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XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 47 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: RISCOS E DESAFIOS NESTA FORMA DE INSTITUCIONALIZAR A PARCERIA ESTADO-SOCIEDADE ORGANIZADA Elida Graziane Pinto _____________________________ Segundo Premio Compartido “A Reforma do Estado que se pretende é tão profunda que equivale à sua reinstituição pela sociedade.” Renata Vilhena (1998) 1. Introdução Quando se questiona hoje o papel do Estado em termos de prestação de serviços como saúde e educação, bem como em relação à participação (cada vez mais incisiva, eficiente e preocupada com os interesses coletivos) das várias entidades da sociedade civil de caráter público-não estatal, depara-se com a problemática de como aproveitar todo o potencial dessa esfera social (conhecida como terceiro setor). Essa "problemática" de como chamar a sociedade organizada a participar se encontra paradoxalmente no risco de a parceria Estado-sociedade organizada ser um mero instrumento de legitimação da saída pura e simples do Estado de setores em que sua atuação, no mínimo, subsidiária é imprescindível. No caso brasileiro, tal risco se reflete na possibilidade de subjugar, em discursos propensos à relativização do conceito de cidadania, uma grande camada da população (incapaz de ser "cliente" da empresa eficiente na qual o Estado pretende se transformar) à exclusão daqueles direitos supramencionados. A Lei n.º 9637/98 fala em "publicizar", com o advento das "organizações sociais", saúde, educação, cultura, produção científica e tecnológica, e preservação do meio ambiente. Consequência disso é que, a título de resolver tal problemática, numa Reforma minimalista do Estado, tem-se um instituto jurídico altamente "maleável" às conveniências de uma "privatização dissimulada". A análise de como as organizações sociais poderiam representar ou não um ganho efetivo para sociedade brasileira encontra, para além da novidade do instituto jurídico, respaldo na forma como o seu processo de implementação será feito em termos de reforma e não desconstrução da estrutura de prestação de tais serviços sociais. 1.1. Reforma do Estado brasileiro: pressupostos, questionamentos e mudanças gerais a partir da proposta de criação de "organizações sociais" Dentro do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) aprovado em 1995 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e à luz do Programa Nacional de Publicização (PNP), a partir de então delineado, toma relevo a figura das Organizações Sociais (O.S.) como um instrumental efetivo de mudança na atuação do Estado junto à esfera de atividades de caráter público, mas não exclusivamente estatais. A conformação do instituto das organizações sociais representa uma interface significativa do processo brasileiro de Reforma do Estado. Diante de questionamentos variados sobre o papel do Estado e sua reformulação, emerge a noção socialmente construída do público não exclusivamente estatal. Tal noção encontra respaldo, em grande medida, nas várias discussões teórico-políticas

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ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: RISCOS E DESAFIOS NESTA FORMA DE INSTITUCIONALIZAR

A PARCERIA ESTADO-SOCIEDADE ORGANIZADA

Elida Graziane Pinto _____________________________

Segundo Premio Compartido

“A Reforma do Estado que se pretende é tão profunda que equivale

à sua reinstituição pela sociedade.” Renata Vilhena (1998)

1. Introdução

Quando se questiona hoje o papel do Estado em termos de prestação de serviços como saúde e educação, bem como em relação à participação (cada vez mais incisiva, eficiente e preocupada com os interesses coletivos) das várias entidades da sociedade civil de caráter público-não estatal, depara-se com a problemática de como aproveitar todo o potencial dessa esfera social (conhecida como terceiro setor).

Essa "problemática" de como chamar a sociedade organizada a participar se encontra paradoxalmente no risco de a parceria Estado-sociedade organizada ser um mero instrumento de legitimação da saída pura e simples do Estado de setores em que sua atuação, no mínimo, subsidiária é imprescindível.

No caso brasileiro, tal risco se reflete na possibilidade de subjugar, em discursos propensos à relativização do conceito de cidadania, uma grande camada da população (incapaz de ser "cliente" da empresa eficiente na qual o Estado pretende se transformar) à exclusão daqueles direitos supramencionados.

A Lei n.º 9637/98 fala em "publicizar", com o advento das "organizações sociais", saúde, educação, cultura, produção científica e tecnológica, e preservação do meio ambiente. Consequência disso é que, a título de resolver tal problemática, numa Reforma minimalista do Estado, tem-se um instituto jurídico altamente "maleável" às conveniências de uma "privatização dissimulada".

A análise de como as organizações sociais poderiam representar ou não um ganho efetivo para sociedade brasileira encontra, para além da novidade do instituto jurídico, respaldo na forma como o seu processo de implementação será feito em termos de reforma e não desconstrução da estrutura de prestação de tais serviços sociais.

1.1. Reforma do Estado brasileiro: pressupostos, questionamentos e mudanças gerais a partir da proposta de criação de "organizações sociais"

Dentro do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) aprovado em 1995 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e à luz do Programa Nacional de Publicização (PNP), a partir de então delineado, toma relevo a figura das Organizações Sociais (O.S.) como um instrumental efetivo de mudança na atuação do Estado junto à esfera de atividades de caráter público, mas não exclusivamente estatais.

A conformação do instituto das organizações sociais representa uma interface significativa do processo brasileiro de Reforma do Estado. Diante de questionamentos variados sobre o papel do Estado e sua reformulação, emerge a noção socialmente construída do público não exclusivamente estatal.

Tal noção encontra respaldo, em grande medida, nas várias discussões teórico-políticas

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estabelecidas, em face do processo de crise1 do Estado de Bem-Estar Social e mesmo da mundialização dos mercados2, sobre as perspectivas de consolidação do que a Constituição Federal de 1988 propõe como o Estado Democrático de Direito brasileiro. É justamente na esfera do público não estatal que se insere a análise necessária do programa de publicização e fundamentalmente das organizações sociais.

Sob o foco de visão do Estado, as organizações sociais conformariam um modelo de parceria desse com as instituições privadas de fins públicos. Já segundo a perspectiva da sociedade, as organizações sociais seriam uma possibilidade de participação popular na gestão administrativa (Modesto, 1997:31).

Em termos analítico-introdutórios, tem-se que o instituto das Organizações Sociais visa à promoção do processo de "publicização" dos serviços sociais, que, por sua vez, representa a transferência para o setor público não-estatal (também reconhecido como 3º setor) dos serviços não exclusivos do Estado, quais sejam, os arrolados pela Lei 9.637 de 15 de maio de 1998 (que dispõe sobre a qualificação de entidades como O.S., sobre a criação do Programa Nacional de Publicização, entre outros), a saber, ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde.

Instituto ainda bastante controverso tanto no mundo do Direito, quanto no seio da própria sociedade, as organizações sociais ensejam vários e relevantes níveis de análise e questionamento, como, por exemplo, em que medida tal instituto representa um novo e melhor elaborado modelo de "parceria" entre o Estado e a sociedade?

Em que medida, continuando a questionar, as O.S. representam, segundo a proposta do PDRAE, um mecanismo de incentivo à implementação da Administração Gerencial no âmbito da Administração Pública, dada a vigência imperativa atual (conformada constitucionalmente) do princípio da eficiência?

Faz-se necessário esclarecer aqui que a Administração Gerencial trata-se de um "paradigma" de gestão que visa a superar (algo bastante questionável) o modelo burocrático segundo os moldes da administração do setor privado, através da mudança nos mecanismos de controle (dos processos aos resultados) e da focalização estrita nos índices de eficiência e desempenho, entre outros.

Neste sentido, a Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.98 eleva à condição de princípio constitucional a eficiência, que passa a fazer parte do caput do art. 37 como um dos princípios que regem a Administração Pública brasileira. Isto ocorre fundamentalmente na medida que tal Emenda conforma as diretrizes governamentais de implementação do modelo gerencial na Administração Pública, assim como perfaz a "Reforma Administrativa" propriamente dita da Constituição de 88.

Há que se problematizar ainda a noção de ser o aparato estatal burocrático, "por definição", ineficiente como o pressupõe (implícita e genericamente) o Plano Diretor. É bastante sintomático, neste sentido, praticamente inexistir, no discurso governamental, sequer a cogitação de se buscar um aprimoramento do aparato estatal na prestação de serviços sociais da forma como é feita hoje.

Tal ausência denota a unicidade político-ideológica (no sentido da via de minimização do Estado) da proposta de substituição completa ("transferência") da prestação pelo Estado para a prestação pela iniciativa de entidades privadas sem fins lucrativos.

Cabe, portanto, perguntar pelo fundamento da crença de ser a ineficiência característica sine 1 Bastante interessante, neste sentido, a análise de Marcel Bursztyn em seu texto “Introdução à Crítica da Razão Desestatizante” (1998), no qual há a consideração de que a crise do Welfare State deve ser tratada em âmbito geral, já que no Brasil só se pode afirmar uma precária existência dos seus fundamentos e práticas. Mais adiante tal análise será vista de forma mais aprofundada. 2 A respeito dos questionamentos sobre a reformulação do Estado de Bem-Estar Social em face das novas perspectivas mundiais, vide o texto de Gosta Esping-Andersen “O Futuro do Welfare State na Nova Ordem Mundial” (1995), no qual está traçada a discussão acerca de como as mais diversas modalidades de W.S. (nas diferentes regiões do mundo) estão lidando com a mudança das suas bases de sustentação e com a emergência de um novo contexto de problemas (como, por exemplo, a questão do crescimento massivo do desemprego), que estão colocando em xeque a legitimidade de todo o modelo.

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qua non de toda e qualquer organização estatal, comparativamente à esfera privada, quando se fala de prestação de serviços sociais e produção para o mercado. E realmente é possível remodelar, tendo em vista a eficiência, as organizações estatais prescindindo dos mecanismos burocráticos? Ora, eis aqui o que Bursztyn (1998:156) chama de "substituição do 'fetichismo do planejamento' pelo 'fetichismo do mercado'"...

