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O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDES DOCUMENTO SÍNTESE .................. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

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O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDESDOCUMENTO SÍNTESE . . . . . . . . . . . . . . . . . .Conselho de DesenvolvimentoEconômico e Social

Secretaria de Relações Institucionais

Conselho deDesenvolvimentoEconômico e Social

Presidência da República

Vice-Presidência da República

Secretaria de Relações Institucionais

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICASecretaria de Relações Institucionais - SRI

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDESSecretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - SEDES

O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDESDOCUMENTO SÍNTESE

Brasília, março de 2010

Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – SEDES

SecretáriaEsther Bemerguy de Albuquerque

Secretária AdjuntaÂngela Cotta Ferreira Gomes

Diretoria de Gestão Diretoria de Tecnologia de Diálogo Social

Diretor DiretoraRonaldo Küfner Ana Lúcia de Lima Starling

Gerente de Projeto Gerente de ProjetoRaquel de Albuquerque Ramos Maria França e Leite Velloso

Gerente de Projeto Gerente de ProjetoLuiz Carlos Emanuely Osório Rosa Maria Nader

Gerente de ProjetoEduardo Almeida

Auxiliar TécnicoKaren Vaz Silva

Diretoria de Políticas de Desenvolvimento Diretoria Internacional

Diretor DiretoraAdroaldo Quintela Santos Maria Luiza Falcão Silva

Assessora Técnica EspecialistaPatrícia da Silva Pego Cristina Ribeiro Fernandes Quadra

Anexo I – Ala “A”, sala: 202 – (61) 3411.2199 / 3393Brasília – DF – CEP: [email protected] www.cdes.gov.br

Disponível em: CD-ROMDisponível também em: <http//www.cdes.gov.br>Tiragem: 1.000 exemplares

Impresso no Brasil

Catalogação feita pela Biblioteca da Presidência da República

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES - documento síntese. Brasília: Presidência da República, Conse-lho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES, 2010. 184 P. 1. Desenvolvimento CDES 2. Seminário sobre Desenvolvimento 3. seminário Internacional de Desenvolvi-mento . I Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. CDD - 338.981

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Índice

Composição do CDES (2009/2011) 5Prefácio 7Parte I – Mesa-Redonda: Diálogo social, alavanca para o

desenvolvimento (2004) 11Apresentação 13Abertura 15Entrevista com Professor Celso Furtado 17I Painel: Como empreender o desenvolvimento que interessa

ao conjunto da sociedade brasileira? 21II Painel: Como construir o diálogo social pró-desenvolvimento 55

Parte II – Seminário sobre Desenvolvimento: Agenda Nacional de Desenvolvimento em debate (2009) 77

Apresentação 79Abertura 81Mesa-Redonda I: O desafio do desenvolvimento brasileiro e a AND 87Mesa-Redonda II: O desenvolvimento em perspectiva histórica e internacional 115

Parte III – Seminário Internacional de Desenvolvimento (2009) 141Apresentação 143Introdução 145Abertura 147Mesa-Redonda: Novo padrão de desenvolvimento - crescimento, estabilidade e inclusão social 149Conferência: “Desafios para o Desenvolvimento Brasileiro” 155Mesa de Diálogo: O papel do estado no mundo pós-crise e os desafios do estado brasileiro 157Mesa de Diálogo: O processo de integração latino-americana - possibilidades de desenvolvimento e os efeitos da crise financeira internacional 165Mesa de Diálogo: Globalização financeira e perspectivas de um novo sistema de financiamento e regulação do sistema financeiro internacional 171Mesa de Diálogo: Novo papel das instituições financeiras multilaterais 177

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 5\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Composição do CDES (2009/2011)Presidência da RepúblicaVice-Presidência da RepúblicaSecretaria de Relações InstitucionaisConselho de Desenvolvimento Econômico e SocialComitê Gestor

Conselheiros – Sociedade CivilAbilio Diniz - Presidente do Conselho de Administração do Grupo Pão de AçúcarAdilson Antônio Primo - Presidente da Siemens do Brasil e Vice-Presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE)Adilson Ventura - Membro da União Brasileira de Cegos (UCB)Alberto Broch - Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)Altemir Tortelli - Coordenador Geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (FETRAF-Sul)Amarílio Proença de Macêdo - Presidente das Empresas J. MacêdoAntoninho Marmo Trevisan - Presidente das Empresas TrevisanAntonio Carbonari Netto - Reitor do Centro Universitário AnhangueraAntonio Carlos Rego Gil - Presidente Executivo da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (BRASSCOM)Antonio Carlos Valente da Silva - Presidente Executivo do Grupo Telefônica do BrasilAntônio Fernandes Neto - Presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)Arildo Mota Lopes - Presidente da União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social (UNISOL)Artur Henrique da Silva Santos - Presidente Central Única dos Trabalhadores (CUT)Augusto Canizella Chagas - Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)Bruno Ribeiro de Paiva - Diretor Executivo do Instituto Dom Helder Câmara (IDHEC) e Advogado da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE)Candido Mendes - Reitor da Universidade Candido MendesCarlos Gilberto Cavalcante Farias - Presidente do Sindicato dos Produtores de Açúcar e Álcool da BahiaCláudio Elias Conz - Presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (ANAMACO)Clemente Ganz Lúcio - Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)Daniel Fe� er - Vice-Presidente Corporativo da Suzano Holding S.A.Danilo Pereira da Silva - Presidente da Força Sindical de São PauloEnilson Simões de Moura (Alemão) - Vice-Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT)Fabio Colletti Barbosa - Presidente da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e do Grupo Santander BrasilFernando José Cardim - Professor Titular de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Germano Rigotto – Consultor, ex-governador do RS, ex-deputado federalHumberto Mota - Presidente da Associação das Empresas Concessionárias dos Aeroportos (ANCAB) e da Dufry South AméricaIvo Rosset - Presidente das Empresas Rosset & Cia Ltda e Valisère Ind. & Com LtdaJackson Schneider - Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)Jacy Afonso de Melo - Secretário de Finanças da Central Única dos Trabalhadores (CUT)João Batista Inocentini - Presidente do Sindicato dos Aposentados do BrasilJoão Bosco de Oliveira Borba - Presidente da Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros (ANCEABRA)João Elisio Ferraz - Presidente da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG) e da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (FENASEG)João Paulo dos Reis Velloso - Presidente do Fórum Nacional - Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE)Jorge Gerdau Johannpeter - Presidente do Conselho de Administração do Grupo GerdauJorge Nazareno Rodrigues - Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e RegiãoJosé Antônio Moroni - Membro do colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e da Direção Nacional da Associação Brasileira de ONGs (ABONG) José Carlos Cosenzo - Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)José Carlos Bumlai – Produtor RuralJosé Lopez Feijóo – Vice-Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT)José Vicente - Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e Presidente da Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento (AFROBRAS)Joseph Couri - Presidente da Associação Nacional de Sindicatos da Micro e Pequena Indústria (ASSIMPI)Juçara Maria Dutra - Secretária de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Vice-Presidente da Internacional da Educação (IE)Laerte Teixeira da Costa - Secretário de Políticas Sociais da Confederação Sindical dos Trabalhadores(as) das Américas e Vice-Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT)Lincoln Fernandes - Presidente do Conselho de Política Econômica e Industrial da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG)

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES6 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Luiz Aubert Neto - Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ)Luiz Demétrio Valentini - Presidente da Cáritas BrasileiraLuiz Eduardo Franco de Abreu – Diretor Presidente das Empresas do Grupo NSGLuiza Helena Trajano Rodrigues - Presidente da Rede Magazine LuizaManoel José dos Santos (De Serra) - Secretário de Finanças e Administração da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)Manoel Silva da Cunha - Presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS)Marcelo Neri – Economista Chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/IBRE/FGV)Márcio Lopes de Freitas - Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)Marcos Jank - Presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (UNICA)Maria Elvira Ferreira - Vice-Presidente da Associação Comercial de Minas GeraisMaurício Botelho - Presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (EMBRAER)Maurílio Biagi - Presidente do Grupo Maubisa e Presidente do Conselho de Administração da Usina MoemaMoacyr Auersvald - Secretário Geral da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST)Murillo de Aragão - Presidente da Arko Advice PesquisasNair Goulart - Presidente da Força Sindical da BahiaNaomar Monteiro de Almeida - Reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)Nelson Côrtes da Silveira - Controlador e administrador da empresa DF Vasconcelos LtdaOded Grajew - Conselheiro do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Coordenador do Movimento Nossa São PauloPaulo Antônio Skaf - Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)Paulo D’Arrigo Vellinho - Representante da Empresa Granóleo S.A. – Óleos VegetaisPaulo Godoy - Presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB)Paulo Safady Simão - Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)Paulo Speller - Presidente da Comissão de Implantação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (UNILAB)Paulo Tigre - Presidente Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS)Raimundo Cezar Britto - Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)Renato Real Conill - Presidente do Grupo Süd MetalRicardo Patah - Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT)Rodrigo da Rocha Loures - Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP)Rogelio Golfarb - Diretor de Assuntos Corporativos e Comunicação para América do Sul da FordRozani Holler - Cooperativista da Cooperativa de Agentes Ambientais (COOPERAGIR)Sergio Antonio Reze - Presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (FENABRAVE)Sérgio Haddad - Coordenador Geral da Ação EducativaSérgio Rosa - Presidente da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI)Silvio Meira - Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fundador do Porto Digital de RecifeSônia Regina Hess - Presidente da Empresa Dudalina S.A.Tania Bacelar - Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)Vicente Mattos - Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil da Bahia (SINDUSCON-BA)Viviane Senna Lalli - Presidente do Instituto Ayrton SennaWalter Torre Júnior - Presidente da WTORRE S.A.Zilda Arns - Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa

Conselheiros – GovernoMinistra de Estado Chefe da Casa CivilMinistro de Estado Chefe da Secretaria de Relações InstitucionaisMinistro de Estado Chefe da Secretaria-GeralMinistro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança InstitucionalMinistro de Estado da FazendaMinistro de Estado da Pesca e Aquicultura Ministro de Estado da Secretaria de Assuntos EstratégicosMinistro de Estado das Relações ExterioresMinistro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ExteriorMinistro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à FomeMinistro de Estado do Meio AmbienteMinistro de Estado do Planejamento, Orçamento e GestãoMinistro de Estado do Trabalho e EmpregoMinistro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 7\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

PrefácioO Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES da Presidência da República vem, ao longo

dos anos, realizando estudos e debates sobre o tema do desenvolvimento do Brasil. Estas refl exões fazem parte do trabalho cotidiano do CDES que, ao ser criado pelo Presidente Lula como uma instância de assessoramento à Presidência da República, tomou para si a tarefa de pensar de maneira sistemática e organizada o melhor modelo de desenvolvimento para o País.

Apesar dos vários documentos publicados sobre o tema, com destaque para a Agenda Nacional de Desenvol-vimento – AND e os Enunciados Estratégicos para o Desenvolvimento, os conselheiros e conselheiras do CDES sempre souberam que este é um tema dinâmico e complexo, com vários eixos estruturantes em constante interação com a conjuntura política e econômica nacional e internacional.

Foi por isso que, ao longo dos anos, alguns eventos marcaram a produção do Conselho em relação a este tema. O primeiro momento foi a realização, em 2004, da Mesa-Redonda “Diálogo Social: Alavanca para o Desenvolvi-mento”. Na ocasião, representantes de conselhos econômicos e sociais de outros países se juntaram aos conselheiros e conselheiras do CDES e aos Ministros de Estado para fazer um primeiro grande debate sobre o tema. A abertura do evento, em um momento marcante para o Conselho, foi feita pelo economista e professor Celso Furtado, que concedeu ao então Ministro Jaques Wagner uma entrevista histórica em que colocou a importância do tema do desenvolvimento para o futuro de uma Nação. Tomo aqui a liberdade de citar suas palavras, que foram sempre um guia para o Conselho em sua empreitada: “Crescer sem desenvolvimento produz concentração de renda. E concen-tração de renda é antissocial por defi nição”, e por fi m, alertou: “o desenvolvimento é o resultado de um desejo da sociedade, uma construção fruto da vontade coletiva de uma nação”.

Passado pouco mais de um ano de intenso trabalho de elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento, o Conselho concluiu que era hora de alargar o debate sobre o assunto, tendo como base para os debates a AND. Para o CDES, a relevância da Agenda está tanto no conteúdo, que traça objetivos estratégicos e diretrizes para o País, quanto pelo fato de resultar de consensos obtidos em um grupo de conselheiros cuja característica é a hete-rogeneidade de sua composição, que inclui grandes empresários, lideranças sindicais, personalidades da academia, lideranças sociais, formando um mosaico fi dedigno da sociedade brasileira.

Foi então realizado o “Seminário sobre Desenvolvimento: Agenda Nacional de Desenvolvimento em debate” em março de 2006, reunindo especialistas como a professora Maria da Conceição Tavares, o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, o ex-ministro Delfi m Netto, além de economistas internacionais de grande relevância, como Jan Kregel e Ha-Joon Chang. O debate de alto nível sobre o conteúdo da agenda de desenvolvimento apontou caminhos para a continuidade dos trabalhos do CDES.

Em março do ano passado, diante de uma complicada conjuntura causada pela grande crise econômica inter-nacional, o CDES promoveu um Seminário Internacional sobre Desenvolvimento e reuniu especialistas como a professora Maria da Conceiçao Tavares, Otaviano Canuto (BID), Paulo Nogueira Batista Jr (FMI), Rogério Studart (BIRD), o professor James Galbraith, o economista Ignacy Sachs, o professor de ciências sociais Jorge Bernstein (Argentina), Gerardo Caetano (Observatório Político do Uruguai), o economista Robert Guttman, entre outras personalidades. No debate, fi cou claro que o Brasil é um dos poucos países do mundo que reúne condições para sentir de forma mais amena os impactos da crise e liderar o processo de superação da crise econômica mundial.

Para possibilitar aos leitores uma visão sistêmica do debate sobre o desenvolvimento promovido pelo CDES, reunimos neste documento os anais de cada um destes eventos. A idéia é contribuir para que o debate sobre o de-senvolvimento continue a ser disseminado na sociedade brasileira e que, a partir disso, continuemos a ter clareza sobre como avançar no caminho do desenvolvimento com sustentabilidade, distribuição de renda e inclusão social, e respeito ao ambiente.

Alexandre Padilha

Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Parte IMesa-Redonda:Diálogo social,

alavanca para o desenvolvimento

(2004)

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 11\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Mesa-Redonda: Diálogo social, alavanca para o desenvolvimento (2004)

“Estamos a apenas dezenove meses nessa viagem em busca de um Brasil novo que pulsa dentro desta Nação materialmente tolhida e espiritualmente inferioriza-da que herdamos, e que, felizmente, já está mudando...

Talvez seja esta a primeira grande oportunidade de respirarmos um pouco do ar saudável do futuro, testando limites e sondando o horizonte além da neblina espessa que prendia o Brasil a um passado de impossibilidades.

O desenvolvimento se constrói a partir de consensos. E o Conselho tem sido um espaço fundamental para que façamos isso. (Por isso) faço um chamamento a este Conselho, um chamamento aos trabalhadores e um chamamento à nação brasileira.

Faço-o por acreditar, sinceramente, que o grande tema do desenvolvimento, que se recoloca de modo muito mais concreto a partir de agora, não deve se esgo-tar nos limites do debate técnico.

Trata-se, sobretudo, de construirmos um novo consenso estratégico nacional. Falo de um entendimento muito bem negociado, de longa duração, para assegurar que as oportunidades que se abrem para o Brasil não sejam perdidas. Um enten-dimento que incorpore a grandeza do desafi o histórico que está sendo colocado diante de nossa geração.

Para alcançá-lo, é necessário cada vez mais convergência, baseada em diagnós-tico que não desperdice as conquistas do passado, mas, tampouco, abdique das possibilidades abertas e, principalmente, atenda cada vez mais os clamores do nos-so povo, sufocado ao longo da história do Brasil.(...) O nosso compromisso histó-rico é chegar a um porto seguro que abrigue com dignidade todo o povo brasileiro.

... Creio que temos um consenso básico na sociedade, de que é preciso construir o presente e o futuro do Brasil respeitando os nossos valores fundamentais..” .

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 8ª Reunião Plenária do CDES, em 04/08/2004

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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 13\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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ApresentaçãoO Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES realizou, no dia 5 de agosto de 2004, a Mesa-

Redonda ”Diálogo Social, Alavanca para o Desenvolvimento”. Esse momento foi um marco no processo de mobi-lização pelo desenvolvimento empreendido pela Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - SEDES.

O Professor Celso Furtado reconhecido mundialmente como um dos principais economistas e pensadores so-ciais por sua vasta obra e pelo tratamento pioneiro das questões relativas ao desenvolvimento econômico e social, foi homenageado.Para gravar seu depoimento, fui à residência do ex-ministro do Planejamento, em Copacabana, rio de Janeiro, sorver diretamente da fonte suas experiências e ensinamentos. A conversa gravada em vídeo foi exibida na abertura dos debates da Mesa-Redonda sobre a Agenda nacional de Desenvolvimento, em construção pelo CDES.

Furtado chama a atenção para a necessidade de se pensar o Brasil politicamente. Recomenda metas mais ambi-ciosas de crescimento, calcadas no planejamento estatal, e reafi rma a importância de se incluir a questão social na abordagem dos problemas, reconhecendo que, na época, em que foi ministro do Planejamento estava mais preo-cupado com o crescimento e não com o desenvolvimento. Para Celso Furtado, a criação de emprego tem de ser o objetivo principal de qualquer governo.

“É preciso distinguir crescimento de desenvolvimento. Crescer sem desenvolvimento produz concentração de renda. E concentração de renda é anti-social por defi nição”, transmitiu Furtado. Explicou que a diferença entre os dois conceitos é que, o crescimento da economia de um país é medido essencialmente pelos indicadores econômi-cos, enquanto o desenvolvimento pressupõe o avanço dos indicadores sociais. A economia pode crescer bastante, com pouco ou quase nenhum desenvolvimento.

Participaram do debate os conselheiros do CDES e membros de Conselhos Econômicos de outros países, Mi-nistros de Estado e seus assessores e estudiosos e especialistas do tema.

Durante o debate, fi cou claro que o País precisa mobilizar sua capacidade de planejamento em um projeto de desenvolvimento que tenha foco na geração de emprego, renda e ocupação remunerada. Empregos que criem ri-queza e tenham impacto na produção. O Estado não pode renunciar à condução política desse projeto, e para que isto aconteça de maneira efi ciente, é necessário um verdadeiro exercício de democracia para que a vontade coletiva se expresse. E é essa a missão do CDES.

Este documento é a primeira parte de um esforço do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de ampliar o debate sobre a Agenda Nacional de Desenvolvimento para além das fronteiras do CDES, e que culminará com a realização da Conferência Nacional de Desenvolvimento.

Para que esta Agenda pudesse começar a ser construída foi necessário, entre outras coisas, ter em mente o que é Desenvolvimento. Que objetivos deve um País ter para se desenvolver, quais são as variáveis envolvidas neste processo? Como vocês terão oportunidade de ver, o debate promovido pela Mesa Redonda foi muito rico para se responder a estas perguntas.

Entendemos que a força de uma agenda de desenvolvimento está justamente no seu processo de construção, no diálogo social democrático que precede sua elaboração e na sua apropriação pelos atores sociais. A pactuação de um projeto nacional de desenvolvimento em um país democrático será sempre o resultado de um grande acordo que exprima os valores e princípios, as visões, os desejos e os interesses comuns aos atores sociais de uma determi-nada sociedade. Uma agenda de desenvolvimento deve expressar o máximo consenso social possível, em uma certa circunstância, em um tempo defi nido e deve ser permanentemente atualizada, quando levada à prática.

A Agenda Nacional de Desenvolvimento em elaboração pelo CDES é um conjunto de diretrizes estratégicas orientadoras das ações de todos os atores sociais empenhados em combater as situações que nos impedem de ser-mos o País que gostaríamos de ser. A agenda aponta o destino desejado, indica o que deve ser superado, estabelece os valores que selecionam e dão consistência às escolhas a serem feitas ao longo do percurso para que os objetivos sejam alcançados. A agenda assinala o rumo a ser seguido, estabelecendo os compromissos a serem assumidos por todos os que se dispuserem a caminhar juntos em busca do destino comum. Por isso também a Agenda é dinâmica, se ajusta aos tempos, incorpora novos compromissos. Enfi m, é uma proposta de empreender a construção de um novo país.

Sabemos que um projeto nacional não elimina confl itos, não suprime o embate entre interesses legítimos. Se-quer assegura que todos ganhem ao mesmo tempo. É um acordo que sanciona ganhos e perdas ao longo do tempo, com vistas a que todos se benefi ciem em um prazo mais dilatado. Estabelece as bases e como devem ser aplicados os esforços e recursos detidos por todos os pactuantes, objetivando a realização dos interesses comuns, à construção daquelas características de país que foram objeto de consenso. O que não foi contemplado no projeto pactuado

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES14 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

continuará em disputa ou poderá vir a ser incorporado em sucessivas concertações. Este não é um processo que se encerra, tampouco um projeto com prazo fi nito.

Sabemos também que existe um outro Brasil se fazendo na solidariedade, na tomada de consciência dos graves problemas, na criatividade e na inovação, na disposição para conversar com o outro e ouvir os seus argumentos, na soldagem de interesses diferentes em prol de algo comum, no agrupamento de vontades para coletivamente produ-zir o novo. Soma-se a isso um governo democrático, com interlocução sincera com a sociedade e empenhado em ajudar a construir um Brasil de todos, com um governante sensível e que busca responder aos desafi os que estão postos.

Isto não é pouco e pode ajudar muito. Se o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, juntamente com o governo e os demais atores sociais comprometidos for capaz de estimular e coordenar as vontades coletivas, serão grandes as chances de conseguirmos.

Com esta publicação pretendemos estimulá-los a caminhar conosco nesta empreitada para que o Brasil possa se tornar uma Nação desenvolvida, socialmente inclusiva, com crescimento econômico sustentado e sustentável, sempre tendo em mente as palavras do saudoso Celso Furtado: “o desenvolvimento é o resultado de um desejo da sociedade, uma construção fruto da vontade coletiva de uma nação”.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 15\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Abertura

Jaques Wagner Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES

Agradeço a presença dos conselheiros e conselheiras, dos representantes de diversos ministérios e órgãos do Governo Federal, da sociedade civil, de parlamentares. Esta Mesa Redonda faz parte do esforço que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) vem fazendo, desde fevereiro, para construir uma Agenda Nacional de Desenvolvimento. É um esforço que se soma a um outro, coordenado pelo Núcleo de As-suntos Estratégicos da Presidência da República, que é o Projeto Brasil em Três Tempos. Ambas as iniciativas têm como objetivo fazer com que a sociedade brasileira e o governo tenham uma visão de médio e longo prazo do Brasil que queremos construir. São dois esforços e, nos dois, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social participa promovendo o diálogo com a sociedade.

Esta Mesa-Redonda será dividida em duas partes. Pela manhã, teremos a exposição e o debate sobre o estilo de desenvolvimento que queremos para o Brasil e, à tarde, inclusive com a presença de amigos e amigas de fora do País, vamos discutir a metodologia de construção do diálogo social voltado para o desenvolvimen-to. Contaremos com a presença da Dra. Maria João Rodrigues, Assessora da Presidência da União Européia, que trabalhou muito com a questão do diálogo social para que se chegasse ao Consenso de Lisboa; de Roger Briesch, Presidente do Conselho Econômico Europeu, e do companheiro Julian Arizza, Vice-presidente do Conselho Econômico e Social Espanhol.

Era nossa vontade que nesta primeira mesa tivéssemos a presença do professor Celso Furtado, grande economista, grande planejador e um dos criadores da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). O professor Celso Furtado não teve condições de estar conosco, mas fez questão de contribuir gra-vando um vídeo. Estive com ele em sua casa para colher o seu pensamento e o testemunho daquilo que viveu.

Portanto, vamos primeiro assistir ao vídeo. Antes, no entanto, quero relembrar a proposição feita pelo Presidente Luis Inácio, na UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimen-to), de se construir um Centro do Pensamento para a América Latina que seja batizado com o nome de Celso Furtado. Esta é mais uma homenagem que fazemos a uma figura tão importante da inteligência nacional.

Esta Mesa-Redonda faz parte do esforço de construção pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico Social de uma Agenda Nacional de Desenvolvimento, articulada com o Projeto Brasil em Três Tempos, co-ordenado pelo NAE (Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), pela Casa Civil e pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

O painel da manhã dedicou-se aos aspectos de conteúdo e o da tarde aos aspectos metodológicos, ambos abordando a importância do diálogo social, da pactuação com a sociedade para o processo de desenvolvimen-to. É crença do presidente Lula que nós não realizaremos a missão que a sociedade brasileira nos conferiu se não a fizermos em parceria, em cumplicidade com o conjunto da sociedade civil. É este o nosso propósito.

Nesta Mesa-Redonda vamos trocar idéias, debater para que nós do CDES possamos nos apropriar da in-teligência e da sabedoria coletiva, sem o estabelecimento das falsas dicotomias, que sempre nos atrapalham. Entendo que o equilíbrio entre as partes irá garantir esse crescimento sustentado. Não há crescimento sem economia organizada, não há economia organizada sem crescimento sustentado e desenvolvimento inclusivo. Portanto, para mim, é falsa a tentativa de estabelecer um dogma entre essas duas pernas do mesmo corpo, que é o Brasil desenvolvido que queremos. Faço essa observação porque, muitas vezes, as pessoas tentam, no lugar de buscar a síntese, aprofundar as falsas dicotomias. Esse é o pior caminho que uma sociedade pode escolher.

Quando fui líder do PT na Câmara dos Deputados em 1995, tivemos o começo do processo de privatização do governo Fernando Henrique e eu dizia que se a decisão estivesse tomada, caberia à sociedade brasileira discutir de que forma ela deveria ser executada para que a privatização acontecesse da melhor forma possível, nos limites da decisão política adotada. Infelizmente, se estabeleceu a dicotomia ”dinossauro e modernos” e eu acho que quem perdeu foi a sociedade brasileira, porque poderia se ter empreendido um esforço, nos li-mites da decisão política tomada, através da eleição presidencial, por meio do qual a sociedade se apropriasse melhor daquela decisão política.

É este o pensamento da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e espero que nós possamos com essa Mesa-Redonda contribuir para um melhor entendimento deste processo. Agradeço a todos que aceitaram o nosso convite: o sindicalista e conselheiro Luis Marinho, da CUT, o empresário e conselheiro Eugênio Staub, o professor da Unicamp e conselheiro Luiz Gonzaga Belluzzo, o professor Luciano Coutinho, da Unicamp, e o economista Ricardo Bielschowsky, da Cepal. Não vou agradecer ao Ministro José

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Dirceu porque ele, como eu, está aqui cumprindo a sua tarefa. A presença do Ministro José Dirceu aqui é a simbo-logia da criação, por decisão do presidente Lula, da Câmara de Política de Desenvolvimento, para construir dentro do Governo a sinergia em torno do desafi o maior do desenvolvimento.

Registro ainda a presença do general Jorge Armando Félix, Ministro-Chefe da Secretaria de Segurança Institu-cional, do Ministro José Fritsch, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, do Embaixador Samuel Pinheiro, representando o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, do Cláudio Langone, Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente.

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Entrevista com o Professor Celso FurtadoUm pouco de história

“Eu fico pensando: o Brasil não era assim, havia muito mais harmonia entre as pessoas, entre os grupos sociais. Hoje, temos um conjunto de dificuldades para governar que não eram conhecidas no passado. Mas agora, vendo de fora, sem estar no governo, sinto o seguinte: existe no Brasil uma espécie de ojeriza, de repúdio a pensar sistematicamente as coisas, a ter pensamento globalizante. A hegemonia do pensamento econômico neoclássico/neoliberal acabou com a possibilidade de pensarmos um projeto nacional; de planejamento governamental, então, nem se fala.

Em um país como o nosso, que tem um trabalho de construção estrutural a fazer, é necessário uma visão global das coisas. Aprendi a fazer isso com a escola holandesa, foi Tinbergen que compreendeu que para reconstruir o capitalismo, para salvar o capitalismo, era necessário um bom planejamento. Esse planejamento, esta ambiciosa visão global das coisas, esse pensar holístico, foi o que permitiu a nossa vitória nas Nações Unidas, a permanência e o sucesso da Cepal.

O Brasil é um país com vocação diversificada porque tem uma sociedade muito heterogênea. Ele precisa realmente partir para uma verdadeira reconstrução, de se pensar de novo.

Ao iniciarmos os primeiros estudos sobre o desenvolvimento, o Brasil era o quarto país na América Latina em termos de renda per capita, quando todo mundo imaginava que ia ser o primeiro, porque tinha o maior território, a maior população, o maior mercado potencial. Portanto, deveria ter a liderança.

Mas, o que diziam os conservadores? “O Brasil é um país que não tem líderes, não tem capacidade de autogoverno, não tira proveito de suas potencialidades”. Então nós saímos com a proposta da industrialização, com um projeto nacional de desenvolvimento.

Em 1950, o Brasil estava muito atrás da Argentina, era mais atrasado que o Chile, e muito atrás do México. E quando terminaram os dez anos de trabalho com persistência nessa luta pela industrialização, o Brasil estava em primeiro lugar como economia, na região latinoamericana.

Uma transformação completa. O Brasil mudou a sua ótica no segundo governo Vargas, que construiu Volta Redonda, que partiu para implantar a Petrobrás, que fez todas essas obras de infra-estrutura, que se lançou nesta direção e tirou o país lá de baixo e o levou a ser líder na industrialização da América Latina. E esse era o caminho.

Planejamento e Governo

Agora, não se aceita mais isso. O domínio do classicismo econômico criou uma visão completamente diferente - a economia feito empresa. Mas para mim, o que preza é a política. Esta coisa microeconômica, então, é um disparate completo, mas é a doutrina que prevalece no mundo e que prevalece no Brasil. Não espero que haja o milagre da superação desse pensamento pequeno, pois hoje em dia não tem ninguém que lidere essa luta ideológica. Todo mundo foge desta confrontação ideológica.

Planejar o presente e o futuro do país passou a ser coisa do passado. Como você pode dirigir uma sociedade sem saber para onde vai? O mercado é que decide tudo. O país passou a ser visto como uma empresa. Isso é um absurdo.

A coisa mais importante para o governo de um país são os homens que você vai governar, é a massa da população, não são abstrações. Portanto, é preciso colocar o social à frente de tudo. Quando quem lidera é a microeconomia, tudo fi ca diferente, e o governo não tem responsabilidade nenhuma, é o mercado quem decide.

Este processo se inicia pela renuncia à política. A política passa a não ter nada a ver com a economia, separam uma coisa de outra e isto leva à situação que nós temos hoje, onde um importante instrumento para governar - a política monetária - não é mais seu, foi alienado, entregue para a banca internacional. Os bancos centrais passam a ser respeitáveis porque são dirigidos pelos que são de fora dos governos, de fora da política.

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O Brasil é um caso típico de um país com enorme potencial de desenvolvimento e fica andando de lado, crescendo uns 2% ao ano. Sou de uma geração que viu, durante trinta anos, o Brasil crescer a 5%, 6%, 7%, 8%, ao ano. Quando coordenei o Plano Trienal, coloquei como meta 7% de crescimento anual do PIB, achando que era algo modesto, pois queria ir mais rápido e mais longe. O debate entre nós era esse: sempre exigir mais; o Brasil tem potencial; o Brasil acumulou muito atraso, e esse atraso se deveu à falta de política, nunca à falta de bons gerentes, bons advogados. O que faltou foi política. Hoje, ignora-se a política, a macroeconomia é usada para suavizar o mercado. Isso é muito grave, porque a sociedade renuncia a se governar e delega isto a uma abstração, o mercado.

Se existisse somente uma intervenção positiva, seria a intervenção do Estado no sentido de aumentar os investimentos, de forçar a sociedade a investir mais. O desenvolvimento é uma construção da sociedade, mas é preciso que ela tenha vontade de fazê-lo.

Crescimento econômico e desenvolvimento

A distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento é uma questão que muito me apaixona. Fui quem primeiro formalizou este problema, o que significa crescimento e o que significa desenvolvimento, mostrando que quando se fala desenvolvimento se introduziu o social e o político. Não se fala de desenvolvimento senão a partir do social, ao passo que se fala de crescimento econômico a partir dos agregados estatísticos: PIB; renda nacional; exportações. Não precisa do social. Você pode ter crescimento econômico bastante forte, como o Brasil teve durante 30 anos seguidos, com crescimento de 7% ao ano, um crescimento extraordinário, com pouco desenvolvimento, desenvolvimento quase nulo, porque o sistema, a estrutura do sistema, não favorecia a abordagem dos problemas sociais.

Continuo convencido que o ponto certo para dar partida a uma política de governo é distinguir desenvolvimento do crescimento. Não estar contra o crescimento, pois ele é essencial também, mas saber que você pode ter crescimento sem desenvolvimento. É possível ter esse crescimento forte de 7% ao ano que o Brasil conheceu, sem ter repercussão na estrutura social, pelo contrário, gerando concentração de renda e riqueza.

Isto aconteceu porque prevaleciam os interesses dos grandes centros capitalistas. Era o caminho para concentrar renda, criar os mercados para os supérfluos, portanto, isto favorecia os interesses de certos setores da sociedade privilegiada. O Brasil, durante 30 anos, foi o país que mais cresceu no mundo e ao mesmo tempo foi o que mais concentrou renda. Por isso, a orientação deve ser a seguinte: se não avança na criação de emprego e na distribuição de renda, estamos andando para trás.

Getulio Vargas considerou dar um aumento de 100% ao salário mínimo. Foi uma briga tremenda: onde vamos parar; a inflação vai disparar etc. Não aconteceu nada, a não ser a massa assalariada viver melhor. O que aconteceu foi o país ficar melhor. O aumento do salário mínimo deu um forte impulso ao crescimento, pois com uma antecipação do mercado dessa ordem, todo mundo planejou investimentos, o que estimulou mais investimentos, isto foi positivo. O que importa é criar empregos, distribuir renda e, em simultâneo, estimular o desenvolvimento.

Desenvolvimento quer dizer avanço no social.

A grande dificuldade quando se sai com uma política de crescimento improvisada é exatamente o combate à inflação. O governo teria que simultaneamente ter uma política de crescimento de demanda e uma de crescimento da oferta. Mas o crescimento de oferta precisa de mais tempo. Exige planejamento de qualidade, sofisticado. O planejamento é uma coisa que abre possibilidades de equilíbrio dinâmico, de equilíbrio para o futuro.

O estilo de desenvolvimento que interesse ao conjunto da sociedade brasileira

A recente experiência brasileira dá a impressão de que se tomou a direção errada, de que se cometeu um grande pecado. O Brasil exagerou no esforço para restabelecer o equilíbrio comercial, superávits na balança comercial, e pagou um preço muito alto, pagou o preço do desemprego. Houve uma transição muito séria. A verdade é que se saiu de uma situação de déficit na balança de pagamento para uma de superávit, uma coisa

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fantástica. Mas eu diria que se levou longe demais o esforço e se pagou por isso, em grande parte, com o desemprego. A ultima batalha a perder é a do emprego...

Não faz sentido, à primeira vista, criar emprego se isto não tem nenhum efeito sobre a oferta, são empregos não sustentáveis. Frentes de trabalho geram trabalho artificial, que não produz nada e que custa para a sociedade. Este é um caminho errado. Devem ser criados empregos que criem riqueza, que incidam na produção. Para isto, é preciso ter planejamento porque uma coisa compensa a outra, senão acaba criando pressão inflacionária. A coisa mais fácil do mundo para desequilibrar o balanço de pagamento é fazer crescer as importações, aumentando a oferta interna e, portanto, combatendo a inflação. Isto é o que se faz normalmente, se privilegia a visão anti-inflação. Mas se a gente não olha simultaneamente o outro lado, a política é suicida.

A chegada de Lula ao governo deixou muita gente desorientada. De Lula se esperava muita mudança e, no entanto, ele firmou uma linha econômica tradicional e muito rigorosa. Desorientou, mas teve conseqüências positivas, porque daquele enorme medo se passou, de repente, para tudo estar muito bem. Por outro lado, o novo clima instaurado desarmou a possibilidade de uma política alternativa. De alguma maneira nós, que estávamos fora do governo, pensávamos que a ortodoxia seria temporária, de alguma forma acho que é o que Lula pensava: seis meses de ortodoxia como uma transição.

Todavia, não se pode admitir uma transição que dure seis anos. A primeira leitura que fazemos é que o Governo está sendo arrastado por uma inércia, o que não é bom para o País. Hoje em dia você fala com o pessoal do business, com o pessoal do mundo do negócio e todos estão convencidos que esta é uma política definitiva, que não há alternativa, não há espaço para mudar. Que já se andou tanto no sentido de se ver as vantagens dessa condição que não se pode mais mudar. Será grave se estivermos mesmo amarrados a essa trajetória. Digo isto como uma reflexão para o Presidente Lula... .

Para sair de uma situação como a que vivemos é necessário ter uma política global que explicite as coisas, que abra o jogo, diga em que direção nós vamos para criar confiança no futuro. Sem essa confiança no futuro não se consegue criar, investir, inovar e fazer coisas sólidas. Fica tudo muito tímido...

A estratégia que conduz a esse desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade é a do que chamei de desenvolvimento autêntico. É desenvolvimento quando o crescimento cria emprego, distribui a renda, melhora o perfil da estrutura social. Teria que abranger amplamente essa área de modificação qualitativa da oferta de fatores. Há uma discrepância muito grande, no Brasil de hoje, entre potencialidades e efetividades ou realizações, pois muitos recursos não são usados. Somos uma economia que tem uma enorme capacidade potencial de oferta e uma enorme demanda reprimida. Para sair dessa enrascada tem que ter o Estado articulado com a classe empresarial. Com planos de obras públicas, de investimentos e o empresariado disposto a aceitar riscos. Mas nesse caso é pouca economia e muita coragem política...

Mando a seguinte mensagem para os participantes da Mesa-Redonda “Diálogo Social, uma Alavanca para o Desenvolvimento”: é preciso guardar fé e confiança no Brasil, é preciso ser otimista. Talvez muitas pessoas na platéia estejam a pensar que a situação presente seja definitiva. Ela não é. O Brasil tem enormes possibilidades, tem uma sociedade muito maleável e que aceita muitos sacrifícios. Por isso, em primeiro lugar deve estar a confiança no Brasil. Em segundo, privilegiemos o social como a variável mais importante. Temos que fazer política séria, estabelecer compromissos e assumi-los para que o futuro, no Brasil, seja o que nós queremos. É isso que falta hoje em dia...

Temos que ter coragem política. Coragem política é um fenômeno social que decorre do estado da sociedade. Ter coragem política na ditadura é uma coisa. Outra, muito diferente, é ter coragem política na complexa e instável realidade em que vivemos. Considero fundamental que a coragem política seja posta a serviço das autênticas causas do povo brasileiro.

Um abraço para todos os participantes.

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I Painel: Como empreender o desenvolvimento que interessa ao conjunto

da sociedade brasileira?Qual o estilo de desenvolvimento que interessa ao conjunto da nossa sociedade?Quais os requisitos desse estilo de desenvolvimento?Qual estratégia conduz ao desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade?

Expositores:1. José Dirceu - Ministro-Chefe da Casa Civil2. Ricardo Bielschowsky - Ofi cial de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para América Latina e

Caribe (CEPAL)3. Luciano Coutinho - Professor Doutor em Economia da Unicamp4. Luiz Marinho - Conselheiro do CDES5. Eugênio Staub - Conselheiro do CDES6. Luiz Gonzaga Belluzzo - Conselheiro do CDES

José DirceuMinistro-Chefe da Casa Civil

Acredito que a primeira condição para o desenvolvimento é a vontade política de uma coalizão, uma coalizão político-social, políticoparlamentar, e de um governo. Em outras palavras, o desenvolvimento depende de uma aliança e de um pacto político, num determinado momento histórico, numa sociedade. Foi o que aconteceu, no meu entendimento, com a eleição do presidente Lula, com o programa e com a proposta de aliança que fi zemos nas eleições de 2002. Um projeto de desenvolvimento signifi ca, também, apoio na sociedade e, particularmente, no Parlamento. Isso signifi ca uma reorganização do Estado, da sua capacidade de planejamento e dos seus instrumentos de governo para realizar um projeto de desenvolvimento nacional.

Sem um projeto de desenvolvimento nacional, sem uma aliança político-social entre as classes populares e o empresariado nacional, não haverá desenvolvimento no Brasil. Sem uma reafi rmação do Brasil como um país soberano e independente também não haverá desenvolvimento. E sem pensar a América do Sul também não haverá, para o Brasil, um projeto de desenvolvimento. O Brasil não pode pensar o seu projeto de desenvolvimento sem pensar a América do Sul e a América Latina, sem pensar o seu hábitat natural, seu destino natural, e, para fazê-lo, precisa ter uma política externa que corresponda a esse projeto de desenvolvimento nacional.

Um projeto de desenvolvimento nacional tem como desdobramento o exercício do poder nacional - o exercício desse poder nacional tem de se expressar, também, numa mobilização política nacional. Não há possibilidade de um projeto de desenvolvimento nacional sem a adesão da sociedade, sem uma mobilização política nacional. Não basta que haja idéias, propostas e programas, é preciso que haja participação popular, empresarial, política, enfi m, da sociedade como um todo, num projeto de desenvolvimento nacional.

E não há projeto de desenvolvimento nacional sem uma expressão de poder políticomilitar. Um país que deseje se fazer respeitar no mundo de hoje, além de ser uma nação justa “onde o povo, que é seu principal capital, seu principal patrimônio, esteja integrado no desenvolvimento”, precisa ter força econômica, tecnológica e militar. Sem isso, nós estamos jogando palavras ao vento e o Brasil precisa tomar isso ao pé da letra, porque o mundo em que nós vivemos é um mundo de confl itos, de disputa de interesses, de hegemonias unilaterais. È um mundo desigual, um mundo desigual também do ponto de vista do poder político mundial, das instituições políticas mundiais, sejam elas políticas ou comerciais, ou qualquer tipo de instituição política que as Nações Unidas hoje abarcam.

Nós acreditamos que o Brasil, no hemisfério sul, é o país com mais condições para o desenvolvimento, pelo que alcançamos, pela herança que recebemos dos nossos antepassados. Somos mais do que um povo e uma nação, somos uma civilização dos trópicos - e quero repetir que o nosso maior patrimônio é a nossa cultura, o nosso povo e a herança que recebemos: um país industrializado, porque o Brasil é um país industrializado, um país com capacidade de desenvolvimento científi co-tecnológico, um país que tem uma das agroindústrias mais modernas do

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mundo, um país que tem indústria pesada (são poucas as nações e os países que a têm) e um país que já possui um grande mercado interno e uma infra-estrutura moderna em alguns setores e facilmente modernizável, em poucos anos, em outros setores.

Mas o Brasil é um país que tem profundas desigualdades sociais, uma parcela importante de seu povo é excluída, tem problemas gravíssimos do ponto de vista econômico. Particularmente, temos uma herança de infra-estrutura estrangulada, principalmente na área de transportes, e temos um endividamento grave do Estado, inclusive pela taxa de juro. E, o que faz esse endividamento mais grave ainda, há um passivo externo que temos que administrar: pagar juros, royalties e dividendos sobre esse passivo, sejam os investimentos feitos no país, seja a dívida privada ou pública. E temos a herança de um Estado desorganizado, sem capacidade de planejamento, sem capacidade de gestão.

É preciso, como nós estamos fazendo, que se retome um projeto de desenvolvimento nacional, que se retome a capacidade de planejamento do Estado e que se reorganize a máquina administrativa a partir dos objetivos do projeto de desenvolvimento nacional. É preciso recapacitar o Estado para fazer investimentos. O Estado brasileiro tem que investir, no mínimo, 3% do Produto Interno Bruto, o que signifi caria, hoje, R$ 45 bilhões – mal conseguimos investir 0,75% do PIB.

Mas, investir em quê? Em primeiro lugar, quando falo de projeto de desenvolvimento nacional, falo de uma aliança político-empresarial, popular-empresarial, falo de um país aberto ao investimento externo, de um país aberto ao comércio externo, falo de um país que deseja se integrar no mundo, na América do Sul e na América Latina. Por isso a parceria público-privada, o estabelecimento de marcos regulatórios, o estabelecimento de garantias jurídicas - e daí a reforma do Judiciário, daí as legislações de marcos regulatórios e as mudanças legais que estamos fazendo, daí reorganizar uma estrutura que herdamos, talvez uma das heranças mais benéfi cas do Brasil, o sistema fi nanceiro público. Não é pouca coisa um país ter o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia e o Banco do Nordeste, porque isso signifi ca que podemos fi nanciar a iniciativa privada, os investimentos de longo prazo, porque, pelas taxas de juros e pela estrutura do sistema bancário e fi nanceiro, pelos spreads, seria inviável a maioria dos fi nanciamentos e investimentos que estamos fazendo, como na infra-estrutura, a não ser por fi nanciamentos externos, captados no mercado internacional - e as conseqüências disso todos nós conhecemos -, como também os investimentos públicos: fi nanciar o saneamento e a habitação, fi nanciar as obras de infraestrutura, fi nanciar e investir, com recursos do Orçamento, em ciência e tecnologia e em educação.

O País precisa de uma revolução educacional e tecnológica. É inconcebível pensar o desenvolvimento com quatro anos de ensino médio da população brasileira, com as crianças da quarta série não sabendo ler e escrever, com 11 milhões de jovens fora do ensino médio, com a estrutura de ensino técnico e profi ssional que nós temos hoje. Investimento em ciência, tecnologia e educação e investimento em infra-estrutura são as prioridades que o Governo deve ter. Nós temos que equacionar a questão da infra-estrutura do País seja, pela parceria público-privada, seja pelos investimentos privados, seja pelo investimento público.

O Brasil precisa fazer desenvolvimento com inclusão social - inclusão social é emprego, o nome da inclusão social é emprego. Transferência de renda é combate à pobreza e à miséria, ação de emergência. Educação e saúde são políticas públicas e sociais. Mas o nome da inclusão social é emprego. Nós temos que levar em conta que somos um país e temos, talvez, um segundo patrimônio, que é o meio ambiente, a natureza. E o desenvolvimento tem que se compatibilizar com a preservação do meio ambiente e da natureza, sem os fundamentalismos que inviabilizam os investimentos na infra-estrutura.

O País tem profundas diferenças regionais - e não subestimemos isso, faz parte da nossa história e da nossa cultura. Nós temos que fazer um desenvolvimento que reduza as desigualdades regionais. Não é concebível o desenvolvimento que aprofunde a desigualdade do Nordeste em relação às regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, até porque o Centro-Oeste vai alcançar o Sul e Sudeste proximamente. O Norte e o Nordeste do País têm que ter políticas diferenciadas e essas políticas têm nome e têm custos, o País tem que assumir isso, senão nós teremos graves problemas. Da mesma forma, o desenvolvimento tem que resolver o problema da miséria e da pobreza, o desenvolvimento também tem que resolver o problema da desigualdade social.

Portanto, acredito que o Brasil tem nesse momento uma oportunidade histórica de consolidar um projeto de desenvolvimento nacional, porque tem uma aliança políticoempresarial, político-popular, tem maioria no Congresso, tem um Governo com vontade política de fazê-lo, está reorganizando o aparelho do Estado, retomando o planejamento, tem consciência de que a estabilidade é fundamental, mas a estabilidade com desenvolvimento. O Governo tem o desafi o de compatibilizar as políticas monetárias, as políticas fi scais com o desenvolvimento, com o aumento da poupança privada, com a reforma tributária - que o pais vai ter que continuar fazendo. Nós temos que reduzir no médio prazo a carga tributária, para viabilizar o desenvolvimento do País. Temos que reformar a estrutura tributária, porque ela é regressiva e injusta. Temos que resolver o problema da Previdência, do contrário não solucionaremos a questão do salário mínimo.

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Ao lado das políticas que o Governo vem fazendo - de reforma agrária, de transferência de renda, de microcrédito, de investimento em saneamento e habitação -, o que nós precisamos é criar condições para mais investimento e para que a poupança nacional se desloque do rentista para a produção e para o investimento, porque sem isso também é mera retórica falar em desenvolvimento.

Ricardo BielschowskyOfi cial de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL)

Trago aqui uma mensagem para aqueles que estão elaborando o Brasil em Três Tempos e a Agenda Nacional de Desenvolvimento. Temos que partir do que está acumulado em termos de conhecimento e existe um momento nobre desse acúmulo: o Plano Plurianual 2004/2007. Ele contém umas dez páginas introdutórias onde está desenhado um projeto que integra crescimento e distribuição de renda. Integra todos os elementos fundamentais do quebra-cabeça do desenvolvimento numa peça única e num movimento historicamente viável, que está escrito na lógica do funcionamento da economia brasileira. Aquilo que está apresentado no documento, na sua estratégia de desenvolvimento, inspira-se nas experiências clássicas européias das sociais-democracias avançadas, de amplos mercados internos onde o consumo de massa é favorecido e potencializado por políticas sociais de distribuição de renda e esta é potencializada pelo mercado, pelo emprego criado no mercado de consumo de massa.

Vocês podem perguntar por que estou recorrendo ao texto de apresentação do PPA 2004/2007. Porque de uma forma muito inteligente - considero um avanço em relação aos PPAs anteriores - as quatro mil ações que integram os 374 projetos do PPA (que, por sua vez, respondem a 30 desafi os e às várias dimensões do projeto de desenvolvimento que está ali contido) estão orientadas para uma explicitada estratégia do desenvolvimento de longo prazo. Eu vou tentar traçar algumas pinceladas sobre elas para chamar a atenção da importância de que tudo isso seja considerado na elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento e do Brasil em Três Tempos.

Processo de ElaboraçãoPlano Plurianual 2004/2007

3 Megaprojetos (5 dimensões)

30 Desafios

374 Programas e cerca de 4.300 ações

Estratégia de Desenvolvimento

Os três elementos centrais dessa estratégia são: a dinâmica do consumo de massa, as políticas sociais integradas a essa dinâmica e o fortalecimento da produção doméstica, através de investimentos em inovação e capacidade indutiva para sustentar o crescimento e reduzir a vulnerabilidade externa. A idéia básica da dinâmica de consumo de massa é que os investimentos produtivos elevam a produtividade, através de ampliação de escala e do progresso técnico. E essa produtividade é transmitida aos rendimentos dos trabalhadores. É a idéia do círculo virtuoso onde os investimentos produtivos aumentam a produtividade e dão sustentação à transmissão de renda para as famílias trabalhadoras. Isso amplia o consumo popular que, por sua vez, provoca e estimula os investimentos. Esta é a idéia central.

Aquela primeira setinha, em baixo, é uma avenida, tem um potencial extraordinário, pelo mercado interno que nós temos. Agora não se trata mais, talvez, de estimularmos os setores de líderes, mas sim, de ampliarmos de forma horizontal essa estrutura produtiva que se presta admiravelmente a um consumo de massa. Em todos os momentos em que se aumentou radicalmente a renda do trabalhador, houve um estímulo às empresas modernas. A grande pergunta é: como se faz para construir essa dinâmica de crescimento que está inscrita na lógica de operação da economia brasileira e que, portanto, é viável.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES24 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Aumento de rendimentos das famílias

trabalhadoras

Ampliação do consumo

popular

Aumento de

produtividade

Investimentos

produtivos ?

?

São dois os âmbitos de política para a construção, representados no gráfi co pelos dois pontos de interrogação. O primeiro ponto de interrogação é como se transmite produtividade às famílias dos trabalhadores, tal como ocorreu na França, na Inglaterra, nas experiências social-democratas bem sucedidas. É através de políticas de crescimento rápido e estável, de políticas sociais, e de políticas de concorrência. Tenho uma boa notícia, que é a seguinte - isso ainda está em estudo, não é nada acabado: reunindo trabalhos de algumas universidades podemos traçar as curvas de demanda e a demanda por mão-de-obra, usando aqui a idéia do Ministro José Dirceu e do Celso Furtado de que a verdadeira inclusão social se dá pelo trabalho. O mercado de trabalho favorável ao trabalhador é aquele onde escasseia a mão-de-obra. E existe uma convergência potencial, se mantivermos o crescimento entre 4% e 5% ao ano, convergência entre oferta e demanda de mão-de-obra; isto permitirá, efetivamente, que se dê no mercado de trabalho uma transmissão de produtividade ao salário.

Mas não basta fi carmos dependendo disso, porque sabemos que o crescimento traz progresso técnico, que é desempregador de mão-de-obra. Temos que garantir esse escasseamento no mercado de trabalho através de outros mecanismos e é aí que todas as políticas sociais são convergentes à dinâmica de consumo de massa.

A reforma agrária e a agricultura familiar criam emprego. Reduzem, dessa maneira, a pressão sobre o mercado de trabalho. A Bolsa-Família reduz a oferta de mão-de-obra, ao exigir a freqüência escolar e transferir renda. A universalização de assistência aos idosos e o acesso à previdência rural também reduzem a oferta e tornam disponível renda às famílias. E há as políticas que correspondem às formas clássicas de emprego, inclusive salário mínimo com valores reais recuperados, e de rendas indiretas: moradia, saneamento e transporte, educação, saúde etc. Tudo isso é convergente e necessário. São elementos necessários para a dinâmica de crescimento que estão inscritos na lógica de operação da economia.

Para não deixar uma má impressão, quero insistir no seguinte: o objetivo fundamental das políticas sociais, evidentemente, é a justiça social. Mas há, também, objetivos associados ao crescimento, não só pelo aumento da

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efi ciência da força de trabalho, mas porque as políticas sociais terminam por fortalecer um mecanismo muito alvissareiro de crescimento, pelo mercado interno. Isto também favorece as exportações, porque ao aumentar a produtividade, pela ampliação das escalas de produção doméstica, nós estamos ganhando competitividade, ampliando mais a escala, através de exportações.

Vamos agora ao segundo ponto de interrogação, a questão dos investimentos, que não é uma coisa nada pequena, e que nada tem de trivial. A propensão em investir nas economias latino-americanas em geral e, talvez, muito particularmente, na economia brasileira, está bastante debilitada. Estamos longe daquele período onde investíamos vinte e tantos por cento do PIB. A capacidade fi nanceira do setor público está esgotada e as condições institucionais para o investimento do setor privado ainda estão sendo gradualmente montadas, faltando muito para que possam operar a contento.

Estou falando, evidentemente, de políticas, de instrumentos ativos de investimento, tanto em capacidade produtiva quanto em inovação, em progresso técnico e em todos os âmbitos. Não só na indústria, mas na agricultura, nos serviços, na cultura etc. É fundamental uma política articulada, coordenada, para mobilizar o País nessa direção. Há um grande ponto de interrogação sobre como efetivamente se conseguir que essa engrenagem do consumo de massa funcione.

Em função do tempo escasso de apresentação, fi z uma listinha de elementos que deveriam ser considerados. Consolidar o equilíbrio macro, ampliar a oferta de crédito interno de longo prazo a custos adequados. É preciso coordenar e impulsionar o investimento em capacidade produtiva, em conhecimento e inovação. Temos aí esse trabalho importante, a criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a política industrial, tecnológica e de comércio exterior. Todas elas servem para viabilizar, dar sustentabilidade ao crescimento e reduzir a vulnerabilidade externa, por meio da ampliação da capacidade produtiva.

Não menos importante, é preciso coordenar, impulsionar os investimentos em infraestrutura. Ontem mesmo tivemos um pronunciamento da Ministra Dilma Rousseff nos trazendo esperança em relação a seríssima questão da oferta de energia elétrica. Agora depois de havermos resolvido essa parte, é preciso criar uma institucionalidade mais favorável aos investimentos. Fala-se bastante na agenda microeconômica. Ela é importante, mas, evidentemente, ela é apenas parte de um programa muito maior, de uma visão de longo prazo, de transformação muito mais ampla.

É possível, evidentemente, promover a harmonia territorial, tornar a atividade econômica ambientalmente sustentável. Tudo isso faz parte desse ponto de interrogação. Sem políticas adequadas não conseguiremos mover essa lógica de crescimento, esse padrão de crescimento que precisamos para o Brasil. E que é possível. Quando coloco esses círculos (No gráfi co 2), não estou falando da ignição do processo. Aliás, quando o Plano Plurianual se refere à agenda de longo prazo, à estratégia de longo prazo, não está tratando da ignição, está tratando do seguinte: em havendo o crescimento, qual é a modalidade que se deseja, qual é o padrão que se deseja para combinar crescimento com redistribuição de renda? É disso que se está falando.

Termino insistindo no seguinte. Está em curso o Projeto Brasil em Três Tempos, esse importante projeto de conceituação do futuro do País. E também está em curso, neste Conselho, a formulação de uma Agenda Nacional de Desenvolvimento. É preciso levar em consideração o esforço já realizado, que é herdeiro de uma tradição que vem do Celso Furtado e que está inscrito no Plano Plurianual 2004/2007, coordenado pelo Ministro Guido Mantega, enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional e aprovado. Isso já existe, são dez páginas introdutórias ao plano e isso precisa ser considerado no exercício que se vai fazer sobre o futuro daqui para frente.

Luciano CoutinhoProfessor Doutor em Economia da Unicamp

A intervenção do Ministro José Dirceu é irretocável. Creio que ela traduz tudo a que a nossa geração se dedicou e lutou para recuperar as condições de desenvolvimento do País e para dotar o Estado brasileiro da capacidade de retomar um projeto de desenvolvimento. Entretanto, quero ressaltar algumas condicionantes que me parecem críticas. A agenda de desenvolvimento já está bem delineada - o Ricardo Bielschowsky mostrou aqui uma agenda que é a mesma que o Ministro havia apresentado. Creio que há uma premissa ao desenvolvimento que é consolidar as condições de sustentabilidade para o crescimento da economia, condições estas que estão colocadas. As premissas que estão listadas são a demonstração de que o endividamento interno está sob controle, que a dívida é administrável e tem uma trajetória declinante, embora isto custe a sustentação muito onerosa de um superávit primário bastante elevado.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES26 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Premissas da Sustentabilidade

Premissas A – Manutenção da trajetória declinante da relação dívida/PIB B – Robustecimento persistente da posição externa aumento das reservas próprias, aumento da exportação) resulta em melhoria do risco-soberano Superávit fiscal primário e superávit comercial

(suficientemente altos pata A e B) são pilares da sustentabilidade

A segunda premissa é o processo de robustecimento do balanço de pagamentos que começou, mas não se completou. Ainda não alcançamos um estágio sufi ciente de blindagem das nossas contas externas, para que esse grau mínimo de autonomia necessária a um Projeto Nacional de Desenvolvimento se dê. Sem isso, inexistem as condições objetivas que, além de um pacto político, possibilitem a inserção brasileira na economia mundial e permitam que o País possa desfrutar deste grau de autonomia, de conviver com a economia mundial sem ser recorrentemente vitimado por crises. A construção deste processo requer a sustentação de um superávit comercial ainda por um longo período.

Quero listar aqui cinco desafi os que me parecem críticos para se chegar a esse estágio.

O primeiro é um desafi o de curto prazo: que é expandir os investimentos críticos em infra-estrutura. Especialmente, pela ordem, em logística e transportes - que estão seriamente deteriorados, em energia, em saneamento e habitação. O grande desafi o é fazer isso sem comprometer o desempenho fi scal. Isso requer engenharias de funding complexas e nas quais estamos ainda engatinhando.

Criação da Sustentabilidade

Cinco desafios: difíceis, mais possíveis! Expandir inversões em infra-estrutura (energia, logística, saneamento/habitação) sem

comprometer a performance fiscal; Expandir a capacidade exportadora e avançar em competitividade e em inovação

tecnológica; Manter a governabilidade e o suporte político; Desenvolver sistema de crédito e financiamento de longo-prazo; Aperfeiçoar o sistema tributário e melhorar o perfil do gasto público.

Segundo desa� o: expandir a capacidade exportadora rapidamente, para sustentar o esforço de crescimento. O agronegócio responde extraordinariamente bem, mas os outros investimentos não respondem. A siderurgia, por exemplo, já está estrangulada, já ameaça até a sustentação do crescimento do complexo automotivo e outros. Há a necessidade de deslanchar investimentos privados e de deslanchar um programa de inovação tecnológica que permita ao País melhorar a sua pauta de exportação, para que possa ter um desempenho de exportação de longo prazo. Desta forma, a política tecnológica e cientifi ca é, também, indispensável nesse esforço.

sTerceiro desa� o: é que nada disso se faz sem o desenvolvimento do crédito e do fi nanciamento de longo prazo. Muito embora o Brasil disponha do privilégio de ter um sistema público de crédito, como o Ministro José Dirceu bem ressaltou, o BNDES, o Banco do Brasil, isto não é sufi ciente para o esforço de poupança e de investimento que o País terá que fazer. Uma agenda não discutida é a de desenvolvimento do crédito, do fi nanciamento, para a qual haverá necessariamente de trazer o setor bancário, o setor fi nanceiro, para um esforço de desenvolvimento nacional. E essa transição, em que o sistema bancário deixa de ser o corretor da dívida pública e passa a ser um fornecedor importante de crédito e formas de fi nanciamento à acumulação de capital, é o quarto desa� o.

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O quinto desa� o: é o de aperfeiçoar o sistema tributário e melhorar o perfi l do gasto público. Melhorar o perfi l do gasto público, mas aperfeiçoar o sistema tributário. A carga tributária brasileira é exageradíssima sobre o sistema formal de produção. É preciso deslocar a carga tributária da produção para a renda. Este é um desafi o, extremamente importante e complexo, a ser enfrentado. Pesa sobre o governo a imensa responsabilidade de sustentar a governabilidade e de garantir o suporte político parlamentar para poder fazer tudo isso.São cinco desafi os difi cílimos, mas acho que eles são possíveis de ser enfrentados. Não vou passar por todos eles.

Criação da Sustentabilidade

Deslanche dos Investimentos Infra-estruturais Recursos fiscais escassos devem alavancar funding de mercado aos projetos consistentes: PPP/project finance + fundos de recebíveis + garantias + crédito (BNDES, Agências

Multilaterais) Projetos privados, mistos, estatais Marcos regulatórios bem definidos, estáveis, com viés pró-investimentos (energia, saneamento, transportes) Regulação isenta, habilitada, independente e transparente Planejamento de longo prazo, redutor de riscos

Sobre a questão dos investimentos infra-estruturais, me parece o seguinte: os recursos fi scais são escassos, eles precisam ser multiplicados. Isso signifi ca que formas inovadoras de estruturar funding sejam encontradas - a aprovação da PPP é urgente e deveria merecer um esforço para ser antecipada, embora, infelizmente, não acredite que ela sozinha seja uma panacéia, ela é um instrumento. Há a técnica de project fi nance que é usual. Existem outras técnicas, mas o importante é somar. Securitização de recebíveis, garantias, tudo visando a mais crédito para multiplicar a capacidade de investimento do setor público em projetos privados, em projetos mistos ou em projetos estatais. O importante é a qualidade dos projetos e sua urgência. Aqui, me parece haver a necessidade de um foco muito delicado para resolver os problemas específi cos e desbloquear essa agenda.

Criação da Sustentabilidade

Expansão da Capacidade Exportadora + Inovação Articulação de Políticas por Cadeias – Integradas

- Competitivas: aumento da capacidade, robustecimento grandes empresa para atuação global, inovação

- Transnacionais: valorização plataforma-Brasil, política ativa de atração de IDE, viés-exportação

- Cadeias PMFs / Desenvolvimento regional = clusters e APLs - Cadeias com deficiência: reestruturações produtiva, tecnológica e de gestão-

governança - Setores da inovação: políticas estruturantes / tecnologia / foco no mercado

No que diz respeito à criação de nova capacidade produtiva, para sustentar o esforço exportador e o esforço inovador, além da alavancagem (o quanto mais rápido possível, das cadeias onde o Brasil é competitivo e precisa aumentar a sua presença internacional), vejo aqui, como um ponto essencial, a necessidade de uma agenda nova com as empresas transnacionais. O Brasil já tem a maior parte das empresas internacionais instaladas aqui, mas a plataforma das transnacionais brasileiras está desvalorizada dentro do sistema global. É preciso uma política de valorização das plataformas brasileiras, para que elas possam exercer um papel ativo de mudança de sinal dentro do sistema internacional. É preciso trazer a contribuição do investimento estrangeiro para esse processo. Quero sublinhar, também, a importância da política regional, a importância da política de arranjos produtivos locais, a importância da política de inovação.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES28 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Tenho uma média móvel da economia americana nos anos 90 e do que está acontecendo agora. Nos anos 90, nós tivemos um ciclo de desenvolvimento extremamente longo, de oito anos consecutivos de desenvolvimento. Correspondeu ao mandato do expresidente Bill Clinton. No primeiro período do governo houve uma oscilação forte, com ajustes importantes, a taxa de juros teve que subir, foi feito um ajuste fi scal importante e, nos últimos cinco anos da década, ocorreu um extraordinário período de crescimento, a 4,5% ª.a, da maior economia do mundo, o que puxou o crescimento mundial. Infelizmente, nós, com o câmbio valorizado, não aproveitamos nada disso. Quem aproveitou foi a China, foi a Ásia, fi camos fora disso. Vem a crise mundial e nós mergulhamos junto nela.

Foi uma crise mundial abortada, porque a política de reversão do défi cit americano, mais os juros negativos do Alan Greenspan abortaram a recessão americana. A economia americana recupera o crescimento (a linha cheia no Gráfi co acima). Pode fechar o ano perto de 4%, mas é altamente provável que nos próximos meses a economia americana tenha que passar por um ajuste complicadíssimo. A situação do dólar é bastante frágil, está sendo sustentada pelos Bancos Centrais asiáticos. O John Kerry, caso ganhe a eleição, vai fazer um indispensável ajuste fi scal nos Estados Unidos porque o défi cit público americano é muito alto. O FED, Banco Central Americano, vai ter que subir os juros; vem turbulência pela frente.

Espero que essa turbulência seja administrável, que a economia mundial não vá para uma recessão. Mas o espaço brasileiro, extraordinariamente favorável até agora num mundo com juro negativo, com alta liquidez, com crescimento, vai acabar. Vamos ter um período turbulento. Não é um período necessariamente desastroso, mas nós temos que fazer um grande esforço adicional para consolidar o quanto mais cedo a nossa posição externa. A nossa posição externa está melhorando, mas não é crível imaginar que um crescimento de 25%, que é o que estamos tendo na exportação, se sustente no ano que vem. Reduzindo as taxas de crescimento de exportação, ainda para taxas altas, supondo que a economia mundial não vai para uma recessão, ainda assim, nós teríamos que fazer quatro, cinco anos de esforço.

Crescimento sustentado é possível!

Balanço de pagamentos se robustece, reservas sobrem..., risco-soberano cai...

Unidades 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Saldo comercial US$ billhões 24,8 30,7 26,8 25,5 24,4 23,5

Exportações US$ billhões 73,1 91,3 100,4 113,4 128,1 145,4

Total % ao ano 21,1 25,0 10,0 12,9 13,0 13,5

Importações US$ billhões 48,3 60,7 73,6 87,9 103,8 121,9

Total % ao ano 2,1 25,6 21,3 19,5 18,0 17,5

Conta corrente US$ billhões 4,0 8,9 3,4 2,5 - 1,0 - 2,6

Conto corrente % do PIB 0,9 1,8 0,7 0,5 - 0,2 - 0,5

Investimento direto US$ billhões 10,1 10,1 13,0 15,0 16,0 16,0

Reservas líquidas US$ billhões 17,4 24,8 34,4 52,3 66,2 79,3

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Essas projeções me parecem razoavelmente realistas, pois nós projetamos a importação crescendo a taxas bastante mais altas, por causa da necessidade de importar bens de capital e até importar matérias primas - porque vamos precisar importar aço para sustentar o crescimento, infelizmente - mas a manutenção desse esforço somente daria condições de o Brasil chegar a uma posição de ser grau de investimento, ser considerado um país confi ável em termos internacionais em 2008, de 2007 para 2008. É muito tempo, é uma travessia ainda muito longa para podermos desfrutar da autonomia necessária a um projeto nacional. É um período ainda longo. Os indicadores estão aí.

Indicadores Mas, ainda há um longo percurso...

2003 2004 2005 2006 2007 2008Dívida externa/PIB Em % 47,6 39,7 37,4 34,4 32,0 31,9Serviço da dívida/PIB Em % 8,9 10,3 9,1 8,0 7,3 5,1Exportações/PIB Em % 16,2 18,5 20,2 22,3 25,0 28,8Dívida externa/X Em % 2,94 2,15 1,85 1,54 1,28 1,11Serviço da dívida/X Em % 0,55 0,56 0,45 0,36 0,29 0,18Juros líquidos/X Em % 0,18 0,15 0,14 0,12 0,09 0,09Reservas brutas/dívida externa Em % 22,9 25,5 28,6 34,7 40,4 49,2Reservas brutas/serviço da dívida Em % 123,0 99,0 117,7 149,0 176,4 306,4

Se compararmos com indicadores atuais, por exemplo, só chegaremos em 2007/2008 a indicadores como os que o México desfruta hoje, ou que a Rússia desfruta hoje, dois países em desenvolvimento que já têm um status de investment graded no cenário internacional e, portanto, têm um risco país inferior a 150 pontos base, enquanto o nosso está lá em 600 pontos base. Não é fácil reduzir os juros sem fazer esse percurso.

Então, me parece que o desafio de sustentar o crescimento requer a manutenção de uma política macroeconômica em que a taxa de câmbio não se aprecie de forma sustentada, ao longo do tempo. A taxa de câmbio brasileira precisa ser persistentemente estimulante à competitividade e à exportação. Que a política de juro, na medida do possível, seja pró-redução das taxas, obviamente respeitado o controle das expectativas de inflação, mas indo além disso.

Indicadores

Reservas / Dívida externa (%)

2002 2003 2004

Brasil 18,00 22,9 25,5

México 34,3 37,2 39,7

Coréia do Sul 96,6 97,7 103,3

Venezuela 39,1 58,0 57,2

Rússia 30,1 40,9 43,9

Polônia 36,3 38,5 42,1

Dívida externa / exportações

2002 2003 2004

Brasil 3,49 2,94 2,15

México 0,87 0,91 0,88

Coréia do Sul 0,77 0,77 0,72

Venezuela 1,42 1,55 1,54

Rússia 1,36 1,29 1,40

Polônia 2,49 2,39 2,27

Conceber estímulos ao investimento competitivo, mediante a política industrial e tecnológica pró-competitividade me parece absolutamente imprescindível para chegar mais cedo àquilo que as projeções indicam como possível só em 2008. Obviamente, se a economia mundial nos ajudasse mais, se esse cenário atual pudesse ser prolongado, nós poderíamos chegar lá mais cedo. Mas nós não chegaremos lá sem um grande esforço. Um grande esforço de manutenção de uma política de libertação da economia brasileira das injunções da dependência fi nanceira e da dependência de um balanço de pagamento frágil.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES30 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Crescimento sustentado é possível!

Meta de superávit primário deverá ser mantida com alguma flexibilização seletiva, até 2007

- Condições fiscais (um pouco) menos apertadas no longo prazo

Dívida líquida do setor público em trajetória de queda lenta

% do PIE

2003 2004 2005 2006 2007 2008 Resultado Primário 4,37 4,25 4,25 4,25 4,25 4,25 DLSP 58,7 57,2 56,3 54,7 54,2 54,4

enPor isso, quero dizer o seguinte: divisa, reserva não se fabrica, não se toma emprestado. O pressuposto de um país que exerce soberania e tem blindagem diante da crise internacional é, infelizmente, ter hoje um colchão substancial de reservas. Então, nem a política de distribuição de renda, nem a política de criação de emprego, nem a política de estruturação de um Projeto Nacional de Desenvolvimento será possível sem esse pressuposto e, quero ser aqui um economista implicante que vai chamar a atenção para esse ponto essencial, porque é a partir dele que se pode construir o conjunto de condições subseqüentes. É dele, e só a partir dele, que se pode construir o conjunto de forças, que o Ministro José Dirceu de maneira tão correta, tão precisa, apresentou aqui e que é, de fato, a síntese do projeto que todos nós queremos, entusiasticamente, assinar em baixo.

Crescimento Sustentável é Possível! 2005-08: redução gradativa de juro real, para 6% ao ano apesar dos períodos de desaquecimento global e contratação de liquidez

internacional.

Unidade 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Câmbio (R$/US$) a.m. de período 2,93 3,12 3,25 3,40 3,55 3,65Câmbio (R$/US$) média anual 3,08 3,03 3,20 3,33 3,48 3,60Juros nominais % ao ano 23,1 16,0 14,9 12,9 11,4 10,8Juros reais (IPCA) % ao ano 12,6 8,3 8,4 7,8 6,9 6,7Juro básico % ao ano 16,5 15,5 14,0 12,0 10,5 9,5IPCA % ao ano 9,3 7,2 6,0 4,7 4,2 3,8IGP-M % ao ano 8,7 10,5 5,5 4,5 3,5 3,5

Criação da Sustentabilidade 2005-08: em trajetória de desaceleração, moderada e passageira, acompanhando tendência esperada para a economia mundial.

2005-08: economia em expansão moderada e mais regular.

Variação anual, em %2003 2004 2005 2006 2007 2008

PIB (preço de mercado) - 0,2 3,7 3,5 4,2 4,0 3,4Produção industrial - 0,1 6,0 4,0 5,1 4,7 4,4Ocupação 2,5 2,7 2,7 2,9 2,7 2,5

Rendimento médio real* - 8,6 3,0 0,8 0,7 1,4 0,9Massa de Renda Total - 5,0 5,1 3,2 3,7 4,1 3,4Consumo de duráveis - 5,0 7,8 4,1 9,2 6,6 5,1Consumo Básico** - 1,6 2,3 2,1 2,7 3,1 2,5FBCF - 6,6 5,5 5,5 7,4 7,8 5,2* Trabalho, ** Bens de consumo não duráveis e serviços.

Conclusões

1. Inflação controlada, finanças públicas saudáveis e salto qualitativo no balanço de pagamentos permitem construir sustentabilidade;

2. A política de desenvolvimento precisa ganhar urgentemente velocidade, coesão e instrumentos dentro do governo;

3. A estruturação de funding para um novo ciclo de investimentos é fundamental – o setor financeiro e o mercado de capitais poderão contribuir decisivamente;

4. A inovação tecnológica deve, necessariamente, cumprir um papel-chave para a competitividade;

5. O Brasil deveria abreviar a obtenção do “grau-de-investimento”.

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Eugênio StaubConselheiro do CDES

Vou falar sobre quatro tópicos importantes: vontade política, planejamento estratégico do Brasil, o papel da indústria no desenvolvimento e alguns riscos que nós estamos correndo em curto prazo, se não tivermos aprendido as lições do passado.

Sobre vontade política, a coisa mais eloqüente que posso fazer é relembrar dois trechos de editoriais de um grande jornal brasileiro. Esses editoriais são um pouco antigos, têm 50 anos, mas estão atualizados, como vamos ver. Esses textos são de outubro de 1953 e tratam da criação da Petrobrás. Não sabia que o ex-ministro Celso Furtado ia abordar o tema da Petrobrás. Começar essa sessão com o depoimento de Celso Furtado foi excelente. Ele disse coisas simples, que são verdades há muito tempo e sobre as quais nós concordamos em gênero, número e grau, mas que ainda não temos sido capazes de realizar. Temos que nos mostrar capazes de corresponder a esse legado que nos deixam.

Esses editoriais afi rmam algumas coisas interessantes. O primeiro fala sobre o racionamento de gasolina, é de 08 de outubro de 1953: “A atitude do Legislativo e Executivo Federais, em relação ao problema do petróleo, denuncia a absoluta irresponsabilidade, em face dos interesses nacionais. Quanto ao gênero e a necessidade de tudo se fazer com o objetivo de prospectar, explorar as riquezas petrolíferas que o nosso subsolo por ventura encerre, a solução encontrada foi a Petrobrás, que onerará excessivamente os contribuintes a ponto de prejudicar a economia nacional sem nos trazer a menor esperança de resultados positivos. A Petrobrás signifi cará um considerável desperdício de dinheiro e de tempo, atestando a nossa incapacidade de resolver os mais urgentes problemas econômicos nacionais”. E por aí vai.

Em seguida, no outro editorial, ataca-se a Petrobrás, a lei recém assinada e também a direita, porque afi rma que até a União Democrática Nacional foi ignorante e demagógica: “Mais uma vez tivemos o ensejo de registrar e condenar a irresponsabilidade da UDN nessa questão. A aprovação e a sanção do Projeto de Lei que cria a Petrobrás explicam-se menos pela ignorância do que pela submissão do Executivo-Legislativo à demagogia e a argumentos eleitoreiros”. O editorial começa, na realidade, repetindo uma frase do então presidente Getulio Vargas: “Elogiando a lei que criou a Petrobrás, o senhor presidente da República, Getulio Vargas, salientou que a nova empresa resulta de uma fi rme política nacionalista num terreno econômico já consagrado por outros arrojados empreendimentos e em cuja viabilidade sempre confi ei. Quando se construiu Volta Redonda, muitos eram descrentes das suas possibilidades, mas hoje a grande siderurgia se ergue como testemunho irrefragável da capacidade criadora nacional”. Em seguida, critica-se a posição de Getúlio, afi rmando que a comparação não cabe, porque Volta Redonda foi realizada por técnicos estrangeiros: “Já que fi zéramos o mal, criando a Petrobrás, pelo menos que usemos a tecnologia internacional para ter alguma chance de sucesso”.

Essas premonições foram desatualizadas pela História. Cinqüenta anos depois, o Brasil é um dos poucos países que chega à auto-sufi ciência em petróleo, reforçando o nosso poder nacional. Nós desenvolvemos a melhor tecnologia em perfuração submarina, formamos centenas de milhares de técnicos, engenheiros, demos emprego de qualidade a centenas de milhares de pessoas, através de várias gerações e nós temos uma das maiores empresas petrolíferas do mundo!!!

Qual é a lição? A primeira lição é que Getulio Vargas teve nesse episódio e em outros, como a criação do BNDE, visão estratégica. Ele defi niu o que precisava ser feito. A segunda lição é que Getúlio teve vontade política, que não é trivial, e foi capaz de enfrentar o ceticismo. Eu era garoto, a maioria aqui não era nascida, mas os estudantes tiveram que ir a rua dizendo: “o petróleo é nosso” - esse era o slogan. Não sabíamos sequer se havia petróleo, mas afi rmou-se: “O Petróleo é Nosso”. Getulio Vargas bancou esta posição e se fez a Petrobrás. A terceira lição é que isso foi feito com competência, ao longo do tempo.

Visão estratégica, vontade política e competência tornaram realidade esse projeto e muitos outros que sofreram igual oposição e incredulidade, como foi o caso da EMBRAER. Um jovem ofi cial cearense, Casemiro Montenegro Filho, teve, em 1938, a visão de que o Brasil precisava dominar a tecnologia da aviação. Criou um Instituto, CTA, que gerou tecnologia e nós somos, hoje, a terceira ou quarta potência mundial de aviação. A mesma situação ocorreu em relação à Embrapa. Há muitos exemplos desse tipo. Ouço há 30 anos oposição à Zona Franca de Manaus que é, apesar de todas as críticas que apareceram, um projeto de desenvolvimento de sucesso. Repetiu-se à exaustão o mesmo argumento: “Manaus irá acabar com o resto da indústria no País”. Isto não se provou verdadeiro ao longo de 30 anos, mas continua sendo repetido. Ao longo do tempo, primeiro os militares, depois os demais governos tiveram vontade política de sustentar o modelo que é da maior importância para aquela região. Esta é a lição. Temos que compreender que vontade política e isso foi muito bem abordado e está no contexto do que foi dito pelo Ministro José Dirceu - e visão estratégica são imprescindíveis.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES32 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Há pouco mais de dois anos havia dois candidatos que podiam chegar à Presidência da República. Um, com o qual eu tinha muita intimidade, não só com ele, mas com os companheiros dele, era um excelente economista e era o candidato da elite empresarial. O outro, com o qual eu não tinha nenhuma intimidade, que era oriundo do movimento sindicalista, tendo sido presidente de sindicato, tendo formado uma central sindical, tendo formado um partido, era um político. Num certo momento, meus companheiros da indústria, principalmente, chegaram à conclusão de que o primeiro candidato, o economista, iria ganhar. Eu tomei a decisão de apoiar o outro, porque a minha visão, que continua sendo a mesma hoje - sem nenhum arrependimento - era que o cargo de Presidente da República é um cargo político, que exige visão política e que exige a capacidade de unir o país em torno de objetivos estratégicos importantes.

Isso me leva ao segundo tema, que é a questão do projeto estratégico. Nós já tivemos planejamento neste País. Tivemos Juscelino Kubitschek, que fez os “cinqüenta anos em cinco” com o seu Plano de Metas; tivemos Celso Furtado, com o Plano Trienal do Governo João Goulart; tivemos o primeiro, o segundo e o terceiro PND (Plano Nacional de Desenvolvimento). Mas, a partir de 1984, o Brasil deixou de ter planejamento. A agenda nacional, durante dez anos, foi derrotar a inflação. Essa era a prioridade e era ao que se resumia o planejamento do país. Isso era necessário, mas não o suficiente. A inflação, finalmente, terminou a partir de 1994. A agenda nacional passou a ser dominada pela crença, e esse é um dos riscos que corremos ainda hoje, de que o mercado tudo resolve. Acredita-se que se fizermos a nossa “lição de casa”, tudo vai se resolver. Não precisamos planejar mais nada. Celso Furtado se referiu a isso hoje, na sua apresentação. Em 1999 veio a dura realidade e a agenda nacional, a partir daí, passou a ser essa que vemos na imprensa todos os dias. Qual é o superávit primário? Qual é o superávit comercial? Qual é o superávit da balança de pagamentos? Qual é a relação dívida/PIB? Todos são indicadores importantes, mas é muito pouco. É medíocre.

O Brasil precisa definir para onde está indo! O governo do Presidente Lula está se dedicando a esse tema, através do Núcleo de Assuntos Estratégicos e através do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, que é o fórum para discutir isto com a sociedade. Nós temos que resgatar, como também disse Celso Furtado e como já foi dito aqui hoje, a capacidade de planejar o nosso destino. O que queremos fazer com esta grande cultura tropical, com esta grande nação que é mais do que uma nação? Queremos ser uma versão mais pobre dos Estados Unidos? Não é isto. Por este motivo é tão importante esta discussão, que foi (re)iniciada recentemente e que está progredindo aqui hoje, para estabelecermos quais são os nossos objetivos fundamentais.

Nós temos que saber o que nós queremos. Vamos ter que definir de 6 a 10 objetivos que queremos alcançar. Quais são os objetivos estratégicos? Dentre eles, eu vejo dois importantes. Um é a plena ocupação. Hoje, nós temos um desemprego em torno de 12%, o México tem 3%, o Japão, que está estagnado há mais de dez anos, consegue manter entre 3% e 4% que é, de fato, a plena ocupação. Nós temos toda a condição de fazer isso no Brasil, se definirmos isso como objetivo estratégico do País.

Além disso, outro objetivo deve ser o da inclusão digital. Temos que ter um objetivo como tem a Coréia, que dentro de alguns anos todos os brasileiros possam estar conectados na internet em banda larga, que prestigia a comunicação, a educação, o lazer e a informação. Isto é planejamento estratégico. Quando se fala de inclusão digital está se falando da criação de oportunidades estratégicas para se aproveitar o grande capital de conhecimento que nós temos nesse País, na área de ciência e tecnologia e, como resultante, de se criar novos setores industriais e empregos de qualidade.

Quero falar, ainda, sobre o papel da indústria. Nós temos uma herança industrial, o Ministro José Dirceu falou disso hoje e eu estou convencido. Tornei-me, por força das minhas atividades, nos últimos dois anos, um estudioso da China. O Brasil, em todos os termos, é melhor que a China. A China é um país admirável, um país com o qual faz todo o sentido mantermos estreitas relações. Mas o Brasil é muito melhor e a sua indústria é muito melhor. Nós estamos em outro estágio.

Considerando-se a indústria brasileira, nós devemos classificá-la em três categorias. Uma das categorias é a de geração de empregos. Todas as indústrias que nós temos ou podemos ter ordenadas em níveis decrescentes de geração de empregos. Para cada R$ 1 milhão de reais investidos, quantos empregos são gerados? Isso cria um primeiro tipo de ordenamento. O outro ordenamento, para os mesmos setores industriais, é classificar as empresas segundo o impacto sobre a balança de pagamentos. Quem gera mais exportações ou importação? Qual é a sua contribuição para esse indicador? E, finalmente, uma visão estratégica - com o que é preciso ter cuidado, pois é um termo que se permite a tudo. É preciso identificar quais são os setores mais estratégicos

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 33\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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para o país. Uma matriz desse tipo e tendo uma visão de que nós queremos realmente gerar ocupação, permite chegar a conclusões muito interessantes. O setor de papel e celulose, que eu admiro muito, tem um projeto de investimento de US$10 bilhões em 10 anos para dobrar a sua capacidade de produção e gerar 55 mil empregos. Isso precisa ser avaliado com outros olhos.

A outra forma de analisar a indústria é a de olharmos as vocações que estão consolidadas, por exemplo: papel e celulose, siderurgia etc. Temos indústrias nacionais ou estrangeiras, não importa, com muita tradição e temos as novas oportunidades que irão gerar riqueza para o futuro. Há um grande trabalho, no interior do planejamento estratégico do País, que precisa ser realizado no segmento industrial.

Por último, os riscos. Os riscos são os do “já deu certo”. Nós estamos vivendo, nesse momento, uma seqüência natural das políticas adotadas. A economia passou a ser puxada fortemente pelas exportações. A economia, nos últimos 18 meses ou mais, foi sustentada pelo setor do Ministro Roberto Rodrigues (Agricultura), mas agora outras políticas estão começando a gerar resultados e estão começando a gerar crescimento, como, por exemplo, a ampliação do financiamento ao consumo - onde o financiamento com desconto na folha de pagamento tem sido uma importante inovação. De repente, no entanto, corremos o risco, e nós já vimos isso depois do Plano Real, de achar que as “coisas estão dando certo” e não é preciso fazer mais nada. Este é o primeiro risco.

