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ERFIL O ÚLTIMO DOS RESISTENTES Líder da Semapa, um dos poucos grupos portugueses que não está refém do endividamento, Pedro Queiroz Pereira, herdeiro de uma das famílias ricas do antigo regime, cartas na indústria e recusa as parcerias estrangeiras, texto de anabela campos Raramente dá entrevistas, não costuma aparecer em revis- tas cor de rosa e tem horror à exposição mediática. Mas não lhe consegue escapar. Afinal, é considerado um dos últimos grandes industriais portugueses, num pais que se desindus- trializou aceleradamente nas últimas décadas e que hoje vi- ve essencialmente de serviços. Pedro Mendonça de Queiroz Pereira, herdeiro de uma das famílias ricas do antigo regime, saltou recentemente pa- ra as primeiras páginas dos jornais ao propor, o que diz ser, uma "solução nacional" para a Cimpor, a maior cimenteira portuguesa, prestes a cair nas garras da brasileira Camargo Corrêa. Há, porém, mais razões para que nas vistas. O empresário lidera um dos poucos grupos económicos portu- gueses, a Semapa, que não está asfixiado por dividas. Tem margem de manobra para investir, apesar de o país viver um dos piores períodos económicos da história recente. De- ve-o, em parte, à Portucel, a grande exportadora portuguesa e uma "máquina de fazer dinheiro", comprada pela Semapa em 2004, na última fase de privatização. Mais, controla o grupo numa altura em que Portugal se sente invadido por capital chinês, angolano e brasileiro. Pedro Queiroz Pereira não desiste a persistência é aliás uma das suas características. Doze anos depois de ter falhado a compra da Cimpor, o empresário volta à carga e desafia com uma proposta alternativa à oferta pública de aquisição (OPA)

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Page 1: O DOS RESISTENTES - clipquick.com · morte do pai e doença do irmão Manuel (mor-reu em 1993), empurram-no para a gestão dos bens familiares. Pode dizer-se que se saiu bem

ERFIL

O ÚLTIMODOS

RESISTENTESLíder da Semapa, um dos poucos gruposportugueses que não está refém do endividamento,Pedro Queiroz Pereira, herdeiro de uma das famíliasricas do antigo regime, dá cartas na indústria e recusaas parcerias estrangeiras, texto de anabela campos

Raramente dá entrevistas, não costuma aparecer em revis-tas cor de rosa e tem horror à exposição mediática. Mas não

lhe consegue escapar. Afinal, é considerado um dos últimos

grandes industriais portugueses, num pais que se desindus-

trializou aceleradamente nas últimas décadas e que hoje vi-

ve essencialmente de serviços.Pedro Mendonça de Queiroz Pereira, herdeiro de uma

das famílias ricas do antigo regime, saltou recentemente pa-ra as primeiras páginas dos jornais ao propor, o que diz ser,

uma "solução nacional" para a Cimpor, a maior cimenteira

portuguesa, prestes a cair nas garras da brasileira CamargoCorrêa. Há, porém, mais razões para que dê nas vistas. O

empresário lidera um dos poucos grupos económicos portu-

gueses, a Semapa, que não está asfixiado por dividas. Tem

margem de manobra para investir, apesar de o país viver

um dos piores períodos económicos da história recente. De-

ve-o, em parte, à Portucel, a grande exportadora portuguesae uma "máquina de fazer dinheiro", comprada pela Semapaem 2004, na última fase de privatização. Mais, controla o

grupo numa altura em que Portugal se sente invadido porcapital chinês, angolano e brasileiro.

Pedro Queiroz Pereira não desiste — a persistência é aliás

uma das suas características. Doze anos depois de ter falhado

a compra da Cimpor, o empresário volta à carga e desafia com

uma proposta alternativa à oferta pública de aquisição (OPA)

Page 2: O DOS RESISTENTES - clipquick.com · morte do pai e doença do irmão Manuel (mor-reu em 1993), empurram-no para a gestão dos bens familiares. Pode dizer-se que se saiu bem

da Camargo — operação que tem a bênção do

Governo de Passos Coelho. Queiroz Pereira pro-pôs constituir uma holding, controlada pela Se-

mapa, para onde passariam as participações dos

acionistas portugueses na cimenteira, nomeada-

mente os 9,6% da CGD e os 10% do fundo de pen-sões do BCP. A procissão ainda vai no adro, mas

nos meios financeiros acredita-se que a propos-ta não deverá ter pernas para andar, jã que a

Caixa e o BCP precisam de dinheiro, e a ideia

inicial do empresário era essa.