A reforma do Estado, segundo a concepção neoliberal implícita no PDRAE, pode ser relativizada de acordo com a abordagem de Przeworski, segundo a qual, "a complacência neoclássica no que diz respeito aos mercados é indefensável: os mercados simplesmente não alocam eficientemente." Já que "mesmo quando os governos só dispõem da mesma informação de que dispõe a economia privada, certas intervenções do governo levariam, sem sombra de dúvida, a um aumento do bem-estar. Portanto, o Estado tem um papel positivo a desempenhar". (1998:44, grifos nossos)

Assim, mais do que isso e sem, a priori, prescindir da atuação estatal direta no âmbito das atividades não-exclusivas, tem-se que: "A reforma do Estado deve ser concebida em termos de mecanismos institucionais pelos quais os governos possam controlar o comportamento dos agentes econômicos privados, e os cidadãos possam controlar os governos. A questão quanto a se um Estado neoliberal é ou não é superior a um Estado intervencionista não pode ser resolvida em termos gerais, uma vez que a qualidade da intervenção estatal depende de um desenho institucional específico. Porém, o Estado neoliberal é, pelo menos, um parâmetro pelo qual se pode aferir a qualidade da intervenção estatal: como as alocações do mercado não são eficientes, desaparelhar o Estado não é um objetivo racional de reforma do Estado". (Przeworski, 1998: 68, grifos nossos)

Há ainda que se analisar, por outro lado, como a dispensa de licitação na qualificação das organizações sociais, a excessiva arbitrariedade conferida ao Governo nesse processo de qualificação, a cessão de servidores públicos para tais entidades sob o ônus do Estado, o repasse de verbas e aparato material do âmbito estatal para as O.S., a transferência de serviços como saúde e educação ("deveres do Estado") e mesmo o vínculo criado pelo contrato de gestão entre entidade qualificada e governo3, entre outras questões, poderão ser assimiladas ou não no ordenamento jurídico vigente dados os parâmetros da Constituição Federal de 1988.

Questionando por adaptação ao ordenamento, diante do confronto entre a conformação prevista na Lei n.º 9.637/98 das organizações sociais e a Constituição brasileira, Mello (1999: 160) considera que: "(...) as qualificações como organizações sociais que hajam sido ou que venham a ser feitas nas condições da Lei 9.637, de 15.5.98, são inválidas, pela flagrante inconstitucionalidade de que padece tal diploma. Assim, expõem-se abertamente a serem fulminadas em ações populares (Lei 4.717, de 29.6.65) e a que os responsáveis por tais atos de benemerência com os recursos públicos, tanto quanto os beneficiários deles, respondam patrimonialmente pelo indevido uso de bens e receitas públicas (art.11 da citada Lei)". (Grifos nossos)

Além dos questionamentos mais específicos, dentro de uma abordagem analítica mais ampla, há a problemática de serem as organizações sociais (com a perspectiva de mudanças de fundo na forma atual de prestação desses serviços públicos não-estatais) um âmbito de relação Estado-sociedade muito incipiente ainda na realidade brasileira.

É justamente porque se está chamando a sociedade organizada a comprometer-se ativamente com o público não-estatal que se tem a necessidade de tornar o mais claro e fundamentado possível tal figura jurídico-institucional para que se evitem distorções e enganos prejudiciais à sua implementação, ainda mais se se considerar, por exemplo, que cabe à sociedade (um dos pontos cruciais da Lei n.º 9.637/98) parcela significativa na representação do Conselho de Administração das organizações sociais, que é o seu órgão máximo de deliberação institucional.

O risco de um desvirtuamento do instituto das organizações sociais está previsto até mesmo no PDRAE (1995:74): ou se respeitam as condições descritas em lei, como, por exemplo, a forma 3 Todos estes temas e problemáticas serão tratados mais detidamente em tópicos posteriores específicos.

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de composição de seus conselhos de administração ou se fica à mercê da possibilidade de "privatização ou feudalização dessas entidades".

As discussões a respeito da transferência dos serviços sociais do Estado para a sociedade civil denotam fundamentalmente, além da preocupação com um desvirtuamento institucional das O.S., a insegurança quanto à possibilidade de serem elas (as organizações sociais), desde sua concepção, uma espécie de "privatização dissimulada". Na realidade brasileira, tanto a preocupação, quanto a insegurança, são amplamente justificáveis em se tratando de "engenharia política"4 de manutenção das desigualdades sociais e de manutenção do conformismo perante o Estado, haja vista a peculiaridade política brasileira que foi o populismo...

A possibilidade de que as O.S. sejam somente mais um instrumento de "engenharia política" bastante criativo e "maquiavélico" (no sentido vulgar e pejorativo da expressão) de privatizar a prestação dos serviços sociais é percebida por Freitas (1998:103), de modo a deixar em aberto que: "Por tudo, se se configurar o desvirtuamento, o modelo federal poderá ter produzido um modo afrontoso de contornar exigências oriundas dos próprios princípios norteadores dos contratos de gestão, bem como terá ofendido regras nucleares de preservação do patrimônio público". (Grifos nossos)

Ora, grande parte da população brasileira, de certo modo, nunca teve uma efetivação abrangente dos direitos sociais como educação e saúde (apesar de estarem conformados na Constituição de 88 como "deveres do Estado"5) e os rumos que o Plano Diretor denota vão no sentido de restringir o próprio conceito de cidadania (haja vista a noção, pautada sob marcos neoliberais, de cidadão-cliente), bem como no sentido de minimizar as bases de proteção social garantidas direta e universalmente pelo Estado.

Tal insegurança encontra respaldo, segundo Bursztyn (1998), no fato de nunca ter havido no Brasil uma abrangência universal do Estado de Bem-Estar, vez que uma ampla camada da população sempre esteve marginalizada em relação a qualquer amparo público. O grau de expectativa e de legitimidade em relação ao Estado, para o autor em questão, é muito reduzido na sociedade brasileira.

Consequência disso é que a crise do Estado aqui não se reveste de "caráter de desencanto" (o que acontece com os países de Welfare State). A crise no Brasil seria, neste sentido para Bursztyn, um: "(...) misto de falta de políticas de bem-estar universalizadas, paralelamente a uma perda de efetividade dos poucos instrumentos de políticas sociais, junto às reduzidas parcelas da população que a elas tinham acesso. Ao invés de saturação, do envelhecimento do W.S., o Brasil vive uma atrofia precoce do seu desenvolvimento." (1998:153, grifos nossos)

Se o Brasil vive uma "atrofia precoce" do desenvolvimento da teia de proteção social, a qual, no modelo do W.S., fora constituída visando a condições mais equânimes (não necessariamente mais igualitárias) de vida, ainda mais sintomático que tal atrofia no referente à garantia de direitos sociais é a própria involução ideológica da noção de cidadania, que, na realidade brasileira, vai se delineando fora do fundamento democrático da universalização dessa condição.

De crucial significado no cerne da linha de ação conformada pelo Plano Diretor e em conflito com uma perspectiva mais democrática de reestruturação estatal, bastante polêmico é o conceito de cidadão-cliente. O embate entre esfera de maximização dos interesses econômicos e um

4 Para uma análise política mais aprofundada acerca da crise institucional brasileira e latino-americana, em termos do papel desempenhado pelo Estado num contexto de “desarticulação social” (Martins), vide o texto de Wanderley Guilherme dos Santos Gênese e Apocalipse: Elementos para uma Teoria da Crise Institucional Latino-Americana e o livro de Luciano Martins Estado Capitalista e Burocracia no Brasil pós-64 (consultar referências constantes da bibliografia). 5 Mello chama atenção para “o fato de que no art. 196 a Constituição prescreve que a saúde é “dever do Estado” e nos arts. 205, 206 e 208 configura a educação e o ensino como deveres do Estado, circunstâncias que o impedem de se despedir dos correspondentes encargos de prestação pelo processo de transpassá-los a organizações sociais”. (1999:159, grifo nosso)

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nível mínimo de respeito à cidadania estabelecida nos moldes do regime democrático da Carta de 88, em Bursztyn, está dimensionado de modo a visualizar que: "A busca de maiores resultados econômicos, no curto prazo, acabou levando a uma formidável negligência com o caráter público da prestação de certos serviços públicos. (...) Paralelamente ao surgimento do conceito "cliente" como o objeto da busca de satisfação, ocorre também uma perversa redução no universo desses beneficiários: a exclusão de uma parte dos usuários - aqueles que não constituíam um mercado, no sentido econômico do termo - da categoria de clientes". (1998:156/157, grifos nossos)

Por fim, de todas essas questões ao longo de uma introdução mais crítica que esclarecedora, resta sobrepujar a essência mesma de tais questionamentos diante de uma análise mais abrangente nos próximos tópicos, que não pretende esgotar respostas, mas remeter à pergunta inicial: Onde e como as organizações sociais são lançadas no processo brasileiro de reforma do Estado?

O maior desafio e único compromisso aqui proposto é o de pôr em voga perplexidades acerca dos riscos e benefícios do instituto das O.S., o que nos remete a uma intensa e devida problematização para o melhor entendimento das organizações sociais em face do desafio à democracia brasileira de reformar o Estado.

1.2. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado e organizações sociais

Introduzindo uma nova forma de trabalhar os questionamentos a respeito do papel e do tamanho do Estado, sob o diagnóstico de sua crise, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) lança as bases do projeto governamental brasileiro de reestruturação do aparato estatal, não só enquanto "resposta à crise generalizada do Estado", mas também enquanto "forma de defendê-lo como 'res publica'", o que determina, segundo o próprio PDRAE, o caráter "imperativo" da reforma nos anos 90. (PDRAE, 1995:19)

A mudança na forma de tratamento da crise, da forma como é justificada no Plano Diretor, pressupõe a insuficiência ou inadaptação das posturas político-ideológicas anteriores, que, em grande medida, abriram espaço, segundo o plano, para agravá-la ainda mais.

Fato é que o PDRAE foi lançado em 1995 tentando representar uma lógica diversa da "indiferença" pós-transição democrática quanto à existência e à dimensão da crise, bem como se propôs a refutar a via neoliberal (ideologia do Estado Mínimo) colocada em voga no cerne das discussões políticas brasileiras a partir do início da década de 90.