O outro risco é que estamos assistindo a nossos amigos do setor financeiro muito alvoroçados com a possível necessidade de aumentar os juros. Afirma-se que há o risco de a inflação voltar e é preciso aumentar os juros. Isso seria desastroso. O risco é o de nós não abordarmos essa questão de uma forma técnica, desapaixonada, daqui para frente. O Brasil paga dois spreads muito acima da média de qualquer outro país. O primeiro spread é o do famoso “risco Brasil”. Já procurei explicações internas e externas, e mesmo na Cepal, sobre o “risco Brasil”, Qual a explicação de termos um risco dos mais elevados do mundo? Maior do que o México, maior do que o Chile, apenas superado pela Turquia e mais um outro país. Isso precisa ser investigado.

O segundo spread, que se soma a esse, é o spread interno. Creio que, bem ao estilo deste Governo e que é o estilo correto, deveria se promover um diálogo com o setor financeiro para entender como é que nós vamos, de uma forma negociada, sem nenhuma agressão, sair deste enorme spread interno que acaba gerando um custo financeiro para uma empresa normal de 30% a 40% ao ano.

Resumindo o assunto risco, penso que o risco que estamos correndo é o de acharmos que essas coisas não têm que ser abordadas, pois a economia vai bem. Tudo isso precisa ser resolvido para assegurarmos o desenvolvimento acelerado e sustentado.

Luiz MarinhoConselheiro do CDES

Se nós observarmos desde a abertura, com a fala do professor Celso Furtado, a exposição do Ministro José Dirceu e dos demais companheiros, vamos notar que nós já estamos com o diagnóstico prontinho do que precisamos, do que queremos e de onde queremos chegar. Falta o como chegar, como fazer, como passar esse gargalo. Eu tenho dito que nós corremos o risco de bater no teto e não conseguir construir essa passagem e aí perderemos mais uma década. Precisamos trabalhar rapidamente para passar por esse gargalo.

Não é o meu papel aqui, mas queria ousar fazer um reparo num ponto do que disse o Ministro José Dirceu, para estabelecermos um debate em torno dele. É sobre o problema da Previdência Social. “Temos que organizar o problema da Previdência ou não teremos como resolver o problema do salário mínimo”. Quando ouço esta frase fico muito preocupado. Porque já ouvi inclusive o Presidente Lula falando, explanando sua visão sobre isso, e fiquei apavorado, porque para mim o problema da Previdência reside no fato de ainda não termos uma rede de informática a serviço da Previdência totalmente equipada, preparada e modernizada para impedir a corrupção. Além disso, termos elevada sonegação e falta de crescimento econômico/emprego. Estes três itens resolvem o problema da Previdência, pelo que tenho conversado com ex-ministro, com o atual ministro, com várias pessoas entendidas no assunto. Como não sou entendido no assunto, tenho que dialogar com quem entende. Queria só fazer este registro para estabelecermos um dialogo em relação a essa questão.

Parece-me que, do ponto de vista de para aonde vamos, nós estamos aqui afirmando a necessidade de ter o salário mínimo como indicador de distribuição de renda e desenvolvimento. Isto é uma necessidade.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES34 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Estamos falando que educação, tecnologia, conhecimento, crescimento, desenvolvimento, investimento em infra-estrutura, são os gargalos, as necessidade atuais. Então, me parece que há um grande consenso em relação a esta questão. O problema é de como fazer. Há um texto aí na pasta que vocês podem olhar - não vou me guiar exatamente por ele -, mas quero dizer que nos últimos meses tenho dialogado com muita gente em relação a esta questão do como fazer.

O empresariado brasileiro tem reclamado de vários problemas e tem afirmado que para viabilizar os investimentos é necessário ter segurança. Precisa ter segurança nos marcos regulatórios, mas precisa também ter segurança de que este crescimento é sustentável, que ele vai perdurar, que ele vai continuar. Para ele perdurar, precisa ter, como já falamos aqui, investimento, infra-estrutura etc. O governo não pode abrir mão de arrecadação, o Estado brasileiro não pode abrir mão de arrecadação. Como, então, atender à solicitação do empresariado de reduzir a carga tributária, entendendo essa redução como um fator necessário, impositivo para que se possa viabilizar novos investimentos?

Até porque, nós não precisamos somente ampliar a infra-estrutura, nós precisamos ampliar também a capacidade produtiva do País. Eu conversava com um grande empresário do setor petroquímico na semana passada e ele me falava que, no primeiro semestre deste ano, em relação ao primeiro semestre do ano passado, ocorreu um crescimento de 26% no mercado interno. Mas, para atender a esse aumento de demanda, ele já teve que reduzir a sua exportação. Bom, manter a exportação é importantíssimo, aliás, temos que manter e sempre objetivar crescer. Então, está claro que estaremos batendo no teto, daqui a pouco, da capacidade produtiva do País.

Bem, por outro lado, o Luciano Coutinho e o Eugênio Staub falaram sobre isso, e mesmo que os banqueiros sempre fiquem bravos quando tocamos neste assunto, me parece que falta um planejamento com metas do que nós vamos ter, do que nós vamos lutar para ter daqui a doze meses. Nós só temos metas para a inflação do ano que vem. Bem, então, qual é a meta dos juros para o ano que vem? Qual é a meta do emprego para o ano que vem? Qual é a meta da carga tributária para o ano que vem? O que vamos ter de carga tributária? Nós não temos nada disso. O Governo provavelmente tenha isso, tenha objetivos e está trabalhando para alcançá-los. Mas a sociedade não está participando desse debate. Acho que isto é uma necessidade. Precisamos construir uma negociação nacional, uma pactuação nacional envolvendo os trabalhadores, os empresários, o Governo, o sistema financeiro, todos os setores da sociedade sobre a forte liderança do Governo. O Governo precisa assumir a liderança de uma negociação para valer. E, nessa negociação para valer, me parece que temos que objetivar o que queremos para daqui a seis meses, daqui a doze meses, daqui a vinte e quatro meses, daqui a trinta e seis meses, para viabilizar esse processo de desenvolvimento.

Parece que temos clareza que é um objetivo reduzir a carga tributária para podermos viabilizar os investimento. Agora, reduzir carga tributária é necessariamente redução do orçamento do Estado? Na minha opinião, não. Aliás, deve ser ao contrário. A redução da carga tributária tem que ser feita de forma negociada, de forma que o empresariado se comprometa a trabalhar, a honrar os investimentos e a honrar a ampliação da base de arrecadação para poder sustentar a manutenção ou o crescimento da arrecadação do Estado. É um processo de negociação para valer. Às vezes, o Governo, o Estado brasileiro, concede benefícios para setores a, b ou c, sem a devida contrapartida nesse processo. Às vezes, um setor reclama, reclama, e o governo vai lá e resolve o problema, mas não negocia numa mesa a contrapartida que, eventualmente, aquele setor poderia fornecer.

O sistema financeiro precisa reduzir o spread lá na ponta. À redução da taxa SELIC não corresponde a mesma redução para o tomador lá na ponta e precisa corresponder. Há banqueiros que falam o seguinte: “o drama não é o spread, o problema é que tenho x do orçamento do sistema financeiro comprometido com compra de títulos do governo. Então, se o governo não consegue reduzir essa necessidade, não tenho dinheiro para ofertar lá na ponta. É por isso que o spread é alto lá na ponta”. Isto me parece que pode ser verdade. Mas não, necessariamente, só isto. Parece-me que o governo precisa ver se tem algo a negociar, também, com o sistema financeiro, no sentido de obrigá-lo - não de forma autoritária, mas num processo de negociação, de comprometimento, de troca, de ganha-ganha para todos os setores - para que o sistema financeiro possa cumprir a sua obrigação, que é financiar, dar crédito para a sociedade consumir, produzir, investir. Gerar esse círculo virtuoso, de que tanto se fala. Existem algumas peças faltando nesse processo. Nós precisamos incrementar isso de forma que se criem as condições para se resolver os problemas sociais do Brasil.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 35\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Recentemente, me fizeram a seguinte abordagem: “Marinho, você ficou o ano passado inteiro e um pedaço deste ano reclamando, criticando e cobrando a necessidade de aumentar o investimento produtivo para gerar emprego. A economia está crescendo agora, tem mais de um milhão de saldo de emprego formal, além das ocupações geradas, através da criação de empresas e de outras formas de ocupação. E aí? Você mantém a mesma crítica?” Eu disse: mantenho, é claro. Porque no ano passado eu já me referia á tendência de 2004 ser um ano melhor do que 2003: haverá crescimento, haverá geração de emprego, mas não será suficiente para resolver os problemas sociais do País.

Ou nós planejamos e consideramos também o emprego como indicador junto com a renda, junto com a taxa de juro, junto com a inflação, junto com o superávit, junto com o superávit da balança comercial ou não vamos resolver os problemas sociais, porque o simples crescimento necessariamente não responde ao problema do desemprego, ao problema da desocupação da força de trabalho. A não ser que cresçamos rapidamente, a mais de 7% ao ano, vamos levar uns dois ou três anos para alcançar isso. Esperamos que alcancemos. Temos que rezar para o petróleo ficar comportado no preço que está, quem sabe abaixar. Mas há risco de aumentar. Então, se aumentar, qual é o drama que vai acontecer para a nossa economia?

Temos setores na economia brasileira, particularmente os fornecedores de matéria-prima e de insumos, que, talvez, estejam com pressa de recuperar os anos perdidos. Precisamos negociar esse processo. Negociar em quanto tempo esses setores irão recuperar a sua rentabilidade e os eventuais sacrifícios do passado. Podemos citar vários setores. Um, por exemplo, é o de siderurgia. A indústria reclama do setor siderúrgico. E reclama por quê? Porque dizem que o setor siderúrgico se aproveita da situação, da retomada do crescimento e de uma boa parcela de exportação. Está faltando matéria-prima, o próprio Luciano Coutinho falou que teremos que importar aço. E vamos ter que importar aço para sustentar o crescimento da atividade econômica e da indústria, mas tem que ficar claro, qual o compromisso de manutenção de preços. Não é a volta do CIP, não é o controle do preço, não é disto que estou falando.

O que defendo é a negociação entre as partes, num processo civilizado de negociação e planejamento do processo de crescimento. Vamos planejar esse ganho ao longo de x anos, para que toda a sociedade possa dele partilhar, possa ganhar ou para que alguns setores possam ter o benefício de sair ganhando na frente. A rentabilidade, a lucratividade dos bancos, na ordem de grandeza em que está ocorrendo, é compatível com uma sociedade tão sofrida, sem emprego e sem oportunidade, com uma parcela passando graves necessidades? Qual a sociedade que queremos? Vamos fazer um jogo onde todos estejam participando, de forma a todos poderem ganhar, num curto espaço de tempo? Parece que é isso que está faltando. Então, eu queria sugerir aqui que o Governo pense seriamente no processo de negociação mais efetiva, que planeje essa negociação, que façamos essa negociação buscando uma pactuação nacional, de forma a garantir esse processo.

Por fim, quero dizer que todo mundo quer crescer, mas há uma certa intriga aí colocada: BNDES, Ministério do Desenvolvimento, Ministério da Fazenda, há muita reclamação com a Fazenda e com a Receita. O tesoureiro sempre recebe críticas de todas as instituições, mas é preciso, também, que o tesoureiro tenha sensibilidade. No caso em questão, o Ministério da Fazenda, que dirige tão bem nossa economia sob alguns aspectos, mas que sob outros é questionável, precisa ter sensibilidade para que nessa negociação possamos objetivar o crescimento e o desenvolvimento. É impensável, por conta dessa retomada do crescimento e por conta de uma pequena reação da inflação provocada por preços administrados, começar a pensar em aumentar os juros para segurar a demanda. Precisamos segurar a inflação com oferta, com mais produção, com mais crescimento, com mais desenvolvimento, e não com juros mais altos ou com ajustes fiscais. Inibir créditos para inibir a demanda, para inibir o crescimento e o emprego é um erro e se nós cometermos esse erro, vamos nos arrepender amargamente, porque chegaremos à conclusão de que, daqui a dois anos no máximo, teremos perdido mais uma década.

MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DESEJÁVEL

Defendemos um modelo de desenvolvimento que articule:Políticas de crescimento econômicoDistribuição de rendaGeração de empregoDemocratização das relações de trabalho

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES36 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Políticas de Emprego e

Relações de Trabalho

Políticas de Distribuição de Renda

Políticas de Educação

Políticas de

Gênero

Políticas de Combate à

Discriminação Racial

Democratização do Estado e

Controle Social

Crescimento

Políticas para

Idosos

Políticas para

Jovens

Políticas de Proteção ao

Meio Ambiente

Políticas de Segurança Alimentar

Políticas de

Saúde

Modelo de Desenvolvimento

Econômico e Social

PROPOSTA de um “ACORDO NACIONAL”

Defendemos que este momento de retomada do crescimento econômico é o ideal para a realização de um acordo nacional para consolidar a rota e a retomada do desenvolvimento.

Participantes: Governo Federal Centrais Sindicais Representações empresariais Representações da sociedade civil

Objetivos centrais: Consolidar a retomada do crescimento Manter o processo de estabilização em curso Aumentar a taxa de investimento Buscar consensos sobre variáveis-chave da economia Estabelecer política do “ganha-ganha” Manutenção da arrecadação e queda da carga tributária Incrementar a geração de postos de trabalho

CONTRAPARTIDAS PARA O ACORDO:Compromissos do setor produtivo:

Estabilização de preços Abastecimento adequado Investimentos crescentes Meta de geração de emprego e renda Limitação das horas extras

Compromissos do setor � nanceiro: Redução dos spreads e das taxas de juros Redução das tarifas Ampliação do crédito Apoio às atividades geradoras de emprego e renda

Compromissos dos trabalhadores: Negociação de política salarial de longo prazo

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Compromissos do governo: Políticas monetárias compatíveis com o crescimento Diminuição do compulsório bancário Desoneração do investimento Política cambial favorável às exportações Metas de redução da carga tributária associada à manutenção da arrecadação Prazos de pagamentos de impostos das empresas compatíveis com o prazo médio de faturamento Transferência da contribuição previdenciária da folha de pagamentos para o valor adicionado Reforma tributária relativa à pequena e média empresa

Resgate do papel dos FÓRUNS DE COMPETITIVIDADE Buscar consensos em relação a itens da cadeia produtiva

Objetivos: Geração de emprego, ocupação e renda; Desenvolvimento produtivo regional; Capacitação tecnológica; Aumento das exportações e competição com as importações

Os atuais Fóruns não atendem a esses objetivos. É necessária uma estratégia mais clara que permita: Redefi nir seu papel e regras de funcionamento Redefi nir setores estratégicos para a retomada dos investimentos: setores industriais, de serviços, do

agronegócio.

PROPOSTAEm cada Fórum de Competitividade defi nir prioridades.Promover reuniões dos Fóruns de Competitividade nas regiões de maior concentração de cada setor.Estabelecer cronograma claramente defi nido (início, meio e fi m).Preparar seminários de decisões, setor a setor.Priorizar um ou dois temas para as discussões.Evitar a abertura de GTs.

Luiz Gonzaga BelluzzoConselheiro do CDES

Tenho a felicidade de falar por último e não é sempre que nós podemos fechar um debate em que as exposições foram tão competentes. Por este motivo, sinto-me poupado de repetir aquilo que já foi dito, de forma tão clara e tão analítica, pelos que me antecederam. Quero apenas chamar a atenção para algumas questões que considero importante.

A primeira delas, é que nós precisamos e já estamos, felizmente, abandonando as falsas dicotomias como, por exemplo, Estado e mercado, integração externa e autarquia, crescimento e estabilidade. Ou seja, estamos caminhando na direção de reconhecer que essas questões são muito mais matizadas e mais complexas do que os slogans que comandaram a década de 90 e, infelizmente, pareciam fazer crer que fossem questões simples. Sempre me lembro de uma frase do economista Joseph Schumpeter que dizia o seguinte: “nós precisamos nos precatar contra os arquitetos que nos oferecem casas baratas e os economistas que nos oferecem soluções simples”. Estamos num momento extremamente rico, e este debate demonstra isso, de superação dessa limitação, mesmo que boa parte da sociedade brasileira não tenha se dado conta, ainda, de que estamos partindo para essa superação, para esse matizamento do debate.

Porque, infelizmente, tenho que dizer aqui, até como diretor de uma revista, a imprensa não ajuda, porque gosta de slogans. Ela gosta de soluções simples, como dizia o Schumpeter. Se a pessoa dá uma entrevista e ela fi ca um pouco mais complexa, o jornalista começa a fi car nervoso. Porque aquilo não se encaixa exatamente no escaninho que ele tem na cabeça. Na verdade, eu não estou fazendo uma crítica, estou me referindo a um processo social de aprendizado, conhecimento, reprodução. Não é nenhuma crítica pessoal, não é uma crítica ad hominem que, aliás, desculpem o latim, é uma outra coisa que precisamos superar no debate brasileiro. Ou seja, dizer que, se o sujeito tem opinião contrária à nossa então, necessariamente, é uma pessoa de má fé. Existe opinião contrária! Devemos reconhecer isto. É uma conquista da humanidade, a possibilidade de haver opiniões contrárias. E é isso que faz com que a sociedade humana tenha avançado tanto, apesar de tantos problemas.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES38 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Depois deste preâmbulo pseudofi losófi co, eu quero me fi xar em algumas questões que já foram abordadas aqui. A primeira delas foi levantada pelo Celso Furtado e diz respeito à recuperação da nossa tradição de planejamento e de articulação do Estado com o setor privado. Quando os ideólogos mais à direita dizem que “o Brasil era um país que cresceu através da estatização”, é mentira. O Brasil cresceu na cooperação público-privada, com a iniciativa do Estado de colocar um horizonte para que o setor privado pudesse crescer, e isso ocorreu sempre em meio a confl itos.

Quando ouvi o Celso Furtado falando, me lembrei do chamado “Consenso dos anos 50”. Eu era menino mas lembro muito bem que tanto Getúlio quanto Juscelino levaram a cabo aquele processo de planejamento e desenvolvimento, em meio às críticas mais cerradas. Vamos nos lembrar que um deles se suicidou e que o outro foi vítima de três tentativas de golpe de Estado. No entanto, havia na sociedade brasileira um substrato, um consenso que não era xenófobo, mas que era anticosmopolita, de crença na capacidade nacional de fazer as coisas, o que, infelizmente, se perdeu, se desfez. Mas, posso dizer que hoje nós estamos, aos poucos, recuperando isso.

O que é o cosmopolitismo? Quando leio Eugênio Gudin - e releio sempre Eugênio Gudin, porque temos que reler os conservadores para saber o que não devemos fazer, tal como os editoriais desse jornal que o Staub leu. O que dizia o Eugênio Gudin? Que o Brasil não era capaz. Não era capaz de se industrializar, não era capaz de produzir uma sociedade moderna. Ele sempre ia buscar o exemplo fora. Não é que seja ruim olharmos o exemplo de fora. Nós somos muito sincréticos, sempre incorporamos, como diz o Roberto Schwartz, de alguma maneira, as idéias externas às nossas. Isto é a nossa riqueza. O que aconteceu nos anos 90 foi que começamos a jogar fora esta riqueza. Formou-se um consenso idiota a respeito da trajetória da economia brasileira e da sociedade brasileira a ponto de um presidente do Banco Central dizer que foram 40 anos de burrice. Eu escrevi dizendo o seguinte: 40 anos de burrice que nos livraram da exportação de café, do bicho-do-pé e da hemoptise e que transformaram o país numa economia urbana industrial.

Para terminar, vou pontuar as questões que eu considero essenciais. A primeira delas é a que o Luciano Coutinho mencionou, que nós temos não só de manter o superávit comercial e aumentar as nossas reservas como também graduar as nossas exportações e, além do brilhante esforço que o Ministro Roberto Rodrigues fez, graduar, inclusive, nossas exportações do agronegócio. Isso vai exigir a recuperação do Sistema de Ciência e Tecnologia Brasileira e sua integração com o esforço empresarial de inovação. Não há nenhuma possibilidade de um país, hoje, ser moderno sem isto. Portanto, a redução da vulnerabilidade externa continua sendo uma questão essencial, não pode ser dada como uma batalha ganha.

A segunda questão é que nós temos que discutir o papel e a formatação, desculpem a palavra formatação, o papel e a formatação do sistema de fi nanciamento no Brasil, ou seja, do sistema fi nanceiro. O Eugênio Staub disse que tem mantido muitas relações com a China; pois bem, os países asiáticos fundaram a sua expansão sobre um sistema de crédito com objetivos claros em relação ao crescimento e à industrialização. Sem isso não vai acontecer nada, porque o capitalismo inventou essa beleza que se chama “a capacidade de o sistema de crédito adiantar recursos, criar recursos na frente”. Essa criação desvencilhou o capitalismo da necessidade da poupança prévia, ao mesmo tempo em que a industrialização se produzia.

A poupança é importante ex-post. Por isso é importante que tenhamos um sistema bancário que seja capaz de criar liquidez na frente e mercados de capitais capazes de realizar o funding dessa operação. Por este motivo é que a questão de como serão manejados os fundos de previdência é muito importante, é decisiva. Fiquei quase que solitário no meu meio, ao defender a reforma do sistema previdenciário, porque ela era importante para criar funding de longo prazo. Nós temos que pensar como iremos desenhar essa institucionalidade, porque poderemos criar uma dinâmica fi nanceira capaz de criar liquidez e, ao mesmo tempo, fornecer o funding que a economia precisa.

A terceira questão é que nós temos que restringir seriamente - e as experiências passadas comprovam este argumento - o acesso ao fi nanciamento externo. Devemos, de fato, estimular a entrada de investimentos diretos estrangeiros, mas não devemos nos esquecer que tivemos duas experiências desastrosas com endividamento externo que estão, em boa medida, na raiz das nossas difi culdades atuais. Porque os senhores não tenham dúvida de que a dívida pública que temos hoje é resultado do processo de endividamento dos anos 90. Quer dizer, formamos uma dívida pública que não tem, fundamentalmente, origens fi scais, mas que nos cria problemas fi scais e nos obriga a constranger o investimento público. Uma estratégia de contenção do acesso ao fi nanciamento externo é necessária, como bem podemos observar nos países que se mantiveram com maior estabilidade, com menores taxas de juros e com maiores taxas de crescimento.

É incrível que as pessoas não percebam que há uma conexão entre a abertura fi nanceira, tal como nós a fi zemos, e os problemas que temos hoje. Quero dizer a vocês, como professor de economia, que na atualidade esse problema já é de percepção geral na literatura universal. É uma percepção partilhada por gente que foi

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do Fundo Monetário Internacional, por gente que ainda o é e que, por isto, não pode falar e, também, por observadores independentes. Há o entendimento de que a abertura fi nanceira dos anos 90 foi desastrosa para alguns países, foi um equívoco. Hoje, todo mundo fala em descasamento de moedas. No entanto, é mais que óbvio que desde os anos 70 fi zemos pesados investimentos, como, por exemplo, na nossa infra-estrutura, fi nanciados em dólar. Tudo o que aconteceu ao fi nal dos 70 e início dos 80, quebrou as empresas de serviço público e obrigou que fi zéssemos uma privatização, do meu ponto de vista, igualmente equivocada. Então, estas três questões: a) redução da nossa vulnerabilidade externa; b) construção de um sistema de fi nanciamento que realmente funcione; c) encaminhamento progressivo da construção de um sistema de inovação e de ciência e tecnologia são os pontos centrais, ao meu nodo de ver, da nova estratégia de crescimento.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES

Esta segunda parte do nosso trabalho é reservada às manifestações da platéia. Como não temos um tempo ilimitado, concederemos prioridade às inscrições de ministros e de ministras, de conselheiros e de conselheiras. Se esta etapa for vencida dentro de um tempo razoável abriremos as inscrições para os demais presentes.

Quero lembrar que esta é uma Mesa Redonda inserida no trabalho de elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento e não um seminário acadêmico convencional e que, portanto, não se vai colocar em questionamento as falas dos expositores, ainda que isso não esteja proibido, evidentemente. Do ponto de vista do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, seria mais enriquecedor se as intervenções se destinassem a levantar questões, não necessariamente referenciadas aos que fi zeram as exposições, com o objetivo de iniciar o processo de debate e elaboração. Ninguém está impedido de questionar. Eu só estou lembrando que, do ponto de vista metodológico, o que queremos é promover o acúmulo de idéias. Esta reunião não tem a intenção de gerar um produto fi nal. O produto fi nal vai demorar ainda um tempinho para chegar, como todo processo de construção de uma agenda, de diálogo, de pactuação, como estamos tentando. Lembro a todos que a pergunta chave desta primeira mesa é: Como empreender o desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade brasileira? Cada inscrito terá três minutos para sua fala. Com a palavra o ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia.

Walfrido dos Mares GuiaMinistro do Turismo

Como Ministro do Turismo, é a primeira vez que tenho a oportunidade de estar aqui no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Como a discussão é sobre premissas e condições para o desenvolvimento, quero dizer o que está acontecendo com o turismo neste ano e meio, depois que o Presidente Lula, numa demonstração inequívoca de vontade política, criou o Ministério do Turismo, parte e instrumento de uma agenda de desenvolvimento econômico e social para a geração de ocupação e emprego, renda, salários e divisas.

O nome do turismo é emprego, renda e divisas. É a maior atividade econômica do planeta Terra, hoje. Representa 10% do PIB mundial, segundo os dados da Organização Mundial de Turismo, OMT, um organismo especializado da ONU. Portanto, são dados formais. A atividade econômica do turismo atinge hoje, no mundo, a cifra de US$3,7 trilhões. Um de cada nove empregos criados em todo o mundo é gerado pelo turismo, é o setor que mais gera empregos e o que exige o menor valor por emprego criado. O Eugênio Staub disse que o setor de papel e celulose - que é um setor importante, estratégico e que está dentro das vantagens comparativas que o Brasil possui - gera 55 mil empregos com um investimento de US$10 bilhões numa década. O turismo gera 55 mil empregos para todos os tipos de trabalhadores brasileiros em um ano, com a entrada adicional de US$ 1 bilhão trazidos dos turistas estrangeiros. Repito, a cada bilhão de dólares a mais que entra no Brasil, devido à chegada de turistas estrangeiros, proporciona a geração de 55 mil novos empregos diretos.

Ao recebermos o honroso convite para dirigir o Ministério de Turismo, preparamos um plano que foi apresentado pelo Presidente da República, em 29 de abril do ano passado. O plano tem cinco metas: 1) gerar 1,2 milhão de empregos até 2007; 2) atrair 9 milhões de turistas internacionais até 2007; 3) proporcionar um ingresso de US$ 8 bilhões; 4) gerar, até 2007, 65 milhões de desembarques domésticos, porque computar o volume de desembarques domésticos é a única maneira formal que temos de medir o fl uxo dos turistas domésticos; e 5) expandir a oferta turística nacional, disseminando, no mínimo, mais três produtos de categoria internacional em cada estado. Todas essas metas estão sendo conseguidas.

Entre 1995 e 2002, o Brasil produziu US$ 20 bilhões de défi cit na balança do turismo. Nós jogamos fora US$ 19.949 bilhões (dado do Banco Central). Nós jogamos fora, pois não fi cou aqui uma máquina, um telefone, um

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metro de asfalto, uma cadeira, um computador. Foi a farra de achar que o nosso dinheiro tinha um valor que não tinha e deixamos lá fora dezenove bilhões, novecentos e quarenta e nove milhões de dólares em oito anos. No ano passado, nós geramos US$ 217 milhões de superávit na balança do turismo e até junho deste ano US$ 370 milhões de superávit na balança do turismo. Os desembarques internacionais aumentaram 17% até junho deste ano, estamos no melhor momento da história, e os desembarques domésticos aumentaram 15%. Já geramos neste ano 78 mil empregos diretos e a nossa meta é gerar 200 mil empregos diretos. Todas as metas do turismo estão postas, colocadas, divididas por trimestre. Estamos prestando conta delas no Conselho Nacional do Turismo, estão no site www.turismo.gov.br. É uma atividade econômica, a mais importante atividade econômica hoje da economia mundial. Gera emprego, traz divisa e distribui o dinheiro em todos os 27 estados do País, para o perfi l do trabalhador brasileiro, que tem seis anos de escolaridade.

Bernard AppySecretário-Executivo do Ministério da Fazenda

O tempo é muito curto e, por isto, vou falar rapidamente. Quero destacar dois pontos importantes. Entendo que estamos hoje, sob a ótica macroeconômica, em uma das situações mais favoráveis das últimas décadas para o crescimento sustentado. Vivenciamos uma conjunção de fatores que inclui contas fi scais em ordem, contas externas bem mais sólidas do que tivemos nos últimos anos e uma política adequada de controle da infl ação. Essa conjunção macroeconômica, esse ambiente, permitirá que o País cresça com pouca volatilidade nos próximos anos. O ritmo em que ele vai crescer dependerá do ritmo dos investimentos e do aumento da produtividade da economia nacional.

Os nossos desafi os agora são exatamente esses: criar condições para que o investimento seja o maior possível nos próximos anos; criar condições para que a efi ciência da economia cresça o máximo possível nos próximos anos; criar um ambiente adequado para que os empresários possam investir. Esta é a grande agenda que temos de desenvolver. Este Governo tem ainda muito trabalho a realizar, mas acho que as condições para fazê-lo estão dadas. O que estamos discutindo hoje é qual o ritmo em que vamos crescer nos próximos anos. Temos muito a fazer para que possamos crescer mais aceleradamente do que estamos crescendo. O Brasil é um país que pode crescer 5%, 6%, 7% ao ano, de forma equilibrada e temos que ter consciência disso. Temos que lutar por isso e criar as condições para isso.

Quero aprofundar um ponto que foi abordado pelo professor Luiz Gonzaga Belluzzo e com o qual eu concordo totalmente. Disse ele que para esse processo dar certo vamos ter que criar condições adequadas de fi nanciamento do investimento nacional, que terá de ser feito com recursos domésticos. Entendo que este é um ponto fundamental para o País. Para cumprir esta agenda teremos que criar as condições adequadas: estimular a poupança de longo prazo no País, criar um ambiente adequado para os investidores investirem. Principalmente, no entanto, precisamos levar em conta que a intermediação de recursos privados de longo prazo no país só vai ocorrer quando se consolidar a estabilidade. À medida que se consolida a estabilidade, nós criamos condições para o desenvolvimento do mercado de capitais e do fi nanciamento de longo prazo no País.

Esta é uma das conseqüências da estabilidade que ainda não colhemos. Este é um ponto importante. Estamos hoje experimentando os resultados de uma política macroeconômica consistente. Estamos vendo o crescimento da economia, mas muitos dos frutos dessa estabilidade macroeconômica ainda não colhemos. Um desses frutos é a criação de condições para o desenvolvimento de uma estrutura de fi nanciamento de longo prazo na economia brasileira. Não vai haver fi nanciamento de longo prazo se o Banco Central reduzir os juros hoje e os empresários olharem e falarem: “daqui a 6 meses ele vai ter que subir de novo”. Vai haver fi nanciamento de longo prazo quando o Banco Central reduzir o juro e os empresários olharem e falarem: “as condições estão dadas para que ele reduza de novo, daqui a 6 meses, daqui a 1 ano, daqui para frente, que reduza de forma consistente”, pois essa é a conseqüência da solidez da política macroeconômica.

Outro fruto da estabilidade macroeconômica, que nós ainda não colhemos, é a mudança na forma de atuação das empresas. Trata-se de uma mudança que vem aos poucos e que ainda está longe de estar completa. O que acontece à medida que se consolida a estabilidade? O que acontece é que as empresas passam a atuar de forma menos defensiva, seja em sua política de investimento, seja na própria fi xação de suas margens de lucro. Em um ambiente de instabilidade macroeconômica, as empresas se defendem investindo menos - e, portanto, reduzindo o risco de perdas futuras -, mas se protegem também fi xando altas margens de lucro, o que é natural, pois é isso que pode garantir sua sobrevivência, face à instabilidade. À medida que se consolida a estabilidade e o crescimento se torna menos volátil, as empresas se tornam propensas a investir mais, pois o risco de perdas, em função de grandes oscilações macroeconômicas, se torna menor. Os benefícios da estabilidade vão ainda, além disso. Em um ambiente estável desenvolvem-se condições mais favoráveis à concorrência entre as empresas, que passam a atuar de maneira menos defensiva, com margens de lucro menores, benefi ciando os consumidores.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 41\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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É importante destacar aqui que estabilidade macroeconômica não diz respeito apenas à manutenção da infl ação em patamares baixos, mas também à perspectiva de baixa volatilidade de todas as variáveis macroeconômicas. Um país que precisa de taxas de juros de 40% ao ano para poder atrair e manter capitais externos é um país instável. Um país com um défi cit brutal em conta corrente - como foi o caso do Brasil - é um país instável. Uma das conseqüências dessa instabilidade é que as empresas adotam uma postura defensiva: elas investem menos para se protegerem, para não se comprometerem muito com o futuro, e operam com margens de lucros mais elevadas para se proteger da própria instabilidade. Na medida em que se consolidar a estabilidade, as empresas irão começar a operar de forma diferente. Ou seja, estamos no Brasil hoje numa situação em que o país pode mudar de forma qualitativa e não apenas quantitativa. Não colhemos ainda todos os frutos desse processo, mas estamos trabalhando para que os possamos colher. Certamente quando isso ocorrer, o Brasil vai crescer de forma sustentada, de uma forma diferente da que ocorreu no passado e vamos ter um país melhor, inclusive do ponto de vista da distribuição de renda, porque quando as empresas operam de forma defensiva quem paga é o consumidor.

Temos um trabalho grande a fazer e o diálogo é fundamental para que esse trabalho dê certo. Espero que esse diálogo consistente continue e gostaria de agradecer muito a qualidade dos expositores aqui presentes, muitos dos quais foram meus professores, me ensinaram muito e aos quais devo muito até hoje.

Cláudio LangoneSecretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente

A primeira questão que vou levantar para comentários da mesa é a seguinte: acho que o Brasil é um pouco perseguido pela síndrome de país do futuro. Isso nos impede de ter uma agenda concreta e consistente de retomada do crescimento. Temos todas as condições para fazer isto, mas tenho ouvido, visto e lido muita coisa, principalmente falas de economistas, no sentido de que, como condição para o desenvolvimento, nós teríamos que perseguir a seguinte equação: “o governo tem pouco dinheiro para investir, é o setor privado que tem recursos para investir”. Portanto, uma fala como: “o governo não deve atrapalhar”. Isso faz com que uma das palavras mais usadas nos últimos tempos para essa discussão seja “gargalos”. E o meio ambiente tem sido apontado como um dos “gargalos”.

Obviamente, nós temos um conjunto de questões que estão sendo enfrentadas pelo governo: o marco regulatório, o tema dos licenciamentos ambientais etc. Isto repõe uma discussão que há 10 anos teve um papel, mas que já não tem mais sentido fazer no Brasil, que é a discussão sobre a função do Estado. Parece-me que a opinião média de todos os que estão construindo ou que querem construir uma agenda consistente para o desenvolvimento, é a de que o Estado tem um papel fundamental e que a discussão sobre o Estado mínimo está deslocada, não está mais no âmbito da presente conjuntura. Então, eu gostaria que os painelistas abordassem um pouco essa questão do papel do Estado, particularmente, do governo nesse processo.

A segunda questão é que estamos perseguindo a superação dos problemas ambientais mas, na nossa opinião, estas questões decorrem da falta de inserção da dimensão ambiental numa estratégia de desenvolvimento. Como se perdeu a dimensão de planejamento de políticas setoriais, é razoavelmente fácil explicar por que não há essa inserção. Na medida em que não temos uma prática moderna de planejamento, fica difícil inserir uma variável específica no planejamento de ações setoriais. O Governo está retomando isso através das Câmeras Setoriais, com a participação efetiva do setor ambiental, mas seria importante que nós explorássemos a dimensão ambiental não só como resolução de problemas, de gargalos, mas também como potencialidade.

Vou citar, na comparação com a China, o Brasil e a indústria brasileira. A China hoje tem 18 a 20 reclamações na OMC por dumping ambiental. O Brasil tem hoje, nos setores produtivos de infra-estrutura, um padrão de desempenho ambiental que nos permite competir em nível de igualdade no contexto globalizado. Nós temos setores da economia, vou aproveitar a fala do Ministro do Turismo, com um potencial muito grande de crescimento, como por exemplo, o do enorme conjunto de investimentos realizados em grandes complexos turísticos na costa do Nordeste brasileiro, onde o principal capital é a beleza natural do Brasil. Nessa região, toda a atratividade turística e a atratividade dos investimentos estão vinculadas ao necessário equilíbrio entre a preservação da nossa condição natural e do capital natural que temos e que já foi abordado aqui pelo Ministro José Dirceu. Entendo que seria interessante que tivéssemos essa abordagem da questão ambiental não só como um gargalo, mas também como potencialidade, dentro de uma agenda consistente de desenvolvimento.

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Eduardo SuplicySenador Federal

O professor Luciano Coutinho ressaltou o crescimento extraordinário dos Estados Unidos nos anos 90 e, sobretudo, o ocorrido durante os anos Bill Clinton. No livro “My Life”, autobiografi a do Bill Clinton, ele fala dos principais fatores que levaram a isso. Gostaria de aproveitar a oportunidade, inclusive pela presença das representações dos empresários e dos trabalhadores, porque nem sempre nós tivemos a preocupação como sociedade, - sejam os trabalhadores, os empresários, o governo ou o Congresso - em entender as relações que levaram àquele crescimento. Há 17 referências no livro do Bill Clinton sobre qual foi um dos principais instrumentos que ele adotou. Foi a expansão extraordinária do Sistema de Transferência de Renda, ali denominado Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, o IATC, que ele mais do que dobrou e expandiu, inclusive para as famílias de trabalhadores ocupados que não tinham dependentes, porém mais para os que tinham dependentes.

Quanto ganha um trabalhador recebendo um salário mínimo nos Estados Unidos? US$ 5,20 por hora. Se trabalhar 160 horas, ganhará cerca de US$ 800 por mês, US$ 10.000 por ano, aproximadamente. Um trabalhador que tiver mulher, duas ou mais crianças, e remuneração de US$ 10.000 quanto recebe? Alguém aqui sabe responder quanto ele recebeu no ano passado? US$ 4.200 a mais. Ele recebeu US$ 14.200 no total. Qual foi o resultado disto, do ponto de vista da competitividade dos Estados Unidos em relação a nós? Se não fi zermos algo semelhante ou melhor, os Estados Unidos e as suas empresas estarão sendo mais competitivos em relação a nós, devido à ausência de um sistema adequado, pelo menos tão bem adequado, aqui no Brasil.

O que fez a economia que mais diretamente compete com a dos Estados Unidos? O Tony Blair, Primeiro-Ministro da Inglaterra, criou o Family Tax Credit. Um trabalhador que ganha algo modesto no Reino Unido, £ 800 por mês, recebe £ 400 a mais de Family Tax Credit, de crédito fi scal. O que o conhecimento acumulado de todos os economistas que estudaram esta questão denota? Esse foi um sistema adequado, mas há um mais adequado que, nos Estados Unidos mesmo, é provado como melhor e que é justamente aquilo que felizmente o Congresso Nacional aprovou e o Presidente Lula sancionou: a Renda Básica da Cidadania; um sistema consistente para a competitividade da economia brasileira. Felizmente, o Brasil está hoje avançando na direção correta, com o Bolsa Família, e que poderá se transformar na Renda Básica de Cidadania. Que já é lei.

Quero ressaltar a importância dos programas de transferência de renda, não apenas como uma emergência para combater a miséria, mas como um instrumento consistente para a competitividade da economia brasileira e para a maior liberdade e dignidade de todos os seres humanos e, em especial, dos trabalhadores.

Juçara DutraConselheira do CDES

Quando o Luiz Marinho disse que estava fazendo falta uma mulher ali à mesa, fi quei pensando que, talvez, estivesse fazendo falta também um jovem. Não estou chamando ninguém de velho, embora a velhice seja algo que todos perseguimos, todos nós queremos chegar lá. Estou falando na questão da juventude no sentido de que temos que ter ousadia quando pensamos um projeto para o Brasil, porque estamos vivendo na realidade mundial uma encruzilhada do processo civilizatório.

Estou falando isso porque sou professora há 34 anos - e, portanto, também não seria uma jovem à mesa - que debateu, nos últimos dias, duas questões fundamentais, em um encontro que reuniu educadores de 165 países em Porto Alegre e que contou com a presença do Presidente Lula. Uma delas é o fi nanciamento da educação, tendo em vista a tendência à mercantilização verifi cada nos últimos anos O deslocamento do debate sobre educação, por exemplo, da UNESCO para a Organização Mundial do Comércio. Discutimos uma coisa que, aparentemente, não deveríamos discutir nesse início de século e de milênio, que é o direito de o aluno aprender. Por que discutir o direito de aprender quando temos crianças tão inteligentes quanto eram antigamente e temos todas as teorias pedagógicas que permitiriam que as crianças aprendessem? No entanto, como o Ministro José Dirceu falou e como as estatísticas mostram, temos crianças da 4ª série que não sabem ler.

Assim, entendo que quando pensamos um projeto para o Brasil temos que pensar em alguns pressupostos. Um deles é o combate ao analfabetismo, de todas as formas e com toda consistência. O outro é o direito de a sociedade ter uma educação escolarizada o que, no Brasil, não é tão simples quanto possa parecer. Esta questão tem relação com o pacto federativo, já que mais da metade dos municípios brasileiros sobrevive de transferências dos governos estaduais e federal. Só começaremos a resolver o problema da educação escolarizada quando os estados e municípios forem também envolvidos na sua resolução. Temos, além disso, ao lembrar alguns pressupostos para o desenvolvimento do Brasil, que pensar no Projeto Universidade. Não será possível o desenvolvimento do País sem

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repensarmos profundamente a universidade brasileira no seu papel de ensino e também no seu importante papel de pesquisa. Pesquisa que é indutora da autonomia e da soberania nacionais e é também indutora de qualidade de vida para a população brasileira.

Quero trazer essas refl exões e deixar como sugestão ao Ministro Jaques Wagner que nós convidemos o Ministro Tarso Genro para falar de três questões: do analfabetismo; do fi nanciamento, especialmente do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que é fi nanciamento da educação básica, e para falar também da Reforma do Ensino Superior. Tudo isso na perspectiva de estarmos integrando esses temas ao nosso debate.

Pedro Ribeiro de OliveiraConselheiro do CDES

Eu quero comentar o que disse o nosso mestre Celso Furtado: “Desenvolvimento difere de crescimento porque pressupõe o social”. Indagado pelo Ministro Jaques Wagner: “Mas o que é o social?”, ele responde: “Geração de emprego, ocupação, trabalho digno para todos e para todas”. Eu lembro que trabalho é uma necessidade na cidade e no campo. A reforma agrária também é parte do desenvolvimento.

Segundo esse critério, a geração de mais de um milhão de novos postos de trabalho é sinal de que o Brasil entrou mesmo na rota do desenvolvimento. Espero que sim. Agora a questão é: o que colocou o Brasil na rota do desenvolvimento? Seriam maciços investimentos externos? Não, porque até agora o Brasil não atraiu capitais produtivos. O risco Brasil, inclusive, continua surpreendentemente alto.

O desenvolvimento deve ser atribuído a uma conjuntura externa favorável, mas também à atuação do sistema público de fi nanciamento. Antes de tudo, no entanto, relembro aqui o mesmo que disse Celso Furtado: “o surpreendente vigor da economia brasileira”, onde trabalhadores, trabalhadoras e o empresariado fazem de tudo para aumentar e melhorar a produção de bens e serviços. Apesar de todas as difi culdades, o nosso povo quer trabalhar e os nossos empresários querem produzir. Isso independentemente da política macroeconômica obcecada pelo equilíbrio fi scal. A recessão está sendo vencida pelo vigor do nosso povo, do nosso empresariado.

Precisamos agora aumentar o investimento. Investimento que alavanque esse vigor que já existe. Isso signifi ca investimento público. O Ministro José Dirceu disse, com toda razão, que o investimento do Estado deve ter o patamar de, no mínimo, 3% do PIB. Isso signifi ca, necessariamente, uma redução drástica do superávit primário, que está superior a 4%, e da taxa de juros. Ou seja, derrubar dois dogmas da política macroeconômica. O Presidente Lula nos lembrava ontem que “os dogmas cegam”.

Para fazer isto precisamos de vontade política, como nos disse o conselheiro Eugênio Staub com toda razão. Mas coragem política o Presidente Lula tem; a vida dele o demonstra. O que precisamos, mais do que tudo é o apoio da sociedade. Apoio da sociedade e vontade política do Governo. Aqui eu vejo a importância estratégica do nosso Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Da minha parte quero assegurar que as 80 mil Comunidades Eclesiais de Base, de quem sou aqui a referência, querem dar todo o apoio ao Governo Lula para enfrentar esses dogmas fi nanceiros e levar adiante um projeto nacional de desenvolvimento.

Francisco DóriaConselheiro do CDES - Suplente

Eu quero falar da presença do Brasil num mundo que é dito virtual, mas que é tão real e tão concreto quanto o mundo das coisas sólidas, talvez na aparência, mas sólidas. Há cerca de seis meses aconteceu na internet um fenômeno originado nos Estados Unidos chamado Orkut. Só é possível entrar neste sítio a convite. Hoje em dia, para escândalo, horror e reações violentas dos americanos a presença do Brasil no Orkut está se aproximando dos 60%. Os americanos são apenas 20% da população do Orkut e, mais ainda, a presença dos brasileiros no Orkut se situa entre 15 e 30 anos, média de idade consideravelmente abaixo da média de idade dos demais participantes. O que quer dizer isso? Isso mostra como o Brasil é capaz de assimilar tecnologia de ponta muito rapidamente e usá-la de maneira até inesperada. Isto inclui toda a área de so� ware.

Posto isso, quero fazer apenas uma observação. Essa garotada que está no Orkut, toda antenada, toda voltada para tudo que existe de mais atual na área de comunicação através de meios eletrônicos, não tem nenhum programa nacional destinado a incentivar o seu desenvolvimento científi co. Estou assinalando a faixa de idade. Começa em 15 anos e acaba em 30 anos, que é a ponta superior. Não existe nenhum programa que comece a incentivar o talento científi co a partir dos 15 anos de idade. Talento que se manifesta espontaneamente. Se um garoto desse que, de um

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES44 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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modo geral, costuma usar soft ware livre, quiser pedir bolsa ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), não vai poder porque o acesso ao CNPq é através do soft ware proprietário. Quem usa Linux, quem usa Unix, quem usa qualquer tipo de soft ware livre não consegue pedir bolsa aos nossos maiores fi nanciadores de pesquisas. Esse paradoxo precisa ser resolvido.

Sulamis DainConselheira do CDES - Suplente

Eu quero falar sobre a dicotomia entre o econômico e o social. Em uma Agenda Nacional do Desenvolvimento me parece que o social tem que sair do papel de ser um exercício de má consciência de todos nós para assumir a centralidade que ele sempre deveria ter tido nesse processo. Se fi zermos o exercício de abandonar essa dicotomia e pensar a política social de forma integrada, poderemos começar a construir esse processo de planejamento, afi rmando as vinculações da política social que são parte de uma política de Estado. Se fi zermos isso teremos grande tensão, porque certamente as metas de superávit serão mais difíceis de cumprir. Mas esta é uma tensão verdadeira que tem que estar explicitada. Ou seja, quando mudamos a ordem da prioridade não é o social que é defi citário, nem o ministério da área social que é o gastador. Ao contrário, eles são partes orgânicas desse mesmo processo.

Nessa linha, os países da Europa nos oferecem uma coisa nova que são as políticas de proteção social ativa. Através dessas políticas, havendo se diagnosticado o problema da diferença de rendas entre homens e mulheres, as mulheres foram protegidas no sentido de poder voltar mais rapidamente ao mercado de trabalho. Com isso, a diferença de renda entre homens e mulheres desapareceu, a taxa de natalidade dos paises nórdicos aumentou e eles hoje têm as mais altas taxas de crescimento da economia. Se isso fosse feito no Brasil, certamente a Ministra Nilcéia Freira, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, e os demais ministros da área social seriam artífi ces dos bons resultados da economia brasileira. Eu espero que esse tempo chegue.

Se nós aplicarmos essa idéia à política da saúde, tão bem lembrada aqui pelo Celso Furtado, como emblema da área social, reconheceremos que ela é uma política que integra um complexo. Um complexo do qual faz parte uma política de medicamentos, uma política de soberania nacional, uma política extremamente expressiva de recursos humanos e de emprego e, também, a política industrial, a científica e a tecnológica. Se nós a aplicarmos como uma política de proteção ativa, finalmente escreveremos a política social no coração da Agenda Nacional de Desenvolvimento. Se assim acontecer, nós deixaremos de falar em resgate da dívida social porque, na verdade, teremos assumido um compromisso permanente com a política social. Enquanto isso não acontecer, defenderei a vinculação de recursos da área social para que a política social possa ocupar o lugar que ela merece.

José Mendo Mizael de SouzaConselheiro do CDES

Sou José Mendo Mizael de Souza e procuro trazer ao Conselho a contribuição da área da mineração para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Pego carona na citação do professor Luiz Gonzaga Belluzzo quando disse: “cuidado com o arquiteto que oferece a casa muito barata” e emendo: cuidado com o arquiteto que faz a casa sem alicerce. A mineração é o alicerce do crescimento e do desenvolvimento sustentável. Ela é a base da cadeia produtiva do agronegócio, da construção civil, da indústria e do turismo, que o meu caro amigo Ministro Walfrido dos Mares Guia destacou tão bem.

Agora o que estamos precisando no Brasil é, em primeiro lugar, termos a percepção da importância da mineração. É lamentável - e eu já disse isso, ontem, na reunião plenária do Conselho e repito hoje, porque aqui tem um público composto de outras pessoas - que, ao comemorar 18 meses de trabalho e esforço, o Governo Federal não cite a palavra “mineração” nem uma vez, em sua publicação de prestação de contas. Isso mostra uma falta de percepção que, em um país minerador como o nosso, não podemos ter.

E por isso é importante marcar, como minha primeira observação, que o recurso mineral é um recurso ambiental. Não existe essa falsa dicotomia entre mineração e meio ambiente. O que existe é a necessidade de se aproveitar melhor os recursos ambientais. E aí entra o conceito de sustentabilidade ao qual devemos incorporar duas ferramentas fundamentais. A auditoria de conformidade, que seria paga pelo próprio empreendedor, que proporcionaria ao governo a informação precisa do andamento dos seus respectivos projetos e empreendimentos, a qual, inclusive, propiciaria informações importantes para a sustentabilidade dos mesmos. Se queremos aumentar os investimentos - e eles são indispensáveis à criação dos empregos de que tanto necessitamos - precisamos ter licenças ambientais em tempo e à hora, haja vista a atual velocidade na decisão e implantação de empreendimentos.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 45\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Evidentemente, não vou nem citar a questão da carga tributária, porque como mineiro e da mineração, no passado já tivemos Tiradentes sacrifi cado por rebelar-se contra uma carga tributária de 20% (vinte por cento) do PIB [a Lei do .Quinto. do ouro]. Se fosse hoje teríamos que ter dois Tiradentes, porque a carga tributária já está a atingir praticamente 40% do PIB.

O segundo ponto é a questão do conhecimento geológico. Não podemos ter o Brasil reconhecido internacionalmente como o maior e melhor ambiente geológico do mundo, enquanto nós próprios o conhecemos tão pouco. Agora, fi nalmente - e felizmente! - a Ministra Dilma Rousseff propôs e o Congresso Nacional aprovou recursos fi nanceiros para o referido conhecimento geológico, a partir do qual poderemos iniciar os estudos e mapeamentos respectivos. Hoje, inclusive, está havendo um seminário no Ministério de Minas e Energia, para a retomada dessa questão. Agora, o crucial é que não se pode contingenciar os recursos orçamentários para esses estudos nem para a tecnologia mineral. Porque cada jazida é uma jazida e cada uma precisa ter desenvolvida a sua tecnologia particular. Então, por favor, não contigenciem. É melhor menos quantidade sem contigenciamento do que a esperança de valores maiores com contigenciamento. E não podemos nos esquecer de que a questão da infra-estrutura é fundamental.

Encerro, lembrando que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística) mostra que cada emprego gerado na mineração sustenta outros 13 empregos na economia. Eis que a mineração tem efeitos para frente e para trás, pelo que é absolutamente essencial considerá-la em nosso processo de desenvolvimento sustentável, porque todos os países que cresceram no mundo, das duas, uma: ou cresceram em cima de sua base mineral - Inglaterra, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Austrália e Chile, por exemplo - ou importando fortemente minerais, como o caso do Japão. E me permito lembrar que, na história do Brasil, foi a mineração que fez a democracia, construiu o Estado e nos fez pensar e lutar pela liberdade.

Firmin AntônioConselheiro do CDES - Suplente

A questão apresentada é como empreender um estilo de desenvolvimento que interesse ao conjunto da sociedade brasileira. Ou seja, com inclusão social, com emprego, com formação rápida de educação de adultos, em atividades com a cara do Brasil. Estas atividades deverão corrigir rapidamente as desigualdades sociais entre as regiões ricas e as desfavorecidas, reduzindo a informalidade e a insegurança – os dois cânceres da vida econômica e social do Brasil - como desejou o Ministro José Dirceu, mas tudo isso deverá ser feito em curto prazo e com custos de investimentos modestos, em relação às garantias do retorno para a sociedade. A resposta encontrada no mundo - e não será diferente no Brasil, pelos resultados obtidos dentro deste governo atual, como informou o Ministro Walfrido dos Mares Guia - é, sem dúvida, a atividade do turismo.

TURISMO - sete letras mágicas que representam a melhor indústria do mundo, mas que ainda é pouco desenvolvida no Brasil. O Brasil é o 15º no PIB mundial e o 30º no mundo no ranking mundial de recepção de turistas. O turismo é, também, a indústria do otimismo e da confiança num país; é a indústria da exportação e do desenvolvimento sustentável, porque mexe com emprego, educação, cultura, meio ambiente, agricultura, construção civil, infraestruturas, transportes, segurança. Pois quem tem turismo tem paz, sendo, também, uma atividade de comércio exterior.

Como se falou aqui, o turismo já é o terceiro item no ranking de divisas do Brasil nesse semestre, imaginem no futuro. O turismo é também a indústria da pequena economia, o que ainda não se falou aqui, pois envolve 52 segmentos de atividades: da hotelaria ao taxista. É uma indústria extremamente atomizada e importante.

Acredito, senhoras e senhores, por experiência própria, nacional e internacional, que o Brasil poderá ser um destino turístico importante e singular. Isto depende de um grande mutirão que envolva toda a sociedade: ministérios, estados, municípios, iniciativa privada, organismos internacionais, sociedade em geral. A minha sugestão é a de que este é o momento para fazer esta aposta. “É a batalha a não perder”, como disse o professor Celso Furtado, referindo-se à prioridade do emprego.

Concluo, apoiando, portanto, as iniciativas do Ministério do Turismo e da Embratur em torno do Plano Nacional do Turismo, que, na minha opinião, deveria ser a nossa cartilha para todos os fóruns, inclusive, da Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico, colocada nas mãos do Ministro José Dirceu, e do próprio Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que, após todo esse tempo, ainda não se expressou sobre o papel do turismo no desenvolvimento equilibrado e sustentável deste País. O Presidente Lula é o maior inspirador de uma nova era. Não vamos deixar escapar essa chance. Ousadia e iniciativa é o que esperamos.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES46 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Tânia Bacelar de AraújoConselheira do CDES

Eu quero afi rmar que não existem regiões destinadas a ser pobres no Brasil. Essa dicotomia de concentração de pobreza e destino de pobreza é falsa, até porque nas regiões mais ricas do Brasil se concentram, também hoje, enormes bolsões de pobreza. A realidade nos impõe rever esse conceito e tratar o regional, no Brasil, não como um problema porque, se da herança que fi cou a desigualdade regional aparece como um problema, a dimensão regional no Brasil nos ajuda a descobrir que um de seus grandes potenciais é exatamente a magnífi ca diversidade regional brasileira. Num país continental, com dezenas de biomas, fomos capazes de montar bases produtivas e culturas diferenciadas. Isso faz a riqueza do Brasil e o potencial do Brasil. Por este motivo, mudar esse olhar e enxergar o problema e o potencial é muito importante.

A segunda coisa a romper é que o problema regional brasileiro não é Norte, Nordeste, Centro-Oeste. Como disse o Ministro José Dirceu, o Centro-Oeste não está ai. Todos os estudos mostram que o Centro-Oeste tem padrões mais próximos do Sul e do Sudeste do que do Norte e do Nordeste. Então, na escala macro nosso problema se chama Norte e Nordeste, ponto. Só que na escala sub-regional, se colocarmos uma potente lupa na escala macro, todas as regiões brasileiras têm problemas regionais. São Paulo tem problemas regionais. A Grande São Paulo tem problemas regionais. Então, precisamos trabalhar numa outra escala, uma escala mais fi na, para descobrir os problemas regionais brasileiros e tratá-los, não somente no Norte e Nordeste, mas em todas as macro-regiões do País e, aí, a dimensão do tratamento tem que ser a de uma política nacional.

O grande desafi o é não tratar a política regional como política compensatória. Embutir a dimensão regional nas políticas setoriais. Estamos avançando bastante em fazer isso com a dimensão ambiental, mas estamos a anos-luz de fazer isso com a dimensão regional. O Eugênio Staub deu três critérios importantes para escolher intervenções de política industrial, com os quais concordo. Quem é que cria emprego? Quem é que estimula mais a exportação? Quem é estratégico para o futuro do país? E tudo isso tem que ser pensado com a dimensão regional junto, que informa para onde deveriam ir esses investimentos. O que cria mais emprego vai para onde? O que gera mais exportação vai para onde? E o que é estratégico vai para onde? Os Estados Unidos fi zeram isso. A Europa fez isso. Nós precisamos aprender a fazer isso. O Governo avançou em alguns pontos e teve alguns recuos. O Governo tentou criar um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Não foi compreendido pelos governadores, que transformaram o fundo num FPE 2 (Fundo de Participação nos Estados), com a visão velha da questão regional brasileira. O Governo agora criou a Câmara Nacional de Política Regional, junto à Casa Civil, para fazer o que estou dizendo: discutir a dimensão regional nas políticas setoriais. Política de inovação é estratégica e fundamental, mas 65% do parque produtor e as principais empresas inovadoras do País estão em certas regiões. Portanto, na Política de Inovação o tratamento da dimensão regional é fundamental. É uma nova agenda.

Jurema WerneckConselheira do CDES - Suplente

Fico contente por muitas pessoas que falaram antes de mim terem introduzido e abordado grande parte do que eu tinha para dizer. Ou seja, responder a uma das premissas de qualquer projeto ou proposta de desenvolvimento: o desenvolvimento necessariamente implica em desenvolvimento humano, na face humana e nas necessidades humanas e, também, nos desejos humanos de alegria e felicidade.

Quando falamos da face humana, nós sugerimos os humanos que são mulheres e homens, como bem lembrou o conselheiro Luiz Marinho, mulheres e homens, brancos, negros, indígenas, asiáticos, ciganos, judeus e tantos outros. Somos homossexuais, heterossexuais, trans-sexuais, travestis e o que mais a diversidade humana puder inventar. Somos de diferentes gerações também, como já foi lembrado aqui pela conselheira Juçara Dutra. Somos múltiplos, somos variados, mas quando pensamos nessa humanidade brasileira é preciso lembrar que participamos tanto da formulação quanto do resultado do desenvolvimento brasileiro, de forma diferenciada. E como diferenciada aqui eu quero dizer hierarquizada e, desde o lugar que ocupo, inferiorizada. Isso precisa ser considerado em qualquer discussão sobre desenvolvimento.

Por outro lado, é preciso recuperar também a necessidade de “desnaturalizar” essa inferiorização. Nós temos participado, sim, de forma inferiorizada. Nós mulheres, nós negros, nós pobres, nós tantos temos participado de forma inferiorizada, mas temos contribuído ao longo desse tempo todo. Só estamos aqui, no século XXI, diante de toda a violência que signifi ca a desigualdade, porque trabalhamos e trabalhamos muito, ainda que, em grande parte do tempo, de forma isolada. Passamos grande parte do tempo sem sentar à mesa do debate do desenvolvimento. Agora estamos aqui, e para estar aqui custou muita luta, custou muita gente que fi cou para trás. Mas estamos aqui e é preciso considerar que temos que continuar aqui e cada vez mais.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 47\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Eu represento uma legião de pessoas. Represento as mulheres organizadas, represento os negros organizados, de alguma forma represento os indígenas que não estão no Conselho1, represento as ONGs que ainda são minoria, represento uma legião de tantos que vieram de favelas, que estão em muitos lugares. Então, é preciso ampliar e reconhecer que necessitamos participar mais efetivamente, ter ressonância da luta que temos travado ao longo dos 500 anos até aqui.

Como represento as ONGs, também entendo que é importante distinguir em qualquer proposta de desenvolvimento as ONGs das organizações da sociedade civil. E também deixar de incorrer em muitos erros nos quais temos incorrido sobre qual o papel das ONGs. Vou dizer primeiro o que não é papel das ONGs. Não é papel da ONGs terceirizar serviço público. Não estamos aqui para fazer aquilo que o governo não consegue fazer, o que o Estado não consegue fazer, inclusive, os cadastros. Não somos fazedores de cadastros, por exemplo. Não somos, também, aquele setor que contribui para dar ganho de imagens às empresas nem dar ganho de impostos de renda às empresas. As ONGs precisam ser consideradas como atores políticos importantes na formulação de projetos. Temos feito isso ao longo do tempo e acho que se vamos pensar em desenvolvimento é preciso considerar que as ONGs têm muito a declarar, têm muita produção e precisam estar cada vez mais representadas nesse diálogo.

Rodrigo LouresConselheiro do CDES

Concordo com as contribuições de todos os participantes e, inclusive, com a dos que me precederam, mas quero dar um destaque para uma questão que é estratégica e que, na percepção da indústria, é um tema que permeia o interesse de todos os setores do País: a questão da energia. Muito do nosso endividamento, muito da nossa história tem a ver com os erros ou desacertos ao se tratar da energia no passado.

A questão da energia no Brasil, nos últimos 50 anos, foi tratada fundamentalmente pela Petrobrás e Eletrobrás. Daqui para frente, não será possível se equacionar a solução apropriada para o desafi o da energia apenas pelas iniciativas de estatais. Todas as evidências indicam que vai haver uma grande mudança, uma grande transformação na matriz energética do planeta. Para o Brasil isto representa simultaneamente uma ameaça e uma grande oportunidade. A nossa percepção é a de que o tema energia precisa ser tratado de uma forma mais aprofundada e ampliada, envolvendo, necessariamente, o setor produtivo, a iniciativa privada, o empreendorismo.

É preciso encontrar apropriados formatos e processos de trabalho para que o Brasil enfrente, de uma forma efi caz, os obstáculos e as difi culdades que vão surgir nos próximos anos - e estamos falando num horizonte bastante próximo para um país. Por exemplo, as nossas reservas conhecidas de combustíveis fósseis durarão 18 anos, o que não é nada. A nossa capacidade hidrelétrica, conquanto haja considerável potencial, grande parte dela está na Amazônia e é de difícil equacionamento.

Assim sendo, necessária e obrigatoriamente, vamos ter que trabalhar com o conceito de energia renovável, biomassa, desenvolver competências nessa área. Poderemos, inclusive, pretender, em muitas destas áreas, sermos os líderes em todos os aspectos relacionados à energia, à tecnologia, à operação, à produção, à logística. Enfi m, temos condição, temos potencial para sobressair muito bem, nos próximos anos. O que se percebe, no entanto, é que o tema está sendo tratado pelos canais tradicionais e há como que uma inércia nacional em relação a ele. Há a necessidade de se dar maior atenção à temática da energia. Essa é a nossa percepção, a nossa contribuição.

José César CastanharConselheiro do CDES - Suplente

Eu quero fazer duas considerações sobre aspectos mencionados pelo conselheiro Eugênio Staub, ao fi nal de sua apresentação, destacando dois riscos que estão presentes no momento atual. O primeiro risco diz respeito à sensação ou à noção de que já deu certo. Ou seja, de que a política radicalmente ortodoxa de ajuste fi scal adotada na transição do governo deu certo e, mais do que isso, de que a retomada do crescimento, que hoje se observa, seria decorrência natural e espontânea dessa política e que, portanto, ela deveria prosseguir inalterada e, talvez, até aprofundada. Quero discordar dessa avaliação e argumentar que, se os dados atuais sobre o crescimento econômico são de fato positivos e importantes, são em grande medida, se não na totalidade, decorrentes, paradoxalmente, de iniciativas de políticas do Governo contrárias à ortodoxia do ajuste econômico. Quero mencionar duas dessas políticas e iniciativas: o fi nanciamento agressivo ao setor agrícola com taxas pré-fi xadas de 8,75% ao ano, portanto com signifi cativa diferença e, também, o aumento expressivo de fi nanciamento à exportação, através do sistema

1 Desde 10 de março de 2005, o CDES conta com a participação de uma representante dos povos indígenas, Joênia (Wapichana) Batista Carvalho.

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público - BNDES e Banco do Brasil, principalmente - também com taxas inferiores às praticadas no mercado. Além dessas iniciativas de políticas governamentais, é pouco percebido o papel do excepcional dinamismo do setor empresarial brasileiro, especialmente do interior do País, que reage de forma extremamente efi caz e entusiasmada ao menor estímulo que recebe.

O segundo risco levantado pelo conselheiro Eugênio Staub, para o qual também acho decisiva uma discussão mais ampliada, diz respeito ao risco de que o crescimento econômico possa trazer pressões infl acionárias, justifi cando aumentos na taxa de juros. Nesse sentido, quero fazer duas considerações. Primeiro, observar que a taxa de juros real do Brasil é absurdamente alta. Passou-se para a sociedade brasileira a noção de que uma taxa real de 10% ao ano é natural, que ela é resultado de um estudo técnico, de uma avaliação técnica que não pode ser questionada. Só quero lembrar que países como Rússia, México, Polônia, Peru, Venezuela, Ucrânia e outros têm condições macroeconômicas comparáveis ou piores que as do Brasil, especialmente com um setor produtivo muito mais frágil do que o do Brasil, e praticam taxas reais de 1% a 2% ao ano. Passa a impressão de que existe uma teoria econômica para o Brasil e uma outra para o resto do mundo. Nesse sentido, é bom lembrar que 1% de redução dos juros representa R$ 5 bilhões de economia por ano, 3% são R$ 15 bilhões e, portanto, 1% do PIB.

O último ponto é levantar a possibilidade de discutir formas de combate à infl ação que não seja exclusivamente a política monetária. Quero lembrar, por exemplo, que a Polônia, que é considerada o caso de maior sucesso na Europa Oriental, obteve rápida redução da infl ação por meio de um grande pacto entre empresários, trabalhadores e governo. Quero lembrar que o Chile, hoje considerado o caso de maior sucesso da América do Sul, levou 15 anos para trazer a infl ação de 200% para 20% ao ano e mais cinco anos para trazer de 20% para um dígito. Portanto, é importante a discussão de formas mais criativas e estratégicas de combate à infl ação e este Conselho pode ser um espaço apropriado para isso.

Paulo Roberto FigueiredoConselheiro do CDES

Tenho insistido, ao longo das reuniões do Conselho na discussão da questão regional. Preocupam-me as profundas desigualdades regionais que marcam a história brasileira, ao lado das conhecidas e reconhecidas desigualdades sociais. Sou da Amazônia. Na Amazônia verifi ca-se, de forma incontestável hoje, “indesmentível”, um acirramento da chamada “cobiça internacional”. O mundo todo se volta para a Amazônia de forma ávida, no sentido de se apropriar das riquezas que nos pertencem, que pertencem ao País, que pertencem ao Brasil.

O Ministro Dirceu levantou a questão e a conselheira Tânia Bacelar, com muito brilhantismo, discorreu sobre ela. Não é possível realizar qualquer projeto sério de desenvolvimento brasileiro, de desenvolvimento nacional, sem a superação das desigualdades regionais. A propósito, uma imposição de natureza constitucional. A Constituição Federal, o chamado Diploma da República, consigna este objetivo como um dos maiores da República. Na verdade, pouco temos feito no sentido da superação das desigualdades regionais.

O conselheiro Eugenio Staub levantou a questão da Zona Franca de Manaus. Aqui presente nós temos a honra de ter a Superintendente da Zona Franca de Manaus, Dra. Flávia Grosso. Funcionária da instituição e que tem desenvolvido um trabalho notável. Prefi ro, inclusive, chamar a Zona Franca de “Pólo de Desenvolvimento Regional”. A Zona Franca é o único pólo exitoso de desenvolvimento que temos no País. Apenas acrescentaria às observações feitas pelo Eugênio Staub que a Zona Franca é importante não apenas para a região, mas para o Brasil. Hoje, temos um projeto de exportação, por exemplo, que é reconhecido em todo o País.

Enfi m, lamentavelmente, o tempo é curto. Vou continuar insistindo no tema, na questão do desenvolvimento regional. Já propus ao Conselho que realizássemos uma sessão plenária do Conselho em Manaus, que é o centro geográfi co da Amazônia Continental, exatamente para que possamos discutir a questão do desenvolvimento regional.

Zilda ArnsConselheira do CDES

Sou Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança, um organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Quero dizer que o melhor indicador de desenvolvimento social de um país, aceito mundialmente, é o índice de mortalidade infantil. O Brasil foi o país que mais conseguiu reduzir a mortalidade infantil, nos últimos 15 anos, segundo os dados expostos na Meta de Cúpula para a Infância, em Nova York, na sede da ONU, em maio de 2002, onde estive presente como delegada ofi cial do Brasil. Reduzimos a mortalidade infantil porque o fi zemos com ações simples realizadas em larga escala e que atingiram as famílias mais pobres do País. Por exemplo, a

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Pastoral da Criança colaborou muito com o Sistema Único de Saúde. Tratávamos com prioridade as três causas de morte que mais induzem à mortalidade infantil no Brasil, como a mortalidade perinatal, as diarréias e as pneumonias e concentramos esforços nos bolsões de pobreza e miséria. Entretanto, a pobreza exige intervenção na área de geração de renda, realizada com metodologia própria de empreendedorismo e que também inclui a promoção da auto-estima. Existe experiência bem sucedida nessa área na própria Pastoral da Criança e que poderá ser multiplicada em larga escala.

A segunda coisa que urge entrar nas políticas públicas é a consciência de que, realmente, a violência só acaba se cuidarmos da criança desde antes de nascer. Isto é comprovado por pesquisas. Uma criança maltratada, antes de completar um ano, tem tendência signifi cativa à violência e muitas delas se tornam criminosas. Por isso, temos que dar prioridade absoluta às crianças desde a gestação, passando pelo parto, pelo primeiro ano de vida, durante os primeiros seis anos e na escola. Quando vejo tanta coisa, tanta violência ocorrer com meninos, com adolescentes, e o quanto se gasta com polícia, hospitais, em conseqüência da violência, com tanto sofrimento das famílias, penso: por que a escola não pode melhorar de qualidade e funcionar em dois períodos, incluindo música, arte, esporte e educação para o trabalho? São fatores que educam, impõem limites e valores para a cidadania. Por que não colocamos em prática, tendo em vista que sai mais barato, preservar o maior tesouro de uma nação que são os seus recursos humanos?

Por último, diria que os programas sociais - o nosso Senador Eduardo Suplicy já falou um pouco sobre isso - a Bolsa Família, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), o auxílio aos idosos, ao portador de defi ciência são muito bons programas. Mas precisam ser estendidos a todo o País. Ainda são poucos os que recebem esses benefícios. Se cuidássemos que esses benefícios se estendessem a todo o País e fi zéssemos programas estruturantes, simples, multiplicáveis em larga escala, tendo como promotora do desenvolvimento a própria liderança comunitária, estaríamos construindo um país mais justo e fraterno. Com certeza, estaríamos promovendo a cidadania e auto-sufi ciência das famílias e, assim, o Brasil não precisaria mais gastar tanto com programas suplementares.

Hélgio TrindadeConselheiro do CDES

Sou professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, atualmente, exerço o encargo (porque não é um cargo) de presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. Primeiro, quero cumprimentar a mesa porque aquilo que poderia ser chamado, no passado, de uma sessão nostalgia, sob a batuta desse extraordinário Celso Furtado, que é a referência de todos nós, se transformou, pelo arco de presentes na mesa, sob a batuta do Ministro Jaques Wagner e com a presença de empresários, sindicalistas e economistas numa sessão real de pensar concretamente o Brasil do futuro. Portanto, saúdo esse momento como um momento marcante para a nossa transformação enquanto sociedade e que pretende ter um projeto de País.

Quero destacar que nós não podemos pensar o desenvolvimento econômico e social sem incorporar algo que já foi mencionado pela conselheira Juçara, em que pretendo mais especifi camente me concentrar - o tema da educação superior e da ciência e tecnologia. Representando também a professora Glaci Zancan, ex-presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, devo dizer que vivemos no Brasil, na área de Educação Superior, uma situação muito perversa.

Temos um pequeno sistema público de educação superior que é, por sinal, o melhor da América Latina e cujo mérito se deve, inclusive, a políticas que foram realizadas de forma sistemática a partir da reforma de 68, durante o governo militar. Hoje, no entanto, estamos vivendo o processo de deteriorização desse sistema que representa ainda 90% da pesquisa científi ca e tecnológica realizada no País e estamos com uma situação global extremamente preocupante. Somos o país da América Latina, salvo um pequeno país da América Central ou alguns países asiáticos, que tem o maior nível de privatização no ensino superior. Temos hoje mais de 70% da matrícula no setor privado. Setor privado que, ressalvadas exceções, tem um nível muito questionável. Aqui no Distrito Federal e em São Paulo, já são 85% das matrículas no setor privado e não há nenhum controle sobre esse processo.

Dito isto, quero dizer que uma das preocupações da comissão que presido é exatamente fazer a avaliação desse sistema, para que o Estado o regule, pois não podemos permitir que os nossos jovens fi quem submetidos a empresas educacionais de cunho lucrativo. No Brasil, o sistema é majoritariamente empresarial, ao contrário dos Estados Unidos onde apenas 1% do ensino privado é empresarial. Quis apresentar essa questão porque vivemos um verdadeiro descalabro nesse sentido. Apenas um dado: no último ano do governo anterior, se aprovavam seis cursos universitários por dia no Brasil, e quase todos no setor privado.

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Concluindo, gostaria de chamar atenção para o fato de que um país como os Estados Unidos, um país como a Alemanha, portanto dois países capitalistas avançados, terem políticas estatais de investimento maciço na área de Ciência e Tecnologia, para desenvolver a sua pesquisa, e no caso da Alemanha esse sistema é público e gratuito. Portanto, são dados que nós temos que considerar.

Termino, citando uma frase do Relatório Atalli, que analisou a situação da educação superior na França ao se inserir no Mercado Comum Europeu, que dizia: “mais do nunca a qualidade de vida de um país depende da qualidade da educação superior”. Quero chamar atenção para esse aspecto.

Inocêncio UchoaConselheiro do CDES - Suplente

O que me preocupa nessa discussão toda é que podemos estar falando em desenvolvimento e praticando o crescimento econômico. É preciso que tenhamos isso bastante claro, porque não basta gerar empregos com o crescimento. A geração de empregos é uma decorrência natural do crescimento. É preciso que se gere empregos com qualidade, com salários decentes, com boas condições de trabalho, estáveis se possível. Ou seja, não basta criar empregos, é preciso que o desenvolvimento seja, de fato, colocado na prática. Para isso é necessário que se modifi quem os marcos regulatórios. A Central Única dos Trabalhadores, a Força Sindical, enfi m, as centrais sindicais aqui presentes, os trabalhadores em geral, devem fazer um esforço muito grande nessa nova fase do País, no sentido de colocar isso bem claro, colocar isso na agenda, inclusive do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. É importante que o Brasil cresça, mas é preciso que ele se desenvolva. Desenvolvimento só teremos quando tivermos, obviamente, a ocupação integral e de boa qualidade no campo; quando tivermos moradia digna, com infra-estrutura básica, com energia, com água, com saneamento. Desenvolvimento só vamos ter, de fato, se tivermos resolvido as questões das desigualdades regionais, tão bem apresentadas pelo Ministro José Dirceu e por alguns companheiros aqui presentes.

O Brasil está se preparando para crescer e se desenvolver e o Governo está fazendo a sua parte e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social é uma parte desse processo. O Governo está demonstrando que tem atuação política e está fazendo a sua parte, o empresariado também e o Congresso Nacional, de certa forma, também. O Conselho é parte de todo esse esforço que só resultará em desenvolvimento se, de fato, tomarmos medidas concretas: a legislação tem de ser modifi cada, os marcos regulatórios instituídos, não só a Constituição deve ser modifi cada, mas também aspectos infraconstitucionais, no sentido de colocar, de fato, na legislação o bem-estar da comunidade.

Gerar emprego é uma decorrência natural do crescimento, mas é preciso que esse emprego seja estável, que ele tenha boa remuneração, que ofereça condições de trabalho decentes, que ele seja exercido em um ambiente saudável, não só no campo como nas cidades. De modo que é esta a preocupação que trago para o Conselho: que o desenvolvimento que está sendo pensado seja, de fato, desenvolvimento. Porque nós podemos estar falando em desenvolvimento e praticando crescimento. Já tivemos isso no passado e levou a uma grande desigualdade social, a uma enorme concentração de riquezas, o que no presente se quer evitar. Mas para evitar temos de tomar medias para efetivar, de fato, esse desenvolvimento.

Manoel dos SantosConselheiro do CDES

Sou Manoel dos Santos, de Serra Talhada, em Pernambuco, agricultor familiar e presidente da Contag. Trago aqui uma demanda que penso ser fundamental, e deve ser debatida com profundidade neste Conselho, que é a questão rural. A discussão de como anda, de fato, o processo de desenvolvimento rural e qual a relação desse desenvolvimento aqui apresentado com a distribuição de renda, a geração de emprego, com os trabalhadores desse mundo rural.

Temos acompanhado o setor do agronegócio exportador como o principal segmento alavancador da geração de divisas nos últimos tempos, mas precisamos discutir qual a relação dessa geração de divisas com a geração de emprego, com a justiça nas relações de trabalho. A nossa preocupação vem do fato de que, nos últimos anos, verifi camos uma linha de declínio nas relações de trabalho formal e de diminuição da remuneração do assalariado, no campo.

Discutindo essa questão, precisamos também discutir outra: qual a participação da agricultura familiar nesse processo? Porque, no momento do lançamento do Plano Safra, o Presidente Lula disse muito bem que até na soja, que é o principal produto de exportação, 32% é produzido pela agricultura familiar. E, muitas vezes, aparece como se a agricultura familiar fosse apenas a lona preta, o acampamento, o confl ito. Devemos discutir a realidade do campo

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como ela é.

Nessa discussão sobre o rural precisamos, a partir da fala do Ministro José Dirceu e da Dra. Tânia Bacelar, trazer a questão regional e, dentro dela, chamar a atenção prioritária para o Nordeste. Não podemos pensar desenvolvimento se não houver uma política clara de inclusão social na região Nordeste. É uma região que tem uma população grande, não temos para aonde levá-la, e nem é esse o caminho - levar essa população para outro lugar. Os investimentos que temos hoje se concentram prioritariamente na área do turismo e fi cam em torno das capitais, o que não deixa de ser importante, mas a 100 Km da capital já ninguém sabe mais qual o investimento e qual o seu signifi cado.

A discussão que estava sendo iniciada, e era um compromisso do Presidente Lula, de retomar a SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE ou o que quer que seja), acabou com a decisão dos governadores de não alocar recursos na SUDENE como instrumento planejador e promotor de ações complementares. Hoje o que se fala do Nordeste são duas questões: a transposição do rio São Francisco, como se resolvesse o problema, que não resolve - é importante, mas irá benefi ciar apenas quem está naquela faixa, e a outra questão é o turismo, que é um investimento concentrado.

Portanto, penso que é fundamental discutirmos aqui o desenvolvimento rural, da agricultura familiar, porque ele é o outro lado do desenvolvimento que precisa ser compreendido e precisa, de fato, ser consolidado.

Joseph CouriConselheiro do CDES

Eu represento a micro e a pequena empresa, sou do SIMPI (Sindicato da Micro e Pequena Indústria). Quero começar dizendo que o caminho do sucesso eu desconheço, mas o do fracasso, com certeza, é o de agradar a todos. Isso foi dito por John Kennedy. O professor Celso Furtado e todos que falaram - e eu ressalto o pronunciamento do Ministro José Dirceu - citaram a necessidade de mudanças, tal qual o professor Luiz Gonzaga Beluzzo o fez, tal qual o professor Luciano Coutinho o fez, o Luiz Marinho o fez e, claro, o meu companheiro Eugênio Staub o fez e, também, o Ricardo Bielschowsky o fez. Nós precisamos de mudanças. E não podemos perder o foco na guerra do emprego. Esta foi a colocação central do professor Celso Furtado e do Ministro José Dirceu. Quero lembrar dois aspectos: 100% dos novos empregos no mundo foram gerados por micro e pequenas empresas. No Brasil, nos últimos cinco anos, 98% dos novos empregos foram gerados por micro e pequenas empresas, de acordo com estudos feitos recentemente pelo BNDES.

A Constituição Federal, no seu art. 179, garante à micro e pequena empresa o tratamento diferenciado. Talvez até por sua importância e seu peso, algumas áreas do Governo, infelizmente, estão na contramão do que está ocorrendo aqui hoje. As micro e pequenas empresas participam de todos os discursos e, ultimamente, até de alguns modismos, como a pré-empresa, o Simples do Simples, o Super-Simples e, o pior, essa discussão não ocorre com a sociedade, mas sim fechada dentro do Governo e com uma parte da imprensa. Como todos falam dos modismos, isso é natural. No entanto, aqueles que os representam e o próprio comitê temático deste Conselho e do Fórum Permanente não estão sendo consultados sobre o tema.

A questão é: como mudar, como focar e objetivar resultados concretos imediatos? Porque o Brasil tem pressa. Enquanto nós fi camos apenas falando, anualmente, fecham 400 mil micro e pequenas empresas, levando milhões de trabalhadores ao desemprego, em função da quebra das mesmas. Como fazer, no Conselho e no Governo, para colocar a questão das micro e pequena empresas em grau de igualdade com as grandes questões nacionais? Justiça tem de ser feita. Este Governo é um governo disposto ao diálogo, aberto ao diálogo e que realmente dialoga nas grandes questões e, também, na questão das micro e pequenas empresas, mas este assunto ainda está mal colocado.

Para fi nalizar, a economia não tem nenhum sentido se não tiver como objetivo maior a melhoria da qualidade de vida do ser humano e o seu aprimoramento. Quero crer que foi este o consenso de todos nós com o qual todos da mesa concordaram, inclusive o conselheiro Luiz Marinho.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES

Agora passaremos aos comentários fi nais. Inverto a ordem e começaremos pelo conselheiro e painelista Luiz Gonzaga Beluzzo.

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Luiz Gonzaga BelluzzoConselheiro do CDES

Vou começar com uma citação do escritor Jorge Luís Borges, ao dizer que apreciava mais os livros que leu do que aqueles que escreveu. Eu também apreciei mais a contribuição da platéia do que aquilo que eu falei. Penso que foi muito rica a contribuição dos que falaram como debatedores e que trouxeram a integração da questão social no projeto de desenvolvimento. Isso é uma conquista das classes subalternas no pós-guerra, obrigar que o social seja levado em conta. Foi uma conquista que custou muitos sacrifícios. À professora Sulamis Dain agradeço essa contribuição, assim como à professora Tânia Bacelar por ter levantado, com grande propriedade como sempre, a questão regional, que tem de ser vista de uma ótica distinta, tem que ser vista de uma ótica nacional.

Outra observação é que houve uma omissão grave de nossa parte com relação à importância do potencial turístico brasileiro na melhoria da qualidade do superávit comercial. O nosso potencial turístico é subexplorado, pois depende muito de investimento em infraestrutura. Não há nenhuma região rica em geração de receita turística sem que tenha havido investimento pesado em infra-estrutura. Outro ponto que eu julguei muito importante, eu diria mesmo fundamental, levantado pelo professor José Castanhar, se refere ao fato de que a política monetária não pode sustentar sozinha, não pode cumprir todas as funções que lhe atribuem. O que acontece hoje no debate de política econômica, é que se atribui à política monetária funções múltiplas que ela não pode exercer ao mesmo tempo.

Voltando às políticas econômicas da segunda metade do Século XX, as políticas de renda, as políticas de pactuação, eram políticas generalizadas e foram abandonadas à medida que foi se introduzindo essa idéia de que se tem apenas dois instrumentos: o instrumento fi scal e o instrumento monetário, com a predominância recente do instrumento monetário por conta, na verdade, da predominância dos mercados fi nanceiros na decisão econômica.

Para terminar, já que estamos em um fórum de discussão e nos valendo da oportunidade do diálogo social que este Governo nos abre, quero afi rmar que a pactuação social representa a criação de um outro instrumento, de uma outra instância de regulação da economia, porque, na verdade, houve um empobrecimento, num certo sentido, dos instrumentos econômicos. Se nós estamos falando de planejamento, temos que falar da construção de instituições adequadas para países que não têm moeda dominante. Porque política monetária é algo bom para países que têm moeda-reserva, que têm moeda forte. Os países que não têm fi cam submetidos a uma série de tensões que acabam desaguando num prejuízo ao crescimento econômico.

Luiz MarinhoConselheiro do CDES

Quero acrescentar que no processo de discussão, negociação e pactuação nacional, teremos que introduzir nos fóruns de competitividade que deverão ser constituídos, a lógica da negociação das cadeias produtivas, objetivando metas, crescimento e desenvolvimento.

A contribuição da plenária, nas várias questões colocadas, veio aperfeiçoar e complementar o que os integrantes da mesa apresentaram. Mesmo na questão regional, penso que cabe adotar a prática da negociação e do entendimento para que se possa focar oportunidades de desenvolvimento regional. O regional não pode ser visto como um problema, mas como solução. Concordo plenamente com a visão apresentada aqui.