DAS CORRIDAS PARA AS EMPRESAS

Pedro, hoje com 63 anos, causou surpresa juntodos seus amigos quando no final dos anos 80

assume os negócios da família, cuja fortuna ti-nha engordado nos anos da ditadura. Corredor

de automóveis, com créditos reconhecidos em

Portugal e no Brasil, para onde partiu aos 25

anos, fugindo dos estilhaços da revolução de

abril de 1974, nada faria prever que se tornariadécadas mais tarde um nome incontornável no

mundo empresarial português.

"Pêquêpê" foi como Pedro Queiroz Pereira

ficou conhecido no meio desportivo. O acróni-

mo pegou de tal forma que ainda hoje se usa.

Nasceu, como o próprio contou à "Visão" em

2004, para esconder do pai a identidade. Para o

poderoso empresário Manuel Queiroz Pereira

o assunto era tabu. "O meu pai era um homem

muito severo, deu-nos uma educação austera.

Nem lhe podia passar pela cabeça que nós andá-

vamos nas corridas de automóveis", explica."Nós" porque Pedro não anda sozinho nas "cor-

ridas". O irmão mais velho, Manuel Queiroz Pe-

reira, também era piloto, e a ele conheciam-no

como "Mêquêpê". O pai queria-os para outramissão: assegurar a continuação dos negóciosda família, que era acionista da Sociedade Na-

cional de Petróleos SONAP e tinha investimen-tos em várias áreas, como a banca, o imobiliário

e o cimento. "Nunca tocava no assunto, nem fa-

zia comentários sobre as corridas, nem mesmo

quando eu ganhava um título", lembra.

Mas "Pêquêpê" era um apaixonado pelascorridas de automóveis, desporto que desco-

briu depois de aos 18 anos ter ficado com um

problema no joelho, por causa do futebol. Tinha

talento e dedicou-se de corpo e alma aos auto-

móveis. Ganhou trofeus nas mais variadas cate-

gorias, desde rali à Fórmula Ford. Fez carreira

cá e do outro lado do Atlântico, onde a família

se refugiou no pós-25 de abril.

Foi nesta altura que conheceu o mítico cor-

redor de automóveis Ayrton Senna, cruzaram-

-se nas boxes, numa altura em que o jovem pilo-to fazia comentários para a televisão. Tornaram-

-se amigos. Uma amizade que, explicou QueirozPereira à "Visão", se fortaleceu com o pedido do

pai do corredor, Milton Senna, para que o portu-guês, mais velho 12 anos, o apoiasse na Europa."Ele conhecia poucas pessoas na Europa antes

de entrar na Fórmula L Vinha passar fins de se-

mana a Portugal, e eu ia ter com ele a Inglaterra."É no Brasil, no Rio de Janeiro, que vive os

primeiros anos de casado. Católico, casou em

1973 com Maria Rita Mendes de Almeida, de

quem tem três filhas: Filipa, Mafalda e Lua, umaexímia cavaleira. Os cavalos são outra das pai-xões de Pedro, e tem alguns na Herdade dos

Fidalgos, propriedade da família no concelho

de Coruche, com 2,8 mil hectares, onde são pro-movidas atMdades agrícolas e turísticas. Nos

hóbis salientam-lhe o gosto por velejar, costu-

ma inclusive passar uns dias de férias no barco.

RECONSTRUIR O PATRIMÓNIO

Em 1987 deixa o BrasiL regressa a Lisboa, ao Reste-

lo, onde nasceu e ainda mora As corridas de auto-

móveis ficam para trás. Um ano depois assume a

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presidência da Cimianto, holding da família. Amorte do pai e doença do irmão Manuel (mor-

reu em 1993), empurram-no para a gestão dos

bens familiares. Pode dizer-se que se saiu bem.

Pedro não só recomprou parte da patrimóniodo pai, como é o caso do mítico Hotel Ritz, co-

mo o ampliou. Juntou-lhe a dmcnteira Sccil,

comprada em 1994 e, 10 anos mais tarde, a Por-

tucel, que hoje exporta 94% da produção de pa-pel para mais de 100 países. Tem negócios naAmérica do Sul, em particular no Brasil, e está a

investir em África, nomeadamente Angola e

Moçambique. Diversificar a geografia dos inves-

timentos é uma importante lição que lhe terá

ficado das nacionalizações do período revolu-

cionário. E o empresário é prudente.Certeiro na escolha dos negócios, Queiroz

Pereira tem sabido rodear-se de gestores com-

petentes. Carlos Alves, praticamente um irmão,tem estado com ele na Semapa, e José Honório