Ora, o discurso governamental, à época do lançamento do plano, era pensar a crise sob o foco do desafio de sua superação, donde a noção de que havia que se "reformar", "reconstruir" o Estado, "de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas". (1995:15)

Relevante considerar o posicionamento governamental quanto a tal reforma: o Plano Diretor representa uma via de ação para o aparelho do Estado; distinguindo, nos níveis de dimensão e responsáveis, entre reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado.

O desafio da crise diante da necessidade de reformar o Estado é tarefa, segundo o PDRAE, para o conjunto de toda a sociedade, tratando-se de um "projeto amplo", "enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania". (1995:17)

Focando sobre a perspectiva mais ampla da reforma do Estado, o PDRAE determina que tal reforma deve ser entendida e conformada a partir do contexto da "redefinição" do seu papel. Redefinir o papel do Estado seria, segundo a lógica governamental, fazer com que ele abandonasse a responsabilidade direta pelo "desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento". Em termos mais claros, para o PDRAE, "reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado". (1995:17)

Neste sentido, cabe questionar o limite e as bases que regulamentam tais transferências, sabendo que todo o processo de reforma delineado no plano está pautado e intimamente marcado

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pela busca por eficiência, busca que vai ao encontro das duas dimensões da reforma: a política e a administrativa.

Em termos de reforma política, a transferência da atuação estatal para o setor privado vai corresponder à necessidade de gerar maior capacidade de governo ("governança"), a partir da limitação dos custos e do dimensionamento a áreas "exclusivamente" estatais, bem como pretende corresponder a um aumento da legitimidade para governar ("governabilidade") à medida que há a valorização da participação social em várias instâncias do processo de reforma e há também o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços "tendo o cidadão como beneficiário". (1995:21)

Já em se tratando de reforma administrativa (estrito senso), o principal marco de renovação seria a proposta de implementar um novo "paradigma"6 de organização administrativa, a saber, a Administração Pública gerencial, que vem introduzir a perspectiva do desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações estatais.

Ora, analisando os impactos e mesmo o grau de novidade/ ruptura com o modelo de gestão burocrático até então e ainda hoje adotado pela Administração Pública, o "modelo" gerencial visualizado pelo PDRAE como alternativa reformadora possui, em grande medida, apenas dois pilares "revolucionários": "em suma, afirma-se que a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)". (1995:22, grifos nossos)

Diante da análise, por outro lado, sobre a necessidade do plano de romper com a Administração Pública burocrática, descobre-se que tal tentativa de superação não é recente. O embate com o modelo de gestão burocrático, no nível de "reforma" do Estado brasileiro, tem sua origem, segundo o próprio PDRAE, no Decreto-Lei 200, de 25.2.1967 que já determinava princípios de racionalidade administrativa, os quais seriam, em outras palavras, a eficiência mesma, que hoje toma ares de jargão técnico-gerencial inusitado. Igualmente criado para tentar promover a eficiência no setor público, há que se falar de outro precedente que foi o Programa Nacional de Desburocratização, lançado no início dos anos 80 também com vistas à reformulação da estrutura estatal burocrática.

O PDRAE fez questão de colocar em evidência tal embasamento histórico justamente para conformar a noção de processo de reforma, que, em grande medida, fora interrompido, segundo ele, pela Constituição Federal de 88.

Diante do "retrocesso burocrático de 1988", que resultou em "encarecimento significativo do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal, como bens e serviços e um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos" (1995:29), o PDRAE tenta significar uma retomada da lógica de mudança anterior, a partir da definição dos principais problemas, da forma de tratamento de cada qual e da divisão (segmentação) do Estado em setores que possam trabalhar em específico com os questionamentos e soluções que lhes forem cabíveis em se tratando de reforma estatal.

Para enfrentar as dimensões (de problemas) institucional-legal ("obstáculos de ordem legal"), cultural (coexistência de valores patrimonialistas e burocráticos com os novos valores gerenciais) e gerencial (nível de práticas administrativas), o Plano Diretor estabelece a setorização do Estado de modo a redimensionar o próprio Estado, sua crise e as formas de resolução dessa crise.

O Estado passa, então, a ser entendido, segundo o plano, como uma espécie de amálgama das seguintes esferas de atuação: o primeiro setor que seria o núcleo estratégico; o segundo que representaria o setor de atividades exclusivas do Estado; o terceiro (justamente o núcleo deste 6 O emprego de tal expressão deve ser relativizado: há uma certa distância entre paradigma e modelo de gestão que não foi considerada pelo PDRAE. A administração gerencial não ultrapassa os três tipos ideais de dominação proposto por Max Weber, se assim fosse haveria, além da dominação carismática, tradicional e racional-legal, uma quarta forma de conceber as relações de poder legitimamente aceitas pelos dominados. A Administração Pública gerencial é apenas uma amálgama de “receitas gerenciais” que flexibilizam e reinterpretam a racionalidade meios-fins presente nos moldes burocráticos, aplicada às organizações estatais.

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trabalho), por sua vez, seria o setor de atuação simultânea do Estado e da sociedade civil, setor este que engloba as entidades de utilidade pública, as associações civis sem fins lucrativos, as organizações não-governamentais e as entidades da Administração Indireta que estão envolvidas com as esferas em que o Estado não atua privativamente, mas que têm um caráter essencialmente público e, finalmente, o quarto e último setor seria o menos característico em termos de intervenção "exclusiva e/ou necessária" do Estado, já que trata da produção de bens para o mercado. A reforma direcionada no PDRAE perpassa o entendimento que se tem sobre justamente o quão necessária e mesmo eficiente é a atuação estatal em cada um desses setores.

Enquanto, por um lado, o núcleo estratégico, que representa o governo em si (âmbito de tomada de decisões), pode prescindir relativamente da eficiência em face da efetividade. Já que, segundo o PDRAE, as decisões políticas, mais que eficientes, devem ser eficazes, ou seja, devem ser certas em sua legitimidade junto à população; devendo tal setor conciliar o modelo burocrático de gestão (que é um conformador de eficácia por excelência) com o gerencial.

Por outro lado, "já no campo das atividades exclusivas do Estado, dos serviços não exclusivos e da produção de bens e serviços o critério eficiência torna-se fundamental. O que importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo baixo". (1995:53, grifos nossos) Cabe, desta forma, aos três setores em questão, seguir os rumos da Administração Pública gerencial, o que se justifica, segundo o PDRAE, a partir do fato de não ser característica basilar deles a prevalência estrita da dimensão política (enquanto âmbito de demandas e decisões políticas), mas de implementação prática do politicamente já delineado.

Dimensionada sob tal espectro para esses três setores, segundo o Plano Diretor, a eficiência é não só pertinente, mas imprescindível, isto porque o setor de atividades exclusivas representa o nível de execução das decisões tomadas pelo núcleo estratégico no tocante a serviços ou agências em que se exerce o poder extroverso do Estado, bem como porque os serviços não-exclusivos são o âmbito de atuação simultânea do Estado e de instituições públicas não-estatais e privadas na prestação de serviços sociais, e mesmo porque a própria natureza do quarto setor é de produção para o mercado.

Atendendo à premência de se gerar cada vez mais eficiência na abordagem introduzida pelo PDRAE sobre a organização estatal brasileira, foram constituídos, nestes dois últimos setores (atividades não exclusivas e produção para o mercado), movimentos específicos de transferência da responsabilidade direta do Estado pela prestação de serviços e pela produção de bens para a iniciativa privada, seja através de entes da sociedade organizada sem fins lucrativos no terceiro setor (a saber, o próprio processo de publicização) ou seja através da privatização de empresas estatais que passam para o domínio de entes do mercado.

Aprofundando a análise sob uma perspectiva global, quando foi considerado, no PDRAE, que a reforma do Estado é tarefa para o conjunto da sociedade, tendo em vista que o papel do Estado, a partir da reforma, seria tão somente o de promover e regular o desenvolvimento econômico e social, a lógica governamental abria a discussão, junto à sociedade, de que os atores no processo de reforma não se restringem aos setores exclusivos do Estado, ou seja, a responsabilidade deve passar a ser compartilhada (e note-se que compartilhar é diferente de compartimentalizar) com a sociedade e com o mercado.

Na mesma medida em que o Estado restringe sua atuação direta ao seu aparelho (núcleo estratégico + atividades exclusivas), cada vez mais a sociedade civil é chamada a fazer "parcerias" com o Estado, tomando para si os outros dois setores e tendo como apoio estatal o nível de promoção, regulação e fiscalização desses.

Eis que neste ponto reside o maior risco à luz da realidade brasileira: o risco de a reforma do Estado não significar uma reestruturação positiva de todos os setores, mas acabar se transformando em uma precarização das relações Estado-socidade7, o que pode ocasionar a aproximação da 7 Neste sentido são bastante questionáveis, por exemplo, conceitos como “cidadão-cliente” e contrato de gestão, no qual

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proposta trazida pelo PDRAE com os marcos de um Estado mínimo excludente diante de um mercado avassalador, afrontando diretamente boa parte dos mais importantes princípios constitucionais da Carta de 88.

É, pois, no envolvimento da sociedade civil que se encontra justamente uma das propostas mais audaciosas quanto à reestruturação do Estado, a partir da qual, neste trabalho, alguns dos mais importantes riscos e implicações do processo de reforma apontado pelo PDRAE serão trabalhados.

A publicização e a criação de organizações sociais, cernes de toda a discussão doravante, representam o direcionamento prático da saída da intervenção direta estatal do setor de serviços não exclusivos, também chamado de terceiro setor, de maneira a transferir para a sociedade organizada (a saber, organizações públicas não-estatais e privadas sem fins lucrativos) a prestação de serviços como saúde e educação por exemplo.