Eugênio StaubConselheiro do CDES

Quero me centrar na questão do desenvolvimento e dos objetivos estratégicos. Penso que temos um exemplo recente no País, que é muito relevante. Há cerca de dez anos, nós, da indústria, e uma boa parte da sociedade, olhávamos para a agricultura com desdém e com pena. “Trata-se de um setor primário, que não irá agregar nada ao País”. Era isso que imaginávamos. “São uns chorões com um lobby muito forte”. Eu estou falando de dez anos atrás, não é de hoje. “Estão quebrados, devem tudo e mais um pouco ao Banco do Brasil e nada vão agregar ao país”.

Dez anos depois, os fatores climáticos são os mesmos, as terras são as mesmas, as culturas são as mesmas - com alguma evolução tecnológica -, os empresários são os mesmos e este setor puxa o País! O que aconteceu? Aconteceram algumas coisas importantes que podem demonstrar o potencial de desenvolvimento econômico para este e outros setores. Aconteceu que eles realmente eram muito chorões e tinham lobby forte. Por isso, renegociaram uma dívida impagável e no processo quase quebraram o Banco do Brasil. Mas o Banco do Brasil foi capitalizado e salvou o setor, o que era muito importante. Não é isso o que estou advogando para a indústria, eu estou apenas fazendo recordar fatos da história recente.

À luz da experiência do insucesso do endividamento anterior, conseguiram a taxa de juros que foi mencionada aqui anteriormente, uma taxa não baixa, mas muito razoável no contexto brasileiro. Criou-se, nesse meio tempo, um

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poderoso instrumento, que foi o Modermaq, que implicava numa renúncia fi scal e que, ao fi m, não foi renúncia fi scal porque o que se recolheu de tributos - e esta é uma outra lição - em decorrência de vendas maiores de máquinas e implementos motivados pela redução de tributos, acabou gerando mais recolhimento. O pagamento era realizado a uma prestação fi xa que transformou a indústria desse setor no País e frutifi cou um trabalho de 30 anos da Embrapa, em termos de tecnologia. Este setor se transformou na principal locomotiva da economia brasileira nos últimos anos e isso pode ser replicado em outros setores industriais. Penso que, neste Conselho, temos de olhar essa lição.

Para fi nalizar, a minha proposta é que, cada vez mais, nos centralizemos na questão do emprego. Penso que temos de conseguir chegar a um consenso de que o emprego - e eu me refi ro a emprego qualifi cado - é o objetivo estratégico. Não falo de gerar pleno emprego ou plena ocupação, que é um bom objetivo estratégico, a qualquer custo. Não vale roubar no jogo, não vale tirar um trator para colocar enxada. Ou seja, não vale voltar atrás em termos de produtividade, não vale deixar de colocar um robô. Temos de gerar pleno emprego o mais cedo possível e pleno emprego com objetivo dinâmico, com alvo móvel. A cada ano esses empregos têm que ser melhores, não pode ser qualquer emprego. Se, no começo, tivermos de fazer frente de trabalho para carpir, para ocupar as pessoas, ótimo. Mas temos de evoluir. Se tivermos isso em mente, muitas outras decisões fi carão muito mais fáceis.

Citando o exemplo da política industrial, o Governo, em muito boa hora, escolheu quatro setores de política industrial, mas há diferenças importantes entre os setores que têm que ser analisados. Peguemos apenas soft ware e microeletrônica, como exemplos. Microeletrônica é um setor estratégico importante, todos concordam, e o Brasil, há anos, tenta se desenvolver nisso - é um setor que gera empregos qualifi cados, bons empregos qualifi cados. Soft ware é também estratégico e gera empregos qualifi cados. A diferença é muito grande. Não estou defendendo um em detrimento do outro, mas as coisas fi cam muito mais claras se temos objetivos estratégicos. Microeletrônica gera bons empregos, mas em soft wares geramos muito mais, porque o custo todo é emprego.

Esta é a mensagem que eu gostaria de deixar: vamos olhar essa questão do emprego e colocar isso como objetivo, emprego não, ocupação total como objetivo deste Conselho e tentar criar um consenso nacional em torno disso, porque acabaremos resolvendo muitos problemas do País.

Luciano CoutinhoProfessor Doutor em Economia da Unicamp

Creio que o Luiz Gonzaga Beluzzo e o Eugênio Staub sintetizaram muito bem vários dos pontos que exigiam destaque. O que eu vejo é que há uma oportunidade do Brasil, da sociedade brasileira e do Estado tomarem o controle sobre os seus destinos. Ainda não temos plenas condições de fazer isso. Um país que não tem moeda conversível, como é o nosso caso, precisa ter grandes reservas.

O Eugênio Staub fez uma pergunta: “eu queria saber como se chega a um pequeno grau de investimento?”. As empresas de classifi cação de riscos que, hoje, infelizmente, sob a égide dos mercados fi nanceiros, determinam a qualidade e a reputação dos créditos dos países, estabelecem quais são as economias em desenvolvimento que merecem grau de investimento, pois têm uma relação de dívida sobre exportação perto de 1. A nossa já foi 3,5 e está agora em 2,4. Mas para chegarmos ao grau de investimento precisamos exportar muito mais. Devemos ter uma exportação chegando a mais de US$ 120 bilhões, US$ 130 bilhões e precisamos dobrar nossas reservas.

Um outro critério é que a reserva sobre dívida se aproxime de 50%. Nós precisaríamos ter uma reserva de US$ 55 bilhões para US$ 60 bilhões e uma exportação perto de US$ 120 bilhões. Assim eu tiro os US$ 60 bilhões da dívida líquida e me aproximo de uma relação de 1,2 para merecer dos mercados um grau de investimento. A Polônia e a Rússia têm índices de solvência externa muito melhores do que o brasileiro. Nós, infelizmente, ainda não completamos um processo de robustecimento. Nós temos que completar isso, o que requer uma clara e persistente busca de objetivos na política de desenvolvimento.

Penso que a agenda de desenvolvimento está fi cando clara. O Luiz Gonzaga Beluzzo disse, com muita clareza, que os falsos dilemas estão sendo, fi nalmente, derrubados. O falso dilema entre estabilidade ou crescimento. Temos de superar isso, temos de construir as condições de transição para o crescimento. Temos de superar o falso dilema da política macroeconômica versus a política de desenvolvimento. E temos condições de superar. Mas esse diálogo requer a aproximação, requer pontes, requer a construção de propostas, requer objetividade na construção de propostas, requer foco na construção de propostas.

Portanto, resistindo à tentação de falar sobre política regional, sobre política de tecnologias; resistindo à tentação de falar sobre micro e pequenas empresas; resistindo a essas tentações, eu faço um apelo no sentido de que este Conselho seja um elemento de construção de diálogo. De construção de diálogo com, por exemplo, o sistema fi nanceiro, que precisa ser atraído para a grande tarefa de construir crédito de longo prazo junto com a necessidade de construir formas de poupança de longo prazo para que o País possa ter suporte. Então, penso que este Conselho é um elemento de superação dessas falsas contradições. Creio que estamos num caminho muito construtivo, muito alvissareiro, mas pesa sob a responsabilidade deste Conselho uma grande tarefa.

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Ricardo BielschowskyOfi cial de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL

O Secretário Paul Singer me perguntou se eu estou otimista. A resposta correta seria que, em relação ao curto prazo, estou dividido, mas otimista em relação ao longo prazo, se a transição for feita. Se tivermos alguns anos de crescimento, teremos um belíssimo projeto, uma belíssima agenda de desenvolvimento a realizar.

Estou dividido porque, evidentemente, lendo todos aqueles que escrevem sobre a vulnerabilidade externa, sobre o passivo externo que nós temos, e verifi cando, também, a dívida interna que nós temos, sabemos que a macroeconomia não é a melhor do mundo. Mas, por outro lado, vivemos uma situação em que, pela primeira vez em décadas, temos estabilidade de preços, um superávit comercial considerável e uma taxa de câmbio razoável. A combinação dessas três coisas é nova, o que me faz fi car dividido em relação ao curto prazo.

Quero terminar tentando convencer os conselheiros de que temos uma bela estratégia de desenvolvimento defi nida no Plano Plurianual e que seria interessante que o CDES distribuísse esse documento para os conselheiros. Dele vou ler um parágrafo: “o PPA 2004/2007 tem por objetivo inaugurar a seguinte estratégia em longo prazo: inclusão social e desconcentração de renda, com vigoroso crescimento do produto e do emprego; crescimento ambientalmente sustentável, redutor das disparidades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massa, por investimentos e elevação da produtividade; redução da vulnerabilidade externa, por meio da expansão das atividades competitivas que viabilizam o crescimento sustentado e o fortalecimento da democracia”.

O meu otimismo em relação ao longo prazo se deve, também, ao fato de que o governo não pode tudo. A tarefa das políticas é atenuar as resistências às boas tendências e fortalecê-las. É preciso que exista um processo histórico viável, inscrito na lógica de operação da economia, da sociedade, para que o governo tenha efetividade, pois, o que está dito no documento do PPA é que, efetivamente, esse processo histórico está para acontecer porque temos uma tendência a escassear o mercado de trabalho se continuarmos crescendo devido ao fato de que, há 20 anos, foi feita uma quebra na curva demográfi ca.

Isso pode acontecer desde que o Governo atue com muito carinho e com muita insistência sobre as duas grandes áreas complicadas, que são as políticas de investimento e a transmissão do aumento da produtividade ao salário, via uma série de políticas. Eu quero me solidarizar com o que foi dito pelo Senador Eduardo Suplicy e pela professora Sulamis Dain, ao afi rmarem que o processo de crescimento econômico que desejamos é aquele em que o social é parte integrante de toda a política. A política social é um elemento da política de crescimento. Efetivamente, o que está apresentado no Plano Plurianual é esta idéia.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES

Estou profi ssionalmente e politicamente muito satisfeito por tudo que vivemos nesta manhã. Este foi um grande momento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Sou profundamente crente de que sempre é possível, dentro do jogo democrático, construir unidade na diversidade. Temos que superar as dicotomias, que são muito boas para manchete de jornal mas são péssimas para a construção do que desejamos, pois o que queremos passa pela capacidade de todos os segmentos sociais e do governo e do Conselho, de nos mover de nossa posição ao encontro dessa convergência que, para mim, é o símbolo e o sinal do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - instrumento no qual o Presidente Lula faz uma grande aposta.

À tarde vamos beber um pouco da experiência portuguesa, espanhola e da União Européia, refl etir sobre como esses processos foram construídos, lembrando que nada, por si só, dará solução para um país tão complexo como o nosso. Portanto, o Conselho não é a panacéia para tudo, mas é um espaço, como fi cou provado aqui hoje, para construirmos os caminhos de solução. Uma das grandes potencialidades do nosso povo é a capacidade de incorporar, absorver e dar seu próprio tratamento às informações que chegam. Acredito que é absolutamente possível construir a unidade. Não há duas vontades no Governo. Há uma única vontade, que é fazer este País trilhar o caminho do desenvolvimento sustentado, como tão brilhantemente afi rmou, abrindo o nosso dia, o professor Celso Furtado. Resumindo o conceito de desenvolvimento, ele falou em emprego e nós vamos falar de ocupação remunerada, de empreendedorismo, de microempresa, de grande empresa.

Quero dizer aos conselheiros que divido a tarefa que o professor Luciano Coutinho disse estar nas minhas costas com a equipe e com os conselheiros e conselheiras, porque não construirei nada sozinho. O meu papel aqui no CDES é de intermediário entre a vontade da sociedade e a vontade do Governo, com vistas a produzir esta convergência.

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II Painel: Como construir o diálogo socialpró-desenvolvimento

Como construir viabilidade para esse projeto de desenvolvimento?Como o diálogo social contribui para viabilizar esse projeto de desenvolvimento?

Expositores:1. Maria João Rodrigues - Membro da Coordenação da Agenda 2000 da União Européia e Assessora da

Presidência da União Européia2. Roger Briesch - Presidente do Comitê Econômico e Social Europeu3. Julian Ariza Rico - Vice-presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha4. Carlos Lessa - Presidente do BNDES5. Rodrigo Loures - Conselheiro do CDES6. Sonia Fleury - Conselheira do CDES7. Clemente Ganz Lúcio - Conselheiro do CDES

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES

A segunda parte da nossa Mesa Redonda tem como motivação o diálogo social como alavanca para o desenvolvimento. As perguntas-chave propostas aos expositores são:

1) Como construir o diálogo social pró-desenvolvimento?2) Como construir a viabilidade para esse projeto de desenvolvimento e como o diálogo social contribui para

viabilizar esse projeto?

Para esta segunda parte contaremos com a contribuição de três amigos europeus que têm vivência no processo que nós estamos tentando construir a partir do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A Dra. Maria João Rodrigues, que foi coordenadora da Agenda de Desenvolvimento da União Européia 2000/2010, atualmente Assessora da Presidência da União Européia; Roger Briesch, do Comitê Econômico e Social Europeu, atualmente exercendo sua presidência; Julian Ariza, Vice-presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha. Contaremos também com a contribuição do professor Carlos Lessa, Presidente do BNDES, por conta, inclusive, de incursões que fez sobre essa temática; do nosso conselheiro Rodrigo Loures, empresário; do conselheiro Clemente Ganz Lúcio, diretort écnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos); e da conselheira Sônia Fleury, da Fundação Getúlio Vargas.

Quero recordar que na parte da manhã falou-se muito de desafios, de convergências, das potencialidades do Brasil e muitos ressaltaram a importância do diálogo social, que é próprio do nosso Conselho, da pactuação, com vistas a se construir a coesão social em torno de um projeto de desenvolvimento. Pela manhã trabalhamos mais diretamente sobre conteúdos, ouvimos muitas opiniões sobre o tipo de desenvolvimento que nós queremos e, agora à tarde, vamos nos debruçar sobre a construção desta pactuação, sobre o processo como ela se dá e faremos isto bebendo um pouco na experiência de quem está vivendo o diálogo social na Europa.

Começaremos ouvindo a Dra. Maria João, que tem uma larga experiência nesses processos e, por intermédio do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), está auxiliando a equipe da Secretaria Especial do Conselho na concepção da metodologia e da organização, para que seja cada vez mais efi ciente e efi caz o diálogo que promovemos.

Maria João RodriguesMembro da Coordenação da Agenda 2000 da União Européia e Assessora da Presidência da União Européia

Quero começar por fazer um elogio. Tenho estado em mesas redondas desse tipo em todos os países da Europa e em muitos outros pontos do mundo e raramente tenho visto uma Mesa-Redonda com tanta qualidade como a que assistimos hoje pela manhã.

Ficou claro, a meu ver, que o Brasil está em frente a uma janela de oportunidade para lançar uma nova agenda de desenvolvimento. As condições parecem, de fato, reunidas e, portanto, estive a pensar e devo dizer que alterei

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completamente o que tinha preparado para dizer, exatamente por causa da discussão que tivemos esta manhã. Me indaguei como eu poderia ser útil para o momento em que o Brasil se encontra e para o debate que está a decorrer, ao longo do dia de hoje. Tentarei fazer uma ponte entre o que foi discutido nesta manhã, sobre o quê (quais prioridades) e o como, uma vez que este painel tem essa tarefa particularmente difícil de discutir o como - e, às vezes, o difícil é o como.

Pensei que a maneira de ser útil seria, justamente, não fazer aqui propostas em relação a aquilo que o Brasil poderá fazer, porque isso serão os brasileiros a discutir e a decidir, mas pensei que poderia ser útil contar uma experiência que está, neste momento, a ocorrer na Europa, justamente em torno de uma agenda de desenvolvimento. Acontece que há aqui alguma semelhança, porque a idéia de uma agenda de desenvolvimento surgiu na Europa, no ano de 2000, exatamente num momento em que se conjugavam condições muito particulares de taxa de crescimento - que começava a melhorar -, de vontade política, do aparecimento de um novo paradigma de pensamento - e eu vou sublinhar bastante isso, porque me parece importante - e, fi nalmente, a capacidade que houve de envolver todos os atores - chave para lançar essa agenda.

Talvez, seja importante sublinhar que a nossa base sempre foi, em tudo o que fi zemos, partir da nossa própria identidade como a principal força criativa para se lançar em um projeto de longo prazo. Isso aconteceu na Europa, no ano 2000, e permitiu-nos adotar uma agenda de desenvolvimento que estará em curso até o ano de 2010. Eu vou contar-vos aqui a minha experiência, na medida em que estive envolvida na preparação desta agenda e hoje, de certa maneira, percorro a Europa, no meu dia-a-dia, exatamente para seguir a implementação prática desta agenda, em cada região européia. Talvez esta experiência seja útil para aquilo que se está a passar no Brasil.

O nosso ponto de partida foi ter uma idéia clara sobre qual era a questão central à qual nós queríamos responder. E a questão central que nós nos propúnhamos tem muita semelhança com a questão que, parece, está a aparecer aqui nestes debates e que é esta: como podemos lançar uma nova trajetória de desenvolvimento combinando crescimento com emprego e coesão social e, isto, no quadro atual da globalização?

Esta era a nossa questão central. Nós elaboramos e inventamos uma agenda de desenvolvimento justamente porque também adotamos uma abordagem nova, superando as dicotomias tradicionais e as oposições tradicionais. Este problema foi referido nesta manhã e eu penso que é da maior importância. Exemplo: a oposição tradicional entre o econômico e o social. Não têm que se opor, nós temos é de conseguir fazer uma sinergia entre os dois. O econômico sustenta o social, mas o social vale por si e é, também, um enorme fator produtivo. Nós temos esse slogan na Europa: a política social enquanto fator produtivo.

Uma dicotomia é entre produtividade e emprego; produtividade e valorização do trabalho. Às vezes, parece que funcionam ao contrário, mas não é assim. Há forma de combinar isso numa sinergia positiva, se nós soubermos construir outros fatores competitivos, baseados na qualifi cação e na inovação que, justamente, precisam de trabalho qualifi cado, de trabalho motivado e bem remunerado.

Outra dicotomia tradicional é a que existe, muitas vezes, entre desenvolvimento e política macroeconômica. Hoje, de acordo com o pensamento mais atual, já é possível fazer uma síntese entre política macroeconômica a favor da estabilidade e do controle da infl ação e que seja amiga do crescimento e do desenvolvimento.

Finalmente, a dicotomia clássica do que fazer face à globalização: estar contra ou estar a favor? Há que ultrapassar essa dicotomia, dizendo que o que nós precisamos é de uma estratégia proativa em relação à globalização, no sentido de alterar as condições em que nossa economia está inserida em termos internacionais.

Portanto, estes são alguns exemplos de como, no pensamento atual, é possível superar estas dicotomias e eu senti exatamente isto nesta manhã, quando muitos dos participantes e oradores falaram. É preciso levar esta nova abordagem às suas últimas conseqüências.

Vou agora falar do processo que nos permitiu justamente lançar essa agenda de desenvolvimento, portanto, algo que nos é comum.

Momento um: a defi nição da estratégia, o big bang. Consistiu, no fundo, em mobilizar tudo que havia de melhor de peritos, de conhecimentos e, também, todos os atores relevantes que tinham uma palavra a dizer e uma experiência a transmitir. A questão-chave era defi nir um objetivo estratégico claramente formulado. Um e apenas um objetivo estratégico. Exemplo: lançar uma trajetória de desenvolvimento sustentável, criando mais e melhores empregos, reduzindo a desigualdade social com base em uma economia competitiva, inovadora e assente no conhecimento. Esta é uma formulação possível e é, de fato, a que nós adotamos na Europa.

Também neste momento um, houve um esforço para definir as prioridades estratégicas. Mais uma vez aqui há necessidade de um esforço de pensamento preciso, rigoroso. A lista das prioridades tem de ser curta.

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Não podem ser doze nem podem ser dez. Quatro ou cinco, no máximo. Exemplo de prioridades possíveis, as que adotamos na Europa, mas que podem ter semelhança com o que acontecerá aqui, no Brasil: foco central no emprego. Mais e melhores empregos, explorando novas áreas de criação de emprego com base em investimento, produtividade, inovação e capacidade de transmitir isso à melhoria dos trabalhos e condições de vida.

Segunda prioridade, por exemplo: novas políticas de inclusão social mais voltadas para equipar as pessoas para se tornarem ativas, para se promoverem socialmente, do que por uma lógica fundamentalmente compensatória.

Terceira prioridade possível: construção de novos fatores competitivos, baseados na qualidade, na inovação e na mobilização do sistema nacional de inovação.

Quarta prioridade possível: afinação da política macroeconômica. Estou a falar no termo afinação, portanto, estou a falar de alterações que não são de fundo, mas que podem ser muito importantes e que possibilitem uma relação com o crescimento, na base também de uma reforma do sistema financeiro. Isto nós estamos a fazer na Europa.

Finalmente, o repensar da nossa política de inserção à economia internacional. Agora, não tenho possibilidade de falar nisso, muito gostaria de dizer sobre o que aconteceu recentemente do ponto de vista da abertura dos mercados externos por parte da Europa. A Europa terá de se preparar para fazer isto e muito mais. Este foi o momento um do processo.

O momento dois foi um momento de fortes impulsos políticos, momento de consagração pública da estratégia, em que é preciso apresentar o máximo de vontade política e o máximo de capacidade de mobilização da sociedade civil. É o momento da consagração, como se fosse a consagração de uma espécie de partitura musical que, depois, será desenvolvida. Portanto, a estratégia será transformada em agenda do desenvolvimento por todos os atores que estão em questão.

O momento três: transformar a partitura musical, a estratégia, em uma agenda, desdobrando-a em planos para as políticas setoriais. Nós, neste momento, temos planos para onze políticas setoriais. Por exemplo, para política da sociedade de informação, política de inovação, política científica e tecnológica, mas também política de emprego, reforma da previdência social, inclusão social, política do meio ambiente.

A estratégia para planos de ação implicou, evidentemente, identificar medidas concretas, mas, também, indicadores de monitoramento. Nesta manhã falou-se na questão dos indicadores e é importante dotar o país de indicadores, que não são apenas os indicadores macroeconômicos, mas os indicadores de progressão na frente do desenvolvimento: indicadores de emprego, de qualificação, de níveis de salários, de níveis de adaptação social e de redução da pobreza.

O momento quatro é o momento da implementação desses planos de ação, o que implica, em primeiro lugar, um trabalho grande de adaptação a cada região, a cada local. Porque, evidentemente, essas linhas gerais têm que ser adaptadas e, para isso, tem que haver novamente o envolvimento dos atores relevantes. Isto tem enormes implicações para o problema do desenvolvimento regional, que foi hoje também abordado. Porque, de fato, se nós quisermos ultrapassar uma lógica meramente compensatória da política regional, o que está em causa é pedir a cada região que traduza para as suas próprias condições a estratégia geral que o país adotou para si. E isso é um novo exercício de participação e de invenção estratégica.

Finalmente, o quinto momento é o do monitoramento, de verificar se aquilo que nós queríamos é o que está a acontecer, de corrigir a trajetória, de trocar experiências entre as regiões, aprender uns com os outros, para que os casos de sucesso se difundam mais rapidamente.

Quero concluir respondendo a uma questão: se um processo destes é lançado, o que é pedido a um Conselho como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social? O que é pedido é uma função da maior importância: que ele tenha a capacidade de sentir a pulsação da sociedade civil e de, a partir daí, ajudar a inventar essa estratégia e a implementá-la de forma adaptada a cada local. E, portanto, isso quer dizer que o Conselho vai ser chamado a participar do momento da concepção, da invenção da partitura musical a que me referi há pouco; vai ser chamado a participar no momento da implementação, da adaptação na região, e vai ser chamado na altura do monitoramento e da correção da estratégia. Portanto, são funções da maior importância em que o que se pede a um Conselho destes é que ele tenha a capacidade de sintetizar a alma de um povo, o que é, talvez, a tarefa mais complicada de fazer, porém a mais interessante.

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Roger BrieschPresidente do Comitê Econômico e Social Europeu2

Senhor Jaques Wagner, gostaria de agradecer a todos vocês por esse convite e pela oportunidade que me ofereceram de falar de novo, porque já estou me habituando a vir aqui. Achei muito boa a qualidade dos debates ocorridos nesta manhã, como apontado por nossa colega, sem dúvida nenhuma foi muito positivo e encorajador.

Minhas senhoras e meus senhores, o papel do Comitê Econômico e Social Europeu no sistema institucional da União Européia é realizar uma forma particular de diálogo, de concertação e de consulta e contribuir, desse modo, para que os órgãos legislativos e executivos da União Européia tenham em conta as experiências, as expectativas e as propostas das organizações representativas da sociedade civil.

Dentro deste mesmo espírito e ao longo do tempo, o Comitê desenvolveu outras atividades, designadamente a de reforçar o papel e o lugar da sociedade civil organizada e das suas diversas componentes, em especial os parceiros sociais, dentro e fora da União. É neste contexto que cooperamos com os Conselhos Econômicos e Sociais e instituições similares na Europa e no mundo. Lembraria, a propósito, que o CESE e o Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil concluíram um acordo de parceria e de cooperação que já deu frutos interessantes.

Em todas as suas atividades o Comitê sempre teve o cuidado de não se sobrepor às organizações da sociedade civil, sobretudo às organizações de empregadores e aos sindicatos, presentes e ativos nos diversos setores da sociedade; a nossa ação tem por objetivo criar as condições para o reforço da sua ação e da sua autonomia.

No sistema político europeu, o diálogo social está inscrito nos Tratados como instrumento importante da democracia econômica e social. Tem um fundamento institucional. Este diálogo social formalizado prevê que a Comissão Européia, sobre a orientação a dar a cada ação comunitária, deva consultar os parceiros sociais, isto é, as organizações européias de vocação geral de empresários e de trabalhadores, as organizações interprofi ssionais, assim como as organizações específi cas e setoriais. Se a Comissão considerar que deve ser lançada uma ação, tem de consultar os parceiros sociais também sobre o próprio conteúdo dessa ação.

Esta dupla consulta permite ter em conta o parecer das partes interessadas e avaliar, desse modo, o impacto de uma eventual regulamentação. A Comissão pode, por conseguinte, formular políticas adaptadas na forma e no conteúdo aos problemas tratados. A consulta pode desembocar num diálogo social autônomo, no plano interprofi ssional ou setorial e, portanto, em acordos entre parceiros sociais e, eventualmente, acordos que podem ser integrados, a seguir, no direito comunitário, sem passar pela via estritamente legislativa. O Conselho de Ministros, que representa os governos dos Estados-Membros da União, pronuncia-se sobre o texto dos parceiros sociais sem lhe alterar o conteúdo. Os Estados-Membros deverão, igualmente, associar os parceiros sociais à transposição para o plano nacional do texto comunitário, objeto de um acordo negociado. Este procedimento permite aplicar, de modo concreto, uma política social defi nida pelos parceiros sociais, tomando em consideração as suas próprias realidades.

Se, pelo contrário, este diálogo social resultar num insucesso, a Comissão é livre de iniciar a via de decisão legislativa, com a plena participação do Parlamento Europeu e do Comitê Econômico e Social Europeu, tomando o Conselho de Ministros a decisão fi nal.

A esta consulta obrigatória e sistemática no quadro do processo de decisão comunitária juntam-se as consultas organizadas nos comitês consultivos da Comissão, bem como a participação ativa dos parceiros sociais europeus, em cada Cimeira (intergovernamental) da Primavera. Estes mesmos parceiros participam, igualmente, de modo estruturado e durante todo o ano, no diálogo macroeconômico, no diálogo sobre o emprego e no diálogo sobre a proteção social.

Preocupadas com desenvolver um diálogo social europeu autônomo, as organizações dos parceiros sociais europeus adotaram um programa de trabalho conjunto (2003-2005), dando desse modo uma contribuição útil para a estratégia européia de Lisboa, programa estruturado em torno de três grandes prioridades: o emprego, a mobilidade e o alargamento. Regozijamo-nos com o fato de a nova Constituição para a Europa, que foi aprovada, em 18 de Junho, pela Conferência Intergovernamental, conter o artigo 47º, especifi camente sobre os parceiros sociais e o diálogo social autônomo entre as disposições relativas a “a vida democrática da União”. Responde isto a uma pretensão forte dos parceiros sociais e do Comitê Econômico e Social Europeu.

O diálogo social de que vos falei, agora, não é da competência do Comitê Econômico e Social Europeu. Representa, todavia, algo de essencial e de vital para nós. Lembraria que dois terços dos membros do CESE, representantes das organizações dos empregadores e dos sindicatos, estão, direta ou indiretamente, implicados no

2 O texto que se segue é o texto ofi cial do pronunciamento do Sr. Roger Biesch, conforme a versão traduzida fornecida pelo autor à secretaria do CDES.

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diálogo social no plano nacional ou europeu. Compreenderão Vossas Excelências, assim, o interesse que dedicamos não só aos seus atores, mas também aos seus conteúdo e procedimentos.

Minhas senhoras e meus senhores, permitam-me que diga também uma palavra sobre aquilo a que chamamos o “diálogo civil” que completa o diálogo social, no sentido de um diálogo “societal”. Este tipo de diálogo é mais diretamente da competência do Comitê Econômico e Social Europeu, porque visa à participação não só dos parceiros sociais - os empresários e os trabalhadores -, mas também de todas as forças de natureza econômica e social, profi ssional, cultural e cívica da sociedade civil. Para este diálogo não há fundamento jurídico. Não há sequer consenso sobre o próprio conceito, sobre o seu alcance, os procedimentos e os atores. Muitos refl etem sobre isto, a começar por nós próprios.

Para o Comitê Econômico e Social Europeu, o diálogo civil toma três formas:

a primeira é o diálogo entre as organizações européias representativas da sociedade civil sobre a evolução e o futuro da União e das suas políticas;

a segunda é o diálogo estruturado e regular entre estas organizações e a União;

a terceira é o diálogo setorial quotidiano entre as organizações da sociedade civil e os seus interlocutores dos poderes legislativo e executivo.

Na nova Constituição para a Europa, que já citei, pode ler-se a este propósito: “As instituições da União estabelecem um diálogo aberto, transparente e regular com as organizações representativas e com a sociedade civil. A fi m de assegurar a coerência e a transparência das ações da União, a Comissão procede a amplas consultas às partes interessadas.”

Estas disposições não respondem exatamente às expectativas de uma sociedade plural e complexa nem às exigências de uma governança moderna. É certo que importa prever um diálogo entre as instituições executivas ou legislativas e as organizações da sociedade civil. Mas não basta. É preciso, também, facilitar o diálogo permanente entre as organizações da sociedade civil para favorecer o estabelecimento de um consenso dinâmico, no seio da sociedade, sobre o processo de integração européia e a sua evolução. Além disso, não se trata só de as organizações da sociedade civil serem consultadas. As organizações da sociedade civil insistem, com razão, na necessidade, (eu diria mesmo, na exigência democrática) de serem implicadas no processo de elaboração das políticas e de preparação das decisões, assim como - uma vez tomadas as decisões - na sua execução.

A contribuição de cidadãos ativos e empenhados, bem como das organizações através das quais os cidadãos se exprimem e agem, é indispensável para realizar a ambição de cada comunidade ou de cada Estado democrático de ser um espaço de liberdade, de desenvolvimento, de bem-estar e de segurança. Para tanto, importa garantir e reforçar a legitimidade democrática das decisões tomadas ao nível político. É necessária uma reforma duradoura dos processos pelos quais os cidadãos são governados nos nossos países - uma reforma que faça da participação e do diálogo princípios-chave da governança de amanhã.

A organização do Comitê Econômico e Social Europeu em três grupos favorece um diálogo permanente e estruturado entre as componentes da sociedade civil organizada sobre quase todas as questões que estão na ordem do dia, na União. O Comitê está situado no cruzamento do diálogo social com o diálogo civil europeus; pode, por isso, facilitar o processo estruturado de elaboração coletiva, que associa os diferentes setores da vida econômica, social e cívica, que o Comitê representa, designadamente nos debates estratégicos sobre a futura cidadania européia e a evolução do modelo europeu de sociedade.

Minhas senhoras e meus senhores, faço questão, e muito, de mencionar também, antes de terminar, que o Comitê Econômico e Social Europeu desenvolveu, no quadro da sua missão de animar o diálogo entre as sociedades civis dos países ou conjuntos de países de todo o mundo, uma cooperação interessante e frutífera dos nossos dois continentes. De 13 a 15 de Abril realizou-se, no México, o 3º Encontro dos Representantes das Organizações e Instituições da Sociedade Civil da União Européia e da América Latina e Caribe.

A declaração que aprovamos, então, foi largamente retomada pelos chefes de Estado e de governo que se encontraram, semanas mais tarde, em Guadalajara. Estávamos de acordo - os representantes latino-americanos e europeus - quanto à necessidade de uma maior articulação da sociedade civil organizada e quanto a ser indispensável, para o conseguir:

a) que os poderes públicos reconheçam o papel que esta desempenha na governança dos processos de integração e na obtenção de uma coesão social acrescida;

b) criar instâncias estruturadas de diálogo, ao nível nacional e regional e reforçar as existentes;

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c) reforçar, nos programas de cooperação, as medidas especifi camente orientadas para o desenvolvimento das organizações integradas na sociedade civil organizada;

d) criar e promover redes entre as organizações da UE e da América Latina e Caribe que fazem parte dos mesmos setores profi ssionais.

Caras amigas, caros amigos, ao concluir a minha breve intervenção, posso confi rmar a Vossas Excelências que o interesse das instituições européias pelo diálogo social e por um diálogo com a sociedade civil organizada no seu conjunto tem vindo a aumentar nos últimos dez anos. Reconheceram as instituições européias que não pode haver boas políticas nem boas decisões sem as pessoas a que dizem respeito serem ouvidas, sem a sua participação e sem o seu assentimento e que, para serem efi cazes, estas decisões devem imperativamente ser aceita pelos interessados.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES

Quero ressaltar que mantemos um intercâmbio intenso, não só com o Comitê Europeu, mas também com Conselhos de muitos países da União Européia, por meio da Associação Internacional de Conselhos Econômicos e Sociais e Entidades Similares, que já reúne a experiência de cerca de 60 países. A próxima reunião desta associação será na França, em julho de 2005, quando será discutida a relação da sociedade com os impactos do comércio mundial.

Convido agora o companheiro Julian Ariza, um dos vice-presidentes do Conselho Econômico e Social da Espanha que, todos nós sabemos, tem uma história de concertação bastante importante.

Julian Ariza RicoVice-presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha3

Boa tarde. Muito obrigado por permitirem a minha presença neste importante encontro. Trago uma saudação do presidente do Conselho Econômico Social da Espanha e de todos os conselheiros, pois acompanhamos com muito interesse o devir tanto do Conselho de Desenvolvimento como da política geral do Brasil.

Sem pretensão de aprofundar-me em questões conceituais, parece-me necessário começar esclarecendo que, após viver uma série de experiências de diálogo social, participação, negociação e acordos, na Espanha distinguimos entre o que entendemos por diálogo social e por concertação social. Certamente não é viável a concertação sem a existência do diálogo social. Mas o que é possível e faz parte de nossa prática é que haja diálogo social e participação dos agentes econômicos e sociais na conformação das políticas públicas sem que de tais práticas resultem acordos vinculantes para as partes, que é precisamente o que caracteriza a concertação social. Nossa experiência de concertação é também muito extensa.

O CES da Espanha é a expressão institucionalizada do diálogo e da participação dos principais agentes econômicos e sociais no processo de elaboração das leis e de outras normas equivalentes, que tenham relação com matérias econômicas, sociais e laborais. Mas o CES não é um órgão para a concertação se, como acabo de apontar, entendemos por tal o processo que se abre quando o governo, o patronato e os sindicatos mais representativos, de comum acordo e através de sua interlocução direta, se colocam uma série de objetivos, põem em marcha uma ou várias mesas de negociação para abordá-los e, através do toma-lá-dá-cá inerente a qualquer negociação, culminam o processo com acordos concretos, com os quais todas as partes se comprometem formalmente.

O diálogo e a participação se materializam no CES de diferentes formas. Em primeiro lugar, mediante ditames sobre os projetos de lei relacionados com as matérias econômicas e laborais a que antes me referi, o que implica na necessidade de debates entre os três grupos que conformam esta instituição. A saber, o Grupo Primeiro, formado pelos sindicatos mais representativos; o Grupo Segundo, onde estão as duas grandes organizações patronais - a da grande empresa e a das pequenas e médias -, e o Grupo Terceiro, onde, além de seis especialistas nas matérias concernentes ao CES, estão as principais organizações agrárias, da pesca, da economia social e as de consumidores e usuários. No total, 60 conselheiros mais o presidente. O governo não está representado no CES.

Em todos os Grupos existe uma clara consciência de que, ao não ser vinculante para o governo (segundo sua lei constitutiva, somos um órgão consultivo), as opiniões e propostas do CES, a infl uência e a efi cácia práticas do que decidimos guardam relação direta com o grau de consenso que alcançamos em sua elaboração. Daí o esforço que fazemos para nos colocar de acordo, coisa que nem sempre é possível. Resumindo, o interesse e a vontade de

3 Tradução realizada com base no texto ofi cial fornecido pelo autor à secretaria do CDES.

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consenso pressupõe, é óbvio dizê-lo, a existência não somente de diálogo, mas também de formas de negociação e de busca de acordos que, sobretudo, resguardem sobre cada assunto o que constitua aquilo que poderíamos chamar de denominador comum.

Nem é preciso dizer que esta prática, iniciada muitos anos antes da própria criação do CES, já é uma tradição cultural do mundo sindical e empresarial, tanto dentro como fora desta instituição. Faz parte também desta tradição a prática de buscar, pela via da negociação e do acordo, soluções ou alternativas pactuadas para os problemas, em alguns casos circunscritos ao âmbito de nossas competências específi cas, e em outros, com a participação do governo, quando se trata de concertação.

Outra via pela qual, no CES, se materializa o diálogo e a participação é através da elaboração de informes, promovidos, na maioria das vezes, por iniciativa dos próprios Grupos e, em outras, sugerido por algum dos departamentos ministeriais do governo.

Diferentemente dos ditames, que são impositivos, os informes são facultativos; ou seja, pode o CES abordá-los ou não.

Provavelmente, a elaboração de informes é uma das mais ricas experiências do diálogo institucionalizado que se desenvolve no CES. Por esta via temos abordado uma multiplicidade de assuntos de interesse geral para nossa sociedade, como podem sê-lo, somente para citar um exemplo, os da unidade de mercado e a coesão social em nosso país, mediante o importante e complexo processo que foi passar de um Estado unitário centralista para um Estado de autonomias regionais.

Temos também abordado, sempre com as conseqüentes propostas corretoras, o problema do acesso à moradia, que representa difi culdade para a emancipação dos jovens. Assim temos feito também com relação à economia subterrânea; com os obstáculos para a mobilidade geográfi ca dos desempregados/inativos; à situação da mulher; com relação à proteção social pública; e, para citar os mais recentes, os problemas e as alternativas para o fenômeno da imigração, vistos do ângulo do mercado de trabalho, e dos efeitos que projetam sobre a economia espanhola a ampliação da União Européia para 25 membros.

Que valor tem estes informes? É claro que servem para consolidar a prática do diálogo social, fazendo com que não se limite a declarações de boas intenções, mas que se traduza em algo parecido com uma posição comum sobre o assunto abordado, cujo valor qualitativo é dado, precisamente, pelo fato de seus autores pertencerem e representarem as organizações sociais e econômicas mais importantes de nossa sociedade. Permitem, de outra parte, que assuntos não suscetíveis de serem abordados através da concertação o sejam por esta outra via. Em outros casos, podem facilitar a concertação, por exemplo, mediante o informe que fi zemos anos atrás sobre as alternativas que pudessem favorecer a redução dos recursos jurídicos às autoridades laborais e instâncias judiciais para a solução dos confl itos individuais e coletivos de trabalho. Tempos depois, ocorreu um acordo de concertação - vinculante - entre o patronato e os dois grandes sindicatos espanhóis, encaminhando a solução extrajudicial dos confl itos de trabalho.

Outro exemplo recente e em vias de incorporação prática à legislação: depois de um informe sobre Imigração e Mercado de Trabalho o governo se comprometeu publicamente a incorporar ao decreto que deve promulgar a Lei de Estrangeiros as principais recomendações que o CES expressa no dito informe.

Não somente o governo. Também as forças parlamentares têm, tanto nos ditames como nos informes, análises e propostas que são de utilidade para suas tarefas legislativas e iniciativas políticas.

Até aqui tenho tentado transmitir a vocês um perfi l, necessariamente realizado em grandes traços, do que caracteriza a instituição CES enquanto âmbito de diálogo entre os interlocutores sociais e econômicos e de participação dos mesmos no processo de elaboração da legislação socioeconômica e laboral, assim como na promoção de iniciativas que favoreçam o tratamento e a solução de problemas dessa natureza. A partir daqui quero lhes transmitir algumas experiências de concertação social que, de certo modo, poderíamos considerar como o grau mais elevado do diálogo social.

Conforme mencionado, no nosso caso, a concertação iniciou-se muito antes da existência do CES e, basicamente, foi realizada, e se realiza, pela interlocução direta de seus três atores, isto é, o governo, o patronato e os sindicatos. Há que se dizer que, em algumas ocasiões, o governo não participou diretamente nas mesas negociadoras. Mas ele facilitou a negociação dos outros atores, assumindo antecipadamente o compromisso de incorporar à legislação o que fosse necessário para a materialização do que os atores acordassem. Ainda que este caso tenha sido o menos freqüente, não foi o menos importante. Veja-se o exemplo do Acordo Interconfederações para a Estabilidade no Emprego, subscrito em 1997 pela organização patronal CEOE/CEPYME e por CC.OO. e UGT, que são os dois

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grandes sindicatos de nosso país. Com aquele acordo buscava-se corrigir um dos piores aspectos de nosso mercado de trabalho, como é o de quase uma terça parte dos contratos de trabalho serem temporários. Entre as diversas medidas adotadas, estava a de promover um novo tipo de contrato de tempo indefi nido, dirigido a coletivos de trabalhadores em situação mais desfavorável para obter um emprego estável. O novo tipo de contrato tinha, entre outras características, a de reduzir as contribuições sociais das empresas que os subscreveram, assim como fazia com que o custo teórico máximo da dispensa do trabalho fosse, aproximadamente, 75% menos do que no caso do tradicional contrato de trabalho de tempo indefi nido.

Tudo isto, claro está, implicava reformas legislativas e ação do governo. E o governo assumiu o acordo. Acrescento que, mesmo sem ter resolvido o problema da exagerada proporção de contratos temporários, desde que aquele acordo foi posto em marcha, a temporariedade diminuiu sete pontos percentuais no setor privado.

Repito que a prática do diálogo social e a concertação se desenvolvem praticamente desde o início da transição da ditadura franquista à democracia. Como não é o caso de fazer aqui uma pormenorizada descrição do que temos realizado a esse respeito nestes quase 30 anos, me limitarei a assinalar alguns aspectos signifi cativos, fazendo menção especial aos que foram, sem dúvida, a primeira e grande expressão do consenso - político neste caso -, da sociedade espanhola. Refi ro-me aos popularmente chamados Acuerdos de la Moncloa - Pactos de Moncloa - (Moncloa é a sede do Governo), subscritos em 1977.

Não foram acordos de concertação do tipo que já foi comentado aqui, mas um pacto político que abordava múltiplos capítulos - aspectos fi scais, política industrial, desenvolvimento e modernização do Sistema Público de Proteção Social, políticas de rendas etc. Foram elaborados e subscritos pelos partidos políticos com representação parlamentar. Mas tanto o mundo empresarial como, de forma mais explícita, os sindicatos, se envolveram em sua defesa, apesar de que na política de rendas se incluía mudança radical no que havia sido a tradição até então: acordou-se que nas atualizações dos salários, nos acordos coletivos, se levaria em conta as previsões de infl ação e não a infl ação passada, o que naqueles tempos de infl ação crescente resultou fortemente lesivo para os rendimentos do trabalho. Mas o contexto daqueles Acuerdos era o de que a democracia não estava consolidada, arrastávamos os fortes efeitos da crise econômica de 73 - que por nossa situação política não se havia enfrentado em seu momento - e que carecíamos de um marco jurídico-político consistente com o conjunto de liberdades de que se estava dotando a sociedade espanhola.

As primeiras concertações, propriamente ditas, abarcam de 1979 a 1986. Abordaram diversas matérias, incluída a política salarial. A respeito dela, geralmente, se fi xava um intervalo estreito, com um máximo e mínimo, das taxas previstas de infl ação, embora se deva sublinhar que sempre se acordava que existiria uma cláusula de salvaguarda ante possíveis desvios nessas previsões de infl ação, de modo que a diferença que pudesse ocorrer fosse compensada no exercício seguinte.

As matérias contempladas eram muitas e diversas, em algumas ocasiões, com compromissos quantifi cados de criação de empregos. Em um acordo houve, por exemplo, reduções de jornada, compromisso de potencialização da negociação coletiva, reconhecimento do papel das Seções Sindicais e dos Comitês de Empresa e, particularmente, compromissos de participação e negociação nas questões relacionadas com a melhora da competitividade das empresas: inversões, organização produtiva, melhorias tecnológicas, relações laborais, qualifi cação de mão de obra etc.

Em outros acordos se incluíam também critérios salariais, porém sem cifras. Sempre partindo da manutenção do poder aquisitivo e melhorando algo, segundo a situação da empresa ou setor.

A idéia dominante foi sempre tentar melhorar a distribuição da renda entre trabalho e capital, ampliando o número de assalariados e promovendo melhorias moderadas do poder aquisitivo, tendo presente os ganhos de produtividade que se podiam dar. Quer dizer, unimos a política salarial com aquela que era nossa maior prioridade, isto é, a política de emprego.

Segundo o tipo de acordo, particularmente nos casos em que se contava com a presença do governo, ocorreram compromissos como, por exemplo, melhorar a cobertura e o valor do seguro/auxílio de desemprego ou incentivar o emprego de determinados coletivos: mulheres, jovens...

Em alguns acordos, se incluíram medidas fi scais: apoio ao investimento e tratamento fi scal mais favorável para as rendas mais baixas. Também se comprometiam investimentos do Estado para a realização de obras e serviços públicos. Por exemplo, acordos do Instituto Nacional de Emprego (INEM) com organismos públicos. Tudo isso para favorecer a criação concreta de emprego.

A intenção de fundo daquele conjunto de acordos era contribuir para remediar os efeitos do desemprego, controlar a infl ação e modernizar tanto a estrutura produtiva de nosso país como o marco geral das relações

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laborais. Tudo isso, por diversas razões, nos interessava a todos. Por isso foi possível a concertação. Sem que seus atores se sintam identifi cados com os objetivos que se pretendem, a concertação social é impossível.

A experiência daquele período não foi retilínea nem impediu a aparição de confl itos de certa intensidade, como, por exemplo, os derivados da reconversão industrial. Este processo teve que se realizar tanto para modernizar uma estrutura produtiva com setores pouco competitivos, como para concluir, com êxito, o ingresso da Espanha no Mercado Comum europeu, realizado em 1986. Em apenas cinco anos foram perdidos cerca de um milhão de empregos na indústria. Era inevitável o protesto social, em alguns momentos realmente duros.

Tampouco impediu que, em setores da sociedade, especialmente nos sindicatos, crescessem as reservas para com as práticas nas quais os compromissos substantivos pactuados se cumpriam apenas em parte. Este é um aspecto digno de sublinhar, pois se o que formalmente se subscreve não se transforma logo em realidade, a concertação se torna indesejável. É bem verdade que não era fácil cumprir em cem por cento alguns pactos, principalmente quando abarcavam muitas matérias de uma só vez. Foi assim que quando anos mais tarde, - em 1994 - se reiniciou uma nova e larga etapa de acordos e concertações, evitou-se congregar em um todo único o conjunto de matérias suscetíveis de negociação. Ou seja, cada grande matéria se negocia em separado, o que em princípio permite que, em alguns acordos, se aprofunde mais, em outros, menos, e inclusive, possa ocorrer uma combinação de acordos e desacordos.

Antes de continuar fazendo referência às experiências posteriores, considero importante sublinhar que o período que transcorre entre 1986 e 1994, quando o diálogo e a concertação foram escassos e somente de forma muito esporádica produziram frutos, foi também o período de mais intenso confl ito social - houve três greves gerais - e, mais além das fundamentadas razões que cada parte pudesse ter para justifi car suas posições, não benefi ciou nenhuma. Nem ao governo, que sendo o principal destinatário dos protestos sofreu uma correspondente deslegitimação social, nem tampouco ao mundo empresarial, para o qual a persistência de confl itos sociais de certa envergadura sempre representa riscos adicionais para os investimentos e outras iniciativas. Por suposto, tampouco se pode dizer que fortaleceu os sindicatos. Uma das conclusões que extraímos dessa experiência é que a ausência de diálogo social e concertação não foram rentáveis nem econômica nem socialmente.

Estes últimos 10 anos têm sido ricos em acordos bipartites e tripartites, alguns deles de especial valor estratégico, como é o caso do acordo sobre aposentadorias, subscrito pelo governo e os dois grandes sindicatos em 1996, como desdobramento do Pacto de Toledo, por sua vez, promovido e subscrito pelas forças político-parlamentares. Estes acordos e suas posteriores atualizações têm contribuído para que, frente às incertezas que tínhamos, há mais de 10 anos, sobre a sustentabilidade do sistema público de previdência social, incertezas a miúdo exageradas por interesses espúrios, os espanhóis tenham atualmente bastante segurança na viabilidade de nosso sistema de contribuições. Hoje, ajudado pelo importante e prolongado período de bonança econômica e criação de emprego, não somente estão saneadas as contas como o sistema possui um fundo de reserva de 18 bilhões de Euros.

Acordos entre patronato e sindicatos, algumas vezes com participação direta do governo, outras sem essa participação ou, como o Acordo Interconfederações para a Estabilidade do Emprego, com o compromisso governamental de assumir o acordado, têm ocorrido com a intenção de racionalizar a estrutura da negociação coletiva, para ampliar a solução extrajudicial dos confl itos de trabalho, para a formação profi ssional e continuada, para o desenvolvimento da legislação sobre prevenção de riscos no trabalho e alguns outros de menor expressão. Nos últimos anos, foram subscritos Acordos Interconfederações para a Negociação Coletiva, onde se estabeleceram os critérios que patronato e sindicatos se comprometeram a defender nas negociações dos vários milhões de convênios coletivos que subscrevem, a cada ano, nos setores produtivos e no âmbito das empresas.

Justamente quando preparava minha intervenção para este encontro, se encerrava na Espanha a primeira fase de contatos para uma nova etapa de diálogo social entre o novo governo, surgido depois das eleições de 14 de março passado, o patronato e os sindicatos. Foi subscrito entre eles um documento intitulado “Declaração para o Diálogo Social – 2004”. Ali foi defi nida uma série de mesas negociadoras, das quais é muito provável que surjam acordos vinculantes sobre matérias como a contratação temporária, o emprego nas administrações públicas, a imigração, a formação profi ssional, a progressão do emprego nos serviços públicos e as políticas públicas de emprego, a segurança social e alguns outros temas.

Haverá que se esperar para saber o que resulta, mas é claro que a vontade de prosseguir o desenvolvimento de nossa cultura de diálogo, de participação nas defi nições das políticas públicas e de acordos de concertação, onde todos assumimos compromissos, adquire de novo um importante impulso.

Vou concluir. Mas quero fazê-lo com algumas considerações fi nais. A primeira delas é que, depois de vários anos participando de reuniões e debates em distintos países latinoamericanos para falar do mesmo assunto que hoje me trouxe aqui, pude compreender melhor e afi rmar, sem que pareça uma frase de cortesia, que não é nada

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fácil adotar as experiências de um país no terreno do diálogo e da concertação se as situações de desenvolvimento econômico, político e social são muito distintas. Por isso a modéstia com que lhes procurei falar, expondo aqui nossas experiências e o alto respeito que merecem as experiências de outros países neste terreno. Por exemplo, há países em que, nos organismos equivalentes ao nosso CES, há participação governamental e eles possuem, entre suas prerrogativas, o que na Espanha conhecemos como concertação social. Havendo vontade de acordo e determinadas condições para materializá-lo, esses organismos podem ser tão efetivos quanto o nosso modelo de concertação que, como já disse, é diferente.

Em todo caso, o que temos podido constatar é que a inexistência de diálogo social, condição necessária ainda que não sufi ciente para a concertação e o acordo, é sempre sinônimo de confl ito, em geral latente que, se ativado, pode acarretar conseqüências bastante negativas.

A segunda consideração é que, sem dúvida, a participação e o diálogo social são sempre sintomas de saúde democrática. Mas todo apelo ao diálogo social pode não ser mais que um apelo moral, sem resultados práticos, se não existem ou são demasiado débeis alguns requisitos.

Entre estes requisitos ou, se preferir, pré-requisitos, permito-me apontar os seguintes:

- Que haja um reconhecimento, não somente formal mas real, dos grupos sociais e da legitimidade dos inte-resses que, respeitando as leis, cada um deles representa e defende.

- Que existam bases, tanto de ordem institucional como legislativa, que permitam o desenvolvimento do diá-logo social e da concertação social.

- Que exista vontade de resolver, pela via da participação, da negociação e dos eventuais acordos, o confl ito de interesses inerente a toda sociedade plural.

- Que exista autonomia nas organizações que protagonizam o diálogo.- Que exista um certo nível de articulação social. Sem organizações capazes de representar, ao menos com um

mínimo grau de solvência, os setores e os interesses que intervêm no processo de diálogo social, é difícil que este renda frutos. Essa articulação pode ser desenvolvida, em especial, por parte dos poderes públicos, tanto com medidas gerais como em outras derivadas do próprio diálogo e concertação social.

- Que o acordado se cumpra, para o que, é óbvio, se necessita de vontade e capacidade para respeitar e fazer efetivo o acordado.

- Que exista interesse comum sobre as matérias e os objetivos do diálogo social, na consciência de que seus resultados não podem ser de soma zero, onde uns ganham e outros perdem. Olhe-se para onde se olhe, toda negociação é um intercâmbio. A chave é que ganhem todos os que dela participam, ainda se sabendo que nas trocas não é fácil obter um equilíbrio perfeito.

Se na Espanha a experiência é, globalmente, bastante positiva, tem muito a ver com o fato de estes requisitos terem sido cumpridos.

Reitero minha convicção de que mimetismos não são possíveis. Mas também reitero que nos notáveis avanços havidos em meu país, nestes anos de democracia, o diálogo e a concertação social têm tido um papel mais que importante. Mas em absoluto, o diálogo e a concertação social têm signifi cado a superação do confl ito de interesses que representam os diferentes grupos e setores econômicos e sociais nem tampouco a eliminação das manifestações desse confl ito. No entanto, têm polido mais que consideravelmente suas asperezas. Oxalá estas experiências possam ser úteis a vocês.

Carlos LessaPresidente do BNDES

Creio que em relação à questão proposta durante este debate, talvez a contribuição que possamos dar seja a partir da cadeira em que estou sentado. Ou seja, pensar na perspectiva de quem está na função de presidente de uma instituição do Estado nacional, de uma instituição fi nanceira que tem missão absolutamente defi nida - apoiar o crescimento do que, em termos muito vagos, se poderia chamar de forças produtivas.

Obviamente, essa instituição não existe no abstrato. Ela está, num determinado momento, ante uma estrutura histórica que lhe foi atribuída pelo processo genético constitutivo da sua nação. Nessa estrutura há uma dimensão econômica em que existem capacidades produtivas instaladas, competências; existe um estoque de riqueza, com uma determinada distribuição dessa riqueza; existe uma estrutura espacial que é extremamente importante, porque esse estoque econômico está distribuído no espaço, no território, com uma determinada relação com os recursos

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existentes, com uma determinada forma de ocupação desse espaço. Há uma estrutura social cujo ponto mais relevante é ocupado pelos protagonistas que estão no jogo interativo com a instituição de que se é responsável.

Finalmente, lato sensu, existe algo que, à falta de outro nome, eu chamaria de estrutura cultural, na qual eu destacaria alguns elementos que julgo serem fundamentais: há um certo sentimento de identidade nacional; determinados níveis de auto-estima, que não estão distribuídos de forma equalizada por esses protagonistas; e uma esperança, misto de expectativas, de sonhos, frustrações, quanto ao futuro, inclusive, participantes descrentes de que não haja futuro e absolutamente prisioneiros do horizonte imediato.

Penso que discutir a concertação ou atuar em relação ao projeto de desenvolvimento, na perspectiva nossa, começa por ter o máximo de abertura possível a essas dimensões, o que, no limite, seria um programa quase que megalômano. Na verdade, o nosso recorte se afunila, porque a nossa unidade de decisão é o projeto que, em última instância, é um projeto de investimento. Todo e qualquer projeto está cercado de peculiaridades e se apresenta numa determinada confi guração. Primeiro, movido por um complexo determinado de interesses e, ao ser apresentado, obriga a um jogo interativo entre a instituição que irá fi nanciar e o candidato ao fi nanciamento.

Nessa interação é que um organismo como o BNDES pode transportar a essa decisão concreta critérios de orientações gerais que são defi nidos pelas políticas públicas, pela estratégia nacional, pelas orientações de governo. Mas ao fazê-lo, rigorosamente, há uma concertação, permitam dizer, microconcertação. Por quê? Porque estarão, de certa maneira, naquele espaço quase dramático e hamletiano de ser ou não ser o processo fi nanciado. Se nós não o fi nanciarmos, ele provavelmente não existirá. Ele terá de sair fi nanciado dentro de uma determinada forma, que componha, além do interesse proponente e uma constelação de outros interesses, a assimilação de uma série de critérios.

Necessariamente, essa decisão transporta alguma componente de discricionariedade e nasce de uma negociação que pode ser de imensa complexidade. Na verdade, muitas vezes, interesses que não se apresentam num primeiro momento têm que ser prospectados, estimulados, e convocados à mesa para aquela decisão cuja construção é bastante complexa, mas nem sempre totalmente exitosa.

Nesse caso, o que eu me pergunto é: em que postura nos posicionamos com respeito a isso? Sempre gosto de recorrer à fi gura de Miguel de Cervantes porque ele nos forneceu uma polaridade extremamente esclarecedora: de um lado, o Dom Quixote perseguindo o sonho do desenvolvimento; do outro, o agente público, que tem de ser o Sancho Pança, a pensar em rigor e prudência. Isso num banco de desenvolvimento é levado ao nível quase do paradoxismo, ao querermos estimular o projeto a ser o mais audacioso e o mais prudente possível. Este é um exercício de extrema complexidade, mas que deverá ser feito por esta Nação, que pretende se desenvolver, em todos os cenários onde se tomam decisões. Decisões que poderão ser macroscópicas ou microscópicas, com maior ou menor incidência, mas, em última instância, é sempre essa combinação que temos de operar.

Por que tomei esse caminho? Para dizer que para esse tipo de protagonismo que, no momento, sou obrigado a exercer, a política macroeconômica é um dado. Agora, se me perguntassem se ela é objeto de uma concertação, eu responderia que sim, mas se me perguntassem se essa concertação maximiza a idéia de desenvolvimento, eu diria que, provavelmente, não por haver uma dimensão prudencial extremamente associada à impulsão, ou à compulsão preservadora, na medida do possível, dos níveis adequados de estabilidade.

Quando falamos em desenvolvimento, falamos de rupturas, de aventuras em novas direções, necessariamente em modifi cação de cenários existentes, como, por exemplo, a dimensão mais complicada de todas - a infl ação. Por que eu visito a infl ação? Porque nós, e aqui estou falando em Brasil, tendo vivenciado décadas de alta infl ação, criamos uma espécie de reação alérgico-instintiva a qualquer ressurgência do fenômeno. E o órgão encarregado de prevenir isso é o Banco Central, cuja missão não é o desenvolvimento, e sim, evitar que haja esse acesso alérgico, minimizar o medo da infl ação. Mas o fazendo, necessariamente, tem de exacerbar a dimensão de Sancho Pança.

Houve, na história da humanidade, alguns bancos centrais que eram Dom Quixote, inclusive no próprio Brasil, quando Ruy Barbosa tentou com o encilhamento uma política monetária absolutamente desenvolvimentista. Mas o que eu me pergunto é se é possível reduzir essa demonização com respeito ao desenvolvimento. Ao meu ver, este processo passa por empresários, por agrupações de empresários, por produtores, por trabalhadores, por suas organizações, sindicatos e centrais sindicais. É ou não possível a pactuação em torno de preços e salários? Na medida em que a sociedade avançar nessa pactuação teremos um Banco Central menos prudente e mais audacioso. Teremos um Banco Central desonerado de uma tarefa de Sancho Pança, abrindo mais espaço para Dom Quixote dentro da sua atuação. Penso que existe aqui um trade-o� a ser negociado, que é objeto de uma concertação e é uma concertação absolutamente estratégica em relação ao futuro.

A outra questão que eu gostaria de apresentar muito rapidamente é que, além desta macroconcertação, nós precisamos ter presente que a idéia de desenvolvimento não consiste apenas em buscar, nos atuais protagonistas,

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comportamentos consistentes com o sonho do desenvolvimento e sim, em praticar a prudência dentro da não-paralisia e da não-inibição, criando novos protagonistas. Esse tipo de tarefa demiúrgica é que eu acho que tem de ser objeto de uma concertação.

Permitam que eu faça dois exercícios aqui. Um deles em relação à famosa pequena e média empresa. Por que digo a pequena e média empresa? Porque ela é exaltada em canto e verso como geradora de emprego e, por conseguinte, operadora ou protagonista de uma das diretivas estratégicas mais importantes, que é a inclusão social pelo emprego. Um pequeno detalhe: 80% das pequenas empresas morreram depois de três anos de fundadas. Pouquíssimas pequenas empresas viram médias, muitas médias morrem, também; pouquíssimas viram grandes, e geralmente as grandes, uma vez grandes, são grandes ad secula, amém.

Ao examinar qualquer estrutura industrial, descobrir-se-á que, para os diversos setores, as lideranças estão mais ou menos fi xadas e duram décadas e décadas. Portanto, a questão da pequena e média empresa é, a meu juízo, absolutamente essencial no capítulo dos protagonismos. Tem que inspirar determinadas decisões que lhes garantam robusteza, que lhes garantam saúde, que lhes garantam longevidade. Isto exige a formatação de alguma instituição que não tenha a característica da pequena empresa - a vida efêmera, como a das borboletas que nascem, embelezam os ares e fenecem.

Eu creio que, ao falarmos em arranjos produtivos locais, estamos começando a praticar o discurso de criação de novos protagonistas, que somente será possível se houver uma concertação entre pequenas e médias empresas que substitua a competição entre elas pela cooperação, a qual as fará se comportar como se grandes fossem. Mas esse tipo de concertação, meus senhores, não é nada fácil. O Ministro Luiz Fernando Furlan tem se esforçado desde o primeiro momento em desenvolver o tema. Nós, no BNDES, fazemos um grande esforço, mas todos aqueles que lidam no segmento sabem como é difícil ser demiurgo diante dos famosos arranjos produtivos locais.

Da mesma maneira, é necessário ter presente que a dicotomia capital/trabalho pode ser superada por uma série de outras fi guras, sendo, inclusive, possível que a dimensão do capital e a dimensão do trabalho sejam praticadas, em último termo, pela mesma persona. É uma persona complexa, é uma associação, é uma cooperativa de produtores, é uma forma inventiva qualquer - fi guras capituladas no grande título chamado Economia Solidária, particularmente importante para países como o nosso, que não pode se dar ao luxo de abrir mão de qualquer novo protagonismo.

Mas como organizar essas formas de economia solidária? Eu sempre fi co me perguntando porque não gosto da idéia do compensatório, não sou daqueles que imaginam ser possível enfrentar a questão social com práticas compensatórias. Eu acho que é necessário enfrentá-la com práticas demiúrgicas, práticas em que a sociedade abre novos espaços a protagonistas. Porém a pactuação em torno disso é extremamente complexa e, também, muito necessária. Fico pensando na imensa importância da modifi cação de toda a legislação para permitir, por exemplo, que a falência não seja um gesto destrutivo de capacidade produtiva, mas que, eventualmente, dê origem a formas cooperadas de operar fábricas. Nós mesmos, no BNDES, por exemplo, ajudamos a Uniforja (Cooperativa Central de Produção de Trabalhadores em Metalurgia) a existir, numa operação vitoriosa onde capital e trabalho estão integrados.

Senhores, termino aqui, na perspectiva de quem ocupa uma cadeira que é um observatório privilegiado, mas, ao mesmo tempo, um espaço dramático de concertações fechadas, em nível de cada operação de fi nanciamento de um novo projeto de investimento. Percebo assim, que a questão do desenvolvimento exige um grande esforço de relacionamento de quais são os protagonistas com que podemos contar para esse sonho, quais os que precisam ser enquadrados e quais precisam ser criados. Esse é um discurso que tem muito pouco a ver com economia de mercado. É um discurso onde voluntários, solidariedade, a idéia de corpo nacional se constituindo e constitutivo é fundamental.

Clemente Ganz LúcioConselheiro do CDES

Faço esta exposição, tentando resgatar uma experiência que o DIEESE fez nos últimos anos - em regiões como São Paulo, Rio Grande do Sul e Recife - de desenvolvimento de Observatórios do Trabalho, cujo objetivo é criar um espaço de produção do conhecimento que apóie um diálogo sobre as questões do mundo do trabalho. Busco relacionar essa experiência com o desafi o proposto para esta Mesa, ou seja, como desenvolver o diálogo e a negociação em âmbito nacional.

Penso que a primeira questão, na experiência de organização de uma atividade que produza conhecimento e apóie um processo de diálogo e de concertação, é que a produção de conhecimento se refere a questões do futuro

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e nós não estamos acostumados a pensar, a elaborar, a formular indicadores coletivamente acerca do futuro. Nós fazemos muitas declarações e boa parte delas sobre o futuro são carentes de base e de uma compreensão histórica da projeção do futuro.

O primeiro desafi o para um processo de construção do diálogo é a possibilidade de desenvolvermos capacidade cognitiva de construção de conhecimento sobre o futuro. Mas, o futuro é difícil de ser sondado e só é conhecido quando passado. Entretanto, os atores sociais fazem apostas sobre o futuro. Uma parte do conhecimento necessário para um processo de diálogo é a capacidade de relacionar a história com as apostas que os atores fazem e de sistematizar / transformar a produção desse conhecimento, por meio do diálogo social, como conhecimento que é aportado coletivamente para um objetivo comum.

Não é fácil fazer, como não é fácil desenvolver/transformar a produção científi ca, assentada em diagnósticos, em elaboração de indicadores que possam subsidiar o diálogo entre as apostas que os atores fazem, a mediação com os seus interesses e sonhos, e a possibilidade de partilhar a compreensão desta realidade presente e sobre o que se quer no futuro. É muito difícil fazer isso.

Considero que, para que o diálogo avance, essa é uma empreitada necessária. Sem isto nós não conseguiremos transitar de uma conversa que visa ao convencimento do outro sobre uma determinada proposição para a realização de um diálogo social na construção de objetivos comuns. Ou seja, transitar de uma agenda para uma concertação e para compromissos, transitar da construção de um sonho para um programa que seja viável e que possa ser implementado. Isso signifi ca que os atores que partilharam do processo de diálogo estão dispostos a colocar os seus recursos na mesa. E, mais, a colaborar e atuar coletivamente pela construção desses compromissos, o que signifi ca, provavelmente, rever apostas, rever alocações de recursos, rever prioridades, e rever uma série de elementos que estão na apostas particulares.

Considero que, nessa construção, o desenvolvimento de uma metodologia capaz desse aporte é fundamental. Penso que temos vários elementos que deveriam compor essa metodologia, mas gostaria de destacar três.

O primeiro, é que devemos fazer um esforço para vencer uma lógica de simplifi cação, ou seja, temos de assumir que os problemas são extremamente complexos e exigem um investimento sistemático para que sejam conhecidos.

Além disso, por mais que possamos partilhar esse conhecimento, ele estará sempre mediado pelos diferentes interesses de cada ator social. O diálogo é justamente a possibilidade de partilhar esses conhecimentos mediados pelos interesses e a possibilidade de identifi car alguns interesses comuns - no geral, maiores que os interesses particulares, sobre os quais estamos dispostos a partilhar os recursos de que dispomos.

Por que acho que isso é importante? Porque nós tendemos, muitas vezes, no momento da análise dos problemas e na elaboração das soluções, ao uso de uma lógica de simplifi cação da realidade, o que penso ser extremamente inadequado para o enfrentamento da agenda para a qual nos propomos.

Segundo, também devemos vencer a dicotomia entre uma tentativa de compreender muito bem o local - e, na parte da manhã, o debate apresentou isso claramente - e uma tentativa de compreensão da totalidade. Ou seja, devemos ter capacidade cognitiva para distinguir os diferentes níveis de realidade, compreendendo que as regras e as leis que valem para um nível podem não valer para outro. Precisamos compreender a diversidade das leis que regem esses diferentes níveis, e as políticas capazes de tratá-los em sua complexidade.

Terceiro, para sairmos dessa ordem perversa é, de alguma forma, necessário criar a possibilidade de uma desordem, para que possamos construir uma nova ordem. Transformar os problemas em desafi os, o que signifi ca transformar o olhar do passado em um olhar para o futuro. E, ao mesmo tempo, poder imaginar outras possibilidades, além das conhecidas até aquele momento. Hoje pela manhã também foram dados alguns exemplos de afi rmações do passado sobre o presente então distante, sobre “a loucura do futuro”. A que foi levantada pelo Staub, no editorial da década de 50, sobre a Petrobrás, é um exemplo claro de que se não tivermos essa capacidade, estaremos com a possibilidade do avanço do diálogo relativamente restringida.

Existem vários outros elementos, mas eu gostaria de destacar do debate da manhã - a fala do professor Celso Furtado e as dos demais participantes da mesa - como elemento convergente, a concepção de que a inclusão se dá pelo emprego ou pela ocupação. Se isto é um consenso, se há um entendimento forte a esse respeito, precisaremos enfrentar o desafi o da reconstituição de um sistema integrado de estatística sobre o trabalho no Brasil, capaz de subsidiar as intenções do diálogo social.

Se quisermos ter no trabalho, no emprego, na ocupação, uma centralidade quanto ao projeto de desenvolvimento, é necessário que o aporte de informação e de conhecimento esteja assentado numa base sólida de produção de estatística. Se há um trabalho necessário, é a reconstituição dessa base, mobilizando os recursos que já temos no

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país, desde o próprio IBGE, até as outras organizações que produzem estatísticas, para que tenhamos um sistema capaz de aportar informações adequadas a esse projeto de desenvolvimento.

Acredito, também, ser necessário desenvolver (e tentar conhecer com maior profundidade) . e posso afi rmar isso, porque no Dieese temos essa preocupação presente . a qualidade do emprego e da ocupação existente no interior da empresa. É preciso que os projetos de investimento - sejam eles públicos ou privados - estejam mediados por elementos capazes de monitorar a qualidade do emprego gerado para que seja possível estabelecer, na negociação local entre capital e trabalho, metas que elevem a qualidade do posto de trabalho e da renda que está sendo gerada.

Para fi nalizar, gostaria de destacar dois elementos da agenda atual de debate na sociedade brasileira, sobre os quais devemos ter atenção. Por um lado, o debate sobre a reforma sindical que está na agenda do atual governo. Nós não devemos perder de vista o fato de que qualquer reforma sindical que seja feita deve ser uma reforma que propicie a elevação da representatividade dos atores sociais, sejam eles empregadores ou trabalhadores. Por outro lado, a discussão da regulamentação da legislação do trabalho, ou da sua proteção, deve estar diretamente vinculada ao modelo de sistema de relações de trabalho que passará a vigorar no País.

Esta agenda está posta para o próximo período e é fundamental porque, em se tratando das reformas, cria as condições para que os atores sociais constituam novos níveis de representatividade. Níveis que permitam a pactuação e a celebração de acordos, a partir do diálogo que está sendo proposto para que essa pactuação tenha, de fato, capacidade de ser implementada.

Rodrigo LouresConselheiro do CDES

Quero dar a minha contribuição baseada em nossas experiências locais, por entender que um dos aspectos do desenvolvimento é acontecer em nível local: no local de trabalho, nas fábricas, nas cidades.

Quero, também, dar a minha contribuição baseada no que penso destes encontros e da maioria dos estudos onde se dá uma grande ênfase às externalidades, ou seja, à maneiro como podemos construir artefatos administrativos, artefatos políticos, instituições que balizem, induzam e sustentem mudanças. Penso existir uma dimensão de mudança que se deva processar em termos da consciência do indivíduo, dos grupos, em termos culturais, que seriam as internalidades. Nesse aspecto, a emergência das mudanças vem de um processo de aprendizagem que se dá tanto melhor quanto melhor acontece a relação entre os protagonistas do desenvolvimento. De certa forma, esta foi a questão também levantada pelo professor Lessa e pelo Clemente, quando falaram da importância de encontrar um método que proporcione mudanças efetivas nas pessoas.

Quero compartilhar com vocês algumas experiências realizadas no Paraná. Nós temos, por exemplo, com relação a arranjos produtivos, a cidade de Cianorte, que é um centro de indústria do vestuário, com mais de 250 empresas, onde não existe desemprego, o padrão de vida médio é superior à média do estado, não existe violência, todos estão felizes. O que acontece nessa cidade? Os atores desenvolveram um estágio de cooperação entre si que lhes permite fazer juntos uma série de coisas. Há cooperação estratégica entre os atores do desenvolvimento formando, assim, mecanismos apropriados para compartilhamento no acesso a crédito, em processos de compras, em processos de venda, em programas de aprendizagem, articulando-se no sentido de fazer coisas em comum.

Além desses mecanismos inovadores, há também mudança na atitude dos atores, no estilo de liderança. Nota-se que quando o líder facilita o processo do diálogo social, permitindo assim, a inclusão de todos os atores, de todas as partes interessadas no desenvolvimento, esse diálogo fl ui com mais profi ciência e melhores resultados. Esta mesma abordagem estamos adotando, por exemplo, com relação ao planejamento compartilhado da Federação das Indústrias do Paraná, no qual mobilizamos cerca de 2,5 mil pessoas, ao longo de três meses, em um processo interativo de construção de uma visão de futuro e da identifi cação daquilo que as une, de seus interesses comuns, identifi cando as mudanças que devem ser feitas e quais os projetos que mobilizam a comunidade, o que, efetivamente parece tocar o coração das pessoas.

Desta forma, estamos entrando na questão das internalidades. As pessoas são motivadas a fazer coisas juntas, e, por consequencia, a fazer desenvolvimento. Evidentemente, o diálogo está presente nesse processo, na medida em que ele permite que aconteça a aprendizagem social, a cooperação social, trazendo a inovação. Uma forma de garantir que uma organização ou uma comunidade entre num processo de movimento, de crescimento, de desenvolvimento e de evolução.

Quero, também, fazer menção a uma outra iniciativa que tivemos no Estado do Paraná, relacionada ao Observatório. Identifi camos que uma das necessidades para fazer a promoção do desenvolvimento no nível de uma grande comunidade - no caso a zona metropolitana de Curitiba - era que houvesse um entendimento quanto

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aos indicadores relevantes para a cidade ou região e que se organizasse as informações de tal sorte que todos os atores interessados, de alguma forma, em atuar naquela região, pudessem ter acesso às informações importantes para as suas tomadas de decisão.

Um outro encontro que nós fi zemos, esse envolvendo mais de 500 pessoas – incluindo empresários, representantes da universidade, da sociedade civil e do governo - foi no sentido de fazer dos negócios agentes de benefício do mundo, uma vez que, reconhecidamente, as empresas podem ser - e são - um espaço amplo de aprendizagem, de educação e podem mobilizar os seus recursos não só para perseguir os seus interesses específi cos, como também os alinhando com os interesses da sociedade.

Sônia FleuryConselheira do CDES

Quero começar minha apresentação pelas discordâncias, já que concordamos com muitas coisas hoje. Quero dizer que não estou de acordo com a proposta feita pelo Ministro José Dirceu, de que o nome da inclusão é o emprego. Penso que a inclusão remete à condição de cidadania e não só a uma ocupação. E a cidadania tem a ver com a inserção de um indivíduo, que é um sujeito político, constituído e autônomo, em uma comunidade de iguais, na qual esses direitos são respeitados pela autoridade pública e ele pode inserir seus interesses na esfera pública. É essa condição de cidadania que nos leva à construção de uma esfera pública ampliada e que nos leva à construção de uma coesão e, em última instância, à construção da própria nação. Eu acho estranho que o termo coesão, que deveria ser a essência da nossa noção de desenvolvimento, apareça citado pelos europeus e não por nós, que temos problemas muito mais sérios, pois sequer constituímos mecanismos como um Estado de bem-estar social e mercado inclusivo, que eles construíram para a inserção das pessoas na esfera pública.

Eu poderia falar disso teoricamente, porque é a minha área de trabalho, mas quero falar empiricamente, porque estou muito tocada por uma experiência que tive no último fi m de semana, numa comunidade no Rio de Janeiro, mais especifi camente em Vigário Geral, que muita gente conhece pela chacina que houve lá, na divisa com Parada de Lucas. Estou trabalhando nessa comunidade com uma investigação sobre a condição de cidadania, tentando ver as relações que isso tem com a política pública. Eu realizei um grupo focal com 12 líderes jovens, nessa comunidade. Dos 12 líderes jovens, dos quais um era estudante - não tinha emprego, mas tinha uma ocupação -, um disse que não era nada, mas sua ocupação era no tráfi co de drogas e ele não quis publicamente declarar, embora fosse sabido - ele tinha ocupação, também - e os outros dez tinham ocupações, basicamente, em igrejas e em organizações não-governamentais.

Isso resolve o problema da inclusão dessas pessoas? Não resolve. Não resolve, porque eles não são tratados na esfera pública como iguais aos jovens que moram no bairro em que eu moro. O Estado não chega lá ou chega muito precariamente. A escola pública que existe lá é de péssima qualidade. Eles sabem que não passarão no vestibular e que estão fazendo um investimento enorme com a quase certeza de que, numa universidade pública, jamais entrarão e terão de pagar uma universidade privada. O Posto de Saúde é extremamente precário e os trabalhadores não têm os medicamentos necessários. Estes jovens não podem atravessar uma linha fronteiriça imaginária, por eles denominada de “Faixa de Gaza”, porque, do lado de cá, que é Vigário Geral, manda o Comando Vermelho, e do lado de lá, na Parada de Lucas, manda o Terceiro Comando. Tem um CIEP na Faixa de Gaza, uma escola pública, uma instituição pública e as crianças que a freqüentam vêm dos dois lados, mas no momento de sair, cada um tem de sair para o seu lado, por seu território, porque ali é uma região de guerra, segundo as palavras que eles usam constantemente.

Portanto, um emprego só, uma ocupação, não insere. É preciso muito mais para transformar essas pessoas em cidadãos para que seus interesses possam ser respeitados. É preciso descolonizar o Estado, é preciso que as políticas públicas tratem as pessoas como iguais. Não quero falar só do como sem falar o quê, já que a minha visão em relação ao social é que ele é a essência do projeto de desenvolvimento e a questão econômica é a ele subordinada. Todo o meu discurso será nesse sentido. Quero falar um pouco dos pactos sociais, que foi a outra questão importante tratada aqui. Quero falar dos pactos de poder que sustentariam um projeto de desenvolvimento. Quais são os pactos que nós vivemos nesta nossa sociedade e as conseqüências que eles tiveram para nós até agora?

O grande pacto que assim podemos denominar é o pacto corporativo, simbolizado pelo governo Getúlio Vargas, tão mencionado aqui, e que foi um pacto que nos levou de uma economia agro-exportadora a uma economia industrializada e urbana. Esse foi um pacto entre as elites e extremamente autoritário. Portanto, o nosso desenvolvimentismo foi um pacto de crescimento sem democracia, independente do regime político que existiu no período. Era um tipo de autoritarismo, na medida em que fazia acordos que reservavam a área rural à dominação

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES70 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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mais tradicional e oligárquica, que também seguia representada nas formas parlamentares, quando o Parlamento funcionava, possibilitando que “coronéis” e governadores exercessem o mando nas suas possessões regionais.

De tal forma que a estrutura de propriedade da terra nunca pôde ser alterada neste país, com uma reforma agrária conseqüente que pudesse afetar esses interesses e atender aos interesses dos camponeses e trabalhadores rurais. O primeiro acordo desse pacto era não mexer na estrutura de poder e na estrutura fundiária e o segundo era a modernização pelo alto, pela via autoritária, que se fazia numa área urbana, com a incorporação dos trabalhadores urbanos do mercado formal. Essa incorporação gerou um padrão de cidadania que o Wanderley Guilherme dos Santos chamou de cidadania regulada pela condição de trabalho, em que cada um tem os seus direitos sociais de acordo com o poder de barganha que detém frente ao próprio Estado. Esse pacto começa a fazer água em decorrência do próprio desenvolvimento, do processo de industrialização, na medida em que ele não comporta mais os interesses da sociedade que se torna cada vez mais complexo e que, além de tudo, necessitava da presença de outros atores, inclusive do capital internacional e da associação do nosso capital com ele.

As contradições ocorrem e nós chegamos a um outro pacto. Pulei a história enormemente para chegar a outra idéia do pacto de uma sociedade já muito mais complexa, na qual os atores tradicionais - os trabalhadores urbanos, a burguesia industrial - têm que conviver com outros atores que, anteriormente, não faziam parte do pacto corporativo: movimentos sociais, organizações não-governamentais, agências internacionais fi nanciadoras que passam a fazer parte desse jogo político com o qual temos que conviver. Nós chegamos a um segundo pacto, que foi o pacto democratizante. Foi o pacto de transição para a democracia, no qual ocorreu um grande acordo na sociedade, no sentido de que todos nós queríamos sair do autoritarismo. Este pacto se expressou muito claramente na Constituição de 1988 e na institucionalidade que esse pacto gerou, que foi uma institucionalidade extremamente inovadora, especialmente no campo das políticas sociais.

Aceitou-se esse adensamento do tecido social, aceitou-se que havia outros atores, e que, demais, a política pública não deveria ser deixada nas mãos apenas da democracia representativa, já que os interesses do pacto corporativo haviam enfeudado o próprio Estado. Assim, para democratizar o Estado, criou-se um conjunto de mecanismos importantes que foram as conferências nacionais, os Conselhos locais, os Conselhos nacionais - espaços e modos de formação da vontade política por meio da sociedade e do compartilhamento do poder entre a sociedade e o Estado. Chegamos, então, a um segundo período. Se o primeiro foi de crescimento sem democracia, agora nós temos um segundo período, de quase 25 anos, de democracia sem desenvolvimento, sem crescimento nem inclusão social. Isto gera paradoxos para a própria democracia que a tornam insustentável, em médio prazo.

O que estamos vivendo? Estamos convivendo numa democracia. O que a democracia implica? Ela implica na diversidade e na capacidade de eleger entre alternativas. Isto é a política. Neste mesmo momento da democracia temos que conviver com um modelo macroeconômico único, que não pode ser discutido, não pode ser fl exibilizado, que temos de assumir de qualquer forma, que é subordinado à estabilização monetária. Isto é uma democracia com a negação da política, que é a idéia da construção de alternativas.

Nós estamos vivendo uma democracia - o que, teoricamente, implicaria na incorporação dos indivíduos à comunidade política e ao mercado - com processos de estagnação econômica, de retrocesso no PIB e manutenção da concentração de renda e da exclusão social. Ou seja, uma democracia sem inclusão.

Nós estamos convivendo com a democracia - que requer mecanismos de coesão social - com o desmantelamento das políticas do pacto corporativo, acabando com a política previdenciária, que era uma política que tornava coesa parte da sociedade, mesmo que fosse apenas uma parte privilegiada, buscando substituí-la por mecanismos de individualização do risco, através de seguros - mecanismos fi nanceiros, subordinados à lógica do capital fi nanceiro - e de individualização da pobreza, como se a pobreza também fosse um fenômeno individual, e políticas compensatórias para indivíduos e/ou famílias.

Nós estamos convivendo com uma democracia - que requer um Estado efi ciente na regulação da produção, na arrecadação dos tributos e na redistribuição, através de um conjunto de políticas universais de acesso aos bens públicos - com a manutenção de diferentes formas de patrimonialismo e corrupção, conjugadas à inefi ciência das políticas públicas e da diminuição da capacidade produtora do Estado. Portanto, uma democracia sem autoridade pública e sem o aparato estatal que a corresponde.

Nós estamos convivendo com a democracia - que funda a legitimidade dos governantes eleitos na existência de um pacto nacional estável de poder - com a presença de atores externos e seus prepostos na burocracia nacional cada vez mais poderosos, de tal forma que os governantes se vêm na obrigação de buscar a governabilidade para fora e não para dentro do país. Fazem o pacto para fora, fazem acordos e cartas de intenção para fora e não com os atores nacionais.

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Qual a conclusão a que se chega, depois de se viver quase um quarto de século nesse paradoxo? Que eleições só não bastam para democratizar. São condições importantes para transformar, na medida em que foram as eleições que levaram a uma busca de transformação, elegendo o governo atual, que foi a expressão da insatisfação da sociedade em geral com esses paradoxos na democracia. Se o governo fi car prisioneiro dessa lógica e não sair dela, estará também acabando com a própria possibilidade da democracia, não só com a possibilidade do crescimento. Para romper com essa lógica, é claro, foi necessário criar novos mecanismos de construção de um pacto que não fosse a repetição daqueles pactos anteriores, que fosse um pacto novo, porque seria, pela primeira vez, um pacto que permitiria a inclusão de setores que, até então, tinham sido excluídos da sociedade. Todos nós falamos disso, mas este pacto não está assegurado no momento. Por quê?

Nós vivemos, tanto do lado da sociedade quando do lado do Estado, inúmeras contradições em relação a isso. Esta é uma sociedade que permite conviver o agronegócio, a vanguarda da tecnologia da exportação, com o trabalho escravo. Estamos vivendo o boom da responsabilidade corporativo-social, com o aumento progressivo de acidentes em locais de trabalho. Estamos discutindo se vamos fl exibilizar as regras do trabalho e, ao mesmo tempo, queremos manter a livre organização dos trabalhadores, nos locais de trabalho. O governo nos diz que faremos tudo isso para chegarmos a uma democracia social mas, ao mesmo tempo, mantém a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que tira 20% da área social, faz acordo para desvincular as receitas das áreas de saúde e educação, para com elas pagar os elevados juros da dívida pública e adota uma série de medidas com a idéia de que temos de desvincular os benefícios previdenciários do salário-mínimo, ao invés de buscar fontes fora do Brasil, como a Taxa Tobin.

