o direito à privacidade frente aos avanços tecnológicos na sociedade da informação
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O direito à privacidade frente aos avanços tecnológicos na sociedade da
informação
Alexandre Pires Vieira e Cláudio Ralves
O direito à privacidade é relativizado na Sociedade da Informação sob o prisma do
panóptico tecnológico de Foucault. Nossa legislação se enriquece com o Marco Civil,
porém com a privacidade relativizada resta-nos apenas preservar a intimidade.
RESUMO: O direito à privacidade é um princípio constitucional e está intrinsecamente
ligado com o direito da personalidade da pessoa humana, e a violação deste princípio
implica na interferência direta das relações pessoais e de intimidade, desvirtuando a
própria maneira de pensar e agir, causando inibição à criatividade e obstrução a
comunicação com a sociedade. Devido ao avanço tecnológico, as pessoas tendem a
se habituar com as facilidades das compras online e das redes sociais, fornecendo
assim informações pessoais através de redes que interligam os banco de dados,
relativizando o direito à privacidade e outros inerentes a ele.
Palavras chave: privacidade, tecnologia, sociedade da informação.
INTRODUÇÃO
Na sociedade da informação a privacidade é um dos temas mais ecoados e sua
relativização é acentuada com o avanço tecnológico.
Desta forma, faz-se mister entender o que é a privacidade e a que outros princípios
correlatos está contextualizado na sociedade da informação.
Neste diapasão, é discutido a importância de se ter um controle dos bancos de dados
públicos e privados, seguindo princípios capazes de balizar a coleta de dados e sua
finalidade como o princípio da correção na coleta e no tratamento das informações, o
princípio da exatidão dos dados coletados, o princípio da finalidade da coleta dos
dados, o princípio da publicidade dos bancos de dados, o princípio do acesso individual
e o princípio da segurança.
É salutar que o usuário tenha consciência que os dados inseridos na rede de
computadores, devido a capacidade de armazenamento em nuvens, tornam-se quase
permanentes, e a privacidade não estará garantida.
Em termos legislativos será discutida a privacidade sob o prisma do Marco Civil para
Internet, contextualizando a realidade em que vivemos.
1 NOÇÕES DE PRIVACIDADE
1.1 Privacidade e liberdade de expressão
A privacidade é coirmã da liberdade de expressão, e mais que isto, não poderia existir
sem ela. Podemos pensar nos regimes ditatoriais, que não garantem ao indivíduo a
livre manifestação, a liberdade de seus pensamentos. Logo, será afastado de sua
privacidade, e por receio de ser rechaçado, não poderá mostrar quem realmente é,
desvirtuando sua personalidade ao sabor dos ventos da repressão e censura.
Celso Bastos[1] conceitua privacidade como a “faculdade que tem cada indivíduo de
obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de
impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também
impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial
do ser humano”.
A liberdade de expressão é a autonomia de poder decidir de que forma se comunicar
com a sociedade, podendo expressar a opinião sobre qualquer tipo de assunto,
sensível ou não, ponderando, porém, o limite da privacidade de outrem. Neste ponto, a
liberdade de expressão e a privacidade andam juntas, não podendo uma ultrapassar
os limites da outra.
1.2 Intimidade e vida privada
A privacidade diferencia-se da intimidade no que concerne a aproximação com o
público, onde este direito muitas vezes é relativizado. Já a intimidade é intrinsecamente
engajada na pessoa, pertencente a vida privada e sem possibilidades de tornar-se
público sem sua violação propriamente dita, permeando o centro da privacidade, onde
esta abrange aquela.
A intimidade é um direito de exercício que o indivíduo tem para voltar-se a si mesmo
sem receio de demonstrar seus reais sentimentos e vontades. Quando as fotos nuas
da atriz Carolina Dieckmann foram divulgadas na internet sem o seu consentimento,
toda sociedade se mobilizou sendo, inclusive, o fato objeto de alteração de Lei[2].
A intimidade é algo intrínseco e individual, e também se relaciona com o
comportamento que os indivíduos tem, podendo desta forma mensurar o que deve ser
preservado ou não. Assim, a mesma atriz recentemente relatou[3] que voltou a enviar
fotos nuas por e-mail a seu marido e já não se importa mais se estas fotos forem
divulgadas, pois ela já foi vista nua por todos e não têm mais graça.
