer tenaz resistncia

    aos

    seus

    comandos (21).

    Asdificuldades econmicas

    dos

    anos

    80, afragilizaodoEstado,

    especialmente

    a reduo de sua capacidade econmica de conduo do

    sistema

    capitalista nacional, tiveram

    um

    papel importante

    naforma

    pela

    qual

    se deu a desagregao final do regime

    mili tar

    e, por esta via, nas

    condies polticas legadas

    ao

    governo

    que se

    instaurou

    em 15 de

    maro

    de

    1985.

    A

    transio poltica do governo militar

    para

    o governo

    civil

    teve

    como marca fundamental, como j foisalientado muitas vezes, no ter

    envolvido ruptura da ordem institucional. A ordem

    jurdico-poltica

    sob

    a

    qual nasceu

    o

    primeiro governo civil,

    a

    chamada

    Nova Repb l ica , foi

    substancialmente a mesma legada pelo regime

    mili tar

    no

    perodo

    do

    governo Figueiredo (1979-1985),

    j sem o Ato

    Institucional

    n 5, mas

    com a presena dos mecanismos de proteo do Estado, comoa possi-

    bilidade

    dedecretar medidaseEstadodeEmergncia.

    A ordem institucional caracterstica do regime sado do golpe

    militar

    de 1964 pode seresquematizada pelos seguintes traos: quanto

    forma

    de

    governo,

    por um

    presidencialismo exacerbado,

    de

    base

    mi-

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    9/15

    litar,

    tendo

    oParlamentoe ospartidos funes governativas quase nulas

    e funes representativas extremamente viesadas e limitadas; quanto

    distribuiodopoder entreosdiferentes mbitosdegoverno, pelo peso

    desproporcional da Unio em relao a estados e municpios da Fede-

    rao; quanto relao governantes/governados, por uma participao

    obviamente muito

    reduzida

    do conjunto da

    populao,

    tanto pelas res-

    tries suainterveno eleitoral como pelas grandes distores na re-

    presentao poltica.

    A manuteno da legalidade no implicou, entretanto, em pre-

    servara

    identidade

    do

    regime

    at o fim. Ele foi

    perdendo densidade

    aos

    poucos, minguando enquanto exerccio prtico

    do

    autoritarismo,

    ao

    longodoambguo

    perodo

    Figueiredo. Ogoverno federalfoideixando

    paulatinamentede utilizar, na sua plenitude, as possibilidades de

    poder

    inscritas

    noplano jurdico, aopasso queoutroscentros de poder no

    interior

    do

    regime ganharam mais peso

    do que

    anteriormente.

    Este processo acelera-se

    a

    partir

    de

    1983.

    A

    realizao

    das

    pri-

    meiraseleies diretas para os governos estaduais em 82 e a expectativa

    de

    que o processo de abertura poltica prosseguiria sem retrocessos

    abalaram

    a hierarquia existente entre os vrios centros de poder

    poltico.

    Passama

    existir distintos plos

    de

    poder,

    com

    diferentes graus

    de

    legi-

    timidade;

    os

    partidos

    de

    oposio, especialmente

    o

    maior deles,

    o

    PMDB, ampliam

    sua

    esfera

    de

    atuao

    e

    dispem, agora,

    dos

    recursos

    de

    poder proporcionados pelos governos estaduais. O governo

    federal

    e, particularmente,aPresidnciadaRepblica perderamsuaquaseex-

    clusividadecomo grandes eleitores

    nos

    estados.

    O

    julgamentofuturo

    do

    eleitorado converteu-se em interesse bsico de cada governador esta-

    dual.

    Em

    outras palavras,

    no s

    para

    os

    governadores oposicionistas

    amaioriados eleitos naquelean o , mastambmpara os ligados ao

    PDS, partidodesustentaodogoverno militar,satisfazero eleitorado

    tornou-se condio de sobrevivncia poltica.