Criação do PDRAE e intrinsecamente ligadas aos princípios da reforma ali estabelecidos, as Organizações Sociais são, ao mesmo tempo, conseqüência e desafio da proposta de reformar o Estado brasileiro: foco específico do qual o todo depende e a partir do que poder-se-á questionar a reforma em sua dimensão ampla – tarefa que aqui não será esgotada, mas aprofundada.

1.3. Programa Nacional de Publicização (PNP): "publicização" - um novo paradigma?

Amparada nos marcos do Estado Democrático de Direito, a noção de que o público representa uma esfera mais ampla que o estatal perpassa toda a discussão a respeito do terceiro setor, bem como determina, em grande medida, alguns pontos cruciais no processo de "reforma" do Estado, como a conformação de uma necessária participação social mais ativa no nível de defesa dos interesses públicos e, a partir disso, uma menor "dependência" (?) da sociedade civil em relação à estrita atuação estatal na prestação dos serviços sociais.

Pretendendo estar representada em sentido diverso ao programa de privatização implementado nos últimos anos e como que adotando um foco de análise mais amplo, a proposta de transferir o papel de prestador de serviços sociais para organizações sem fins lucrativos da sociedade civil, através da noção de publicização, reflete fundamentalmente a perspectiva paradigmática de consolidação do espaço público não-estatal e a concomitante solução alternativa encontrada pelo PDRAE de restringir o nível de atuação do Estado ao papel de promotor e regulador no que foi chamado terceiro setor através do instituto das organizações sociais.

O que está previsto no PDRAE, em termos práticos, é a institucionalização dessa transferência, donde a necessidade de um Programa Nacional de Publicização (PNP). Se as organizações sociais (já reguladas pela Lei n.º 9.637/98) são o instituto que vinculará tal "parceria" entre Estado e sociedade organizada, o PNP (ainda a ser criado mediante decreto do Poder Executivo – vide o art. 20 da referida Lei) será o programa que viabilizará a "saída" do Estado (no referente à atuação direta) do setor de atividades não-exclusivas, à medida que se pretende ampliado o espaço da sociedade organizada.

A abordagem realizada no PDRAE é bastante sintomática em se tratando do objetivo da criação de organizações sociais e mesmo da publicização. Esse objetivo seria: "(...) permitir a descentralização de atividades no setor de prestação de serviços não-exclusivos, nos quais não existe o exercício do poder de Estado, a partir do pressuposto que esses serviços serão mais eficientemente realizados se, mantendo o financiamento do Estado, forem realizados pelo setor público não-estatal." (1995:74, grifos nossos)

Por outro lado, o texto legal determina que o PNP será criado "com o objetivo de estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação8 de organizações sociais, a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da União, que atuem nas atividades

Mello (1999) encontra flagrante inconstitucionalidade. 8 A respeito da qualificação das organizações sociais verificar tópico específico trabalhado no próximo capítulo.

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referidas no artigo 1º 9, por organizações sociais, qualificadas na forma desta Lei..." (art. 20, caput, Lei n.º 9.637/98, grifo nosso).

Ora, neste sentido, a "descentralização" dimensionada no PDRAE, abrangendo o conceito de publicização, seria a "absorção" de atividades e serviços até então realizados por autarquias e fundações ("entidades ou órgãos públicos da União") pelas entidades de utilidade pública qualificadas como O.S., o que corresponderia, portanto, a não só reduzir a atuação da Administração Pública Indireta, mas também a promover, simultânea e predominantemente, a atuação da sociedade civil organizada (o que está claro nos objetivos do Plano Diretor, inclusive pelo termo "absorção" da Lei em análise).

Sob o foco jurídico estrito senso, a publicização implica que autarquias e fundações (entes da Administração Pública Indireta e pessoas jurídicas de direito público) a serem qualificadas como organizações sociais deverão ser transformadas em pessoas jurídicas de Direito privado, para serem assumidas ("absorvidas") por associações civis que a elas estejam vinculadas ou mesmo organizações não-governamentais (entidades de interesse social e utilidade pública) da mesma área de atuação.

A previsão de como seria colocado em prática esse processo, segundo o PDRAE (1995:74/75), é que: "A transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações sociais se dará de forma voluntária, a partir da iniciativa dos respectivos ministros, através de um Programa Nacional de Publicização. Terão prioridade os hospitais, as universidades e escolas técnicas, os centros de pesquisa, as bibliotecas e os museus. A operacionalização do Programa será feita por um Conselho Nacional de Publicização, de caráter interministerial." (Grifos nossos)

Neste sentido, em face do questionamento a respeito de "se deverá sempre ocorrer a extinção de uma entidade pública para que surja em seu lugar uma organização social, a qual assuma o serviço por ela prestado", claro é que teoricamente nada impede que as O.S. atuem paralelamente a órgãos e entidades estatais na prestação de serviços sociais e em atividades de interesse coletivo. Ou seja, "apesar de as organizações sociais terem sido concebidas com o objetivo de substituírem entidades da Administração Indireta (...), elas não são, pois, necessariamente, sucessoras de entidades públicas extintas." (Santos; Pedrosa, 1998:14, grifo nosso)

Já, em termos de implementação prática, segundo as autoras supracitadas, "(...) dificilmente, uma entidade será qualificada como organização social sem que haja extinção de órgão ou entidade pública da mesma área de atuação, devido à escassez de recursos de que dispõe a administração pública. Seria utópico imaginar que as organizações sociais venham a representar um mero acréscimo na oferta de serviços naquelas áreas de atuação específica de que nos fala a lei." (1998:14, grifos nossos)

Se é utópica a perspectiva de que as organizações sociais estão sendo criadas para atuarem de forma complementar à atuação estatal e se só a substituição desta por aquela é o que o governo pretende com o PNP, tem-se que há um impasse diante da Constituição Federal de 88, o qual, nos termos de Mello, coloca a seguinte questão: "(...) os serviços trespassáveis a organizações sociais são serviços públicos insuscetíveis de serem dados em concessão ou permissão10. Logo, como sua prestação se constitui em "dever do Estado", conforme os artigos citados (arts. 205, 206 e 208), este tem que prestá-los diretamente. Não pode eximir-se de desempenhá-los, motivo pelo qual lhe é vedado esquivar-se deles e, pois, dos deveres constitucionais aludidos pela via transversa de

9 “O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.” (art.10 da Lei n.º 9.637/98, grifos nossos) 10 “Como os serviços em questão não são privativos do Estado, não entra em pauta o tema da concessão de serviços públicos, que só tem lugar nas hipóteses em que a atividade não é livre aos particulares, mas exclusiva do Estado. Aliás, se entrasse, seria obrigatória a aplicação do art.175 da Constituição Federal, que estabelece que tanto a concessão como a permissão serão “sempre” precedidas de licitação.” (Mello, 1999:159)

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"adjudicá-los" a organizações sociais. Segue que estas só poderiam existir complementarmente, ou seja, sem que o Estado se demita de encargos que a Constituição lhe irrogou." (1999:159, grifo sublinhado nosso)

O motivo de tal transferência inconstitucional (a publicização) para a sociedade organizada das atividades públicas não exclusivamente estatais, que são desempenhadas pelo Estado, no modelo de reforma brasileiro, é a perspectiva de que o Estado não consegue atender eficientemente às demandas da sociedade, prestando serviços sociais (espaço por excelência do público não-estatal) desprovido de mecanismos dinâmicos de gestão e de uma ampla participação social.

Interessante, neste âmbito, perceber o quão veemente é a crença e reiterado é o discurso do governo de que, por definição, a prestação de serviços e a produção de bens pelo Estado é menos eficiente que a realizada pela iniciativa privada.

Segundo Chauí (1999), "A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é portador de racionalidade sócio-política e agente principal do bem-estar da República. Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de serviços definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso é previsível – nas atividades ligadas à produção econômica –, mas também onde não é admissível – no campo dos direitos sociais conquistados." (Grifos sublinhados nossos)

O problema que se pode depreender desse tipo de "ideologia" política é justamente o dimensionamento de até que ponto a eficiência (em termos exclusivamente econômicos) prepondera sobre os interesses sociais (públicos por excelência), até que ponto esses interesses públicos são relativizados pelo embate, por exemplo, da sua contraposição com o conceito de publicização, o qual está conformado para uma cidadania que pressupõe vínculo de clientela neoliberal com o Estado. Haja vista, neste sentido, o elenco das diretrizes a serem observadas pelo PNP, previstas no art. 20: I. ênfase no atendimento do cidadão-cliente; II. ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados; III. controle social das ações de forma transparente.

Dessas três diretrizes, pode-se perceber que a primeira é uma perspectiva apenas voltada para uma cidadania que se pretende protetora dos que se enquadram na categoria de consumidores, "clientes" dos serviços sociais "publicizados" (relação praticamente de mercado) e a segunda vai ao encontro dos parâmetros da eficiência gerencial almejada pelo governo para as organizações estatais (há mais interesses econômicos em jogo que incremento da base democrática de cidadania). Somente a terceira importa efetivamente numa ampliação do espaço de atuação social, através da previsão do compromisso da sociedade com as O.S., ao controlá-las em suas ações.

Ora, faz-se necessário questionar aqui o papel do Estado no processo de publicização diante do necessário caráter universal da prestação de serviços públicos, do princípio da continuidade na prestação deles e do princípio da subsidiariedade, a partir dos quais há que se assegurar a atuação estatal complementar em caso de insuficiência na prestação pelas O.S. dos serviços sociais11.

Ainda que pese o princípio da eficiência (ênfase nos resultados) e a relação estrita de cidadão-cliente, a retomada da subsidiariedade é exigência primordial para a "saída" do Estado do nível de responsabilidade direta por essa prestação, primordial em face justamente do objetivo do próprio PDRAE de efetivamente reformar o Estado para fortalecê-lo e não para minimizá-lo.

Não obstante a e muito além da necessária subsidiariedade, maior deve ser a preocupação social (mais que o mero controle social estrito senso) com relação às O.S. no tocante ao fato de o governo transferir a prestação de serviços sociais para a esfera privada (sem fins lucrativos), sem assegurar que seja ela universal (novamente a discussão acerca do conceito de cidadão-cliente),

11 Neste sentido, vide o § 30 do art.10 da Lei n.º 9.637/98 em que há a previsão da continuidade das atividades sociais assegurada pelo Poder Público, em caso de desqualificação de uma O.S. por malversação de recursos de origem pública.