De fato, a intimidade permeia fatos subjetivos na vida de cada indivíduo, que a
considera como um o direito de se manifestar de acordo com a cultura local, levando-
se em conta os fatos pessoais como a introversão e a timidez.
1.3 Privacidade e direitos da personalidade
Carlos Alberto Bittar[4] considera que são da personalidade os direitos reconhecidos à
pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no
ordenamento jurídico para a defesa de valores inatos ao homem como a vida, a rigidez
física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros.
Assim, ele divide os direitos da personalidade em direitos físicos, direitos psíquicos e
direitos morais. Entre os físicos protege-se o direito à vida, à integridade física, ao corpo
e suas partes, à imagem e à voz. Entre os psíquicos abriga-se o direito à liberdade de
pensamento, de culto, de expressão e de outras manifestações; inclusive o direito à
intimidade; o direito a integridade psíquica e o direito ao segredo. No grupo dos direitos
morais situam-se os direitos à identidade, à honra, à reputação e o direito às criações
intelectuais.
Por serem inatos, os direitos da personalidade devem ser reconhecidos e sancionados
pelo Estado em um ou outro plano de direito positivado. Dessa forma, encontramos no
Código Civil Brasileiro nos arts. 11 a 21 alguns direitos da personalidade, porém outros
direitos relacionados com o princípio da dignidade pessoa humana em suas projeções
física, moral e psíquica com fundamento no direito geral da personalidade deve ser
reconhecido e observado pelos aplicadores do direito.
2 PRIVACIDADE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
2.1 Natureza jurídica da sociedade da informação
A sociedade da Informação constitui um campo que precisa ser explorado com afinco,
com intervenções e reflexões com intuito de fixar importantes conceitos no ramo do
direito. Adalberto Simão Filho[5] entende que a Sociedade da Informação se estrutura
na premissa estabelecida pelo art. 5º da Constituição Federal no sentido de que todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade de direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade e se completa no inciso XIV do art. 5º da
Constituição Federal, que assegura a todos o acesso à informação.
A partir dos princípios constitucionais elencados podemos desenvolver o conceito da
sociedade da informação, onde seu clímax está no desenvolvimento tecnológico, que
viabilizou o acesso à informação através de redes interligadas, onde prepondera a
busca da igualdade e a extensão de todos os ramos do direito para a sociedade digital,
porém com sujeitos de direitos reais.
Nesse contexto, trabalhamos o direito na sociedade da informação sob todos os primas,
e a privacidade sem dúvida nenhuma tem se relativizado com a chegada da tecnologia
digital, e para alguns, a privacidade tende a ser eliminada por completo.
Para isso basta observar a interferência da tecnologia em nosso cotidiano, câmeras de
segurança espalhadas, localizadores nos celulares e tablet´s, monitoramentos
eletrônicos, acesso instantâneo a perfis em redes sociais, ou seja, a tecnologia
proporciona benefícios, porém restringe a cada vez mais a forma de comportamento
das pessoas.
2.2 Privacidade e internet
Outrora a preocupação com a proteção das informações pessoais estava voltada para
a realidade tecnológica da época e as normas de direito público e privado pouco
discorria sobre o assunto.
Nos dias atuais, a acentuada inovação tecnológica e o efeito rede mudaram a
perspectiva de privacidade, sob o enfoque dos grandes bancos de dados
compartilhados via internet e o grande volume de informações processadas
mecanicamente e de forma instantânea, fez com que os setores da sociedade
enxergassem o direito da privacidade com um novo olhar. Para melhor contextualizar[6],
O termo ‘efeito rede’ refere-se, basicamente, à maneira como sistemas maciçamente
conectados tendem a criar padrões que, uma vez estabelecidos, torna-se
extremamente difíceis de eliminar. Esses padrões passam a ter muito valor. Em uma
rede, quanto mais pessoas usarem um determinado produto ou sistema, mais valor ele
passará a ter, principalmente por causa da capacidade aumentada de um usuário
individual para se conectar e compartilhar recursos com outros que utilizam o mesmo
sistema.