    Orompimentodoesquemadecontroledopoder central sobrea

    Federao tambm afetou

    a

    conduta

    poltica do

    Congresso Nacional.

    Este ganhou autonomia porque deixoude enfrentar umPoder Execu-

    tivo monoltico, com um quase monoplio dos recursos polticos dis-

    ponveis, passando

    a se

    defrontar

    com

    mltiplos centros

    depoder,

    desi-

    guaisem recursos, mas concorrentes.

    claro que, consideradas no plano estritamentepoltico,as fis-

    suras

    apontadas seriam apenas potenciais.

    As

    tenses

    na

    Federao

    e

    entre ExecutivoeLegislativo poderiamser minimizadascasoo

    poder

    central

    dispusesse

    de

    recursos para

    satisfazer

    os

    interesses

    dos

    aliados

    e

    paracooptar adversrios.

    E

    possvel

    que

    isto ocorresse caso

    o

    Pas esti-

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    10/15

    vessenopicedocicloeconmico,aUnio dispusesse dearrecadao

    tributria fartaefossem boasasperspectivas deampliaodoendivida-

    mento do

    setor

    pblico.

    Como

    vimos, a situao era exatamentea

    oposta.

    A

    fragilizaodoEstadops adescobertoastachadurasno edif-

    ciopolticodo regime.Areduodacapacidadefinanceira doEstado,

    proveniente da crise, aprofundou as divergncias poltico-partidrias j

    existentesedebilitou oesquemadesustentao poltica regionalepar-

    lamentardogoverno federal.

    Isto

    resultou,j em1983, numa reduo

    dacapacidadederesistnciadoregimesdemandasdosassalariadose

    aosparticularismos regionaiselocais, comoseconstata pelas concesses

    qu

    o

    Executivo federal teve

    quefazerem

    termos

    de

    poltica salarial

    e

    distribuiodetributosdaUnio para estadosemunicpios. Recorde-se

    que em

    setembro daquele ano, pela primeira

    vez na

    histria

    do

    regime

    militar,oCongressoNacional recusou aprovaoa um Decreto-Lei, o

    den

    9

    2.045,queaumentavaoarrocho salarial.

    Em sntese, noprocesso detransio poltica brasileiraoquadro

    jurdico-institucional prvio permaneceu,

    mas a

    forma

    de

    atuao

    do

    regime

    foi

    sendo paulatinamente esvaziada

    de seu

    contedo autoritrio.

    Centros institucionais de poder antes subalternos, como partidos,

    Congresso Nacional, executivos estaduais, etc.,

    foram

    ganhando auto-

    nomiaemrelaoaopodercentralemaior representatividade popular.

    No fim do

    governo Figueiredo, restava

    uma

    Presidncia

    da

    Repblica

    imperial,

    do

    ponto

    de

    vista legal,

    mas defatocom

    reduzida capacidade

    de comando sobreos quadros polticos do regime, especialmenteos

    civis. No

    Parlamento

    e nos

    estados

    j se

    tramava

    a

    teia

    do

    futuro (22).

    Esta perdadecapacidadedecomandodogoverno centrale aau-

    tonomizaodoCongressoNacionale dosgovernos estaduais consoli-

    dam-senoprocesso sucessrioqueencerrouociclodepresidentes mili-

    tares.

    Tm-se enfatizado seguidamente,

    e com

    razo,

    as

    funes conser-

    vadorasdoprocesso indireto deescolhadopresidentedaRepblica.A

    manuteno da legalidade ColgioEleitoral restrito, definido pela

    reforma constitucional de 1982 ,apesarde suareduzidssima legiti-

    midade popular, tinha um contedo bvio:dava sobrevida a uma das

    caractersticas bsicas do regime, a participao popular limitada no

    processo poltico. Alm disso, naconjuntura,a preservaoda regra

    eleitoral teveuma

    funo

    especfica,aoimpediraparticipaodamaio-

    ria

    da populao no processo sucessrio. As massas populares e camadas

    mdias urbanas,

    j

    mobilizadas pela

    campanha

    d a s

    d iretas,

    viram-se

    ex-

    cludas,logoapsomaior movimentodeopinio conhecidonahistria

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    11/15

    do

    Pas, com reivindicaes queexpressavam exignciasdedemocracia

    poltica

    e

    social. Desta forma,

    foi

    reduzido

    ao

    mximo

    o

    impacto

    refor-

    mistaqueteriaa interveno popular noprocessode transio.