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donde a contraposição mesma entre a rentabilidade dos serviços públicos privatizados e princípio da universalização do atendimento denotada por Bursztyn (1998:157).

Boa parte dos estudiosos de Direito Administrativo tem se preocupado seriamente com tal transferência, a mensurar por suas críticas ao modelo federal. Dimensionando sinteticamente os principais questionamentos neste sentido, Di Pietro considera que: "Embora a medida provisória [a atual Lei n.º 9.637/98] não diga expressamente, é evidente e resulta nela implícito que as organizações sociais vão absorver atividades hoje desempenhadas por órgãos ou entidades estatais, com as seguintes consequências: o órgão ou entidade estatal será extinto; suas instalações, abrangendo bens móveis e imóveis, serão cedidos à organização social; o serviço que era público passará a ser prestado como atividade privada. Dependendo da extensão que a medida venha a alcançar na prática, o Estado, paulatinamente, deixará de prestar determinados serviços públicos na área social, limitando-se a incentivar a iniciativa privada, por meio dessa nova forma de parceria. Em muitos casos, poderá esbarrar em óbices constitucionais." (1999:312, grifos nossos)

Ora, aprofundando tais questionamentos, diante da transformação ensejada pela Lei n.º 9.637/98 de "serviços públicos" em "atividade privada" e diante da limitação da atuação estatal ao nível de incentivo da iniciativa privada (processos denotados por Di Pietro que serão consolidados "paulatinamente"), quem são os clientes do Estado para os quais as O.S. devem prestar eficientemente serviços sociais e em que medida os "não-clientes" estão excluídos dessa prestação? Seria cidadão-cliente, segundo a lógica do PDRAE, todo aquele que usa os serviços da "empresa" na qual o Estado está se transformando?

Dimensionada a partir de um pressuposto excludente de conformação da cidadania como clientela (dado que submetida a parâmetros neoliberais), a reforma brasileira do Estado coloca em xeque a própria base de legitimação social deste Estado, porque "onde (...) acima da estrutura textual e legitimatória do Estado ainda se faz valer uma superestrutura consistente de inclusão/ exclusão, o 'estado constitucional', que só se pode fundamentar e justificar como Estado universal, ainda não está realizado. A constituição exclui a si mesma do nexo de legitimidade democrática." (Müller, 1998:99/100, grifos nossos)

Em termos de legitimidade das mudanças que têm sido feitas na Constituição de 88 para viabilizar tais mecanismos de redução do aparato estatal, sem assegurar a universalidade na prestação dos serviços sociais que estão envolvidos com o instituto das organizações sociais, é possível questionar também o que Müller considera como a "degeneração em 'povo'-ícone", já que "a exclusão deslegitima. Na exclusão o povo ativo, o povo como instância de atribuição e o povo-destinatário degeneram em 'povo'-ícone." (1998:105, grifo nosso)

A degeneração em "povo apenas para fazer constar do preâmbulo da Constituição", especialmente na realidade brasileira, corresponderia a um quadro institucional em que "por um lado a maior parte da população é 'integrada' na condição de obrigada, acusada, demandada, por outro ela não é integrada na condição de demandante, de titular de direitos" (Müller, 1998:95, grifos nossos). Donde a "identificação da reivindicação de direitos de cidadania por parte de subcidadãos excluídos e subintegrados12, na maior parte das vezes, com subversão". (1998:96, grifos nossos)

A análise da publicização, a partir desta problemática, vai ao encontro do respaldo que tal "processo" recebe de toda a lógica de um governo em específico. Qual reforma do Estado em face da premência da mera rolagem de juros da dívida pública no atual caso brasileiro? - Eis uma base de questionamento já a ser tratada desde as diretrizes do PDRAE e mesmo sobre o próprio conceito de publicização.

O corte de verbas recorrente na saúde e na educação públicas, por exemplo, depõe contra a maior parte dos argumentos de serem as O.S. instrumentos mais democráticos e capazes de atender

12 Haja vista a polêmica dos saques a armazéns de comida e dos sem-terra, sem-teto, sem-proteção estatal alguma no Brasil dos últimos anos.

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melhor a um número maior de pessoas: se a perspectiva governamental é reduzir13 o repasse de recursos financeiros para esse setor, como ampliar a prestação de tais serviços sociais, sem implicar a mera privatização diante da cobrança de taxas, mensalidades ou quaisquer outras formas de faticamente restringir a universalidade desses serviços?

Assim, o PNP, para Mello (1999:157), representaria um "título paradoxal", já que, a priori, o termo publicizar não abre espaço para se interpretar uma transferência para a esfera privada, ainda que essa esfera privada seja sem fins lucrativos.

Segundo Di Pietro, "Embora o Plano Diretor fale em publicização e a própria Lei 9.637, logo na ementa, fale em Programa Nacional de Publicização para definir a forma como se substituirá uma entidade pública por uma entidade particular qualificada como organização social, não há qualquer dúvida quanto a tratar-se de um dos muitos instrumentos de privatização de que o Governo vem se utilizando para diminuir o tamanho do aparelhamento da Administração Pública. A atividade prestada muda a sua natureza; o regime jurídico, que era público, passa a ser de direito privado, parcialmente derrogado por normas publicísticas; a entidade pública é substituída por uma entidade privada." (1999:313)

Neste ponto, cabe questionar ainda em que medida transferir para o regime de direito privado implica tornar mais pública a Administração Indireta? O público não-estatal, como fundamento estruturante das O.S., implica, muito além de transferência de serviços sociais, conformação de níveis mais amplos de participação e controle social, o que, por sua vez, pressupõe uma noção de cidadania mais ativa e comprometida com um nível de coletivo que não depende passivamente do estatal – eis uma visão quase que cíclica que o Programa Nacional de Publicização deveria estar estruturando e sendo por ela estruturado.

Publicização: um novo paradigma? Eis que agora faz-se necessário reavaliar a pergunta inicial deste tópico. O que seria publicizar? Tornar público o que já é estatal parece, à primeira vista, um contra-senso ou ainda um pleonasmo, mas há que se considerar, como anterior e repetidamente já dimensionado, a existência de uma esfera de público que transcende os limites do estatal.

Em grande medida, o problema passa a ser até que ponto transferir do público-estatal algumas atividades (as ditas não exclusivas do Estado) para o público não-estatal representaria uma via de prestação de tais atividades e serviços mais pública. Correndo o risco de ser um pouco tautológica, seria perguntar se há um público mais público que o outro, donde ser o Programa Nacional de Publicização um título "paradoxal"...

No Estado Democrático de Direito, a distinção entre público e privado só é percebida em limites bem tênues e, em Habermas (1995), chega a ser uma perspectiva procedimental, delimitada na lógica do modelo discursivo de democracia. A publicização não significaria, neste sentido, uma transição de algo que fosse menos para mais público estrito senso, porque tal questão só pode ser solucionada na via de processo, no quantum de participação social agregado (se é que é possível mensurá-lo).

A tomada do espaço público pela sociedade civil e mesmo a indistinção fluida entre público e privado a partir da ampliação e evolução na aquisição de direitos pelos indivíduos, numa releitura da proposta governamental de publicização, só são efetivamente indícios de concretização da diretriz constitucional de "instituir um Estado Democrático" (vide preâmbulo da Constituição Federal de 1988) na medida estrita da ampliação do exercício da cidadania.

Publicizar deve implicar, mais que qualquer outra coisa, nível de incremento da participação social em um efetivo exercício da condição de cidadão, sob pena de não corresponder o nome à 13 O PDRAE (1995:74) delineou um protótipo de organização social em que houvesse autonomia financeira e administrativa, bem como maior responsabilização dos dirigentes e maior participação da sociedade, a partir do controle social direto através de seus conselhos de administração, tudo isto conformando a perspectiva de que há de haver uma maior parceria com a sociedade no custeamento dos serviços prestados (a sociedade deveria, neste modelo, captando recursos junto ao mercado inclusive, “ajudar” o Estado significativamente a financiar as O.S.).

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realidade, pena essa que se coloca sob a égide do desafio de implementar um Estado reformado que seja essencialmente democrático.

2. Configuração das organizações sociais

Fruto por excelência do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), onde foram delineadas como um projeto específico e bastante significativo, as organizações sociais representam uma via de instrumentalizar a restrição14 da responsabilidade direta do Estado pela prestação de atividades e serviços sociais, o que foi, no plano em questão, alçado à condição de medida necessária ao processo de reestruturação estatal brasileira, em termos do que ali foi considerado como projeto de uma reforma mais verticalizada15.

A respeito do marco inicial das O.S., em termos de análise de sua configuração político-institucional em todo o país, segundo Di Pietro, "Esse tipo de entidade foi mencionado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em reunião de 21-9-95. Alguns Estados, antecipando-se ao Governo Federal, acabaram legislando sobre a matéria por meio de leis estaduais, segundo o modelo proposto no Plano Diretor." (1999:311)

As organizações sociais foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro a partir de sua regulamentação por medidas provisórias (primariamente pela MP 1.591, de 9.10.97, que foi reeditada mais cinco vezes até a sua substituição pela MP 1.648-6, de 24.3.98, também, por seu turno, reiterada), sendo que a matéria acerca das O.S. praticamente foi mantida a mesma até a sua regulamentação legal, que veio a ocorrer com a Lei 9.637, de 15.5.98. (Mello, 1999:154).

Em termos de precedentes históricos, há que se considerar que a expressão organização social, pautada nos marcos do processo de reforma defendido no PDRAE, foi utilizada pela primeira vez, sob o possível espectro de diretriz política do que viria a ser regulado posteriormente por M.P. (em outubro do mesmo ano), aparentemente pelo Decreto 2.172, de 5.3.97 (o qual estabelece a aprovação do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social).