As construções legislativas de proteção de dados que tinham como premissa os
grandes computadores que há trinta anos operavam, ficaram demasiadamente
desatualizadas, como observa Rodota[7]: “Seguindo o desenvolvimento da tecnologia,
a noção que se tinha de arquivo de banco de dados torna-se insuficiente ou superada.
Surge como valor fundamental a noção de rede, será preciso levar em conta as
tecnologias interativas, com as perspectivas abertas pela telemática. ”.
A definição de privacidade elaborada no novo contexto de tecnologia também está
imbuída na complexidade da construção da definição da proteção de dados, que vai
além da tutela da intimidade individual, pois se relaciona a nova problemática referente
à legalidade da ação pública.
Ao aumentar a possibilidade de tutela efetiva da esfera privada dos cidadãos, tendo em
vista que justamente esses últimos a serem os titulares de uma maior quota de poder
de controle sobre os aparatos públicos, os sistemas de governo privilegiam a
transparência na efetivação da criação das legislações. Por outro lado, toda a gama de
informações fornecidas pelas pessoas que precisam de determinados serviços, que
crescem a cada dia em quantidade e qualidade, acabam por ter usos secundários e
lucrativos para os gestores dos sistemas de bancos de dados interativos.
2.3 A circulação das informações entre regras e mercado
A coleta e tratamento da informação têm a ver com o papel do cidadão na sociedade
informatizada, de como esta informação é colocada em circulação, sendo, inclusive,
papel preponderante na distribuição do poder.
A ONU, detectando a questão dos efeitos sociais e políticos dos tratamentos
automatizados das informações discutiu o assunto há algumas décadas. No parágrafo
1, “c”, da Resolução 2.450 (XXIII), de 19 de dezembro de 1968, a Assembleia Geral
sublinhava “os usos da eletrônica que possam incidir sobre os direitos do cidadão e os
limites que deveriam ser previstos para tais usos em uma sociedade democrática”.
Segundo Rodota[8], “o direito de acesso foi tomado como uma contrapartida oferecida
ao indivíduo pelas informações pessoais ‘cedidas’ às organizações públicas, ou
privadas, obedecendo ao critério, tipicamente proprietário, da troca”. A defesa da
privacidade deve superar a lógica proprietária dos bancos de dados, integrandos assim
os controles individuais e coletivos para que os interesses sejam equilibrados com
regramentos que garantam um funcionamento, uma razão de ser, com o fim de que
cada dado coletado tenha uma função ao ser armazenado.
2.4 Princípios e instrumentos na proteção de dados
Na tutela dos dados informáticos, Rodotà aponta que deve se assegurar alguns
princípios e instrumentos necessários para se ter efetividade. Dois documentos
internacionais apontados pelo autor são deduzidos em alguns princípios que a frente
serão elencados. O primeiro documento trata-se da Convenção do Conselho da
Europa de 28 de janeiro de 1981, para a proteção das pessoas em relação à coleta
automática dos dados de caráter pessoas, e o segundo da Recomendação da
OCDE de 23 de setembro de 1980, que contém as diretrizes relativas à proteção da
vida privada e à circulação transnacional dos dados de caráter pessoal. Extraem-se
dessa forma os seguintes princípios[9]:
1- Princípio da correção na coleta e no tratamento das informações;
2- Princípio da exatidão dos dados coletados, acompanhado pela obrigação de sua
atualização;
3- Princípio da finalidade da coleta dos dados, que deve poder ser conhecida antes que
ocorra a coleta, e que se especifica na relação entre os dados colhidos e a finalidade
perseguida (princípio da pertinência), na relação entre a finalidade da coleta e a
utilização dos dados (princípio da utilização não abusiva); na eliminação, ou na
transformação em dados anônimos das informações que não são mais necessárias
(princípio do direito ao esquecimento);
4- Princípio da publicidade dos bancos de dados que tratam as informações pessoais,
sobre os quais deve existir um registro público;
5- Princípio do acesso individual, com a finalidade de conhecer quais as informações
coletadas sobre si próprio, obter a sua cópia, obter a correção daquelas erradas, a
integração daquelas incompletas, a eliminação daquelas coletadas ilegitimamente;
6- Princípio da segurança física e lógica da coletânea dos dados.