    Por

    outro

    lado, tambm houve funes inovadoras desta eleio

    presidencial indireta.medidaque opresidentedaRepblicano

    con-

    seguiu obterou impor consenso entre asforas polticas do regime, e

    que os

    militares recuaram para

    os

    bastidores fazendo

    da

    preservao

    da

    legalidade autoritria o bastio de sua unidade, os

    polticos

    profissio-

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    12/15

    nais nospartidos,no CongressoNacional e nos governos estaduais

    viram-se

    com um

    poder

    que

    jamais haviam experimentado anterior-

    mente.

    Para almdasdiferenas entre as

    foras

    eleitorais em presena,a

    prpria lgica

    do

    processo

    sucessrio

    a ser

    decidido

    num

    Colgio

    Elei-

    toral

    restrito,

    composto pelos membros do

    Congresso

    Nacionale por

    representantes dasAssemblias Legislativas estaduais, levouelabora-

    o decomplexas redes deacordosentreoscandidatos,ascpulas par-

    tidrias,

    os

    governadores

    dos

    estados

    e

    outrosgrandes eleitores. Desta

    forma,qualquerquetivesse sidoovencedordadisputa, encontrar-se-ia

    em posio similar: governaria amarrado por uma teia de compromissos

    com a

    classe

    poltica,.

    Caso tivesse sido vitorioso ocandidato oficial, PauloM aluf,cer-

    tamente

    cobrar-lhe-iama

    promessa explcita

    de

    governar

    com o

    partido,

    de darpeso no futuroaos quadros polticos civis,que atento cum-

    priam a funo de mero suporte do regime militar, mas sem ter qualquer

    comando sobre ele.

    A vitria

    de

    Tancredo Neves

    e a

    longa

    e

    trabalhosa gestao

    de seu

    ministrio permitiu-lhe perceber com mais clareza a extenso e, em par-

    te, a

    lgica

    dos

    compromissos assumidos

    com os que o

    apoiaram. Tan-

    credo Neves repartiu cuidadosamente

    o

    governo entre seus eleitores,

    tendncias poltico-partidrias, representantes

    de

    faces

    polticas regio-

    nais,agrupamentos sediadosn amquinaestatale decontroleda opinio

    Graasa um cuidadoso trabalho de engenharia poltica ao longo

    de

    1984,

    a

    ciso

    do

    partido oficial,

    o

    PDS,

    e o

    surgimento

    de sua

    dis-

    sidncia, a

    Frente Liberal, abriram

    o

    caminho para

    sua

    vitria

    no Co-

    lgio Eleitoral,emjaneirode1985.Caso tivesse sido empossado, Tan-

    credo Neves teria governado

    sob a

    legalidade anterior, ocupando por-

    tanto umaPresidncia ainda dotada dedimenses imperiais.No mo-

    mento da vitria, esperava-se que o apoio popular que legitimava im-

    plicitamente

    sua

    candidatura (como admitiam,alis,

    at os

    setores

    de

    oposio que no tinham participado da eleio indireta) pudesse fazer

    daPresidnciaum instrumentodetransformao. Haveriaumacuriosa

    Combinao

    da institucionalidade do autoritarismocom a legitimidade

    quaseplebiscitria

    que o

    movimento pelas diretas proporcionara

    s

    for-

    asdeoposioao regime. Entretanto, Tancredo no

    pairava

    acima das

    foraspolticas que o conduziram vitria. Ao contrrio, ver-se-ia na

    contingncia

    de

    exercer

    o

    poder

    em

    conformidade

    com

    elas.