Tal decreto, em seu art. 206, prevê que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderá firmar convênio, contrato ou acordo com "organizações sociais", o qual, todavia, não introduziu concomitantemente nenhuma elucidação a respeito do que seriam tais organizações. (Mello, 1999:154) Donde não se poder afirmar de modo algum juridicamente e, com algumas ressalvas, politicamente, que tal citação no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social (aprovado por decreto presidencial) já criasse alguma expectativa ou vínculo quanto ao instituto das O.S., antes mesmo da sua previsão legal.

A Lei n.º 9.637/98, em seus 25 artigos, dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por outras organizações sociais, bem como, segundo sua própria ementa, dá outras providências.

Em níveis amplos, a configuração do instituto das organizações sociais, delimitada por tal lei, foi feita de forma bastante imprecisa (Freitas, 1998), o que leva, segundo o autor em questão, à necessidade de se questionar e mesmo de pressionar o governo no sentido de um "indispensável aperfeiçoamento do modelo federal", mesmo porque, segundo Mello (1999), esse diploma legal está marcado por inconstitucionalidades "flagrantes" (como já citado em tópico anterior).

Analisando o instituto em si e sua repercussão no sistema jurídico, faz-se agora necessário 14 É necessário questionar a dimensão de tal restrição, dentro da lógica de reforma proposta pelo governo: da minimização à transferência completa? 15 O PDRAE (1995:71), ao justificar a proposição de seus projetos mais importantes (“básicos”) definiu-os em duas categorias: os que implicariam uma reforma mais horizontal, a saber, em específico foi citado o “projeto de avaliação estrutural, que examinará de forma global a estrutura do Estado” e os que denotariam uma reforma mais verticalizada (mudança na relação entre os setores do Estado), que seriam, fundamentalmente, o projeto das Agências Executivas e o das Organizações Sociais.

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questionar uma conceituação mais específica, sua natureza jurídica, o próprio processo de qualificação, bem como o seu regime jurídico, para posteriormente se poder densificar alguns dos pontos mais polêmicos que são os mecanismos de controle e o contrato de gestão.

Por partes, o que se pretende delinear, daqui para frente, com o estudo mais detido da Lei n.º 9.637/98 em contraposição às várias correntes que problematizam a Reforma do Estado sob os moldes brasileiros, na doutrina de Direito Constitucional e Administrativo, é justamente a conformação dos desafios colocados pelas O.S. tanto ao Estado, quanto à sociedade, perpassando por críticas e análises de vias alternativas, até chegar a uma conclusão em aberto: os riscos vários se colocam paralelamente à possibilidade de implementar uma nova lógica de relação Estado-sociedade mais participativa e democrática, donde a maior insegurança estar justamente no processo de sua concretização...

2.1. Definição

De acordo com os termos da Lei n.º 9.637/98 (art.1º), as "pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos16 previstos nesta Lei" poderão17 ser qualificadas como organizações sociais pelo Poder Executivo.

A previsão legal acima exposta não traça própria e especificamente uma definição de organizações sociais. A Lei em análise já inicialmente parte da qualificação de tais entidades, sendo o entendimento a respeito do que sejam as O.S. uma interpretação do texto legal como um todo, ou seja, trata-se de buscar a sua concepção subentendida e não uma estrita definição legal, que não foi feita.

O PDRAE, ao contrário, estabelece uma precária e sintética conceituação. São organizações sociais, para o Plano Diretor, "as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito a dotação orçamentária." (1995:74)

Comparativamente, foram mantidos, em relação ao conceito do PDRAE, no texto da lei que trata sobre as O.S., três dos mais importantes núcleos que conformam a sua noção: a natureza jurídica de Direito privado, a iniciativa (discricionariedade) do Poder Executivo no ato da qualificação e o contrato de gestão, tendo sido, apenas e fundamentalmente, alterada a forma de "obtenção" do título legal: de autorização legislativa para qualificação feita diretamente pelo Executivo, o que aumenta ainda mais a margem de poder discricionário deste.

Em termos amplos, pode-se dizer que não há como fugir de uma concepção de organização social oferecida pelo impreciso substrato legal que não seja tautológica, visto que assim são denominadas as entidades privadas, fundações ou associações sem fins lucrativos que "usufruem do título de organização social" (Modesto, 1997:31). Neste sentido, segundo o autor em questão, "a denominação organização social é um enunciado elíptico" (1997:31).

Para Freitas (1998:100), não obstante, quanto ao conceito de organização social, "(...) sob pena de tautologia, não é adaptado pensá-las apenas como pessoas jurídicas de direito privado designadas como tais, uma vez que preencham determinados requisitos. Além de lacunosa, esta definição se arrima, bem de ver, na incompreensão de fundo do próprio regime e na excessiva discricionariedade no tocante à habilitação, somente menos grave do que aquela destinada à desqualificação..." (grifos nossos)

Na doutrina, uma conceituação bastante problemática, apesar de clara e coesa, é a realizada por Di Pietro, para quem as organizações sociais "são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins 16 Tais requisitos tratados pelo art.2º da Lei n.º 9.637/98 serão analisados mais detidamente no tópico a respeito da qualificação como organização social. 17 Quanto à discricionariedade conferida ao Poder Executivo, verificar discussão traçada no ponto que trata sobre a qualificação mais adiante.

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lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão." (1999:311, grifo nosso).

A Lei n.º 9.637/98 não deixa dúvidas, em seu art. 1º, de que caberá ao Poder Executivo, discricionariamente, a iniciativa de qualificar ou não entidades de utilidade pública como organizações sociais, donde a afirmação da referida autora de serem as O.S. "instituídas por iniciativa de particulares" não estar absolutamente correta, na medida que tal afirmação só se justifica, em uma abordagem mais abrangente, a partir da concepção de que as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, são constituídas pela iniciativa privada (haja vista os exemplos de associações civis, organizações não-governamentais, fundações privadas etc). Contudo há que se fazer a ressalva de que tanto o título de utilidade pública, quanto o qualificativo de O.S. são de estrita e necessária iniciativa do Poder Público.

Cabe considerar também, como uma outra falha da definição elaborada por Di Pietro, a singularidade deixada de fora do conceito ("exceção") das entidades a serem "publicizadas", já que nem as autarquias e fundações públicas serão constituídas como O.S. através de iniciativa direta de particulares, seja porque foram criadas por lei específica e também por lei específica serão extintas, seja porque o processo de sua absorção pela sociedade organizada não corresponde a uma "constituição" por parte de particulares.

Sintetizando todas essas perspectivas, portanto, tem-se que a concepção de organizações sociais, em sentido abrangente, encampa todas as pessoas jurídicas de direito privado, constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos, que sejam habilitadas a receber tal qualificação, dados os requisitos específicos previstos na lei supracitada (art. 2º), habilitação esta que implica, sob a égide de um contrato de gestão, a administração de recursos humanos, instalações e equipamentos (se necessário for) pertencentes ao Poder Público e o recebimento de recursos orçamentários para seu funcionamento, bem como maiores vínculos de controle e responsabilização perante o Estado e a sociedade, apesar da maior autonomia administrativa.

Do questionamento sobre a figura jurídica das organizações sociais, a primeira resposta a que se chega é a de que não se trata absoluta e necessariamente de um instituto jurídico novo, são pessoas jurídicas privadas de interesse social e utilidade pública (art. 11 da Lei supracitada) que, uma vez qualificadas como O.S., submetem-se a maiores restrições e vigilância do Estado, bem como, em contrapartida, detêm prerrogativas maiores (benefícios e vantagens) que as cabíveis às entidades privadas de utilidade pública comuns.

Segundo Modesto, "ser organização social, por isso, não significa apresentar uma estrutura jurídica inovadora, mas possuir um título jurídico especial, conferido pelo Poder Público em vista do atendimento de requisitos gerais de constituição e funcionamento previstos expressamente em lei." (1997:31)

Obviamente, pode-se, explorando a delimitação legal, considerar que o que a Lei n.º 9.637/98 prescreve é um tratamento formal novo para um instituto jurídico antigo: as entidades privadas de utilidade pública, submetidas à qualificação (nos moldes previstos por tal lei), passam a ser categorizadas como organizações sociais. Todavia, é necessário ressaltar que mesmo esse "novo" tratamento formal se assemelha bastante, em termos de resultados pretendidos quanto à flexibilização do regime jurídico, com a figura bastante controversa da fundação governamental de direito privado pré-CF/88.

Quanto ao questionamento sobre se há algo realmente inovador no delineamento do conceito, Modesto (1997:32) estabelece relações entre as organizações sociais e as entidades de utilidade pública de traços comuns e de traços diferenciais, para chegar à conclusão de que há uma identidade "inconfundível" das O.S. em face dessas, apesar de fazerem ambas parte da "mesma espécie". (1997:33)

Criadas com o intuito de representar uma figura singular na espécie de entidades privadas de utilidade pública, mesmo sem ser, estrito senso, uma inovação no sistema jurídico, as organizações

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sociais não se confundem com as organizações não-governamentais (O.N.G.s), nem com os entes da Administração Indireta. Não se confundem, em grande medida, pelos mesmos motivos (essencialmente pelo atributo da qualificação) que as distinguem das entidades privadas de utilidade pública. O terceiro setor é um espaço amplo o bastante para comportar todas essas figuras e as suas devidas especificidades. O que não obsta o fato de a proposta governamental tentar justamente incorporar nas O.S. o fundamento e a direção introduzidos pelas O.N.G.s: uma perspectiva que vai da extrapolação da caridade para o exercício da cidadania. Mas, como já problematizado anteriormente, o desafio é concretizar o discurso.

2.2. Natureza jurídica

Segundo o art. 11 da Lei n.º 9.637/98, "as entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais." Ou seja, apenas delimitando em outras palavras, tem-se que a natureza jurídica das organizações sociais é de pessoa jurídica de direito privado, estando conformadas mais especificamente como entidades de utilidade pública.