Que o governo propusesse no Brasil, também, como eu já propus neste Conselho, que tributássemos o capital fi nanceiro, que tem ganhado mais do que todos os demais setores da economia, para viabilizar uma previdência social universal, ao invés de reduzir os benefícios previdenciários. A acordos desse tipo é que temos de chegar. Nós temos que levar essa discussão para dentro do Conselho porque se não o fi zermos vários dos nossos parceiros não falarão e, se não houver o contraditório, não poderemos chegar a acordos. Portanto, é preciso que se coloque na agenda propostas absolutamente concretas como essas, para que geremos o contraditório e vejamos até onde é possível construir esse acordo inclusivo e democrático.

Pedro TeruelConselheiro do CDES

Quero reforçar a discussão desenvolvimento versus crescimento. Temos aí um “gargalo”, como já disse alguém. Desenvolvimento é muito mais do que crescimento. Desenvolvimento, na ótica da maioria das pessoas que se manifestam aqui, por incrível que pareça, é investimento na pessoa humana. Não existe nação forte se o seu povo é fraco. Portanto, investir em infra-estrutura, em máquinas, equipamentos, produção e não investir no seu povo é fazer com que esse povo, ao invés de ser um elemento alavancador do progresso, seja um peso a ser carregado por aqueles poucos que pensam poder sozinhos construir o progresso. Por isso, há que se promover o fortalecimento das pessoas e famílias.

Quero bater novamente na tecla da pequena e da micro empresa. Como é duro repetir tantas vezes a mesma coisa! Quero que vocês me perdoem a comparação, mas há muita relação com o que a Dra. Zilda Arns disse aqui sobre a mortalidade infantil e as pequenas e micro empresas. O Brasil já combateu a mortalidade infantil de crianças, mas ainda não combateu a mortalidade infantil de empresas. Elas nascem e morrem porque são frágeis. E aquilo que, por ironia - desculpem a forma de falar - foi muito efi ciente para o combate à mortalidade infantil, para as empresas está sendo o desastre: a “multimistura”. No caso das pequenas e micro-empresas, é a multimistura de burocracia - taxas, impostos, leis, regras, fi scalizações. Tudo isso é um pacote que a empresa não agüenta, ela sucumbe, cai, quebra. Desta forma, se nós não alimentarmos as pequenas e micro empresas, entendendo-as como um novo fator de geração do desenvolvimento, nós vamos continuar sempre com as grandes e vamos prescindir das pequenas e médias que poderiam crescer e vir a se tornar grandes, também.

Tenho uma outra preocupação quando falamos em diálogo social, quando há o debate e muitos não se manifestam, pois aqueles que estão silenciosos podem estar infl uindo mais na decisão do que quem fala. Nós falamos muito e decidimos pouco e quem não fala nada deve estar decidindo muito e nós nem sabemos quem são eles. Portanto, toda a transparência desse debate perde para o invisível. Gostei de ouvir os companheiros europeus dizerem que os CES de lá têm metas e decisões e publicam suas decisões para que a sociedade saiba que o governo não acatou o que o Conselho decidiu e vai pagar o ônus por isso. Aqui não, não publicamos, não divulgamos nossas decisões.

Outra questão é a desoneração da folha de salários. Estamos discutindo isto há 18 meses e não vejo nada de prático. Ao contrário, depois de tudo que discutimos sobre a importância de desonerar a folha de salários, vimos o governo aumentar a tributação de 20% para 20,6%. Portanto, veio na contramão do nosso debate de desoneração.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES72 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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José Seráfi coConselheiro do CDES

Em primeiro lugar, quero saudar a iniciativa do Conselho de resgatar um tema que se constituiu praticamente em um tabu, durante as duas últimas décadas, quando falar em desenvolvimento equivalia a falar de um anátema. De forma que é muito confortável para nós vermos resposta a uma questão que deveria constituir prioridade de qualquer governo.

A pergunta que o Ministro Jaques Wagner faz hoje é: como construir o diálogo social pró-desenvolvimento? Mas lembro que ele deu destaque ao abrir as palestras, à pergunta-chave: como empreender o desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade brasileira? Gostaria de retomar um pouco a temática mais geral porque penso que não devemos encontrar formas antes de sabermos para que são essas formas.

O desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade brasileira é o desenvolvimento que reduza as desigualdades. Isto nós temos ouvido, mas temos ouvido, também, outras coisas como a valorização do trabalho humano e a permanência da escravidão. De forma que é necessário que tragamos todos ao debate e, como disse o conselheiro Pedro Teruel, tentemos ser transparentes e não nos escondamos, para decidir à sombra. Vamos discutir e decidir ao sol.

Creio que nenhum diálogo pode ser construído e nenhum rumo pode ser dado, se não soubermos escolher o que queremos e onde queremos chegar. No meu entendimento, e o conselheiro Paulo Figueiredo lembrou isso pela manhã, as desigualdades regionais e pessoais não podem estar ausentes de qualquer debate quando se trata do desenvolvimento. É verdade que o desenvolvimento é visto por muitos apenas como uma questão numérica. Prefi ro repetir o velho e falecido professor Samuel Bechimol, e dizer que o crescimento faz maior, mas o que faz melhor é o desenvolvimento. Portanto, é na busca da melhoria das condições de vida da população que penso se deva concentrar qualquer esforço das pessoas de boa-vontade, daquelas que acreditam e reconhecem as potencialidades do Brasil.

O conselheiro Luiz Gonzada Beluzzo disse que poucos países no mundo reúnem tantas condições de ser desenvolvido quanto o Brasil. Disso eu creio que nenhum de nós discorda. Portanto, temos algumas unanimidades ou alguns consensos, quanto à redução das desigualdades e quanto ao fato de que o Brasil é dotado de potencialidades que outros países não têm. No entanto, da perspectiva da Região Norte, do Amazonas, eu percebo que, ainda hoje, nós, que ali vivemos, estamos sobressaltados com a eventualidade da perda de competitividade da Zona Franca de Manaus. E a Zona Franca de Manaus, não importa como ou em que época foi feita, signifi ca um instrumento capaz de reduzir as condições de desigualdade em que o Norte sobrevive. No entanto, se continua a ignorar isso propositalmente.

Não acredito que uma política de redução de desigualdades deva desconsiderar que num primeiro momento de uma política econômica desenvolvimentista alguma região tenha que perder. Dizia Ruy Barbosa: a igualdade consiste em tratar desigualmente seres desiguais. A Região Norte há de ser privilegiada tanto quanto o Nordeste, num primeiro momento, até porque haverá benefícios para as regiões desenvolvidas, que deixarão de atrair pessoas que vão a busca do Eldorado e que acabam se constituindo em problemas para os cofres públicos, incapazes de satisfazer a todas as necessidades sociais. Enfi m, as regiões desenvolvidas acabam vendo aumentados os seus problemas porque não querem reconhecer quais regiões têm que perder, num primeiro momento.

Quero lembrar, e desde logo alertar os membros do Conselho, que em novembro haverá uma reunião promovida pelo INPA, para tratar de problemas muito semelhantes a estes. O INPA é o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, cuja produção de conhecimentos tem revelado que a Amazônia, longe de ser um problema, é uma solução para muitos dos problemas brasileiros.

Jurandir Pereira da SilvaConselheiro do CDES - Suplente

Estou aqui como representante da Confederação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil - Copab. Nós, aposentados da previdência social e dos governos dos estados e municípios, fomos taxados por um determinado governante de vagabundos. Mas nós somos observadores do que é feito pelos agentes políticos no País e estamos aqui nesse diálogo para construir uma nova agenda para o desenvolvimento econômico e social para o Brasil.

Nós, da COBAP, pensamos que para fazer uma nova agenda temos de observar o processo histórico do desenvolvimento havido no Governo Getúlio Vargas e, também, no Governo JK. Naqueles governos realmente existia um planejamento cuja execução era feita por técnicos da área de engenharia, da área de tecnologia. Isso foi feito na construção da siderurgia, isso foi feito também por Getúlio Vargas na Consolidação das Leis do Trabalho, para dar uma sustentação aos trabalhadores que viviam em regime até de escravidão, pois não existia um ordenamento que benefi ciasse os trabalhadores. No governo de Juscelino Kubitscheck, ele foi buscar Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e foi também buscar um grande técnico para executar a grande obra pensada, que era Brasília: ele foi buscar Israel Pinheiro, que já tinha demonstrado a capacidade de executar as metas pensadas do governo JK.

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Então, nós não podemos nunca nos esquecer do processo histórico. Quem deu o primeiro pontapé para o desenvolvimento do País foi sempre o próprio governo. O governo de Getúlio Vargas e o governo de JK. No governo de JK existia o pleno emprego. Faltavam, inclusive, serventes para as obras de Brasília, fazendo com que eles fossem treinados pelo Senac, Sesi e outros organismos. E, agora, o que acontece no País? Pensa-se num diálogo para construir o desenvolvimento econômico e social, mas até a corrupção é legalizada através de lei, através do Congresso Nacional. Falando na corrupção legalizada, nós temos um elenco de leis que provoca o desvio da seguridade social em R$ 40 bilhões e R$ 900 milhões. O segundo governo FHC provocou um desvio na seguridade social da ordem de R$ 13 bilhões. No primeiro governo Lula, há o desvio de mais de sete bilhões de reais. Então, eu gostaria de chegar a um ponto importantíssimo: O governo tem de dar primeiro o exemplo e demonstrar que a população pode confi ar em sua proposta.

Para concluir: nós tivemos uma aula magna do professor Carlos Lessa sobre o projeto da transposição das águas do Tocantins para o São Francisco, para irrigar o semi-árido nordestino. Eu pergunto: quando sairá a execução do projeto, se o governo disse que não tem recursos e esses recursos estão desviados? Essa é a grande pergunta: o governo tem de dar o exemplo, dar o pontapé para o desenvolvimento do País, pois a transposição das águas do Tocantins para o São Francisco possibilitará o crescimento de uma nova Brasília, no nordeste brasileiro.

José MoroniConselheiro do CDES

Quando se fala em diálogo social eu quero dar uma sugestão para o conjunto da Mesa. Não se pode desassociar a questão do diálogo dos sujeitos políticos desse diálogo. Portanto, minha primeira questão é: quem são os sujeitos políticos que estão nesse processo de diálogo social?

Uma preocupação que tenho - e a conselheira Sônia Fleury apontou algumas questões e outros também o fi zeram - é que no Brasil existe uma tradição de se tentar fazer concertação pela cúpula da pirâmide social e nunca esse processo desce para as bases. Por isso é que eu insisto na questão dos sujeitos políticos desse diálogo, algo que já tentamos discutir no próprio Conselho, pois envolve a representação social no Conselho. O fato é que percebemos que nesse processo está faltando uma parcela da sociedade, estão faltando alguns sujeitos políticos. Ainda há a predominância de uma forma de olhar a sociedade do ângulo da relação capital/trabalho. Quando entra um outro olhar, isso ocorre de maneira difusa, confusa, através do chamado terceiro setor, conceito que me dá alergia. Porque esse campo, que mostra justamente a riqueza da sociedade - da sua complexidade e de seus diferentes - se tenta homogeneizar num conceito chamado terceiro setor, onde parece que todo mundo é igual e não é.

Eu sinto falta de sujeitos políticos nesse diálogo. Por exemplo, de organizações e movimentos que trabalham na base da sociedade, justamente, a parte excluída de qualquer participação social. Se corrermos o risco de colocar na agenda o processo de diálogo social, o processo de concertação social, da maneira como ele está sendo conduzido, incorreremos no mesmo erro cometido até hoje, nesses 500 anos do nosso país. Se não conseguirmos romper com esse processo e repensar sobre os sujeitos políticos desse diálogo, não estaremos construindo nada de novo. Nós estaremos novamente dando um jeito por cima, entre nós mesmos, mas não estaremos dentro de um processo radical de concertação.

Jurema WerneckConselheira do CDES

Inscrevi-me para dizer algo próximo do que disse o conselheiro José Moroni, algo que para mim, também, é muito importante. Diz respeito a um fato ao qual se referiu o professor Carlos Lessa, quando abordou a questão do diálogo, no sentido de que há atores e atrizes mais empenhados e outros nem tanto e que precisam, como ele disse, ser, talvez, regulados. Penso que este é um tema importante a ser incluído no debate da concertação. É preciso saber que existem aqueles que requisitam espaços como esses e que a política deixa do lado de fora, para que os seus interesses, muitas vezes perniciosos, possam vivifi car, proliferar, como tem acontecido. Penso que é um desafi o para este Conselho e para muitos dos nossos colegas do Conselho, entre os quais me incluo, é aprender novos mecanismos de lidar com esses, que, inclusive, aqui, entre nós, participam produzindo silêncio e mais silêncio. Seu empenho é basicamente a produção do silêncio, enquanto nós buscamos o diálogo.

Nesse processo de trabalho do Conselho a conselheira Sônia Fleury apresentou - e até relembrou aqui hoje - uma proposta, no sentido de que precisamos rediscutir o que fazer com o sistema fi nanceiro, já que o Sistema de Previdência Social aponta, para um futuro muito próximo, um esquema de exclusão muito maior e mais violento do que o que experimentamos, até agora. E ela apresentou uma proposta, em relação ao sistema fi nanceiro. É claro que existem alguns conselheiros do sistema fi nanceiro que não abriram a boca. É claro que há outros que não são do sistema fi nanceiro e que, também, não falaram. Mas, precisamos, a partir de agora e cada vez mais, fazer empenho em falar sobre isso. De fato, na construção de uma concertação, nem sempre o acordo possível é um sim para todos os lados. Há sempre alguém que vai perder e espero que sejam aqueles que estão colocando a política do lado de fora, aqueles que pensam que concertação é mais um novo nome para redefi nir seus interesses.

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Aqui no CDES eu represento a legião daqueles que tem buscado romper o silêncio. O desafi o, agora, é para esses setores que continuam afi rmando o silêncio, apesar de dizerem que estão numa mesa de concertação. Que esses setores saiam do silêncio em que efetivamente têm permanecido e apresentem uma posição mais clara, mais explícita, de que eles, também, estão do lado de um novo país. É preciso que eles percam um pouco, pois o que irão perder será um ganho para todos.

Pedro Ribeiro de OliveiraConselheiro do CDES

Eu vou falar sobre metodologia. A Dra. Maria João disse que ter uma idéia clara sobre a questão que se quer responder é o ponto de partida. A conselheira Sônia Fleury completou esta afi rmação e, a partir dela, procurou estabelecer o contraditório. O nosso companheiro da Espanha, Juan Ricco, trouxe a refl exão de que acordos vinculantes são um ponto de chegada e não de partida. Juntando estes dois conceitos, lembrei-me de Guimarães Rosa: “o importante não está nem na partida nem na chegada; o importante é a travessia”. Travessia é esse diálogo entre nós mesmos para fazer a concertação.

Quero, então, propor ao ministro Jaques Wagner uma nova metodologia para o nosso Conselho. Esses encontros com ministros, Mesas Redondas são muito interessantes, mas penso que, agora, a metodologia deveria enfatizar o diálogo entre nós mesmos. Vamos iniciar a travessia, com todas as difi culdades, dialogando entre nós mesmos, conselheiros e conselheiras.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES

Passemos agora aos comentários dos membros da Mesa.

Sônia FleuryConselheira do CDES

Acho que foi extremamente interessante o que aconteceu, desde ontem e durante o dia de hoje, aqui. Ficou demonstrado que o nosso espaço de trabalho é muito grande e muito rico. Acredito ser frutífero esse novo formato, essa busca de compatibilizar uma democracia representativa - mais ligada às formas da representação e de eleição do que a um conteúdo moral da democracia - com uma democracia deliberativa – que implica em conteúdo moral, tanto pelo reconhecimento quanto pela redistribuição. Este espaço aqui é o espaço da democracia deliberativa e nós deveríamos buscar não só convergir para formas de atuação coletiva, que nos fi zessem reconhecer e aceitar o outro como partícipe da esfera pública, mas também gerar propostas concretas de redistribuição. Reconhecimento de um lado e redistribuição do outro.

Rodrigo LouresConselheiro do CDES

Penso que o encontro foi muito produtivo e as intervenções do conselheiro José Moroni, da conselheira Juçara Dutra e do conselheiro Pedro Teruel foram muito pertinentes. Todos os atores essenciais ao processo têm que estar se expressando, interagindo, entrando em diálogo e nós, efetivamente, não temos tido diálogo com eles. O diálogo é um processo por meio do qual as partes estão, em conjunto, debatendo temas de interesse comum e todos estão se expressando com o espírito de investigação, de pesquisa, de busca de conhecimento e não de fazer as suas alegações ou a defesa de suas opiniões. O que é válido, também, mas nossos encontros têm sido quase que exclusivamente voltados para alegações, quando cada um apresenta muito mais suas opiniões, do que um trabalho frutífero de co-construção, co-criação, visando identifi car linhas de entendimento.

Concordo plenamente com a posição dos conselheiros José Moroni e Juçara Dutra. Os silenciosos têm que participar do processo. Se eles não participarem, não serão sustentáveis eventuais agendas que venham a ser construídas. Assim como também nós, efetivamente, estamos aqui, num processo de cúpula. Não podemos nos desconectar do que acontece na sociedade. Acho que esta é uma competência que temos de desenvolver. Por intermédio de que mecanismos, por meio de que métodos nós poderemos, de alguma forma, traduzir e representar efetivamente os nossos segmentos e os nossos setores e poderemos fazer com que aquilo que conversarmos aqui encontre ressonância no resto da sociedade? Este é um grande desafi o.

Tenho a certeza, no entanto, de que, na medida em que o diálogo for praticado na sua integridade, dada a diversidade da composição do Conselho e de outras pessoas que têm sido sistematicamente convidadas a participar dos trabalhos, poderemos produzir algo bastante próximo dos anseios e aspirações do universo social como um todo. Reforço apenas que a questão do método apropriado é muito importante para que, efetivamente, possamos entrar em conversações produtivas, visando fazer avaliações e refl exões apropriadas.

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Clemente Ganz LúcioConselheiro do CDES

Manifesto minha concordância com as questões apresentadas, quanto ao método e à importância da representatividade dos sujeitos. Que esta representatividade sinalize para a complexidade das formas de organização dos interesses, do modo como os problemas são percebidos e como são pensadas as superações.

É um desafi o construir a maneira de fazer essa abordagem, tanto do ponto de vista da compreensão dos problemas quanto da construção das alternativas, da pactuação, da alocação dos recursos. É um desafi o posto, uma experiência nova. A Sônia resgatou bem as experiências anteriores. O desafi o é muito grande, mas os homens, em geral, não assumem problemas para cuja resolução não estão, e nós estamos, preparados para resolvê-los, o desafi o é continuarmos caminhando.

Carlos LessaPresidente do BNDES

O projeto de transposição de águas já está, este ano, gerando algumas encomendas relevantes e pelo menos dois governos estaduais já estão dando início aos seus ramais de distribuição da água que virá do São Francisco. Numa primeira etapa, a transposição do Tocantins não irá acontecer. A transposição será basicamente do São Francisco, acompanhada de uma atuação para revitalizar o próprio Rio São Francisco. Creio que vamos ver o projeto ganhar intensidade, nos próximos anos.

Fiquei imaginando uma reunião do mesmo tipo desta, em Moçambique. Eu vou ser absolutamente sincero com vocês, seria inteiramente inexeqüível. Não haveria como fazê-la, porque 80% da população do país é rural, fala 26 idiomas diferentes e a população rural é tribal. Muitas categorias e sutilezas do nosso debate estão num horizonte histórico quase inatingível para o povo de Moçambique que, entretanto, avançou.

Estou fazendo essa referência apenas para dizer aos senhores o seguinte: por mais pesada que seja a nossa crítica ao presente, não podemos nunca perder de vista o quanto já avançamos. Permitam-me que lance mão da minha idade. Quando comecei a ter alguma antevisão da coisa pública, tive a oportunidade de participar da campanha O Petróleo é Nosso, muito inspirado por ter lido O Poço do Visconde, do Monteiro Lobato. Na verdade, era como estudante de ciclo médio que eu estava apoiando a idéia de que o petróleo tinha de ser brasileiro. Cresci numa geração em que podíamos, sinteticamente, pensar da seguinte maneira: o passado nos condena, o presente é cheio de problemas, mas o Brasil tem futuro e nós somos o futuro do Brasil. Eu cresci com essa convicção e, com 68 anos, me recuso a abandonar essa postura.

Eu acho que essa postura é absolutamente fundamental. Ou seja, tudo que é apresentado como crítica tem de ser referenciado a um processo histórico. Se não for, a própria noção de desenvolvimento deixa de ter sentido, porque desenvolvimento é a história como projeto de uma vontade social organizada. Se fi zermos um exagerado exercício de crítica do presente, concluiremos que não há saída e diremos como Manoel Bandeira, quando alguém lhe apresentou, depois do teste fônico do 33, 33, 33, sinais de uma tuberculose em alto grau - só lhe resta dançar um tango argentino.

Eu acho que é preciso dizer que o simples fato de discutirmos desenvolvimento, recuperarmos essa discussão, já é um sinal de avanço. E esse avanço nos obriga a olhar o passado enquanto construtor desse presente. Caso contrário, não há saída. Pode ser que os senhores não creiam, mas eu tenho a profunda convicção de que entre desenvolvimento e estabilidade conservadora a sociedade brasileira vai optar pelo desenvolvimento, sim. Não tenho a menor dúvida quanto a isso. A data, eu não sei afi rmar. Mas é inquestionável que vai nessa direção. A simples expressão desenvolvimento, que fazia parte do meu cotidiano, desapareceu durante 20 anos do debate público brasileiro. A conselheira Jurema Werneck usou a expressão “a produção do silêncio”. A produção do silêncio foi tão efi ciente que retirou do vocabulário expressões em torno das quais organizávamos nossas controvérsias, nossos acordos e nossos confl itos. Estamos resgatando até esse temário, como um temário central. E já não somos mais nada parecidos com Moçambique, não é?!. Somos uma sociedade metropolitana, com mais de 40% da população vivendo em metrópoles, com mais de 80% da população vivendo em centros urbanos. Há trabalho escravo, sim, mas, por favor, há trabalho de qualidade, há justiça do trabalho, há uma representação de uma sociedade muito mais plural, os movimentos sociais estão ganhando identidade, progressivamente ganhando presença. Eu não posso aceitar uma posição que não nos dê saída. É só isso que eu queria dizer.

Quero, para fi nalizar, parafrasear Fernando Pessoa: “nada vale a pena se a alma for pequena”. Além da travessia do Guimarães Rosa: “ninguém faz a travessia se a alma for pequena; não dá nem a partida”. Nós temos sempre que terminar qualquer reunião destas, repondo uma visão otimista. Caso contrário, por que participar de outra reunião?

Maria João RodriguesMembro da Coordenação da Agenda 2000 da União Européia e Assessora da Presidência da União Européia

Quero concluir dizendo que retiro para mim uma lição deste debate, ao longo do dia de hoje: a de que temos de estar abertos a novas vias de desenvolvimento do diálogo social. Daquilo que me foi dado ver, aliás, desde ontem, pode estar a acontecer que o Brasil está a descobrir uma via original, específi ca, de desenvolvimento do diálogo social. Devo dizer que

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES76 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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isso não me surpreende, particularmente, porque conheço bem a criatividade do povo brasileiro. Isso pode estar a acontecer e portanto merece que se tente uma certa racionalização dessas experiências à luz de outras experiências internacionais.

Portanto, farei um comentário fi nal não como uma conclusão, mas como questões para a refl exão dos conselheiros, questões essas que já estão a aparecer e irão, provavelmente, aparecer com mais força. São duas. Uma tem a ver com as formas de desenvolvimento do diálogo social. Sabemos que o diálogo social pode se desenvolver em vários níveis: ao nível de um país inteiro, ao nível de cada região, ao nível de setores. E isso é uma tendência extremamente saudável. Mexendo assim, a questão que se vai apresentar é: que papel o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social quererá desempenhar nesse processo mais vasto de diálogo social que está em vias de ser desenvolvido?

A segunda questão tem a ver com os objetivos do próprio diálogo social. Porque o diálogo social pode visar apenas ao debate e à consulta; pode querer ir mais longe e visar à consensualização; pode querer visar à concertação de iniciativas e pode, fi nalmente, querer ir ainda mais longe no sentido da pactuação, do estabelecimento de um acordo, de contrapartidas, para viabilizar uma determinada trajetória. Tudo isso é possível com o diálogo social, mas esses vários objetivos requerem métodos diferentes. Isto desencadearia um outro debate, que se vai perseguir, mas são questões que valem a pena discutir mais a fundo. Aqui, há várias opções, parece-me, mas para aquilo que estou a ver, penso que estamos na presença de uma via muito original e muito promissora do que possa vir a ser o diálogo social como alavanca do desenvolvimento e, portanto, só desejo sucesso a esta experiência.

Jaques WagnerSecretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES

Este encontro nos possibilitou dar um passo muito importante. Primeiro, porque estamos aprofundando um leito natural para o Conselho. Esse leito foi expresso, de certa forma, naquilo que o conselheiro Pedro Ribeiro falou. Penso que nada precisa ser excludente. Tanto a apresentação e discussão das políticas de governo, como fi zemos ontem, como essa busca que fi zemos hoje - a tentativa de construir coesão, de construir a agenda nacional de desenvolvimento - fazem com que eu me sinta extremamente recompensado.

Aproveitando o que disse a Dra. Maria João sobre sentir a pulsação da sociedade, quero me manifestar sobre quem são os atores sociais com os quais iremos fazer o diálogo. Entendo que este é um desafi o para nós mesmos. Não está posto que a estrutura deste Conselho é eterna ou defi nitiva. Nós teremos um primeiro momento para a promoção de eventuais ajustes, que será no término dos mandatos dos primeiros conselheiros. Nada melhor do que exercitarmos, em função da vivência que tivemos durante estes anos de existência do CDES, proposições para levarmos ao Presidente da República. Esta não é uma responsabilidade da Secretaria do Conselho. Insisto em que a Secretaria do Conselho é constituída por um conjunto de profi ssionais, todos eles seres políticos, que dão sustentação ao trabalho do Conselho, mas quem decide ou, pelo menos, quem propõe a forma como vamos nos organizar somos nós. Não sou eu quem decide ou quem propõe porque, na verdade, eu sou um conselheiro híbrido: sou um conselheiro e, ao mesmo tempo, sou o representante do Governo, dentro do Conselho.

Há também um outro tipo de desafi o, pois só vale sentir a pulsação da sociedade, se o pulsar voltar da sociedade até o Conselho. Se cada um de nós for para casa e voltar ao Conselho trazendo apenas a sua refl exão individual não estaremos contribuindo para o enriquecimento do debate ou para a inclusão, por nossas bocas, de outras bocas que aqui não estão. Portanto, este é um exercício que precisa ser praticado por todos. Mesmo tendo sido uma indicação presidencial, ela foi feita tendo em vista o que cada um, na diversidade da sociedade, pode aportar não só como indivíduo, mas como representação.

Insisto que, hoje, vivemos um momento alto, no sentido de vibração, de vontade política, de energia, de troca de experiência. Penso que serão os conselheiros que farão a qualidade do Conselho. Vocês têm que estar dispostos à travessia. Vamos reconhecer que esta nau chamada Conselho foi criada por alguém que não nos fez favor. Na verdade, lendo o pensamento de quem está no comando da Nação, vejo que ele entendeu que era preciso construir esta nau, trazer determinados passageiros para ela e desafi á-los a fazer a travessia. O leme defi nitivo é dele, mas, seguramente, ele não remará sozinho.

Quero dizer a vocês que me sinto bastante recompensado. As coisas, na verdade, não terminam nem começam aqui. Foi mais uma remada que demos e é muito importante o que o professor Lessa lembrou, ao fi nal, citando Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. É bom lembrar o que disse Celso Furtado, ao abrir o nosso dia. Entre tantas outras refl exões importantes, ele nos recomendou ser otimista com o Brasil. Ser otimista é reconhecer que outros remaram antes e que nós remamos mais um pedaço. Eu os convido, a todos, a continuarmos remando e driblando os obstáculos, trocando a água e deixando a criança dentro da bacia.

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Parte IISeminário sobre

Desenvolvimento:Agenda Nacional de

Desenvolvimentoem debate

(2006)

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ApresentaçãoNos primeiros anos da sua gestão, o Presidente Inácio Lula da Silva enfrentou o desafi o de conquistar, com

sucesso, a estabilidade macroeconômica do País: conseguiu controlar a infl ação; alcançar superávits expressivos na balança de transições correntes – desempenho essencial para combater a vulnerabilidade externa; controlar as contas públicas sem prejudicar a inclusão social via implementação de programas sociais. Além da estabilidade macroeconômica, consolidou o programa bolsa-família, um dos maiores programas de transferência de renda do mundo; fortaleceu a agricultura familiar com o PRONAF; implantou o programa de microcrédito produtivo; criou o programa Luz para Todos; e concretizou inúmeras ações de segurança alimentar e nutricional, entre outras iniciativas.

Considerando que as condições para planejar estrategicamente os caminhos a serem trilhados pelo País, em médio e longo prazo, estavam dadas, o então secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Ministro Jaques Wagner, o qual substituí em abril de 2006, considerou que havia chegado o momento de promover, sob a liderança do CDES, um amplo debate sobre um tema antigo, mas muito pertinente para nós: qual o caminho que leva ao desenvolvimento?

Seria difícil atingir um consenso quando se trata de discutir o futuro de um país com graves problemas econômicos, sociais, ambientais e desigualdades regionais como o Brasil. Porém, diante dos resultados da política econômica a sociedade brasileira passou a questionar, de forma enfática como é possível crescer tão pouco se temos resultados tão positivos nos nossos fundamentos econômicos. Como representante da sociedade civil no Governo, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não poderia deixar de engajar-se no debate. E o caminho que encontrou foi a elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento – AND, construída pelos conselheiros(as) ao longo de um ano e meio, no intuito de pensar o desenvolvimento brasileiro. Depois de aprovada por consenso pelo Pleno, o Conselho viu que era necessário expô-la ao debate de um grupo mais abrangente da sociedade.

Com esse intuito, o CDES organizou em Brasília, no dia 22 de março de 2006, um amplo debate reunindo economistas e cientistas sociais de opiniões diversas, brasileiros e estrangeiros, para se pronunciarem criticamente sobre a AND e contribuírem com suas experiências pessoais e profi ssionais para o aperfeiçoamento constante da Agenda.

Vários analistas presentes no seminário afi rmaram que o Brasil deveria redirecionar sua política de modo a estimular: o investimento de longo prazo; a formação profi ssional – condição essencial para desencadear um processo de inovação; e a inclusão social. Assim o País poderá ampliar o nível de empregos, ganhar competitividade, ampliar mercados e concretizar seu enorme potencial.

São os trabalhos e debates apresentados neste Seminário que colocamos à disposição da sociedade para ampliar e subsidiar essa discussão que se trava hoje no País: como ampliar as taxas de crescimento econômico com menos desigualdades. Metas incompatíveis? Estamos certos que não.

Tarso Genro Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

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AberturaMesa de Abertura:1. Jaques Wagner - Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República2. José Sérgio Gabrielli - Presidente da PETROBRAS3. Guido Mantega - Presidente do BNDES4. Luiz Oswaldo Sant’iago - Vice-Presidente de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental do Banco

do Brasil

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República

Bom dia, a todas e a todos. Quero saudar em primeiro lugar a todos os conselheiros, conselheiros e convidados; o ministro Furlan; o senador Suplicy; nossos convidados internacionais, que estão aqui e vão nos brindar com a participação na segunda mesa que acontecerá na parte da tarde. Quero dizer, em primeiro lugar, da minha alegria de estar nessa abertura do seminário, que considero uma reunião de trabalho. Por isso, temos uma mesa bastante enxuta para que possamos partir para a mesa de trabalho.

Mais um motivo de alegria é que esse seminário não é conseqüência de formulação de uma ou outra pessoa. Na verdade é fruto de um debate de um ano e meio, que os conselheiros e conselheiras do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social se dispuseram a fazer, no intuito de pensar o desenvolvimento brasileiro e o desenvolvimento nacional. A inspiração foi de Celso, e muito me orgulho de termos vivido uma mesa-redonda no ano passado, onde a abertura foi exatamente uma gravação – uma das últimas gravações que Celso Furtado fez em vida - debatendo e colocando o seu posicionamento sobre a questão do desenvolvimento brasileiro.

Esse desafi o que nos move é um desafi o que não tem uma equação seguramente simples. Acho, portanto, que, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já dizia, nenhum governo por si só será capaz de fazer essa travessia se não tiver o conjunto da sociedade civil motivada, engajada nesse processo. Por isso, valorizo muito esse debate, exatamente porque foi uma tentativa, uma conquista, com o consenso de um mosaico bastante variável da sociedade civil brasileira, que é o Conselho Econômico de Desenvolvimento Social, onde cada um se colocou como cidadão e cidadã, buscando superar as distâncias das divergências, enxergando no horizonte um ponto de encontro da construção de uma sociedade desenvolvida, no conceito de Celso Furtado que, no momento, signifi ca crescimento da Nação, principalmente visando à inclusão social dos cidadãos.

Convidamos para essa mesa de abertura, três dirigentes de entidades impulsionadoras do desenvolvimento nacional, que contribuíram para a realização desse seminário. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES); Guido Mantega, que também estará na próxima mesa junto com a Professora Maria da Conceição Tavares e o Ministro João Paulo dos Reis Velloso. Portanto, Guido Mantega fi que à vontade. Não quero encurtar o seu tempo. De repente, se você achar melhor falar na próxima mesa, está ótimo. Não estou cortando sua palavra. Só dando a liberdade de escolha. Queria, em primeiro lugar, passar a palavra, então, para o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

José Sérgio GabrielliPresidente da PETROBRAS

Bom dia, Ministro Jaques Wagner. Bom dia, colega presidente do BNDES, Guido Mantega. Bom dia, senhor Luiz Gonzaga Sant´Iago, Vice-Presidente do Banco do Brasil, bom dia a todos vocês. Primeiro eu queria saudar a realização desse seminário e centrar a minha fala nos cinco minutos que me foram concedidos na forma como a Petrobras e o desenvolvimento brasileiro sempre estiveram associados. A Petrobras teve um papel fundamental na montagem da indústria mecânica brasileira, na engenharia brasileira e na expansão da atividade industrial em alguns segmentos da economia brasileira.

A Petrobras esteve voltada, durante os últimos 50 anos, para a tarefa fundamental de fornecimento de combustíveis para o País, para movimentar o país, para movimentar a vida do país. Saímos de uma situação de pequeno volume

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de produção, crescemos a produção durante esses 50 anos, e, esse ano, comemorará a auto-sufi ciência na produção do petróleo. Colocaremos o Brasil, portanto, numa situação muito especial no mundo. A situação de auto-sufi ciência da produção de petróleo não é uma coisa comum. Poucos países do mundo têm essa situação. Nós não somos um grande exportador e nem seremos. Não teremos o petróleo como fonte fundamental de geração de divisas. No entanto, também não precisaríamos seguir e ajustar o fornecimento de combustíveis desse país às fl utuações diárias dos mercados internacionais.

Não precisaremos estar submetidos à pressão da geopolítica do petróleo, que é uma pressão extremamente importante, porque teremos capacidade de gerir e administrar o ritmo do crescimento de nossa produção. O que isso tem a ver com o desenvolvimento? Tem a ver porque, na medida em que, para continuar crescendo, e para continuar viabilizando a expansão de nossas atividades, nós precisamos aumentar nossos investimentos. Para aumentar nossos investimentos, além dos gastos correntes que são bastante elevados, temos um valor adicionado estimado entre seis e nove por cento do PIB brasileiro; temos 12,5% da arrecadação pública federal; e somos mais de 25% da receita de 17 estados da União. Portanto, temos um papel absolutamente fundamental na geração de recursos para viabilizar a expansão do País.

O efeito para trás sobre o conjunto das atividades econômicas brasileiras decorrente do projeto de investimento de um setor terá implicações enormes como impulsionador do crescimento e da criação de empregos no país. Em toda a indústria mecânica, em toda a indústria de equipamentos, nos serviços e num conjunto de atividades que têm um efeito multiplicador enorme sobre a economia brasileira. Não bastasse isso, saímos, de 2004, com um défi cit comercial de três bilhões de dólares e, em 2005, o défi cit foi de apenas 132 milhões de dólares. E teremos um superávit comercial, em 2006, de aproximadamente três bilhões de dólares. Em três anos, saímos de menos três bilhões para mais três bilhões. Isso signifi ca, um volume de fl uxo de recursos para a estabilidade da moeda nacional e crescimento das exportações independente e com uma grande inelasticidade em relação à taxa de câmbio, o que permite que a gestão da taxa de câmbio e a intervenção no mercado, em relação à taxa de câmbio, tenha outros componentes, porque nós estamos falando aqui em alguma coisa em torno de 7% das exportações brasileiras.

Nós somos os maiores exportadores brasileiros. Em termos proporcionais, 2,5 vezes maiores do que o segundo maior exportador brasileiro. Estamos dizendo, portanto, que 7% das exportações brasileiras são inelásticas à taxa de câmbio, porque nós vamos exportar, independentemente da taxa de câmbio. A indústria de petróleo trabalha com 100% de capacidade. Ela não tem ajuste de volume de produção. Isso tem um impacto grande sobre a gestão do câmbio futuro no país. Portanto, nós temos impactos importantes no investimento, temos impactos importantes na taxa de câmbio, temos impactos importantes nos tributos, e temos impactos importantes no emprego. Diretamente o nosso emprego não é muito grande.

Nós temos uma indústria que não é intensiva em trabalho. É extremamente intensiva no capital, não há dúvida. No entanto, os impactos diretos e indiretos do nosso programa de investimento criam alguma coisa em torno de 700 mil empregos, 700 mil postos de trabalho, por ano, no pico do nosso investimento. Então, também sobre emprego, o impacto da Petrobras é muito grande, principalmente na cadeia de fornecedores da indústria. Portanto, pensar a Petrobras apenas como empresa de curto prazo, ter uma visão apenas micro-econômica, é um equívoco porque a Petrobras é grande demais para ser pensada dessa forma. Temos que planejar e atuar na empresa. A Petrobras é uma empresa, hoje, com uma estrutura de capital, onde 2/3 de suas ações estão nas mãos privadas. O governo tem apenas 37% das ações da empresa e 56% do capital votante. Mas, apenas 37% do capital da empresa. Temos 46% das ações negociadas na bolsa de Nova York. Ou seja, temos rentabilidade, temos que ter sustentabilidade e temos que ter responsabilidade social. Combinar estes três objetivos estratégicos só pode ser visto dentro de uma perspectiva de um desenvolvimento econômico nacional, onde a Petrobras tem um papel importante.

Com tudo isso, a Petrobras sente-se muito orgulhosa de estar presente neste seminário. Muito obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República

Obrigado ao José Sérgio Gabrielli. Eu passo a palavra agora ao Presidente do BNDES, Guido Mantega.

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Guido MantegaPresidente do BNDES

Bom dia a todos, quero fazer apenas uma breve saudação ao Ministro Jaques Wagner, ao Ministro Furlan, ao colega Gabrielli, presidente da Petrobras, a Luiz Oswaldo Sant’Iago Moreira de Souza, Vice-Presidente do Banco do Brasil, e aos demais participantes desse seminário. Como terei o privilégio de falar mais de vinte minutos no segmento próximo, eu agora faço um rápido comercial dizendo que o que eu pretendo discutir no nosso painel é a corrente existência de um círculo de desenvolvimento sustentável em marcha no Brasil. Então, fico só no comercial e nos veremos daqui a pouco. Obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República

Eu tenho certeza que o Presidente Guido Mantega é bem mais generoso do que foi com ele próprio no tempo, com os financiamentos para alavancar o nosso desenvolvimento. Espero que seja assim. Eu queria passar a palavra agora ao Vice-Presidente de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental do Banco do Brasil, Luiz Oswaldo Sant’Iago Moreira de Souza.

Luiz Oswaldo Sant’iagoVice-Presidente de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental do Banco do Brasil

Eu queria saudar a todos com a palavra da igualdade: companheiras e companheiros. O Brasil vive, hoje, um momento de extrema mudança, uma mudança que é fruto de uma luta de 500 anos que, às vezes, se manifestou até pela luta armada, em diversos locais deste, país como em Piratini, no Sul; como a Cabanagem no Norte; a Inconfidência e Felipe dos Santos, em Minas, e as inúmeras revoluções do Nordeste como Praieira, Mascates, Beckman, Sabinada, Balaiada, 1917, Guerra da Independência, 1824, Quebra-Quilos e Intentona Comunista de Natal. Às vezes, se manifestou em movimentos pacíficos de organização social, como o Condestado em Santa Catarina ou Palmares, Canudos e Caldeirão também no Nordeste. E se manifestou sempre nas lutas organizadas dos diversos movimentos populares. Entretanto, a gente vive, hoje, na mesma luta de outros tempos, um ponto muito importante da construção da democracia. Não temos democracia apenas porque temos instituições ditas democráticas funcionando. Nós temos democracia, principalmente, quando garantimos a inclusão de cada cidadão nos seus direitos de cidadania. O Banco do Brasil não podia ficar fora deste momento e a partir da discussão do programa Fome Zero do Governo Federal nós entendemos que, a par das medidas emergenciais que se precisava construir, para nós especificamente do Banco do Brasil fazer o programa Fome Zero, significava democratizar o acesso ao crédito. É aí que nasce uma nova estratégia de crédito que nós chamamos de Desenvolvimento Regional Sustentável – DRS - e que se caracteriza pela organização da cadeia produtiva com pequenos produtores. Uma organização que vai desde a produção até a comercialização passando pela capacitação que é muito importante para garantir tanto a produtividade como a adimplência. Essa estratégia, ela se monta em cima de um quadripé. É um crédito que precisa ser economicamente viável (não é assistencialista), socialmente justo, ambientalmente correto e culturalmente diversificado. Nós tínhamos linha de crédito que foram elaboradas para servirem uniformemente do Oiapoque até o Chuí. Mas como sempre foram pensadas com a cabeça do Chuí, jamais serviram para o Oiapoque. Daí a intenção de regionalizar essa nova estratégia de crédito no sentido de atender a todos indistintamente, conforme suas peculiaridades e vocações. É muito importante a capacitação neste processo. Nós temos o exemplo de São Raimundo Nonato, no Piauí, que tinha uma produtividade de 100 quilos de feijão caupí por hectare e que, a partir da capacitação e da introdução de novas tecnologias, em um ano que não foi muito bom de chuva, subiu de 100 para 600 quilos. Um fator de sucesso é exatamente a concertação. Nós entendemos que só concertamos com “s” este país, concertando com “c”. Daí o fato de que o Banco deseja ser, em cada comunidade, um animador desse programa, trazendo para cooperação todos os parceiros que estejam dispostos a tanto. Assim, já estabelecemos parcerias com SEBRAE, EMBRAPA, EMATER, IICA, com Governos Estaduais, Governos Municipais, ONGs, Igrejas e já discutimos com o BNDES, e com a Petrobrás, parcerias neste sentido. Eu queria aproveitar este momento para deixar aqui, realmente, um convite a todos aqueles que possam participar como parceiros desse Desenvolvimento Sustentável para que juntemos as forças para isso.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES84 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Hoje, temos 503 planos de negócios implantados nas regiões Norte e Nordeste, Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri, que serviram como piloto exatamente por serem as regiões prioritárias do Programa Fome Zero, 113.314 famílias envolvidas; cerca de 293 milhões de reais em créditos já programados e ainda 1.171 planos em elaboração e 1.585 dependências do Banco já habilitadas para atuarem com esse programa. Queremos chegar, ao final de 2006, com cerca de 500 mil famílias envolvidas, com recursos aplicados na ordem de um bilhão de reais. No Nordeste, pretendemos até o final de 2006, 1.963 planos de negócios; quatrocentos e doze no Norte; cento e sessenta e seis no Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri e um total de 2.694 no país. E, agora, nós passamos a expandir para as outras regiões. Eu queria concluir mostrando o que se pode fazer em torno de programas como este. Em Chapadinha no Maranhão, eu ouvi de um agricultor pobre quando nós entregávamos as matrizes para um programa de caprinocultura, ele dizer o seguinte: “Eu como todos os dias graças a Deus, no céu, e ao Presidente Lula, na Terra, que me deu um cartão Bolsa-Família. Com isso, ele me deu um direito - palavras dele – que todo bicho tem e que eu não tinha, de poder comer todos os dias”. Parecia ouvir a voz do velho Gonzagão lá no Nordeste. “Seu doutor, uma esmola, para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Apesar de estar conquistando um direito, como ele dizia, que todo bicho tem e que ele não tinha, ele ainda se sente humilhado com a doação. Entretanto, ele continuava: “Com o crédito agora, do DRS, eu vou poder conquistar o meu direito de gente de poder comer, todos os dias, com o fruto do meu esforço”. Aí eu escuto, não o Gonzagão, mas o Gonzaguinha: “Um homem se humilha, se castram seu sonho; seu sonho é sua vida e vida é trabalho e sem o seu trabalho um homem não tem honra e, sem a honra, se morre, se mata”. O que nós podemos fazer, é passar da concessão de um direito que todo animal tem e que o homem não tem, para o resgate da cidadania, para o resgate da dignidade humana como o de dezenove famílias de Ceará-Mirim que estarão devolvendo, agora, o seu cartão Bolsa-Família porque não precisam mais dele. Essa é a grande transformação que a gente tem que operar. Muito Obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República

Eu agradeço a participação dos dois convidados desta mesa de abertura. Queria só comungar daquilo que foi dito pelo nosso vice-presidente do Banco do Brasil e dizer que esse episódio de Ceará-Mirim não é o primeiro e, seguramente, não será o último. Mulheres de Pombal também devolveram o cartão Bolsa-Família a partir do momento em que conseguiram, por meio de um criatório de aves, a sua própria sustentação. E na Bahia, nós já tivemos casos de pessoas que devolveram o cartão Bolsa-Família a partir da conquista de um trabalho remunerado. Então eu creio que quando emana do executivo, do governo federal, o conceito de solidariedade, que é bem mais amplo, bem mais profundo do que o conceito de misericórdia, eu creio que a gente está tocando na consciência cidadã de muita gente desse país porque, afinal de contas, o Estado deve representar o desejo de uma sociedade. Então, insisto, sinto que o sucesso do Programa Bolsa-Família se medirá pelo número de famílias que saem do programa e não pelo número de famílias que entram no programa que, aí sim, dará a demonstração da nossa capacidade e dará auto-suficiência de sustentação para cada família.

Eu quero agradecer aos três. Vou tentar ser prático para ganhar tempo e antes do cerimonial vou pedir que a mesa se desfaça. Peço que o Guido já fique aqui e eu já vou formar a próxima mesa de trabalho. Convido o conselheiro Clemente Ganz Lúcio, que vai fazer a apresentação da Agenda Nacional de Desenvolvimento, convidando a Professora Maria da Conceição Tavares, que será uma das debatedoras desse tema, o Ministro João Paulo dos Reis Velloso e o Guido Mantega que nos acompanhará aqui. Nós tínhamos uma previsão de participação do Professor Belluzzo, mas ele teve um problema de ordem técnica-profissional e nos comunicou que não poderia comparecer, então nós convocamos o Guido, que já tinha demonstrado interesse de fazer o debate maior sobre o tema. Desculpem a informalidade, mais é que quero ganhar tempo para os nossos convidados trabalharem e, portanto, o Guido vai completar.

Eu queria, antes do Clemente apresentar a agenda, e em nome do Conselho, reforçar as palavras que pronunciei na abertura do Seminário e dizer que a nossa concepção, ao chegarmos no governo, poderia ser expressa como: mais desenvolvimento e menos desigualdade. Este é o eixo que nos orienta a partir das direções traçadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como método de fazê-lo, acreditamos que será, efetivamente,

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 85\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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por meio do diálogo social, da concertação, que foi depositada aqui na mesa de abertura e que efetivamente pode nos conduzir a atingir nosso objetivo. Nós entendemos que o processo de desenvolvimento deve ser síntese do desejo do conjunto da sociedade. Como dizia Celso Furtado, que nos inspira, o desenvolvimento só existe quando o fruto do desejo é de uma Nação. Por isso eu quero, publicamente, agradecer à equipe do Conselho Econômico Social que tem se debruçado sobre essa tarefa. Mas, principalmente, a cada conselheiro, a cada conselheira, que voluntariamente - porque todos são voluntários aqui - se dedicam, já há 39 meses, a participar do Conselho. Mas há um grupo, talvez um pouco menor do que 90 pessoas, que se dedicou, particularmente durante dezoito meses a debater essa questão, questão esta central para o nosso país, que é o desenvolvimento de geração de empregos, da diminuição das nossas diferenças e a produção da justiça social. Estou feliz, também, porque, por uma mera coincidência, agente abre esse Seminário com um novo número do IBGE sobre geração de empregos formal no mês de fevereiro. Os dados do CAGED batem todos os recordes: é 140% superior a fevereiro de 2005. Com esse total, de fevereiro, nós estamos fechando, aproximadamente, três milhões e setecentos mil empregos formais com carteira assinada desde o começo do nosso governo, contribuindo evidentemente para esse desenvolvimento que eu acabei de relatar. Ressalto esse trabalho porque ele não é um trabalho só intelectual, nem só de debate, ele é um trabalho que na verdade foi um mix desse debate entre nossos conselheiros e que eu chamo a atenção, pois nós temos todo um mosaico, no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, de A a Z, de bancos a movimentos populares, academias, igrejas, sociedade civil, organizações não governamentais, ou seja todo esse mosaico da sociedade brasileira se sentou, debateu e chegou pelo menos a orientações que deviam nortear um Conselho do Desenvolvimento. Não sei se era tão evidente, mas a conclusão primeira é que o conceito de eqüidade deveria ser a mola mestra de tudo que fosse política pública na medida em que o drama maior dessa nossa sociedade é exatamente a desigualdade regional, social, a distância entre ricos e pobres. Então, nós estamos aqui num exercício de aprofundamento. Eu tenho até que me desculpar com os conselheiros porque quando nós começamos a jornada da Agenda Nacional de Desenvolvimento a idéia era que a partir da produção do primeiro documento, e eu imagino que está nas pastas de vocês, nós produziríamos encontros regionais no sentido de aprofundar os diferentes problemas. Infelizmente o ano de 2005 foi um ano muito excitado na área da política e acabou que nós não cumprimos os nossos objetivos. Mas estamos fazendo esse seminário como um primeiro passo de aprofundamento desse processo que não nos limitará a levar o debate sobre a questão do desenvolvimento.

E, por fim, para que o Clemente possa falar, gostaria de registrar que com muita alegria, por orientação do senhor Presidente da República, esse Conselho, como ele tem dito cada vez que participa de nossas reuniões, não é um coletivo para aplaudi-lo e espera-se que não seja necessariamente para condená-lo. O Presidente, ou o Governo, é um coletivo que tem tido a absoluta liberdade de se reunir, trocar idéias e eu acho que com isso tem contribuído. Temas que às vezes seriam mais delicados, para o toque da mão de governo, têm sido trabalhados, dentro do Conselho, com absoluta liberdade. Debatemos sobre o Conselho Monetário Nacional, desindexação da economia, temas que talvez promovidos pela instância governamental, agente não tivesse a produção que tivemos quando como foram debatidos no Conselho. Por isso eu quero, mais uma vez, saudar os conselheiros, dizer que essa experiência já nos orgulha porque nós não estamos exportando divisas, mas estamos exportando como foi o recente acordo que assinamos com as organizações das Nações Unidas para divulgar a experiência do Conselho. Nós estamos exportando experiência institucional de aprofundamento da democracia, que eu acho que é um valor bastante importante, que não aparece nas notas do superávit da balança comercial, mas seguramente aparecerão nas notas de superávit da nossa balança institucional que eu considero que é fundamental para um país que se pretenda um país de todos. Então agradeço a todos e passo a palavra ao Clemente que em nome dos conselheiros - foi um trabalho longo do Grupo de Trabalho – fará a exposição da Agenda Nacional de Desenvolvimento abrindo a Mesa-Redonda I: O Desafio do Desenvolvimento Brasileiro e a Agenda Nacional de Desenvolvimento. Depois submeteremos o conteúdo da Agenda ao comentário de todos.

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Mesa-Redonda I: O desafi o do desenvolvimento brasileiro e a AND

Expositores:1. Clemente Ganz Lúcio - Conselheiro do CDES 2. Guido Mantega - Presidente do BNDES3. João Paulo dos Reis Velloso - Ex-Ministro de Planejamento, Membro Diretor do Instituto Nacional de Altos

Estudos (INAE)4. Maria da Conceição Tavares - Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de

Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Clemente Ganz LúcioConselheiro do CDES

Bom dia a todos, e a todas, membros do Conselho. Tenho a tarefa de apresentar o trabalho que foi elaborado coletivamente. Bom dia aos companheiros da mesa, ao Ministro e aos demais palestrantes. Eu gostaria de apresentar, brevemente, a Agenda Nacional de Desenvolvimento, destacando, principalmente, o método seguido para sua construção. E, de forma muito breve, indicar quais foram os objetivos e as diretrizes escolhidas pelos conselheiros no processo de elaboração desta Agenda, dentre aquelas que têm potencial transformador das diferentes situações de desigualdade – as quais promovem obstáculos ao desenvolvimento – e quais diretrizes teriam capacidade de transformação.

Na construção da Agenda, identifi camos um conjunto de diretrizes que fossem orientadoras das ações para todos os atores sociais que estivessem voltados e empenhados em combater os problemas que impedem o desenvolvimento do País e visualizar uma nova situação que queremos conquistar para Brasil.

A construção da Agenda visava defi nir compromissos de evolução de uma situação onde a leitura da realidade propiciasse um entendimento sobre o atual momento em que vivemos. Mais do que isso, que essa leitura pudesse identifi car interesses convergentes, no sentido de superar essas situações, segundo o diagnóstico apresentado. Sobretudo, que a Agenda levasse a um compromisso de intervenção e transformação desta realidade.

O processo de construção da Agenda permitiu a realização de um conjunto de reuniões articuladas, realizadas ao longo de um ano e meio de trabalho, a partir de trabalho dos conselheiros na reunião do pleno. Tomou como base uma pesquisa feita entre os conselheiros sobre quais seriam os principais problemas a serem trabalhados pelo Conselho. A partir daí, foram formados três grupos de trabalho. Esses grupos detalharam a Agenda, identifi caram os âmbitos problemáticos – que serão apresentados a seguir – e que foram trabalhados no sentido de identifi car ações e diretrizes que promovessem a superação da situação-problema.

Mais de 100 diretrizes, com potencialidade transformadora da realidade, foram listadas. Mas um longo debate foi feito, uma vez que se percebeu que esse conjunto de diretrizes era vasto e que deveria haver o esforço por parte do Conselho de tentar afunilar, agregar e escolher aquelas que fossem sufi cientemente fortes e transformadoras da realidade, visando o desenvolvimento. Numa segunda etapa, chegou-se a quase 80 diretrizes e depois, num novo esforço, caminhou-se para 27 diretrizes, que foram retrabalhadas nos grupos, permitindo elaborar uma versão fi nal do documento que foi apresentado na reunião do pleno, na presença dos conselheiros e, nessa reunião, aprovado por consenso.

Ao longo de um ano e meio, a Agenda foi construída com a participação de todos os conselheiros e, por meio dela, fi zemos um esforço de tentar identifi car, para além dos interesses setoriais corporativos, uma Agenda Nacional de interesse público e que incorporasse a perspectiva de desenvolvimento do País e da Nação. Ressalto, portanto, que essa Agenda é fruto de uma escolha e, como toda escolha, pode ter deixado de fora elementos importantes. Esse debate tem, inclusive, por objetivo aprofundar coletivamente o nosso trabalho. Bom, vamos ao conceito da Agenda:

A Agenda deve ser entendida como um conjunto de diretrizes estratégicas orientadoras das ações de todos os atores sociais empenhados em combater as situações que impedem que sejamos o país que gostaríamos. A Agenda aponta a direção desejada, indica o que deve ser superado, estabelece os valores que selecionam e dão consistência às escolhas a serem feitas ao longo do percurso, para que os objetivos sejam alcançados. A Agenda assinala o rumo a ser seguido, estabelecendo os compromissos a serem assumidos por todos os que se dispuserem a caminhar junto em busca do destino comum, social e participativamente defi nido. Por isso, é dinâmica, se ajusta aos tempos, tem compromissos cumpridos e incorporar novos. É uma proposta de empreender a construção de um novo País.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES88 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Na construção da Agenda, identifi camos uma visão de futuro ou do Brasil que queremos, e que refl ete a visão que orientaria todo o nosso debate, que está sintetizada no seguinte texto:

“Um país democrático e coeso, no qual a iniqüidade foi superada, todas as brasileiras e todos os brasileiros têm plena capacidade de exercer sua cidadania; a paz social e a segurança pública foram alcançadas; o desenvolvimento sustentado e sustentável encontrou o seu curso; a diversidade, em particular a cultural, é valorizada. Uma nação respeitada e que se insere soberanamente no cenário internacional, comprometida com a paz mundial e a união entre os povos”.

A partir desta defi nição de visão do futuro, começamos a trabalhar na construção da nossa Agenda, ou seja: Qual é a Agenda que permite promover transformações que materializem essa visão de futuro e, portanto, este sonho? Que valores devem orientar a construção desta Agenda? Foram sete valores destacados como orientadores do Brasil que queremos:

• Democracia• Liberdade• Equidade• Sustentabilidade• Identidade nacional• Respeito à diversidade sócio-cultural• Soberania

O desafi o principal da elaboração da AND foi construir uma visão sistêmica, a partir da percepção pulverizada de inúmeros problemas localizados, para o entendimento do quadro problemático e do futuro que queremos. Cada conselheiro abriu mão da sua perspectiva setorial para pensar o desenvolvimento.

Para construir a Agenda, mapeamos o conjunto de problemas e agregamos no que chamamos “Seis âmbitos problemáticos”. Estes estão sistematizados no caderno intitulado “Agenda Nacional de Desenvolvimento – AND” distribuído aos participantes deste Seminário.

Vale ressaltar que os âmbitos problemáticos constituíram um recurso metodológico. Resultaram da agregação de problemas de natureza setorial e visaram tornar mais operacionais as discussões a respeito dos desafi os a serem encarados para construção do Brasil que concretizem a idéia de futuro acima expressa. Cada âmbito problemático apresenta um objetivo a ser pensado e cada objetivo é detalhado em termos de diretrizes, que resultaram de um forte debate. Cada diretriz está apresentada no caderno da AND e não serão apresentadas aqui, por serem 27.

Os seis âmbitos problemáticos identifi cados foram:

Âmbito Problemático I

O primeiro âmbito problemático foi a extrema desigualdade social, inclusive de gênero e raça. Há crescente concentração de renda e riqueza, com uma parcela signi� cativa da população vivendo na pobreza e na miséria, e diminuição da mobilidade social.

Para esse âmbito problemático, identifi camos um objetivo a ser alcançado que é fazer a sociedade brasileira mais igualitária sem disparidade de gênero e raça com renda e riquezas bem distribuídas e vigorosa mobilidade social ascendente.

Quatro grandes diretrizes estão associadas a esse âmbito problemático:

1. Adotar a eqüidade como o critério fundamental a presidir as políticas públicas. Até agora avançamos na construção da proposta de um Observatório da Eqüidade, que amanhã vai ser apreciado pelo pleno do Conselho;

2. Ampliar substancialmente a escolaridade média da população brasileira, com ênfase na universalização do acesso e conclusão da educação básica (do infantil ao médio), mediante o estabelecimento de metas anuais progressivas de qualidade do ensino, submetidas a rigoroso processo de avaliação e amplo controle da sociedade;

3. Investir pesado em Ciência, Tecnologia e Inovação;4. Tornar o pleno emprego um objetivo permanente dos governos e da sociedade brasileira, entende-se por

pleno emprego a plena mobilização das capacidades produtivas em termos de terra, trabalho e capitais. Contemplar o pleno emprego tanto na articulação do desenvolvimento quanto no seu desdobramento,

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no que se refere à valorização da dimensão do trabalho. Enfrentar a questão da miséria com plano e meta a ser superada num prazo defi nindo. Metas concretas de superação e o enfrentamento da questão da reforma agrária num curtíssimo prazo, como elemento básico para dar sustentação ao desenvolvimento.

Âmbito Problemático II

O segundo âmbito problemático referiu-se à dinâmica da economia, insu� ciente para promover a incorporação do mercado interno potencial, suportar a concorrência internacional e desenvolver novos produtos e mercado.

O objetivo a ser alcançado é tornar a economia brasileira apta a incorporar todo o mercado interno potencial, com forte dinamismo e capacidade inovadora, competente no desenvolvimento de novos produtos e mercados, com participação relevante na economia internacional. Para esse âmbito problemático e esse objetivo, verifi camos três grandes diretrizes:

1. O governo e representantes de todos os setores empresariais elaborarão proposta de acordo para o investimento e inovação sistêmicos, base para o aumento global da produção, do emprego, da produtividade, da qualidade e da competitividade do conjunto da economia brasileira;

2. A constituição de acordos para a partilha dos ganhos de produtividade deve ser estimulada e perseguida pelas forças ativas da economia brasileira;

3. Investimento forte na produção de conhecimento elevando os recursos aplicados em Ciência, Tecnologia e Inovação.

Âmbito Problemático III

A infra-estrutura logística degradada, não competitiva, promotora de desigualdades inter-regionais e intersetoriais e sociais.

Os objetivos a serem alcançados, neste âmbito, são no sentido de ter uma infra-estrutura logística efi ciente e competitiva, integradora do território, da economia e da sociedade nacionais. Para esses objetivos, foram identifi cadas três diretrizes:

1. Implantação de uma política nacional integrada de transportes, que contemple a integração regional/nacional/sul-americana; a exploração de vantagens/dotações regionais, que objetivem a melhoria das condições de vida da população, a redução de desigualdades sociais e regionais e o aumento da competitividade sistêmica da economia brasileira;

2. Investimento forte no campo energético que leve em conta todas as fontes de energia, com destaque especial para as fontes renováveis no planejamento energético nacional. Nesse campo específi co os investimentos em Ciência e Tecnologia são fatores determinantes para o sucesso dessa diretriz;

3. Acelerar a recuperação, em caráter emergencial da malha rodoviária federal.

Âmbito Problemático IV

Identifi cou-se a inexistência de e� caz sistema nacional público/privado de � nanciamento do investimento, estrutura tributária irracional, regressiva e penalizadora da produção e do trabalho.

O objetivo a ser alcançado é a construção de um sistema de fi nanciamento do investimento efi ciente e efi caz, uma estrutura tributária simplifi cada e racional com tributos de qualidade, progressiva e estimuladora da produção e do emprego.

Nesse campo, várias diretrizes, também, foram destacadas:

1. Defi nir e implantar proposta de sistema público-privado de fi nanciamento do investimento e de dinamização do mercado de capitais;

2. Tornar a responsabilidade pelo desenvolvimento do país compartilhada entre governos e atores sociais. Por exemplo: a ampliação do Conselho Monetário Nacional, passando a incluir membros da sociedade, mas assegurando maioria aos representantes do Governo;

3. Conceber uma estrutura tributária fundada em progressividade; de justa partilha federativa de recursos e encargos; tributos de qualidade incidentes sobre o patrimônio (riqueza), a renda e o consumo (valor agregado), zelando pela simplificação; combate à sonegação e à evasão tributárias.

Âmbito Problemático V

A insegurança pública e cidadã, justiça pouco democrática, aparato estatal com baixa capacidade regulatória e fiscalizadora.

Objetivos a serem alcançados: restaurar a segurança pública e a paz social, um sistema judicial transparente, ágil e democrático e um Estado que regule e fiscalize a contento. Nesse âmbito problemático, as principais diretrizes destacadas foram:

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES90 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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1. Articular os três níveis de governo para ações integradas necessárias e suficientes para trazer para áreas de concentração de pobreza, as condições de vida dignas de cidadania, ampliando acesso a todos os direitos sociais básicos e fortalecendo a unidade familiar;

2. Mobilizar o país em prol de uma cultura de paz, da desbanalização da violência e da morte, de denúncia sistemática dos preconceitos, bem como para a difusão dos valores básicos referentes à vida, à solidariedade, ao respeito pelo outros;

3. Acelerar a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), nos termos em que foi concebido;4. Implantar, de forma acelerada, a Reforma do Sistema Judiciário.

Âmbito Problemático VI

A baixa capacidade operativa do Estado, dificuldade para gerir contenciosos federativos, desequilíbrios regionais profundos, insustentabilidade da gestão dos recursos naturais.

O objetivo a ser alcançado é desenvolver um aparato estatal que opere eficiente e eficazmente com um pacto federativo que seja competente para lidar com conflitos, com equilíbrio entre regiões e capacidade de manejar recursos naturais de forma sustentável. Neste âmbito problemático, oito diretrizes foram sugeridas, entre elas:

1. Implementar os sistemas nacionais de prestação de serviços públicos e de proteção social e ambiental, previstos ou sugeridos na Constituição Federal;

2. Os Poderes da República devem priorizar a elaboração e aprovação da Reforma Política;3. Estabelecer um processo nacional de repactuação federativa, buscando um arranjo solidário, eqüitativo,

responsável e integrador, que contemple todas as dimensões de uma federação democrática, eficaz no atendimento às demandas sociais e na promoção do desenvolvimento;

4. Formular e implantar um projeto de Estado/Administração Pública coerente com os principais objetivos estabelecidos nessa Agenda Nacional de Desenvolvimento.

Para orientar os participantes gostaria de lembrar que na última página do caderno que apresenta a AND, construímos um fl uxograma que sistematiza e sintetiza ainda mais essa Agenda. Seguindo a apresentação em power point, descrevemos, de forma muito breve, quais foram os âmbitos problemáticos dos objetivos identifi cados. Contudo, os seis âmbitos problemáticos, derivados em diretrizes, foram detalhados e apresentados no documento base que expõe a Agenda Nacional de Desenvolvimento. No fi nal dos trabalhos destacamos os seguintes conselheiros que fi zeram parte da comissão que sistematizou todo esse trabalho e consolidou a versão do documento que todos têm à mão, aprovada por consenso pelos membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social: Antonio Trevisan, Amarílio Macedo, Gabriel Ferreira, Horácio Piva, Pedro de Oliveira, eu (Clemente), Tânia Bacelar e José Carlos Braga. Nós fomos responsáveis pelo trabalho. Obrigado.

Ministro Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Obrigado conselheiro Clemente. Convido, então, para fazer sua exposição, o Presidente do BNDES, Guido Mantega, que terá vinte minutos.

Guido MantegaPresidente do BNDES

Esquema da apresentação: Balanço Geral da Economia:

• Um novo ciclo de desenvolvimento principiou em 2004;• Crescimento vigoroso da economia brasileira em 2006 e nos anos seguintes;• Combinação única de condições favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento;• Eleições presidenciais não afetarão as condições econômicas do país.

Condições macroeconômicas favoráveis:• Política fi scal responsável e relação dívida pública/PIB estável;• Superávits comerciais e em conta-corrente;• Dívida externa pequena e prêmio de risco em queda;• Infl ação baixa;• Alto potencial de crescimento.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 91\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Eu queria saudar a mesa, os demais participantes eu já saudei antes, Professora Maria da Conceição Tavares, o Ministro Reis Velloso e Clemente Ganz Lúcio. Vou procurar contribuir para essa discussão do desenvolvimento, que foi colocada aqui pelo Clemente, fazendo um balanço do que está acontecendo na economia brasileira, para verifi car, no que tange ao âmbito da economia, se este desenvolvimento já se iniciou no Brasil. Nós sabemos que a economia brasileira está crescendo. Existem sinais evidentes neste sentido. A questão é saber se esse crescimento é um crescimento pontual, se é momentâneo, como nos acostumamos aqui no Brasil, nos tempos em que aquele crescimento apresentava um ritmo de stop and go - crescimento momentâneo que depois se desfaz - ou se há um outro tipo de crescimento em marcha no país. Eu defendo a idéia de que nós já estamos num crescimento continuado, mesmo que esse crescimento não mantenha o mesmo ritmo. Mas nós podemos dizer que há um crescimento permanente que se iniciou em 2004. Ouso dizer que em 2004 nós iniciamos um novo ciclo de desenvolvimento e que esse ciclo prosseguiu em 2005 e, terá continuidade em 2006 e nos próximos anos.

Baseio-me no fato de que hoje nós temos no Brasil a reunião de condições muito favoráveis para o crescimento sustentável. Condições essas que foram construídas, principalmente, ao longo desses três anos de governo. Defendo, portanto, a hipótese de que nós estamos diante de um novo tipo de crescimento. Ousaria até falar num novo modelo de crescimento que consegue fazer uma combinação entre crescimento econômico e crescimento do PIB, acoplado a uma maior geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais que sintetizam a idéia básica do desenvolvimento. Em primeiro lugar, queria observar quais são as condições macroeconômicas que foram criadas e que favorecem este crescimento continuado e sustentável. O controle da infl ação é uma realidade. Nós podemos observar a trajetória da infl ação. O governo do presidente Lula se dispôs a produzir uma redução mais rápida da infl ação se compararmos com estratégia de outros países. Agora, em 2006, nós temos uma previsão de uma infl ação em torno de 4,4% (Figura 1).

Figura 1

INFLAÇÃO SOB CONTROLE: a taxa de infl ação ao consumidor caiu de 14%, no início de 2003, para 5,7%, ao fi m de 2005. Para 2006, a atual expectativa de mercado é 4,4%.

TAXA DE INFLAÇÃO NOS ÚLTIMOS 12 MESES

0

2

4

6

8

10

12

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2003-01 2003-07 2004-01 2004-07 2005-01 2005-07 2006-01 2006-07

Taxa esperadaTaxa efetiva

4,4% no fim de 2006

É claro que o fato de termos reduzido essa infl ação, de forma mais rápida teve o preço de um crescimento menor neste período preliminar. Porém, agora, alcançado este patamar mais baixo de infl ação, abre-se a possibilidade de uma aceleração do crescimento, mantendo-se a infl ação nesse patamar. Nós podemos observar que, entre os fundamentos da economia, está uma estabilidade fi scal que foi obtida a partir de um esforço fi scal maior. No governo anterior, nos últimos anos do governo do Fernando Henrique Cardoso, a meta de superávit primário, a meta era de 3,5% (Figura 2).

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES92 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Figura 2

POLÍTICA FISCAL: o superávit primário do governo aumentou de uma média de 3,6% do PIB em 1999-02, para 4,6% do PIB em 2003-05.

SUPERÁVIT PRIMÁRIO EM % DO PIB

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1

2

3

4

5

6

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Neste governo nós fi zemos um esforço maior para fazer frente às difi culdades que haviam sido deixadas, de modo a conseguirmos uma estabilidade fi scal maior. Isto teve um impacto na dívida pública que só não foi maior porque os juros permaneceram num patamar ainda elevado (Figura 3). De qualquer forma, a dívida externa, por exemplo, passa por uma redução importante e há uma estabilidade da dívida interna. A relação dívida ativa/PIB caiu e poderia ter caído mais se no ano passado a taxa de juros tivesse permanecido num patamar inferior. Eu fi z uma simulação: se no ano passado a taxa de juros média tivesse sido 2% menor, a relação dívida/PIB estaria num patamar abaixo de 50%. Portanto, a trajetória que está sendo percorrida pelas contas públicas é adequada, com uma ou outra distorção por causa dos juros. Eu diria que os maiores êxitos da política econômica do governo Lula estão na política externa, que foi modifi cada de forma importante em relação ao governo anterior e que está aí colhendo os seus resultados.

Figura 3DÍVIDA PÚBLICA: a dívida pública líquida estabilizou-se em 52% do PIB, e a dívida externa pública tem caído

desde 2003.

Dívida Pública líquida como % do PIB

0

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20

30

40

50

60

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Doméstica Externa Total

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 93\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Nós passamos de um país defi citário, com défi cit de transações correntes permanentes durante quase dez anos (de 1994 a 2003), acumulamos quase 200 milhões de dólares em défi cit de transações correntes, para uma situação de país superavitário em transações correntes. Isso se deveu a políticas de governo, a novos arranjos geopolíticos, nova intervenção política no âmbito internacional, atuação junto aos blocos de interesse e também com uma política que nitidamente incentivou o comércio exterior. O resultado todos conhecem: no ano passado o superávit comercial fi cou acima de 44 bilhões de dólares e, portanto, passou-se a uma posição positiva nas transações correntes exatamente a partir de 2003 (Figuras 4 e 5).

E isto é muito importante porque se conseguiu, se não eliminar, pelo menos atenuar aquilo que eu considero o calcanhar de Aquiles da economia brasileira – o que era nossa vulnerabilidade externa.

Figura 4

BALANÇA COMERCIAL: em 2005 as exportações totais foram de US$ 118 bilhões, as importações totais US$ 74 bilhões e o superávit comercial US$ 44 bilhões.

Exportações e Importações de bens (FOB) em US$ bilhões

0

20

40

60

80

100

120

140

1999-01 2000-01 2001-01 2002-01 2003-01 2004-01 2005-01 2006-01

Importações Exportações

Figura 5

TRANSAÇÕES CORRENTES: a balança comercial estabilizou-se em 5,5% do PIB desde meados de 2004, e o balanço em transações correntes foi de 1,8% do PIB em 2005.

Balança Comercial e transações correntes como % do PIB.Acumulado nos últimos 12 meses

-6%

-4%

-2%

0%

2%

4%

6%

8%

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Comercial Transações correntes

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES94 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

O Brasil foi durante esses 500 anos muito vulnerável aos caprichos e turbulência da economia internacional. Desta forma - com esta política que não se deveu à sorte, como muitos dizem, e não se deveu só à mudança cambial, embora seja claro que isso interferiu, mas se deveu a uma política explícita - nós viramos esta mesa e hoje o país possui a menor vulnerabilidade de todos os tempos, pelo menos desde que eu sou economista. Embora eu nunca tenha visto uma composição de tão baixa vulnerabilidade, isto não quer dizer que sejamos invulneráveis. Não, evidentemente, mas, em comparação com outros períodos, é o período de menor vulnerabilidade. Isso pode ser medido, então, pela nossa solvência externa, ou seja, em relação à nossa dívida externa e nossas exportações, estamos nos aproximando daquele patamar que nos conceitos internacionais é considerado de baixo risco (Figura 6).

Figura 6

SOLVÊNCIA EXTERNA: a relação entre a dívida externa líquida e as exportações têm caído desde 1999, atingindo 1,0 ao fi nal de 2005.

RESERVAS EXTERNAS EM MILHÕES DE DÓLARES

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

45.000

50.000

55.000

60.000

65.000

70.000

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Então temos um baixo risco, temos uma boa capacidade de pagamento - as nossas reservas estão subindo, estão próximas dos 60 bilhões de dólares, isso, pela continuação desse sucesso da economia externa, que se deveu não só ao câmbio e que, aliás, não se deveu ao câmbio. Não se deveu porque hoje o câmbio já está desfavorável. Deveu-se ao aumento da competitividade da produção brasileira, um avanço com salto de produtividade e competitividade da produção brasileira que ocupou o mercado externo. Porém, em função deste sucesso e de outras razões que eu não menciono agora, nós temos hoje um excesso de dólares na economia brasileira e as reservas estão subindo e o Banco Central deverá estar comprando divisas de modo que, no fi nal do ano, poderemos chegar a uma situação de 80 a 90 bilhões de dólares de reservas (Figura 7).

Figura 7

RESERVAS EXTERNAS: as reservas externas líquidas têm aumentado desde 2003 e atingiram US$ 57 bilhões ao fi m de 2005.

Relação dívida externa líquida / exportações3,6

3,12,8 2,7

2,1

1,4

1,0

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 95\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Caminhamos, então, para uma situação cada vez mais comportada do ponto de vista das reservas. O risco do país está no seu patamar histórico mais baixo dos últimos tempos (Figura 8), cerca de 218 pontos. Então este é o pano de fundo dos fundamentos que favorecem um crescimento sustentável na economia brasileira.

Figura 8

PRÊMIO DE RISCO: o prêmio país declinou de forma contínua nos últimos dois anos, estando agora no seu nível histórico mais baixo (218 pontos básicos).

RISCO PAÍS - EMBI+Fim de período

200

450

700

950

1.200

1.450

1.700

1.950

2.200

2.450

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Fonte: Bloomberg

O que deverá acontecer daqui para frente? Certamente, com um quadro de uma infl ação sob controle, a taxa de juros deverá continuar numa trajetória de queda. Nós tivemos uma elevação no ano passado, mas a trajetória é de queda, de modo que a taxa de juros deverá permitir um avanço dos investimentos. Os juros de longo prazo (TJLP) já estão mais baixos do que os juros de curto prazo. Os juros de 360 dias estão abaixo de 15%, portanto puxando a taxa de curto prazo para baixo. Deverá haver uma continuação dessa trajetória. A TJLP está caindo, caiu na última reunião do Conselho Monetário Nacional e eu espero que na reunião que vamos ter amanhã ela continue esta trajetória de queda, de modo a estimular os investimentos. Uma das virtudes do atual crescimento que se verifi ca no Brasil, nos últimos anos, é que ele é um crescimento gerador de empregos. Para quem não sabe, nós podemos ter taxas de crescimento positivas, períodos de crescimento que não são acompanhados de crescimento de empregos (Figuras 9 e 10).

Figura 9

EMPREGO: a taxa de desemprego cai desde meados de 2004.

TAXA DE DESEMPREGO

8

9

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11

12

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5

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES96 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Isso é muito comum no capitalismo contemporâneo. No entanto, o que nós temos hoje no Brasil é um crescimento acompanhado de emprego. A taxa de desemprego hoje está situada, em média, num dos menores patamares dos últimos anos. Eu diria que, dos últimos 4 ou 5 anos, é o patamar mais baixo de desempregados da economia brasileira. Pegando o período do governo anterior, 8 anos do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o saldo de empregos é de 800 mil empregos criados. Apenas 800 mil empregos foram criados. Em 3 anos do novo governo já foram criados 3.700.000 (três milhões e setecentos mil) novos empregos. Portanto, é um crescimento que tem esta peculiaridade, gera emprego mesmo quando a economia não cresce tanto. No ano passado, a economia cresceu 2,3% e, no entanto, gerou esse volume de empregos que os senhores podem observar (Figuras 9 e 10). Então, esta é uma peculiaridade importante e nós acabamos de ter notícias do Jaques Wagner de que o CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - detectou, em fevereiro, a maior taxa de crescimento de empregos formais, empregos com carteiras assinadas. Maior do que no ano passado, que já foi recorde, quantos são? São 176 mil novos empregos apenas num único mês.

Figura 10

CRIAÇÃO DE EMPREGOS: em 2004 e 2005 mais de 2,7 milhões de empregos foram criados no setor formal da economia.

Criação de novos empregos formais

(129.339)

(271.298)

(35.731)

(581.753)

(196.001)

657.596591.058

762.414645.433

1.523.276

1.253.981

(700.000)

(200.000)

300.000

800.000

1.300.000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Passemos a falar do salário real. Depois de uma trajetória descendente, ele já volta a crescer. A massa salarial cresceu 5% no ano passado e deverá crescer 5% neste ano (Figura 11). Se nós acreditarmos, os aumentos reais do salário mínimo que já aconteceram nos últimos dois anos vão acontecer agora novamente. Então nós estamos robustecendo o mercado interno. Se levarmos em consideração, também, os programas sociais como o Programa Bolsa-Família, então nós teremos um quadro de recuperação do padrão de renda da população de baixa renda no país e a consolidação do mercado, ou pelo menos fortalecimento do mercado interno.

Eu queria assinalar uma outra virtude deste crescimento, que por isso eu chamo de ciclo de desenvolvimento. É que ele vem acompanhado de um crescimento da produtividade e esse aumento de produtividade se dá justamente no setor que costuma liderar os ciclos econômicos, que é o setor industrial. O setor industrial, os senhores podem verificar a partir de 2003, passa a apresentar aumentos de produtividade (Figura 12). Esta produtividade foi maior em 2004 e foi menor em 2005, também em função do crescimento menor.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 97\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Figura 11

SALÁRIOS: o total de salários reais tem aumentado desde meados de 2004.

Figura 12

PRODUTIVIDADE: o crescimento da produtividade do trabalho acelerou-se desde 2003-05. Em 2005, a taxa de crescimento desacelerou devido ao pequeno crescimento do PIB, mas deverá acelerar novamente em 2006.

Crescimento da produtividade do trabalho no setor industrial

-1,9% -2,0%

0,1%0,7%

2,2%

6,3%

2,1%

-3%-2%-1%0%1%2%3%4%5%6%7%

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Continuando, eu queria mostrar esse Quadro 1, porque ele faz uma combinação dos elementos que estão envolvidos neste entendimento, que eu chamo de desenvolvimento.

Quadro 1

Crescimento, Produtividade, Emprego: 2003-2005

Total da Indústria de Transformação e Taxa de variação média anual (%)

Cresc. PIB Total Cresc. Ind.Transf. Produtividade(1) Emprego(2) Desemprego(3)1998-03 1,50 0,84 -0,52 2,392003-05 2,56 2,88 2,91 5,64 11,212004-05 3,59 4,45 4,08 6,94 10,66Notas: (1) Fontes: IEDI e IBGE. (2) Fonte: Emprego Formal na Indústria de Transformação - Ministério do Trabalho. (3) Taxa de desocupação média do IBGE.

Taxa de Crescimento Média AnualTotal Indústria Transformação

TOTAL MENSAL DE SALÁRIOS REAIS EM MILHÕES DE R$

18.000

18.500

19.000

19.500

20.000

20.500

2003

01

2003

02

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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES98 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

Nós temos, na primeira coluna, a taxa média de crescimento do PIB. Podemos observar, entre 1998 e 2003, uma taxa média de crescimento de 1,5%. Na segunda coluna temos o crescimento da indústria de transformação que, como eu disse, costuma liderar o crescimento. Mas, também, quando a economia vai mal, ela costuma fi car atrás dos outros setores. Ela teve um crescimento médio, nesses 5 anos, de 0,84%. A produtividade caiu, o emprego crescia pouco, e eu não tenho dados do desemprego. Então podemos verifi car que, no período de 2003 a 2005, nós temos um aumento da taxa media de crescimento. Isso é média anual. De uma média de 2,56%, a indústria de transformação passa a ter um desempenho mais expressivo de 2,88%. Diga-se de passagem, do setor, que sua situação fi cou cerca de 10 anos estagnada, crescendo muito pouco, mas aqui ela apresenta já um certo dinamismo, aumento de produtividade de 2,91% ao ano durante esse período e aumento do emprego. Vejam como cresce o emprego de forma expressiva a 5,64%. E, fazendo-se esta análise para 2004 a 2005, observamos que, neste período, nós temos um PIB maior (crescimento de 3,59%), com o setor industrial crescendo a 4,45% contando com produtividade ainda mais elevada (4,08%) e emprego ainda maior (6,94%). Então, ao meu ver, isto confi gura uma situação em que você tem o início de um ciclo de desenvolvimento.

Passando adiante, eu queria comentar a Figura 13 porque ela desmente uma série de afi rmações que vêm sendo feitas de que o investimento público está em retração. De fato, nos primeiros anos do nosso governo, principalmente em 2003, houve uma redução, principalmente, do gasto com investimentos, realizados pelo Governo Federal, excluindo-se aí as empresas, porque o ajuste fi scal teve de ser muito severo. Não havia dinheiro, havia dívidas a pagar e nós tivemos que fazer um contingenciamento forte.

Figura 13

INVESTIMENTO PÚBLICO: o investimento do Governo Federal foi pequeno em 2003/04 para atingir as metas fi scais. Desde então tem aumentado e deve atingir 1,4% do PIB em 2006.

INVESTIMENTO TOTAL DO GOVERNO FEDERAL COMO % DO PIB

0,70,9

1,2

0,8

0,40,6

1,0

1,4

0,8

0,8

1,0

1,3

1,3

1,3

1,5

1,6

-

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006*

Gov.Federal Estatais

A parte azul do gráfi co, em 2003, signifi ca um investimento feito pelo Governo Federal, orçamento federal, a parte amarela é à parte das empresas estatais. Mas os senhores podem perceber que já há, a partir de 2004, uma recuperação deste investimento e uma aceleração dos investimentos feitos pelas empresas estatais. Então, quando nós falamos de Governo Federal, temos que falar em investimento, orçamento federal e mais empresas estatais. Podem observar que, em 2005, já ultrapassamos todos os patamares do governo anterior: aumentou o investimento feito pelo orçamento público e aumentaram os investimentos das empresas estatais. A projeção para 2006 é maior ainda, mas eu não vou comentar porque ainda se trata de uma projeção. Nunca as empresas estatais fi zeram investimentos tão altos quanto nesses três últimos anos.

Portanto, o Governo Federal está contribuindo para o aumento do investimento do país, esta fazendo a sua parte. Mesmo cumprindo a responsabilidade fi scal, mesmo fazendo meio ponto percentual a mais de superávit primário - estou falando somente da conta do Governo Federal, meio ponto a mais e que representa uns 10 bilhões em economias -, o governo está cumprindo um programa de investimentos compatível com esta retomada. Uma

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 99\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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das razões importantes para esta retomada do crescimento e consolidação do mercado interno está na expansão do credito do país. Nós sabemos que o Brasil é um país que sempre teve uma escassez crônica de crédito e o que nós podemos ver é que a relação entre crédito e PIB tem aumentado de forma signifi cativa desde meados de 2004 e atingiu 31% ao fi nal de 2005 (Figura 14).

Figura 14

CRÉDITO: a razão crédito-PIB tem crescido desde meados de 2004 e atingiu 31% ao fi nal de 2005.

Crédito livre em % do PIB

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Firmas Famílias

Então eu posso dizer que há um aumento no crédito, tanto no ponto de vista quantitativo, quanto ponto do ponto de vista qualitativo. Novos mecanismos de crédito estão sendo criados na economia brasileira. Ainda não é uma maravilha: estamos longe disso, estamos longe da performance dos países avançados. Porém, nós conseguimos avançar muito nesses últimos tempos com o crédito consignado. Há, também, um aumento do crédito para o setor habitacional, para saneamento e para a agricultura. Nunca houve um volume de crédito tão elevado quanto no atual momento (Figura 15).