    Na

    doena

    e na

    morte,

    Tancredo fora de tal forma endeusado, como profeta da

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    13/15

    construo

    da

    democracia

    e da

    reforma social,

    que se

    chega

    a

    esquecer

    como

    ele

    fora

    o

    lder

    e

    principal articulador

    de uma

    complexa rede

    de

    alianasem que

    coexistiam conservantismo

    e

    transformao,continui-

    dadeemudana.

    Com o

    falecimento

    de

    Tancredo Neves

    e a posse do

    vice-presiden-

    te,Jos Sarney,aambigidade implcita nesta situaofoiexacerbadaao

    extremo. A presena, nachefiado Executivo, de um representante dos

    quadros civis do regime autoritrio fez do distanciamento entre as po-

    tencialidades daPresidncia

    como

    instituioe opoder efetivode seu

    ocupante

    o

    problema central

    da

    dinmica poltica

    da

    transio.

    A

    pre-

    cariedade da Aliana Democrtica entre o PMDB e a Frente Liberal,

    apesarde sua

    aparente maioria parlamentar,

    logose

    evidenciou

    nas di-

    ficuldades de

    encaminhamento

    de

    quaisquer reformas alm

    dos

    limites

    do que foidenominado

    "

    remoodoentulho autoritrio"(24).

    Este conjuntodeantecedentes sobreanaturezadacrisedoEstado

    desenvolvimentistae aspeculiaridadesdaformaassumida pelo processo

    de

    transio poltica

    nos

    proporcionam subsdios para

    aanlisedos im

    passes e

    dilemas

    da

    Nova Repblica.

    J

    tratamos,

    em

    outra parte,

    das

    caractersticasdosdiversos momentosdepoltica econmicado

    perodo

    Sarney,

    com seus quatro ministros da Fazenda e trs planos de estabi-

    lizao

    (25).

    Aqui nos

    importa examinar

    a

    configurao

    de um

    impasse reite-

    rado, de um loop que condiciona e limita as alternativas de poltica

    econmica, entendida em sentido amplo (26). Impossibilitado de exer-

    cer

    seupapel

    histrico

    pela limitaofiscal,manietado pelos

    credores

    externos e internos, penetrado em seu prprio aparelho pelo imenso

    conjunto de particularismos e corporativismos, o outrora poderoso

    Leviathan

    debate-se numa teia imobilizadora

    frente

    ameaa

    da

    hipe-

    rinflao.

    Temsido apontadaaexistnciade umamplo consenso, para alm

    das

    querelas entre

    os

    economistas acadmicos, sobre

    a

    natureza

    da

    crise

    (27).

    Tal

    consenso, talvez ainda

    em

    construo, seria

    uma

    confirmao

    amais do

    ponto

    central de nossa argumentao: o que est em

    jogo

    na

    crise

    econmica brasileira

    a

    constituio

    de um

    pacto poltico

    que

    abra

    o caminho no s para a construo de um novo regime, mas tambm

    para

    uma reformulao do prprio Estado.

    Notas

    l

    Para

    umasntese, ver

    Guillermo

    O'Donnell

    &

    Philippe

    Schnitter,

    Transitions

    from

    au thoritarian rule-tentativeconclusions,Baltimore,Johns

    Hopkins

    Press, 1986.

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    14/15

    2 Paraumadiscusso dos anos 80, ver CEPAL,

    Transformacin

    productiva

    con equidad,

    Santiagode

    Chile,

    Naciones Unidas, 1990.