Aprofundando o significado do preceito legal, tem-se que a natureza de entidade de utilidade pública (pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que detém o título de utilidade pública) das organizações sociais, expressa no artigo em questão como declarada e não constituída, denota o que já se comentava no tópico anterior, principalmente a partir da análise do art.10 da lei em estudo. Neste sentido, a qualificação como O.S. não constitui um novo instituto jurídico, mas apenas, como o próprio nome deixa claro, uma "qualidade jurídica conferida pelo Poder Público" às "tradicionais pessoas jurídicas qualificadas pelo título de utilidade pública". (Modesto, 1997:32)

Ainda sob esse ponto de análise, para Modesto, "em qualquer dos dois títulos referidos (...), dá-se um plus à personalidade jurídica das entidades privadas, que passam a gozar de benefícios especiais não-extensíveis às demais pessoas jurídicas privadas (benefícios tributários e vantagens administrativas diversas)". (1997:32)

Cabe, aqui, ressaltar a distinção entre as entidades que precisarão ser "publicizadas" e as que nunca pertenceram à Administração Pública Indireta, com vistas ao objetivo final de conformarem todas elas o espectro de requisitos formais para ser O.S. As primeiras, em termos de natureza jurídica, são originariamente autarquias e fundações públicas, pessoas jurídicas de direito público, que para se tornarem O.S. devem ter sua personalidade jurídica transformada, de modo que passem a se enquadrar nos moldes do art. 10 da Lei n.º 9.637/98, que especifica que só poderão ser qualificadas como O.S. as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.

Neste sentido, a "publicização", como já delineado anteriormente, seria, estrito senso, a transformação da personalidade de direito público para personalidade de direito privado, acrescida do qualificativo de entidade de utilidade pública, das autarquias e fundações dos setores determinados pelo art. 10 da Lei supracitada (ensino, cultura, saúde etc.), feita com o objetivo específico e fundamental de implicar a qualificação destas entidades como organização social.

Ora, por outro lado, quanto às entidades que nunca pertenceram à Administração Pública Indireta, tem-se que as organizações sociais delas oriundas, no limite, possuem a personalidade de direito privado como elemento constitutivo e os demais títulos como meras qualidades jurídicas agregadas/ adquiridas, sendo tais entidades passíveis de desqualificação pelo mesmo órgão que conferiu a elas esses títulos.

Nas palavras de Modesto, "A todo rigor, portanto, nenhuma entidade é constituída como organização social. Ser organização social não se pode traduzir em uma qualidade inata, mas em uma qualidade adquirida, resultado de um ato formal de reconhecimento do Poder Público, facultativo e eventual, semelhante em muitos aspectos à qualificação deferida às instituições privadas sem fins lucrativos quando recebem o título de utilidade pública." (1997:32)

2.3. Qualificação

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Durante toda a Seção I (do Capítulo I, que trata sobre as organizações sociais) da Lei n.º 9.637/98, tem-se a previsão de como deverá se dar a qualificação das entidades de utilidade pública como O.S., sendo que, no art. 1º, há uma mera descrição de quem poderá ser qualificado e a enumeração exaustiva das áreas em que haverá a qualificação pelo Poder Executivo, enquanto, no art. 2º, são enumerados "os requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social".

Tendo em vista que o conteúdo do art. 1º, em grande medida, já foi trabalhado nos dois pontos anteriores deste trabalho, faz-se necessário fundamentalmente estudar o processo de qualificação à luz do art. 2º, da Lei das O.S., qual seja, analisar os requisitos e significado da qualificação em face deles.

Basicamente, os requisitos estabelecidos na lei são o registro do ato constitutivo com uma série de elementos (nove alíneas ao todo18) ali constantes e a "aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado" (inc. II do art. 2º).

A maior problemática da qualificação como foi proposta na lei é justamente o nível de discricionariedade excessiva conferida ao Poder Executivo, ao qual compete a "aprovação, quanto à avaliação da conveniência e da oportunidade" na qualificação da entidade como O.S. Sob este foco, há que se ressaltar o grande risco, o "perigoso excesso de submissão a parâmetros políticos" (Freitas, 1998:100), a dependência de "decisão (inteiramente livre)" (Mello, 1999:155) de alguns Ministros de Estado, dentre várias outras críticas da doutrina, já esboçadas anteriormente no art.10, em relação ao preceito de que "o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais..."

Aberto esse espaço politicamente inseguro, unilateral, pouco controlável e bastante subjetivo, as organizações sociais passam a ser, portanto, instrumento e alvo da completa discricionariedade do governo, quanto à escolha e definição de quais instituições assim serão classificadas.

Ainda neste sentido, tem-se que a Lei n.º 9.637/98 não exige idoneidade financeira, técnica ou qualificação a priori (não há um processo criterioso de análise prévia), porque basta ser pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, "contanto que a pessoa atenda a determinados requisitos formais óbvios e alguns poucos requisitos substanciais" (MELLO, 1999:155) e que seja "agraciada" pela aprovação discricionária do Executivo. Mais problemático ainda é que a Lei das O.S. não requer nem mesmo a comprovação de patrimônio, havendo o risco/ possibilidade de uma entidade-"fantasma" vir a pleitear e mesmo conseguir a qualificação como organização social.

O despropósito e a amplitude dessa gama de problemas na Lei n.º 9.637/98 são, na análise de Mello sobre as várias (in)constitucionalidades presentes nela, tratados com a devida indignação: "Enquanto para travar com o Poder Público relações contratuais singelas (como um contrato de prestação de serviços ou de execução de obras) o pretendente é obrigado a minuciosas demonstrações de aptidão, inversamente, não se faz exigência de capital mínimo nem demonstração de qualquer suficiência técnica para que um interessado receba bens públicos, móveis ou imóveis, verbas públicas e servidores públicos custeados pelo Estado..." (1999:157/158) 18 Sinteticamente, o ato constitutivo registrado, para ter validade como requisito à aquisição da qualificação como O.S., deve dispor sobre: a) natureza social de seus objetivos em conformidade com a área de atuação; b) finalidade não-lucrativa (obrigatoriedade de investir seus excedentes financeiros em prol da própria atividade); c) conselho de administração e diretoria definidos nos termos do estatuto, sendo que a composição e atribuições normativas e de controle básicas daquele se encontram asseguradas na própria Lei n.º 9.637/98; d) participação no conselho de administração de representantes do Poder Público e de membros da comunidade; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual no D.O.U. dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido e i) incorporação integral de tudo que lhe tiver sido destinado, bem como dos seus excedentes financeiros, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social da mesma área de atuação, ou ao patrimônio dos entes da Federação na proporção dos recursos e bens por eles alocados.

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Mais que isso, segundo o referido autor, o fato de ser considerada bastante para a qualificação "a simples aquiescência de dois Ministros de Estado ou, conforme o caso, de um Ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela pessoa postulante ao qualificativo de 'organização social'", trata-se de "outorga de uma discricionariedade literalmente inconcebível, até mesmo escandalosa, por sua desmedida amplitude, e que permitirá favorecimentos de toda espécie". (1999:158, grifos nossos)

A partir deste ponto, portanto, faz-se necessário questionar a necessidade ou não (?) de processo licitatório, em face do risco de se estar ferindo o princípio constitucional de tratamento isonômico (art. 50, CF/88). Enquanto para Santos & Pedrosa, "o que poderá determinar a dispensa de licitação será a especificidade do objeto e da finalidade" do contrato de gestão (1998:15), para Mello, "a ausência de licitação é uma exceção que só pode ter lugar nos casos em que razões de indiscutível tomo a justifiquem, até porque, como é óbvio, a ser de outra sorte, agravar-se-ia o referido princípio constitucional da isonomia19".

Ora, a abordagem de Mello vai ainda mais longe, quando considera que: "(...) é inconstitucional a disposição do art. 24, XXIV, da lei de licitações (Lei 8.666, de 21.6.93) ao liberar de licitação os contratos entre o Estado e as organizações sociais20, pois tal contrato é o que ensancha a livre atribuição deste qualificativo a entidades privadas, com as correlatas vantagens; inclusive a de receber bens públicos em permissão de uso sem prévia licitação. (...) A ausência de critérios mínimos que a racionalidade impõe no caso e a outorga de tal nível de discrição não são constitucionalmente toleráveis, seja pela ofensa ao cânone básico da igualdade, seja por desacato ao princípio da razoabilidade..." (1999:158, grifo nosso)

Há que se questionar, por outro lado, a validade do argumento de Freitas (1998) sobre o fato de a discricionariedade, ao longo da Lei n.º 9.637/98, não se restringir ao processo de qualificação como O.S., na medida que, para o referido autor, ela perpassa também todo o preceito acerca da desqualificação; discricionariedade que, nos termos do art. 16, se encontra expressa no fato de que "o Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão."

Constatado o descumprimento do contrato de gestão, para Freitas, "(...) mostra-se incontornável dever – nunca uma mera faculdade –, efetuar a desqualificação, revelando-se manifesto o lapso na opção efetuada pelo legislador, que preferiu, no ponto, uma politização exacerbada do regime de tais organizações, quiçá visando a acelerar o processo de privatização, paradoxalmente publicizando uma parcela do terceiro setor..." (1998:100, grifos nossos)

Em termos de hermenêutica jurídica, considerando que, a declarar a inconstitucionalidade de uma norma, é preferível avaliar profundamente o significado interpretativo que ela traz à luz dos princípios constitucionais, faz-se necessário ressaltar que o cuidado de Freitas (1998) com o "poderá" do art. 16 da Lei n.º 9.637/98 é excessivo.