Figura 15

CRÉDITO LIVRE: as operações de crédito livre para pessoas físicas alcançaram 10% do PIB ao fi nal de 2005.

Operações de Crédito em % do PIB

26,225,825,725,625,826,025,925,825,8

26,2

26,926,927,027,227,4

27,728,1

28,328,8

29,329,829,8

30,230,7

31,231,0

25

26

27

28

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32

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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES100 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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O mercado de capitais passa a ter alguma expressão, a ser revigorado. O crédito é um crédito seletivo, um crédito que vai para pequenos e médios produtores e consumidores e está na base da explicação para este tipo de crescimento que nós estamos tendo, crescimento com o aumento de emprego e mais distribuição de renda. Eu já estou vendo um olhar sinistro do Ministro na minha direção. Portanto, eu vou encerrar por aqui dizendo que, com este cenário que está sendo configurado, 2006 vai ser um ano de crescimento robusto, no qual essas tendências que foram mencionadas vão se somar ao aumento do emprego, aumento da distribuição de renda, melhoria das condições de vida da população de baixa renda, aumento da produtividade dos diferentes setores.

Resumindo:

Por que a economia brasileira poderá crescer mais rapidamente em 2006?

• Redução nas taxas de juros internas;• Baixo desemprego e aumento do mercado doméstico;• Aumento contínuo no salário real médio e na produtividade do trabalho;• Alta taxa de lucros das fi rmas brasileiras e aumento no investimento privado;• Aumento contínuo nas operações de crédito das famílias.

Concluindo:

Eu diria que a economia brasileira já está na rota do desenvolvimento sustentável, dentro daquela idéia, dentro daquele conceito que os nossos tradicionais professores Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares pregavam no passado. Verdade que estamos apenas iniciando. Ainda não é uma coisa sólida, ela depende de algumas políticas que precisam ter continuidade: políticas sociais, políticas econômicas e de ajustes que venham a ser feitos nessas políticas. Mas eu posso afi rmar que nós já estamos na rota do desenvolvimento sustentável. Muito obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Agradeço ao presidente do BNDES, Guido Mantega, pela sua participação e antes de chamar o Ministro João Paulo dos Reis Velloso, eu queria lembrar a todos os participantes, que com prioridades para conselheiros e conselheiras, vocês têm nas pastas que receberam uma fi cha de inscrição para intervenção após a fala da Professora Maria da Conceição Tavares. Evidentemente que nós temos um limite e queremos terminar essa primeira mesa-redonda próximo das 12h30 e numa variação para que possamos retomar a mesa-redonda da tarde às 14h20. Lembro que as inscrições podem ser feitas com o pessoal de nossa equipe. É só levantar o braço e o pessoal recolherá as fi chas de inscrição, que eu quero reservar para o fi nal os comentários de todos que compõem a mesa. É isso, Ministro Velloso. Em nome aqui do Presidente do BNDES, quero pedir a todos desculpas pelo seu afastamento, pois ele está com uma reunião no Palácio do Planalto e teve que se ausentar, espero que a reunião seja rápida e que a solução seja promissora e ele retorne para os comentários fi nais. O Ministro Velloso está com a palavra.

João Paulo dos Reis VellosoEx-Ministro de Planejamento, Membro Diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE)

Caro Ministro Jaques Wagner, caro Presidente do BNDES, Guido Mantega, caro Coordenador do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e querida Conceição. Caros amigos principalmente, caras amigas, eu quis dar esta palavra inicial começando pelo fi m. O resumo da novela que eu vou dizer é em complemento ao que falou o Presidente Mantega. É o seguinte: nós precisamos começar a dar um salto na maneira de pensar a questão do desenvolvimento do Brasil.

Em síntese, a solução para o desenvolvimento brasileiro passa pela imersão do país na Economia do Conhecimento. Conhecimento em todos os sentidos e, principalmente, com duas idéias: levar conhecimento a todos os setores da economia, inclusive setores intensivos em recursos naturais como o agronegócio; e levar conhecimento a todos os segmentos da sociedade, inclusive aos setores de renda baixa. Por quê? Porque se nós não fi zermos, vamos fi car para trás. Nós vimos que países emergentes, como por exemplo à China e a Índia, estão dando saltos de competitividade e aquela é a única forma de o Brasil, também, dar saltos de competitividade. Eles estão avançando em mercados na Europa, nos Estados Unidos e no nosso próprio mercado. Então é este salto que nós precisamos dar.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 101\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Vamos agora a algumas idéias sobre a relação entre a Agenda Nacional de Desenvolvimento e uma Estratégia de Desenvolvimento. Começarei pelos elementos para um diagnóstico da situação do País:

IRISCOS ATUAIS PARA A GRANDE ALIANÇA – DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO (O BINÔMIO

D-D)

Nós vemos os riscos para a grande aliança de Democracia e Desenvolvimento, temos o circo de horrores da crise política e temos outros riscos. Por exemplo, juros ainda estratosféricos, e a questão de por que o Brasil não é um país de alto crescimento.

IIA QUESTÃO: POR QUE O BRASIL NÃO É PAÍS DE ALTO CRESCIMENTO?

E A NECESSIDADE E OPORTUNIDADE DE UM QUARTO MOMENTO (PARA O DESENVOLVIMENTO)

Nós não estamos mais fazendo os vôos de galinha como fizemos nos anos de 1980 e nos anos 1990. Estamos num patamar de transição, como colocou o presidente Mantega, mas nós já fomos corredores de Olimpíada, por isso a necessidade de um quarto momento para o desenvolvimento. Tivemos o Plano de Metas nos anos 1950, tivemos o chamado “milagre” com todos os seus problemas, mas foi um período de alto crescimento, tivemos a fase pós-crise do petróleo e, com o segundo PND, passamos pela maior transformação estrutural da economia brasileira e da balança comercial brasileira. Então, necessitamos e temos a oportunidade de desfrutar de um Quarto Momento para o desenvolvimento econômico, social, político, cultural e de todas as formas.

IIIRECONHECIMENTO DE NOSSAS DEFICIÊNCIAS (APESAR DOS PROGRESSOS FEITOS)

O reconhecimento de nossas deficiências, apesar dos progressos realizados, é fundamental. Temos uma Síndrome Macroeconômica, então essas anomalias: a taxa de juros, o crescimento rápido das despesas, o crescimento rápido da carga tributária, o câmbio flutuante (que flutua para baixo), a relação da Dívida/PIB ainda muito alta e tudo isso interligado é uma síndrome. Há ainda uma camisa de força da situação fiscal, porque a rigidez da despesa pública é enorme. O investimento público esta aumentando, mas no ano passado ele foi de 0,2% do PIB, foi residual, mas está melhorando. Certamente para algumas estatais está elevado. Contudo, investimentos estatais não deveriam entrar nessa historia de ajuste fiscal. Isso não tem nenhuma base técnica, o próprio Fundo Monetário Internacional hoje reconhece isso e a conseqüência é um país como “Prometeu acorrentado”: um grande potencial, um início de realização desse potencial, mas potencial que precisa ser realizado.

IVQUARTO MOMENTO (I): CONCLUINDO A PREPARAÇÃO DAS BASES

Então para que o Quarto Momento se realize é necessário que primeiro haja uma preparação das bases, pois nós temos duas agendas que têm que ser tocadas simultaneamente: concluir a preparação das bases e ter uma estratégia de desenvolvimento.

Preparação das bases, sem dogmatismo, o Pastore escreveu recentemente - Afonso Pastore que foi presidente do Banco Central - que nós vemos como se executa com um fervor quase religioso a política monetária. Nós não estamos falando de Religião, então com flexibilidade e sem dogmatismo começaríamos como ele mesmo Pastore sugeriu: vamos acelerar a redução da taxa básica de juros e aí as coisas começam a se resolver. Aquela síndrome macroeconômica começa a diminuir e, também, deve-se criar uma reação direta em relação ao bloqueio fiscal. É um programa fiscal de longo prazo.

Passando à segunda agenda - A estratégia de desenvolvimento propriamente dita. Precisamos de uma estratégia sem estratégia para voltar ao alto crescimento, com a opção pela Economia do Conhecimento, como mencionamos de início. Porque a Economia do Conhecimento, já mostramos, é a nova forma de fazer desenvolvimento. Os países desenvolvidos já estão lá, Coréia já esta lá, a China e a Índia já têm programas de Economia do Conhecimento. A China desde 2001, então o Brasil precisa ter o seu programa de evoluir para a Economia do Conhecimento porque o que está por trás de Economia do Conhecimento é gente, é o capital humano.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES102 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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QUARTO MOMENTO (II): A ESTRATÉGIA

AS PRINCIPAIS DIMENSÕES:

Dimensão I – Opção pelas Tecnologias Estratégicas;

Dimensão II – Estratégia de Competitividade Internacional baseada na elasticidade das vantagens comparativas (“especializações avançadas” – Hicks, 1959);

Dimensão III – Oportunidade para o Nordeste e a Amazônia, com base em estratégia de dupla inserção;

Dimensão IV – Nova oportunidade para o Brasil, pela conversão em país de alto conteúdo de capital humano.

Vejamos essas dimensões rapidamente.

Primeiro, a opção pelas tecnologias estratégicas (e conhecimento em geral), tecnologia transformadoras da economia e da sociedade, a inovação como base nas políticas de competitividade.

A segunda dimensão é uma estratégia de competitividade internacional baseada na elasticidade das vantagens comparativas (as nossas especializações). Isso é algo que os países desenvolvidos já tinham em 1959. Você precisa ter a capacidade de estar criando sempre novas vantagens comparativas porque se uma começa a perder substância você coloca a outra, ou as outras, de tal modo que possa realmente ter uma política de competitividade Internacional voltada para o lado da demanda. E assim, participar da lista dos produtos dinâmicos no mercado internacional. O Brasil está muito mal representado nesta lista de produtos dinâmicos.

A dimensão três é o Nordeste e a Amazônia. Nós precisamos dar uma oportunidade a essas regiões menos desenvolvidas, porque há 5 anos que nós discutimos se vai haver nova SUDENE, por exemplo. Não quero saber se vai haver nova SUDENE. Não quero saber se vai haver nova SUDAM. O importante é que tenhamos uma estratégia de desenvolvimento para o Nordeste e para a Amazônia com base nas oportunidades de investimentos que eles oferecem. Eu sei que há vários projetos que estão em execução, mas tem que haver, realmente, uma estratégia.

A dimensão quatro é a nova oportunidade para o Brasil - sua conversão em país de alto conteúdo de capital humano. Nessa área, estamos muito atrás, por exemplo, da Coréia, que hoje já é um país de alto conteúdo de capital humano.

QUARTO MOMENTO (III): ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

I

Visão é de crescimento com redução da pobreza, mobilidade social e redistribuição. Ver IDS.

II

Importância do binômio E-E: Educação e Emprego. Aí está a essência do desenvolvimento social.

III

CONCLUSÃO

O CORREDOR DE LONGA DISTÂNCIA

(Não basta ser campeão de Olimpíada)

A conclusão é que o desenvolvimento é como a questão de corredor de longa distância. O Brasil foi corredor de Olimpíada, mas ganhou uma corrida de 100 metros o que não foi sufi ciente, desenvolvimento é problema de longa distância. Então vamos a ele, com uma visão estratégica. Muito obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Obrigado Ministro Velloso, que não me deu nem a oportunidade de anunciar os 15 minutos com a sua capacidade de síntese. Agradeço a participação e convido agora a nossa última palestrante, a Professora Maria da Conceição Tavares para tecer alguns comentários.

Maria da Conceição TavaresEconomista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Bom dia, pretendo fi car aqui na mesa e não me levantar. Não vou colocar nada no quadro porque o Guido Mantega já botou lá os dados recentes. Nós estamos com dois problemas aqui de interpretação da extrapolação

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 103\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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de dados recentes. Tento aceitar a palavra do Guido e recuperar uma idéia apresentada pelo Ministro Velloso que argumenta que nós temos que continuar basicamente seguindo o símbolo da bandeira: mais ordem e progresso. Ora, acontece que o que nós propusemos e continuaremos propondo neste governo foi caminhar na direção da ampliação da democracia e da justiça social, o que é muito mais amplo, sem querer ofender o Velloso daquilo que se chamou desenvolvimentismo, ou como antes também se dizia “desenvolvimento das forças produtivas”. Deste último ponto de vista não é verdade que nós corremos 100 metros, nós crescemos durante 50 anos, e, no entanto, pioramos a distribuição de renda e as desigualdades, de todas as naturezas. Cinqüenta anos, meus senhores, não são propriamente 100 metros. Vamos discutir para os próximos 50 anos com base no mesmo modelo? Não gostaria que isso se repetisse. Mesmo porque pouco foi feito em matéria de democratização do Estado até à Convocação Constituinte de 1985.

A nossa evolução democrática é tão espantosa que quem lançou as bases da justiça social foi o velho Vargas, ditador do Estado Novo. Pode uma coisa dessas? E até hoje pouco se consegue andar nessa direção. Espantoso que a Lei de Terras seja de 1850. Por isso que esse negócio dos 500 anos não me interessa, o que me interessa é o que aconteceu depois de 1850 onde foram lançados os marcos jurídicos fundamentais do capitalismo brasileiro, da Lei de Terras ao Código Comercial, que só protegeu a propriedade privada. Desde então para cá foi duro lutar pelos direitos dos “de baixo”, contra proprietários monopolistas, contra as nossas elites sem o apoio decisivo de uma classe média opiniática, volúvel, e que, em geral, sempre entra em pânico frente a uma suposta desordem social. As leis democráticas começaram a ser concedida ao povo a partir da pressão social na década de 1920. A década de 20 foi uma década de muitas pressões sociais embora muitos achassem que a questão social fosse apenas questão de polícia. Tem quem ache isso ainda hoje. Uma boa parte do nosso congresso acha e uma boa parte da nossa opinião ilustrada não tolera que num governo popular haja reivindicações, greves, lutas sociais aumentadas.

Como acabou de escrever Vanderlei Guilherme, no seu último livro: não é por acaso que as classes sociais reagem diferente quando a situação política balança. É porque eles sabem, o povão de baixo é claro, que ele pode avançar nas demandas e na luta em governos populares, mas quando vêm governos autoritários ou repressivos, quem perde são eles. Porque eu não me lembro da classe média ter perdido coisa alguma do seu status social. É claro que hoje estamos longe dos anos de chumbo da ditadura. É uma outra coisa que eu gostaria de lembrar aos progressistas: temos tantos anos de transição democrática quanto tivemos de ditadura. Não basta, não é cartão de progressista hoje falar dos anos de chumbo, do exílio, de que esteve na cadeia. Já basta, pois vários dos que sofreram com a repressão são hoje neoliberais convictos, conservadores que apoiaram as políticas neoliberais que levaram ao que Reis Velloso aqui chamou de síndrome macroeconômica. O neoliberalismo é uma doutrina conservadora que penetrou fundo nas mentes de muita gente boa. Aliás, os mais ilustres estiveram todos eles no combate contra a ditadura e pela Constituição cidadã.

O Velloso serviu ao Estado autoritário, mas como servidor público não mudou as suas opiniões em defesa do Estado Nacional e do desenvolvimento. Então ele mudou pouco. Claro que quando ele fala em “capital humano“ eu fi co nervosa, prefi ro IDH, o índice de desenvolvimento humano que é aquilo que nos caracterizaria como um país civilizado. Estou menos preocupada com o “capital humano” em termos de efi ciência porque nós estamos sempre treinando a nossa mão-de-obra, nem que seja no próprio trabalho. Não consta nenhuma inefi ciência de mão-de-obra em todas as indústrias que foram montadas depois do JK. Mesmo quando é um nordestino que vem de regiões atrasadas. Aprende, corta o dedo no começo. Esse agora não poderia ser metalúrgico, claro, mas também não consta que os que estão lá e fi caram não tenham aprendido a usar computador, economia do conhecimento e etc. Praticamente todos esses trabalhadores dominam a informática melhor que eu. Sou um dinossauro que não usa power point, nem preciso, é claro, para dizer essas coisas, que são velhas como a Sé de Braga, não preciso.

Feita esta ”introdução” - que já tomou não sei quanto tempo - é evidente que eu concordo com toda a agenda que foi exposta pelos meus companheiros. Falta evidentemente aquilo que nós prezamos muito, que é lutar pela inclusão social.

Nós estamos empenhados, a partir da Constituição de 1988, eu pelo menos estou, seguindo o exemplo do mestre Celso Furtado, em não fazer desenvolvimento econômico mantendo o subdesenvolvimento. Está claro que é fundamental vencer o subdesenvolvimento. Quer-se lutar contra a pobreza estrutural que está aí e que não desapareceu com o crescimento.

Sobre a atual conjuntura o que eu quero dizer é o seguinte: apesar dessa maldita síndrome macroeconômica, tem-se avançado nas políticas sociais. Mas com três âncoras pesadas - âncora monetária, cambial e fi scal – é difícil desenvolver plenamente o país. Com as três âncoras arrastando a plataforma para baixo, é preciso fazer o quê? Estabilizar, afrouxando as âncoras. Agora há um acordo que devemos baixar os juros e impedir a valorização cambial. Mas a fi scal não. Há quem proponha que vamos fazer um ajuste fi scal lento e de longo prazo. Quando eu

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES104 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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ouço o Delfi m dizer que precisa um ajuste do défi cit nominal no curto prazo, fi co perplexa e indignada. Nenhum país europeu e muito menos os Estados Unidos, conseguiram manter o défi cit nominal sob controle na atual conjuntura internacional. Obviamente que esta liberdade fi scal se deu à custa do resto do mundo, sobretudo à custa dos países emergentes, entre eles o Brasil. Nós temos um défi cit nominal abaixo ou semelhante ao acordo de Maastricht, e muitos analistas continuam exigindo que este défi cit contribua para controlar a infl ação quando esta já está no centro da meta. Não dá para aturar. Eu acho que aqui já é má fé ou ignorância, ou nem má fé nem ignorância, é uma visão estreita e ortodoxa encobrindo os interesses do capital fi nanceiro.

Voltando às três âncoras. Já levantamos lentamente duas, mas pegamos a outra que é a fi scal e acentuamos o ajuste nos três primeiros anos. Como é possível crescer gerando empregos e investimento social com aquela âncora pesadona ali? Como é que vamos fazer serviços sociais se, esses sim, estão nos orçamentos da Federação? No caso do investimento o que está no orçamento da União são basicamente estradas, e somente aquelas estradas que não estão privatizadas. Porque as que estão privatizadas também não estão no orçamento fi scal (ao menos explicitamente). O resto está tudo nas estatais, que só estão no orçamento global (necessidade de fi nanciamento do setor público) pelo critério do FMI. De acordo com muitos desenvolvimentistas, não deviam estar lá. Nós ouvimos aqui o presidente da Petrobras que sabe o impacto que a empresa tem no Brasil, sobre o setor de bens de capital, sobre o investimento e sobre o crescimento do PIB. Eu estou muito preocupada com os gastos em saúde e educação, que os economistas ortodoxos querem cortar a pretexto de que são despesas de pessoal e de custeio.

A educação não é só um problema de mergulhar na ”época do conhecimento” porque as elites educadas desse país estão mergulhadas na época do conhecimento e nem por isso melhoram o seu comportamento. Que eu saiba a tecnologia desenvolvida pela Petrobras nas plataformas é de ponta e é toda nossa, a tecnologia desenvolvida na aviação é nossa ou apropriada e é de ponta, a tecnologia desenvolvida no agrobusiness, com o apoio da Embrapa, é de ponta. Nós temos agronegócio cuja tecnologia é de ponta e é mais capitalizado do que o argentino e até provavelmente que o dos Estados Unidos, que já passou o auge do seu ciclo agropecuário. Nós estamos entrando pesado de novo, estamos desenvolvendo as forças produtivas nas grandes empresas. Então eu quero dizer o seguinte: eu tenho certeza que a tecnologia será desenvolvida na ponta por instituições de ponta e as grandes empresas de ponta. Logo, concordo com o Velloso que quem tem que mergulhar no conhecimento é a massa da população. Esse é o problema. Temos que universalizar sob pena de não ter uma sociedade civilizada, sob pena de o país ter duas “castas”: os de cima e os de baixo e uma classe média fl utuante em humor, em cultura e em civilização cidadã, o que causa grandes problemas para o avanço político e social do país.

Então vamos lá, as prioridades, no meu ponto de vista, estão claras neste governo. O problema é como vamos avançar simultaneamente. Este é o problema. Por acaso não está claro que tem que ter inclusão social? Que a primeira prioridade é combater a pobreza? Como nós temos destacado, apesar do orçamento ser contingenciado e dali termos tirado recursos fi nanceiros e feito tanto superávit primário, fomos de algum modo reconhecidos internacionalmente pela luta contra a pobreza e a instabilidade social. É verdade que temos também que manter a estabilidade econômica. Mas o problema não poderia ser resolvido baixando lentamente as três “âncoras”? Se não puder, temos que inventar com criatividade e prudência qualquer outra coisa, porque assim como está, não dá. É um espartilho porque não nos deixa ampliar o crescimento de forma sustentada, sem dúvida. Agora como é que a gente explica e deveria estar explicando nossa economia? O povo está encantado com os resultados, mas os economistas de esquerda, não. Porém, não conseguem explicar certos resultados, nem o crescimento das exportações, nem o crescimento do emprego.

Como é que se compatibiliza um crescimento do PIB tão pequeno em termos médios, com esta alta elasticidade do emprego? Será que foi uma acomodação dos ajustes microeconômicos das empresas, com a selvagem abertura econômica que foi feita na década passada? Uma abertura comercial que jogou quase todo mundo de cócoras e os que não quiseram fi car de cócoras tiveram que ajustar ou então estaríamos num interregno de um ciclo tecnológico largo? Porque, se for interregno poderemos crescer com pouco emprego. Agora é ao contrário, estamos com elasticidade de emprego praticamente superior a um, o que é uma novidade em relação à década de 1990. E é emprego qualifi cado, emprego com carteira assinada que todo mundo dizia que, com esta legislação, ninguém iria empregar com carteira assinada. Ué, mas foi o que subiu além do informal, também. Essas coisas que têm sido afi rmadas ultimamente, separação entre crescimento, distribuição de renda, emprego e avanço social têm que ser revistas, ou isso é uma transição e não se sabe para onde vamos.

Olhando para frente, tem dois modelos: os que querem repetir a “ordem e progresso“ e os que querem avançar na democratização do Estado e da sociedade e de uma civilização inclusiva. Mas nos exemplos concretos, também, não há acordo entre os desenvolvimentistas. Muitos querem que o Brasil fi que imitando a China. Mas a China está com a taxa de distribuição de renda igual à do Brasil de há 30 anos atrás e contra a qual estamos lutando. Está claro, meus senhores? No seminário de abertura do Centro Celso Furtado falamos sobre isto, Lessa, Castro, Jaguaribe e eu.

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 105\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Todos concluímos que repetir a China seria um desastre. A China pode agravar o risco da civilização industrial se continuar crescendo desse jeito sem recursos naturais, poluindo tudo. E o que fará com uma população gigantesca rural que virá mais rapidamente sobre as metrópoles e criará megalópoles monstruosas?

Temos que repetir a China? Nós já fi zemos uma mini-China entre a década de 1950 e a de 1980. Nós já fi zemos mais que os Estados Unidos em matéria de migrações internas. Já nos atrapalhamos porque, enquanto os Estados Unidos fez em 80 anos a transição rural-urbana, nós a fi zemos em 40 anos. A população agora é basicamente urbana. A que está no campo está na pequena produção familiar ou está no agronegócio. Está claro ou não? E para a agricultura familiar, estamos lutando como nunca, para melhorar as condições dos assentamentos da reforma agrária. É fundamental que tenham vida digna, para não virem inchar mais a periferia de São Paulo ou a periferia de qualquer grande cidade do Brasil. Vocês já imaginaram o que vai ser a China com aqueles milhões e milhões de camponeses deslocando-se para as grandes cidades? A Índia, nem me digam. A Índia, que não terminou o sistema de castas e tem uma elite ”mergulhada no conhecimento” e um povão que dorme na rua, na maior miséria. Não falam nenhuma língua unifi cante. Vocês acham que falam hindu? Falam nada! Chofer de táxi mal fala inglês (a língua do colonizador) porque é impossível se comunicar naquele país. E nós queremos copiar o quê? O modelo de desenvolvimento deles? Ah! Não queremos copiar esses modelos de crescimento. Queremos assentar a base do nosso desenvolvimento sustentável que nos permita a inclusão social e o uso correto de nossas potencialidades. Eu, particularmente, como estou de acordo com tudo que foi dito sobre a Agenda de Desenvolvimento, necessária ao país.

Meus senhores, peço desculpa pela desordem da minha fala. Em princípio eu poderia ter lido o que trouxe escrito, mas seria uma coisa inimaginável para uma pessoa como eu ler um pequeno texto num auditório simpático como este. Quando os auditórios não são simpáticos, até se lê. É para não levar pancada, mas não é o caso aqui. São todos amigos, inclusive a minhas discrepâncias com o Velloso são basicamente conceituais. Não são porque ele foi ministro do regime militar e eu nunca fui ministra de nada. É claro que por isso eu posso fazer crítica tanto do regime que ele serviu quanto daquele que eu gostaria de servir que é o do Lula. Eu sou uma crítica, então vamos lá: do que é que eu estou a favor, o que quero enfatizar?

Estou de acordo que a síndrome macroeconômica, se não for feito alguma coisa, é um empecilho ao crescimento sustentado. Não estou de acordo de que se deve crescer em qualquer condição. Por isso estou contra a idéia de copiar a Índia ou a China que não são copiáveis em nenhum sentido. Deus nos livre e guarde o povo brasileiro de ser a Índia ou a China. Era o que faltava!

Agora, outro ponto que eu concordo (e deveria continuar independentemente de quem seja o governo e de suas inclinações políticas ou ideológicas) é a política externa, que é uma política de Estado, de soberania e autonomia relativas. Temos conquistado presença e capacidade de negociação nos fóruns internacionais. O projeto da Comunidade Sul-Americana de Nações é um projeto correto, para dar fôlego geopolítico a esta área num continente em que os Estados Unidos são totalmente dominantes. Os Estados Unidos, ultimamente, não têm ajudado ninguém a se desenvolver. A era da hegemonia benigna já passou. Agora é um período de hegemonia autoritária. Então nós precisamos continuar a política externa independente, que, aliás, é da nossa tradição. Só foi interrompida por alguns poucos anos por uns malucos autoritários que diziam: “que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Felizmente estão diminuindo o número de malucos. Mas a situação mundial é instável, assim é difícil negociar inclusive com os nossos companheiros latino-americanos.

Continuar a democratização e a reforma do estado é outra tarefa ao mesmo tempo urgente e de longo prazo. Nós herdarmos um estado totalmente em cacos, o que não foi culpa só do regime militar, mas das políticas neoliberais de Estado Mínimo. Foi herdado um estado autoritário mas que tinha uma tecnocracia, tinha uma meritocracia. O Estado continua infestado de quadros autoritários, mas está faltando meritocracia. É preciso repor os quadros públicos. Na verdade, na década de 1990 desmantelou-se o aparelho estatal e privatizou-se o estado em todos os níveis. Não foram somente as grandes privatizações. Da terceirização dos servidores públicos à privatização das “políticas para pobres”, passando pela enorme infl uência dos lobbies, gerou-se essa desgraça que ainda está aqui e que contamina todo mundo. Que faz com que todo mundo diga que toda política é igual. Claro, porque você tem um estado totalmente vazado. No entanto, está se fazendo um esforço de remontagem e democratização que tem que continuar.

Finalmente, vem o que Furtado considera que era, no limite a nossa autonomia verdadeira, duas naturezas: autonomia cultural e autonomia de decisões. O povo tem que poder participar de decisões de governo. Muita gente diz que gosta do povo, mas o que gostariam é que o povo fi que exatamente onde está (no seu lugar!). E isso meus senhores, que é a mudança fundamental, tem de se reconhecer um esforço nestes últimos anos de caminhar nesta direção. Vocês podem dizer que tem uma crise política. Mas, há de se reconhecer que ocorreu deste governo alguns

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esforços na direção correta da autonomia da participação popular, de não baixar o cacete em cima do povo quando ele reivindica. Está claro que não é fácil para um governo popular agüentar as demandas múltiplas arbitradas socialmente, sem tentar manipular os movimentos sociais, mas é fundamental para o avanço da democratização. O Estado também tem que cooperar com o setor privado nacional e estrangeiro. Mas só com aqueles que querem produzir e não apenas especular na “ciranda fi nanceira” que já está aqui há anos e cada vez pior. É então simples? Parece, mas é difi cílimo.

O que nós queremos é uma coisa complicada. O país é muito heterogêneo e desigual. Não adianta apenas crescer, sem planejamento, sem apoio dos de baixo e sem o envolvimento da sociedade com o projeto. Senão, pode até crescer e aprofundar o subdesenvolvimento. Se por meio desta agenda se concentrarem esforços na direção correta, o Brasil e a sua capacidade produtiva e a sua agenda social se ampliam. Então eu não tenho por que me angustiar mesmo que não veja os resultados no meu tempo de vida.

A idéia de que os empresários brasileiros não vão investir não é verdadeira. Vão sim, se lhes derem condições, vão! Agora, se não for desarmada a armadilha macroeconômica, não vão. Mas isso não quer dizer que não tem empresários no Brasil. Claro que tem. Eu acho também que há fi liais multinacionais que estão interessadas em investir de fato e expandir um mercado interno de massas. Ao Estado e à sociedade cabe, porém, coordenar-se para que estes processos se complementem e a luta pela democratização avance. O Estado tem de coordenar os projetos estruturantes de longo prazo, senão nós continuaremos correndo o risco de regredir ao neoliberalismo. Obrigada.

DebatesJaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Muitíssimo obrigado, Professora Maria da Conceição Tavares. Quero cumprimentar a mesa, os conselheiros, as conselheiras e demais participantes. Vamos, na seqüência, dar início ao debate e, para ordenar melhor para que o tempo possa ser bem coordenado e não atrasar a mesa da tarde, estamos inscrevendo aqui até dez conselheiros, dando prioridade a eles e a elas porque são os anfi triões desse seminário. Depois vêm as perguntas feitas por escrito. O primeiro inscrito é o conselheiro João Bosco.

João Bosco BorbaConselheiro do CDES

Bom dia a todos, bom dia a todas, bom dia aos membros da mesa. Eu sou conselheiro do CDES e presido a Associação Nacional de Empresários Afro-brasileiros. Minha pergunta vai à direção da questão da inclusão social. Nós temos hoje, no Brasil, uma população de 87 milhões de afrodescendentes. São negros que, em grande parte, estão fora economia formal e excluídos da sociedade. Precisamos saber o papel de uma nova agenda nacional para a inclusão desses cidadãos na economia. Para isso eu queria fazer duas referências. A primeira é uma pergunta: que estilo de desenvolvimento nós teremos e para quem nós faremos esse desenvolvimento? Eu fi quei muito chocado com duas cenas que vi no domingo. Uma, acho que todos os senhores e as senhoras viram, foi o programa da TV Globo sobre os meninos do tráfi co. É bom lhes dizer que 100% daqueles meninos são negros e brasileiros. A segunda referência é sobre a greve de desembargadores que, me parece, são de Santa Catarina e de Minas Gerais. Eles estão dizendo que ganhar 25 mil reais é muito pouco para sustentar suas famílias. Isso tem a ver um com o nosso debate, com a primeira questão que formulei. Que país nós queremos e para quem nós queremos o desenvolvimento do país? Essas são as minhas questões.

Sônia FleuryConselheira do CDES

Bom dia a todos. Eu estava aqui pensando: quando eu morrer vou pedir a Deus para nascer economista na próxima encarnação. Tenho a impressão que vou ser muito mais feliz se eu acreditar nas coisas que os economistas acreditam, nos números que eles nos apresentam e que me parecem tão distantes do país em que vivo. Estou me referindo, particularmente, à exposição do Guido Mantega. Li hoje no jornal, ele dizendo que os gastos do governo na área social caíram 2,7%. Assustadoramente caíram, diminuíram, em relação ao governo anterior: algo da ordem de 44% na área de habitação e saneamento; quase 20% na área de benefício ao servidor; e 7,5% na área de saúde. Então, quando nós discutimos o desenvolvimento, todos dizem que o desenvolvimento não é só crescimento do PIB. Tem que incluir a dimensão social, humana, tudo isso. Mas na hora de apresentar as bases do desenvolvimento,

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a questão social desaparece. Não aparece mais. Aparece a macroeconomia como determinante. Eu queria lembrar que essa base de desenvolvimento, do novo ciclo que foi falado aqui, é que está permitindo ganhos astronômicos dos bancos e do capital fi nanceiro. Uma concentração de renda na área fi nanceira inimaginável, inclusive com transferência de renda da área industrial para área fi nanceira. É ela, esta concentração, que está permitindo, que está levando a essa redução do gasto social por meio de diferentes medidas. O projeto de Desvinculação dos Recursos da União (DRU) é uma das ameaças constantes. Zerar o défi cit nominal por meio da desvinculação dos recursos da área social, já está sendo feito. Imagina se desvincularmos os demais. O governo não tem propostas no sentido de superar questões históricas, como o subfi nanciamento da área de saúde. A Emenda Constitucional nº 29 está parada e não é regulamentada, porque não há interesse de que isso seja regulamentado. Nós continuamos buscando a reforma democrática desse país, um novo pacto federativo, um novo arranjo do Estado na área de saúde, universalizando o direito à saúde. No entanto, gastamos menos de um real por dia por habitante na área de saúde. O que é um absurdo, face aos países vizinhos mais pobres que gastam três vezes mais, como a Argentina e o Uruguai. E temos aumentado o assistencialismo. Mas será que é este o padrão de democracia que nós queremos? Que seria por meio de transferências de renda? Não estou dizendo como medida emergencial, mas achando que não é possível fazer um governo e uma política chamada desenvolvimentista que favorece o capital fi nanceiro, que cuida dos miseráveis, e que deixa todo o sistema universal fora disso, retirando recursos da educação e da saúde. O resultado de tudo isso é que o programa do primeiro emprego, concebido para os jovens, não deslanchou. Não há esforço na área de educação básica, e acho que a questão da violência, aqui mencionada, é o sintoma mais forte disso. Nós não temos uma política de segurança compatível com a situação que estamos vivendo. Termino, então, dizendo que, para mim, o mais chocante não é o que passa no Fantástico. Para mim o mais chocante é que no carnaval toda a sociedade brasileira vai para a Mangueira, sob a guarda dos trafi cantes e dos bicheiros. Estão lá todas as autoridades e as socialites. E, duas semanas depois, aparece uma fotografi a onde se vê um canhão apontado dos militares para os trafi cantes, e as armas dos trafi cantes apontadas para os militares. Que país é esse? Daqui a pouco esqueceremos tudo. Vem aí a Copa do Mundo.

Paulo VellinhoConselheiro do CDES

Senhor Ministro, autoridades da mesa. Eu queria comentar rapidamente tudo que aqui se discutiu. Gostei muito da apresentação do Guido Mantega porque me dá segurança de que vamos nos liberar das três âncoras. Quero cumprimentar, também, a Professora Maria da Conceição - que eu ainda não tinha tido a oportunidade de ouvir pessoalmente, mas sempre li seus artigos. O mundo está dividido entre vencedores e perdedores. Eu me considero perdedor porque o Brasil que eu sonhei para meus fi lhos, meus netos e bisnetos, não sei se vai acontecer. É um país realmente de perdedores. Vencedor é o presidente do Japão. Há cinqüenta anos atrás, eu ouvi de um japonês a seguinte observação: enquanto vocês constroem Brasília em cinco anos, gastando o que não têm, num país com analfabetismo e mortalidade infantil elevados, nós investimos na nossa riqueza que é o japonês. Investimos em saneamento, água e esgoto, nutrição das gestantes, nutrição das crianças, saúde e educação. Isso há 50 anos. Todos vocês falam na era do conhecimento. No dia em que elegermos um brasileiro que estabeleça o conhecimento como objetivo da nação, seremos bem diferentes. E tem que começar agora, para dar frutos daqui a 20 anos. O resto é bobagem. A massa, a grande massa, não tem acesso ao conhecimento. Acho e digo com toda tranqüilidade e preocupação que enquanto nós não enfrentarmos o planejamento familiar com coragem, rompendo os estigmas que a igreja nos impõem, não adianta gerar um simples ser biológico, temos que gerar seres humanos. Um planejamento familiar rigoroso voltado para a solução da pobreza é fundamental. O Programa Fome Zero é voltado para a gestante e as crianças, mas não é sufi ciente para que tenhamos uma sociedade mais homogênea, mais democrática. É isso que eu gostaria de acrescentar ao debate.

Eduardo SuplicySenador Federal

Quero cumprimentar o Ministro Jaques Wagner pela realização deste Seminário e, sobretudo, pela prioridade dada à eqüidade e aos objetivos maiores, mencionados pela Maria da Conceição, de democracia, justiça social para acabar com a exclusão. Com respeito ao Ministro João Paulo dos Reis Velloso, quando ele colocou a importância de termos inovação, seguindo até John Hicks, é importante ressaltar que o Brasil, como disse o Professor Celso Furtado, é o primeiro país que, depois de ter sido um dos últimos a abolir a escravidão, se torna o primeiro a adotar um sistema de promoção de eqüidade. As pessoas do meio acadêmico, laureados com prêmio mundial, estão preocupadas com este tópico. Há três semanas, estive na Universidade de Harvard onde ouvi vários professores, inclusive Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, perguntarem quais os passos que signifi caram maior justiça

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social. A abolição da escravatura foi um passo nessa direção. A ampliação das oportunidades de educação para todos os meninos e meninas, também. Mas a renda básica de cidadania, que é um sistema de transferência de renda, é considerada hoje mais racional e efi caz. E é muito importante que empresários e trabalhadores, presentes no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, estejam cientes - da importância dos mecanismos de transferências de renda. Qual é o sistema de transferência de renda mais poderoso do mundo hoje? O sistema dos Estados Unidos? Quanto se transferiu de renda lá em termos de crédito fi scal, de remuneração recebida? É importante que cada empresário e trabalhador tenha consciência que um trabalhador nos Estados Unidos ganha de salário mínimo, cinco dólares e quinze centavos por hora. E, se trabalhar o ano inteiro, ganha dez mil dólares. Se tiver mulher e duas ou mais crianças, tem um crédito fi scal de 40% a mais e sua renda vai para quatorze mil dólares. Por ter percebido isso, o Reino Unido é a economia que mais compete com a dos Estados Unidos. Criou um sistema de crédito familiar, que corresponde a 50% a mais na remuneração do trabalhador. Se nós brasileiros não tivermos consciência disso, nós estaremos com nossa economia, nossas empresas, nossos trabalhadores menos competitivos. Mas qual é a forma mais racional do que essa forma de imposto de renda negativo? É o imposto de renda negativo na forma de renda básica incondicional, que vai para todos. Desde a senhora que devolveu o Bolsa-Família, até Paulo Vellinho, Antônio Ermínio de Morais, o presidente Lula e a Maria da Conceição Tavares também. Mas como? Pagar a cada pessoa, mesmo se essas pessoas não precisam? Sim. Mas obviamente essas pessoas vão contribuir proporcionalmente mais do que todos os demais recebem, inclusive aquelas pessoas mencionadas pelo Luíz Oswaldo ao relembrar Luís Gonzaga, quando o Presidente Lula saiu lá de Garanhuns e veio para Vicente de Carvalho, treze dias num caminhão “pau-de-arara” aos sete anos de idade. O Luís Gonzaga cantava a música que é considerada a mais bela do cancioneiro popular brasileiro “Triste Partida”, do Patativa do Aceré, “...eu vendo meu burro, meu jegue e meu cavalo e vamos para São Paulo, viver ou morrer. Depois logo aparece um feliz fazendeiro que por pouco dinheiro lhe compra o que tem. Ai, ai, meu Deus, faz pena o nortista tão forte e tão bravo, viver como escravo no Norte ou no Sul”. Ah!, mas isso faz 40, 50 anos. O Brasil se desenvolveu tanto e qual é o grau de liberdade percebido pelas pessoas hoje? É o que foi mostrado domingo no Fantástico. Os Falcões, ou o que está registrado nas músicas do hip hop, como do Mano Brown, dos Racionais MCS. É preciso mudar. E a renda básica de cidadania é a maneira de se prover dignidade e liberdade a todos, porque ninguém vai sentir vergonha de receber algo que é direito de toda e qualquer pessoa, de partilhar da riqueza da nação. Felizmente o Brasil aprovou a lei. Só falta implementá-la gradualmente. Vocês sabem que será passo a passo, mas quanto mais rapidamente os membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social compreenderem isso, melhor. Eu quero saudar o Ministro Jaques Wagner que, em 1991, disse a mim: “Eduardo, vai em frente e apresenta logo o projeto de garantia de renda mínima porque aqui no partido o pessoal já compreendeu e é preciso levá-lo adiante”. Recomendo a todos que conheçam melhor o projeto de renda mínima. Obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Nós temos, também, uma série de perguntas por escrito que vou tentar coordenar.

Sérgio MiletoCoordenador da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (CIVES)

Sou Sérgio Mileto, coordenador da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (CIVES). Queria agradecer à mesa, ao Conselho, em especial à nossa representante no conselho, Gisela Gorovitz, que tem feito um excelente trabalho de representação. Como cidadão e empresário tenho uma preocupação muito grande em ter o foco no desenvolvimento, o foco nas pessoas. Queria manifestar minha preocupação de tornar esse canal institucional, que realmente eleva civilizatoriamente nosso país, num canal perene. Acho que devemos discutir como tornar essa agenda e esse canal, de forma que ultrapassem esse governo, se tornem perene e que tenham maior participação da sociedade. Que seja discutido nas cidades, nos bairros das grandes cidades. Como tornar isso um canal que leve as discussões e ouça a sociedade como um todo. Minha preocupação também é colocar como este Conselho pode trabalhar as ações governamentais em relação à Agenda. Durante os anos 70 tivemos uma política chamada reengenharia, que, hoje, como empresário, fi co perguntando se não está na hora de fazermos a reengenharia reversa. Quer dizer, voltarmos, esquecermos um pouco o conceito da produtividade como aquele conceito que fala em quantidade de produtos por homem/hora trabalhada. Chegamos a tal absurdo que, em determinado momento, a coisa menos importante na produção é a mão-de-obra. Quer dizer, ouvimos vários elogios à competitividade. Mas o que é competitividade? Precisar de menos trabalhadores e ter uma automação maior? Isso é irreversível? Será que é? Essa irreversibilidade que vemos em longo prazo, qual a visão do futuro que traz? Que

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mundo é esse que estamos construindo, onde, em determinado momento, existia uma publicidade que dizia: “o meu produto é melhor porque não tem a mão humana” e nós conhecemos nas empresas que a mão humana, o trabalho humano, ainda é o melhor trabalho. Nosso produto precisa do ser humano. E como garantir? Queria fazer aqui um apelo: que esse governo, por exemplo, não tome nenhuma decisão sobre a questão da TV digital. Será uma revolução sobre o conhecimento agora, no ano eleitoral, sob pressão daqueles que controlam a informação do país. Não estou dizendo qual é o melhor. Não quero defender nenhum projeto. Mas como tomar uma decisão dessas num ano eleitoral? O que isto vai contribuir para a nossa Agenda? Enfi m, eu gostaria de agradecer e fi car observando com muita atenção o que vai acontecer nas questões e decisões governamentais relacionadas ao que está sendo proposto na nossa agenda. Obrigado.

Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Guido, você tem dez minutos.

Guido MantegaPresidente do BNDES

Bom. Vou comentar as questões referentes à questão social, juntando aí o que disseram o João Bosco e a Sônia. Eu queria dizer que estranhei muito a menção feita aos dados sociais do governo Lula. Acho que está equivocada. Se há um setor no qual foram feitos mais gastos, mais investimentos, foi justamente na área social. Mesmo os dados que Sônia utilizou comprovam que, na área de previdência e assistência social, que inclui o Bolsa-Família, houve um aumento expressivo. Defendo o Bolsa-Família, porque acho que ele não é um programa meramente assistencialista, como alguns querem dizer. Na verdade, é um programa que vem atrelado à educação e à saúde. Ele obriga a família a colocar o fi lho na escola e só paga um percentual maior do programa caso haja comprovação de que os fi lhos estão cursando a escola. Além disso, obriga também as famílias a passarem nos postos de saúde para vacinar os fi lhos. Eu considero esse programa muito efi ciente. Nunca se fez um programa com essa envergadura no país. O governo anterior tinha um programa semelhante, mas era um programa desfocado, porque combinava uma série de penduricalhos, juntava vale-gás com vale-família, bolsa-escola etc. Nós conseguimos fazer uma integração desses benefícios em um único programa. Refi zemos os cadastros que estavam defeituosos e, agora, temos um programa efi ciente que atende a mil famílias. O valor do gasto no programa social, a soma destes que eu mencionei, os penduricalhos até 2002, era de dois bilhões e quatrocentos milhões. O programa do atual governo está gastando quase sete bilhões de reais. E, um bom programa se mede pelos resultados. Não é um jogo de retórica, a gente mede pelos resultados. E, os resultados desse programa apontam para o fato de que três milhões de cidadãos saíram da linha de miséria. Isso é um dado que não é o governo que produziu. O governo tirou da linha de miséria três milhões de cidadãos. Acredito, também, que combinando esse programa com a geração de empregos, que eu mostrei nos gráfi cos que apresentei na minha exposição - e que não são apenas conversa de economista, podem ser comprovados, são dados ofi ciais – o que obtemos é um resultado signifi cativo. Com o aumento do emprego e o aumento de salário mínimo, nós alteramos o índice de Gini e a distribuição da renda. Não sei se alguém contesta o índice de Gini. Pode ser que conteste. Eu já vi de tudo hoje. Até gente contestando estatísticas ofi ciais. Pode acontecer. Mas o índice de Gini foi para uma posição mais favorável. Houve uma desconcentração de renda. Caiu a concentração de renda, o que signifi ca que a base da pirâmide social está recebendo mais apoio e está recebendo mais recursos. A renda do trabalhador está subindo por diversos motivos. A comparação que foi feita aqui no Seminário é estranha. Usam-se os anos de 2001 e 2002, em comparação com os anos 2003, 2004 e 2005. Por que não os três primeiros anos do governo passado com os três primeiros anos deste governo? Quer dizer, a comparação pegou 2001, 2002, os últimos anos do governo anterior, o ano eleitoral, no qual os governos procuram gastar um pouco mais, comparou com os três primeiros anos do atual governo, incluindo 2003 que foi um ano que herdamos um orçamento apertado e que tivemos de reduzir alguns gastos. Eu contesto, por exemplo, que na saúde nós tenhamos gastado menos. Pelo contrário. O orçamento da saúde é o segundo maior orçamento depois da previdência. E sobe corrigido pelo PIB nominal. O PIB nominal subia e era impulsionado pelo IGP, que vocês conhecem muito bem, que é da Fundação Getúlio Vargas. Os gastos com saúde subiram de forma extraordinária de 2003 para 2004. Subiram mais de 10%. Não lembro a cifra exata, mas foi um impacto grande no orçamento. A gente tem que rever os números que foram colocados aqui. Houve aumento ligado à saúde, habitação e saneamento, sim. Houve um aumento muito alto, principalmente no nível do fi nanciamento. As ações de saneamento são promovidas, por um lado, pelo Ministério das Cidades e, pelo outro, pela Caixa Econômica Federal, que faz os fi nanciamentos. Lembro que em 2002 os fi nanciamentos para saneamento foram algo em torno de R$ 280 mil reais.

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Nós triplicamos esse número. Se você quiser, podemos encaminhar esses números para vocês. Não é uma elevação pequena. Nunca houve, nos últimos anos, um volume de fi nanciamento para habitação e saneamento como está havendo neste governo. E a diferença não é de um dígito, não. Estou falando de diferença substancial. Volta a haver fi nanciamento para habitação. Os senhores podem verifi car, tanto no âmbito do setor público, quanto no âmbito do setor privado, inclusive com redução de tributos sobre os insumos da habitação que acabaram de ser anunciados. Os setores de habitação e saneamento estão indo muito bem. Mesmo em relação à questão agrária, eu questiono os resultados apresentados, porque, na realidade, há, também, melhora substancial no governo Lula em relação ao governo anterior. E com assentamentos de qualidade. Aí existe uma diferença que muitas vezes pode escapar ao observador mais superfi cial. No governo passado, se jogava literalmente a população em regiões sem água, sem infra-estrutura, sem condições de trabalho e produção. Este governo teve que recuperar essas populações e dar condições para quer elas conseguissem se tornar produtivas. Os assentamentos, além de serem em volume maior, são de qualidade diferente. Realmente a população está sendo assentada com capacidade de produzir e de trabalhar. Os aposentados, em função do aumento do salário mínimo, tiveram aumentos reais consideráveis e são o esteio da família em várias regiões do país. Na região Norte, o cidadão aposentado é que sustenta uma parte importante do orçamento familiar. Houve uma modifi cação do tempo de aposentadoria. Antigamente o cidadão só poderia se aposentar com sessenta e sete anos. Passou a se aposentar aos sessenta e cinco anos, e está sendo assistido. Está nas contas do Estado. Portanto, eu contesto essa visão de que os gastos sociais caíram. Pelo contrário. Os gastos sociais aumentaram em praticamente todos os itens. A saúde se move pelo PIB nominal. Então não tem como cair. Se o PIB subiu, despesa com saúde, obrigatoriamente, compulsoriamente, tem que subir. Se o governo quisesse baixar, não poderia. Os investimentos em saúde têm que subir. E subiram, sim, consideravelmente. Você pode questionar outros aspectos deste governo, mas não na área social. Eu diria que há uma harmonia do gasto social com, por exemplo, o superávit primário. Nós temos uma situação no Brasil de responsabilidade fi scal junto com responsabilidade social. Nós conseguimos isso. E temos uma melhoria nítida da situação do grosso da população brasileira.

Clemente Ganz LúcioConselheiro do CDES

Selecionei, para esclarecer agora, duas ou três das questões colocadas para o Conselho. Depois respondo questões específi cas por e-mail ou pessoalmente. A primeira questão refere-se ao papel da Agenda, que tem três dimensões:

a) Na sua construção, buscou-se responder ao desafi o colocado pelo Presidente da República: a partir do mosaico de visões, representações, entendimentos da realidade brasileira, quais seriam os caminhos possíveis de serem trilhados, para que o Brasil entre em uma rota de desenvolvimento de longo prazo?

b) A Agenda tem por objetivo orientar o próprio trabalho do Conselho. Amanhã, por exemplo, o Conselho vai tratar especifi camente da educação – uma das questões estruturais elencadas na Agenda – com ênfase na qualidade da educação. Assim, entende-se que o investimento em educação, ciência e tecnologia fazem parte da centralidade do desenvolvimento, de acordo com os aspectos que já foram destacados aqui pelos debatedores.

c) De uma vasta gama de opções que poderiam ser adotadas, a Agenda indica, na visão dos conselheiros, um conjunto de diretrizes ou escolhas com maior potencial ou força de transformação, no sentido de criar um ambiente favorável para o desenvolvimento.

d) A terceira dimensão da Agenda está na promoção de debates com a sociedade, feitos de forma continuada pelo Conselho – com mobilização de organizações, interesses, personalidades – colocando o debate do desenvolvimento e da distribuição dentro de uma visão estratégica.

Nesse sentido, o Conselho deliberou sobre a proposta de criação do Observatório da Eqüidade, cujo objetivo é verifi car como o conjunto das políticas públicas implementadas, e as ações dos setores privados, contribuem para a promoção da igualdade. É um instrumento que visa subsidiar o trabalho do Conselho. A concepção deste observatório tem por princípio a construção de redes de organizações que estejam atuando em diferentes campos da sociedade brasileira e que queiram interagir com a Agenda Nacional de Desenvolvimento, buscando criar entendimento, avaliação, elaboração de propostas alternativas em diferentes ângulos, desde o nível micro ao nível macro, das políticas de desenvolvimento. Então, a Agenda é, também, um instrumento de diálogo com as organizações da sociedade, visando aperfeiçoar e aprimorar o próprio trabalho do Conselho.

Há uma questão específi ca sobre micro e pequena empresa e destaco que este tema está presente em todas as diretrizes do Conselho, em diferentes esferas. Ainda no primeiro ano, o Conselho teve um trabalho importante relacionado à elaboração das leis de amparo à micro e pequena empresa.

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Por fi m, gostaria de dizer que a Agenda foi elaborada em consonância com os outros instrumentos de planejamento do governo, em particular o PPA, o Brasil em Três Tempos (programa coordenado pelo Núcleo de Gestão e Estratégia – NAE) e a Agenda 21, incorporando as metas do milênio como elemento de visão estratégica para o país. Ou seja, várias referências foram consideradas para a elaboração da AND.

Entretanto, sabíamos, também, que esta não era uma agenda de planejamento global, nem de planejamento de governo. A Agenda era uma escolha política feita pelos membros do Conselho, no sentido de identifi car ações que o país, os governos e o setor privado têm que fazer para consolidar o desenvolvimento do Brasil. Assim, foram feitas escolhas que estão presentes nos instrumentos de planejamento e que, na visão dos conselheiros, são diretrizes com o potencial transformador da realidade brasileira e, portadoras de futuro e desenvolvimento. Obrigado pela atenção de todos.

João Paulo dos Reis VellosoEx-Ministro de Planejamento, Membro Diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE)

Vou concentrar meu comentário na idéia do crescimento com inclusão social. Começarei fazendo uma referência à situação de favelas e periferias urbanas, que cada vez se torna um problema mais complexo porque estão envolvidos o narcotráfi co e o crime organizado. O ponto básico a colocar aqui é o seguinte: temos que levar oportunidades aos habitantes das favelas e periferias, particularmente aos jovens. Temos que levar políticas sociais. Favela é um bairro da cidade. E essa que é a idéia. É um bairro como outro qualquer. Digamos um bairro pobre. Não pode ser essa história de cidade partida. Temos que levar educação, saúde, saneamento, e não é só urbanização. Temos que levar cultura, esportes, oportunidades de emprego. E aí passamos à questão da inclusão em geral, com a observação de que nas condições atuais da economia moderna, com novo paradigma industrial e tecnológico, há um problema complexo. É preciso ter crescimento, mas talvez o crescimento não seja sufi ciente para gerar a quantidade de empregos necessária. Não é como no paradigma industrial e tecnológico anterior. Vimos o que aconteceu, principalmente nos anos noventa. O emprego cresceu para baixo. Vamos procurar ter um tipo de crescimento que seja mais rico em empregos, dando ênfase, por exemplo, à pequena empresa como estratégia geral do desenvolvimento. E quando digo pequena, quero dizer micro, pequena e média empresa. Temos que procurar as políticas especiais de emprego, principalmente políticas em nível local. É preciso que a União entenda a necessidade de dar apoio a estados e municípios nessas políticas locais. Em parte, podem ser fi nanciados pelo BNDES ou pelo Banco do Brasil. Tivemos aqui uma referência a um tipo de programa do Banco do Brasil. Mas é preciso usar criatividade, porque realmente há um grande perigo: de que o crescimento, mesmo o mais elevado, não seja sufi ciente para gerar os empregos de que nós precisamos. Era essa a principal observação que eu queria fazer. Muito obrigado.

Maria da Conceição TavaresEconomista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

O.K., meus queridos. A lista de perguntas que eu tenho é enorme. Além disso, gostaria de comentar as observações feitas por algumas das pessoas que falaram como conselheiros antigos e novatos dessa mesa. Há dois pontos que foram aqui levantados. Um, de viva-voz, pelo João Bosco e outro por escrito por uma moça que está ligada à Secretaria Especial de Política para as Mulheres. Evidente que a razão fundamental do meu ponto de vista, posso estar enganada, é de que nem as mulheres e nem os homens negros, como diz o IBGE, têm predominância em posições de liderança e fazem parte de classes subordinadas, espoliadas, maltratadas, desde sempre. Evidente que Dr. João Bosco, é exceção. Eu e a Sônia Fleury, também somos vanguarda, imagina, somos da antiga. Entre os economistas, eu jamais fui matemática. Lembro que debochávamos da matemática aplicada à economia, mas reconheço que fazia sucesso. Eu continuo achando que não é nada divertido, porque realmente cabeça de planilha e de contadores, eu já estou de saco cheio há muito tempo. Como eu não me incluo nas suas críticas, eu me sinto à vontade para responder ao Dr. João Bosco.

Vamos lá: afrodescendentes e mulheres são heranças históricas longas. Longas, no sentido de longa duração, não pertencem a nenhum governo. Curta é dos anos 30 para cá. Nosso Congresso tem uma grande peculiaridade, fazem inúmeras leis não aplicáveis e está cada vez mais privatizado, no sentido de que os lobbies, os grupos de interesses, o aumento da participação dos que são chamados de “baixo clero” – parecem vereadores que tem de ter um pedacinho de estrada, ou coisa assim – dominam o cenário. Portanto, é difícil atuar como parlamentar. Eu fui deputada e vi. É difícil você, realmente, a partir do Congresso Nacional, ter iniciativas que não sejam de uma constituinte.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES112 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Está claro? Essa sim, é uma iniciativa pesada que às vezes provoca mudanças. Mas, nem assim muda com certeza. Nós fi zemos a Constituição de 88 e eu no meu mandato, tentando impedir - de luto, de bandeirinha ou com o que vocês quiserem imaginar - a reforma econômica que queriam implantar, começando depois de uma da seguridade social. Não adianta dizer que o Estado e a sociedade civil são entes abstratos. Quando eu digo democratizar o Estado e ampliá-lo é, em todos os seus segmentos, e isso leva evidentemente uma ou mais gerações. E agora não se trata apenas de ter uma meritocracia que no momento é duvidosa, de uma geração de 38 a 40, realmente pretensiosa e que não corresponde em nada à geração sobre a qual o Ministro Velloso se referiu. Eu podia ser de esquerda, mas o professor Bulhões jamais me discriminou porque ele era um liberal conservador. Um liberal que dava direito que eu dissesse o contrário do que ele dizia.

A verdade é que a situação no país está muito ruim. Imagine que eu tenho sido consolada pelos velhos conservadores. Agora predominam os neoconservadores, que são muito piores. Vários deles eram congressistas. Eu não admito essa choradeira, quando quase todos os quadros dirigentes desse país lutaram contra a ditadura. Naturalmente não estou falando do Antônio Carlos Magalhães, mas sim dos velhos quadros progressistas e liberais. Aquele é mais velho do que eu, mas não adianta porque não se emenda mais. Mas, claro, assim como eu também não me emendo mais. Então não é disso que estou falando, estou falando que o Estado foi desmantelado em vários níveis, desde as suas burocracias funcionais até a questão da redemocratização e das privatizações. Esta é uma luta ampla, que cabe a todos, naturalmente cabe em particular hoje aos que estão ocupando os postos a qualquer nível.

Dra. Fleury, é evidente que prefi ro políticas universais a políticas focalizadas. Deus sabe que prefi ro, e até briguei, até cheguei a insultar uns meninos da Fazenda que eram muito hábeis, acabei chamando-os de sei lá o quê. É melhor nem repetir, coitado do sujeito, também jovem, também da Fundação Getúlio Vargas. Mas a Sônia não, continua entre os progressistas. Imagine agora os da “casa das garças”, que hoje já não são meus amigos. Eles eram fantásticos, mas agora fi ca difícil chamá-los de amigos. Também até porque eu não consigo, estar contra a minha natureza. Ou fazemos amigos, companheiros de jornada que vão à mesma direção ou fi ca difícil. É porque minha vida é tão ligada à economia e à política, tão ligada que não tem jeito, e apesar de não ser tão ligada aos movimentos sociais, reconheço que só um governo popular permite que eles se manifestem. Reconheço agora uma terceira coisa, que a Sônia não falou. Sem querer, olha o que o Velloso falou agora: nós devemos, nós quem? A elite? Acho que o povo deveria se organizar e lutar. Se vocês imaginam que algum burocrata pisa nas favelas do Rio de Janeiro na situação que estamos, estão brincando, evidentemente. Sabem quem pisa? Os da saúde e da assistência social, esses pisam, pedindo licença para o tráfi co. Mas eles deixam, porque eles sabem que é para cuidar da saúde e da assistência dos infelizes.

Um ponto é que o Estado chegou a tal ordem que perdeu o controle de territórios, nem falemos na fronteira, na Amazônia. Não, territórios urbanos, estou de acordo de que a situação nas metrópoles é gravíssima. Não vou ler aqui os seminários que pretendemos fazer no Centro Celso Furtado, mas isso será objeto de um bom debate, assim como a questão agrária. Alguém me perguntou se a reforma agrária continua viva? Penso na questão metropolitana, e como não fi zemos a reforma agrária nós mandamos milhões e milhões de expulsos da terra para as periferias das cidades, e rápido. Como é muito rápido, vocês podem imaginar as camadas e camadas de infelizes lá precipitados, onde aí, Paulo Vellinho, é muito difícil haver vencedores. Eu também estou de acordo de que o mundo se divide em vencedores e perdedores, mas no Brasil os vencedores são sempre da mesma linhagem, ou família ou de peso econômico, ou de peso fi nanceiro ou de peso na mídia. Estou excluindo o Dr. Vellinho que conheço pessoalmente. Ele não lembra mais desses programas, alguns dos quais escritos pela nossa gente de Campinas, que ele leu e assinou. Por conseqüência, o Dr. Velhinho em particular, é de minha estima, ao contrário dos novos, que ultimamente, não são muito estimáveis.

Sônia, tem um outro problema: como o Estado não dá conta, há o terceiro setor, o qual apesar de fazer uma força enorme para implementar programas sociais, que em última instância dependem de recurso do estrangeiro ou do próprio Estado, criam muitos obstáculos para que possam trabalhar, fi ca complicado. Eu tenho visto vários deles reclamarem da sua impossibilidade de levar adiante os programas que dependem de recursos ou do Tesouro, ou de algum comportamento social das grandes estatais que lhes dão recursos, por exemplo. Trata-se de uma política de redistribuição de poderes e atribuições, mas que todos pertencem a eles, às elites dominantes. E nem sempre essas organizações têm a simpatia das elites dominantes. Eu não acredito, Sônia, que só as políticas universais, das quais sou fã incondicional, dependem da economia. Se for o caso, eu cito Cuba que está muito mal economicamente, mas ninguém morre de fome, mal-e-mal, mas tem saúde e educação. Mas está fora de moda, é uma pequena ilha em decadência. Ninguém mais sabe do que se trata o socialismo e a própria social democracia entregou os pontos e virou neoliberal. Nós estamos vivendo uma época de grandes transformações no capitalismo mundial, todos na direção da desregulação, estado mínimo, não intervenção. Resultado, mesmo um país grande como os Estados Unidos, agora têm uma boa parte do terceiro mundo dentro deles. Ou seja, Furtado não tinha idéia de quanto ia

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se reproduzir o subdesenvolvimento mundialmente. E é um problema de consciência coletiva, e cuidado com a linguagem Velloso, desculpe, eu sei que é um homem de boa fé e de boas intenções, sempre me protegeu, sempre trabalhei com ele. De vez em quando irritava lá os homens da segurança. E ele dizia, ela é de esquerda, meio maluca, mas ela é esforçada, ela é honesta. Devo, talvez, aos dois trabalhar no setor público no fi nal da ditadura, senão teria sido posta para fora. Como se vê, até para isso é preciso padrinho. Isto é realmente a nossa sociedade. Logo, não é uma sociedade humanitária, não é uma sociedade democrática, e é por isso que eu ponho ênfase nestes aspectos e não na ordem e progresso. Porque de ordem e progresso nós tivemos uma centena de anos.

O Brasil cresceu muito bem, obrigada, deu lições ao mundo, não foi por pouco tempo, foi bastante, mas faltou ordem democrática. Agora, se para se botar ordem precisa de uma ditadura, fi ca bravo. Então nós temos que agüentar o confl ito, a arbitragem social. Isto foi dito não sei por quem agora, que devia se manter a maior participação da sociedade nesse projeto da Agenda do Desenvolvimento. Deve mesmo, mas tem poucos representantes dos oprimidos aqui, deveria aumentar o número de representantes dos oprimidos, mesmo quando eles não falam de economia, mesmo quando o ‘economês’ seja ininteligível, todos falamos a mesma língua. Eu não falo a língua das favelas, eu nem entendo direito o que dizem os raps, está claro? Mas eu tenho simpatia, hoje são músicos. Para entendê-los eu preciso que meu neto decodifi que para mim. Já estou num nível que meu neto tem que decodifi car a nova música e as maluquices do Orkut e outras gracinhas a mais. Eu sou francamente obsoleta, mas espero que haja, neste particular, uma revivência dos obsoletos, todos progressistas e conservadores eram melhores do que os que hoje estão aí: novos progressistas e conservadores não estão me agradando muito. Mas é claro que cada um tem o direito de defender ou reclamar de sua geração.

Outra coisa que me foi perguntada é sobre a maldita síndrome macroeconômica que começou na década de 70, quando tentaram captar recursos externos para fi nanciar o nosso desenvolvimento. Alguns advogam que se a taxa de juros interna subiu nas alturas, o que todo mundo dizia, é que captamos para investir. O México captou para torrar, a Argentina captou para torrar, o Chile captou para torrar claro, essa é a verdade. Nós gostamos, nesse país de desenvolvimento, das forças produtivas e não há evidências do contrário. Nós temos uma vocação produtivista, uma vocação para o progresso material, nós não temos vocação é para o progresso social. Essa que é a questão. Não temos nem para a democracia, não temos mesmo, está claro? Logo, esta luta é contínua e começou agora, está claro? O Dr. Fernando Henrique, no seu governo montou essa síndrome macroeconômica da qual não nos vemos livres. Claro que conseguimos, e é verdade o que disse o Guido, conseguimos, como eu havia dito, tirar a barreira principal para o desenvolvimento material, que é a vulnerabilidade externa: diminuímos a dívida, vamos pagar a dívida velha, estamos conseguindo nos endividar a prazos mais longos com taxas de juros menores. O que me preocupa é o seguinte: podemos evidentemente voltar à estupidez. Qualquer governo novo pode resolver se endividar outra vez até as orelhas, tanto externa como internamente que foi o que o brilhante sociólogo, meu ex-amigo, um dos homens mais inteligentes desse país fez.

Graças a Deus, uma vez eu perguntei ao Bispo, chefe da CNBB. Estávamos fazendo uma discussão que eu tinha uma grande difi culdade de perdoar o Fernando Henrique e ele me respondeu o seguinte: você nem é Deus e ele sabe o que faz. Então ele acertará contas com Deus, não com você. Disse, perfeito, eu fi quei tranquila e dali em diante ele acertará com o Criador e com os seus discípulos, comigo não. Seguramente não é uma pessoa desinformada, nem desinteligente, e não dá pra dizer que o Malan fez o que fez sem o conhecimento dele (FHC), que, aliás, é outro progressista. Esse negócio de ser Ministro da Fazenda é brabo. Você entra no Banco Central ou na Fazenda e é difícil ser progressista. Sobretudo quando você tem encrenca macroeconômica do tamanho que a gente tinha e ainda tem. Desmontar essa armadilha é brabo. Então como é brabo, fazemos força nessa direção, mas é só disso que se trata, quer dizer agora somos socialistas macroeconômicos? Imagine, estamos brincando? Eu não. Eu quero que avance não apenas no desenvolvimento das forças materiais como e fundamentalmente na direção daquilo que o Furtado chamou de desenvolvimento, senão eu minto. Ele escreveu em 1961 O Desenvolvimento e Subdesenvolvimento e em 1974 escreveu o livro sobre Mitos do Desenvolvimento. Recomendo a leitura desse último, porque está voltando tudo de novo. Foco no desenvolvimento das pessoas claro, mas o foco tem que ser no desenvolvimento pelas pessoas. Não há nenhum Estado que possa resolver o desenvolvimento das pessoas a não ser os estados autoritários, lembre a Alemanha de Hitler, lembre o Vargas. Estou falando sim, as pessoas têm que participar desse fórum e ampliá-lo. Nós todos temos que abrir o horizonte, ter dúvidas e examinar esse período de transição que está muito confuso, muito complexo. Não temos que ter idéias fi xas sobre números que é para defender e atacar o governo. Os que defendem têm números, e os que não defendem fazem de conta que os números não existem. Aí, Sônia, os números estão aí, goste você ou não e são melhores que os do governo Fernando Henrique. Ora paciência, eu digo, e daí? A questão é daqui para frente. Estamos numa transição democrática que já tem tantos anos, quanto o período de ditadura, é uma vergonha. Nós temos que ser, em primeiro lugar, democratas, aperfeiçoar as instituições republicanas, fazer com que os poderes nesse país, que estão privatizados até as orelhas, sejam redemocratizados. Que se permita que a cidadania em todos seus poros, pressione para que isso ocorra.

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Jaques WagnerMinistro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais

Bom. Obrigado, Conceição. Eu quero lhe dizer que fui mais que democrata. Fui liberal. Eram dez minutos e você falou vinte. Mas como todo mundo estava feliz, eu achei que era impróprio cortar a felicidade de te ouvir. Em primeiro lugar quero agradecer a Conceição, ao Velloso, ao Guido e ao Clemente por essa nossa mesa da manhã e dizer que vou pegar só dois pontos que o Ministro Velloso falou e que tenho insistido desde que a gente chegou ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A tarefa, a maior desse Conselho, para mim, é buscar uma visão de médio e longo prazos, sem nenhuma obstrução do debate atual. O Velloso falou que, para saber onde a gente quer chegar, temos que ter as estratégias de desenvolvimento. O dia de hoje é mais um passo desse processo na tentativa de se ter uma visão de médio e longo prazo, para poder sugerir ao governo, não somente esse que aí está, porque espero que realmente que o Conselho se perenize como instrumento de aprofundamento da democracia e de uma democracia participativa mais direta. Segundo acho que o Conselho também tem a oportunidade de trabalhar no sentido contrário e até num ambiente de resistência. Eu acho que a gente passou por determinados momentos onde determinados valores, ferramentas, instrumentos da economia, aos quais todos tivemos que nos curvar. E creio que os números que foram colocados aqui apontam, no seio do governo, o conceito que só vale a pena se o que estiver fazendo em nível da economia, esteja a serviço do conjunto da sociedade. Solicito aos debatedores que remetam via endereços eletrônicos as respostas que não puderam ser dadas aqui. Só lembro que foi nesse governo que a gente criou no Ministério do Trabalho uma Secretaria de Economia Solidária. Temos resultados positivos nessa área de recuperação de cooperativas de auto-gestão. Fizemos um trabalho olhando para lei geral da micro e pequena empresa, que deve estar entrando em votação agora, nessa semana ou na semana que vem, coincidindo com a fala do Ministro Velloso. Temos consciência da importância da sustentabilidade desse setor, e da necessidade de alavancá-lo. Estamos com a lei geral onde esse conceito contribuiu fortemente, provocando inclusive debates que ultrapassaram as categorias conhecidas por nós micro e pequenos empresários. Estarei me afastando do Conselho no fi nal desse mês. Quero dizer que nós cumprimos um papel que eu considero excepcional, porque isso aqui, para mim, é fermento. Está muito longe da gente imaginar que estamos num padrão que nos atende e nos satisfaz. Mas tenho insistido que o objetivo maior tem que estar traçado para que a gente possa animar a caminhada. Acho que é importante que na expectativa da chegada, a gente não despreze as curvas do caminho que estamos trilhando. Acho que estamos trilhando curvas boas. Em algumas derrapamos. Mas creio que no que está sendo fermentado na sociedade brasileira. Como acredito no processo de diálogo quero agradecer a presença de todos. Obrigado para quem à tarde estiver de volta.

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Mesa-Redonda II: O desenvolvimento em perspectiva histórica e internacional

Expositores:1. Paulo Godoy - Conselheiro do CDES2. Del� m Netto - Deputado Federal3. Jan Kregel - Economista Chefe da DESA/ONU4. Ha-Joon Chang - Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra5. Fernando Pimentel - Prefeito de Belo Horizonte

Paulo GodoyConselheiro do CDES

Boa tarde a todos. Gostaria de inicialmente agradecer, novamente, àqueles que já estiveram na parte da manhã, e que permaneceram, e àqueles que se incorporaram ao seminário agora na parte da tarde. Especialmente agradecer os nossos convidados que serão, oportunamente, apresentados pelo nosso moderador. Quero dizer da satisfação de termos concluído esta decisão de confeccionar a Agenda Nacional do Desenvolvimento para o CDES e a oportunidade de trazer o debate a público, sobre as perspectiva de desenvolvimento, à sociedade brasileira. Creio que o desenvolvimento sustentado é o caminho para resolver todas as pendências e lacunas na atividade econômica mundial. Certamente é por meio do desenvolvimento é que nós vamos encontrar os caminhos para resolver as lacunas, a distribuição equivocada de renda e todas as mazelas das carências, que nós ainda temos que enfrentar. Essa convicção é que uniu o conselho do CDES, um conselho plural, mas que encontrou, neste tema, uma convergência inequívoca que é a busca do desenvolvimento. Nesta oportunidade, quero cumprimentar a todos que organizaram o evento, tanto pela qualidade das pessoas que passaram pela manhã, e agora essa grande oportunidade de ouvirmos um pouco da experiência de quem estuda e participa de estudos internacionais, de experiências de países que buscaram o crescimento sustentado como o objetivo fi nal. Claro que é sempre um prazer para todos nós termos, também, a oportunidade de ouvir o nosso Ministro, deputado e, acima de tudo, o mestre, Professor Delfi m Netto. Agradeço a todos, esperando que tenhamos aqui uma tarde proveitosa. Passo a palavra ao prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que vai então mediar o trabalho na parte da tarde. Muito obrigado.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Boa tarde a todos, amigos e amigas que nos dão a alegria da presença aqui hoje. Quero saudar, em primeiro lugar e com muito carinho, o conselheiro Paulo Godoy e, na pessoa dele, todos os conselheiros componentes do CDES. Desde já me congratulo com todos pela iniciativa desse seminário. Certamente será muito proveitoso para o debate que hora se trava no país em torno da Agenda Nacional de Desenvolvimento. Quero saudar nossos convidados de hoje, que vão ser palestrantes aqui: deputado Antonio Delfi m Netto, que todos conhecem, foi Ministro de Estado, foi Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, foi Embaixador do Brasil na França, Ministro de Estado do Planejamento, é Professor de Economia da USP; ao Professor Jan Kregel, atualmente economista chefe do DESA da ONU, trabalhou como especialista de alto nível e é um dos principais nomes entre os teóricos da economia mundial, tendo trabalhado em macroeconomia e em estudos sobre desenvolvimento econômico, ao lado de grandes mestres; quero saudar, também, a presença e a palestra do Professor Ha-Joon Chang, coreano, um dos nomes mais proeminentes na Escola de Economia da Universidade de Cambridge, cuja principal especialidade é a política industrial para a economia do desenvolvimento e a economia mista. Determina o cerimonial que eu desde já fi xe o tempo da exposição de cada um dos expositores. Esse tempo será de trinta minutos para os dois convidados internacionais, e de vinte minutos para o deputado Delfi m Netto, embora eu considere uma injustiça ao deputado, dada a sua trajetória e seu notório conhecimento sobre o Brasil. Mas, enfi m, é o que está fi xado aqui. Após essas intervenções, abriremos o debate com perguntas por escrito e respostas unifi cadas por blocos de questões. Pela ordem, o Professor Jan Kregel para sua exposição.

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Jan KregelEconomista Chefe da DESA/ONU

Boa tarde. Estou muito agradecido de estar novamente em Brasília, especialmente honrado de estar nesse Seminário e, também, de estar na presença de mestres ilustres da teoria e da política do desenvolvimento. Quero começar dizendo que nada que eu disser deve ser representado como a política ou a opinião das Nações Unidas. Gostaria de começar fazendo um sumário curto sobre o pensamento atual do desenvolvimento dentro do processo das Nações Unidas. Vocês estão provavelmente cientes da Declaração do Milênio, que levantou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Vocês estão provavelmente também cientes da Conferência Internacional de Financiamento para Desenvolvimento. Minha função atualmente é, de fato, ser o administrador do que agora chamamos de Parceria de Desenvolvimento Global. Em setembro, as Nações Unidas completaram a Cúpula Mundial de 2005, que era não somente uma conferência seqüencial à Declaração do Milênio, mas, também, uma conferência mais geral, lidando com o modo como as Nações Unidas trabalham com os problemas de desenvolvimento e a interação entre desenvolvimento e outros aspectos de segurança internacional e direitos humanos. Se olharmos para a implementação dos Objetivos da Declaração do Milênio (ODM), que é um dos nossos objetivos atuais, estamos muito agradecidos por notar que o Brasil, se não estava um passo à frente, estava passo a passo com as Nações Unidas com os planos da Bolsa-Família, e o programa Fome Zero. Os dois, mais ou menos, diretamente relacionados aos ODM. Ao mesmo tempo, estou honrado e agradecido de ter sido o representante na Ação Contra a Fome e a Miséria, originalmente proposta pelo presidente Lula, para tentar estender o Programa Fome Zero a um nível internacional. Só recentemente completamos uma conferência ministerial em Paris, na qual os frutos dessa iniciativa começaram a gerar recursos adicionais para o fi nanciamento ao desenvolvimento. O documento gerado na Cúpula de 2005 se deslocou substancialmente, além do Consenso de Monterrey e da Declaração do Milênio. Primeiro tentando colocar igualmente todos os compromissos de governo que foram assumidos nas várias Conferências de Alto Nível nas Nações Unidas. Vocês talvez se lembrem da Cúpula do Rio, que lançou a iniciativa de desenvolvimento sustentável. Várias dessas conferências aconteceram lidando com aspectos de gerar, e outros aspectos de desenvolvimento, que não foram sempre diretamente representados na Declaração do Milênio. O documento da Cúpula de 2005 tenta introduzir o conceito do que chamamos agora de Os Objetivos de Desenvolvimento em Consenso Internacional, para poder ampliar o escopo desses objetivos que são representados nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Isso é uma tentativa de mudar a ênfase de simplesmente tentar providenciar soluções para problemas específi cos, que países em desenvolvimento estão encarando, para a análise do próprio desenvolvimento de uma forma geral e a identifi cação do que, nesse documento, são chamadas de Estratégias de Desenvolvimento Nacional. Nesse sentido, é muito interessante participar desse debate sobre a Agenda Nacional de Desenvolvimento do Brasil. Isso é precisamente o que o documento da Cúpula havia sugerido e indicado. O que os países em desenvolvimento deveriam estar fazendo para satisfazer um dos requisitos básicos de qualquer estratégia de desenvolvimento. E o argumento é que, em primeiro lugar, qualquer estratégia deve ser nacional. Ou seja, deve ser o resultado de colaboração, discussão e contribuição de todos os membros da sociedade - precisamente o fundamento da reunião que estamos tendo hoje, e o fundamento para as discussões sobre a Agenda de Desenvolvimento Nacional. É algo que consideramos ser crucialmente importante na elaboração de estratégias de desenvolvimento nacional dentro do contexto de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e os Objetivos de Desenvolvimento em Consenso Internacional. Agora, se olharmos o aspecto desse debate em particular, estou feliz de confi rmar o que o ministro Jaques Wagner sugeriu essa manhã: há agora um programa em andamento entre o Conselho e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (DESA) para construir e observar a experiência aqui do Conselho (CDES) para depois, tentar estender isso para outros países da América Latina. Isto é, tentar usar o caso brasileiro como um projeto piloto, que pode depois ser aplicado nas experiências de outros países da América Latina, para formar uma maior fundação social para as políticas de desenvolvimento, que são de fato implementadas pelo governo.

Agora que vocês já estão familiarizados com o enfoque adotado no Consenso de Monterrey, vão notar que eles deram grande ênfase foi no que chamamos de mobilização de recursos domésticos. A mobilização de recursos domésticos é baseada na idéia de que os verdadeiros fundamentos para o desenvolvimento econômico advêm de recursos domésticos. Isto é, a idéia de que os países têm de fato recursos domésticos substanciais, que eles não estão explorando completamente e, a primeira prioridade deveria ser tentar identifi car estratégias para desenvolver completamente os esses recursos. Se olharmos para o enfoque básico, para a teoria de desenvolvimento, que foi feita na América Latina, ela se construiu muito próxima à tese que foi, primeiramente apresentada por Raul Prebisch e depois por Celso Furtado. Os dois estavam trabalhando no Comitê das Nações Unidas para a América Latina. Essa tese, em particular, se constrói sob a tese de que os países não são iguais. Que esses países devem se desenvolver levando em consideração as suas próprias e particulares condições históricas, e devem construir suas estratégias a partir dos vários aspectos e mudanças que aconteceram com o tempo. Uma das coisas mais interessantes sobre a história do desenvolvimento da América Latina é que, em geral, foi diferente da experiência de desenvolvimento tanto dos países asiáticos, quanto dos países africanos em desenvolvimento. Listei várias coisas muito interessantes,

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mas não temos tempo de falar de todas elas. Se olharmos para as políticas de desenvolvimento da América Latina, veremos que elas têm sido extremamente voláteis. Mais tarde podemos falar da volatilidade de taxas de câmbio, ou das taxas de juros. Mas, basicamente, as estratégias de desenvolvimento na América Latina têm sido extremamente voláteis pelo motivo básico de que a história da América Latina começou com o que inicialmente eram colônias inteiramente integradas, fazendo comércio com as economias desenvolvidas dos europeus, subseqüentemente se tornando democracias independentes, ainda baseadas em padrões de comércio extremamente abertos. E depois, na virada do século, se tornando economias muito mais fechadas, o que chamamos de “estratégia de desenvolvimento votada para dentro”. Subseqüentemente, ainda no século XX, retornaram a estratégias baseadas em uma maior exposição ao comércio internacional e em uma produção bem afi nada com o papel do Estado.

É crucial, lembrar que, para quase todos os países em desenvolvimento na América Latina, o que agora chamamos de O Consenso de Washington, foi supostamente o modelo seguido em resposta à crise de 1980, como eu acho que a Conceição mencionou esta manhã. De fato o modelo teve suas raízes nos anos 1960, na Argentina, no Brasil e no México. Isto é, você pode verifi car documentos políticos muito claros que se expressam da mesma forma que O Consenso de Washington. Então, uma das difi culdades que tem atrapalhado o desenvolvimento latino-americano foi esse troca-troca entre políticas diferentes que criou difi culdades e um dos objetivos de políticas de desenvolvimentos, eu diria, um dos objetivos da Agenda de Desenvolvimento, é tentar alcançar um acordo em torno de uma política de desenvolvimento que possa ser permanente. Isto é, uma política de desenvolvimento que irá além do atual governo e que irá de fato.

E agora, voltemos à ligação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Iremos pelo menos até o ano 2015 ou além, então o que estamos procurando são os aspectos fundamentais de que a estratégia de desenvolvimento requer para ser mais ou menos permanente ao longo do tempo, para poder permitir que os parceiros possam tomar decisões presumindo que as estratégias não irão mudar quando o próximo governo chegar no poder. Se olharmos para as premissas tradicionais que são normalmente aplicadas à teoria do desenvolvimento: falta de recursos internos; falta de poupança doméstica; necessidade de recursos externos; necessidade de capital estrangeiro; necessidade de economia aberta para atrair investidores estrangeiros; só há uma que eu irei enfatizar diretamente, a primeira premissa – a da falta de recursos domésticos. As demais premissas, é claro, também têm inúmeras implicações: por exemplo, se faltam a esses países reservas domésticas é necessário contar com reservas externas ou empréstimos externos. E para fazer isso, é necessário que a economia tenha mercados de capitais abertos e permita movimentos livres de capitais para o país. Contudo, como sugerimos esta manhã, e pela experiência que nós vimos, primeiro de tudo, à maioria dos países Latino Americanos não faltam recursos, não seriam colônias se faltassem recursos. A maioria das economias é extremamente rica em recursos domésticos, então a questão é de fato, como eu sugeri mais cedo, não de tomar emprestado recursos externos. A questão é tentar mobilizar recursos domésticos para que, então, quando estivermos olhando para a confi ança/desconfi ança do capital externo, contando com reservas externas, estaremos sempre na perspectiva de tentar mobilizar recursos domésticos, ao invés de tentar tomar emprestado recursos do exterior. Há uma razão muito simples para isso, e a razão é que se os recursos externos não forem usados para mobilizar recursos domésticos, então os recursos estrangeiros nunca poderão ser quitados. E aí surgem os problemas que enfrentamos na crise dos anos 1980, e caímos nas difi culdades, muito similares, que encontramos no Brasil e na Argentina nos anos 1990. Então, se olharmos para a posição desse fundamento, queremos ser claros que não é necessário para as economias contar com empréstimos de recursos externos. Um bom amigo meu, o antigo ministro das fi nanças Bresser Pereira, adotou agora uma posição que eu acho que é muito próxima à posição das Nações Unidas. É a de que todos os países, se possível, devem eliminar sua dependência do capital estrangeiro, e com isso, a dependência de dívidas externas, a não ser que exista um programa bem defi nido e claro para utilização do empréstimo que permita a mobilização de recursos domésticos que como conseqüência gere uma renda crescente e uma crescente capacidade de exportação com a qual se possa quitar a dívida externa.