    3 Alguns economistas brasileirosfizeramesforos para incorporar a dimenso poltica em

    suas anlises. Ver

    Amaury

    Bier,RobertoMessenberge Leda

    Paulan ,

    Oheterodoxoe o

    ps-modemo:

    o

    cruzado

    em

    conflito.So

    Paulo,

    Paz e

    Terra, 1987;

    RuiAffonso, Plinio

    SampaioJr. &GilsonSchwarz, Poltica econmicaedemocratizao, inFbio

    Wanderley Reis

    Guillermo

    O'Donnell,

    A

    democracia

    no

    Brasil

    dilemas

    e

    pers-

    pectivas,So

    Paulo, Vrtice, 1988 etambm Guilherme

    Silva

    Dias&BasiliaM.

    Aguirre,

    Transio econmicaeingovernabilidade, mimeo.,Instituto

    de

    EstudosAvanados

    da

    USP, 1990.

    4 Albert Hirschman,

    A economiapolticado desenvolvimento latino-americano,

    Revista

    Brasileira

    deCincias Sociais,n 3,fevereirode 1987.

    5 VerRobertKaufman &

    BarbaraStallings,

    Debtand

    democracy

    in the1980s ,

    in

    BarbaraStallings&

    RobertKaufman

    (eds.),Debt

    and

    democracy

    in

    LatinA m e r i c a ,

    -

    Boulder,

    Westview

    Press, 1989.

    6

    LaurenceWhitehead,

    Theconsolidation

    ofdemocracy,

    mimeo.,

    Oxford, 1985.

    7

    Paul Drake,

    Debt and

    democracy

    in

    Latin America,

    1920-1980

    ,

    in

    Stallings

    &

    Kaufman,

    op. cit.

    8

    Jefrey

    Frieden,

    Winnersandlosersin the latin

    american

    debtcrisis:thepolitical

    implications", in Stallings &Kaufman,op. cit.

    9

    Juan Carlos

    Torre,

    Transicin democrticay

    emergencia econmica,

    mimeo., Buenos

    Aires, 1988.

    10 Lourdes Sola, Limites polticos aochoque heterodoxo noBrasil", Revista

    Brasi-

    leirade

    Ciencias Sociais,

    n 9,

    fevereiro

    de

    1989.

    11 Ver acontribuiode

    Cardoso

    aovolume coletivo editadoporDavid Collier,

    T he

    new

    authoritarianismin Latin

    A m e r i c a ,

    Princeton, PrincetonUniversityPress, 1979.

    12

    Esta caracterizao

    bem

    como parte

    dos

    itens

    II e III

    reelaboram texto anterior

    de

    BrasilioSallum

    Jr.

    Por que no tem

    dadocerto:notas sobre

    a

    transiopoltica,

    brasileira",

    in

    Lourdes Sola(d.),

    OEstado d a

    Transio

    poltica

    e

    economia

    na Nova

    Repblica. So Paulo, Vrtice, 1988. As especificidades do padro de relacionamento

    Estado-sociedadeque emergiu no

    Brasil

    ps-1930

    foram

    analisadas por

    Maria

    do Car-

    moCampello de

    Souza, Luciano Martins

    e

    Snia

    Draibe.

    13 VerWanderley Guilhermedos Santos,"Cidadania eJustia",Rio deJaneiro, Cam-

    pus, 1978.

    14 VerLuciano Martins, Estado capitalistaeburocracia no

    Brasil

    ps-64",Rio de

    Janeiro,Paz eTerra,1985.

    15 Sobreo perodoGeisel,verAntnio Barrosde Castro & F. E.PiresdeSouza, A

    economia brasileira

    em

    marcha forada",

    Rio de

    Janeiro,

    Paz e

    Terra, 1985.

    16

    Silvio Rodrigues Alves, "Por

    que o

    governo

    deficitrio", Folha

    de S.

    Paulo,

    13/2/1988.

    17 Caio Silveira &Ricardo Bielschowsky," Introduo aopensamento econmico bra-

    sileiro

    atual:odebatedaretomada",BoletimdaConjuntura, Universidade Federaldo

    Rio

    de

    Janeiro, 1986.