é o homem forte da Portucel. São ambos apon-tados como elementos essenciais na estratégiado grupo. Sem licenciatura — frequentou ape-nas o primeiro ano do Instituto Superior de Ad-

ministração —, o empresário, que entrou aos 10

anos para o Colégio Militar, reconhece que ne-cessitava de recrutar bons gestores para o

apoiarem. Uma das mais recentes aquisições é

António Viana-Baptista, antes figura destacada

na Telefónica. Quem com ele trabalha diz quesabe reconhecer a competência. É uma pessoa

simpática e afável com os colaboradores. E mui-

to perspicaz. Há cerca de três anos equacionoutornar-se acionista do BCP. O valor das ações

estava baixo, poderia ser uma boa oportunida-

de, mas fez as contas, estudou os problemas do

banco e recuou. Terá feito bem, as ações do BCP

não deixaram de cair desde essa altura

Prático, frontal e sem papas na língua, ape-sar de detestar a exposição pública, não se inibe

de vir a público dizer o que pensa quando está

em causa o interesse dos seus negócios. Em

2001, quando estava fortemente empenhadoem que a OPA que lançou sobre a Cimpor vin-

gasse, desdobrou-se em conferências de im-

prensa, onde batia com o punho na mesa exigin-do que o governo o ouvisse. Não teve sorte, foi a

Teixeira Duarte quem saiu vitoriosa na Cimpor.Não gostou. Ainda hoje dizem que a relação

com os Teixeira Duarte não voltou a ser a mes-

ma Foi depois recompensado com a Portucel.

DE BRAÇO DADO COM O PODER

Mas Queiroz Pereira gosta de se dar bem com o

poder — teve, aliás, uma relação cordial com o

ex-primeiro-ministro José Sócrates. Não Unha

razões para não ter. O Governo socialista

apoiou a expansão da Portucel, subsidiando em

€175 milhões o investimento de €900 milhões

que fez na nova fábrica de pasta da Portucel emSetúbal. Apostou na cogeração e na biomassa,

energias acarinhadas pelos últimos governos e

fortemente apoiadas pelo Estado. A Semapa é

hoje um dos grandes produtores de energia em

Portugal — em 2011, o grupo foi responsável por4% da energia produzida no país. Queiroz Perei-

ra é um dos empresários que mais beneficia das

chamadas "rendas excessivas" na energia.É, aliás, uma tradição familiar dar-se bem

com o poder político. Manuel Queiroz Pereira,

pai de Pedro, foi um dos empresários próximosde Salazar. Os Queiroz Pereira são uma das 12

famílias retratadas por Pedro Jorge Castro, no

livro "Salazar e os Milionários", onde é relatada

a relação entre o Estado Novo e a burguesia ca-

pitalista Manuel Queiroz Pereira foi um dos em-

presários que a pedido de Salazar construiu, na

década de 50, o Hotel Ritz, hoje propriedade da

família Sócio de Manuel Bulhosa na SONAP —

empresa que controlava metade do mercado

petrolífero —,Manuel Queiroz Pereira era admi-

nistrador c acionista do BES, c detinha capitalda Companhia Portuguesa de Celulose. Investia

no imobiliário. A pasta é um negócio antigo na

família — foi o avô, António dos Santos Men-

donça, que fez a fábrica de Cacia.

Terminados os processos negociais em

que se envolve, Pedro fecha-se em copas. A Por-

tucel desde que foi comprada pela Semapa, ape-sar de ser uma das mais importantes empresasda Bolsa de Lisboa, nunca mais deu uma confe-

rência de imprensa de divulgação dos resulta-

dos. Um comportamento que por vezes merece

reparos. A forma reservada como gere a infor-

mação já lhe trouxe dissabores na família. Car-

los Pardal, casado com uma das primas e her-

deiras, tem acusado Queiroz Pereira de se com-

portar como se fosse dono da Semapa, quandosó controla direta e indiretamente 8% da empre-sa. Questiona a "falta de transparência" com

que diz que o grupo é gerido e as remunerações

"injustificáveis" pagas pela Semapa a Pedro e à

irmã Maude Queiroz Pereira Lagos, que rece-

beu €1,2 milhões em 2010 apesar de ter funções

não executivas. Ou seja, ganhou tanto como Pe-

dro e mais do que o presidente do BES.

Querelas à parte, Pedro Queiroz Pereira é

hoje líder de um dos mais sólidos grupos portu-

gueses. Poderá estar perto de perder a batalha

pela Cimpor, mas marca pontos junto do poder

político para futuros negócios. Quais, só ele sa-

berá, mas as escassas privatizações que se avizi-

nham são uma possibilidade em aberto paraalargar o império do grupo, e

acamposEexpresso.impresa.pt

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