Esses princípios apontados pelo autor nunca estiveram mais atualizados, pois a
sociedade da informação carece de normatizações e a todo o momento observamos
atos governamentais e privados que são alheios aos princípios extraídos e que causa
grande constrangimento entre Estados, como é o caso Snowden[10].
Dentre outras coisas, Snowden revelou que dados coletados por empresas privadas
eram repassados ao governo sem o consentimento dos americanos, violando a
privacidade de uma nação inteira, sob a justificativa de combate ao terrorismo.
Este fato se coaduna com as afirmações de Rodotà[11]: Há quem ressalte que
regulamentações restritivas da coleta e da circulação de informações são possíveis em
tempos razoavelmente tranquilos, ou mesmo realmente felizes. Quando, ao contrário,
cresce a instabilidade social, aumenta também a necessidade de informações e da
ligação entre os vários bancos de dados para enfrentar situações de emergência em
matérias de ordem pública, no mercado de trabalho, e assim por diante.
Já no caso específico do governo norte americano, Rodotà[12] também já alertava sobre
a utilizações de informações que extrapolam as finalidades da coleta: “Uma disciplina
mais pontual e rigorosa neste setor é necessária, até por causa do advento de um
fenômeno que, nos Estados Unidos, já atingiu proporções preocupantes: a aquisição,
pela administração pública, de grandes quantidades de informações coletadas por
privados. ”. Dessa forma podemos perceber que os princípios elencados não são
absolutos, são relativizados ou até ignorados quando existe instabilidade social e
estado de alerta por causa de possíveis conflitos armados. Por outro lado, as pessoas
também devem ter um controle do que inserem nos bancos de dados, tendo em vista
que o que é lançado no espaço virtual fica armazenado, como descreve Schmidt[13]:
A armazenagem quase permanente de dados terá um grande impacto sobre o modo
como os cidadãos operam no espaço virtual. Haverá um registro de todas as atividades
e associações online, e tudo o que for agregado à internet se tornará parte de um
repositório de informação permanente. A possibilidade de que algum conteúdo pessoal
seja publicado e se torne conhecido um dia- por engano ou por interferência criminosa-
sempre vai existir. As pessoas precisarão se responsabilizar por suas associações
virtuais, passadas e presentes, e os riscos serão elevados para quase todos, já que os
relacionamentos online tendem a ser mais abrangentes e difusos do que os físicos. O
bom ou o mau comportamento daqueles que conhecemos irá nos afetar positiva ou
negativamente. (E parâmetros de privacidade mais severos nas redes sociais não serão
suficientes). A análise crítica da realidade é assustadora, pois à medida que
convivemos com a tecnologia nos acostumamos com suas facilidades e perdemos a
noção da nocividade dos dados que inserimos, pois, a partir do momento em que nos
conectamos encerra-se aí a nossa privacidade.
3 A PRIVACIDADE NO MARCO CIVIL
O Marco Civil da Internet é uma iniciativa legislativa, surgida no final de 2009, para
regular o uso da Internet no Brasil, por meio da previsão de princípios, garantias, direitos
e deveres de quem usa a rede, e da determinação de diretrizes para a atuação do
Estado. Neste contexto, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça
(SAL/MJ), em parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio
Vargas (DIREITO RIO), lançou o projeto para a construção colaborativa de um Marco
Civil da Internet no Brasil[14]. O próprio processo de construção do marco demonstra
inovação, onde o tema foi amplamente debatido pela sociedade utilizando a própria
Internet como ferramenta para a participação ativa dos inúmeros atores envolvidos no
tema. O resultado desta interação, o anteprojeto do marco civil foi então enviado à
câmara dos deputados, recebido sob o número 2.126/2011. Na ocasião Marco Civil foi
descrito pelo então Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, como "A Constituição da
Internet"[15].