No caso brasileiro é possível observar as vantagens que o Brasil desfruta e que freqüentemente nós não as consideramos e por isso subestimamos o potencial de crescimento do país. Por exemplo: a grande extensão geográfi ca; a grande população; os recursos naturais – solo e minerais; o grande potencial de mercado interno; a indústria de base; a tecnologia de base etc. Em geral, subestimamos o potencial dos recursos domésticos por conta da idéia de que é difícil mobilizar esses recursos. Se olharmos para os recursos domésticos, para poder fazer um sumário básico, o que eu sugiro é que a maioria dos países em desenvolvimento tem algum grande recurso doméstico não explorado – a sua população. A mão-de-obra é o recurso natural mais importante de um país. Assim, os altos índices de desemprego que existiram historicamente representaram desperdício para a economia doméstica, não só de receita doméstica, mas também de reservas domésticas. Então, as políticas empregatícias têm que estar no coração de qualquer estratégia de desenvolvimento de longo prazo. Isto é, tentar prover elevados índices de emprego, que é a base do alto crescimento da produtividade. Alto índice de emprego é a base para alto crescimento da renda per capita. Assim, política de emprego é antes de tudo política de desenvolvimento. É a chave para: reduzir a pobreza; reduzir a desigualdade; reduzir a dependência de recursos externos; reduzir a dependência da demanda

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externa. O segundo recurso natural chave que existe na maioria dos países é o conhecimento básico que a população desfruta. Nós ouvimos essa manhã o Reis Velloso falar sobre a economia baseada no conhecimento e na necessidade de explorar a base de conhecimento existente. Se olharmos para os recursos domésticos, basicamente os melhores recursos domésticos que temos disponíveis, as estratégias a serem adotadas são: primeiro, o emprego da população e a geração de renda; segundo, a aplicação da quantidade de conhecimento técnico disponível. É a quantidade de conhecimento que o trabalho acumula que levanta o que freqüentemente chamamos de fator de produtividade. Agora olhar para esses recursos não explorados, nos indica o potencial de crescimento do país. Eu sempre me lembro de uma entrevista de Delfi m Netto, alguns anos atrás, na qual ele fez um cálculo muito simples que sempre fi cou na minha cabeça. O cálculo era o seguinte: o Brasil tem um potencial de crescimento populacional de algo em torno de 2%, tem um potencial para crescimento de produtividade, como vimos esta manhã, de algo em torno dos 4%, o que quer dizer que o Brasil tem um potencial de crescimento que é viável, simplesmente utilizando plenamente seus recursos, de pelo menos 6%. Então, se olharmos para os objetivos de crescimento, eles devem ser baseados no potencial natural e esse potencial deve ser, eu sugiro, a não ser que os números tenham mudado substancialmente, algo em torno de 6%. Então se dizemos que precisamos de recursos externos, precisamos deles para ir acima e além desses 6% para atingirmos, como mencionamos esta manhã, a categoria chinesa de crescimento em torno de 9%. Esta é uma decisão, eu sugiro, que difi cilmente algum país latino-americano tem de fazer, porque já faz algum tempo que qualquer país latino–americano consegue crescer de acordo com seus potenciais recursos domésticos.

Agora, um dos elementos básicos da Agenda Nacional de Desenvolvimento, como eu entendo, é de expandir a Agenda de Desenvolvimento além de simplesmente aumentar a oferta de emprego, além de simplesmente aumentar o crescimento. E isso é um objetivo muito sensato porque qualquer pessoa com um olhar internacional notará que os Estados Unidos, nos anos 1990, alcançou taxas de crescimento que são mais altas do que qualquer média em período posterior e a distribuição de riqueza e desigualdade nos Estados Unidos têm piorado. Portanto, ter taxas de crescimento que estão muito próximas ao potencial de crescimento não é uma garantia de que você poderá reduzir a desigualdade e atender aos serviços sociais básicos que a população de uma economia necessita. Então, teremos que dar mais um passo à frente, para vermos de que forma é possível construir a igualdade nos programas de desenvolvimento. A visão que eu tenho e eu acho que a maioria dos economistas tem, é a de que seguirmos uma estratégia de reduzir a desigualdade é, antes de tudo, uma questão de conseguir acertar na política para tentar usar todo o potencial de recursos domésticos. Segundo é tentar avaliar o impacto das políticas que estão sendo usadas para a redução da desigualdade doméstica. Contudo, há várias formas de se enxergar isso. Uma que foi usada no Relatório de Desenvolvimento de 2003 das Nações Unidas, para o qual eu contribuí, era observar a interface entre políticas microeconômicas e macroeconômicas. Isso é um dos aspectos que sabemos ter vindo da história da América Latina nos anos 1980, isto é, uma história de infl ação muito alta, o que signifi cou que a política macroeconômica foi principalmente direcionada para eliminar a infl ação. A difi culdade é que não há garantia de que a estabilidade de preços irá, de fato, gerar crescimento e nem que reduzirá a desigualdade. Por outro lado, se olharmos para as implicações do que falamos esta manhã, em termos da síndrome macroeconômica, podemos ver que as suas implicações, apesar de poderem ser muito efi cientes em reduzir a infl ação - olhando para a experiência tanto da Argentina como do Brasil, ninguém poderia prever o declínio das taxas de infl ação que ocorreram depois da introdução de políticas de estabilização nos dois países – não levam em conta o que chamamos de impacto negativo das políticas macroeconômicas de sucesso, na esfera da microeconomia do país. Ou seja: o que está na habilidade do setor privado de agir para aumentar investimentos e aumentar a oferta de emprego que é necessária para aumentar a igualdade.

Uma análise rápida mostra que alguns desses aspectos que eu listei aqui, como, por exemplo, o retorno esperado do investimento privado, esteve em geral abaixo da taxa de retorno assegurada pelo governo a seus próprios papeis títulos lançados no mercado. Isso signifi ca que indústrias foram levadas a níveis em que os investimentos privados não davam mais lucro. E podemos comprovar esse aspecto. Foi publicado um relatório semana passada na imprensa brasileira que sugeria que a média de retorno na esfera das empresas era de fato menor do que o retorno que poderia ser obtido investindo em dívida de governo. Esse caso está explicado há muito tempo: quando o retorno esperado em investimentos cai abaixo do retorno em bens fi nanceiros, não podemos esperar que o setor privado vá gerar emprego e expandir a renda, eles estarão simplesmente satisfeitos em comprar dívidas do governo. O segundo aspecto é se olharmos para o setor bancário. Se os bancos têm a possibilidade de comprar dívida do governo que tem um retorno garantido, que é maior que o retorno obtido com fi nanciamentos ao setor privado para prover investimento e emprego, eles hesitarão muito antes de correr o risco de apoiar o desenvolvimento do setor privado. Finalmente, se olharmos para a taxa de juros, e isso é um outro ponto para o qual o Ministro Delfi m Netto contribuiu muito para o meu pensamento: é que altas taxas de juros trazem uma desvantagem competitiva para um país. Se compararmos um país que tem uma taxa de juros real em torno de 10% a 12%, com um outro país que tem uma taxa de juros real por volta de 0% ou 1%, e em alguns momentos nos Estados Unidos nós tivemos taxas de juros de prazo muito curto que eram negativas, é muito difícil argumentar que há um campo no qual as

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fi rmas brasileiras poderiam competir com as fi rmas dos Estados Unidos, que podem tomar emprestado com uma taxa de juros em torno de 0%. Isso dá a elas, às fi rmas americanas, uma enorme vantagem competitiva. Isso é mais uma das difi culdades causadas pela valorização das taxas de câmbio, o que torna muito mais difícil para fi rmas domésticas tanto exportar quanto produzir domesticamente. Então, quando estamos na verdade observando, quando olhamos para essa idéia de igualdade, é fundamental nos perguntarmos de início: será que as políticas macroeconômicas que estamos usando nos trazem um fundamento forte para gerar investimentos e emprego no setor privado? E isso tem sido uma das difi culdades do sucesso das políticas de ajustamento para eliminar a infl ação. Um dos maiores desafi os que os países encaram após terem sucesso em eliminar a infl ação é fazer a transição das políticas macroeconômicas que são necessárias para controlar a infl ação, para as políticas macroeconômicas necessárias para apoiar o crescimento do emprego e da renda doméstica. Agora, nós já vimos que na Argentina a falha do que chamamos de “estratégia de saída da política antiinfl acionária”, trouxe uma perda de todos os ganhos ocorridos no período dos anos 1990. Então, isso indica a importância de encontrar um jeito de ajustar políticas macroeconômicas para apoiar o setor microeconômico em termos de seu impacto no desenvolvimento.

O segundo aspecto relevante é, obviamente, defi nir o papel que o Estado pode assumir. Aqui estamos olhando para políticas que permitiriam que o ajuste na política macroeconômica fosse feito. Em vários casos, se olharmos para a absoluta importância de reduzir empréstimos externos, reduzir a dívida externa, porque o argumento é de que uma das razões para que os altos níveis de juros sejam necessários, é para prevenir a perda de aportes externos de recursos. É então necessário questionarmos a necessidade de manter as taxas de juros altas por causa de uma grande dívida externa, uma elevada relação dívida líquida/PIB e da necessidade de gerar um grande superávit interno. Agora o melhor argumento contra esse ponto de vista é o Japão. O Japão tem um défi cit de governo que é algo três vezes maior que o do Brasil, como uma porcentagem do PIB, e mesmo assim o Japão conseguiu resistir com taxas de juros em torno de 0%, ao longo de mais ou menos três ou quatro dos últimos anos, sem qualquer conseqüência doméstica, desastres, e de fato com um grande número de conseqüências benéfi cas. Isso sugere que enquanto talvez não seja necessário praticar taxas de juros de 0%, não há nenhuma correlação absoluta entre o tamanho de uma dívida doméstica e o PIB de uma economia, com o tamanho da relação défi cit/PIB de uma economia que requeira altas taxas de juros. Portanto, parte do problema de coordenação de macropolíticas e micropolíticas se torna um problema de coordenação entre políticas domésticas fi scais e políticas domésticas monetárias. E as difi culdades que muitos dos países latino-americanos têm tido, é que não há coordenação entre políticas domésticas fi scais e políticas domésticas monetárias.

O que os dados sugerem é que mesmo que a política fi scal atual do governo consiga gerar um superávit primário muito grande, a política monetária gerou taxas de juros tão altas que ofuscou qualquer benefício que poderia ter ocorrido daquele superávit. Então, se nós considerarmos ou não que o superávit é um aspecto positivo ou negativo da economia, é com certeza o caso de que a falha da coordenação entre políticas fi scais e políticas monetárias eliminou muito do benefício que poderia ter ocorrido. Agora, se olharmos para o impacto das taxas de juros em outro contexto, eu já mencionei as difi culdades que isso cria em termos de competição internacional para as fi rmas domésticas.

Também é o caso de olharmos para políticas antiinfl acionárias: altas taxas de juros e taxas de câmbio supervalorizadas, do ponto de vista de desigualdade de renda, geram maior desigualdade de renda, porque tendem a favorecer aqueles que detêm bens fi nanceiros, aqueles que têm posições de riqueza. Tendem a apoiar a renda proveniente do capital, ao invés da renda que advém do trabalho, e se eu não me enganei ao ler as estatísticas apropriadamente, notei que a quota de renda de trabalho no PIB brasileiro não está crescendo e de fato está diminuindo, e a pergunta é: para onde que essa renda nacional está indo? A renda nacional está indo para rentistas, pessoas que recebem juros nas suas posições de riqueza acumulada. Então, podemos argumentar que altas taxas de juros, taxas de câmbio supervalorizadas e o superávit primário sendo as três âncoras que impedem que a economia cresça, não só impedem que a economia cresça, mas também promovem uma redistribuição de renda tornando-a ainda mais desigual, dadas as atuais taxas de crescimento. Portanto, redistribuem a renda existente ao mesmo tempo em que criam difi culdades em criar níveis mais altos de renda.

Mas, em termos dessa constelação de políticas, o que seria recomendável? Bem, na verdade seria interessante ter crescimento e estabilidade de preços juntos. Nos anos 80 difundiu-se uma posição muito forte que argumentava sobre o confl ito entre crescimento e estabilidade de preços. Havia um confl ito entre altos níveis de emprego e estabilidade de preços, e isso foi o que deu suporte a muitas das políticas antiinfl acionárias que foram criadas que diziam que devemos, primeiro, combater a infl ação para ter condições de, depois, criar empregos. De um modo geral, não se sustenta o argumento de que países que tiveram sucesso em reduzir as taxas de infl ação conseguiram, também, aumentar as taxas de emprego. Novamente a Argentina é um ótimo exemplo a esse respeito. Por outro lado, outros países conseguiram crescer extremamente rápido com preços estáveis e crescimento de emprego. Particularmente se olharmos para o contexto global, como foi sugerido esta manhã, este é, provavelmente, um

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cenário de excesso de oferta. Foi sugerido pelo novo presidente do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos (Fed), que este momento é caracterizado por excesso de reservas, então, não é provável que os problemas que as economias estão atualmente enfrentando sejam decorrentes de infl ação. Ao contrário, são provavelmente de defl ação mundial, de excesso de oferta mundial. Então, quando estamos tentando combinar políticas de crescimento e estabilidade de preços, eu sugiro que há algumas possibilidades. Uma com a qual estou associado, na Universidade de Missouri na cidade do Kansas, chamada “o centro de emprego e estabilidade de preços”, que olha para a utilização do que chamamos de “um empregador de última instância”. Isto é, que o governo deve dar emprego a pessoas com o salário básico, se quiser eliminar o desemprego. O desemprego existe porque há uma demanda insufi ciente de trabalho ao salário corrente. O governo tem a possibilidade de prover isso como um substituto para uma série de grandes programas sociais, que teria a vantagem de não somente dar apoio social, mas trazer as pessoas para a força de trabalho, oferecendo treinamento e a base da criação de conhecimento que é necessária para competir no mercado internacional. O outro é o programa de renda básica que o senador Suplicy sugeriu esta manhã e já foi adotado no Brasil. Algumas pessoas acham que esses dois enfoques são competitivos, eu sugiro que são de fato complementares. Isto é, o programa de renda básica é um programa que oferece o mínimo básico que é necessário para que indivíduos participem no processo político. A estratégia do empregador de última instância é oferecer a renda básica do emprego que é necessária para manter indivíduos empregados no mercado de trabalho e/ou oferecer habilidades ou preservar habilidades para promover um aumento da base produtiva da economia. Então, a mensagem que eu gostaria de deixar para vocês é que, se estamos olhando para as estratégias de desenvolvimento nacional do ponto de vista de tentar reduzir a desigualdade, temos que manter duas coisas em mente. A primeira coisa é que políticas de curto prazo têm um impacto na habilidade de se provocar reduções de longo prazo na desigualdade de renda e de que nem todas as políticas econômicas são as mesmas em termos do seu impacto na desigualdade. A segunda é que ao elaborar políticas de longo prazo, o que realmente devemos estar procurando é tentar fazer com que o crescimento econômico, o aumento de emprego e a estabilidade de preços, sejam compatíveis. Não deve haver trocas, não teve haver competição, com estes três objetivos básicos, e é somente alcançando os três que seria possível reduzir a desigualdade em qualquer sistema econômico. Obrigado.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Obrigado, Professor Kregel, por sua exposição, Agradeço a sua absoluta disciplina em relação ao tempo. Vamos pela ordem, então, passar a palavra ao Professor Ha-Joon Chang.

Ha-Joon ChangEspecialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra

Muito obrigado por me convidar para essa conferência muito importante e interessante, e peço desculpas por não usar instrumentos de apresentação mais sofi sticados. Eu estava fazendo uma palestra na Universidade de Harvard, em outubro passado, e quando eu perguntei sobre o retroprojetor eles entraram em pânico. Operativamente tiveram que ir para o museu e tirar de lá. Mas eu, na verdade, não gosto de power point; vocês vão entender porque eu não o uso.

Em 1959, o Japão tenta exportar o seu primeiro carro de passeio aos Estados Unidos. A empresa era a Toyota e o carro era chamado Toy pet e, como se pode adivinhar pelo nome, era um carro pequeno e barato que nenhum americano queria comprar. Foi um fracasso total, e isso deu início a um grande debate dentro do Japão sobre o futuro da indústria automobilística japonesa. As economias de livre comércio disseram: veja isto é o que acontece quando um país que é rico em mão-de-obra e pobre em capital, um país em que o maior produto de exportação é o tecido, e tenta exportar coisas como automóveis nas quais não tem nenhuma vantagem competitiva. O protecionista argumenta que: bem, você pode estar certo em curto prazo, mas que país chegou a algum lugar sem indústrias como automóveis e aço? Temos que continuar protegendo e oferecendo subsídio a essa indústria. Hoje, pensamos que carros japoneses são tão “naturais” como o café brasileiro ou o vinho francês, mas há 45 anos, muitas pessoas, inclusive muitos japoneses, pensavam que a indústria não deveria existir. Afortunadamente para o Japão (e para o resto do mundo, que conseqüentemente benefi ciou-se de carros melhores), as idéias dos protecionistas prevaleceram e o governo japonês continuou dando seu apoio à indústria até ela se tornar competitiva no mercado mundial e fi nalmente vir a ser, incontestavelmente, a mais avançada indústria de automóvel do mundo. E a Toyota, uma empresa que fazia carros que ninguém queria comprar, pelo menos nos Estados Unidos, está prestes a se tornar a número um em fabricação de carros este ano. Então, quando ouvir nas economias de livre comércio alguém criticar os carros japoneses, você diz a ele que ele não sabe do que está falando, porque se o Japão seguisse a política de livre comércio os carros japoneses não iriam existir.

Deixe-me lhe dar outro exemplo. No fi nal dos anos 1960, o governo da Coréia do Sul solicitou ao Banco Mundial um empréstimo e disseram: nós queremos construir uma usina siderúrgica moderna. O Banco Mundial, razoavelmente, disse:

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vocês estão loucos. O Banco Mundial recusou a proposta, alegando que o país não tinha vantagem comparativa em aço (naquele tempo, os maiores itens de exportação do país eram coisas como peixe, vestuário barato, perucas feitas de cabelo humano e madeira compensada), nem jazidas das matérias-primas fundamentais – de minério de ferro e carvão mineral de coque. E vocês nem produzem a matéria-prima, argumentavam. Existem países que produzem matéria-prima para o aço como a pepita de ferro, e naturalmente desenvolvem uma indústria de aço. A Suécia é um ótimo exemplo, porque tinham muito ferro, o que movia a indústria do aço no século XVII. A Coréia não tinha ferro, não tinha mineral de coque, que eram absolutamente necessários para fabricar aço. Se fosse hoje, eles provavelmente poderiam ter importado essa matéria-prima da China, mas aquela era a época da guerra fria, eles não podiam fazer isso. Então, qual era o lugar além desse, mais próximo para conseguir essa matéria prima? A Austrália, que fi ca a dez horas de vôo da Coréia do Sul. E é claro que para fazer essa indústria viável, o governo estava propondo colocar um protecionismo muito pesado no início e disseram que desejavam dirigir o empreendimento como um monopólio estatal. A proposta soava como uma perfeita receita para um desastre, de acordo com a teoria econômica padrão. É claro que o Banco Mundial disse não. Os sul-coreanos, contudo, conseguiram convencer os poucos bancos japoneses a fi nanciarem o negócio. Tomaram dinheiro emprestado, construíram a siderúrgica, lançaram a empresa, a POSCO, que dentro de dez anos se tornou uma das mais efi cientes produtoras de aço do mundo, e hoje é a quinta maior do mundo. Aliás, já foi algo como a segunda maior, mas aí veio uma empresa indiana começou a comprar todas as empresas de aço que conseguiam da Ucrânia até a Bélgica, de modo que a coreana agora é só a número cinco, mas houve um determinado momento em que era a segunda maior produtora de aço do mundo.

Não é o caso apenas do Japão, da Coréia e de Taiwan que apresentam histórias dramáticas para grandes indústrias. Mas se você for pesquisar a história dos países ricos de hoje você vai aprender que a maioria desses países hoje desenvolvidos usou tarifas e subsídios e um conjunto amplo de formas de intervenção estatal no início de seu processo de desenvolvimento. Particularmente, o Reino Unido e os Estados Unidos, que se apresentam como os idealizadores do livre comércio, eram os países mais protecionistas do mundo ao longo dos séculos XVIII e XIX (vide Tabela 1).

A Tabela 1 mostra a média tarifária sobre produtos industrializados para países desenvolvidos, selecionados em seus estágios iniciais de desenvolvimento. Da tabela depreende-se que até o século IX, a Grã-Bretanha tinha as maiores médias de tarifas industriais entre os países selecionados, e os Estados Unidos começando mais ou menos entre 1830 a 1840, tinham a mais alta tarifa industrial do mundo até a segunda guerra mundial - portanto, por mais de um século. Bom, havia algumas exceções como a Rússia no início do século XX, e a Espanha, mas de um modo geral, não seria errado dizer que as tarifas industriais americanas eram as mais altas do mundo por um século até a segunda guerra mundial. Coisas que os países em desenvolvimento de hoje, especialmente os da América Latina, freqüentemente utilizaram nos anos 1950, 1960 e 1970. Na verdade os americanos fi zeram mais do que isso porque são os Estados Unidos da América que na verdade inventaram essa coisa chamada de argumento de indústria “nascente”.

Tabela 1 - Média Tarifária sobre Produtos Manufaturados – países desenvolvidos selecionados em seus estágios iniciais de desenvolvimento (média ponderada; em porcentagens de valor)1

Países 18202 18752 1913 1925 1931 1950Áustria3 R 15-20 18 16 24 18Bélgica4 6-8 9-10 9 15 14 11Canadá 5 15 não disponível 23 28 17Dinamarca 25-35 15-20 14 10 não disponível 3França R 12-15 20 21 30 18Alemanha5 8-12 4-6 13 20 21 26Itália não disponível 8-10 18 22 46 25Japão6 R 5 30 não disponível não disponível não disponívelHolanda4 6-8 3-5 4 6 não disponível 11Rússia R 15-20 84 R R REspanha R 15-20 41 41 63 não disponívelSuécia R 3-5 20 16 21 9Suíça 8-12 4-6 9 14 19 não disponívelReino Unido 45-55 0 0 5 não disponível 23Estados Unidos 35-45 40-50 44 37 48 14

Fonte: Chang (2002), Kicking Away the Ladder, p. 17, tabela 2.1, amplamente baseada em Bairoch (1993), Economics and World History, p. 40, tabela 3.3, exceto para o Canadá, que é de K. Taylor, “Tariff s”, in W. Wallace, (ed.), � e Encyclopedia of Canada, Vol. VI, 1948.Notas: R. Diversas e importantes restrições em importações de produtos manufaturados existiam e por isso as médias tarifárias não são signifi cativas.1. O Banco Mundial (1991, p. 97, tabela 5.2) fornece uma tabela similar, baseada, em parte, no livro de Bairoch citado acima. Entretanto, os números do Banco Mundial, embora sejam na maioria dos casos muito similares aos números de Bairoch, são médias não ponderadas, que obviamente são menos preferíveis que as tabelas de médias ponderadas que Bairoch fornece.2. Estas são taxas bem aproximadas e fornecem variação de taxas médias, não extremas.3. Áustria-Hungria antes de 1925.4. Em 1820, a Bélgica era unifi cada à Holanda.5. Os números de 1820 são apenas para a Prússia.6. Antes de 1911, o Japão era obrigado a manter baixas tarifas (até 5%) por meio de uma série de “negociações desiguais” com os países europeus e com os Estados Unidos. A tabela do Banco Mundial citada na nota 1 acima fornece média tarifária não ponderada do Japão para todos os bens (e não somente para bens manufaturados) para os anos de 1925, 1930, 1950 em 13%, 19%, 4%.

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Vocês todos devem achar esse termo familiar. A lógica da proteção à indústria nascente é muito simples, porém poderosa. Do mesmo modo que precisamos proteger e nutrir nossas crianças antes que elas possam ir para o mundo e competir com os adultos, os países em desenvolvimento precisam proteger e nutrir suas indústrias antes que elas possam competir no mercado mundial. Igualmente, se um país em desenvolvimento se entrega ao livre comércio antes de desenvolver suas capacidades tecnológicas, ele poderá se tornar o melhor produtor de café ou de roupas baratas do mundo, mas a chance de se tornar um dos maiores produtores de carros ou de eletrônicos será realmente zero.

Então o argumento da indústria nascente basicamente diz que os governos dos países em desenvolvimento precisam proteger e subsidiar suas indústrias até que essas indústrias cresçam e se tornem capazes de competir com indústrias de países mais avançados. A pessoa que na verdade começou a desenvolver esta teoria viveu no século XVIII, na Inglaterra, e é alguém que vocês já viram, provavelmente, pelo menos centenas de vezes, talvez milhares de vezes, e não percebiam quem era. Mas vocês sabem quem ele é. É Alexander Hamilton, o primeiro Ministro das Finanças dos Estados Unidos, o primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, cujo rosto, está nas notas de dez dólares americanos. Agora Hamilton é considerado o melhor ministro construindo um novo país. Tornou-se o Ministro das Finanças em 1789, após os Estados Unidos se tornarem independentes em 1776. Mas não tinham um governo federal até 1789. Isso foi quando George Washington foi eleito e apontou Hamilton como Ministro das Finanças. Dois anos depois ele entrega um relatório ao Congresso Americano, esse documento é chamado de “O Relatório do Secretário do Tesouro ao Congresso Sobre Fabricação”. E nesse documento, muito cuidadosamente, ele apresentou vários tipos de teorias e argumentos. Tudo bem, que a linguagem era arcaica e não se lê como nos livros modernos sobre economia, mas isso pode ser traduzido, é uma teoria muito sólida e propõe um leque de medidas desde tarifas, protecionismo até investimento de governo em infra-estrutura, para proteger as empresas americanas. E que cara arrogante: ele tinha apenas 35 anos quando escreveu o relatório e tinha um diploma de artes liberais, do King’s College em Nova Iorque, que hoje é a Universidade de Columbia. E a Universidade de Columbia hoje é uma das melhores do mundo, mas naquele tempo era apenas uma universidade de padrão médio. Mas esse cara, com esse tipo de currículo, estava discutindo e contestando os maiores economistas do seu tempo. Vejam o que Adam Smith, o pai da economia, comenta em sua obra magistral, � e Wealth of the Nations (A Riqueza das Nações). O que Adam Smith diz é exatamente o que o Banco Mundial fala para os ministros de países em desenvolvimento hoje e vai de encontro ao que Hamilton dizia. Adam Smith dizia: não tentem proteger a sua indústria. Não vai funcionar, isso é uma má idéia. Apesar disso, Hamilton dizia: eu sei o que é bom para o meu país, eu vou recomendar isto. Obviamente o Congresso Americano não estava muito impressionado com as idéias de Hamilton. E, naquela época, os senhores de terras do sul, preferiam o livre comércio do mesmo jeito que os agricultores brasileiros preferem o livre comércio hoje. Isso porque eles podiam comprar produtos melhores e mais baratos da Europa, e exportar algodão ou o que quer que estivessem produzindo com mão-de-obra escrava. Então, entre o domínio político e a idéia de Hamilton, a idéia de Hamilton foi rejeitada, mas com o tempo os americanos perceberam que era isso que eles tinham que fazer, e depois de 1812 eles começaram a aumentar as tarifas devagar, e por volta dos anos 30 alcançaram o nível mais alto de tarifas do mundo.

Sabe, eu tenho um fi lho de 5 anos, eu posso falar para ele: olhe, se torne independente e você será capaz de se sustentar. Milhões de crianças em países em desenvolvimento têm que se sustentar com uma idade de 5 ou 6 anos. Há muitas crianças destas no Brasil. Há muitas crianças dessas na Índia. Então eu posso dizer-lhe: você precisa ser independente, vá arrumar um emprego, faça seu próprio sustento. Porém, é provável que ele possa se tornar um garoto engraxate muito bem sucedido, mas nunca será um físico, ou um advogado. Essas profi ssões exigem pelo menos mais uma dúzia de anos de minha proteção e investimento em sua educação. Da mesma forma que um país em desenvolvimento se compromete com o livre comércio antes que tenha desenvolvido todas as suas capacidades. Sim, talvez se torne o melhor exportador de café do mundo, talvez se torne o maior produtor de camisetas baratas do mundo, mas nunca se tornará um produtor de coisas complexas como aviões, semicondutores, e por aí vai.

É claro que nós não escutamos na verdade este tipo de história que estou descrevendo, porque a história dos países desenvolvidos hoje, foi reescrita, de uma forma que só é comparável ao que Stalin fez com a história da revolução russa. Agora olhem para esta foto. Você tem Lênin no meio, Trotsky e Kamenev que era um dos líderes da revolução bolchevista. Ele uma vez formou um grupo com Stalin e Zinovev, então ele era um homem de infl uência. Agora depois que Stalin se livrou desses outros dois caras na foto, então só restou Lênin. Acaba assim. Na história do nosso desenvolvimento capitalista, há claro o mercado, mas também existem tarifas e subsídios. É assim que eles se desenvolvem. Agora, é claro, sugerem que o mercado fez isso sozinho. E é por causa dessa verdadeira história do desenvolvimento capitalista que o economista alemão, Friederich List, no século XIX, disse que a Grã-Bretanha se tornou rica em função do protecionismo e dos subsídios, pregando aos americanos e aos alemães que eles deveriam se engajar no livre comércio.

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Obviamente, hoje os países desenvolvidos reescreveram suas histórias e poucas pessoas sabem que eles usaram protecionismo e subsídios nos períodos iniciais. Entretanto, dada a história “real”, preconizando o livre comércio aos países em desenvolvimento, os países desenvolvidos estão efetivamente “chutando a escada” com a qual chegaram ao topo (os detalhes históricos estão no meu livro Kicking Away the Ladder – Development Strategy in Historical Perspective, Anthem Press, London, 2002; o livro tem uma versão em português, ‘Chutando a Escada’, que foi publicado pela Editora UNESP, em 2002).

As experiências históricas e contemporâneas dos atuais países em desenvolvimento também sustentam meu argumento. Historicamente, sua performance era desanimadora quando eles eram forçados a praticar o livre comércio sob o colonialismo e negociações desiguais (ver Tabela 2). Nos últimos 50 anos, numerosas histórias de sucesso nos países em desenvolvimento, da Coréia do Sul e de Taiwan até os exemplos mais recentes na China, na Índia e no Vietnã, demonstraram que, enquanto alguma liberalização comercial pode ser necessária e benéfi ca, a proteção à indústria nascente é vital nos primeiro estágios, e o comércio deveria ser gradualmente liberalizado, juntamente com a habilidade da economia em melhorar sua competitividade.

Tabela 2 - Taxas históricas de crescimento econômico por regiões maiores durante e depois da Era do Imperialismo (1820-1950) (taxa de crescimento do PIB anual per capita, %)Regiões 1820-1870 1870-1913 1913-1950 1950-1973

Europa Ocidental 0,95 1,32 0,76 4,08Ramifi cações Ocidentais* 1,42 1,81 1,55 2,44Japão 0,19 1,48 0,89 8,05Ásia exceto Japão -0,11 0,38 -0,02 2,92América Latina 0,10 1,81 1,42 2,52Europa Oriental e ex-União Soviética 0,64 1,15 1,50 3,49África 0,12 0,64 1,02 2,07

Mundo 0,53 1,30 0,91 2,93

*Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados UnidosFonte: Maddison (2001), � e World Economy – A Millenial Perspective, p. 126, tabela 3-1a

Na América Latina, protecionismo e subsídios na era da Industrialização Substitutiva de Importações (ISI) gerou maior crescimento que no período da pós-liberalização, como sugerem as Tabelas 3 e 4.

Tabela 3 - Crescimento per capita do PIB dos países em desenvolvimento, 1960-80Países 1960-1970 (%) 1970-1980 (%) 1960-1980 (%)

Países de baixa renda 1,8 1,7 1,8 África Subsaariana 1,7 0,2 1,0 Ásia 1,8 2,0 1,9

Países de renda média 3,5 3,1 3,3 Extremo Oriente e Pacífi co 4,9 5,7 5,3 América Latina e Caribe 2,9 3,2 3,1 Oriente Médio e Norte da África 1,1 3,8 2,5 África Subsaariana 2,3 1,6 2,0 Sul da Europa 5,6 3,2 4,4

Todos os países em desenvolvimento 3,1 2,8 3,0Países industrializados 3,9 2,4 3,2

Fonte: Banco Mundial (1980), Apêndice Tabela para Parte INota: Os números de 1979 e de 1980 usados não são conclusivos, mas estimativos do Banco Mundial. Dado que as estimativas foram feitas sob uma ótica otimista, os números reais de crescimento para 1970-1980 e 1960-1980 devem ter sido levemente inferiores aos mencionados nesta tabela.

Tabela 4 - Crescimento per capita do PIB dos países em desenvolvimento, 1980-2000

Países 1980-1990 (%) 1990-2000 (%) 1980-2000 (%)Países em desenvolvimento 1,4 2,0 1,7

Extremo Oriente e Pacífi co 6,4 6,0 6,2 Europa e Ásia Central 1,5 -1,8 -0,2 América Latina e Caribe -0,3 1,7 0,7 Oriente Médio e Norte da África -1,1 1,2 -0,1 Sul da Ásia 3,5 3,7 3,6 África Subsaariana -1,2 -0,2 -0,7

Países desenvolvidos 2,5 1,7 2,1

Fonte: Banco Mundial (2002), tabela 1 (p. 233) para os números de crescimento populacional e tabela 3 (p. 237) para os números de crescimento do PIB.Notas: Os números são apenas aproximados, porque foram construídos subtraindo as taxas de crescimento populacional das taxas de crescimento do PIB. Isto foi feito porque o Banco Mundial parou de publicar as taxas de crescimento per capita do PIB por década em seus relatórios anuais.

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Além disso, o período ISI estabeleceu as capacidades industriais que levaram ao aumento das exportações no período mais recente e, nenhum outro país ilustra este ponto melhor que o Brasil com empresas como a Embraer, a Petrobras e programas como o Pro-álcool.

É claro que se você observar o sucesso nos países em desenvolvimento prósperos do período da Segunda Guerra Mundial para cá, Coréia do Sul, Taiwan, Índia, China, e mais recentemente Vietnã, todos estes países podem ter liberalizado o comércio deles um pouco e gradualmente, em linha com o desenvolvimento das capacidades industriais, mas eles nunca seguiram este estilo de Washington de política de comércio aberta. Uma vez mais eu quero dizer que se você usa a analogia da criança, você tem que ser muito protetor com crianças de cinco anos, e quando elas se tornarem adolescentes, que você lhes dá mais independência, mais espaço e quando ela faz 15 anos você lhes dá ainda mais liberdade, e assim por diante. Assim elas se tornam mais capazes de se expor para o mundo externo. Nesse caso eu não tenho nenhuma objeção de liberalizar o comércio desde que a sua indústria possa agüentar a competição. Mas se você diz que quando nossas empresas, que estão começando, têm que competir com a General Motors! Se o governo japonês tivesse feito isso a Toyota não teria existido. Nos anos 1960 as tarifas japonesas de automóveis estavam em torno de 35% porque, até os anos 1960, para os fabricantes de carros japoneses, 10 fabricantes de carros eram menos da metade da General Motors. Se o governo japonês dissesse para a Toyota: saia e vá competir com a General Motors, o resultado seria exatamente o oposto do que nós vimos hoje.

O que mais preocupa, no presente contexto, é que apesar de experimentar esta evidência de história contemporânea, os países desenvolvidos estão tentando reduzir radicalmente as tarifas industriais por meio das negociações do NAMA (Acesso ao Mercado Não Agrícola) da OMC (Organização Mundial do Comércio) e de acordos de livre comércio bilaterais regionais, como a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), essencialmente a um nível nunca visto desde os tempos do colonialismo e das negociações desiguais. E os propósitos deles são basicamente trazer abaixo tarifas industriais entre países em desenvolvimento entre 5 e 10%.

Entretanto, isto vai prejudicar grandemente a perspectiva do desenvolvimento industrial nos países em desenvolvimento, especialmente quando as mudanças recentes no sistema mundial de comércio tornaram o uso de ferramentas de política outras que as tarifárias (como subsídios, regulação do Investimento Direto Estrangeiro – FDI – etc.) muito restrito. Tarifas é o único instrumento, ainda restante, para os países em desenvolvimento usarem em seu próprio benefício. E as maiores vítimas da redução radical das tarifas industriais serão os países em desenvolvimento mais industrializados, como o Brasil e a Índia.

Quando confrontados com meu tipo de argumento, os países desenvolvidos dizem que precisamos de “nivelamento de atuação em campo” em concorrência internacional e, portanto, aos países em desenvolvimento não deveria ser permitido usar proteção extra. Agora, o nivelamento de atuação em campo é, dizem os norte-americanos, como a maternidade e a torta de maçã – é, por defi nição, tão bom que é difícil opor-se a elas. Entretanto, é algo que deve sofrer oposição se vamos construir um sistema de comércio mundial verdadeiramente pró-desenvolvimentista. É desnecessário dizer que o nivelamento de atuação em campo é o princípio correto a adotar quando os jogadores são iguais. Todavia, quando os jogadores são desiguais, é o princípio equivocado a aplicar. Realmente, em muito esportes, jogadores desiguais nem são autorizados a competir uns contra os outros. Em muitos esportes jogadores desiguais não podem jogar.

Um outro argumento comum desenvolvido contra meu tipo de raciocínio é que não precisamos mais de tarifas industriais, porque os países desenvolvidos podem crescer pulando estágios e crescer, por exemplo, baseados no setor de serviços, que se torna cada vez mais importante. Dizem que talvez eu esteja certo sobre o século XIX, talvez até sobre os anos 1960, mas esse período agora é uma era de serviços. Os países em desenvolvimento advogam, deveriam esquecer a indústria, pular um estágio e ir direto para os serviços. Dirão que o rendimento de serviços corresponde a 70% da renda americana e está crescendo. Então as indústrias não são mais necessárias.

Entretanto, a crença de que os serviços estão se tornando mais importantes é, em grande parte uma ilusão estatística. Muito disso se deve ao fato de que as manufaturas têm maiores taxas de crescimento em produtividade e, portanto, têm preços relativos decrescentes comparativamente aos serviços. Recentes aumentos em terceirização ao estrangeiro por manufaturas expandiram artifi cialmente a produção de serviços.

Efetivamente, não há muitos países que tenham se tornado ricos baseando-se em serviços, a não ser países minúsculos como Luxemburgo e Mônaco. Mesmo as cidades-estado de Hong Kong e Singapura são altamente industrializadas. Por exemplo, em 1998, o produto de valor agregado per capita de Singapura era US$ 6.178,00, três vezes maior que o da Coréia (US$ 2.108,00). Antes de ser absorvida pela China, no fi nal dos anos 1980, Hong Kong tinha o produto de valor agregado per capita duas vezes maior que o da Coréia. O caso da Suíça é ainda mais interessante. A despeito da popular concepção errônea de que ela tem uma economia baseada em serviços, tais como bancos e turismo, a Suíça é o país mais industrializado do mundo! Em 1998, o produto de valor agregado per

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capita suíço era US$ 8.314, ou 60% maior que o dos Estados Unidos (US$ 5.300) e mais que duas vezes o do Reino Unido (US$ 4.179). São fantasias sem fundamento.

Finalmente, meu amigo norueguês, Erik Reinert, uma vez ressaltou brilhantemente que a América Latina é os Estados Unidos onde o Sul venceu a Guerra Civil. O Brasil era um país latino-americano onde “o Norte” lutava e contra-atacava com resultados de sucesso, e transformou-se, de um dos menos industrializados em um dos mais industrializados países do continente. Hoje é difícil crer que mesmo em 1938 o produto de valor agregado per capita do Brasil era 15% menor que o do Equador (US$ 16 contra US$ 19 em 1958); agora é 2,5 vezes maior (US$ 912 contra US$ 354 em 1998). Infelizmente, por várias razões, no último quarto de século, o “Sul” do Brasil está lutando e contra-atacando, em aliança com os interesses fi nanceiros emergentes, tornando o desenvolvimento industrial extremamente difícil, se não impossível.

Se o Brasil continuar na linha que seguiu durante os últimos 25 anos, ou pior, se liberalizar seu comércio industrial ainda mais, eu suponho que talvez ele nunca consiga juntar-se ao grupo de países desenvolvidos. Antes que seja tarde, o Brasil deveria redirecionar sua política de modo a estimular o investimento de longo prazo e a formação profi ssional, o que permitirá ao país concretizar seu enorme potencial, como ele fez com muito sucesso durante a “era desenvolvimentista” entre as décadas de 1930 e 1980.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Queria agradecer ao Professor Chang pela sua exposição incisiva e espirituosa e passar imediatamente, para seguirmos a programação da mesa, a palavra ao nosso ilustre ex-ministro, deputado e Professor Antonio Delfi m Netto que comentará as palestras de nossos convidados estrangeiros.

ComentáriosAntonio Delfi m NettoDeputado Federal

Senhor Presidente da mesa, senhores membros da mesa, meus senhores e minhas senhoras. Estou particularmente honrado em participar deste debate depois de ter ouvido duas magnífi cas palestras proferidas pelos professores Jan Kregel e Ha-Joon Chang. Eles deram uma visão extremamente adequada dos problemas que nós temos. O Professor Chang, além de chutar a escada, chutou a barraca com uma forma muito interessante de colocar o problema. Na verdade o crescimento econômico é um problema dramático para o Brasil e essas discussões esclarecem alguns desses pontos e deixam outros muito obscuros. Para a gente ter uma idéia entre 1950 e 1985 o país cresceu 6,5% ao ano enquanto a população crescia 2,4% ao ano. Portanto, a renda per capita crescia 4,1% ao ano dobrando a cada 18 anos, um pouco menos de uma geração. Isto é, quando o meu fi lho estivesse entrando na universidade a minha renda seria o dobro da que eu tinha no início e quando o meu neto estivesse entrando na universidade a minha renda seria o quádruplo da renda que eu tinha no inicio. Isto mostra um país vigoroso, crescendo com entusiasmo. A partir de 1985 o Brasil murchou. O país passou a crescer 2,3 a 2,4% ao ano e, uma coisa muito interessante, a população também foi murchando e está crescendo apenas a 1,4% ao ano. Então, a renda passou a crescer 0,9% a.a., ou seja, só dobra a cada 80 anos. Eu não vou conseguir ver o meu neto com a renda dobrada, nem morto!

Este é o sentido físico do nosso problema. Nós estamos discutindo aqui um problema de crescimento econômico. A teoria econômica tem muitas explicações, tem modelos extremamente sofi sticados sobre o desenvolvimento econômico. Eu na verdade voltaria, como Chang o fez, a Adam Smith, quando ele coloca que o desenvolvimento é um estado de espírito: só cresce quem acha que pode crescer. Só cresce se encontra um Estado razoavelmente amável com o setor privado, lhe dê condições isonômicas de competição e então o desenvolvimento se realiza. As condições isonômicas foram tratadas aqui pelos professores Chang e Kregel de uma forma um pouco diferente do que eu vou fazer. Basicamente, essas condições são: uma taxa de juros real correspondente ao equilíbrio macroeconômico; a taxa de retorno do investimento não pode ser menor do que a taxa de juros senão ele não se realiza. Uma segunda condição é que a taxa de câmbio precisa ser competitiva. O problema é que o conceito de taxa de câmbio competitiva é pouco entendido. Economistas nada sabem a respeito de taxa de câmbio. Só sabem que ela fl utua, como diz o Ministro Palocci. Ela pode fl utuar, mas não deveria voar como aconteceu com o Brasil. Todos os modelos são modelos que explicam muito pouco a taxa de câmbio. Adicionalmente, é preciso que o Estado seja menos guloso. O crescimento econômico, em geral, está associado a um estado benevolente para com

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o setor privado e que tenha uma carga tributária razoavelmente leve. A carga tributária do Brasil hoje é a maior do mundo para um país com o nosso nível de renda. O Estado brasileiro não cabe no PIB brasileiro. Este é que é o nosso problema. Para crescer o PIB é necessário cortar o Estado. Não há nenhum outro remédio para resolver essa questão. Finalmente, é necessária a existência de um sistema de tarifas efetivas adequadas. Não se trata da defesa de um protecionismo que não leva em conta a produtividade dos fatores, o equilíbrio macroeconômico e o equilíbrio geral da economia. É um tipo de protecionismo que deriva de uma coisa muito interessante apontada pelo Professor Chang. É aquele protecionismo que atinge setores onde as vantagens competitivas podem ser criadas. Há setores onde você não pode criar vantagens comparativas. Você não pode perder tempo produzindo tudo. Tanto é verdade que o mundo saiu da autarquia para um tipo de abertura comercial e o livre câmbio, que é, na realidade, uma idéia puramente metafísica. Como o Chang mostrou ao longo de suas histórias, cada país usou as tarifas de acordo com os seus interesses, com maior ou menor efi ciência. Eu ouso dizer que o Brasil usou o sistema tarifário, há algum tempo atrás, com relativa efi ciência. Quando o Banco Mundial ainda era comandado pelo Hollis Chenery, um estudo realizado por ele mostrou o seguinte: a indústria brasileira era uma das mais sofi sticadas do mundo para o nível de renda do país. Na verdade nós tínhamos um nível de renda per capita entre US$ 3.500 a US$4.000 e uma estrutura industrial correspondente a um país de US$ 12.000. O que nos aconteceu afi nal? Hoje é comum dizer que falta educação. É evidente, mas, há vinte anos havia menos educação, portanto isto não pode ser explicação do que aconteceu. Falta saúde? É verdade, só que também há vinte anos havia menos saúde do que hoje. A explicação básica é que o Brasil, a partir de 1985, se perdeu em um sistema de políticas cambiais perversas. Congelamos o câmbio no Plano Cruzado e produzimos um desastre de grandes proporções que se arrastou por anos. A crise de 1982 foi a maior crise mundial depois de 1929. Mas em 1984 o Brasil já tinha superado a crise e apresentava superávit em contas correntes. Em 1984 o Brasil exportava US$ 22 bilhões, o mesmo que a Coréia e a China. Hoje, se analisarmos 2002, quando terminou a era do desastre, que arruinou o país e nos levou duas vezes a recorrer ao FMI, passamos a ter um défi cit de 180 bilhões de dólares em conta corrente. Nesses 18 anos, nossas exportações tinham apenas triplicado, enquanto as exportações coreanas tinham sextuplicado e as chinesas tinham se multiplicado por dezessete, tudo no mesmo período. Não foi o mundo que nos perseguiu, foi à política econômica posta em prática e que precisa ser corrigida. O Professor Kregel apontou que estamos num processo de correção dessas difi culdades. O importante, me parece, é compreender que sem uma política industrial, não qualquer política industrial, mas uma política que insista nos setores onde as vantagens comparativas possam ser criadas, é impossível voltar a acelerar o crescimento brasileiro. Mas não qualquer política protecionista que apenas desperdice recursos.

Levantamos aqui uma dúvida interessante (o Professor Kregel apenas passou por ela): é a relação entre poupança e crescimento, é a relação entre investimento e crescimento. Freqüentemente as pessoas imaginam que para crescer é preciso poupar. Toda a experiência do mundo mostra exatamente o oposto e o Brasil também. A poupança se faz no processo de crescimento. A poupança não antecipa o crescimento, a não ser que a gente imaginasse que o Espírito Santo poupa e agente toma emprestado dele a poupança, para depois fazer o crescimento. Se olharmos a história, o Brasil cresceu e poupou, simultaneamente a partir de 1965, 1966, quando o país cresceu ao longo de dez anos, onze anos.

A partir de 1967 o país passou a crescer a taxas anuais de 10%. Neste período a poupança e os investimentos vieram atrás do crescimento, como na Coréia, como na China, que não têm nada que ver com o sistema de livre câmbio. É um caso diferente, onde se abriram zonas de livre comércio e se transferiu para a China capital físico japonês - máquinas, tornos, altos-fornos – para produzir. Este capital físico encontrou um povo razoavelmente preparado e educado. Não vamos nos esquecer que a China tem 5.000 anos e já tinha traduzido os princípios de Euclides em 2000 a.C, enquanto nós até hoje, nas escolas primárias do Brasil, ainda não o fi zemos. É importante compreender que o caso chinês é um outro processo, no qual se transferiram os bens capitais que encontraram à mão-de-obra adequada e disponível. É por isso que a competição com eles é extremamente complicada. Então, não se trata da velha teoria das vantagens comparativas que a gente estuda nos cursos de comércio internacional. É muito mais complicado e importante. Sempre existe, contudo, a possibilidade de um país criar vantagens comparativas. Por exemplo, o Brasil o fez com o Moderfrota, há cinco anos, implementando um programa com subsídio de juros para a compra de máquinas e implementos agrícolas. A taxa de câmbio estava no lugar certo e você teve uma expansão de crédito para a agricultura. Expandiu-se à produção de máquinas agrícolas, começamos a ganhar escala. As indústrias, das quais antes importávamos as máquinas, vieram produzir no país e o Brasil e começaram a exportar essas máquinas. Após quatro anos nos tornamos exportadores de tratores agrícolas, plantadeiras, colheitadeiras de última geração, equipamentos tecnologicamente na fronteira do “estado da arte”. É como se a agricultura estivesse esperando por esta pequena ajuda para desenvolver suas vantagens comparativas. O Professor Chang, quando apresentou o caso alemão, mostrou que aquilo foi uma forma de transferir vantagens comparativas da Inglaterra para a Alemanha. Esse foi um caso pensado de desenvolvimento. É isso o que está nos faltando há alguns anos: pensar o nosso desenvolvimento. Concluindo, essas duas palestras foram de extrema clareza e

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contribuíram muito para a refl exão que devemos ter. Acho que o Professor Kregel explorou mais amplamente os aspectos do desenvolvimento e o Professor Chang mostrou que é necessário ter coragem para enfrentar os problemas da política industrial. Mas as duas se complementaram e contribuíram para o nosso entendimento da realidade. Muito obrigado.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Agradeço ao deputado pela sua sempre brilhante e lúcida intervenção. Pela ordem, passaremos às perguntas escritas para serem respondidas em blocos. Farei enquanto isso uma antecipação de questões que podem ser levantadas aqui. Falo agora talvez menos como o prefeito de Belo Horizonte, que é uma cidade que tem 400 mil habitantes e como tal vive as angústias econômicas e sociais da estagnação econômica brasileira já há algum tempo, mas falo mais como economista. Nós vivemos no Brasil, nesse momento, o ápice da chegada de jovens ao mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE e do IPEA, está previsto nesse período de 2005 até 2009, que cheguem ao mercado de trabalho cerca de 18 milhões de jovens adultos de 19 a 25 anos de idade, para os quais será necessário oferecer oportunidades, empregos e postos de trabalho. Eu lembro isso porque, quando eu tinha essa idade na década de 1970, o ingresso desse contingente nesse período do primeiro qüinqüênio dessa década foi de apenas oito milhões de jovens. Nós estamos agora num momento culminante da chegada de jovens adultos e desgraçadamente se na década de 1970 quando esses jovens entravam para o mercado de trabalho o crescimento do Brasil, do PIB brasileiro era em média 7,5% a 8% ao ano, hoje ele não chega a 2,5% ao ano pra absorver mais do dobro de jovens que chegam ao mercado de trabalho. Então, temos um dilema terrível, e eu digo isso porque vivo como prefeito a angústia de enfrentar os problemas sociais decorrentes da ausência de oportunidades de trabalho, emprego, renda e de futuro para os jovens adultos do nosso país. O nosso desafi o é maior, temos que buscar o crescimento econômico, mas um crescimento que gere não simplesmente empregos, porque a idéia do emprego estrito senso já é uma idéia obsoleta no mundo de hoje, mas oportunidades de trabalho e negócios, renda e futuro para os jovens, e isso é mais difícil com certeza. O Professor Delfi m Netto certamente me dará razão do que foi nos anos 1970, dada a modernização e globalização da economia mundial. Então, a pergunta que fi ca posta desde já para os nossos palestrantes é de como enfrentar esse desafi o. Não basta o crescimento econômico, mas tem que ser um crescimento econômico que gere oportunidades de trabalho para os jovens e, claro, para a população trabalhadora em geral.

Não sei se já há perguntas. Estão sendo recolhidas, se não me engano. Já tem ali. Bem nós temos duas perguntas, me parece que são diferentes e não tem como agrupá-las. A primeira pergunta é para o Professor Chang. O Professor conhece as agendas para o desenvolvimento apresentadas pelo Brasil e Argentina na organização mundial da propriedade intelectual? Qual é a opinião do Professor a respeito dessas agendas? Como fazer com que sejam levadas à diante, aprovadas, implementadas pela organização de propriedade intelectual? O Professor tem alguma sugestão a essas questões? A outra pergunta é para o Professor Kregel. É melhor que o Professor Chang responda primeiro e depois o Professor Kregel.

Ha-Joon ChangEspecialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra

Certo. Bem, infelizmente eu não conheço os detalhes da proposta do Brasil e da Argentina sobre direitos de propriedade intelectual, mas tenho certeza que fi zeram uma proposta sensata. Bem, basicamente a essência desse problema de propriedade intelectual é que quando você está numa posição de tomar emprestadas tecnologias de outras pessoas, obviamente não está no seu interesse os direitos de propriedade intelectual. Isso é o que todos os países desenvolvidos fi zeram, alguns deles estão documentados. Por exemplo, a Suíça nem tinha uma lei de patentes até 1888, e quando a introduziram, introduziram patentes para máquinas, e só em 1987 introduziram patentes para farmacêuticos e mesmo assim não permitiam patentes de produtos. Por isso a empresa suíça era basicamente baseada em copiar tecnologias farmacêuticas alemãs. Se olhar para a OMC hoje, os suíços são os maiores defensores de patentes. Outro exemplo de chutar a escada. Então eu poderia ir em frente com esse assunto, mas, basicamente, meu ponto de vista é de que os países em desenvolvimento precisam de diferentes tipos de regimes de direitos de propriedade intelectual, e o regime atual imposto pela OMC não tem justifi cação teórica. Porque a propriedade intelectual deveria ser por 20 anos? Alguém conhece alguma teoria que diz que tem que ser 20 anos? Nos velhos tempos, muitos países davam 15, 11 anos ou até menos, e porque tem que ser 20? Então, a agenda inteira é dirigida por interesses corporativos e isso não é bom para países em desenvolvimento e temos que lutar contra isso. Obrigado.

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Debates

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Obrigado, Professor. Temos aqui duas perguntas para o Professor Kregel e várias para o Professor Delfi m Netto e, enquanto o Professor Delfi m Neto lê as perguntas que lhe são endereçadas, lerei as perguntas para o Professor Kregel. A pergunta é sobre o seguinte ponto. O aumento de produtividade do ponto de vista empresarial passa pela redução dos postos de trabalho. O que reduz a poupança e também o número de pessoas em condição de consumir. Como mudar essa forma de pensar? Como abordar o empresariado? Se faltar criatividade para aumentar a produtividade ao mesmo tempo aumentando o emprego, é uma questão. Vou ler a segunda porque talvez possam ser as duas respondidas na mesma fala. A segunda pergunta é sobre a taxa de juros elevada, produzindo concentração de renda, redução de investimentos produtivos e redução de competitividade das empresas. A que o Professor atribui a alta taxa de juros de equilíbrio no Brasil? A melhor forma para reduzir a necessidade dessas taxas de juros em curto prazo, seria aumentar o superávit nominal? Como aliar a necessidade de investimento em educação e de gastos sociais com uma política fi scal restritiva? Então são duas perguntas diferentes, mas espero que o Professor Kregel consiga respondê-las em bloco. Enquanto isso nós vamos tentar unifi car um outro bloco de questões aqui. Com a palavra o Professor Kregel.

Jan KregelEconomista Chefe da DESA/ONU

Bem, a primeira pergunta é em termos do impacto da produtividade nos empregos. Normalmente vemos o aumento da produtividade como uma forma de reduzir os insumos de mão-de-obra para produção, então tem um impacto negativo nos empregos. Por outro lado, se olharmos para a produtividade do jeito que Raul Prebisch e Celso Furtado enxergavam, eles reconheciam que a mesma aumentava potencialmente a renda real e qualquer um de vocês que está familiarizado com a hipótese dos termos de comércio, saibam que Prebisch argumentou que o aumento na produtividade, que foi gerado por países em desenvolvimento, era de fato através de competição internacional transferida aos países desenvolvidos, então os salários ficaram estáveis enquanto a produtividade subia, e isso é uma receita clara de que a produtividade tem impacto negativo nos empregos. Por outro lado, se os aumentos na produtividade se passarem pelos aumentos nos salários reais e depois o aumento da demanda traz um ímpeto adicional para mais investimentos para absorver a mão-de-obra que é liberada por conta do aumento na produtividade. Então produz um benefício positivo. Agora um dos argumentos mais básicos de Prebisch era de que não havia produção na agricultura; claramente há produção substancial em agricultura, senão Malthus estaria certo, e nunca poderíamos alimentar o crescimento da população. O fato é que os aumentos de produtividade são mais altos nas manufaturas do que na agricultura e essa era a razão básica do porque de chamarmos a posição do economista trabalhando na Cepal. Nessa hora recomendou que economias usem políticas industriais positivas para poder gerar emprego em manufaturas, para que possa aumentar a renda real, o que vai junto com os aumentos na produtividade. Então, vendo a primeira pergunta, nós sempre temos que ter em mente esses dois aspectos: aumentos na produtividade reduzem a demanda por mão-de-obra, mas deveriam vir junto com impulsos na renda real. Se aumentarem a renda real, trazem um aumento adicional na mão-de-obra compensando a redução anterior. Então, se observarmos os desenvolvimentos nas economias européias se recuperando da Segunda Guerra Mundial, encontra taxas extremamente altas de crescimento de produtividade, altíssimas taxas de lucratividade e também um grande aumento em renda real, que por sua vez proporcionava a demanda que permitia que tanto salários quanto lucros crescessem ao mesmo tempo e proporcionassem o aumento de empregos. Nos termos do alto nível das taxas de juros, isso é uma pergunta que eu provavelmente não deveria responder, mas vou, mesmo assim. Basicamente o argumento que eu tentava oferecer é o de um tipo de política econômica que temos, por exemplo, nos EUA. O Banco Central dos Estados Unidos tem o objetivo de proporcionar um equilíbrio entre crescimento aceitável de empregos e níveis de inflação. Agora, atualmente se tornou uma prática de Bancos Centrais, depois da falha dos primeiros regimes de taxa de câmbio para proporcionar tanto estabilidade financeira como preços estáveis, mudar para um regime que é chamado de inflation targeting (metas inflacionárias) e a idéia é bem simples, o Banco Central só vê a taxa de inflação para decidir o que deve ser a taxa de juros, de forma que se as taxas de inflação sobem, não importando como, as taxas de juros deveriam aumentar, e se as taxas de inflação diminuem, então esse seria o caso de deixar as taxas de juros caírem. Agora, a dificuldade desse tipo de política é que desconsidera outras variáveis, que são influenciadas

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por taxas de juros. Já falamos sobre a taxa de câmbio, e é fato que a taxa atual, não quero por um número nisso, mas acho que todos concordariam que está supervalorizada e na minha apresentação não coloquei o slide, mas uma das razões para que você possa apoiar esse relato é que se você observar empresas estrangeiras, verificará que aumentaram em massa as suas respectivas repatriações dos seus lucros e dividendos do Brasil. Agora, pra mim isso é uma clara indicação, porque se você observar a quebra nessa série vem precisamente em 2003, quando você começa a ver uma rápida e verdadeira valorização da taxa de câmbio. Então está claro que a taxa de câmbio nesse caso está supervalorizada. Se o banco não considera isso, ao acessar o impacto da taxa de juros na economia doméstica, isso quer dizer que você tem, se quiser, o que chamamos de abordagem “espingarda de cano duplo” para matar a inflação, mas não só mata a inflação como mata também a economia, porque você tem altas taxas de juros e tem a verdadeira valorização da taxa de câmbio. Então é muito difícil para as firmas pegarem empréstimos em taxas competitivas e, da mesma forma, é muito difícil para elas competirem tanto nacionalmente como internacionalmente. A última parte dessa estória é que as altas taxas de juros criam uma posição na qual o comércio se torna um veículo de investimentos. Isso é, o diferencial das taxas de juros entre o Brasil e outros países se torna tão grande que se torna lucrativo para instituições financeiras especularem pegando empréstimos nos países com taxas baixas de juros e investirem em bens brasileiros. Então, não só se tem o problema da taxa de juros alta, como se tem um outro problema que é causado por diferencial nas taxas de juros. O que quer dizer que a taxa de câmbio saiu completamente de qualquer alcance razoável relativo à política monetária e tende a reforçá-la. Então o primeiro argumento, temos que dizer, o que está errado? Por que taxas de juros tão altas? É porque o Banco Central parece estar usando uma política de metas inflacionárias (inflation targeting) e ainda a política de usar a alta taxa de câmbio para tentar conseguir diminuir a inflação. Essas duas políticas não são as mesmas. E as duas têm que ser coordenadas se você vai ter uma política racional e por algum motivo isso ainda não aconteceu.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Obrigado, Professor Kregel, nós temos várias perguntas para o Professor Delfi m Netto. Eu vou ler todas, e ele vai tentar dar uma resposta que contemple a todos. Aqui, vou ler rapidamente as perguntas para o Professor. Primeiro, na parte da manhã, o senhor afi rmou que o Estado é imprescindível, enquanto provedor de bens e serviços por intermédio de suas políticas públicas, garantindo o desenvolvimento. Como então reduzir o tamanho do Estado? Será que não deveria se reduzir os gastos do Estado com serviços da dívida pública para sobrar recursos para fi nanciar políticas públicas?

Antônio Delfi m NettoDeputado Federal

Talvez seja melhor eu responder uma por uma. É evidente que o Estado é imprescindível para o desenvolvimento. Ninguém imagina que o desenvolvimento se realize sem o Estado. Por exemplo, a estabilidade da moeda é um bem público essencial. Só o Estado pode produzir. Ele costuma produzir o contrário, mas só ele pode produzir a estabilidade da moeda. Refi ro-me ao seguinte: você tem hoje uma armadilha. Há quinze anos atrás a carga tributária deste país era de 25%, hoje é de 37 a 38%, ou seja, o Estado se apropriou de 12% do PIB que antigamente estava nas mãos do setor privado, e qualquer um sabe que o Estado é muito menos efi ciente que o setor privado. Ele tem suas funções próprias, mas hoje toma 12% do PIB que antes fi cava na mão do setor privado para realizar investimentos e promover crescimento. Por outro lado, a dívida líquida sobre o PIB, há 15 anos atrás, era 30%. Chegou a 57% em 2002 e hoje está em torno de 52%. O que signifi ca que 22% do PIB eram créditos do setor privado transferido para o Estado e, ele então não só se apropria desta montanha de fi nanciamento como de uma quantidade enorme de recursos, o que claramente reduz o ritmo de crescimento do país. Nós precisamos dar um choque de gestão, o Estado tem que ser repensado. O Estado precisa reduzir os gastos o que não signifi ca reduzir os serviços. Signifi ca reduzir na verdade os gastos aumentando a efi ciência desses gastos. Uma das coisas importantes a fazer é atacar esse problema das vinculações. Qualquer categoria pretende vincular. Porque vinculando não tem mais que se preocupar com produtividade. A vinculação é a avó da incapacidade e da improdutividade. A mãe, de vez em quando, te dá uns tapas. A avó não, só te dá beijos. De forma que a vinculação é um instrumento pelo qual você reduz a efi ciência e não analisa mais os projetos. Quem tem uma vinculação não precisa fazer mais nada, nem trabalhar. Então, quando eu digo que tem que reduzir o tamanho do Estado é exatamente fazer um estudo, um choque de gestão e assim prestar mais serviços e melhores do que estamos prestando hoje. Ninguém poderia imaginar que eu estivesse defendendo nem o Estado mínimo, nem a independência do Estado. Aliás, quando eu disse, ninguém defende isso, a não ser quando a gente quer caracterizar alguém como neoliberal, caracterizar não, xingar alguém de neoliberal.

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Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

A propósito sobre os neoliberais, tem uma pergunta aqui Professor Delfi m Netto que também é para o senhor. Qual a sua opinião sobre a proposta que alguns economistas neoliberais vêm divulgando nos principais jornais de acabar com o crédito subsidiado de longo prazo do BNDES? Deve ser alguma coisa contra a taxa de juros de longo prazo – a TJLP.

Antônio Delfi m NettoDeputado Federal

Eu acho o seguinte, na verdade o crédito subsidiado se justifi ca plenamente porque o Estado existe, recolhe recursos, pode sim subsidiar setores nos quais ele está investindo e nos quais a taxa de retorno social é maior que a taxa de retorno privado. De forma que é absolutamente natural. Não há nenhuma razão dessa visão de que você tem que ter uma taxa de juros única. Esta é uma visão que vem de um modelo de equilíbrio geral que só existe na cabeça dos economistas. Na realidade esse modelo não existe, é um mundo sem fl exão, é um mundo onde todos os preços são infl exíveis, o salário é infl exível. É um mundo onde um homem é igual a um parafuso. Quer dizer, quando você introduz o homem na economia você não pode imaginar que o mercado de trabalho seja exatamente igual ao mercado de banana, goiaba. É uma coisa completamente diferente. Então, neste nosso modelo de equilíbrio geral, nada disso é levado em conta. O que eu acho que é fundamental não é eliminar as possibilidades de criar as vantagens comparativas, é tornar visíveis esses comportamentos. Por exemplo, eu não acho que seja só o BNDES, eu diria que o Brasil, hoje, precisa de três coisas em matéria de explicitação de comportamento. A primeira é do Banco Central. Nós temos que exigir, eu acho que eu vou fazer uma proposta no Congresso Nacional, que os diretores do Banco Central votem com plena liberdade. Vamos escrever o seu voto e sua justifi cativa e depois de um ano elas serão publicadas para que a gente saiba do que se trata. A segunda é que você tem que na verdade dar pleno conhecimento para a sociedade. Há que haver absoluta transparência nas operações dos fundos de pensão por meio dos quais, na verdade, tem se feito várias operações pelo menos duvidosas. E a terceira, é que é preciso, realmente, tornar públicas todas as operações do BNDES. Mostrar como o BNDES funciona, como seleciona os projetos. Por quê? Porque se você juntar a ação dos fundos com a ação do BNDES você vai ver que as privatizações não foram realmente privatizações.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Professor Delfi m permita que eu leia duas perguntas porque elas são sobre o mesmo tema. Com o atual câmbio a agricultura está no limite do seu estrangulamento e com a abertura comercial exigida pela comunidade européia e os EUA, coloca-se em risco a indústria nacional. O participante pede a sua opinião sobre os dois temas. Em seguida argumenta: a política econômica atual focada, unicamente no combate à infl ação, usando juros altos e um real valorizado, tem prejudicado muito a indústria nacional, principalmente a indústria de cadeia produtiva longa, que usa apenas matéria prima sob a forma de insumos nacionais pagos em reais. Estas empresas exportadoras ou voltadas para o mercado interno, em sua maioria empresas nacionais intensivas em mão-de-obra, estão perdendo mercado para os chineses, indianos etc. Quando essas indústrias, e toda a sua cadeia produtiva fecharem, como fi cará a balança comercial e o emprego?

Antônio Delfi m NettoDeputado Federal

Pois não. Eu não poderia dar uma resposta melhor e mais sintética que aquela que foi dada pelo Professor Kregel. Na verdade a taxa de câmbio não está valorizada, está supervalorizada. No mundo inteiro o dólar se desvalorizou, as moedas do mundo inteiro se valorizaram com relação ao dólar. Se os senhores observarem essa valorização, que está em torno de 5%, 7%, 8%; só no ano passado à valorização do dólar no Brasil chegou a 30%. Digamos 12,5%, porque aumentou a produtividade interna, portanto deveria valorizar o câmbio mesmo, mas por causa daquilo que o Professor Kregel apontou. Você estabeleceu uma taxa de juros real interna tão superior à taxa de juros externa que você transformou o real na mercadoria mais valiosa do mundo. Os estrangeiros vêm comprar o real, a operação que se faz é uma operação de arbitragem de taxa de juros. Quer dizer, quando a gente percebe que faz dois meses que o Brasil vendeu, em Nova Iorque R$ 3,4 bilhões por US$ 1,9 bilhões, nenhum de nós há de

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imaginar que os americanos é que eram os idiotas. Para constatar essa supervalorização basta simplesmente olhar para as operações em aberto no BNDES de câmbio e as operações a que se referiu o Professor Kregel, e os senhores vão ver uma correlação absolutamente indecente entre essa posição e a valorização do câmbio. Se os senhores fizerem um gráfico entre os 25 países que estão no The Economist toda semana e colocarem valorização cambial e taxa de juros, vão ver que todos eles se agrupam em torno de uma elipse e que tem um sujeito lá longe que é o Brasil. Isso mostra com clareza que essa supervalorização foi produzida por uma política equivocada do Banco Central, essa política utilizou a taxa de câmbio de novo como instrumento para combater a inflação. Essa é a contradição a que se referiu o Professor Kregel. Esse sistema nunca subsistiu. Nos primeiros quatro anos do governo de FHC nós mantivemos a valorização cambial com taxas de juros reais de 22% em média, fizemos US$ 100 bilhões de déficit em contas correntes. No segundo mandato fizemos mais US$ 86 milhões de déficit em contas correntes. Agora o mundo nos ajudou, não foi o Brasil simplesmente que cresceu. Se os senhores olharem, as exportações do mundo inteiro cresceram porque cresceram os preços dos produtos transacionados no exterior por conta do crescimento da China, Índia, Ásia e de todos esses países. E porque a quantidade cresceu, o mundo cresceu um pouco mais depressa. É difícil você separar os efeitos quantitativos: quanto é devido ao esforço interno, quanto é devido ao aumento de preços e quanto é devido ao aumento de quantidade. Um cálculo grosseiro na minha opinião é de que sessenta por cento do sucesso externo não teve nada a ver com o Brasil. O nível do mar subiu, nós estávamos num barco no mar, o barco subiu junto com o nível do mar. Quarenta por cento sim, foi a política cambial iniciada em 1999 pelo Armínio Fraga, que foi prosseguindo e que encontrou aí uma conjunção de astros favoráveis, como o programa de Moderfrota a que me referi; às pesquisas da Embrapa que estavam disponíveis e, quando se ampliou o mercado externo, o Brasil estava pronto para avançar e é isso que mudou hoje a relação do Brasil com o mundo. Aliás, o Professor Kregel também apontou que essas são as tarefas que já estão cumpridas, falta cumprir o resto e isso significa ter uma política monetária um pouco mais inteligente. Eu gostaria de apresentar um ponto. Nós estamos no ‘estado da arte’, Professor. Em matéria monetária, o Brasil é um país fantástico, ele usa metas inflacionárias que hoje é coisa elegante, um sistema de câmbio flutuante que voa, dobra de preço num ano cai para metade no outro, quer dizer, não tem nenhum lugar onde o câmbio é tão flutuante quanto o nosso, e tem razoável equilíbrio fiscal. O problema está num outro ente metafísico, construído nas sessões espíritas de Brasília por alguns econometristas, que se refere ao ‘produto potencial’. Apesar de o Senhor não levar a sério, no Brasil há uma porção de economistas que levam a sério à idéia de que existe mesmo um produto potencial. Eles somam sorvete com alumínio e obtêm um produto novo, “sorvalumínio” e aí eles somam isso com a farmácia e têm um Viagra misturado com não sei o quê. Quer dizer, a função de produção é uma combinação de todos os bares, das grandes indústrias brasileiras, etc.Tudo somado. Com isso se criou um mito de que quando o Brasil cresce um pouco mais de 3,5% a economia entra em estado de excitação e a inflação volta. Então, no Brasil, há o contrário do que fazia o velho Greenspan. Ao invés de ir com os juros procurando a produtividade da economia, você vem com os juros destruindo a produtividade da economia porque o que prevalece é o axioma de que o país não pode crescer mais do que 3,5%. Então há a combinação maligna, de um produto potencial levado a sério com juros muito altos. É claro que existe um produto potencial. Nós não podemos crescer 17%, nem 18%,15%, 12%, 8%, mas é evidente que você não sabe qual é o produto potencial. Nos últimos 10 anos, Professor, duas vezes nós crescemos 4,5%, e a inflação estava em declínio. Então nós somamos a esse estado da arte um ser abstrato que é essa função de produção, que é uma materialização de uma sessão espírita e que nós acreditamos nela. Então esse problema me parece que é fundamental. Enquanto não nos livrarmos dessa maldição, na verdade, a coisa não vai andar. Agora mesmo o presidente do Banco Central está em dúvida, ele não sabe se pode crescer 4% ou 3,5%. Ele sabia que não podia, mas 4% a gente vê se dá um jeito agora no ano eleitoral.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Professor Delfi m Netto, vamos voltar ao Professor Kregel para que o Senhor possa descansar um pouco, depois voltamos com mais três perguntas para Sua Excelência.

Antônio Delfi m NettoDeputado Federal

Eu poderia aproveitando o conhecimento deles, que foram duas palestras magnífi cas. Se eu pudesse fazer, eu tinha umas 30 perguntas para fazer.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES132 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Pois é, o Professor Delfi m Netto diz que ele agora é do MST, o ‘Movimento dos Sem Tempo’. O tempo na verdade é do Professor Kregel e do Professor Chang, mas ele ‘tá’ invadindo um pouco o tempo dos dois, para grande satisfação nossa. Professor Kregel tem duas perguntas que eu vou ler, estão em português. A primeira diz assim: “O capital externo, sujeito aos ciclos de liquidez internacional, pode acentuar a instabilidade das economias periféricas. Qual seria o papel da introdução de controles de capital para reduzir essa fonte de instabilidade e quais os possíveis impactos dos controles de capital sobre a possibilidade de crescimento das economias periféricas?” Essa é uma questão, a outra diz assim: “Professor Kregel, o Senhor afi rma que a macroeconomia deve dar base para a política microeconômica. No Brasil, a macroeconomia tem sido dirigida por modelos com microfundamentos de origem neoclássica que afi rmam a soberania do mercado na determinação da trajetória de crescimento mais adequada e que conduziriam a economia, automaticamente, ao pleno emprego. Como o Senhor avalia a adoção desse tipo de perspectiva na condução das políticas macroeconômicas?” São duas perguntas dirigidas ao Professor Jan Kregel.

Jan KregelEconomista Chefe da DESA/ONU

A pergunta sobre a utilização de poupança externa, ou capital externo para fi nanciamento doméstico, tem dois aspectos: um, como nós já mencionamos, é a idéia de que você pode, na realidade, ou até precisa para alcançar um objetivo de crescimento particular, se fi nanciar no estrangeiro, quando você sente que não pode fazê-lo domesticamente.

O outro é o movimento cíclico do que nós chamamos de ciclos internacionais de liquidez (international liquidity cycles), e eu sugeriria que, para entender este aspecto, nós temos que somar uma terceira dimensão. Contudo, não vou focalizar muito na política brasileira do Banco Central, mas nas dos bancos centrais, em geral. Os bancos centrais, desde os anos 80, estiveram sujeitos a duas recomendações: a primeira é que devemos nos livrar deles todos. Isso signifi ca que os bancos centrais deveriam implementar, em termos de política monetária, algo que é chamado de “política de amarrar suas mãos”. Isso signifi ca que caberia aos os bancos centrais simplesmente fi xar a taxa de câmbio. O argumento por trás dessa idéia é que assim os bancos centrais não poderão fi nanciar défi cits de governos que, de acordo com os que advogam essa posição, causam infl ação. Agora, a difi culdade com este enfoque particular é que, se nós levarmos o exemplo da Argentina, você pode ter amarrado as mãos do Banco Central, mas o que você fez foi também transferir o controle da política monetária Argentina para as mãos de instituições fi nanceiras internacionais que determinam os fl uxos de capitais internacionais. Desta forma a Argentina se viu em situação em que seu Banco Central nada podia fazer para se contrapor a isso. A provisão de dinheiro doméstico era determinada por investidores internacionais que queriam investir na Argentina. Assim sendo que, enquanto você removia a possibilidade de que os bancos centrais domésticos pudessem fi nanciar os défi cits do governo, você não removia a possibilidade de que os investidores estrangeiros estivessem perfeitamente contentes de fazê-lo. Assim, o que você fez foi trocar uma política racional, determinada pelo Banco Central do país, por uma política que era simplesmente determinada pelos caprichos dos investidores internacionais. Nós já vimos o resultado disto na Argentina.

O segundo ponto é permitir que os bancos centrais se tornem completamente independentes. A idéia é fazer com que a autoridade monetária não esteja sujeita a qualquer tipo de controle democrático e eles deveriam direcionar para não interferir na formulação da política monetária doméstica. Agora, esta política em particular é da mesma maneira ruim como a anterior. E é da mesma maneira ruim, por quê? Bem, se nós considerarmos um Banco Central que só usa sua política para fi xar metas infl acionárias e não leva em conta o impacto na economia doméstica, e isso é parte do impacto de macropolíticas no microambiente, você cai no tipo de situação que nós estamos vivenciando agora, precisamente, onde taxas de juros excessivamente altas não só estão provendo um ambiente para a economia doméstica, que é muito difícil, mas estão provendo um ambiente no qual, novamente, os investidores externos estão determinando a política monetária doméstica.

Se o Banco Central quiser compensar os fl uxos especulativos de capital que entram no país por meio de esterilização, eles são forçados comprar a moeda estrangeira à taxa de câmbio vigente e então fi nanciar esta operação a taxas de juros domésticas que são, digamos, em torno de 12% e vão reinvestir a uma taxa, de no máximo, 2% a 3%, o que nós chamamos no jargão das fi nanças negative carry no investimento. O Banco Central perderá 10% a cada transação de intervenção, ou seja, signifi ca uma perda de recursos para os bancos centrais e o dinheiro que ia prover fi nanciamento para o governo central não estará mais lá, assim eles tendem a aumentar o défi cit fi scal do governo central. Assim qualquer uma das duas políticas signifi ca que aquela condição de liquidez externa e fl uxos externos de capital vão estar tendo um impacto direto em sua política monetária. Entretanto, há dois modos de contra-arrestar esta situação.

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Um modo de contra-arrestar esta situação é dar ao Banco Central não apenas o objetivo de controlar a infl ação, mas um objetivo equilibrado de tentar coordenar políticas com políticas dos governos centrais. Ou, alternativamente, prover algum tipo de mecanismo para controlar o volume de infl uxo de capital externo quando estiverem distorcendo a política doméstica. Claramente, na maioria dos casos de crises internacional de liquidez isto está acontecendo. Os fl uxos internacionais de capital têm distorcido a política nacional. Mas isto não signifi ca que os fl uxos internacionais de capital são por si só sempre ruins. O fato é que os infl uxos importantes não correspondem às necessidades de política nacional que foram fi xadas por meio de políticas fi scal ou monetária. E isto é o que precisaria para exercitar algum tipo de controle de capital. Agora, na ausência disto, o que está acontecendo?

Bem, eu já mencionei a Argentina, onde um razoável desempenho em termos de crescimento, no princípio de 1990, foi mais do que revertido pela inabilidade de controlar os fl uxos de capitais entrando e saindo. Esse caso sugere um exemplo muito bom, razão pela qual nós precisamos ter o Banco Central exercendo políticas de fato ou ter algum tipo de controle importante sobre as políticas externas. O segundo, em termos de macropolítica, o problema básico é o que hoje nós chamamos de políticas de macroestabilização, na realidade, não são políticas macroeconômicas. Cabia às políticas macroeconômicas apoiar o crescimento e apoiar o emprego e, quando isso era feito com sucesso conseguia-se, também, produzir níveis de infl ação que eram aceitáveis. Agora, a difi culdade é que colocando todos os seus objetivos de macropolítica no controle da infl ação eliminou a possibilidade de atingir os primeiros dois objetivos e, no fi m, não alcançou o sucesso esperado no longo prazo. Isto faz parte dos problemas sobre os quais falei anteriormente. Este sucesso em termos da política de macroestabilização proveu sucesso por períodos curtos, mas fracassou por não criar uma engenharia de ajuste de políticas cujo foco não se restringisse à infl ação por si só, mas na produção de condições sob as quais a infl ação não ocorresse. Você veja o caso do real, no Brasil, em janeiro de 1999. O Banco Central estava respondendo à necessidade de ajustar a taxa de câmbio. Os ajustes da taxa de câmbio aconteceram por quê? Simplesmente porque a política não foi ajustada para prover uma política mais equilibrada de forma a dar suporte ao crescimento.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Muito bem, vamos voltar rapidamente ao Professor Chang para que ele responda a uma pergunta que lhe chegou diretamente aqui, em inglês, e que pergunta de forma bem direta: Qual a viabilidade da sustentação de uma política protecionista numa economia mundial globalizada? Como é que ele vê essa alternativa, essa possibilidade? Se o Professor Chang quiser fazer algum comentário sobre as questões anteriormente levantadas, num tempo talvez de cinco a seis minutos, seria interessante. A idéia é que possamos tentar começar a encerrar nossas atividades a partir das cinco horas.

Ha-Joon ChangEspecialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra

Claro. Bem, sempre que uma pessoa fala sobre política heterodoxa, as pessoas dizem “Oh, você não pode fazer isto por causa de globalização”. Mas na realidade este argumento é muito problemático. Exatamente não é possível por quê? Eu quero dizer que esse argumento pode ser discutido em níveis diferentes. Digamos que o Brasil opte por manter tarifas altas. Será que os EUA vão impor alguma sanção? Bem, se o Brasil fosse a Guiné Bissau talvez, seria algo com que deveria se preocupar. Mas eu não penso que o Brasil precisa se preocupar com algo desse tipo. A outra possível fonte de pressão é pelo lado da OMC? Bem, mesmo lá, eu quero dizer, obviamente, está fi cando mais hostil, mas o Brasil está exercendo um papel de liderança, formando uma aliança com os outros países em desenvolvimento para lutar contra as pressões dos países desenvolvidos. Assim, não é exatamente um dos atores passivos. E a única outra possibilidade que eu posso considerar, então, seriamente, é de que, por alguma razão, seus amados investidores estrangeiros estejam se recusando a vir para o país por conta de implementação pelo país de políticas protecionistas altas. Mas este tipo de razão está utilizando uma causalidade completamente errada. Observe o caso da China, que recebe a maior quantidade de investimento estrangeiro no mundo e, de acordo com o livro ortodoxo, faz tudo errado: proteção alta, política de propriedade intelectual obscura, muita corrupção, muito regulamento, taxação para os investidores estrangeiros, mas eles têm todo o desejo para investir lá porque há dinheiro para ser feito. Uma coisa boa sobre dinheiro é que é cego para coisas como cor de pele e estado social, coisas dessa espécie. Assim não se importam com que política está sendo usada pelo país, porque se houver dinheiro para ser feito, os investidores virão. Bem, a Malásia é um bom exemplo. Teve uma crise fi nanceira em 1997. Durante um ano impôs controles de capital temporários, trancando os investidores e fi xando sua economia. Quando eles impuseram aquele controle todos, no mundo das fi nanças afi rmaram que como eles trancaram as moedas estrangeiras ninguém mais investiria na Malásia. A previsão era de que um ano depois, US$ 7 ou 8 milhões sairiam de Malásia. Um ano depois, cerca de apenas meio milhão de dólares havia saído. As pessoas continuaram investindo na Malásia porque estavam se saindo bem. Novas oportunidades tinham sido criadas.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES134 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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O fato de que o Brasil tem que oferecer um nível absurdo de taxa de juros para atrair os investidores estrangeiros é uma prova de que há algo errado com este país. Você tem que arrumar o país primeiro e, então, até mesmo se você não quiser, os investidores estrangeiros virão, mas esta noção, que de alguma maneira você tem que fazer tudo para mantê-los no país, é um equívoco. Você sabe, os investidores estrangeiros, é claro, querem tudo. Eu quero dizer que eles querem ganhar dinheiro, eles não querem regulamentos, eles querem menos impostos, eles não querem nenhuma corrupção. Se eles podem ter isto, eles gostam, mas a coisa mais importante é oportunidade para ganharem dinheiro. Se eles puderem ganhar dinheiro, eles não se importam. Assim, esta noção que de alguma maneira você tem que fazer tudo de acordo com o que prescrevem os livros do FMI, por causa de globalização, para não ser castigado por investidores estrangeiros, é um equívoco. A causalidade está completamente errada. Você tem que ter uma proposta interessante primeiro, antes das pessoas virem a você. Você não pode criar uma proposta interessante falando para as pessoas: “Oh, você pode vir e pode fazer tudo que você quiser”. A difi culdade é que há muitas outras propostas interessantes. Eu concordo totalmente com o Professor Delfi m Netto quando ele descreve isto como um tipo de problema psicológico, onde em parte você tem que se libertar desta mentalidade negativa, que pensa que você nunca pode fazer qualquer coisa porque a globalização impede. Não, não é bem assim. O que eu quero dizer, é que você não deve pensar que globalização poderá afetar, mas não tanto, sua estratégia de desenvolvimento. Como entender casos como a Índia, a China, e todos esses países que praticam políticas que vão de encontro ao que a ortodoxia espera e o capital estrangeiro continua fl uindo para lá. Caso contrário, o ônus está lhes fazendo bem. Obrigado.

Fernando PimentelPrefeito de Belo Horizonte

Obrigado, Professor. Eu vou pedir licença em meu nome e também em nome do Professor Delfi m Netto. Não sei se o Professor Delfi m Netto quer se despedir aqui, ele tem um compromisso agora e eu também tenho um compromisso. No meu caso, a aeronáutica, senão eu perco o avião. Certamente não vou conseguir parar o avião na pista, então nós vamos pedir licença, o Professor Delfi m Netto e eu vamos deixar a mesa. O Conselheiro Paulo Godoy vai continuar e ter a companhia do Professor Chang e do Professor Kregel. Enfi m, vão fazer as suas considerações fi nais e responder a mais alguma pergunta. Muito obrigado, a todos, e desculpe a minha saída antes de terminar o evento. Professor Delfi m Netto, se quiser se despedir...

Antônio Delfi m NettoDeputado Federal

Eu gostaria de dizer que não tenho nenhum compromisso na aeronáutica, mas estão sendo votadas, no Congresso Nacional, as restrições para a lei eleitoral. Os Senhores hão de compreender que eu não sou leão, preciso ir para lá, mesmo. Muito obrigado.

Paulo GodoyConselheiro do CDES

Bom, então sobrou, aqui para mim, dar a seqüência e chegar ao fi nal do nosso evento. Algumas perguntas fi caram prejudicadas porque se dirigiam, várias delas, ao Deputado Delfi m Netto, e muitas delas voltadas, exatamente, para a política mais doméstica, então nós vamos ter que esperar uma outra oportunidade. Eu queria pedir à nossa Conselheira Zilda Arns, que gostaria de fazer uma pergunta, mas eu preferia que ela mesma o fi zesse porque é uma questão mais envolvida com o próprio trabalho que ela desenvolve na coordenação da Pastoral de Criança e, portanto, tem uma conotação menos econômica e mais social.