    18 Ver

    Jos Luis

    Fiori,

    Conjuntura

    e

    ciclo

    na

    dinmica

    de um

    estado

    perifrico",

    USP,

    tesede

    doutoradomimeografada,

    1985.

  • 7/26/2019 O Leviat Declinante

    15/15

    19 Silvio Rodrigues Alves,op.cit.

    20 APetrobrs,por exemplo, preferiu investirno Exterior apriorizaraprospecode

    petrleonoterritrio

    nacional.

    21 ASEST, rgocriadoem1979 para

    controlar

    asempresas estatais, tevedificuldadesat

    para

    obter

    dados

    destas

    mesmas empresas.

    22

    Isto

    demonstra

    que a distino

    entre

    uma

    ordem

    autoritria

    institucionalizada

    e uma

    prxis

    a utoritria

    pode

    ser

    relevante para

    a

    anlise. Para

    umpontode

    vista diverso,

    ver

    Wanderley GuilhermedosSantos, Ordem burguesa eliberalismo

    poltico",

    So

    Paulo, Duas Cidades, 1978.

    23

    Ver

    Brasilio Sallum

    Jr.,

    Carlos

    Estevam

    M artins

    &

    Eduardo

    Graeff, Nova

    Repblica,

    deTancredoNevesaSarney",AnliseConjuntural (Especial),v. 8, n 2,fevereirode

    1986,

    IPARDES,

    Curitiba.

    24 Ibidem.

    25

    Brasilio SallumJr. &Eduardo Kugelmas,

    Poltica econmicaem

    sur s i s,

    mimeo-

    grafado,ANPOCS, 1988.

    26

    Agradecemos

    a

    Luiz

    Aureliano

    de

    Andrade

    por nos ter

    sugerido

    a

    imagem

    do

    l o o p .

    27

    Ver

    GuilhermeSilvaDias

    &BasiliaAguirre, op.

    cit.

    Resumo

    Este artigo

    faz um

    balano

    da

    crise brasileira

    dos

    anos

    80.

    Busca analisar

    a

    interao entre

    crise econmicaetransformao poltica, enfatizandoaimportnciadadistino conceituai

    entre

    Estado

    eregime

    poltico.

    Usasistematicamente tais conceitos para explicaranatureza

    dacrisee asdificuldadesdatransio paraademocracia.Esalientadaarupturadasalianas

    quesustentaramovelho

    Estado

    desenvolvimentistasurgidonosanos30 e aextensodas

    dificuldadesque

    retardaram

    a

    emergncia

    de um

    novo pacto hegemnico.

    Abstract

    This article evalvates

    the

    Brazilian crisis

    in the

    Eighties, analysing

    the

    feedback between

    economic crisis and political change. Its approach emphatizes the importance of the

    difference

    between

    the

    concepts

    of

    State

    and

    political regime. These

    two

    concepts

    are

    used

    in

    a

    systematic

    way to

    explain

    the

    nature

    of the

    crisis

    and the

    difficulties

    of the

    transition

    tomards democracy.

    The

    rupture

    of the

    alliances that supported

    the old

    developmental

    State

    of the

    thirties

    in

    undescored,

    as

    well

    as the

    extent

    of the difficulties

    that delay

    the

    emergence of a new

    hegemonic pact.

    Brasilio

    Sallum

    Jr. professordoDepartamentodeSociologia daFFLCH-USP.

    Eduardo Kugelmas professordoDepartamentodeCincia PolticadaFFLCH-USP.

    Trabalho apresentado noseminrio

    Estados,

    MercadoseDemocracias", organizado

    pelareadePolticaeEconomiadoIEA,com oapoiodosDepartamentosdeSociologiae

    Cincia

    Poltica

    da

    FFLCH-USP

    e do

    Departamento

    de

    Economia

    da

    FEA-USP,

    de 28 a

    31 de

    julho

    de

    1991,

    em So

    Paulo.

    E S T U D O S

    V N D O S

    5(i3),i99i 159