Em julho de 2013, com a publicação de notícias de que as comunicações no Brasil
eram alvo de espionagem eletrônica pelos EUA, o governo federal declarou que a
aprovação do Marco Civil da Internet era uma prioridade[16], colocando em evidência a
questão da privacidade na Internet. No dia 11 de setembro de 2013 foi publicado no
Diário Oficial da União a mensagem de urgência assinada pela presidente Dilma
Rousseff[17], tendo então a Câmara prazo de 45 dias para que o Marco Civil fosse
apreciado pelos deputados, o que não ocorreu, principalmente por pressão das
empresas de telecomunicação interessadas na exclusão do princípio de neutralidade
de rede[18]. Como pano de fundo a espionagem americana, o texto final do Marco Civil
da Internet, foi apresentado em 05 de novembro de 2013 pelo relator da proposta,
deputado Alessando Molon, condicionado a Internet, por meio de decreto do governo,
a obrigação de os provedores de internet que exercem atividades no país guardarem
as informações em datacenters no Brasil. Infelizmente, um projeto que havia sido
extensivamente debatido pela sociedade foi alterado, onde interesses governamentais
foram incluídos, não para proteger a população da espionagem, mas aparentemente,
garantir que tal espionagem possa ser feita pelo governo Brasileiro. Tais modificações
não foram bem vistas por organizações mídia, de defesa da liberdade na web e dos
direitos do consumidor como Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub),
Associação Software Livre.org, Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), Proteste, e outras, que enviaram ao Ministério da Justiça carta pedindo
mudanças no texto do Marco Civil da Internet[19].
A carta manifesta grave preocupação com a atual versão do projeto de lei: “Entendemos
que com a nova proposta pilares fundamentais deste projeto de lei foram abalados, (...)
como o direito ao sigilo do fluxo e conteúdo das comunicações privadas, o direito à
privacidade e à liberdade de expressão”. Segundo as entidades, o projeto estabelece
uma “espécie de grampo compulsório” de toda navegação realizada em grandes sites,
invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência, fato que acabará por
incentivar os provedores a utilizar os dados comercialmente.
Ao contrário da versão anterior, que tratava apenas dos “registros de conexão e de
acesso a aplicações de Internet”, o novo texto[20] do artigo 10 faz referência também ao
“conteúdo de comunicações privadas”, ampliando o escopo do projeto de lei inicial,
incluindo tema em que não houve discussão prévia pela sociedade. Mas, ainda mais
grave, o novo texto também amplia as obrigações de guarda de registros. Ao contrário
da versão anterior que previa obrigatoriedade de guarda apenas dos registros de
conexão, a versão atual também torna obrigatória a guarda de registros de acesso a
aplicações de Internet. Cabe ressaltar que na União Europeia, onde os padrões de
proteção à privacidade são mais altos, a Diretiva[21] que trata de retenção obrigatória de
registros diz respeito apenas aos registros de conexão, e não aos registros de
aplicações. Críticas à parte, o projeto de lei[22] do Marco Civil da Internet traz como
pedra fundamental o princípio da Privacidade, neste sentido, vale destacar os principais
pontos:
Art. 3º A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I – Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento,
nos termos da Constituição;
II – Proteção da privacidade;
III – proteção aos dados pessoais, na forma da lei; (...)
Art. 7º O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania e ao usuário são
assegurados os seguintes direitos:
I – À inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurado o direito à sua
proteção e à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II – À inviolabilidade e ao sigilo do fluxo de suas comunicações pela
Internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III – à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações privadas armazenadas,
salvo por ordem judicial; (...)
VII – ao não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros
de conexão, e de acesso a aplicações de Internet, salvo mediante consentimento livre,
expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;
VIII – a informações claras e completas sobre a coleta, uso, armazenamento,
tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados
para finalidades que:
a) justificaram sua coleta;
b) não sejam vedadas pela legislação; e
c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços.
IX – Ao consentimento expresso sobre a coleta, uso, armazenamento e tratamento
de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas
contratuais;
X – À exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada
aplicação de Internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes; e
Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas
comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet.
Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a
aplicações de Internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do
conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade,
vida privada, honra e imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. (Grifos
Nossos). Analisando o texto do projeto de lei e comparando-o com as Diretrizes para
a Proteção da Privacidade e dos Fluxos Transfronteiriços de Dados Pessoais da OECD
temos que os princípios base das Diretrizes estão fortemente presentes no Marco Civil
da Internet brasileira a começar pelos comuns aos países membros da OECD:
democracia pluralista, respeito aos direitos humanas e economias de mercado aberto,
já que o artigo segundo do projeto apresenta a seguinte redação:
Art. 2º A disciplina do uso da Internet no Brasil tem como fundamento o respeito à
liberdade de expressão, bem como (...)
II – Os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da
cidadania em meios digitais; (...)
V – A livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; (Grifos Nossos).
Neste sentido, o projeto de lei do marco civil está em linha com os princípios em
questão, sendo que o Princípio de limitação da coleta está espelhado nos incisos VII e
VIII do art. 7º ao exigir consentimento livre, expresso e informado sobre a coleta,
tratamento e proteção dos dados pessoais do usuário. O princípio da qualidade dos
dados está compreendido também no artigo 7º que no inciso X prevê a exclusão dos
dados pessoais ao termino da relação das partes. O princípio da finalidade da coleta
dos dados e o princípio da limitação de utilização têm lastro no artigo 7º, inciso VIII, que
regra que o uso dos dados pessoais somente poderá se dar para finalidades que
estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços e nos incisos II e III de
determinam a inviolabilidade dos dados na forma da lei, salvo por ordem judicial.
O Princípio de participação do indivíduo ou do acesso individua não está
expressamente previsto no projeto de lei, mas pode ser inferido do conjunto da norma.
De toda forma o remédio constitucional do Habeas Data atende esta necessidade.
E finalmente, o Princípio de responsabilização está presente no artigo 13 que prevê as
sanções de advertência, multa, suspensão e proibição do exercício das atividades para
aqueles que infringirem as normas do marco civil, responsabilização inclusive prevista
para entidades estrangeiras como regra o parágrafo único do artigo em comento:
“Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo
pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou
estabelecimento situado no País”.
CONCLUSÃO
Como visto anteriormente, temos que na Sociedade da Informação o uso da tecnologia
é uma realidade que veio para ficar e se aprofundar ainda mais, reduzindo
gradativamente os conceitos de privacidade e âmbito privado. A erosão das tais
garantias é real, com reflexos tanto positivos quanto negativos e se faz necessário a
sociedade entender e regrar esta nova capacidade técnica, para evitar abusos e
situações de privilégio dos detentores dos meios de telecomunicação, e principalmente,
dos governos. No livro Vigiar e Punir, publicado em 1975, o pensador e filósofo francês
Michel Foucault descreve como se exerce o poder disciplinar e quais os reflexos desse
mecanismo para o indivíduo e para a coletividade – tema da maior relevância para a
compreensão dos fundamentos filosóficos do exercício da vigilância na sociedade da
informação. Segundo o autor, a história da humanidade expõe o exercício do poder
disciplinar que se materializa na manipulação e no uso de informações em benefício de
certas elites, capazes de processá-las e armazená-las, fazendo desses repositórios
fontes seguras de fiscalização, de repressão e de controle dos indivíduos. Nas palavras
de Foucault[23]:
Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e
permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer
com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em
sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício;
(...) O Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos mais diversos,
fabrica efeitos homogêneos de poder. Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma
relação fictícia. De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o
condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar
à aplicação. Do século XVIII para até os dias atuais houve evidente e enorme evolução
tecnológica, mas o espírito do controle é o mesmo, com a vantagem adicionar de não
ser necessário nenhuma construção especial. É possível monitorar e controlar apenas
com tecnologia. Além do conluio entre empresas privadas e Estado para se atingir o
objetivo de vigiar e controlar a sociedade da informação, Estados percebem ser
necessário a criação de convênios entre agências de inteligência de diversas nações.