Zilda ArnsConselheira do CDES

Eu agradeço a oportunidade, mas eu acho que minha pergunta é bem dentro da economia porque, por exemplo, a infl ação no Brasil levou a muita desnutrição infantil. Depois da estabilização da moeda os mais pobres estão comendo melhor e reduziu-se a desnutrição de 16% para algo em torno de 6%. Na Pastoral, menos ainda. Mas o que eu queria saber, porque naturalmente os economistas devem saber - sou médica, mas trabalho há 23 anos na Pastoral da Criança e somos mais de 41 mil comunidades na Pastoral da Criança – é porque não há empregos disponíveis. O que a gente vê é que o pessoal não tem trabalho. Muita violência é gerada por causa da falta de trabalho. E, também, o sistema público é um problema. Não se falou nenhuma vez hoje, aqui, sobre a ética de dirigir. Muito dinheiro no

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Brasil vai para o ralo e deve ser canalizado para melhorar a situação dos menos favorecidos. Então eu perguntaria o seguinte: a curto e médio prazo, o que poderia ser feito, realmente, para gerar mais renda para essa população, porque com baixa escolaridade, com corrupção, com a falta de esperança, principalmente dos jovens, o que se pode esperar do Brasil? Eu vejo assim, a política econômica apresenta dados que parecem muito bons, mas a gente, nos meios pobres, vê aquela miséria sempre continuando.

Paulo GodoyConselheiro do CDES

Professor Jan Kregel, o Senhor gostaria de responder à pergunta?

Jan KregelEconomista Chefe da DESA/ONU

O.K. Primeiramente, você tem bastante razão quando diz que a inflação tem um impacto negativo em todas as camadas da população. É extremamente interessante que, se você olha através das reversões de política na América Latina, ao que eu previamente me referi, você observa que muitas dessas mudanças de política vieram como uma resposta, aos trabalhadores assalariados e aos pobres, aos impactos causados pela inflação, e parte das políticas para reduzir inflação vem, na realidade, das camadas pobres da população. A dificuldade está nas políticas que você usa para eliminar a inflação. Assim, quando nós estamos criticando as políticas para eliminar a inflação, nós necessariamente não estamos dizendo que inflação é boa. O que nós estamos dizendo é que há algumas formas que são mais apropriadas para eliminar a inflação. Agora, nós também temos que fazer uma distinção entre os tipos de inflação. A hiperinflação que prevalecia em alguns países latino-americanos era por períodos muito curtos, e eu tenho que insistir que, se nós olharmos a história da América Latina, a idéia que nós normalmente associamos é que países latino-americanos sempre ficam aflitos com hiperinflação. Mas isso não é absolutamente verdade pois estes foram períodos muito curtos. Assim, a outra pergunta é: qual o nível de inflação que conseguimos suportar? Agora, você está sugerindo que 16% é muito alto, 6% seria razoável. Eu penso que os economistas geralmente concordariam com você, com algo em torno de 10%. Inflação reduzida para menos que isso provoca mais danos para a economia do que benefícios. Assim, é novamente uma pergunta onde você quer situar as políticas. Agora, como eu disse antes, a dificuldade é que algumas políticas, para eliminar, inflação reduzem a habilidade para criar emprego e reduzem a habilidade para ampliar trabalhos. Se nós olhamos para os Estados Unidos nos anos 1990, eles também sofreram da convicção que não podiam crescer mais que 2.5%. No fim, descobrimos que podíamos crescer até 4%. Como resultado por crescer 4%, cresceu o nível de emprego mais rapidamente do que antes e níveis de pobreza foram reduzidos mais rapidamente do que antes. Assim, quando nós estivermos falando sobre o que nós chamamos de camadas marginalizadas da economia, fica bastante claro, pela experiência de outros países que, empurrando suas taxas de crescimento de emprego e suas taxas de crescimento de renda suficientemente para cima, eventualmente afetará as camadas mais pobres e as camadas mais marginais da economia. Contudo, isto não é suficiente porque leva um tempo muito longo. Nos Estados Unidos, nós iniciamos, no princípio dos anos 1990 e, só ao final da década começamos a ver uma melhoria em termos de redução da desigualdade, redução no nível de pobreza e expansão para os setores marginalizados. E é por isso que eu sugeri que há outras formas de enfrentar o problema no curto prazo. Um dos quais é o “empregador de última instância”, que é bem parecido a um programa que foi empregado na Argentina, como um plano de emergência depois da crise e que criou, se dedicou a criar empregos para pessoas, principalmente jovens e mulheres que tinham sido eliminados da força de trabalho. Deram-lhes um nível mínimo de renda contra algum emprego produtivo que, normalmente, foi criado por algum tipo de esforço cooperativo. Agora, analisando este programa, que o governo de Argentina há pouco eliminou, nós achamos que um dos aspectos mais importantes, sob o ponto de ponto de vista das pessoas que participaram dele, era a flexibilidade que lhes foi dada. As pessoas não tinham que trabalhar em tempo integral. Quer dizer, muitas mães, por exemplo, disseram que era muito útil para elas ter a possibilidade de levar as crianças à escola, tempo para executar outros tipos de atividades dentro da casa e que poderiam ser combinadas com seu emprego. Programas como este são importantes por tentar prover flexibilidade em termos de emprego, permitindo a não participantes de mercados de trabalho formal ter alguma atividade produtiva, porque a maioria destas pessoas não teria se engajado nos programas se tivessem que sacrificar suas casas e suas crianças para ficar no mercado de trabalho. Sacrificariam o trabalho. Este é um dos aspectos para os quais nós estamos olhando: tentar prover um arranjo de flexibilidade para dar emprego nos setores da economia que não são os setores formais.

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES136 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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Paulo GodoyConselheiro do CDES

Bem, das perguntas que nós tínhamos aqui, salvo alguma confusão que possamos ter feito, eu acho que não temos mais nenhuma, porque as outras estão dirigidas ao Professor Delfi m Netto, que já não se encontra aqui. Então eu acho que nós podemos dar nosso evento por encerrado e eu, por força de hábito, e até por pertencer ao setor de infra-estrutura, teria uma pergunta a mais para o Professor Kregel. Uma das suas considerações a respeito do crescimento econômico passa pelo desenvolvimento da infra-estrutura econômica, além da infra-estrutura social. No seu modo de ver, qual o papel da iniciativa privada no desenvolvimento da infra-estrutura econômica para um país como o Brasil, nas condições de desenvolvimento em que nos encontramos e com os gargalos e defi ciências que se apresentam na área de infra-estrutura?

Jan KregelEconomista Chefe da DESA/ONU

O.K., uma das partes de minha apresentação, que eu não mostrei por razões de tempo, tenta lidar com a questão da importância de prover infra-estrutura social e econômica, e qual a importância do governo em prover programas para definir o tipo de infra-estrutura que é exigida. Por outro lado, quando nós falamos sobre o planejamento público da infra-estrutura, não significa dizer que o setor público deve prover toda a infra-estrutura que seja necessária. O que deve ficar bastante claro é que nós estamos olhando para a decisão que deve ser tomada sobre os tipos de infra-estrutura econômica que são requeridos e então criar meios pelos quais o setor privado possa participar desta iniciativa que não é tão lucrativa. Então, se o governo fornecer a infra-estrutura, nós presumimos que seria feito tão eficazmente quanto pudesse ser feito pelos setores privados. Em geral, por outro lado, os governos não puderam empreender programas em larga escala sem envolver diretamente ou indiretamente sem o setor privado. Assim, é questão de achar uma interface entre a vontade dos governos de reconhecer a responsabilidade deles provendo overheads social e econômico (nós chamaríamos estas infra-estruturas) provendo o financiamento ou então usando o setor privado para prover isto. E, um exemplo muito bom é o setor de transporte. Todo o mundo sabe que depois das auto-estradas italianas, os Estados Unidos, nos 1950, se engajaram em um programa grande de construir super-rodovias do país. Estas super estradas não foram consideradas como parte da infra-estrutura econômica desejada, elas eram parte da infra-estrutura de defesa. A idéia era que as pessoas tivessem como sair das cidades principais no caso de um ataque nuclear. Assim, o programa de construção de super-rodovias foi considerado como integrante da estrutura da defesa nacional. Elas foram financiadas pelo orçamento de defesa nacional como parte da defesa necessária dos Estados Unidos. O governo dos EUA não construiu estradas, o governo dos EUA simplesmente disse que “nós reconhecemos a necessidade de uma estrutura de transporte eficiente” e financiou as despesas pelas quais o setor privado produziu essas estruturas. Assim, o que nós estamos olhando aqui, quando estamos falando sobre a responsabilidade do governo em termos de fornecer infra-estrutura, é que o governo tem que tomar a decisão, a iniciativa, e reconhecer que se vai ter um setor privado doméstico competitivo tem que dar os passos para financiar esta infra-estrutura. Agora, obviamente, nos EUA, o sistema rodoviário não fez absolutamente nada para aumentar a segurança. Porém, aumentou grandemente a eficiência e aumentou a integração dos vários mercados regionais nos Estados Unidos que, então, permitiram que as companhias americanas pudessem operar em âmbito nacional. Ou seja, tivessem acesso ao mercado doméstico integrado, inteiro, como o seus mercado lhes permitindo beneficiar de economias de escala e também de outros benefícios que vieram da provisão daquela rede de transporte. Assim, quando você estiver avaliando a necessidade da rede de transporte, eu sugeriria que, realmente se dessem conta de que não está interessado em simplesmente avaliar se serve o propósito de defesa nacional ou não. O que vocês estão fazendo é olhar para o aumento de competitividade e o aumento de produtividade que desfrutarão como resultado e da renda que será gerada. E isso era o que o Delfim Netto, eu penso, disse antes, o que você está olhando aqui agora não é para o retorno privado, mas para o retorno social que vem desse investimento e isto vai não só incluir a expansão no setor privado, mas, também, o emprego que será gerado desta proposta. Assim, realmente não é uma questão se deveria ser o setor público ou se deveria ser o setor privado que deveria realizar o investimento. É uma questão de nos perguntarmos se nós precisamos desse investimento ou não. E é só o governo que pode decidir “sim, nós precisamos disto”. E é só o governo que pode decidir financiar o investimento ao reconhecer que tem benefícios externos e aumentos em benefícios sociais que, normalmente, não seriam levados em consideração por uma avaliação puramente privada dos resultados que advirão daquele gasto em infra-estrutura.

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Ha-Joon ChangEspecialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra

Sim, por favor. Este é um assunto ligeiramente diferente, mas eu penso que atrás deste motivo de defesa, atrás da infra-estrutura de transporte dos EUA, me lembra que a maioria das indústrias americanas teve vantagens advindas de fi nanciamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em programas de defesa. Por exemplo, na indústria aeroespacial, era o governo americano fi nanciando pesquisa e desenvolvimento mas eles também adquiriram a habilidade de infl acionar os preços, subsidiando a indústria aeroespacial civil. Todo o sistema eletrônico não teria existido sem os programas de defesa americanos. Semicondutores (microchips) foram desenvolvidos, inicialmente, pela marinha dos Estados Unidos. E se você olhar com cuidado, o governo dos EUA está continuamente fi nanciando P&D. No ano passado caiu para 40%. E se você olhar para o passado 50% a 70% eram fi nanciados pelo governo americano, não só em defesa, mas áreas como saúde também foram benefi ciadas. Cerca de 30% de P&D da indústria farmacêutica etc.. E o resto do mundo, de forma muito boba, acredita que os Estados Unidos não praticam política industrial. Então, concluímos, nós também não precisamos ter política industrial. Essa é uma posição estúpida. Financiando defesa, os Estados Unidos estão fazendo política industrial. Eu quero dizer eu não sabia sobre sistema rodoviário, mas ilustra bem este ponto.

Paulo GodoyConselheiro do CDES

Bom, a nossa previsão agora é de encerramento. É passar às considerações fi nais dos nossos convidados e então, na seqüência, eu peço ao Professor Jan Kregel que conclua a sua participação com considerações fi nais, em seguida o Professor Chang, e aí farei uma tentativa de um breve resumo do que aconteceu, do que nós tratamos hoje aqui, e aos agradecimentos fi nais do Conselho com relação aos convidados e a todos que aqui participaram.

Considerações Finais

Jan KregelEconomista Chefe da DESA/ONU

O.K., uma vez que eu já falei bastante, tentarei e serei muito sucinto. Uma das últimas perguntas que eu respondi era esta idéia de microfundação da micropolítica e eventualmente o mercado que conduz a pleno emprego, que eu acho que não respondi sufi cientemente e gostaria agora de adicionar algumas observações. O primeiro é sobre a base do combate original contra a infl ação, e nós não estamos falando agora sobre hiperinfl ação, nós simplesmente estamos falando sobre infl ação, taxas normais de infl ação. O argumento era que a infl ação é que distorce a operação do mecanismo de mercado, assim, o que nós somos levados a acreditar é que por causa desta distorção infl acionária impede que decisões racionais sejam feitas e inibe os investimentos que proveriam pleno emprego. Assim, a justifi cativa da política é que o mercado poderá funcionar se infl ação é eliminada e, na realidade, vai poder produzir pleno emprego. Agora, há uma difi culdade com isto e o que se sugere é que: primeiro, a política monetária não tem impactos diferenciais quando combate a infl ação e eu já sugeri que, na realidade, tem um impacto muito defi nido em camadas diferentes da economia e em camadas diferentes da sociedade. Mas, em segundo lugar, as políticas de taxas de juros altas à qual já nos referimos também, é que perturbam o mecanismo de mercado. Como eu sugeri, a tendência que se manifesta é na direção de investir em ativos fi nanceiros, em lugar de ativos produtivos, e este é um ponto que eu penso estar no centro da teoria que nós tínhamos quando nós falamos sobre macropolítica. Um dos objetivos básicos da macropolítica é assegurar que o setor fi nanceiro não transfi ra recursos (crowd out) ao setor real. Agora, taxas de juros altas fazem isto precisamente. Assim, parte da operação do mercado tem que fazer com que a eliminação da infl ação traga a taxas de juros até um nível no qual ela já não esteja distorcendo mais as atividades desse mercado. Porque uma taxa de juros é um preço como qualquer outro preço na economia, e é um pouco paradoxal que nós inchemos a taxa de juros para diminuir os preços no resto do sistema. Se o mercado vai funcionar plenamente então todos os preços no sistema deveriam ser tratados de forma equivalente.

Segundo, e este é um ponto muito simples, eu me refi ro novamente a Prebisch. Um dos princípios básicos que Prebisch usava, olhando para o processo de desenvolvimento, era que não há qualquer mecanismo de mercado que elimine desigualdades. Isto é, o mercado simplesmente não trata de desigualdades e, na realidade, em geral, o mecanismo de mercado tende a reforçar as desigualdades. Tal que se o sistema for competitivo, os que têm as vantagens são recompensados e os que têm uma desvantagem são penalizados. E esse foi sempre seu argumento,

O Debate sobre Desenvolvimento no CDES138 \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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que não se deixassem políticas sociais voltadas para a questão da igualdade à mercê dos mercados. Tem que haver algum mecanismo que venha diretamente da intervenção governamental ou para fi xar política econômica. Agora, a respeito desse aspecto, Prebisch estava muito alinhado com o que nós chamávamos de economistas clássicos liberais, quer dizer, pessoas como Adam Smith e outros. Eles não acreditavam em intervenção estatal, mas acreditavam que é papel do Estado fi xar o arcabouço, prover os regulamentos a partir dos quais a operação do mecanismo de mercado alcançaria os resultados que a sociedade deseja. Quer dizer, não é o mercado que é o ser-tudo e fi m-tudo, o mercado é um mecanismo e nós temos que projetar o arcabouço no qual aquele mecanismo opera para produzir os resultados que a sociedade almeja. O mercado pode produzir desigualdade, o mercado pode produzir infl ação, o mercado pode produzir defl ação. Tudo depende do arcabouço, dos regulamentos e das políticas que você adota e que determinam como o mercado vai produzir resultados. E os economistas clássicos preconizavam que era papel do governo fi xar estes regulamentos, e tendo fi xado adequadamente os regulamentos e o arcabouço, permitiria que o mercado pudesse fazer seu trabalho e funcionar. E esta é a idéia que Prebisch defendia e Keynes tampouco discordava do mecanismo de mercado, mas Keynes também estava a favor da fi xação de barreiras, e da criação de limites para ter certeza que o mercado produziria resultados aceitáveis. Muito obrigado.

Paulo GodoyConselheiro do CDES

As considerações fi nais, então, do Professor Chang.

Ha-Joon ChangEspecialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra

Eu realmente ouvi coisas muito interessantes aqui hoje, com as apresentações e comentários dos participantes. Se eu fosse fazer um resumo do que eu estava querendo transmitir a vocês é a idéia de que temos que romper com muitos mitos, fobias, etc. Eu não quero dizer que tudo que eu falo é correto. Estou aberto a discussões, mas se pensarmos e questionarmos os dogmas vigentes o mundo poderia fi car bem diferente. Concluímos que os países desenvolvidos fazem política industrial, são protecionistas etc. O tipo de propaganda que nos afeta é transmitido pela mídia, pelas idéias do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional etc. Eu não estava exagerando quando disse que eles estão fazendo o mesmo que Stalin fez. Escondendo as coisas que fazem.

Você não precisa fi car sempre olhando para trás, pois as realidades vão mudando. Mas a história nos ensina muito, mas temos que lê-la de forma mais realista. Não quero dizer que tudo na história não é verdade. Precisamos construir nossos países a partir de nossas experiências e necessidades. Não ter medo. Não sou tão ingênuo de achar que escrevendo meus livros posso convencer o mundo de minhas idéias. Não acho isso. Mas me mantenho otimista. Th omas Jeff erson dizia que “idéias são como o ar”. Abraham Lincoln se preocupava com os escravos, brigou na guerra para abolir a escravatura, mas é mentira que ele fosse a favor da libertação dos escravos por questões humanitárias. Ele liberou os escravos por outras razões, econômicas, mas não porque achava que escravizar era errado. Então, concluindo, pensando diferente é possível mudar o mundo. Talvez não hoje, mas quem sabe daqui há a 100 anos você consegue mudar o mundo. Obrigado.

Paulo GodoyConselheiro do CDES

Muito obrigado Professor. Bom, agora vamos para a fase fi nal do nosso evento. Queria destacar que realmente acertamos, nós do Conselho. Queria cumprimentar a Eva, e pedir que transmita ao Ministro Jaques Wagner e a toda a organização que a formatação desse nosso evento cumpriu, realmente, aquilo que nós nos propusemos a realizar: trazer mais luzes, trazer debate, discutir opiniões, às vezes divergentes, refl etindo a própria composição do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que traz na sua própria confi guração correntes de pensamento muitas vezes divergentes e muitas vezes convergentes em diversos aspectos. Acho que hoje nós trouxemos para esse evento uma convergência enorme a respeito da necessidade imperiosa do desenvolvimento do país e, também, opiniões de pessoas ilustres e estudiosos que contribuíram para que o nosso debate terminasse com um grande estilo e num nível elevado.

Tentando sumarizar um pouco, lembrando que nós já começamos há quase três horas e meia para quatro horas os trabalhos que se desenvolveram ao longo da tarde, o Professor Kregel afi rmou que o processo de desenvolvimento deve ser o resultado exatamente de um debate da sociedade, quer dizer, uma obrigação da sociedade, e nós

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precisamos buscar bases mais permanentes, aspectos mais perenes no processo de desenvolvimento, e não estarmos sujeitos a variações políticas ou contornos políticos. Portanto, o recado claro que ele dá é a necessidade de se fi rmar uma espécie de pacto de desenvolvimento que extrapola a ação dos governos e atinge um compromisso geral da sociedade. O Professor focou, também, a falsa questão dos recursos internos, a falta de recursos internos em países do grau de desenvolvimento do Brasil, o que remete os países a fazer captação de recursos externos e, às vezes, com conseqüências sérias no endividamento de longo prazo. Frisou, também, a questão da incompatibilidade da estruturação fi nanceira atual com a política de incentivo ao investimento e passou pela política cambial e monetária, não criando um ambiente adequado para a superação das desigualdades. Ao responder as perguntas, defendeu uma política do Banco Central combinada entre o controle da infl ação e a criação de condições de crescimento econômico. Enfatizou a redução da dívida externa e fez considerações a respeito do combate à infl ação, principalmente agora, na parte fi nal, que não necessariamente auxilia a redução das desigualdades. Então, tentando ser um pouco fi el, é difícil fazer um resumo daquilo que foi dito, mas, basicamente, essa foi à linha de pensamento do Professor Kregel, com as outras considerações que ele aduziu no debate.

O Professor Chang, por sua vez, recomenda que o Brasil redirecione sua política de modo a estimular o investimento de longo prazo e a formação profi ssional. Em diversos momentos da sua colocação, ele enfatiza a questão da formação profi ssional, da educação. A propósito, o pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social se reúne amanhã para um debate-diálogo com o Ministro da Educação, o Professor Fernando Haddad. Ele vem a propósito daquilo que se conversou e que nós debatemos hoje. Quer dizer, nós não conhecemos a história de nenhum país de sucesso que não tenha feito um grande programa de educação, inovação e desenvolvimento tecnológico e o Brasil está devendo nessa matéria. Nós não conseguimos, até hoje, montar um programa de compromisso do país com relação à educação, um compromisso que, como eu disse, extrapole os governos, que seja um compromisso da sociedade, e certamente nós não vamos conseguir atingir o grau de desenvolvimento que almejamos se nós não conseguirmos, neste campo, ter uma sólida política de longo prazo para colhermos os frutos em alguns anos na frente. O Professor Chang, também, resgatou aqui, de uma forma admirável e bem-humorada, a história e lembrou que os países que hoje defendem certos tratamentos em outras áreas do planeta, na verdade, usaram subsídios tarifários e uma vasta lista de intervenções estatais para dar um impulso ao seu desenvolvimento. Então, ele lembra que é preciso, de certa forma, proteger a indústria local até que ela possa ter condições de competição internacional e, de uma forma geral, desafi ou a todos que pensam um pouco diferente da corrente predominante na política no cenário econômico mundial. Sinto fazer um resumo, porque muita coisa foi dita, mas tento dar esse fechamento ao nosso evento.

Quanto à fala do Professor Delfi m Netto, com essa sua capacidade de síntese, procurou fazer um balanceamento entre as duas posições e defender as suas próprias e comentou, então, o processo de crescimento da economia brasileira dos anos 1950 até 1985 e alguns equívocos que ele classifi ca como pecados capitais com relação à política cambial de lá para cá. Também defendeu uma política industrial, a exemplo do que fi zeram o Professor Chang, e de certa forma o Professor Kregel. Combateu a idéia e o pensamento de que a poupança antecipa o crescimento, na verdade, ele defendeu que eles se processam em conjunto, no mesmo diapasão, afi rmando que a poupança se faz quando há crescimento. Defendeu, também, as condições isonômicas de competição e taxas de juros menores e argumentou que a taxa de juros deve ser sempre menor que a taxa do retorno dos negócios no setor industrial, no setor produtivo. Uma taxa de câmbio competitiva e uma carga tributária leve é, também, condições necessárias para o crescimento sustentado. E fi ca marcada a frase que eu acho lapidar, que é: “o Estado brasileiro não cabe no PIB brasileiro”, também sinalizando a necessidade de uma ampla reforma fi scal e administrativa para que o Estado brasileiro possa caber no seu PIB, senão os desequilíbrios serão inevitáveis. E criticou, mais uma vez, o que já é de praxe, o mito e o conceito do tal PIB potencial. Essa restrição, de uma certa linha de pensamento econômico, faz com que o crescimento econômico fi que restrito a uma determinada taxa de crescimento.

Bom, assim, eu queria agradecer novamente a presença dos professores e muitos outros professores e cidadãos que nos acompanharam hoje, agradecer a toda a organização do evento, agradecer aos conselheiros do CDES que apoiaram e quem vêm apoiando todas as iniciativas do Conselho na direção do desenvolvimento brasileiro e dando uma mostra da pluralidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Hoje fi zemos um convite direcionado para diversas correntes e diversas alas da sociedade brasileira e convidamos a todos, em função desse nosso encontro, a uma refl exão a respeito do futuro do país. Quer dizer, há uma coisa que nos une sempre, é o amor ao Brasil, o amor ao nosso país, e com essas correntes, mesmo que muitas vezes confl itantes, certamente estamos todos nós pensando em como fazer com que o país atinja o grau de desenvolvimento que na teoria todos nós almejamos. Certamente, com muito trabalho, com muito patriotismo, com muita realidade temos que realizar nossos sonhos. Entretanto, a velocidade hoje da comunicação, da inovação, do avanço tecnológico, não permite grandes refl exões teóricas. Nós precisamos realmente olhar e seguir aquilo que o mundo está nos oferecendo de experiências de sucesso e procurar aprender com o sucesso dos outros e com os insucessos de alguns, e não repeti-

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los aqui no Brasil. E, assim, nós vamos conseguir receber os nossos convidados, talvez daqui a alguns anos, em condições sociais e econômicas muito melhores daquelas que nós conseguimos apresentar hoje. Então, novamente, muito obrigado a todos e até uma próxima ocasião.

Mestre de CerimôniaEncerramos nesse momento a última mesa de debates do Seminário sobre Desenvolvimento: Agenda Nacional

de Desenvolvimento em debate. Informamos que será oferecido, pelo seminário, a todos os participantes, um coquetel, que acontecerá no saguão de entrada, no hall de entrada.

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PARTE IIISeminário

Internacional de Desenvolvimento

(2009)

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Apresentação

O Seminário Internacional sobre Desenvolvimento foi realizado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) nos dias 05 e 06 de março do ano corrente, reunindo, além dos Conselheiros e Conselheiras do CDES outras lideranças sociais e políticas; especialistas brasileiros e internacionais; representantes do governo e de organismos multilaterais.

Tendo como pano de fundo a crise fi nanceira internacional, o Seminário buscou aprofundar a análise sobre questões o padrão de desenvolvimento brasileiro, o papel do Estado, a integração entre os países a regulação do sistema fi nanceiro internacional e os desafi os das instituições fi nanceiras multilaterais.

A Publicação do Seminário Internacional sobre Desenvolvimento é um esforço conjunto da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDI), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Petrobras. A Publicação apresenta um relato das palestras e debates, além de um artigo escrito pelo Professor Ladislau Dowbor, a partir do conteúdo do Seminário.

Sem pretender esgotar toda a riqueza de informações apresentadas nos dois dias de trabalho, a Publicação coloca à disposição da sociedade brasileira importantes subsídios e refl exões ali gerados, com o propósito de ampliar o debate sobre o momento atual e sobre o projeto de desenvolvimento estratégico para nosso País.

O entendimento é que o desenvolvimento é responsabilidade de atores sociais e governo; é fruto da vontade coletiva do conjunto da sociedade. O desenvolvimento vai além, portanto, da retomada do crescimento econômico e é indissociável da inclusão social e da sustentabilidade ambiental, da busca da solidariedade internacional e da ação coordenada.

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Introdução

A crise econômica mundial e os desafi os para o BrasilO Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) vem debatendo o tema da crise econômica

mundial desde março de 2008. O debate sobre desenvolvimento, contudo, acompanha as reuniões do CDES desde sua criação. O seminário realizado em Brasília, nos dias 5 e 6 de março, teve como objetivo central aprofundar esse debate, procurando consolidar um diagnóstico sobre as origens, a natureza, os desdobramentos e os possíveis impactos da crise no Brasil. O CDES escolheu como fi o condutor desse debate um desafi o estratégico colocado para a economia brasileira: diante do cenário de uma grave crise sistêmica mundial, qual o projeto de desenvolvimento desejado para o país. Esse espaço, que reúne representantes de diferentes setores da sociedade, foi criado justamente para construir uma agenda de problemas e propostas de soluções. A crise atual renovou dramaticamente a atualidade dessa agenda.

Desde que os períodos de crescimento acelerado que caracterizaram os primeiros anos do século 21 foram abalados pela crise fi nanceira internacional, que eclodiu em setembro de 2008, a discussão sobre entraves à Globalização Financeira e perspectivas de um novo arcabouço de fi nanciamento e regulação do Sistema Financeiro Internacional tornou-se pauta de reuniões entre líderes internacionais, acadêmicos e diferentes grupos da sociedade civil organizada. A crise global teve como epicentro o desmoronamento do sistema fi nanceiro norte-americano que rapidamente contaminou economias desenvolvidas e em desenvolvimento de todos os continentes, mostrando sua gravidade e seu caráter de crise estrutural e sistêmica em curtíssimo espaço de tempo.

O período de investimentos maciços, demanda internacional excepcional, rápido crescimento do comércio exterior, viabilizados pelo crédito abundante e barato e pela extraordinária liquidez internacional, se esgotou. Os bancos e fundos globalizados com produtos cada vez mais sofi sticados – hedge funds, derivativos e securitização, por exemplo – alimentaram o boom econômico, mas protagonizaram, também, a crise que rapidamente contaminou os países desenvolvidos. A ilusão de “descolamento” das economias emergentes ruiu. Com o crédito escasso e consumo em queda nos mercados desenvolvidos, os países emergentes, embora alavancados pelo desenvolvimento recente de seus mercados domésticos, passaram a enfrentar difi culdades para garantir a sustentabilidade da balança “fi nanciamento versus produção” e estão à procura de alternativas para não serem arrastados pela desaceleração global.

Os Conselheiros e Conselheiras do CDES organizaram este seminário na expectativa de colher subsídios para qualifi car o assessoramento ao Presidente da República e contribuir para informar a sociedade sobre temas polêmicos de médio e longo prazos, tais como:

A crise a situação do Brasil diante da crise Desafi os para o Desenvolvimento Brasileiro O Papel do Estado no Mundo Pós-Crise Novo padrão de desenvolvimento A integração latinoamericana: possibilidade de desenvolvimento Um novo sistema de fi nanciamento e regulação para o sistema fi nanceiro internacional Entendimento e cooperação multilateral Novo papel das instituições fi nanceiras multilaterais.

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AberturaMesa de Abertura:1. Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva2. Ministro José Múcio Monteiro - Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da

Presidência da República3. Paulo Godoy – Conselheiro do CDES

Luiz Inácio Lula da SilvaPresidente da República

“Entendimento e cooperação multilateral”

A defesa de um novo padrão de cooperação multilateral entre as nações foi consenso entre os participantes do seminário. Na abertura do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou essa urgência e os erros que a colocaram na ordem do dia. “Temos aqui uma antecipação do que o mundo precisa: o nome desse requisito é entendimento político, cooperação multilateral. Só assim poderemos atravessar esse período”. Esta necessidade destacou o presidente, tem como fundamento um diagnóstico básico: a crise colocou um ponto fi nal em um ciclo de mais de duas décadas de equívocos e fraudes cometidos em nome do “Deus mercado”. “É preciso destacar a atuação de todos aqueles que resistiram à agenda do Estado mínimo. A crise atual consagra uma agenda de desenvolvimento”.

O presidente brasileiro chamou a atenção para a proposta de orçamento fi scal anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, qualifi cando-a como um “novo idioma político que fortalece e resgata a agenda da democracia política, do desenvolvimento e da justiça social”. Na América do Sul, ressaltou, essa agenda vem conquistando importantes vitórias políticas desde 2003. Ela mostra, argumentou, que a política não é o oposto da efi ciência e que o Estado não é o estorvo do desenvolvimento. Muito pelo contrário, no cenário atual ela aponta para a necessidade de aprofundar o debate sobre o papel do Estado na construção de um projeto de desenvolvimento. “A reordenação mundial exigida pela crise transcende a esfera de soluções técnicas e unilaterais. Em certo sentido, vai além da esfera dos espaços nacionais”, defendeu.

“Estamos diante do extraordinário”

A importância da Política como instrumento privilegiado para enfrentar o cenário de crise e a adoção dos valores do multilateralismo e da cooperação como diretrizes permanentes Compuseram o pano de fundo da maioria das propostas apresentadas no encontro. “Estamos diante do extraordinário, soluções de rotina não servem”, resumiu Lula. Outro diagnóstico recorrente apontou para as armas de que o Brasil dispõe para enfrentar a crise e que colocam o país num cenário relativamente privilegiado. O presidente destacou algumas delas: reservas em torno de US$ 200 bilhões que funcionam como um cinturão de segurança; um sistema de bancos estatais fortalecidos; o fato de o BNDES ter voltado a ser um banco de desenvolvimento; a política de fortes investimentos na construção civil patrocinada pela Caixa Econômica Federal.

Após apontar tais condições, o presidente lançou um desafi o aos empresários brasileiros: o de realizar as obras nas quais o governo federal irá investir. Uma delas exemplifi cou, é a construção de um milhão de moradias populares para a população de baixa renda. “A grande novidade para nós é que o Brasil não precisa de dinheiro externo para fazer os investimentos que precisa. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), se já não existisse, teria que ser criado. Chegamos a isso, entre outras coisas, estimulando a formação de um mercado de massas por meio de políticas públicas destinadas a aumentar o poder de compra do salário mínimo”. Ao fazer essa observação, Lula voltou a chamar a atenção para a importância da dimensão política no enfrentamento da crise. “O que diferencia esse ciclo é que sua continuidade não depende só da economia, mas da ampliação da democracia política no Brasil”.

O legado do “choque de gestão”

Um dos desafi os políticos mais importantes no processo da crise será impedir a eclosão de uma onda protecionista no comércio mundial, problema este destacado pelo presidente brasileiro. “Não podemos passar de um vale tudo fi nanceiro para um vale tudo protecionista que nos jogaria numa crise mais grave do que aquela que resultou na Segunda Grande Guerra. Estou convencido que a saída para a crise só acontecerá se os governantes assumirem o papel de governantes de seus países”. Um dos obstáculos para isso advertiu, é que as duas últimas décadas foram marcadas pela apatia. “As pessoas eram eleitas sob a égide do mercado. O Estado era apontado como algo que atrapalhava o desenvolvimento. Muitos dirigentes passaram o mandato inteiro repetindo isso, falando em choque de gestão”. A crise atual mostra que o que esse discurso conseguiu foi aplicar um choque quase mortal na economia.

A pesada herança deixada pelos adeptos do Estado mínimo e do choque de gestão foi ironizada pelo presidente. “Aqueles que sabiam tudo até a crise, fi caram sem saber nada com a crise. E aí o Estado (por eles demonizado) foi chamado a socorrê-los. Ninguém sabe até hoje quantos trilhões de dólares atravessaram os oceanos. E hoje esses trilhões desapareceram. O setor fi nanceiro fi cou dissociado do setor produtivo das nações. Essa é a oportunidade dos

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governantes voltarem a governar e dos Estados voltarem a formular políticas de desenvolvimento”. E, mais do que nunca, os governantes precisarão voltar a governar. Além do risco de uma onda protecionista de repercussões imprevisíveis, há outras tarefas urgentes como a regulação do sistema fi nanceiro internacional e o restabelecimento do crédito no mundo.

Para o presidente brasileiro, uma das condições para atingir esses objetivos é não contemporizar na avaliação sobre o que está acontecendo. “Lembro quando as delegações do FMI vinham aqui e diziam o que podíamos e devíamos fazer. Quando começamos a enxergar com nossos próprios olhos, começamos a nos recuperar”. Lula expressou otimismo acerca da travessia do Brasil na crise e defi niu o que não pretende fazer: “Não me peçam para que os trabalhadores paguem a crise outra vez, arrochando salários. É preciso distribuir renda para que a economia cresça”, pontuou, citando, como exemplos, programas como o Bolsa Família, o Luz para Todos (que já benefi cia 2 milhões de pessoas) e o fortalecimento da agricultura familiar. “Não sabemos tudo o que precisa ser feito, mas sabemos o que não queremos: arrocho salarial e contingenciamento de recursos”, concluiu.

José Múcio MonteiroMinistro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Ministro da Secretaria de Relações Institucionais e secretário-executivo do CDES, José Múcio Monteiro localizou o Seminário no Âmbito do esforço do CDES de debate sobre a crise fi nanceira internacional e de geração de propostas e recomendações para proteção da dinâmica brasileira de crescimento econômico com distribuição de renda.

Destacou o desafi o colocado pelo Seminário de consolidar uma perspectiva sistêmica e de longo prazo, para que o enfrentamento da crise possa conduzir ao aperfeiçoamento das instituições, à maior articulação entre os governos e ao diálogo entre os povos, contribuindo para a construção de um mundo menos desigual, mais sustentável e solidário.

Apontou questões para o debate durante os dois dias do seminário como a manutenção do fl uxo de crédito e dos investimentos públicos, a proteção do emprego e da renda dos trabalhadores; o aprofundamento e qualifi cação do processo de integração entre os países da América do Sul; e o papel das instituições multilaterais.

Para o Ministro José Múcio, o consenso do CDES é sobre a oportunidade de entendimento nacional em torno de uma agenda positiva voltada para o desenvolvimento do país. O diálogo é a ferramenta deste processo, incluindo os diversos pontos de vista e interesses; mobilizando a vontade coletiva e gerando soluções que atendam ao conjunto da população. “O tempo das verdades absolutas impostas aos países acabou. O futuro está em aberto”.

Paulo GodoyConselheiro do CDES

O Conselheiro do CDES Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) falou na abertura do Seminário, em nome do conjunto de conselheiros do CDES. O Conselheiro defendeu a necessidade de retomar o debate sobre a Agenda Nacional de Desenvolvimento, promovido pelo Conselho, em 2004. Para Godoy, a Agenda deve andar de mãos dadas com a concepção de um “Estado ágil, democrático e produtor de solidariedade entre União, Estados e Municípios”. Ele reconheceu que nos últimos anos houve inegáveis avanços na redução da desigualdade social, aumento da renda e do emprego, crédito habitacional, inclusão bancária e sistema de fi nanciamento, destacando, neste último ponto, o papel que vem sendo desempenhado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Por outro lado, Godoy apontou uma lista de propostas em torno das quais ainda se deve avançar. Entre elas, citou a necessidade de uma reforma do Sistema Tributário Nacional, a ampliação da escolaridade média da população, a queda das taxas de juros, a redução das desigualdades regionais, a diminuição do custo do capital, a estabilização do câmbio, o aumento do crédito para investimentos, a ampliação do Conselho Monetário Nacional e o fortalecimento dos bancos públicos. Enfatizando a gravidade do momento por que passa a economia mundial, ele resumiu: “Efeitos de cem anos de várias crises concentraram-se agora em uma única crise”. Para o Conselheiro do CDES, depois desta crise emergirá um novo mundo, onde valores mudarão de nome e conceitos serão alterados, dando origem a uma nova ordem internacional.

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Mesa-Redonda: Novo padrão de desenvolvimento - crescimento,

estabilidade e inclusão socialCoordenação: Ministro José Múcio Monteiro - Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais

da Presidência da RepúblicaPalestrantes: 1. Ministra Dilma Rousse� – Ministra de Estado-Chefe da Casa Civil2. Ministro Guido Mantega – Ministro da Fazenda3. Ministro Henrique Meirelles – Presidente do Banco CentralComentários: João Paulo dos Reis Velloso - Conselheiro do CDES Jorge Gerdau Johannpeter - Conselheiro do CDES Jorge Nazareno - Conselheiro do CDES José Antônio Moroni - Conselheiro do CDES Luiza Helena Trajano - Conselheira do CDES Rodrigo Loures - Conselheiro do CDES

Dilma RousseffMinistra de Estado-Chefe da Casa Civil

Modelos de crescimento no Brasil

A Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff , falou sobre os desafi os colocados para o Brasil construir um novo padrão de desenvolvimento em meio a uma das mais graves crises econômicas mundiais da história. Qual a exigência do “novo” exatamente? Para contextualizar essa questão, a Ministra relembrou os recentes ciclos econômicos da história do país. Nas décadas de 1960 e 1970, durante a ditadura militar, houve um período de alto crescimento com a montagem de cadeias produtivas e de projetos de infraestrutura. No entanto, assinalou Dilma Rousseff , foi um modelo fortemente concentrador de renda, com alto endividamento externo e exclusão social. O país apresentou elevadas taxas de crescimento que não vieram acompanhadas, porém, pela redução da pobreza e das desigualdades sociais.

Já no ciclo que marcou as décadas de 1980 e 1990, optou-se pela estabilidade, pela valorização do curto prazo e pela aceitação dos ajustes propostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em um cenário de grande instabilidade externa. Neste período, agravou-se a concentração de renda e a exclusão e ocorreu o deslocamento para o setor privado de algumas funções do Estado. Na avaliação da Ministra da Casa Civil, um dos principais problemas deixados pelas políticas implementadas neste período foi a destruição de importantes instrumentos de gestão e planejamento. O Estado perdeu capacidade de planejar e pensar o longo prazo. Além disso, a vulnerabilidade externa do país aumentou, signifi cativamente, fragilizando a economia e diminuindo a capacidade de investimentos na infraestrutura nacional.

A redução da vulnerabilidade externa foi justamente uma das prioridades do governo Lula, a partir de 2003, observou Dilma Rousseff . A Ministra elencou algumas das conquistas obtidas pelo atual governo: queda da relação dívida pública/PIB; ampliação do crédito; ampliação do emprego e da renda dos setores mais pobres da população, favorecendo a criação de um mercado de consumo de massas; combate às desigualdades regionais com investimentos pesados nas regiões Norte e Nordeste; fortalecimento da Agricultura Familiar; políticas de inclusão social favorecendo milhões de brasileiros, como os Programas Bolsa Família, Luz para Todos e Territórios da Cidadania. Por meio dessas políticas, defendeu a Ministra, o atual governo trabalha por um padrão de desenvolvimento baseado em quatro eixos centrais: crescimento, estabilidade, equidade e garantia de direitos.

Esse modelo enfatizou, depende de um Estado atuante com um valor estratégico básico: o estabelecimento de parcerias com o setor privado. Além disso, trabalha com dois grandes eixos de atuação: programas sociais e políticas de desenvolvimento. Através dos primeiros, constituiu-se uma rede de proteção social com a inclusão de milhões de brasileiros no mercado consumidor. As transferências sociais passaram de 5% a 6% do PIB para 8% a 9%. Um dos principais resultados dessas escolhas exemplifi cou Dilma Rousseff , foi à passagem, nos últimos anos, de aproximadamente 20 milhões de pessoas para a chamada “classe média”. No terreno das políticas de desenvolvimento, a

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Ministra destacou um ponto que muitas vezes é esquecido neste debate: investimento em educação. O estabelecimento de um piso salarial para os professores, o fortalecimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e a ampliação do número de escolas profi ssionais foram apontados por Dilma Rousseff como políticas centrais do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

O PAC e os gargalos na infraestrutura

Já no plano da infraestrutura, citou a retomada dos investimentos na indústria naval, os investimentos em inovação, ciência e tecnologia e o conjunto de projetos que compõem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “O PAC não é um projeto isolado, não é uma lista de obras e tampouco uma peça de marketing”, defendeu a ministra. “O PAC pretende resolver gargalos na infraestrutura do país e trabalhar pela desconcentração regional de renda. Não é um fi m em si mesmo. O que se quer com esse programa é aumentar a efi ciência de todo o sistema”, explicou. Entre os gargalos, citou a precariedade dos serviços públicos em áreas fundamentais como energia, abastecimento de água e saneamento básico.

Projetos de infraestrutura, ressaltou, não se fazem apenas com o Orçamento Geral da União. “Eles exigem a participação do setor privado, que já é muito importante e tem que ser ainda maior. O PAC permitiu que a engenharia nacional recompusesse sua estrutura”, destacou. Dilma Rousseff citou como exemplos de projetos que exigem maior participação do setor privado, os da implementação de trens de alta velocidade, dos biocombustíveis e do etanol.

Até 2010, disse ainda a ministra, o conjunto de investimentos previstos para o PAC envolverá recursos da ordem de R$ 1,148 trilhões. Neste conjunto, incluem-se, entre outras obras e projetos, a reconstrução do sistema ferroviário nacional, a exploração de petróleo na área do pré-sal (“queremos exportar derivados petroquímicos e não petróleo bruto” informou), o aumento da produção de energia renovável na matriz energética brasileira (explorando fontes como biomassa e energia eólica, entre outras) e o aumento da rede de saneamento no país. “Estamos trabalhando com um horizonte de longo prazo para os investimentos. A crise está sendo transmitida ao Brasil por um choque de crédito, mas estamos preparados para enfrentá-la. O PAC é um dos principais instrumentos do governo para enfrentar os efeitos negativos da crise”, concluiu a Ministra Dilma Rousseff .

Guido MantegaMinistro da Fazenda

O quadro de deterioração da economia mundial

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também analisou a situação do Brasil no atual cenário econômico mundial, assinalando, em primeiro lugar, que a evolução da crise fi nanceira nos Estados Unidos segue indefi nida. Mas, segundo Mantega, estamos assistindo a uma deterioração acelerada da economia mundial. No entanto, assegurou, o Brasil reúne condições mais favoráveis para enfrentar seus efeitos. “O Brasil foi um dos últimos a sentir o impacto da crise e pode ser um dos primeiros a sair dela”. O Ministro forneceu alguns números para dar a exata dimensão da deterioração a que se referiu. Os prejuízos de bancos no epicentro da crise, contabilizados pelo FMI, chegam a US$ 792 bilhões (esse valor deve ser ainda maior). A queda do Citigroup exemplifi ca a gravidade da crise. Um dos ícones do capitalismo mundial, o banco valia US$ 103,4 bilhões, em agosto de 2008. Hoje vale apenas US$ 8,2 bilhões.

A redução da produção industrial e do comércio mundial deverá ser de 40%, previu Mantega. E a queda do PIB mundial em 2009, segundo estimativa da revista � e Economist, deverá chegar a 1,9%. Diante destes números, a nova abordagem dos economistas, acrescentou, é trabalhar com três cenários: um ruim, um péssimo e outro catastrófi co. Os elementos que compõem tais cenários envolvem queda dos investimentos, retração do crédito, fl uxo negativo de capitais e perda de confi ança com drástica mudança de expectativas. Apesar disso, o Ministro expressou otimismo sobre a abertura de um novo ciclo de desenvolvimento no Brasil, destacando como uma das principais condições favoráveis à estabilidade política e institucional brasileira.

A situação do Brasil diante da crise

Além desta, há fatores econômicos que alimentam o otimismo do Ministro Mantega. Nos últimos três anos, a economia brasileira vem se benefi ciando com o crescimento dos investimentos (10% em 2006; 13,3% em 2007 e; 14% em 2008). O aumento do consumo interno é outra arma para enfrentar a crise. Hoje, destacou, cerca de 52,6% da população encontra-se na classe média. No plano macroeconômico, Mantega destacou a solidez fi scal do país (o superávit primário em 2008 foi o maior dos últimos anos, chegando a 4,5%) e a redução da dívida pública brasileira para 36,5% do PIB. “Teremos que cortar gastos correntes para manter investimentos” admitiu, mas “reduzimos nossa vulnerabilidade externa e mantivemos nossas reservas quase intactas”.

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O risco Brasil acrescentou, vem caindo mais do que o dos demais países considerados emergentes, o Real está relativamente estável e o país registrou até aqui um impacto menor no setor de produção de veículos leves (nos EUA, em janeiro de 2009, essa queda foi de 36,9%, em relação a janeiro de 2008, enquanto que no Brasil a queda no mesmo período foi de 8,1%). Na avaliação do Ministro da Fazenda, a situação do emprego no Brasil também é melhor do que no resto do mundo. “A projeção para 2009 é que as admissões serão superiores às demissões em cerca de 20%”.

O Ministro Guido Mantega também citou a situação do sistema fi nanceiro brasileiro como um dado positivo para o enfrentamento da crise, especialmente o fato de que o Brasil possui hoje bancos públicos sólidos, responsáveis por cerca de 35% do total de crédito no país. Mantega acredita que esse número pode aumentar ainda mais. “O crédito imobiliário representa apenas 3,5% do PIB e tem uma grande capacidade de crescimento”, exemplifi cou. Além disso, apontou a autonomia energética brasileira como outro fator que ajudará o país a atravessar esse período de forte turbulência global. “São esses círculos de defesa que resguardam a economia brasileira”, assegurou.

O Brasil não repetirá, garantiu o titular da Fazenda, o comportamento adotado por outros governos em crises anteriores. Lembrou que esse comportamento consistia basicamente em elevar os juros, cortar investimentos e promover arrocho salarial. Mantega disse que, graças à atual solidez macroeconômica, o Brasil poderá implementar políticas anticíclicas. Será feito um aporte adicional de R$ 100 bilhões ao BNDES que, em 2009, terá ao todo R$ 168 bilhões para investimentos. Por outro lado, reconheceu que há um conjunto de problemas a solucionar. Um deles é a falta de crédito e o custo fi nanceiro elevado, especialmente para pequenas e médias empresas. Outro é a retração do comércio internacional, que afetará o Brasil. Diante desse quadro, a prioridade do governo, garantiu, será trabalhar para manter o nível de emprego e estimular o investimento.

Henrique MeirellesPresidente do Banco Central

O Brasil vai crescer mais que a média mundial

Ao analisar as possibilidades da economia brasileira atravessar a crise de modo menos traumático do que deve ocorrer com a maioria dos outros países, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, chamou a atenção para a importância de entender a natureza da crise, seus canais de transmissão e o modo como tais canais se relacionam com o Brasil. Meirelles lembrou que a crise começou no mercado imobiliário dos EUA, com uma forte alta da inadimplência, problema que acabou se alastrando para outros setores. Os efeitos mais imediatos dessa transmissão são o aumento do custo do crédito no mundo, o aumento do desemprego e a queda do consumo nos EUA, três fenômenos que estão acontecendo neste momento. Em um outro plano, a crise fez com que o valor de mercado dos bancos dos EUA despencasse e continue caindo. O presidente do Banco Central advertiu para outro problema que está no horizonte: o risco de bancarrota do sistema bancário dos países do Leste Europeu, que deverá repercutir principalmente na Europa.

O Brasil assinalou o presidente do BC, entrou na crise crescendo fortemente, com um aumento de cerca de 6,8% na demanda doméstica. Assim como Guido Mantega, Meirelles citou como dados positivos o volume das reservas internacionais do Brasil (US$ 205,1 bilhões de dólares em 2008) e a redução da vulnerabilidade externa (a dívida externa brasileira está hoje na casa dos US$ 80 bilhões). Considerando estes números e os canais de transmissão da crise, como ela poderá afetar o Brasil? Para responder tal pergunta, Meirelles lembrou que o principal canal de propagação da crise é o crédito. Com os gravíssimos problemas que enfrentam, os bancos dos EUA concentraram o crédito no mercado doméstico e cortaram-no para o resto do mundo. Esta medida terá repercussões negativas em toda a economia mundial.

Mas o presidente do BC repetiu o otimismo expresso nas intervenções anteriores. Para ele, o Brasil vai crescer menos do que nos últimos anos, mas vai crescer mais do que a média mundial e sair da crise mais forte. Isso, concluiu, graças à estabilização da economia, a uma política fi scal responsável e ao aumento dos investimentos públicos.

Comentários “O que cabe às lideranças nacionais fazer frente à crise”

Ao comentar os cenários apresentados na Mesa inaugural do Seminário, o Conselheiro do CDES, João Paulo do Reis Velloso destacou de forma resumida os quatro pontos que considera elevantes quando se trata

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do papel a ser desempenhado pelas lideranças nacionais diante da crise: i) Liderança para propor rumos, sugerir opções e mobilizar a nação; ii) Mobilizar para quê? Principalmente, para fazer opções: queremos a opção errada, como na altura de 1820, quando deixamos de integrar-nos à revolução industrial e mantivemos o modelo simplesmente agroexportador? Oportunidade perdida advertiu. Ou oportunidade aproveitada, como nos anos 1930, quando a indústria brasileira cresceu 10% a.a., e mudamos o modelo exportador; iii) Queremos ser a “nau dos insensatos” cada um cuidando dos próprios interesses e com isso ao final cometendo suicídio? Ou queremos tentar a conciliação, negociando antes de demitir, evitando o neoprotecionismo próprio e lutando contra o neoprotecionismo dos outros, aproveitando oportunidades, para sair da crise melhor que os outros países? Iv) Vamos propor, dialogar, negociar, fazer alianças? Ou vamos fazer a “marcha da insensatez”, em que o país age contra os próprios interesses e depois segue a “marcha da quarta-feira de cinzas”?

Continuando sua fala o ex-ministro enfaticamente indagou: Afinal o que somos: somos líderes – governamentais, intelectuais, empresariais, sindicais, da sociedade civil -, ou somos expectadores, criminosamente egoístas, “vendo a banda passar”? Concluiu sua fala afirmando: “A opção é nossa. E o ponto chave é: vamos liderar? Cada um vai fazer a sua parte?”

Em seguida, o empresário e Conselheiro do CDES Jorge Gerdau, Presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau, apontou o que chamou de “circuito da nãoconfiança” como um problema central a ser enfrentado. Para ele, confiança é uma palavra-chave para enfrentar a crise e a falta dela uma das piores coisas que poderia acontecer. A mesma posição foi defendida pela Conselheira Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza. “A crise é também de confiança. Temos que ter algumas atitudes positivas diante da crise. Temos vergonha, por exemplo, de dizer que o Brasil está bem e o país está indo bem”, afirmou.

Outro risco apontado por Gerdau foi o da falta de governança global para enfrentar a situação atual. Citou como exemplo a ausência de uma articulação entre os principais bancos centrais do mundo para a adoção de medidas comuns. Se o mundo não se estruturar para esse período pós-globalização financeira, as coisas ficarão muito difíceis, previu. Quanto à situação do Brasil, o empresário acredita que as principais limitações estão fora do país. A Embraer, exemplificou, depende totalmente do mercado internacional; se este não funcionar, não adianta. Gerdau culpou, por fim, a irresponsabilidade e a falta de governança como fatores responsáveis pela crise. “Os governos não exerceram seu papel de fiscalização e regulação”, criticou.

“Qual é mesmo o Brasil que queremos?”

Já o Conselheiro Jorge Nazareno Rodrigues, do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, criticou as empresas que estão demitindo trabalhadores como forma de enfrentar a crise. “Apesar do crescimento da economia brasileira nos últimos anos, agora as empresas fazem demissões, com cortes secos”. Protestou ainda que não está havendo nenhum debate das empresas com os trabalhadores. “A relação entre capital e trabalho precisa ser mais debatida dentro do Conselho. Está faltando respeito aos trabalhadores”, criticou. O sindicalista defendeu a redução da jornada de trabalho como instrumento contra a crise e a redução das taxas de juros. “Eu não vi do Ministro Meirelles nenhuma comparação entre as taxas de juros do Brasil e as de outros países”, assinalou, referindo-se à intervenção do presidente do Banco Central. Por fim, Jorge Nazareno fez uma declaração de apoio irrestrito ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em sua luta pela defesa da Reforma Agrária brasileira.

A menção à Reforma Agrária como uma política imprescindível para um projeto de desenvolvimento encontrou eco na declaração do Conselheiro José Antonio Moroni, coordenador do Fundo Nacional de Assistência Social. Moroni mencionou outros temas que, na sua avaliação, deveriam frequentar esse debate: exclusão social, falta de acesso ao saber, falta de acesso às riquezas produzidas por todos, democracia e poder político, o modelo de produção e consumo e a criminalização dos movimentos sociais. “Falar de desenvolvimento não é falar apenas de política econômica. Qual é mesmo o novo padrão de desenvolvimento que queremos? Será que temos consenso sobre o Brasil quequeremos?” – indagou.

“O esgotamento das receitas ditas liberais”

O Conselheiro Rodrigo Loures, Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), falou em seguida fazendo uma análise bastante detalhada sobre o momento pelo qual o mundo passa e

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o que vai exigir de todos os atores sociais. Ele acredita que o Brasil tem plenas condições de atravessar a tormenta, mas, para isso, “é imperativo aplicarmos nossas competências para tratar a crise a partir de uma nova visão. Precisamos ver que estamos vivenciando um momento de inflexão do sistema econômico global”.Houve uma clara mudança de sinal e o Brasil precisa estar atento a este movimento, destacou.

“Muito antes de a atual crise atingir a dimensão que assumiu, após a quebra do Lehman Brothers”, assinalou ainda, “já era flagrante o esgotamento das receitas ditas liberais que buscavam se colocar como modelos de desenvolvimento para os países emergentes e subdesenvolvidos”. A síntese de tal esgotamento veio a público com a publicação do relatório do Banco Mundial sobre o Crescimento, em 2008, no qual há o reconhecimento, por instituições internacionais e economistas de diferentes formações, de que não havia mais uma receita única para o desenvolvimento. A avaliação isenta dos casos de países que conseguiram sustentar longos períodos de crescimento durante o século XX indicava que havia, e segue havendo, muitos caminhos possíveis para o desenvolvimento e que muitas destas trajetórias pressupunham uma articulação exitosa entre Estado e mercado que a crise sancionou.

A crise colocou na mesa a necessidade de uma nova agenda, mas por duas razões não será simples responder o que ela conterá, enfatizou. “Em primeiro lugar, porque a crise subverte as prioridades. O urgente urgentíssimo é a sobrevivência no curto prazo. As questões do médio e longo prazo sucumbiram ante a necessidade de dar respostas à escalada de falências, ao colapso do mercado financeiro, ao desemprego e à desorganização da produção e do comércio. Em segundo lugar, não há clareza do que é a nova agenda de desenvolvimento, porque não voltaremos ao mundo do pós-segunda guerra. O ressurgimento de um certo ‘keynesianismo’ não significa a retomada da relativa maior autonomia dos estados nacionais daquele período. Muitas das novidades das últimas décadas vieram para ficar, como o deslocamento de uma parte importante da produção manufatureira para a Ásia, em especial para a China, ou ainda a forte interdependência das principais economias, expressa na velocidade com que essa crise se espalhou pelo mundo”.

“Se a nova agenda do desenvolvimento ainda demorará a ser posta com clareza, a crise vai exigir um esforço gigantesco de gestão de política econômica e de rearranjo institucional para ser superada. O sucesso ou não de seu enfrentamento será ditado pela capacidade das economias desenvolvidas de fazer com que seus sistemas financeiros voltem a funcionar de forma adequada. Uma tarefa visivelmente complexa e delicada, que pode estar sujeita a novos choques em função da contaminação de instituições financeiras de fora dos Estados Unidos ou da dificuldade em financiar países com elevados déficits em conta corrente”, concluiu Loures.

Por fim, indagou: “será que nós saberemos organizar nossas ações de curto prazo com um olhar que vá além do horizonte? “Sabemos que nossas carências são amplas e que em termos estruturais precisamos fazer algumas apostas. Mas podemos ficar no que é consenso entre nós”. Loures apontou três questões que, na sua visão, estão na linha de frente de nossos dilemas: i) a infraestrutura, onde os gargalos se acumulam e há carências e oportunidades de investimento; ii) a agenda da educação, campo em que nosso desempenho fica aquém de muitos dos países latinoamericanos; e iii) a agenda da inovação, um consenso frágil, porque sabemos que é relevante, mas não conseguimos dar passos decisivos e claros em direção ao futuro. É possível organizar uma agenda de enfrentamento à crise que dê respostas a estas questões? – indagou. “Creio que sim. E creio que seria muito melhor do que comprometermos a capacidade fiscal com medidas de menor sustentabilidade e que tornem ainda mais rígidas nossas amarras orçamentárias”.

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Conferência: “Desafi os para o Desenvolvimento Brasileiro”

Conferencista: Professora Maria da Conceição Tavares – Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Relator: Germano Rigotto – Conselheiro do CDES

Maria da Conceição TavaresEconomista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

A conferência da Professora Maria da Conceição Tavares tratou dos desafi os colocados para o desenvolvimento brasileiro. A economista defi niu a crise atual como sendo “a síntese de todas as crises e maluquices que eles já fi zeram”. “Eles” são os Estados Unidos, no caso. Para Conceição Tavares, se é verdade que os EUA podem fazer o que quiserem para tentar superar a crise, é verdade também que seu futuro depende hoje, fundamentalmente, da Ásia, em especial da China. Ela disse não acreditar em uma intervenção pesada no sistema fi nanceiro por parte do governo norte-americano. “Os EUA não têm tradição de intervenção. Isso não ocorreu nem na crise de 1930. O que houve naquela época foi, no máximo, um cerceamento de Wall Street”, resumiu.

Sobre as consequências para o Brasil, afi rmou que “é uma guerra de resistência; e o Brasil tem condições de segurar o manche e agüentar”. Enfatizou, também, que a crise certamente vai afetar nossa balança de pagamentos e que a dúvida é se o setor privado investirá num quadro de recessão mundial. Uma das grandes vantagens do Brasil, destacou, é a existência de empresas públicas fortes e de três grandes bancos públicos, Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (Caixa) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O BNDES, o BB e a Caixa podem gerar contrapesos à contração do crédito internacional, propiciar capital de giro e investimentos com contrapartida de garantia de emprego. Basta ter determinação política.

“O que temos hoje (Petrobras, Banco do Brasil, etc.) vem da era Vargas. Fernando Henrique Cardoso (FHC) perdeu a aposta. Felizmente. Senão, estaríamos rastejando, como está o México”. Por outro lado, advertiu que não é possível falar hoje de uma “refundação do Estado desenvolvimentista” ou de uma “remontagem da indústria pesada”. Isso porque, entre outras razões, não há uma hegemonia na sociedade brasileira. Não há hegemonia sequer na burguesia nacional. “A pressão externa está internalizada no país. Temos uma sociedade heterogênea que não tem um projeto nacional. Incluímos 20 milhões na classe média baixa, mas é a classe média baixa. E os 10 milhões de cima, o que querem?” – perguntou. Essa heterogeneidade refl ete-se também, acrescentou, no comportamento do Banco Central e na sua relação com o sistema fi nanceiro. “O nosso Banco Central tem uma tradição que decorre da crise de 1980. A partir deste período, passamos a adotar a metodologia do FMI para tratar do défi cit fi scal (que considera, por exemplo, investimentos públicos como gastos)”.

Essa heterogeneidade, porém, não se constitui em um obstáculo intransponível para enfrentar a crise. “Temos fôlego e não precisamos do FMI”, sublinhou Conceição Tavares, classifi cando o PAC como uma política de infraestrutura para valer. O governo tem fôlego fi nanceiro sufi ciente para acionar a demanda e o investimento por meio de uma engrenagem de quatro pilares: as políticas sociais; a nova política habitacional; as obras do PAC – que alavancam a conjuntura e corrigem as desigualdades da estrutura regional; e a Petrobras que nos dá auto-sufi ciência em óleo e ao mesmo tempo mantém encomendas que podem sustentar faixas do parque industrial. “É um erro considerar o PAC como uma política anticíclica. Mais da metade do PAC é para depois de 2010. Com esse programa, temos uma política mais equalizadora do ponto de vista da diminuição das desigualdades regionais, e mais efi ciente. Espero que esses programas perdurem para além de 2010”. Na avaliação da economista, um dos principais problemas que o Brasil tem que resolver está relacionado à situação das regiões metropolitanas, que necessitam de investimentos públicos pesados. O problema é que investimentos em saneamento, transporte metropolitano e segurança precisam de uma engrenagem muito grande entre União, estados e municípios. “Não temos tradição disso”.

A sorte, ressaltou a economista, é que temos o núcleo duro de um Estado de seguridade social (o que seria mencionado mais tarde também pelo economista chefe do Bradesco, Octavio de Barros). “Diziam que a Constituição de 1988 iria tornar o Brasil ingovernável (pelo acréscimo de direitos). Foi justamente o contrário. Vejam o exemplo do governo Bachelet, no Chile, que só pode voltar a discutir seguridade pública, depois que a seguridade privada faliu. O Estado de bem-estar social tem que ser preservado”. Além do fortalecimento desse sistema de proteção social, Maria da Conceição Tavares defendeu a necessidade de aprofundar as políticas de educação. “Precisamos

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intensifi car a educação como regra. Jovens de 12 a 18 anos têm muita difi culdade para conseguir emprego. É assim mesmo, não tem jeito. O que precisamos fazer é intensifi car a educação desses jovens. Juventude e emprego são dois problemas centrais com os quais devemos nos preocupar”.

Por outro lado, a economista criticou as propostas de corte de gastos de custeio e de adoção de políticas de ajuste fi scal contra a crise. “Os grandes gastos de custeio são os das políticas universais (educação e saúde, por exemplo). Vão querer voltar atrás? Nós estamos percorrendo o caminho que países como Argentina, Chile e Uruguai percorreram no início do século passado. Depois, eles sucumbiram ao delírio neoliberal e quebraram a cara. Nós entramos muito tarde neste delírio. A nossa tradição de país tardio nos ajudou neste caso. Não fi zemos o que Argentina, Chile e Uruguai fi zeram. Quando olho para 2010, o que mais me preocupa é o fi scalismo de um dos candidatos”. Conceição Tavares também criticou as demissões coletivas em empresas fortemente subsidiadas com dinheiro público e descartou a possibilidade de uma Reforma Tributária em meio a uma crise mundial da economia.

Se o cenário nacional não é motivo de pessimismo para a economista, o mesmo não ocorre com o panorama mundial. “Não é bom o quadro. A parte política é que me preocupa mais. Aparentemente, todo mundo virou keynesiano. Mas isso não é verdade”. “O que precisamos fazer agora”, defendeu, “é reduzir aceleradamente os juros para chegar ao patamar que está sendo adotado internacionalmente”. E criticou o conservadorismo do Banco Central, que seria mais conservador que os normalmente conservadores bancos centrais de outros países. “Nós temos dentro do Brasil uma nação que é a Petrobras e um feudo inimigo, o Banco Central. Isso vem de longe, desde a ditadura. Quando Delfi m Netto era ministro, também não mandava no BC. Aliás, o próprio presidente dos Estados Unidos não maneja seu banco central. Somos vítimas de uma ideologia conservadora de juros. No mundo, todos se espantam com a nossa ortodoxia, mesmo o Banco Central Europeu, um dos mais conservadores de todos. É um vício público que se tornou privado”, concluiu.

Destaques da fala do relatorApós a intervenção da professora Maria da Conceição Tavares, o conselheiro Germano Rigotto ressaltou que

tanto a professora quanto o Ministro Guido Mantega (Fazenda) concordam em um ponto: o Brasil tem vantagens em relação a outros países do mundo para enfrentar a crise econômica. Ele lembrou ainda alguns problemas citados pelo Ministro da Fazenda que precisam de enfrentamento: 1) falta de crédito e elevado custo fi nanceiro; 2) retração do comércio internacional e questões que envolvem o próprio Mercosul; 3) manutenção do nível de emprego; e 4) estímulo ao investimento. Em relação ao alto custo fi nanceiro e escassez de crédito, o conselheiro Germano Rigotto lembrou aos participantes do Seminário que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em suas recomendações ao Presidente da República sobre medidas que deveriam ser adotadas pelo país diante da crise, sugeriu que o espaçamento entre as reuniões do Copom, que hoje ocorrem a cada 45 dias, seja diminuído durante o período de crise. Essa medida traria mais agilidade para que algumas ações emergenciais sejam tomadas, caso da redução acelerada da taxa básica de juros.

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Mesa de Diálogo: O papel do estado no mundo pós-crise e os

desafi os do estado brasileiroCoordenadora: Tânia Bacelar - Conselheira do CDESRelator: Lincoln Fernandes - Conselheiro do CDESPalestrantes:1. Ignacy Sachs – Economista (Ecossocieconomista), diretor do Centro de Estudos sobre Brasil Contemporâneo

na França2. James Galbraith – Professor da � e Lyndon B. Johnson School of Public A� airs, University of Texas3. Jan Kregel – Economista da Levy Economics Institute os Bard College, ex-Chefe da DESA/ONU4. Márcio Pochmann - Presidente do IPEA5. Luciano Coutinho – Presidente do BNDESComentários:Antoninho Trevisan - Conselheiro do CDESJosé Lopez Feijóo - Conselheiro do CDESLuiz Carlos Delben Leite - Conselheiro do CDESPaulo Speller - Conselheiro do CDES

Ignacy SachsEconomista (Ecossocieconomista), diretor do Centro de Estudos sobre Brasil Contemporâneo na França

O papel do Estado no mundo pós-crise

Ignacy Sachs, diretor do Centro de Estudos sobre Brasil Contemporâneo na França, foi o primeiro a falar na Mesa “O papel do Estado no mundo pós-crise e os desafi os do Estado brasileiro”. E iniciou sua participação concordando com uma afi rmação feita pouco antes por Maria da Conceição Tavares, a saber, a de que não é verdade que todo mundo virou keynesiano depois da crise econômica mundial. “Investir em habitação popular ou em bombas de hidrogênio, ambas as coisas podem ser consideradas políticas keynesianas mas são diferentes”. Ou seja, os entusiasmados com um suposto retorno do keynesianismo em escala global deveriam enquadrar esse entusiasmo em um contexto mais amplo. Esse diagnóstico está baseado, entre outras coisas, na idéia de que o que estamos assistindo agora não se limita a uma crise econômica. Sachs trabalha com a idéia de três crises: crise fi nanceira, crise do modelo de globalização fi nanceira assimétrica e crise ambiental.

Para o economista, referido na verdade como um “ecossocioeconomista”, essas três crises conjugadas requerem soluções simultâneas e a construção de um novo paradigma energético e de um novo padrão de consumo que contemple a redução do desperdício de energia. Além disso, disse Sachs, a crise nos obriga a repensar que tipo de Estado queremos. Sobre esse ponto, a suposta unanimidade keynesiana apresenta muitas rachaduras. “Há aqueles que querem simplesmente restabelecer a situação anterior. E há aqueles que estão em busca de novos caminhos”, resumiu. Sachs está neste último grupo e acredita que o Brasil tem um conjunto formidável de ativos para trabalhar nesta direção. Destacam-se neste conjunto de ativos: população economicamente ativa superior à soma de idosos e crianças; parque industrial preservado (o que não ocorreu na maioria das economias submetidas ao modelo neoliberal); vasto território e tecnologia para explorá-lo de forma sustentável; liderança na produção de alimentos e de bioenergia; estoque de capital sufi ciente e um poderoso mercado interno.

A atual crise econômica mundial observou, marca o ápice de um processo de esgotamento dos mais importantes modelos de desenvolvimento que dominaram o cenário mundial após a Segunda Guerra Mundial. O comunismo se desmoronou com a queda do Muro de Berlim. A crise fi nanceira anuncia o início do fi m do neoliberalismo. Por sua vez, a social-democracia permanece estagnada em um atoleiro teórico e político. Isso signifi ca, alertou, que estamos todos convocados a inventar novos modelos, a buscar novos caminhos.

A partir dessas considerações, Sachs propôs cinco alavancas para construir um projeto de desenvolvimento para o Brasil:

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1. Debate sobre o projeto nacional, a partir da idéia de que é necessário restaurar a capacidade de planejamento;

2. Construção de parcerias por meio de um diálogo quadripartite, reunindo representantes do governo, dos empresários, dos trabalhadores e da sociedade civil; Implementação de políticas sociais voltadas à redução das desigualdades. Fortalecer e aprimorar programas sociais evoluindo das políticas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família, para geração de oportunidades. Citou como exemplos dessas políticas de geração de oportunidades o programa Territórios da Cidadania do governo federal e grandes obras reunidas em programas como o PAC. Há espaço, defendeu, para PACs locais e iniciativas de garantia de emprego no território, como vem ocorrendo na Índia. Para Sachs, os Territórios da Cidadania são uma espécie de irmão-gêmeo do PAC. Trata-se, segundo ele, de iniciativas indissociáveis em um projeto de reordenação econômica e social que aproveite as demandas da crise para legitimar novos motores de crescimento;

3. Investimento em pesquisa e em redes de tecnologias sociais e de estímulo às práticas de economia solidária;

4. Ação internacional articulada para a construção de uma nova ordem econômica internacional, reforçando laços com países numa perspectiva Sul-Sul.

James GalbraithProfessor da Th e Lyndon B. Johnson School of Public Aff airs, University of Texas

Uma crise de percepção

Se Ignacy Sachs acrescentou duas novas dimensões para pensar a crise econômica, o economista James Galbraith, professor da � e Lyndon B. Johnson School of Public A� ais (University of Texas) agregou uma terceira. Para ele, parte da solução para os problemas atuais passa pela compreensão de que estamos vivendo também uma crise de percepção. A primeira coisa a notar nos acontecimentos dos últimos meses, assinalou Galbraith, é a violência e o escopo da queda econômica nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e na Rússia. “A era da globalização foi abruptamente interrompida pelo colapso do comércio mundial. Essa crise foi prevista por pouquíssimos economistas. A maioria não conseguiu prever o que estava por vir por causa de um processo de amnésia histórica. Apesar de tudo o que estamos vendo, a mente neoliberal presume que tudo vai voltar ao normal. Voltar ao normal? Essa percepção é um dos obstáculos hoje para uma resposta efi ciente contra a crise”, afi rmou.

Essa crise acrescentou, não é resultado de um choque do petróleo ou algo do tipo. “Ela emergiu quando bancos importantes olharam para suas carteiras e viram que tinham envenenado sua própria água”. O resultado desse envenenamento foi o colapso no sistema de empréstimo interbancário. Esse processo, segundo Galbraith, lembra em alguns pontos a crise de 1930, mas tem elementos novos. “Nos Estados Unidos, vimos o crescimento de um Estado predador, com práticas radicais de desregulamentação. Os mercados celebraram e recompensaram esse comportamento. As práticas fraudulentas tiraram as não fraudulentas do mercado”. Agora, embora todos reconheçam que essa crise é mais séria e diferente das demais, poucos ajustaram seu pensamento e suas respostas para as interrogações que estão colocadas no cenário mundial. A idéia de que vamos voltar ao normal, enfatizou o economista, é uma das principais manifestações dessa crise de percepção.

“As pessoas aprendem devagar. As sociedades também. Muito tempo vai passar antes que as pessoas aceitem a verdade sobre o que aconteceu”, previu Galbraith. Ele apontou outra idéia equivocada utilizada na caracterização da crise: o crédito é um fluxo que está bloqueado. “O crédito não é um fluxo, mas sim um contrato que exige que os compradores tenham algo promissor para tomar esse crédito. É por isso que dar dinheiro aos bancos não cura a doença dos bancos. A razão pela qual os bancos não estão concedendo crédito é que há uma escassez de oportunidades promissoras de investimento, ou de tomadores de empréstimo com garantias apropriadas, com imóveis valorizados ou outras garantias”.

As medidas necessárias, prosseguiu o economista, são aquelas que o governo Obama está relutando em tomar. O Estado deve assumir o controle, fazer auditorias e ver quais bancos devem sobreviver. A resistência a esse tipo de ação, ainda segundo Galbraith, deriva de um outro equívoco, o daqueles que defendem que o Estado não deve intervir. “O Estado não intervém na economia, ele é parte da economia, desempenhando um papel estratégico de sistematização”.

A ausência desse papel, assim como a falta de uma coordenação global para enfrentar a crise só vai favorecer os mais fortes, não contribuindo para a solução dos problemas. Galbraith lembrou que na Grande Depressão de 1929, a solução adotada pelo governo dos EUA foi a de investir na construção de uma rede de proteção social. “O New Deal não foi uma invenção de Keynes. O que o Estado fez naquele período foi procurar reduzir o risco e aumentar o padrão de vida na base da pirâmide econômica, por meio de instrumentos de garantia de depósitos, da implementação de

\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES 159\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \

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um sistema de assistência e segurança social, de investimentos em educação e de medidas para estabilizar a indústria e a agricultura”. Lidar com a pobreza, concluiu, é uma das formas mais efi cazes de se lidar com uma crise econômica, muito mais efi caz do que simplesmente dar dinheiro aos bancos ou grandes empresas. “Deste modo é possível restaurar os fl uxos de renda, de capital, e a capacidade de tomada de empréstimo da população e do sistema como um todo”.

Como se luta contra a pobreza, contra a desigualdade? Justamente expandindo a rede de segurança social. Na Grande Depressão de 1929, praticamente toda iniciativa de maior porte se tratou de um meio de reduzir o risco, distribuindo-o e aumentando o padrão de vida na base da pirâmide econômica. Garantias de depósitos, o sistema de assistência e segurança social, as medidas para estabilizar a indústria e a agricultura, tudo foi nesse sentido, e foi assim que os EUA conseguiram sair da pior fase da crise econômica, destacou Galbraith.

Jan KregelEconomista da Levy Economics Institute os Bard College, ex-Chefe da DESA/ONU

Brasil e a Recessão Global do Século XXIl

As manifestações otimistas sobre as possibilidades brasileiras diante da crise encontraram uma voz dissonante em Jan Kregel, economista do Levy Economics Institute of Bard College e ex-chefe da Área de Desenvolvimento e Análise de Políticas no Departamento de Economia e Assuntos Sociais da ONU. Kregel jogou areia no otimismo brasileiro. “Durante a crise do México, dizia-se que não iria acontecer nada com o Brasil. Agora escuto a mesma coisa. Em geral, essa é a reação brasileira. Em quase qualquer crise internacional, a resposta inicial brasileira é de que o Brasil é muito forte e não será afetado. O Brasil será afetado, e mais do que geralmente se reconhece.”. Defi nindo o estouro da crise nos EUA como uma tentativa de substituir o mercado de capitais por mercados de crédito, ele explicou assim seu pessimismo:

“A força da economia brasileira está baseada em políticas de curto prazo que estavam sendo benefi ciadas pelo modelo que fracassou. O Brasil foi benefi ciado pela bolha fi nanceira global e pelas políticas que adotou neste período: altas taxas de juros, superávit fi scal, atração de fl uxo de capitais estrangeiros. O aumento das reservas também se deveu a fatores externos que não existem mais. É importante ter em mente que essas coisas que benefi ciaram o Brasil não estarão mais presentes”.

Os bancos brasileiros, prosseguiu Kregel, não entraram no cassino enlouquecido de derivativos porque o Brasil forneceu uma taxa de retorno muito maior que a dos derivativos. Até agora, assinalou, as respostas do Estado brasileiro à crise caminham no sentido de tentar preservar a situação anômala dos altos juros e atração de investimento externo, o que é insustentável no médio prazo e totalmente insufi ciente para se proteger da crise global.

Para ele, a resposta mais efi caz à crise reside na série de programas estruturantes propostos agora pelo governo brasileiro. Programas como o PAC, os Territórios da Cidadania, o Plano de Desenvolvimento da Educação, as políticas de estímulo às empresas de pequeno e médio porte e programas de garantia de emprego que já vem sendo implementados em alguns países. No entanto, advertiu, as políticas de curto prazo têm suplantado as de médio e longo prazo, que ainda são sacrifi cadas pela política de curto prazo de estabilidade macroeconômica à custa de altos juros. Contra essa situação, Kregel defendeu a necessidade de articulação entre as políticas de curto, médio e longo prazo, privilegiando os programas geradores de emprego e renda e os programas educacionais e de capacitação profi ssional, de ciência e tecnologia & inovação. Concluiu reforçando a idéia de que o governo deve desenvolver mais ações para aumentar o nível de emprego, usando, até mesmo programas ofi ciais para transformar o setor público em “empregador de última instância.”

Márcio PochmannPresidente do IPEA

Em defesa da refundação do Estado

Em sua intervenção, o Presidente do IPEA, Márcio Pochmann, defendeu que a crise é estrutural. O fracasso do modelo neoliberal reforça a necessidade de se construir um novo tipo de Estado. Os fundamentos da governança global estão comprometidos: antes os países possuíam empresas; hoje as empresas possuem países.

Pochmann lembrou que, em 2009, estamos completando 24 anos de experiência democrática ininterrupta no Brasil, a mais longa experiência de um país de baixa cultura em relação ao papel do Estado. Até aqui, observou, prevaleceu uma visão mecânica que não se cansa de repetir que mais Estado signifi ca menos mercado e vice-versa. A crise atual, destacou, está mostrando que é justamente o contrário. “Hoje sabemos que menos Estado resulta em menor mercado”. Diante da tempestade que se abateu sobre o sistema fi nanceiro mundial, aqueles que defendiam o Estado mínimo não hesitaram em pedir o socorro do suposto vilão.

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No Brasil, as políticas privatizantes implementadas pelos defensores do Estado mínimo reduziram a participação dos bancos públicos de mais de 50% para cerca de um terço da disponibilidade do crédito doméstico. Além disso, lembrou Pochmann, a transferência de empresas públicas para o setor privado respondeu por 15% do PIB e pela destruição de mais de 500 mil postos de trabalho. Agora, acrescentou, estamos diante de uma crise sistêmica e estrutural e não basta propor mais uma reforma do Estado. “Precisamos de uma refundação do Estado. O modelo de produção e consumo é inviável porque degrada o meio ambiente e coloca em risco a espécie humana. As bases de fi nanciamento dos últimos 20 anos estão comprometidas e precisam ser radicalmente reformuladas. Os fundamentos da governança global também. Assistimos hoje a grandes distorções como o fato de as três maiores corporações do planeta apresentarem um faturamento igual ao do Brasil. Neste cenário, as saídas para a crise passam necessariamente pela reformulação do Estado”, defendeu o presidente do IPEA.

Para Pochmann, duas questões desafi am esse debate sobre o papel do Estado. Em primeiro lugar, defendeu, é preciso reconhecer que estamos diante de um novo padrão civilizatório, com novas formas de organização do trabalho.

“Na sociedade pós-industrial que está sendo conformada, temos ganhos crescentes de produtividade imaterial e novos ganhos de excedentes econômicos. A relação do trabalho com a vida está mudando, com ingresso no mercado de trabalho depois de 25 anos, possibilidade de educação para a vida toda e um trabalho menos dependente da sobrevivência. Essa é a realidade dos fi lhos das camadas mais ricas da população”. Uma República que mereça esse nome, acrescentou, é sinônimo de igualdade de direitos e de oportunidades, e deve abrir a possibilidade desse mundo a todas as pessoas.

Aqui entra a segunda questão referida por Pochmann, que está relacionada à concepção funcionalista da educação, hoje dominante. Ele defendeu a necessidade de superar essa concepção na direção de uma educação continuada para toda a vida. “A nova sociedade pós-industrial abre a possibilidade de uma expectativa de vida ao redor dos 100 anos de idade, abrindo também uma perspectiva civilizatória superior, com educação para a vida toda e uma relação mais criativa com o trabalho”. Mas como expandir essas possibilidades para o conjunto da população? Para o presidente do IPEA, uma das principais medidas é a ampliação do fundo público, a partir da tributação sobre o excedente adicional gerado por novas fontes de riqueza. Essa ampliação é que permitirá a expansão dos serviços públicos de saúde e educação.

Não seria a primeira vez que isso acontece, lembrou. No século XIX, os fundos públicos correspondiam a aproximadamente 5% do PIB. No século XX, esse índice subiu para algo entre 25% e 45% do PIB. No século XXI, dada as condições e demandas citadas acima, essa exigência subiria para algo em torno de dois terços do PIB. Obviamente, tal mudança exigiria uma nova relação do Estado com o mercado. Os problemas apresentados pela atual crise econômica mundial, concluiu Pochmann, apresentam também uma oportunidade para realizar uma profunda mudança do Estado e de sua relação com o mercado e a sociedade. Existem muitas possibilidades. Nos últimos 25 anos as grandes empresas sufocaram a competição.

O Estado precisa reinventar o mercado com competição ampla, com pequenos e médios empreendimentos. É preciso haver uma concorrência cooperativa. Tudo isso requer nova estrutura bancária. É preciso prover assistência massifi cada. Nunca tivemos tão próximos de poder construir algo similar. Esse seria, então, um dos desafi os centrais do período em que vivemos hoje.

Luciano CoutinhoPresidente do BNDES

As di� culdades para prever a extensão da crise

No encerramento do painel sobre o papel do Estado diante da crise, o Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, alertou para a ameaça de um longo período de estag-defl ação e para a difi culdade de prever as consequências da crise. Mesmo assim, arriscou uma previsão: “provavelmente teremos crescimento negativo da economia mundial em 2009 e em 2010 e depois disso o crescimento do PIB deve ser muito baixo”. A crise deriva de um colapso do sistema fi nanceiro dos países centrais.

Coutinho chamou a atenção para o comprometimento de recursos públicos nos EUA, até aqui, contra a crise: cerca de US$ 9 trilhões, sendo que deste total, aproximadamente US$ 2 trilhões já foram efetivamente gastos. O presidente do BNDES classifi cou como “algo quase surreal” a nacionalização do setor fi nanceiro em curso em vários países, inclusive na maior potência capitalista do planeta, os Estados Unidos. Um dos resultados desse processo, observou, é que os Estados nacionais sairão desta crise brutalmente endividados e as moedas dos países centrais muito provavelmente fi carão debilitadas.

“Estamos assistindo apenas aos primeiros capítulos de uma grande crise”, resumiu. “Sem uma forte intervenção do Estado, em larga escala, não há saída”. Luciano Coutinho admitiu que os países em desenvolvimento estão

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sendo fortemente afetados pela crise, com a queda do preço de commodities; a retração do crédito; a redução do fl uxo de capitais de quase US$ 900 bilhões para algo em torno de US$ 100 a – US$ 150 bilhões destinados a investimentos diretos em 2009. “Apenas alguns poucos países terão acesso a esses escassos recursos”, advertiu. Na avaliação do presidente do BNDES, serão benefi ciadas as economias com maior mercado interno e com capacidade de fi nanciamento doméstico, como a China e a Índia. A Rússia vive uma grande crise cambial.

Nos anos 1930, lembrou, quando ocorreu a Grande Depressão, o Brasil estava em condições bem piores e conseguiu enfrentar a turbulência. Coutinho apontou as vantagens comparativas que o Brasil apresenta hoje. “O setor fi nanceiro está em melhor condição. Temos algum espaço para políticas anticíclicas e política monetária. Há um espaço inegável para a queda da taxa de juros. Outras vantagens são os investimentos previstos pelo PAC e as extraordinárias possibilidades de exploração de petróleo e gás”. A sustentação do mercado interno é essencial para sustentar o investimento.

Quanto ao papel do Estado neste cenário, Luciano Coutinho defendeu a necessidade de retomar a capacidade de planejamento de longo prazo. Agora, em meio à crise, é necessária a política industrial para gerar competitividade. Mas é preciso pensar a longo prazo, construindo capacidade institucional e instituições. Segundo o presidente do BNDES, não há experiência bem sucedida de desenvolvimento sem planejamento, políticas de desenvolvimento regional e uma equipe de funcionários do Estado, permanente e qualifi cada.

Destaques da fala do relatorO relator da mesa, Conselheiro Lincoln Fernandes resumiu os principais pontos discutidos pelos palestrantes.

Sobre a fala do Professor Ignacy Sachs destacou sua análise sobre a percepção de três crises – uma crise fi nanceira, uma crise de globalização assimétrica e uma crise ambiental – que requerem soluções simultâneas: i) efi ciência no uso dos recursos (cortar desperdícios); ii) substituição de energia fóssil por energia renovável e iii) geração de trabalho descente. Sobre a questão da continuidade da trajetória de crescimento brasileiro o relator ressaltou que Sachs acredita que o Brasil poderá crescer com “oportunidade de mudanças estruturais, com a adoção de políticas socialmente includentes, e ambientalmente sustentáveis”.