Manuel Castells assim descreve a influencia no comportamento individual pela
vigilância em meio eletrônico[24]:
Não é o Big Brother, mas uma multidão de irmãzinhas, agências de vigilância e
processamento de informações que registram nosso comportamento para sempre,
enquanto bancos de dados nos rodeiam ao longo da nossa vida – a começar, dentro
em breve, com nosso DNA e características pessoais (nossa retina, nosso datilograma,
na forma de marcas digitalizadas). Nas condições vigentes nos Estados autoritários,
essa vigilância pode afetar diretamente nossas vidas (essa é de fato a situação da
maioria esmagadora da humanidade). Mas mesmo em sociedades democráticas, em
que os direitos civis são respeitados, a transparência de nossas vidas moldará
decisivamente as nossas atitudes. Ninguém jamais foi capaz de viver numa sociedade
transparente. Se esse sistema de vigilância e controle da Internet se desenvolver
plenamente, não poderemos fazer o que nos agrada. Talvez não tenhamos nenhuma
liberdade, e nenhum lugar onde nos esconder. Vale lembrar também que o Artigo 12
do projeto de lei,[25] incluído após as revelações de espionagem pelo governo dos EUA,
não se destina ao propósito de garantir maior privacidade aos internautas brasileiros,
pelo contrário amplia a possibilidade de espionagem, além de representar um custo
econômico elevado para o setor que pode prejudicar colateralmente o surgimento de
novas empresas nacionais.
Dessa forma a questão da privacidade frente aos avanços tecnológicos deve ser
questão de debate e constante vigilância pela sociedade civil, sendo saudável a
inclusão de extensa proteção no marco civil, porém sem jamais nos esquecermos de
que devemos proteger nossa privacidade não apenas de empresas e entidades
estrangeiras, mas principalmente do governo.
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querendo-criar-gente-diferenciada-na-internet/> Acesso em 10 de março de 2014.
SCHMIDT, Eric ; COHEN, Jared. A nova era digital: como será o futuro das pessoas, das nações e
dos negócios. Tradução Ana Beatriz Rodrigues, Rogério Durst. 1. Ed. Rio de Janeiro: Intrínseca,
2013.
VIEIRA, Tatiana Malta. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse
direito fundamental diante dos avanços da tecnologia da informação.Dissertação de mestrado
apresentada à UnB – Universidade de Brasília, DF, 2007.
WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Edward Snowden. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Snowden> Acesso em 05 de março de 2014.
WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Lei Carolina Dieckmann. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Carolina_Dieckmann> Acesso em 27 de fevereiro de 2014.
Notas
[1] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 2,
São Paulo: Saraiva, 1989, p. 63.
[2] A Lei Carolina Dieckmann é como ficou conhecida a Lei Brasileira 12.737/2012, sancionada em 3
de dezembro de [2012] pela Presidente Dilma Rousseff, que promoveu alterações no Código Penal
Brasileiro (Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de [1940]), tipificando os chamados delitos ou crimes
informáticos. A legislação é oriunda do Projeto de Lei 2793/2011, apresentado em 29 de
novembro de [2011], pelo Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que tramitou em regime de urgência e em
tempo "record" no Congresso Nacional, em comparação com outros projetos sobre delitos informáticos
que as casas de leis apreciavam (como, por exemplo, o PL 84/1999, a "Lei Azeredo", também
transformado em lei ordinária 12.735/2012 em 3 de dezembro de [2012]). Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Carolina_Dieckmann> Acesso em 27 de fevereiro de 2014.
[3] EXTRA. Famosos: retratos da vida. Disponível em:< http://extra.globo.com/famosos/carolina-
dieckmann-diz-que-voltou-mandar-fotos-dela-nua-apos-mudanca-do-marido-da-nele-mais-vontade-de-
voltar-para-casa-11226455.html> Acesso em 27 de fevereiro de 2014.
[4] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2001, pp. 64-65.
[5] PAESANI, Liliana Minardi- Coordenadora. O Direito na sociedade da informação. São Paulo: Atlas,
2007, p. 05.
[6] JENNINGS, Charles; FENA, Lori. Privacidade.com: como preservar sua intimidade na era da
internet. Tradução: Bazán Tecnologia e Linguística. São Paulo: Futura, 2000, p. 133.
[7] RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância - A Privacidade Hoje, Organização,
seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução: Danilo Doneda e Luciana Cabral
Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 44.
[8] RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância - A Privacidade Hoje, Organização,
seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução: Danilo Doneda e Luciana Cabral
Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.49.
[9] RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância - A Privacidade Hoje, Organização,
seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução: Danilo Doneda e Luciana Cabral
Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.59.
[10]Edward Joseph Snowden (Elizabeth City, 21 de junho de [1983]) é um ex-analista de
inteligência norte-americano que tornou públicos detalhes de vários programas altamente confidenciais
de vigilância eletrônica dos governos de Estados Unidos e Reino Unido. Snowden era um colaborador
terceirizado da Agência de Segurança Nacional (NSA) e foi também funcionário da Central Intelligence
Agency (CIA).A revelação deu-se através dos jornais The Guardian e The Washington Post, dando
detalhes da vigilância de comunicações e tráfego de informações executada pelo programa de
vigilância PRISM dos Estados Unidos. Em reação às revelações, o Governo dos Estados Unidos
acusou-o de roubo de propriedade do governo, comunicação não autorizada de informações de defesa
nacional e comunicação intencional de informações classificadas como de inteligência para pessoa não
autorizada. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Snowden> Acesso em 05 de março de
2014.
[11] RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância - A Privacidade Hoje, Organização,
seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução: Danilo Doneda e Luciana Cabral
Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 51
[12] Ibidem p. 81.
[13] SCHMIDT, Eric; COHEN, Jared. A nova era digital: como será o futuro das pessoas, das
nações e dos negócios. Tradução Ana Beatriz Rodrigues, Rogério Durst. 1. Ed. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2013, p. 64.
[14] Portal CulturaDigital FGV, http://culturadigital.br/marcocivil/sobre/, acessado em 10 de março de
2014.
[15] Portal G1 Brasil, Barreto defende criação de 'Constituição' da Internet, disponível em
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/05/barreto-defende-criacao-de-constituicao-da-internet.html,
acessado 10 março de 2014.
[16] Agencia Brasil, Após denúncias de espionagem, governo pedirá agilidade na votação do
Marco Civil da Internet, disponível em http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-07-
08/apos-denuncias-de-espionagem-governo-pedira-agilidade-na-votacao-do-marco-civil-da-internet,
acessado 10 de março de 2014.
[17] Agência Câmara dos Deputados, Marco civil da internet ganha urgência constitucional na
tramitação, disponível em
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/COMUNICACAO/451694-MARCO-CIVIL-DA-
INTERNET-GANHA-URGENCIA-CONSTITUCIONAL-NA-TRAMITACAO.html, acessado 10 de março
de 2014.
[18] Blog do Sakamoto, Marco Civil: Estão querendo criar “gente diferenciada” na internet,
disponível em http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/11/12/marco-civil-estao-querendo-
criar-gente-diferenciada-na-internet/, acessado 10 de março de 2014.
[19] O globo, Entidades denunciam violação de privacidade em novo texto do Marco Civil da
Internet, disponível em http://oglobo.globo.com/tecnologia/entidades-denunciam-violacao-de-
privacidade-em-novo-texto-do-marco-civil-da-internet-11562098, acessado 10 de março de 2014.
[20] Câmara dos Deputados, Projeto de Lei 2126/2011 Inteiro Teor, disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=517255, acessado em 10
de março de 2014.
[21] RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância - A Privacidade Hoje, Organização,
seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes. Tradução: Danilo Doneda e Luciana Cabral
Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.341-347.
[22] Câmara dos Deputados, Projeto de Lei 2126/2011 Inteiro Teor, disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=517255, acessado em 10
de março de 2014.
[23] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis: Vozes, 1987. p. 225-226
[24] CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a
sociedade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges, Revisão de Paula Vaz. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003,p. 149.
[25] Art. 12. O Poder Executivo, por meio de Decreto, poderá obrigar os provedores de conexão e de
aplicações de Internet previstos no art. 11 que exerçam suas atividades de forma organizada,
profissional e com finalidades econômicas a instalarem ou utilizarem estruturas para armazenamento,
gerenciamento e disseminação de dados em território nacional, considerando o porte dos provedores,
seu faturamento no Brasil e a amplitude da oferta do serviço ao público brasileiro.