Ao comentar a fala de James Galbraith, o relator chamou a atenção para sua posição sobre a interrupção da era da globalização e sobre a possibilidade da crise manifestar-se de forma mais aguda em países emergentes e com maiores plataformas exportadoras, embora tenha contaminado todo ambiente mundial na medida em que a responsabilidade da crise advém, na sua opinião, da transferência do poder regulador para os agentes predadores do mercado. Lembrou que o Professor Galbraith considera a previsão de que iremos voltar às condições anteriores à crise equivocada - Pessoas aprendem devagar, a sociedade é lenta e a implementação do governo também é lenta. Oportunidades serão perdidas e a crise se acumulará até a tomada de novas decisões. A solução do problema passa por reorganização internacional, mas esbarra em interesses individuais e velocidade diferente entre nações para tomadas de decisões No caso brasileiro, o Conselheiro assinalou que as soluções apresentadas vão ao encontro de medidas que vêm sendo tomadas pelos formuladores de políticas no Brasil: Ou seja: “O Estado deverá investir em construção, educação, garantir o ambiente produtivo, gerar empregos públicos, estabelecer normas e regular mercados. O Programa de Seguridade Social deve ser ampliado”. Além do mais no Brasil os bens naturais estão aí, e não foram atingidos pela crise.

Sobre o professor Jan Kregel o relator destacou o comentário que a crise é diferente das anteriores, do fi nal do século passado e foi causada não somente pelo sistema fi nanceiro, mas também por nações, o que afeta a todos. O Brasil será atingido muito mais do que se imagina, advertiu. Uma advertência apoiada nas seguintes razões:

A força do Brasil está apoiada por políticas de curto prazo e em sistemas internacionais que não mais voltarão. A melhora do Brasil ocorreu em função de fatores que estavam fora do seu controle, como as commodities por exemplo. E o Brasil teve sucesso em atrair investimentos estrangeiros por praticar uma taxa de juros muito elevada, mas isto não ocorrerá mais. Desapareceram as condições para geração de grandes reservas internacionais para o Brasil. Ou seja: a força do Brasil está ligada a anomalias como: juros e compulsório elevados; controle do governo no mercado de capitais, via BNDES. Na sua avaliação, o PAC é um programa adequado para enfrentar a crise e deve ser mantido; o crédito é importante para curto prazo, mas não resolve em longo prazo e há necessidade de coordenar políticas de curto prazo com políticas de médio e longo prazo. Por exemplo: um programa de emprego e renda é solução de curto prazo, mas pode ser integrado com programas de médio e longo prazo, garantindo competência e capacitação do trabalhador, sugeriu.

Em relação à exposição de Márcio Pochmann, o relator destacou sua enfática defesa da necessidade de refundar o Estado a partir do diagnóstico de que a crise é estrutural e sistêmica e na direção do que colocou o Professor

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Ignacy Sachs convergindo para o diagnóstico da presença na crise global de três crises que se interligam: a do sistema fi nanceiro, a crise ambiental global e acrise de governança. Portanto, as soluções para as crises do século XX não respondem às necessidades do século XXI., advertiu. “O Estado pós-crise dependerá da construção de um novo padrão civilizatório”. Pochmann defendeu a necessidade de romper com a concepção funcionalista da educação, na construção de um padrão civilizatório superior e levantou aspectos que ao serem examinados podem agregar aspectos instigantes ao debate, principalmente no que se refere ao mercado de trabalho. Ele defendeu, por exemplo, a idéia de que o trabalhador pode trabalhar fora do local de trabalho (em casa), com ganhos de produtividade imaterial. Este ganho de excedente econômico, sugeriu, não é capturado pelo sistema tributário. A elevação da expectativa de vida remete à idéia de que a escola tem que ser criada para a vida toda. Por outro lado, disse Pochmann o ingresso no mercado de trabalho, pelo menos para os que têm recursos, foi adiado para após 25 anos de idade. É preciso abandonar a idéia da escola antiga, pois estamos vivendo em um ambiente de grande número de informações e a escola pode sistematizar isto.

Já o presidente do BNDES, Professor Luciano Coutinho, após examinar a crise do colapso do sistema fi nanceiro global trouxe, sob o ponto de vista do relator, um ponto novo ao debate, a questão da possibilidade de ingressarmos em um longo período de estag-de� ação com duração prevista para algo em torno de quatro a cinco anos e com graves consequências para as economias de todo o mundo: i) os bancos centrais farão extraordinárias intervenções e comprometerão os recursos públicos; ii) os países sairão muito endividados da crise. Portanto a moeda dos países desenvolvidos estarão debilitadas; iii) o dólar poderá vir a ser questionado como padrão monetário; iv) torna-se difícil imaginar como os Estados emergirão após a crise, mas é certo que a crise exigirá forte intervenção do Estado, advertiu.

Sobre os países emergentes, Luciano Coutinho apontou que serão fortemente afetados por: oscilações nos preços das commodities; encolhimento do setor exportador e contração de créditos e fl uxos de capitais. Contudo, no âmbito dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) temos aspectos positivos, resumiu o relator: na China prevalecem boas condições de mercado interno; elevada capacidade de Investimento do Estado; independência em relação a créditos externos. A Índia desfruta de um bom mercado interno e depende muito pouco de mercado externo. A Rússia, contudo, passa por uma grave crise cambial. E para o Brasil, temos inúmeros pontos animadores a destacar: sistema fi nanceiro estável; volume de reservas cambiais razoáveis; extraordinária oportunidade nos campos de petróleo e gás; o PAC; programas em andamento como o de biocombustível, o programa de habitação popular, programas de sustentação de emprego e um bom mercado interno.

As propostas de solução apresentadas nesta mesa foram resumidas assim pelo relator:

1. Ignacy Sachs sugeriu a construção de um estado desenvolvimentista e atuante, porém enxuto. Esta posição de Estado enxuto difere de outros palestrantes, mas não é certamente a tradicional visão de Estado mínimo tão difundida na literatura dominante.

2. Jan Kregel destacou a importância de políticas de curto prazo coordenadas com políticas de médio e longo prazo. E considerou esta proposta de mudança de atitude do governo brasileiro para uma visão de longo prazo, como de grande importância para o futuro do país. Propôs, também, suportar programas de geração de emprego e renda.

3. Luciano Coutinho reforçou a visão da necessidade de planejamento de longo prazo e construção de capacidade institucional no Estado.

4. Marcio Pochmann propôs uma refl exão sobre a necessidade de uma refundação do Estado. Esta postura provocativa e inovadora é muito interessante nos momentos de crise, pois nos leva a rever paradigmas que, inconscientemente, aceitamos de pronto, sem a devida análise crítica necessária em ambientes fortemente impactados por crises, os quais exigirão outros valores para construção do caminho da recuperação.

O Conselheiro sublinhou a necessidade de visão de longo prazo, de discutir como sair da crise com soluções duradouras.

ComentáriosMedidas de curto e de longo prazos

O Conselheiro Luiz Carlos Delben Leite iniciou sua fala afi rmando sua convicção do acerto das políticas econômicas e sociais implementadas pelo presidente Lula. Ressaltou, entretanto, que ainda não se conhece toda a profundidade da crise e o tempo necessário para resolvê-la. “Então temos que imaginar ações capazes de perdurarem ao longo do tempo e que sejam ações de Estado que procurem olhar o país em longo prazo também”.

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Afi rmou ainda que o Brasil deve preparar-se para aproveitar as eventuais oportunidades que a crise abre, sugerindo algumas medidas. A primeira delas diz respeito às exportações. “Nós temos hoje uma debilitação das exportações das commodities, que foi nosso forte nos últimos anos. Mas podemos melhora as condições de penetração, de competitividade do produto brasileiro no mercado internacional, gerando mais emprego, distribuição de renda e contribuindo para a melhoria da balança de pagamentos brasileiro, que é uma condição indispensável para o enfrentamento da crise a curto, médio e longo prazo”. Para tanto, sugeriu a criação de linhas de fi nanciamento de exportação para papel, celulose, aço, minérios, aviões, veículos, máquinas e equipamentos, calçados, tecidos, etc.

Como segunda medida, Delben Leite pediu a redução imediata e substantiva da Taxa Selic seguida de novas reduções até que se verifi que a estabilização e o equilíbrio dos níveis de produção e consumo no país. Também é preciso, segundo o Conselheiro, reduzir signifi cativamente os depósitos compulsórios mantidos pelos bancos junto ao Banco Central de forma a injetar mais liquidez no sistema e gerar mais recursos para o fi nanciamento da atividade interna no país, tanto na ponta do consumo quanto na ponta da produção. O Conselheiro pediu ainda maior celeridade do BNDES na concessão de fi nanciamentos, inclusive atuando em parceria com a FEBRABAN, para conseguir que outros bancos atuem nos fi nanciamentos de longo prazo.

Por fi m, sugeriu a ampliação dos investimentos em infraestrutura de forma articulada com estados e municípios, nos moldes do PAC, mas de forma mais acelerada. Ainda em relação ao PAC, propôs que se eleve em mais 1% do PIB os recursos destinados ao programa, de forma a gerar empregos, oportunidades e mais distribuição de renda no país.

Flexibilização de direitos não é resposta para crise

Ainda sobre esse tema, o Conselheiro José Lopez Feijóo, membro da Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), alertou para o risco de demissões e fl exibilização de direitos trabalhistas neste período de crise. “O Estado não pode ser máximo para os ricos e mínimo para os pobres”, resumiu. “Essa receita da desregulamentação que não deu certo, é bom lembrar, foi a receita da fl exibilização de direitos sociais e trabalhistas. Agora, em meio à crise, essa receita segue sendo apresentada por meio de propostas de redução de salários, de redução de direitos. São mais receitas de crise para combater a crise”.

Papel da educação

Paulo Speller, Conselheiro do CDES, membro de Conselho Nacional de Educação e presidente da Comissão de Implantação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab), manifestou que “fi ca cada vez mais claro que qualquer estratégia para superação da atual crise econômica-fi nanceira passa pela ação política de dirigentes, como expressou esta manhã o presidente Lula”. Isso, nos mais diversos foros e nos contatos bilaterais como com o G8, G20, ONU, nas parcerias solidárias, seja onde for, deve-se agir, posto que o fechamento de fronteiras protecionistas somente agravará a crise, enfaticamente sugeriu.

Todos os participantes da mesa, direta ou indiretamente, enfatizaram a necessidade de uma ação política coordenada e sugeriram que a eleição do presidente Barack Obama nos EUA cria um cenário mais propício a esta ação política, lembrou o Conselheiro.

O Conselheiro Paulo Speller, destacou um ponto de consenso entre os palestrantes. A importância da “educação, educação e educação, como diria Tony Blair, ao expressar suas três maiores prioridades”. Sachs falou sobre as tecnologias sociais, que estão diretamente relacionadas à educação; Galbraith mencionou a perda de oportunidades, o que acaba por agravar a crise; Kregel destacou a perda da capacidade laboral (labor skills) instalada com o crescimento do desemprego; Pochmann foi mais explícito ao mostrar que o Estado pós-crise caminhará na direção de um novo padrão civilizatório onde será preponderante a sociedade do conhecimento, com a educação continuada para toda a vida; e Coutinho colocou em evidência as necessidades gritantes de qualifi cação no campo do agronegócio, com destaque para os biocombustíveis, onde o emprego sustentado mais voltado para o mercado interno depende de investimentos continuados na educação e capacitação para o trabalho, de modo permanente.

Speller aproveitou a oportunidade para rearfi mar as ações do Brasil no campo da Educação, destacando: “O Brasil, acertadamente, tem mantido e até expandido suas políticas e investimentos no campo da educação em todos os níveis por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), apesar de as responsabilidades da educação básica recaírem, constitucionalmente, sobre os Estados e Municípios. O Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) é outro exemplo de como a formação superior busca atender às grande demandas de novos conhecimentos e força de trabalho altamente qualifi cada”. No plano internacional, lembrou que o Brasil age não somente na ação política articulada, mas também assumindo suas responsabilidades nas políticas sociais, como é o caso da educação superior na busca da integração entre Brasil e África, o continente esquecido, mas que terá grande relevância na produção de alimentos e biocombustíveis no futuro próximo.

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Con� ança e solidariedade

O Conselheiro Antoninho Trevisan, por sua vez, citou o livro “Brasil: A trajetória de um país forte”, do professor Alcides Leite Junior, para afi rmar que há razões de sobra para se ter confi ança no Brasil. Para ele, o livro indica claramente que estamos nessa situação garças a um histórico de atuações tomadas para enfrentar a infl ação de 80% ou quando foi instituído o PROER. Em relação às palestras proferidas durante a Mesa, Trevisan destacou a menção de todos à necessidade de um papel do Estado mais forte. E enfatizou a apresentação de Márcio Pochmann, segundo a qual não basta uma reforma do Estado, é preciso refundar o Estado e repensar novas formas de relação de trabalho.

Trevisan abordou ainda um tema pouco explorado, a questão da economia solidária. “A análise da crise nos indica, sobretudo, que precisaremos ter mais solidariedade”, observou, destacando a fala de José Lopez Feijóo que questionou os empréstimos do BNDES a empresas sem que haja de fato uma contrapartida exigindo que não haja demissões. Sobre o fato de o Brasil estar entre os países menos afetado pela crise, o Conselheiro atribuiu isso ao fato de o país ser um grande produtor de alimentos. “O Brasil produz comida para si e para o resto do mundo. Isso dá e deu ao Brasil condições excelentes de gerar superávits comerciais”.

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Mesa de Diálogo: O processo de integração latino-americana - possibilidades de desenvolvimento e os efeitos da crise

fi nanceira internacionalCoordenador: José Carlos Bumlai - Conselheiro do CDESRelator: Sérgio Haddad - Conselheiro do CDESPalestrantes:1. Jorge Beinstein - Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Argentina2. Gerardo Caetano - Coordenador do Observatório Político (Udelar) e do Observatório Acadêmico do Centro de

Formação para a Integração Regional do Uruguai (CEFIR)3. Marco Aurélio Garcia - Assessor Chefe da Assessoria Especial da Presidência da RepúblicaComentários:Adilson Ventura - Conselheiro do CDESDanilo Pereira da Silva - Conselheiro do CDESJoão Bosco Borba - Conselheiro do CDESPaulo Vellinho - Conselheiro do CDESAnnete Hester - Pesquisadora do Centro para Inovação de Governança Internacional do Canadá

José Carlos BumlaiConselheiro do CDES

O Conselheiro José Carlos Bumlai coordenou a Mesa e destacou a importância de debater o processo de integração latino-americana que foi impulsionado nos últimos anos com a ascensão de novas lideranças políticas e sociais no continente. Analistas internacionais têm afi rmado que os países latinoamericanos estão mais preparados para enfrentar a crise atual do que nos anos 80 e 90 do século passado. Então, o grande desafi o, assinalou, é aproveitar as oportunidades do momento histórico, intensifi cando a integração econômica e social e estreitando os laços de solidariedade, tendo em vista a resolução de problemas estruturais da região, especialmente com relação à superação da pobreza, ao fortalecimento das instituições (políticas, econômicas, sociais e culturais) e à interligação da infraestrutura. Da mesma forma que o CDES propõe que o Brasil deve balizar o seu desenvolvimento com equidade e responsabilidade socioambiental, espera-se que sejam discutidas as formas que levem a América Latina a trilhar a estrada do desenvolvimento ancorada nestes princípios.

Estarão os países latino-americanos mais preparados para enfrentar a atual crise internacional? O que fazer para minimizar os efeitos da crise no continente?

Alguns países começam a adotar políticas de natureza protecionista para se defenderem da crise. Essa alternativa é adequada para a América Latina, ou deve-se buscar o diálogo para preservar e fortalecer o processo de integração regional?

A crise atual difi culta ou cria novas oportunidades para o desenvolvimento regional? Em caso afi rmativo, pergunta-se: quais são os principais eixos do desenvolvimento para a América Latina?

E a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) é um exemplo signifi cativo para a integração e independência? Como aproveitar as iniciativas em curso na região para fortalecer a integração como pré-requisito para o desenvolvimento da América Latina?

Jorge BeinsteinProfessor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Argentina

A Atualidade da Crise

Na abertura do debate, Jorge Beinstein, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, abordou esse tema partindo de uma refl exão sobre a atualidade da crise. Segundo Beisntein, estamos vivendo uma transição muito rápida entre recessão e depressão, com grandes quedas do Produto Interno Bruto (PIB) e

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desemprego. O economista lembrou uma recente nota de Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York e um dos primeiros a prever o colapso do sistema fi nanceiro internacional, sobre a caracterização da crise. Os economistas gostam de classifi car as crises com letras de alfabeto. Inicialmente, escreveu Nouriel Roubini, houve quem achasse que se tratava de uma crise em U (após a queda e um rápido período de estagnação, a economia voltaria a crescer). Os mais otimistas falavam de uma crise em V (queda e rápida retomada). Depois, passou-se a falar de uma crise em L (queda e um largo período de estagnação). O problema é que o “L” continuou caindo, sem dobrar para a direita. Ou seja, comentou Beinstein, estão faltando letras no alfabeto para defi nir a crise atual.

O ex-presidente do Federal Reserve (o Banco Central dos EUA) disse recentemente que essa crise já não se parece com a crise de 1929. “Não há mais referências históricas de uma crise destas dimensões. E se não há referências históricas sobre a natureza da crise, tampouco há sobre soluções. O sistema financeiro internacional simplesmente se desintegrou. George Soros chegou a comparar o que está acontecendo com o colapso da antiga União Soviética. Já não se trata de recessão ou depressão, mas sim de implosão”, definiu Beinstein. Uma implosão acompanhada por um clima de depressão psicológica e de elaboração de diagnósticos sombrios.

O economista argentino citou um informe especial encomendado pelo serviço de inteligência da Marinha dos EUA e apresentado no dia 17 de dezembro de 2008. Esse estudo traça quatro cenários pessimistas sobre o futuro dos EUA. O quarto cenário, denominado “Queda existencial”, prognostica uma depressão prolongada com redução do PIB da ordem de 35% ao longo dos próximos 6 ou 7 anos, com uma taxa de desemprego que chegaria a 15%.

É certo que a crise foi detonada nos EUA, observou ainda Beinstein, mas agora há outros detonadores prontos para entrar em ação. Um deles é o Leste Europeu que está em situação de bancarrota. Outro é a Suíça, onde já se fala também na possível bancarrota do sistema financeiro do país, considerado até então indestrutível. “Não se trata apenas de uma crise de crédito”, acrescentou o economista, repetindo outros diagnósticos expressos no Seminário. “Estamos diante de uma situação de insolvência. Somente a dívida dos EUA é de US$ 54 trilhões. Estamos diante de uma crise múltipla de longa duração”. Diante desse cenário, como ficam os processos de integração?

Alguns ficam muito mal, disse Beinstein. É o caso do NAFTA (que reúne EUA, México e Canadá) e da União Européia. A integração européia, assinalou, está andando em 3 velocidades e uma delas, a que envolve os países do Leste Europeu, está a beira do colapso financeiro. Por outro lado, há um processo de integração em curso na região da chamada Eurásia, envolvendo países como China, Índia, Rússia, Japão e Irã. Na avaliação de Beinstein, a crise deve acelerar este último que deve ser olhado com muita atenção.

O professor da Universidade de Buenos Aires elogiou a insistência do presidente Lula em defender o papel do Estado como motor do processo de integração. No entanto, ressaltou, a integração sul-americana está assentada em dois pilares que se encontram um pouco fragilizados. O primeiro deles diz respeito à situação dos Estados nacionais que sofreram um desmonte com as políticas neoliberais e exigem um processo de reconversão. O segundo está ligado à necessidade de desenvolvimento de uma economia popular voltada para o mercado interno desses países. Para Beinstein, o não fortalecimento desses dois pilares representa um importante obstáculo para que a integração avance.

Gerardo CaetanoCoordenador do Observatório Político (Udelar) e do Observatório Acadêmico do Centro de Formação para a Integração Regional do Uruguai (CEFIR)

É preciso mudar e aprofundar o Mercosul

O uruguaio Gerardo Caetano, Coordenador do Observatório Político (Udelar) e do Observatório Acadêmico do Centro de Formação para a Integração Regional do Uruguai (CEFIR), advertiu, por sua vez, para a importância de não subestimar a crise e suas ameaças. “Temos um horizonte muito incerto pela frente”. Caetano observou que diante da crise, uma resposta tradicional é os Estados nacionais se fecharem em si mesmos, adotando políticas protecionistas e interrompendo processos de integração. “Gostaria de trabalhar contra essa hipótese. A saída para a América do Sul pode ser apostar fortemente no fator da integração e do desenvolvimento regional”. Mas ele reconhece que há muitos obstáculos pela frente. Um deles é a possibilidade de fortalecimento de discursos nacionalistas, anti-integração. “Nos anos 1990, o Estado era o vilão. Depois, o Mercosul e a integração também passaram a ser apontado como vilões por setores das nossas sociedades”. E isso foi antes da crise, quando o fantasma do protecionismo não estava tão presente.

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Além deste, há problemas internos ao bloco sul-americano que também devem ser enfrentados, advertiu. “É preciso transformar e aprofundar o Mercosul. Há tempos não temos uma avaliação positiva sobre esse processo”. Caetano criticou a ilusão daqueles que achavam que a afinidade ideológica entre os governos era uma condição suficiente para fazer avançar a integração. “Integração é acordo entre Estados diferentes, entre interesses diferentes. Hoje, na América Latina, as nossas políticas externas não convergem. Em 2006, o Uruguai, com um governo de esquerda, esteve muito perto de firmar um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA. Seria um erro. Entre outras razões porque, na época, os EUA eram o primeiro comprador do Uruguai e hoje é o sétimo”.

Gerardo Caetano lembrou ainda da diversidade de propostas de integração atualmente em curso na América do Sul e na América Latina. “Temos o processo bolivariano com traços fortemente personalistas. Por outro lado, temos a tentação do retorno do caminho bilateral envolvendo países como Peru e Colômbia. Além disso, temos os processos do Mercosul e da Unasul. Estes dois últimos precisam ter uma agenda externa comum. Vejo com temor essa tentação do TLC no Brasil, com um outro governo. Seria algo muito ruim”. Agora, com a eclosão da crise econômica mundial, a agenda da integração assume nova atualidade. Seus problemas também. “Essa agenda não nasce com a crise, mas se posiciona de um modo conjunto diante dela”, observou Caetano, dando um exemplo de questão que exige um posicionamento conjunto dos países da região. “Temos recursos naturais estratégicos (em particular hídricos e energéticos), mas não temos um manejo integrado desses recursos. As riquezas e potencialidades da Bacia do Prata, por exemplo, já despertam várias cobiças externas”.

Outro problema apontado pelo professor uruguaio é a ausência de instituições, no âmbito do Mercosul, para pensar e implementar políticas nesta direção. “Precisamos superar a mera retórica da integração e priorizar a construção de novas institucionalidades. Os problemas são muitos. Apenas para citar um exemplo, a crise encontrou os países do Mercosul com políticas cambiais divergentes. Como vamos resolver isso? A situação atual nos obriga a pensar no médio e no longo prazo. Para isso, é necessário avançar muito ainda”.

Marco Aurélio GarciaAssessor Chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Brasil

A posição do Brasil sobre a integração regional

Assessor chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, citou uma frase de Gramsci para definir a situação atual, um período de declínio de paradigmas, de crise civilizatória, na sua avaliação. “Quando uma sociedade está em declínio e a outra não se afirma, podemos assistir aos fenômenos mais perversos”. Pois é este cenário de rupturas e incertezas que desafia os projetos de integração no continente. “Nossa visão de integração”, explicou, “parte do nosso projeto de desenvolvimento nacional que tem como características centrais reduzir um quadro de vulnerabilidade externa, trabalhar pela construção de uma ordem internacional democrática e pluralista e pela redução de assimetrias regionais”. Essa não foi uma opção tranqüila, destacou. “Há setores no Brasil que dizem que a América do Sul não tem que se unir e o que é importante é a aproximação com os Estados Unidos e a Europa”.

Marco Aurélio Garcia reconheceu os problemas que o processo de integração enfrenta, destacando alguns défi cits que precisam ser superados: a existência de fortes núcleos de pobreza e desigualdade social; a situação de escassa conectividade entre os países do continente; a existência de importantes assimetrias regionais; a presença de uma hipoteca ideológica conservadora com forte incidência junto aos meios de comunicação; a falta de coesão política e, por fi m, a falta de institucionalidade. Além disso, lembrou que o Mercosul nasceu como uma união aduaneira imperfeita, resultante não propriamente de questões econômicas, mas sim do período de redemocratização na região. Neste contexto, a compatibilização de políticas macroeconômicas e de políticas industriais e agrícolas permanece um desafi o a ser superado.

A iniciativa de construção da Unasul, explicou ainda, nasceu da consciência desses limites enfrentados pelo Mercosul e da necessidade de expansão do bloco. Contudo, esses limites aplicam-se também à iniciativa da Unasul. Garcia destacou cinco deles: exigência de institucionalização; necessidade de ganhar a sociedade para essa idéia; aprovação do tratado pelos parlamentos; adoção de medidas de curto prazo para enfrentar a crise e de instrumentos para reduzir as assimetrias entre os países da região. Um outro problema muito sério a ser enfrentado no curto prazo é enfrentar a ameaça do retorno do protecionismo.

Apesar desses problemas, o assessor da presidência brasileira apontou dois avanços conquistados recentemente: a estréia bem sucedida da Unasul na resolução da crise da Bolívia e a implementação do Banco do Sul como um importante mecanismo de financiamento. Destacou ainda a presença de três países

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da América Latina – Brasil, Argentina e México – nas próximas reuniões do G20. Para Marco Aurélio Garcia, a solução diante da crise é mais integração, mais Mercosul. “Precisamos avançar e pensar num desenvolvimentismo-regional”.

Destaque da fala do relatorEm seu relatório sobre os debates desta mesa, o Conselheiro Sérgio Haddad optou por fazer alguns

diagnósticos. O primeiro deles é sobre o consenso observado em relação ao reconhecimento da profundidade da crise e de seu sentido de longo prazo por um lado e de incertezas por outro lado. Além disso, há uma percepção de que a solução é a integração que se mostra uma alternativa para superação ou apoio durante o período de crise que está sendo vivenciado. Para o Conselheiro, o Seminário, em geral, e a Mesa sobre a integração latino-americana, em particular, mostraram a importância do debate sobre o protecionismo e/ou o aprofundamento de uma política de integração. O segundo bloco de questões refere-se ao papel do Estado. “Como bem foi frisado aqui pelo Gerardo Caetano, a crise mostra que o Estado não é um problema, mas uma solução”, lembrou o Conselheiro.

Para Haddad, as diversas manifestações a respeito do papel do Estado no processo de integração levantaram questões como a positividade de haver Estados com ideologias progressistas semelhantes hoje na América Latina, o que ajuda a integração da região. Além disso, foi dito que a integração deve ser pensada no longo prazo e não no curto prazo; deve ser focadas nos Estados e não em personalidades que os representem; deve, por fim, ser elaborada uma agenda externa comum. Uma outra questão fundamental diz respeito à economia. “Nós temos que pensar em cadeias produtivas que possam integrar esse processo econômico, no fator energético, a questão da infraestrutura, matrizes integradoras que permitam fazer para além do comércio, uma integração de natureza econômica e de caráter positivo”, defendeu.

Haddad finalizou sua intervenção, afirmando que se “essa é uma crise civilizatória, a dimensão dessa crise não está dada apenas sob o ponto de vista econômico”. “Acho que uma das questões que a gente poderia levantar como análise para além do processo de integração que está colocado como superação da crise é identificar os temas de natureza social, cultural que possam levar a América Latina, com sua identidade e diversidade cultural, a pensar em um novo modelo de desenvolvimento”, concluiu.

ComentáriosPor uma agenda de diálogo positiva

Ao analisar os desafios colocados para o Brasil diante da crise, o Conselheiro João Bosco Borba, presidente da Associação Nacional de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros, defendeu que a primeira coisa a fazer é não aceitar o receituário daqueles que foram responsáveis pela crise. Em segundo, acrescentou, é preciso ver o que o país tem de valor, principalmente do ponto de vista da estabilidade econômica e do controle do sistema financeiro. “O Brasil vai ter uma gripe, mas não vai pegar uma pneumonia na crise”, prognosticou.

O empresário defendeu ainda investimentos fortes nas pequenas e médias empresas que poderiam assim, aproveitando-se do contexto de crise, dar um salto de qualidade e ajudar a economia do país. Em relação aos possíveis conflitos resultantes do cenário atual, destacou que o diálogo é a melhor forma de trabalho. “Devem ocorrer demissões, não há como evitar isso, mas esse processo precisa ser negociado e organizado em termos de tempo. Demissões súbitas não são um bom negócio para ninguém”, resumiu. E deu um exemplo do tipo de negociação que pode ser feita para minimizar os prejuízos e aproveitar as oportunidades: “o presidente Lula anunciou um projeto para a construção de um milhão de casas populares. Os empresários devem trabalhar juntos com o governo para criar uma malha de empregos em torno deste projeto. É preciso enfrentar a ameaça do desemprego a partir de uma agenda de diálogo positivo”.

A área social é a mais afetada pela crise

Adilson Ventura, Conselheiro do CDES e Membro da União Brasileira de Cegos (UCB), destacou a importância dos efeitos sociais da crise econômica que o Brasil está enfrentando de maneira fortemente

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positiva. Ele lembrou que, nos últimos 30 anos, o Brasil sentia com muito mais força os impactos das crises internacionais. Hoje, conforme apresentado pela equipe de governo, o Brasil está preparado, tem reservas, e tem meios de enfrentar essa crise com poucas consequências negativas. Além disso, o Conselheiro ressaltou que a crise não foi causada pelo Brasil. Ventura lembrou também os problemas sociais, mais especificamente aqueles enfrentados por deficientes físicos, que hoje representam quase 30 milhões de brasileiros.

Segundo o Conselheiro, nos momentos de crise, o primeiro gasto cortado é aquele direcionado para políticas sociais. Qualquer contingenciamento nessa área, destacou, tem repercussões muito fortes e o retrocesso é catastrófico. E concluiu com a afirmação de que acredita no presidente Lula e na capacidade de recuperação do Brasil e da América Latina, mas que ações conjuntas são necessárias para evitar os impactos da crise na área social.

Debate sobre a América Latina não deve se resumir à crise

Para o Conselheiro Danilo Pereira da Silva, a discussão sobre a América Latina não deve se dar apenas em um contexto de crise. Ele chamou a atenção para o fato de que está em estudo uma proposta para sobretaxar mais de mil produtos argentinos, o que se refere ao mecanismo de proteção de cada país, em detrimento do interesse coletivo, no caso dos demais países. Em relação a acordos multilaterais no âmbito do Mercosul, defendeu que é preciso avançar na discussão e não simplesmente fazer uma integração nos moldes europeus.

“O professor Beinstein afirmou que vê três blocos no mundo e disse que o quem tem reais chances de se organizar e enfrentar e crise é o bloco da América do Sul”, lembrou. “Como questões mais urgentes a serem resolvidas, acho que temos que pensar no caso da Embraer e no caso da sobretaxa dos produtos argentinos, pois são temas com potencial para gerar muito desemprego aqui no Brasil. Em relação ao Mercosul, acho que deveríamos estender a discussão da implantação da convenção 150 da OIT, para protegermos o trabalho”, concluiu.

O mundo vai precisar do Brasil

O Conselheiro Paulo Vellinho manifestou seu sentimento de indignação diante da crise, que mostrou a natureza do capital especulativo. Para ele, o Brasil está em uma posição privilegiada e, no médio prazo, o mundo vai precisar do Brasil. “Nós temos uma alternativa para o mundo. Nós temos a capacidade de produzir alimentos e alimentá-los. Então dentro dessa realidade, primeiro nós temos que nos preparar para honrar com dignidade e soberania. Essa é a maior missão. Não sermos comandados pelo Primeiro Mundo. Podemos controlar nossos destinos e para isso nós precisamos ter que eliminar miséria, educação, saúde e outras coisas” observou. Para Vellinho, esses desequilíbrios socioeconômicos são um barril de pólvora e a integração da América Latina pode ser um passo em direção da superação dessas diferenças sociais.

Brasil fez a lição de casa

A professora Annete Hester, por sua vez, enfatizou que, no que tange à segurança energética e às mudanças climáticas, o Brasil desponta como um país que soube fazer a lição de casa. “Os 40 anos de preocupação brasileira com segurança energética, com a matriz energética, o fez tomar atitudes muito importantes. Tem muito trabalho a fazer, mas o Brasil se mostrou mais do que os outros capaz de fazê-lo”. Em termos de integração regional, Hester acha que o Brasil também tem lições a dar a seus países vizinhos. “Durante muitos anos o Brasil realmente teve uma preocupação com seus vizinhos e com a região não necessariamente só de interesse próprio, mas realmente interesse pela região. Então falta à região ter interesse pelo Brasil”, completou.

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Mesa de Diálogo: Globalização fi nanceira e perspectivas de um novo sistema de fi nanciamento e regulação do sistema

fi nanceiro internacionalCoordenador: Maurício Botelho - Conselheiro do CDESRelator: Antônio Neto - Conselheiro do CDESPalestrantes:1. Oriovista Guimarães – Presidente do Grupo Positivo2. Luiz Fernando Rodrigues de Paula – Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual

do Rio de Janeiro3. Octávio de Barros – Economista Chefe do Bradesco4. Robert Guttmann - Diretor do Centro de Políticas e Relações Internacionais da Universidade de John Hopkins,

Washington, D.C.Comentários:Clemente Ganz Lúcio - Conselheiro do CDESGabriel Jorge Ferreira - Conselheiro do CDESHumberto Mota - Conselheiro do CDESNair Goulart - Conselheiro do CDES

Maurício BotelhoConselheiro do CDES

Coordenador da mesa, o Conselheiro do CDES Maurício Botelho, Presidente do Conselho de Administração da Embraer destacou que o colapso do sistema fi nanceiro internacional colocou na ordem do dia a necessidade de profundas mudanças no modo de funcionamento desse sistema. Todos agora defendem algum tipo de regulação e a urgente reconstrução do crédito internacional. Esses desafi os motivaram essa Mesa.

O Conselheiro Maurício Botelho sublinhou que, depois da crise derrubar todo mundo, agora chegou a hora da regulamentação. Para ilustrar seu diagnóstico sobre o momento econômico atual, Botelho relatou uma experiência que viveu em janeiro de 2007, quando ainda estava na Embraer. “Estávamos recebendo a visita do segundo mais importante executivo de um dos maiores bancos do mundo. Era uma visita de cordialidade e eu perguntei naquele momento como estava a questão das famosas subprimes, que já começavam a surgir na imprensa. E a resposta dele foi até certo ponto irritada, como se eu estivesse sendo impertinente. E ele disse que nós brasileiros éramos engraçados mesmo, porque no dia anterior, em Brasília, ele havia escutado a mesma pergunta. A reposta dele: subprime não é um problema”.

”Provavelmente”, acrescentou Botelho, “o homem acreditava mesmo que a desregulamentação do mercado se solucionaria por si própria, apostando todas as fi chas no descontrole que descambou com a economia mundial. Agora, no entanto, é necessário que o Estado intervenha porque o mercado não tem como resolver isso sozinho. Ainda assim, temos que considerar as forças do mercado. O Estado é solução frente a este momento de crise absoluta, há que ver como fazer e avançar no sentido de impedir que ameaças como essa de agora não se repitam”, concluiu.

Octávio de Barros Economista Chefe do Bradesco

Descompasso entre riqueza e renda

Para o economista chefe do Bradesco, Octávio de Barros, o descompasso entre riqueza e renda está na origem da crise que é, entre outras coisas, uma crise de confi ança: sem confi ança não há crédito, sem crédito não há confi ança.

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E sem crédito, sobretudo, as exportações mundiais caem de forma brutal, a produção industrial despenca e a taxa de desemprego vai para cima. Em um cenário otimista, previu, a economia global deve ter uma queda de crescimento de 0,5%. Neste contexto, o Brasil terá mesmo que apertar o cinto em 2009: “O investimento total público e privado terá queda de 3,4% no país, que sofrerá também uma queda de 2,5% do PIB. Por maior e mais relevante que seja o esforço público, ele não compensa a queda do investimento privado. A economia vai operar de forma ociosa durante um ano e meio, temos de nos preparar para isso”, advertiu.

Por outro lado, Barros defendeu que esse cenário não deve ser motivo de preocupação para os brasileiros, pois existe a expectativa de sua reversão: “O crescimento projetado para o Brasil em 2010 é de 3,5% e, mesmo em 2009, o investimento aqui vai cair menos do que em outros países emergentes. O processo de desenvolvimento defl agrado no Brasil não vai parar, pois o custo da desmobilização total do desenvolvimento seria muito alto. O país vai voltar a crescer de forma mais acentuada já em 2010. Caso tivesse uma economia mais aberta, acrescentou, o Brasil sofreria muito mais. Nesta crise, os países mais abertos são os que estão sofrendo mais.

Papel dos Emergentes

Segundo projeção realizada por bancos privados, o Brasil deve se colocar em 2009, graças aos efeitos da crise sobre os países desenvolvidos, como o país com o quarto maior crescimento do mundo: “O Brasil deve crescer em torno de 0,6% em 2009, atrás somente da China (6,5%), da Índia (5,5%) e da Indonésia (2%). Haverá uma mudança grande de paradigma na economia mundial. O mundo, nos próximos cinco anos, vai crescer bem abaixo da média histórica, mas o Brasil está hoje na contramão do mundo. Seremos uma das cinco economias mundiais que terá crescimento positivo em 2009”, disse ainda o economista. O executivo do Bradesco ressaltou, também, a importância do papel dos países emergentes na busca por soluções para a crise econômica: “Haverá uma queda de 0,5% no crescimento global, mas, se levarmos em conta somente os países ricos, essa queda é de 6%. A crise não fez os emergentes mais dinâmicos mudarem de rumo, por isso o peso desses países aumenta ainda mais. Em meados de 2014, os países emergentes superarão o PIB dos países desenvolvidos. Existirão novas locomotivas da economia mundial nos próximos 10 ou 20 anos. A China alcançará os Estados Unidos, e o Brasil, cada vez mais reconhecido internacionalmente como um país maduro, pode também ter papel de destaque”.

Octavio de Barros citou ainda outras vantagens comparativas do Brasil para enfrentar a crise: a rede de proteção social construída no país, com políticas como Bolsa Família, aposentadoria, seguro desemprego; os investimentos públicos estratégicos planejados pelo governo; a solidez do sistema bancário. E repetiu o que praticamente todos os participantes do Seminário defenderam: a melhor política anticíclica é a redução dos juros. É melhor do que a agressividade fi scal, pois a queda da SELIC reduz o custo da dívida pública e abre espaço fi scal para ampliar os gastos sociais e os investimentos públicos. Sobre esse ponto, assegurou que os bancos têm o maior interesse que os juros básicos sejam os menores possíveis. “No Brasil, os melhores resultados dos bancos ocorreram justamente em períodos em que a taxa de juros básica era mais baixa. No passado, isso pode ter sido diferente, mas, no momento que o Brasil atravessa nos últimos anos, isso já foi superado largamente. O sistema bancário brasileiro torce para que os juros básicos despenquem no país, pois isso traduz uma economia mais vibrante e com menos riscos”, disse o economista.

O economista defendeu a redução do spread bancário, apontado por muitos como símbolo maior da ganância dos banqueiros, como uma das condições para a ampliação do sistema de crédito no país. “Como intelectual e pesquisador, eu dou a maior força para que nós avancemos de forma acelerada nessa discussão sobre o spread bancário. O comportamento que observamos no spread e na taxa de juros no Brasil revela uma deterioração da percepção de risco num sentido amplo. É muito possível supor que, no momento em que se destensione a economia mundial, o spread se reduza. Isso é plausível, assim como a redução da taxa de juros”. E pediu a seus interlocutores que os bancos privados não sejam demonizados nessa questão do spread: “A parte de lucro que cabe aos bancos é apenas uma fração do spread bancário. Algo como um quinto, segundo a Febraban, ou um quarto, segundo o Banco Central. O spread tem outros componentes, como o risco de inadimplência, a tributação, os compulsórios e os custos de observância dos riscos que os bancos correm por força da infl ação”.

Duas Propostas

Instigado por Clemente Ganz Lúcio, Conselheiro do CDES e diretor técnico do DIEESE a apresentar duas propostas essenciais para reduzir o spread bancário, Octávio de Barros sugeriu acabar com a tributação sobre a intermediação fi nanceira e reduzir o depósito compulsório, que, segundo ele, é um dos maiores do planeta: “O Brasil é o único país que tributa a operação de crédito e a intermediação fi nanceira, o que não faz o menor sentido. Tenho a impressão de que o ministro Guido Mantega e toda a área econômica do governo estão sensíveis a isso, pois é uma distorção”. E acrescentou: “Nós temos uma avenida de possibilidades para reduzir o depósito compulsório, e o Brasil caminha nessa direção. Quanto mais a crise internacional se agrava, maior o espaço pra isso. Não existe nenhum outro país que tenha em seu banco central um estoque tão grande de dinheiro retido dos

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bancos, dinheiro que poderia estar circulando”. O Brasil, concluiu, tem que perseguir mecanismos que mitiguem o risco de inadimplência, que representa 35% do spread bancário. Segundo o economista, existem no momento discussões entre os bancos e o governo sobre como enfrentar esse problema através da criação de um seguro ou um fundo.

Oriovista GuimarãesPresidente do Grupo Positivo

Problemas com a oscilação cambialO empresário Oriovista Guimarães, presidente do Grupo Positivo, fez algumas propostas pontuais que, na sua

opinião, deveriam ser encampadas pelo CDES. Salientando que a visão de um empresário é diferente da de um macroeconomista, observou que as reuniões do Conselho visam consensuar sugestões objetivas que possam ser levadas ao Presidente para que a economia brasileira possa funcionar melhor. E apresentou as suas sugestões, advertindo que o setor eletroeletrônico está sendo muito afetado por diferenças na taxa de câmbio e já sofre com os efeitos da crise. “O Brasil deve intervir internamente o mais rápido possível, sem esperar, com isso, interferir na economia mundial, ou seja, guiar seu barco sozinho e deixar que outros o sigam mais tarde. Não podemos esperar que o mundo mude e que esta mudança se refl ita aqui. Nós temos que trabalhar com as nossas próprias forças de regulamentação”.

Guimarães lembrou ainda que nem todo mundo apostou na loteria monetária que gerou a crise. Defendeu uma regulamentação do hedge, uma forma de proteger uma aplicação contra as oscilações do mercado, e o fi m do regime de preço nas compras pelos órgãos públicos, segundo ele, uma “fonte de corrupção e de problemas causados pela variação do dólar”. “Não precisa estatizar os bancos como o Lula sugeriu ao Obama. Mas o Banco Central deveria adotar o hedge para evitar o impacto da vulnerabilidade do preço do dólar nas empresas brasileiras. Depois, empresários brasileiros apostam em especulação como já fi zeram papeleiras e a indústria de frango. Meu negócio é fazer computador e não apostar em derivativo”, resumiu.

E fi nalizou sua participação deixando algumas perguntas relacionadas a problemas enfrentados hoje por empresários: Como administrar preços com a volatilidade do dólar? Como os empresários podem se defender quando, no fi nal do ano passado, nenhum banco queria fazer hedge? E aí, o que fazemos? “O Banco Central deveria regulamentar melhor o hedge, de modo que o empresário possa ter um mecanismo seguro a um custo menor”, concluiu.

Robert GuttmannDiretor do Centro de Políticas e Relações Internacionais da Universidade de John Hopkins, Washington, D.C.

Uma das tarefas da crise: acabar com os “bancos zumbis”

O professor Robert Guttmann, diretor do Centro de Políticas e Relações Internacionais da Universidade John Hopkins, de Washington, foi mais um a defender a necessidade de reformas profundas e urgentes no sistema fi nanceiro internacional. Guttmann advertiu que o trabalho que o mundo tem pela frente é pesado, uma vez que esta é uma crise sistêmica e estrutural. E fez uma rápida retrospectiva histórica sobre as crises mais recentes no capitalismo mundial. Segundo ele, há relações entre a intensidade da instabilidade fi nanceira em cada uma destas crises, a duração de cada uma delas e entre o grau de contaminação mundial da crise com a forma como ela se desenrola em cada um dos países. “Todas as últimas crises começaram com fenômenos de instabilidade fi nanceira. Agora, estamos apenas no começo de uma nova crise e ela será muito grave. Os bancos só agora estão reconhecendo o volume total de suas perdas e o comércio mundial está caindo fortemente”.

A longa depressão que se estendeu de 1873 até 1896, lembrou o professor, marcou o início do declínio inglês e só se resolveu, de certa maneira, na I Guerra Mundial. A grande depressão seguinte, a de 1929, atravessou todos os anos 30 e só foi superada com a reanimação da economia mundial em consequencia da Segunda Guerra Mundial. E a da década de 1970, com a crise do petróleo. “Existem lições em cada uma dessas crises. Você não consegue apenas saltar fora de uma crise como a que estamos vendo hoje, ela demanda uma reestruturação completa”.

Para o economista, a regulamentação exigida pela atual crise deverá ser muito drástica e profunda. “Primeiro, é preciso modifi car a política monetária e criar um novo sistema de crédito. Depois, sanear o sistema bancário. Ajudar alguns bancos a sobreviver e remover aqueles bancos zumbis, que circulam morto-vivos por aí. Existem bons e maus bancos, você deve remover cirurgicamente os tumores do sistema bancário. É necessário gerar uma política fi scal que melhore a rede de segurança social e que invista em coisas como o PAC brasileiro. Isso tudo é um bom começo, mas não é bastante, muitos países já tomaram essas decisões, embora tarde demais”.

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Guttmann defendeu ainda que apenas uma mudança radical será capaz de conter as ondas da crise por completo e evitar um tsunami fi nanceiro nos próximos meses. “Muitos países ainda não reconheceram a gravidade da crise. É um erro grave. Você não pode ter apenas uma solução nacional para essa crise, deve ser global e atingir as fontes da crise, que são frutos da globalização e estão enraizadas em todos os lugares”. Em meio a esses diagnósticos pessimistas, ele apontou o que considera uma boa notícia. “Obama já provou que é muito diferente de Bush e que é um líder muito mais internacional que os outros”. Os próximos lances do processo de crise, destacou, se darão no âmbito da reunião do G20, no próximo dia dois de abril. “O processo do G20 começou muito mal, produziu bons discursos de intenção que logo viraram promessas violadas (como as promessas feitas por vários países de não adotar medidas protecionistas). A partir de agora é necessário agir de acordo com as palavras e esse é o novo processo que o G20 vai ter que encarar”.

Na sua avaliação, os principais desafi os que devem ser enfrentados pelos países reunidos no G20 são os seguintes:

“Antes de mais nada, é preciso sanear o sistema bancário, que é o coração do sistema fi nanceiro e está mal, como um coração que consome muita gordura. Mesmo depois de um ataque cardíaco, ainda precisamos sanear o coração porque não podemos viver sem ele. Precisamos substituir os bancos zumbis por bancos comunitários e outras formas de crédito solidário. A partir daí, entregar um código de conduta aos bancos, para que as veias deste coração não fi quem mais entupidas e livrem-se de maus hábitos circulatórios como a especulação”.

Além disso, propôs uma série de medidas de médio prazo. “Temos que ir mais fundo em fi xar um sistema monetário internacional. A partir de agora, vai haver uma fragmentação monetária entre três blocos: América, Europa e Ásia. Isso é perigoso porque não podemos manter o sistema monetário mundial baseado no dólar, isso vai continuar a desestabilizar a economia”. O problema fundamental a ser equacionado aí, defendeu, está ligado ao fato de que temos um sistema monetário baseado em moedas nacionais, principalmente o dólar. A questão toda hoje é defi nir como o dólar chegará ao resto do mundo. Os EUA têm esse privilégio, mas está preste a perdê-lo, advertiu. Para enfrentar esse problema, Guttmann defendeu duas iniciativas: um novo sistema de fl utuação de câmbio, limitado a uma certa faixa (target zones); adoção da proposta de uma “cesta de moedas” - direitos especiais de saques (DES) -, apresentada embrionariamente pelo FMI, em 1968, para atenuar problemas de desequilíbrios de pagamentos entre países.

E, no longo prazo, defendeu mudanças ainda mais radicais:

“A crise é um bom momento para que modifi quemos todos os padrões para padrões de crescimento sustentáveis, que pensem o crescimento de forma pública, que ajudem a modifi car as fontes de energia, que acabem com a crise alimentar e demográfi ca e com os problemas ambientais do mundo. Um grande padrão sem fi ns lucrativos que mude as diretrizes do sistema monetário internacional”.

Luiz Fernando Rodrigues de PaulaProfessor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Velocidade da crise exige rapidez nas decisões

Último palestrante da Mesa, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Pós-Keynesiana Brasileira, chamou a atenção para a velocidade da crise e para a importância de tomar decisões rápidas no momento certo. Analisando a natureza e a origem da atual crise, observou que o processo de securitização no sistema fi nanceiro internacional acabou, ao contrário do que supostamente pretendia, mascarando e escondendo riscos. Agora, alertou, a ameaça de depressão exige a fi rme atuação dos bancos centrais como emprestadores de última instância (”Big Central Bank”) e a adoção de políticas fi scais anticíclicas (”Big Government”). “Avalio que a resposta do governo brasileiro está um pouco lenta, principalmente na demora da redução dos juros e na difi culdade em deslanchar os investimentos públicos”.

Reforçando diagnósticos feitos anteriormente, o economista apontou algumas vantagens dos países em desenvolvimento no enfrentamento da crise. Vários países apresentam superávit nas transações correntes e possuem elevados níveis de reservas, como é o caso do Brasil. Em segundo lugar, ao contrário do que ocorreu nos anos 90 do século passado, adotaram regimes cambiais fl exíveis. Não há hoje, na maioria destes países, crises cambiais como as que ocorreram na década de 1990 (com exceção dos países do Leste Europeu). Além disso, não houve até aqui um contágio fi nanceiro direto na economia destes países, em boa parte porque seus mercados de títulos são, em geral, ainda pouco desenvolvidos.

No caso do Brasil, além das variáveis citadas acima, conta positivamente também a existência de uma poupança predominantemente doméstica e de bancos públicos capazes de alavancar políticas de desenvolvimento. Isso não quer dizer, ressaltou, que o país está imune aos efeitos mais pesados da crise. O impacto da crise no Brasil está ligado,

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entre outros fatores, à difi culdade de acesso a fundos externos e à saída de capitais de não-residentes, compondo um cenário de crise de confi ança e de crédito. E é aí, advertiu, que o governo brasileiro não pode hesitar, demorando a fazer o que precisa ser feito: reduzir os juros e fazer deslanchar os investimentos públicos.

Destaque da fala do relatorO relator da Mesa, Antônio Neto, Conselheiro do CDES e Presidente da Central Geral dos Trabalhadores do

Brasil (CGTB), destacou algumas lições a serem tiradas do debate. Entre elas, assinalou: a falta de leis e normas é anti-social; e o Estado regula as relações entre os seres dentro de um ecossistema, no qual é necessário o equilíbrio, para que o meio não seja prejudicado ou que o ecossistema venha a se extinguir.

Ao comentar esses pontos, Antonio Neto citou o fi lósofo Jean-Jacques Rousseau: “o vínculo social é formado pelo que há de comum nesses diferentes interesses e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordam, nenhuma sociedade poderia existir”. E enfatizou: “O Estado e as leis, portanto, nos libertaram das hordas primitivas. O “livre mercado” e o “livre comércio” nos tornaram prisioneiros e vítimas do capital fi nanceiro especulativo, da sanha dos monopólios externos e internos. Os interesses monopolistas são contrários aos interesses dos povos. Os interesses do capital especulativo são contrários aos interesses do capital produtivo. A ação indiscriminada e sem controle destes dois vírus levará milhões de pessoas à morte por inanição. Por isso, somente uma regulação que vá além de medidas keynesianas, como afi rmou Marcio Pochmann, libertará a humanidade desta crise, que nos trouxe uma certeza: a necessidade de se caminhar no caminho inverso das políticas neoliberais até hoje implementadas.

Neste sentido, destacou ainda, um pré-requisito fundamental é descartar de vez quaisquer ilusões sobre o “livre mercado” e o “livre comércio”, restabelecendo o poder dos Estados nacionais, sua capacidade e poder de regulação sobre a entrada e saída de capitais, sobre o custo do dinheiro e na taxação dos mais ricos para fi nanciar as obras de modernização e infraestrutura, fundamentais nos países em desenvolvimento. A partir dessas avaliações, Antônio Neto sugeriu a implementação de medidas tais como: centralização do mercado de câmbio assumindo o Estado controle sobre o dinheiro especulativo que ingressa no país; controle da remessa de lucros para o exterior; redução signifi cativa da taxa de juros; criação de um fundo estratégico de investimentos em projetos de infraestrutura de energia, logística e no pré-sal; aprovação de leis que impeçam a demissão imotivada dos trabalhadores, a exemplo da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

ComentáriosO comércio e a normalização do crédito

A situação do fl uxo de crédito neste período de crise foi um dos temas levantados pelos comentaristas desta mesa. Humberto Mota, Conselheiro do CDES, observou que o comércio ainda não sente a normalização do fl uxo de crédito. “Atuo no comércio de consumo diário e também no de equipamentos pesados. O crédito direto, o crédito consignado e os cartões de crédito continuam com taxas de juros completamente inibidoras do consumo. Cartão de crédito com taxas de mais de 10% ao mês é algo absurdo”, exemplifi cou.

Para Mota, o mercado tem condições de reagir, como mostrou o setor de automóveis. “Quando houve crédito e juros razoáveis, nos meses de janeiro e fevereiro, o mercado reagiu. Nos demais setores, têm havido quedas acentuadas. As vendas em dezembro não foram boas e nos dois meses seguintes foram muito ruins”. Diante deste cenário, o empresário deixou um questionamento: com o crédito consignado apresentando taxas juros tão altos (nos contratos já assinados) e com a queda recente dos juros, não poderemos ter uma crise dos consignados?

“O Fórum Social Mundial estava certo”

Ao comentar as conferências desta mesa, Nair Goulart, Conselheira do CDES, presidente da Força Sindical – Bahia e vice-presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (FITM), recordou que o movimento sindical e o movimento social vinham alertando há muitos anos que esse modelo de globalização baseada no capital fi nanceiro não ia dar certo. “Quando começamos a dizer isso, no Fórum Social Mundial (FSM), fomos taxados de jurássicos e de esquerda retórica”, lembrou. Goulart recordou ainda que o presidente Lula foi um dos únicos líderes mundiais a ir ao Fórum de Davos levando propostas do FSM.

O que é mais importante agora, ressaltou, é ter em mente que a crise atual é mais do que uma crise de cassino, apresentando graves conseqüências nos campos produtivo, alimentar e ambiental. Nair Goulart sugeriu que o

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momento é propício a iniciativas ousadas e que o novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, poderia dar o exemplo, assinando o Protocolo de Kyoto. “Mantemos nossa crítica a esse modelo que tinha como um de seus eixos centrais um comércio injusto, gerador de desigualdades entre os países e dentro dos próprios países”, concluiu.

“Desejo de globalização não pode ser contido”

Fazendo outra infl exão, Alcides Leite Junior, inspetor analista do Banco Central, fez uma defesa do fenômeno da globalização. “O desejo de globalização não pode ser contido. Ele faz parte da natureza humana. Sempre que se buscou, ao longo da história, impor sistemas que contrariam essa natureza, esses sistemas não se sustentaram”, defendeu. Enfatizando que o fenômeno da globalização sempre existiu, Alcides Leite citou o livro “O Mundo é Plano”, de Th omas Friedman, segundo o qual, apenas na era moderna, houve três ondas de globalização: as grandes descobertas no século XVI, a Revolução Industrial no fi nal do século XVIII, início do século XIX, e a atual onda gerada pelo desenvolvimento da informática.

Baseado neste modelo, sustentou que toda vez que há mudança de paradigma ocorrem crises como a que estamos vivenciando hoje. Essas crises, defendeu ainda, ocorrem porque cria-se uma defasagem entre os setores que absorvem mais rapidamente as novas tecnologias e aqueles setores que demoram mais a absorvê-las. “Estamos vivendo um descompasso entre a globalização fi nanceira, a globalização comercial e a globalização institucional que estaria mais atrasada do que as demais”, resumiu.

Uma outra relação entre riqueza e renda

Já o Conselheiro Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do DIEESE, chamou a atenção para a tarefa central do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: atualizar uma agenda estratégica para o desenvolvimento do Brasil. Neste contexto, destacou a primeira diretriz que orienta esse trabalho, uma diretriz que trata da desigualdade. Ganz Lucio lembrou um gráfi co apresentado pelo economista Octávio de Barros, que tratava da relação entre riqueza e renda nos Estados Unidos, nos últimos dez anos. “Temos que olhar para isso com muito cuidado, inclusive na sua relação com a crise atual”, defendeu. E explicitou, assim, sua preocupação:

“Identifi camos na nossa agenda que a questão distributiva é fundamental. Constituindo-se em um componente estruturante de uma estratégia de desenvolvimento. E o sistema fi nanceiro, neste caso, atua contra essa estratégia de desenvolvimento. Quando falamos da necessidade de regulação desse sistema, hoje, devemos falar de uma regulação que seja tal que estabeleça uma outra relação entre riqueza e renda. Não é possível produzir riqueza sem distribuição de renda. A conseqüência de fazer isso é a crise que estamos observando agora”.

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Mesa de Diálogo: Novo papel das instituições fi nanceiras multilaterais

Coordenador: Artur Henrique da Silva Santos - Conselheiro do CDESRelator: Murillo de Aragão - Conselheiro do CDESPalestrantes:1. Otaviano Canuto – ex-Vice Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e futuro Vice

Presidente do Banco Mundial (BIRD)2. Paulo Nogueira Baptista Jr. –Diretor Executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), representando o Brasil,

Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad & Tobago3. Rogério Studart – Diretor Executivo do Banco Mundial (BIRD) para o Brasil, Colômbia, República Dominicana,

Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname, e Trinidad & TobagoComentários: Bruno Ribeiro - Conselheiro do CDES Dom Demétrio Valentini - Conselheiro do CDES Joseph Couri - Conselheiro do CDES

Artur Henrique da Silva SantosConselheiro do CDES

Na abertura da última Mesa do Seminário, o Conselheiro Artur Henrique da Silva Santos, coordenador da Mesa e presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), fez uma provocação aos palestrantes e debatedores, ao defender a necessidade de democratizar não apenas as instituições fi nanceiras multilaterais, mas também órgãos brasileiros como o Conselho Monetário Nacional (CMN). Além disso, propôs a inclusão de outras metas nos critérios de avaliação dessas instituições, como metas de crescimento, de emprego, de respeito aos direitos sociais e trabalhistas. E sugeriu a inclusão das seguintes questões na pauta de discussão das referidas instituições:

1. Há sentido na hipótese de que as instituições multilaterais migrem da provisão emergencial de liquidez a países com desequilíbrios no balanço de pagamentos para um papel sistêmico mais relevante, de caráter estabilizador? Em caso positivo, quais são os requerimentos, de recursos ou de natureza institucional, para que isso ocorra?

2. Existem possibilidades reais para os países emergentes assumirem um papel mais efetivo nas decisões das instituições fi nanceiras multilaterais? Quais os indícios de que o poder de decisão será ampliado para a incorporação de países como Brasil, China, Índia, Rússia, México, África do Sul etc?

3. Por que as instituições fi nanceiras multilaterais não têm assumido uma postura mais ativa na crise? Isso se explica simplesmente porque a crise foi detonada pelos países mais ricos? Ou essas instituições estão vivenciando uma crise de identidade em decorrência de que seus paradigmas teóricos não terem sido capazes de evidenciar o surgimento da crise e, muito menos de conceber ferramentas e instrumentos para solucioná-la?

4. Não é necessário que existam discussões mais amplas e menos ideologizadas a respeito de caminhos e alternativas para proteger países, trabalhadores e pessoas mais pobres dos efeitos danosos da crise?

5. Olhando a partir do epicentro da crise, como os senhores avaliam a situação brasileira e os desafi os para o futuro de forma a subsidiar este Conselho no que se refere à atualização da Agenda Nacional de Desenvolvimento?

Otaviano Canutoex-Vice Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e futuro Vice Presidente do Banco Mundial (BIRD)

Investimentos em infraestrutura e energias limpas

Primeiro a falar, Otaviano Canuto, até recentemente representante brasileiro no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e hoje Vice-Presidente do Banco Mundial, destacou que a atual crise não é produtiva, mas sim de consumo. Segundo ele, a crise expressa a exaustão de dois elementos: de uma máquina geradora de liquidez e alto grau de exposição a risco que se construiu a partir do processo de desregulamentação, e de um processo

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competitivo que andou num ritmo onde a geração de liquidez superou em muito a geração de riqueza real. Essa máquina de liquidez, acrescentou, ao gerar uma altíssima alavancagem nos países centrais (em especial nos Estados Unidos) a partir de uma profunda desregulamentação do sistema fi nanceiro, fez com que o resto do mundo voltasse suas economias para a satisfação desse mercado consumidor baseado em endividamento crescente. O funcionamento dessa máquina acabou contaminando a estrutura patrimonial em geral. A grande bolha global alimentada entre 2003 e 2008 acabou gerando um falso enriquecimento patrimonial das famílias nos EUA. Essa ilusão foi desfeita agora de um modo dramático.

Um drama que está longe de terminar, advertiu Canuto. “Após atravessar uma fase de defl ação de ativos, estamos vendo agora a interação de variáveis reais e fi nanceiras. O refl exo negativo desse desmonte atinge todas as estruturas produtivas relacionadas com o mercado norte-americano”. E não haverá retorno à normalidade, acrescentou: “É uma ilusão acreditar que os problemas fi nanceiros são problemas de liquidez. Ou seja, para enfrentar a crise, não basta o governo comprar títulos podres e retirá-los dos bancos”. Diante desse quadro, disse ainda Canuto, uma das possibilidades de retomada da economia global depende do consumo de setores médios dos países emergentes e de investimentos em áreas como energia limpa e infraestrutura nestes países.

Sobre o papel das agências reguladoras nesse processo, Canuto lembrou inicialmente que elas são bancos que captam recursos, fazem sua intermediação e emprestam para investimentos considerados estratégicos. No entanto, observou, a parcela de capital destes bancos que é integralizada é muito pequena (algo em torno de 4,5%). É da natureza destes bancos, portanto, que sejam seletivos, apostando em projetos que tenham um efetivo impacto de desenvolvimento. Hoje, mais do que nunca, acrescentou, esses bancos têm uma função similar à do beija-fl or: a polinização de conhecimento. “Antigamente, tratava-se de um papel mais modesto, com menos oferta de capital também. A crise mudou muito isso e a demanda dessas agências deve subir enormemente”. O atendimento a esse crescimento de demanda, disse Canuto, depende fundamentalmente da recapitalização das agências multilaterais. “Pode-se fazer muito para aumentar a voz das economias emergentes, mas é preciso ter claro que mais voz implica mais aporte de recursos”.

Outro problema a ser enfrentado, assinalou ainda, é que todas as agências precisam que o FMI aumente sua capacidade de atuação, uma vez que a demanda por liquidez é enorme por parte das economias emergentes. E falar do aumento da capacidade de atuação do FMI implica falar, entre outras coisas, de uma nova rodada de direitos especiais de saque (SDRs em inglês) e de novas rodadas de capitalização. Esses desafi os exigirão um trabalho de longo prazo, salientou Canuto, utilizando uma metáfora olímpica: “A crise que estamos enfrentando não é uma corrida de 100 metros, mas sim uma maratona que exige preparação de maratonista”.

Canuto e, mais tarde, Paulo Nogueira Batista, citaram o relatório Stern britânico como um possível caminho para resolver os problemas atuais. Esse relatório sugere a reordenação do parque industrial mundial na direção de investimentos em energias limpas e sustentáveis. Além de uma inadiável demanda ambiental, seria também uma oportunidade econômica. Outro caminho apontado por Canuto, citando o economista chinês Justin Yifu Lin, é evitar a construção de infraestruturas redundantes, principalmente no Japão e Europa, apenas para atender a demanda de enxugamento da liquidez. Seria mais proveitoso para os próprios países ricos, defendeu, criarem fundos, ou capitalizarem as agências multilaterais de fomento, para a criação de infraestrutura útil nos países em desenvolvimento.

Rogério StudartDiretor Executivo do Banco Mundial (BIRD) para o Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname, e Trinidad & Tobago

O mundo precisa mais do que nunca das agências multilaterais

A necessidade de fortalecer o papel das agências multilaterais foi reforçada por Rogério Studart, representante do Brasil e de outros oito países no Conselho de Administração do Banco Mundial. Segundo ele, dada a natureza e a dimensão da crise, o mundo precisa mais do que nunca dessas agências. Essa crise, para Studart, é o auge de um processo de três crises sobrepostas: crise de desenvolvimento, de crescimento abusivo do consumo e de insustentabilidade ambiental. “Nas últimas três décadas, tivemos um grande retrocesso na agenda de desenvolvimento, que passou a ser um subproduto do comércio e do sistema fi nanceiro. Isso foi agravado pelo crescimento abusivo do consumo. É insustentável um modelo onde mais de 25% do consumo de energia de todo planeta esteja concentrado em um país (EUA) que tem 5% da população mundial. A crise ambiental é refl exo desse modelo altamente consumista. O mundo já era insustentável antes de se tornar fi nanceiramente insustentável”.

O alto consumo nos EUA acabou provocando um alto endividamento das famílias e um conseqüente desequilíbrio macroeconômico. Países como China, Índia e Brasil, observou ainda Studart, tiveram o papel de saciar um mercado insaciável, até que esse desequilíbrio se tornasse insustentável. Estourada a bolha de crédito, não há mais quem

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possa consumir esta capacidade produtiva, o que, de qualquer modo, seria imprudente, considerando a extensão da crise ambiental associada à superprodução. Ou seja, a articulação das três crises já estava aí, demandando soluções globais e cooperação internacional.

O atendimento dessas demandas esbarra em um grande problema, assinalou Studart. A atual institucionalidade é totalmente inadequada para os problemas atuais. A estrutura acionária favorece os interesses dos países mais ricos. E as ofertas de recursos continuam acompanhadas pela imposição de condicionalidades que não favorecem o desenvolvimento dos países mais pobres. A atual ordem econômica, lembrou, foi desenhada para refl etir e manter as relações de poder do fi m da Segunda Grande Guerra, o que inclui os mecanismos de funcionamento dessas instituições. Mas o mundo mudou e os problemas são outros. Para os novos problemas globais, concluiu, precisamos de instituições verdadeiramente globais com perspectivas globais, o que exige profundas mudanças. E acrescentou: “Não sejamos realistas. Não se constrói futuro sendo realista. O realismo tende a repetir padrões do passado”.

Paulo Nogueira Baptista Jr.Diretor Executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI), representando o Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad & Tobago

Aspectos da democracia interna no FMI

Representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr. concordou com Studart. “O realismo, às vezes, é utilizado pare encobrir conformismo. E este é um péssimo momento para ser conformista. Temos oportunidades que não podem ser desperdiçadas. Há propostas que há seis meses eram consideradas românticas e hoje são realistas”. Uma das oportunidades mencionadas por Nogueira Batista reside no fato do enfraquecimento político, moral e econômico das velhas potências, responsáveis centrais pela crise. A nova fase do G20, com a ampliação de espaço para os países em desenvolvimento, já é um refl exo desse enfraquecimento. Isso não signifi ca, porém, facilidades no desafi o de democratizar essas instituições. O representante brasileiro no FMI detalhou a situação da democracia interna no órgão.

Os 185 países membros do FMI não têm o mesmo poder de voto. Os EUA e a União Européia possuem quase a metade dos votos da instituição e muitas decisões exigem uma maioria de 85% dos votos. Como os EUA têm 17% dos votos, são o único país com poder para bloquear decisões. O Brasil, junto com outros países emergentes, tem aproveitado a crise das potências centrais para conseguir algumas mudanças, ainda insufi cientes. Em abril de 2008, reformas alteraram em 3% para mais a fatia dos emergentes no poder de voto, mas a resistência dos EUA e Europa às mudanças pôde ser vista em seguida, quando foi mantido o arranjo pelo qual o diretor-gerente do FMI é sempre um europeu (hoje o francês Dominique Strauss-Khan) e o presidente do Bird é sempre um americano (hoje Robert Zoellick). A Europa, em especial, explicou Nogueira Batista, resiste à idéia de dar mais poder aos emergentes; os EUA também o faziam até agora, mas há sinais positivos, segundo ele, vindos do governo Obama.

Uma outra pequena vitória ocorreu no Comitê de Ministros do FMI, que se reúne semanalmente para orientar a diretoria e funciona por consenso e não por voto de maioria. Paulo Nogueira Batista Jr. citou um exemplo do que pode ser feito neste espaço. Quando a Argentina estava renegociando sua dívida externa, os países credores queriam condenar o país, mas o então ministro Lavagna conseguiu sozinho, sem apoio do Brasil inclusive, bloquear a iniciativa. Agora, pela primeira vez, a presidência desse comitê fi cará nas mãos de um país em desenvolvimento, o Egito. “Estávamos neste processo quando desabou a crise. Agora, estamos debatendo reformas muito signifi cativas nos instrumentos de empréstimos. Essa crise criou uma oportunidade para que haja uma substituição permanente do G7 pelo G20 como instância de debates dos problemas globais. E criou uma oportunidade também para fi xarmos uma data para revisar a estrutura de decisão do FMI. A idéia é modifi car a estrutura da diretoria, reduzindo o número de cadeiras européias”, explicou.

Destaque da fala do relatorNão é só nas instituições de Bretton Woods que o Brasil deve se juntar a outros emergentes para enfrentar o

poderio de EUA e União Européia, que o relator da Mesa, Murillo de Aragão, Conselheiro do CDES e presidente da Arko Advice Pesquisas, descreveu como uma versão global da política do café com leite. O espaço do G20 passa a ser estratégico em toda luta pela democratização das instituições fi nanceiras multilaterais. “Infelizmente, essas agências não conseguiram evitar a crise, o que, por si só, já justifi ca a sua reforma”, comentou Aragão.

Na avaliação do conselheiro Murillo de Aragão, a existência das instituições multilaterais não impediu a crise, revelando que elas não tinham o poder de evitá-la. “Por si esse argumento justifi ca o redesenho da arquitetura das

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instituições”, completou o conselheiro lembrando que “em todos os momentos de grande crise elas tiveram papel relevante. Elas serão relevantes na questão da liquidez, na regulação e na retomada da confi ança, na assessoria e apoio técnico e integração dos bancos de desenvolvimentos regionais e como indutores de uma nova governança global e promotores de uma economia mais comprometida com desenvolvimento social e ambiental”.

O conselheiro apontou, ainda, alguns aspectos consensuais nas palestras: 1) exaustão do modelo anterior das instituições multilaterais; 2) importância da questão ambiental na reconstrução da ordem econômica mundial; 3) necessidade de se fortalecer e redesenhar as instituições multilaterais, por meio de recapitalização; 4) países devem ter bons projetos e, no caso brasileiro, a vantagem é o PAC; 5) ampliação do papel do Brasil nas instituições para evitar o risco da bilateralidade, ampliando o poder dos países ricos; 6) revisão da questão do revezamento do comando das instituições por Europa e Estados Unidos.

Finalmente, o conselheiro, ressaltou que é fundamental para o Brasil ter uma atuação mais evidente nessa nova arquitetura e para isso é necessário ter fundamentos econômicos sólidos. “Temos que dar o bom exemplo interno para infl uenciar e levar nosso modelo de desenvolvimento econômico com justiça social para o mundo”.

ComentáriosCrise ambiental e crise econômica

Após a fala do relator, o Conselheiro do CDES, Bruno Ribeiro fez algumas considerações sobre a natureza da crise. “O mundo vive atualmente não apenas uma, mas duas grandes crises de cuja superação dependem a qualidade de vida e a própria vida no planeta: a Crise Ambiental e a Crise Econômica“, destacou. Algumas características são comuns às duas crises: i) origem nas economias desenvolvidas; ii) efeitos mais duros sobre os países e sobre os povos que não especularam e que emitem menos gases poluentes. Elencou, em seguida, como causa comum das crises, a irracionalidade nos padrões de consumo, de acesso ao crédito e de uso da energia”. E completou: “A emissão de gases nas fábricas e automóveis, bem como a bolha imobiliária americana e o colapso do sistema fi nanceiro privado não são causas, mas efeitos dessa irracionalidade nos padrões de consumo e de crédito (exemplos: o endividamento das famílias americanas é de 17,5 trilhões de dólares, equivalente à soma dos PIBs norte-americano e alemão. E a média é de 13 cartões de crédito por família norte-americana). A realidade aponta para a conclusão de que “a era das crises tem fortes traços de unilateralismo, pois elas foram originadas nas nações ricas, indo do centro para a periferia. Nas fases de prosperidade, também, predominou o unilateralismo, só que em sentido inverso ao da crise, com a apropriação centralizada dos ganhos e da renda/riqueza produzida em todo o Mundo”.

Quanto ao tema dos papéis e desafi os que se colocam para as instituições multilaterais, o Conselheiro salientou que as principais delas foram criadas no fi nal da 2ª Guerra Mundial. Com fortes traços de desigualdade (a ONU tem 192 países soberanos e apenas 5 têm poder de veto, por exemplo). Nos 45 anos seguintes, observou ainda, a atuação dessas instituições multilaterais foi fortemente infl uenciada pelo quadro bipolarizado da guerra fria. E nos anos recentes foram limitadas pelo unilateralismo do governo Bush. O mundo mudou bastante e elas não se atualizaram. Não tiveram uma atuação visível antes da explosão da crise econômica e ainda não se percebe qualquer ação importante nessa fase posterior, apesar da previsibilidade de ambas as crises (o economista Nouriel Roubini previu todas as fases da crise econômica numa palestra no auditório do FMI, mais de um ano antes). Essa inação, avaliou o Conselheiro, se deu apesar do fato de uma das principais missões estatutárias do FMI ser, exatamente, a de “monitorar e regular o sistema fi nanceiro internacional”. O Bird, por sua vez, tem como missão a redução da pobreza no mundo e ainda não começou a atuar para mitigar os efeitos empobrecedores da crise mundial.

Na visão de Bruno Ribeiro, “a normalidade na economia global e a retomada do crescimento não dependem apenas do reaquecimento do crédito, que certamente não retornará aos níveis de irracionalidade da fase anterior à crise. Sobretudo dependem da distribuição da renda entre países e dentro destes entre as pessoas. Como refl exão para os demais participantes do seminário, deixou as seguintes indagações provocativas:

1. É adequado que o dólar permaneça como padrão monetário? Considerando que o padrão dólar foi fi xado no pós-guerra quando a economia norte-americana tinha um papel central na recuperação econômica, vai continuar quando agora a economia americana é o principal foco irradiador da crise?

2. Como ter uma atuação verdadeiramente multilateral sem autonomia e sem uma fonte de recursos que fortaleça a independência? (considerando a elevada dependência das instituições multilaterais quanto aos aportes de capital americano e considerando que quem aporta recursos defi ne a agenda de prioridades)”.

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É preciso civilizar o dinheiro

Outro Conselheiro, Dom Luiz Demétrio Valentim, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi além e defendeu não apenas a reforma destas instituições, mas a sua refundação, a partir das seguintes constatações:

i) A atual crise mundial desfez em frangalhos o mito da auto regulação do mercado fi nanceiro. Os países atingidos mais fortemente pela crise, estão apelando para a intervenção massiva do setor público nos mercados fi nanceiros;

ii) a crise atinge os países centrais do sistema capitalista, e vai sendo inexoravelmente passada a todos. Isto exige a busca de soluções globalizadas;

iii) hoje já não é mais sufi ciente, e seria ilusória, uma soberania nacional que não esteja ancorada em sólido sistema de acordos, regras, e instituições internacionais;

iv) é urgente evitar distorções perversas, que produzem injustiças disfarçadas de legalidade, levando ao paradoxo atual: os pobres do Sul continuam fi nanciando os ricos do norte, via fuga de capitais, ou via constituição de reservas fi nanceiras aplicadas nos mercados seguros do norte.

Baseado nestes diagnósticos, Dom Demétrio Valentim apresentou as seguintes propostas:

- é urgente uma refundação do sistema de todo o sistema de instituições econômicas e fi nanceiras internacionais. “É preciso encontrar novas formas de coordenação internacional em matéria monetária, fi nanceira e comercial.

- é necessário evitar que se inicie a cadeia de protecionismos. Ao contrário, é preciso ir construindo práticas de cooperação em matéria de transparência e vigilância do sistema fi nanceiro.

- é urgente acabar com todos os “paraísos fi scais”, que signifi cam o descompromisso ético das fi nanças, e estimulam a irresponsabilidade dos agentes fi nanceiros.

- é importante recomendar que na reunião do G20 o Brasil tome a iniciativa de urgir um novo sistema fi nanceiro mundial, que conte com claros mecanismos de monitoramento e de controle dos seus procedimentos, e que seja colocado a serviço do desenvolvimento sustentável, justo e equitativo de todos os países.

Na passagem do milênio, assinalou por fi m, a Igreja na Suíça, país de refúgio de grandes somas fi nanceiras, propôs uma campanha que a crise atual torna ainda mais urgente. Ela propunha “civiliser l’argent”. Trata-se, sim, de “civilizar o dinheiro” pois na medida em que ele permanece como instrumento de especulação continua bárbaro e em descompasso com a consciência de cidadania universal que hoje se impõe. Cabe às novas instituições fi nanceiras, a serem organizadas à luz da experiência da atual crise mundial, “civilizar o dinheiro”, tornando-o fator de um novo paradigma de desenvolvimento mundial.

Assim o dinheiro, que carrega o estigma da advertência de Cristo – “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”, poderá recuperar sua verdadeira fi nalidade, de instrumento ágil e efi caz a serviço da socialização da economia mundial, que também precisa recuperar sua civilidade, colocando-se a serviço da vida neste planeta que habitamos. “Não é mais possível conviver com essa distorção que faz com que os pobres do Sul sigam pagando as contas dos ricos do Norte”, defendeu.

A panela de pressão explodiu. E agora?

Presidente da Associação Nacional de Sindicatos das Micros e Pequenas Indústrias (ASSIMPI), o Conselheiro Joseph Coury utilizou uma metáfora culinária para falar da crise. “Na semana passada descobri que sou um péssimo cozinheiro. Coloquei feijão na panela de pressão e ela acabou explodindo, jogando o feijão todo para o teto e para as paredes. A panela de pressão explodiu. E agora? Acho que dá para pensar a crise mundial a partir dessa situação”. Ao falar sobre os mecanismos e escolhas que fi zeram a panela de pressão da economia explodir, Coury chamou a atenção para o fato de o Brasil ter adotado um caminho próprio.

“Tudo aquilo que disseram que o Brasil deveria fazer, o Brasil fez ao seu modo, não fazendo tudo o que diziam que deveríamos fazer. Ainda bem que não fez. Aí está o resultado. Hoje, segundo disse a revista Th e Economist, o Brasil é um dos cinco países do mundo que deve crescer em 2009”. Diante deste quadro, acrescentou, um dos grandes desafi os que temos agora é: como as instituições multilaterais levarão essa mensagem do Brasil para o resto do mundo? “Devemos ter clareza sobre aquilo que fi zemos certo e o que fi zemos de certo está sendo dito pelo presidente Lula. Devemos falar claramente sobre a importância das políticas sociais implementadas pelo governo brasileiro,

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sobre a importância do PAC e dos demais investimentos públicos, dos nossos bancos públicos e das parcerias do setor público com nossos bancos privados”.

A partir destes avanços, Coury indagou ainda: será que não está na hora de conduzirmos um processo ao invés de ser conduzido por ele? Será que não está na hora de nossos representantes nas instituições multilaterais deixarem claro nosso recado, falar sobre o que está acontecendo no Brasil, com nossos acertos e erros, que faz com que sejamos um dos únicos países do mundo com expectativa de crescimento em meio à crise. “O que devemos ter em mente na hora de defi nirmos nossas políticas é que o Brasil é apontado hoje como uma das poucas ilhas de prosperidade no mundo. Precisamos preservar o que temos e valorizar o Brasil. Todos os cenários apontam que o país deve crescer este ano, pouco, mas crescer. Os mais pessimistas falam em um crescimento de 0,6%. Isso é maravilhoso se levarmos em conta que a economia dos outros países está encolhendo. Teremos difi culdades sim, mas estamos melhor do que a maioria dos outros países”, concluiu.

Brasil precisa aumentar sua força nas instituições multilaterais

O embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), chamou a atenção para qual tem sido a política do governo brasileiro em relação aos organismos fi nanceiros multilaterais, especialmente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, criados em 1944 por Bretton Woods. “O Brasil sempre entendeu essas instituições como fornecedoras de recursos para o desenvolvimento – no caso do Banco Mundial – ou para socorro em situações de crise na balança de pagamentos – no caso do FMI. Deste ponto de vista, o Brasil até que foi bem, pois o Banco Mundial sempre nos emprestou dinheiro e o FMI, forçadamente ou não, também. Mas a contrapartida negativa disso foi que o Brasil nunca se preocupou em ocupar suas posições dentro dessas instituições de maneira a se tornar mais forte de dentro para fora e não de fora para dentro”.

O Brasil, pelo seu tamanho, acrescentou, sempre pesa nestas instituições. Mas a política de ocupação de espaços disponíveis no sta� dessas instituições sempre foi muito fraco, avaliou. “Especialmente neste momento de crise, deveríamos desenvolver uma política de ocupar espaços em todos os níveis. Conhecer por dentro essas instituições torna-nos muito mais fortes. Nos últimos anos, estava crescendo uma certa irrelevância do Banco Mundial e do FMI. Hoje, com a crise, essa tendência está sendo revertida”.

Quando ao tema das condicionalidades impostas por tais instituições, o embaixador não se mostrou muito otimista sobre uma mudança. “Todo mundo que vai ao médico, entende o que signifi cam essas condicionalidades. Quando você está doente e vai ao médico, ele indica um medicamento e um tratamento que normalmente não é agradável. As condicionalidades têm esse caráter. Eu não compartilho o otimismo de que teremos mais facilidades nesta área no futuro. A razão é simples. Está havendo uma estatização dos recursos bancários nos Estados Unidos e em outros países. Os governos passam a ser donos do dinheiro. Isso não vai tornar mais fácil a negociação das condicionalidades, pois elas passam a ter uma dimensão política muito maior. É justamente em função disso que precisamos aumentar nossa força política no interior dessas instituições”, concluiu.

Novos desenhos para as instituições multilaterais

Professora titular do Departamento de Economia da UnB, Adriana Amado, destacou em sua intervenção a ausência de algumas observações dos debatedores na análise do papel das instituições multilaterais neste momento de crise. Ela observou que o diagnóstico passa todo pela noção de economia monetária de produção. “Segundo essa noção, tem-se, no início, um casamento entre o real e o monetário, que tem um lado teórico (keynesiano) muito bem defi nido. É uma noção central do pensamento de Keynes que o processo de acumulação capitalista tem objetivos monetários. Portanto, a separação entre real e monetário não pode ser feita para compreender as trajetórias de crescimento e desenvolvimento das economias capitalistas”.

Esse casamento, prosseguiu a economista, acontece ou voluntariamente ou por meio de imposições geradas por crises. “Aparentemente, o descolamento que começa a acontecer entre a esfera fi nanceira e a esfera real está ganhando uma certa autonomia. Mas numa economia que tem a estabilidade com um marco defi nidor, isso faz com que as convenções passem a ganhar peso, originando movimentos cíclicos relacionados à percepção dos agentes econômicos sobre o que está acontecendo. Isso, porém, não tem um lastro muito bem defi nido porque os agentes constroem a economia no momento em que tomam suas decisões. Quando se tem um rompimento desse sistema de convenções, explode tudo, porque todo mundo passa a duvidar das bases que orientavam sua percepção”.

Neste contexto, defendeu Adriana Amado, ganha destaque a necessidade de termos instituições que estejam fora do sistema e que não ajam de acordo com ele e suas regras. Quem desempenha esse papel é, fundamentalmente, o Estado, e no contexto da atual crise global ganha caráter de necessidade também a existência de agências coordenadoras supranacionais. “O que chamou a atenção neste debate foi à timidez, ou a realismo, das propostas

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apresentadas para o funcionamento dessas instituições. Elas estão muito calcadas ainda em Keynes. De modo geral, os debates sobre os novos desenhos das instituições multilaterais ainda está muito travado pela própria inércia institucional destes organismos, problema agravado pela crise”, concluiu a professora da UnB.

EncerramentoJosé Múcio MonteiroMinistro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

“Os fracos não eram tão fracos, os fortes não eram tão fortes”

No encerramento do Seminário, o Ministro José Múcio Monteiro resumiu assim o conjunto de diagnósticos e propostas de enfrentamento da crise, que encontraram uma alta dose de consenso durante os dois dias de debates: “O inesperado fez uma surpresa ao mundo. Hoje vemos que os fracos não eram tão fracos e os fortes não eram tão fortes. E, neste grave momento, os que eram considerados fracos são chamados para enfrentar a crise”.

Os desdobramentos da crise estão aí para mostrar que, na verdade, a fraqueza está do lado daqueles que viam o Estado e a esfera pública como um estorvo tolerável apenas para assegurar algumas migalhas aos mais pobres; e a força, mais do que nunca, aparece ao lado de quem acredita que a economia e os conceitos de crescimento e de desenvolvimento devem servir à emancipação humana e não ao enriquecimento obsceno de alguns poucos auto-intitulados vencedores.

Esta obra foi editorada e impressa pela Imprensa NacionalSIG, Quadra 6, Lote 80070610-460 - Brasília-DF

Tiragem: 1000 exemplares

Presidência da República

Vice-Presidência da República

Secretaria de Relações Institucionais

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDESDOCUMENTO SÍNTESE . . . . . . . . . . . . . . . . . .Conselho de DesenvolvimentoEconômico e Social

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