Constitui-se tal argumento excessivo, tendo em vista que não há que se entender o dispositivo legal literalmente, mas aplicar, como é feita com várias outras disposições legais, o "poderá" com o sentido de "deverá", justamente pelos mesmos argumentos do autor, supracitados, de adaptação e conformidade com o ordenamento jurídico (haja vista a necessária obediência aos parâmetros constitucionais), os quais ele levanta para defender a tese de inconstitucionalidade presente na faculdade "arbitrária" do processo de desqualificação das O.S. conferida ao governo

19 Antes de traçar aquela análise aqui citada, Mello considerava o grau de discricionariedade exacerbado do inciso II do art. 20, da Lei n.º 9.637/98 “uma inconstitucionalidade manifesta”, que afronta o princípio constitucional da licitação (art. 37, XXI) e, consequentemente, o princípio constitucional da isonomia (art. 50), “do qual a licitação é simples manifestação punctual, conquanto abrangente também de outro propósito (a busca do melhor negócio)”(1999:158). 20 “A Lei n. 9.648, de 27-5-98, que alterou a Lei n.8.666, de 21-6-93 (lei de licitações e contratos), privilegiou as organizações sociais ao prever, entre as hipóteses de dispensa de licitação, a “celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão” (art. 24, XXIV).” (Di Pietro, 1999:312, grifo nosso)

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federal. Não cabe faculdade ao Poder Executivo na desqualificação e é necessariamente porque a

desqualificação se torna um "incontornável dever" no caso de descumprimento do estabelecido no contrato de gestão, que o "poderá" só tem sentido, em termos de valor jurídico em face do ordenamento, na condição de "deverá", sob pena de se estar, contrariada essa via de análise, efetivamente criando, então, espaço para uma inconstitucional arbitrariedade.

O risco de se abrir margem à privatização, apesar do discurso publicizante, reside em vários âmbitos de indefinição deixados em aberto pela Lei n.º 9.637/98: é clara, neste sentido, a problemática da discricionariedade da qualificação, instrumentalizada política e legalmente para o Poder Executivo à revelia da sua conformidade com a Constituição; donde Freitas (1998) reclamar, como já citado anteriormente, por um "indispensável aperfeiçoamento do modelo federal".

Politicamente, o custo de se conferir tamanha discricionariedade na qualificação é justamente a possibilidade de perda da legitimidade de tais processos junto a toda a sociedade. Ou seja, a possibilidade de perder a sua própria razão de existir, que é a de estabelecer uma efetiva e mais democrática "parceria" entre Estado e sociedade.

2.4. Regime jurídico

O regime das organizações sociais desponta, segundo Freitas, como atípico, na medida em que elas, "decididamente, obedecem a um regime sui generis, não-estatal, porém certamente dominado por regras de direito privado e princípios de direito público" (1998:101).

O domínio das regras de direito privado no regime jurídico das O.S. se dá fundamentalmente a partir e em face da sua natureza jurídica de direito privado, sendo que as prerrogativas advindas desta condição, conforme a perspectiva delineada no PDRAE, correspondem à necessidade de se incentivar uma espécie de "otimização"21 da gestão dos recursos disponíveis à consecução das metas acordadas, tendo em vista os parâmetros de eficiência e desempenho a serem controlados a partir do contrato de gestão.

Contudo, a flexibilização no âmbito de atuação das O.S. (em relação às entidades da Administração Pública Indireta) resultante da mudança de regime jurídico não se faz sem ressalvas, visto que não se trata, em tese, simplesmente de uma privatização22, donde tal flexibilização estar implicada em face de uma maior fiscalização e controle tanto estatal quanto social, o que se justifica tendo em vista a problemática de as O.S. estarem recebendo patrimônio, funcionários e verbas públicas (dotação orçamentária) para efetivar a prestação de serviços sociais e tendo em vista também a exigência feita pelo legislador infraconstitucional (art. 70 da Lei n.º 9.637/98)) de que o contrato de gestão23 deve ser elaborado em conformidade com importantes princípios constitucionais24. "Vai daí que seja misto o regime das organizações sociais, porquanto, no plano das regras, revela-se dominantemente de direito privado, mas, no plano mais alto das diretrizes do sistema, a superioridade pertence aos princípios juspublicistas". (Freitas, 1998:103)

Analiticamente, nas palavras de Freitas, "Certo está, como assinalado, que este regime peculiar não o é em escala bastante para que se as considerem partes inerentes à Administração Pública. Pertencem – convém reiterar – ao chamado terceiro setor, contudo a elas se aplica, por exemplo, a legislação do combate à improbidade administrativa, sempre que, de algum modo, 21 É inconfundível a influência dos jargões economicistas na linha de reforma introduzida pelo PDRAE, representando o que Bursztyn (1998), como anteriormente já citado, chamou de “fetichismo do mercado”. 22 Quanto à dúvida de se tratar o processo de publicização e a consequente mudança de natureza e regime jurídico das entidades da administração indireta a serem qualificadas como organização social uma “dissimulação” para encobrir o intuito governamental de privatizar no setor de serviços sociais, vide discussão já delineada anteriormente quando do tópico sobre o Programa Nacional de Publicização (PNP). 23 A ser tratado mais detidamente no próximo capítulo. 24 “Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade” (art. 70, caput ,da Lei n.º 9.637/98, grifo nosso), entre outros preceitos mais específicos a serem tratados no tópico sobre contrato de gestão.

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houver uso indevido dos recursos públicos (Lei 8.429/92). Da mesma sorte, a responsabilidade por danos causados por estas entidades, dado que se constituem pessoas jurídicas prestadoras de serviços de relevância social, em acepção ampla (...), também haverá de receber o influxo parcial da regência publicista." (1998:102, grifos nossos)

A discussão a respeito da "relevância social" das organizações sociais ocasiona, além da noção de regime misto, uma série de controvérsias quanto ao fato de o Estado estar se desincumbindo da prestação de serviços considerados, alguns deles, "deveres do Estado", apesar de não serem essencialmente área de atuação privativa do Estado e não se submeterem, em se tratando da delegação de serviços públicos pelo Estado a entes privados, ao regime das concessionárias e permissionárias. Não sendo serviços públicos estrito senso, os serviços a serem publicizados representam uma área bastante frágil, questionada tanto segundo, quanto contra os parâmetros do discurso do Plano Diretor, em termos da responsabilidade estatal para com a sua prestação direta e constitucionalmente determinada como espaço de atuação simultânea entre Estado e sociedade, o que deslegitima tanto os argumentos de intervenção restrita do Estado, quanto de atuação única dos entes privados e "publicizados".

O regime jurídico das organizações sociais não se esgota nas delimitações legais, nem pode ser mensurado apenas a partir das suas "peculiaridades", cabe analisá-lo aqui amplamente seja no sentido da análise de tais delimitações específicas, seja nas problematizações oriundas do confronto com todo o ordenamento jurídico brasileiro e com a base de legitimidade político-social.

A prestação "publicizada" dos serviços sociais pelas O.S. encerra uma gama de análises jurídicas que socialmente resultam numa estrutura ainda mais indefinida, haja vista a dificuldade de dimensionar o regime de tais entidades em nível teórico: a grande dúvida, no meio de tão grande proposta de mudança, é se o regime em questão (extremamente "peculiar") não seria uma dissimulação de um processo de privatização em um nível em que isto seria inconcebível.

2.4.1. Especificidades do regime das organizações sociais

Dada a caracterização das O.S. como entidades que estão submetidas a um regime bastante singular, visto que esse está conformado por regras de direito privado e princípios de direito público e, partindo da noção de representarem elas um modelo misto justamente por causa de seus objetivos "publicizadores", cabe o aprofundamento da análise de tal singularidade do seu regime jurídico, em face do que a Lei n.º 9.637/98 estabelece e em face da proposta de publicização do PDRAE (1995), dentro da lógica governamental de reforma do Estado brasileiro.

Em linhas gerais, os "traços peculiares" (Freitas, 1998:101-102) do regime das organizações sociais, arrolando-os crítica e elucidativamente, são:

a) a natureza social de seus objetivos, constante do seu ato constitutivo, corresponde à perspectiva de que as O.S. prestam "serviços públicos lato sensu", devendo estar em conformidade com uma das áreas de atuação previstas no art. 10 da Lei n.º 9.637/98, o que faz com que tais objetivos devam "ter relevância", na medida em que tratem de "serviços de relevância pública, em que pese o fato de serem prestados por pessoas privadas (art. 2º; I, "a")" (Freitas, 1998:101);

b) as organizações sociais não podem visar a quaisquer finalidades lucrativas, "razão pela qual seus excedentes deverão, forçosamente, ser reinvestidos em suas atividades sociais (art. 2º; I, "b"), vedada a distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido (art. 2º; I, "h")" (Freitas, 1998:101);

c) elas "devem respeitar" (1998:101) a previsão determinada por lei de participação, no órgão de deliberação superior (a saber, o Conselho de Administração25), de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral (art. 2º; I, "d");

25 A respeito do Conselho de Administração: sua forma de composição e seu significado para as organizações sociais, conferir tópico específico mais adiante.

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d) as O.S. estão obrigadas a conferir ampla publicidade a seus atos em face de seu compromisso com o Estado e com o "cidadão-cliente", haja vista o art. 2º; I, "f", que trata sobre a obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão;

e) elas também estão submetidas (art. 9º da Lei das O.S.) ao controle do Tribunal de Contas26 (art. 70 da CF/88, § único, com redação determinada pela E.C. n. 19/98) do ente da federação a que se vincularem (dever constitucional de prestar contas por quem quer que esteja envolvido com bens e receita pública);

f) há de existir, no seu ato constitutivo, previsão acerca de incorporação do patrimônio, dos legados ou doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social da mesma área de atuação, devidamente qualificada, ou ao patrimônio público, "neste último caso numa ligeira atecnia, porquanto os bens públicos a serem alocados devem continuar sendo públicos, devendo haver, em regra, tão só permissão de uso, não doação dos mesmos (art. 2º; I, "i"), ainda que admita a permuta (art.13)" (Freitas, 1998:101/102);

g) as organizações sociais devem especificar seu programa de trabalho, assim como definir, de comum acordo com o órgão ou entidade supervisora, as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e delas mesmas por meio de contrato de gestão27 (art. 6º da Lei n.º 9.637/98), que deve "estipular as metas a serem atingidas, os respectivos prazos de execução, bem como os critérios objetivos de avaliação de desempenho, inclusive mediante indicadores de qualidade e produtividade" (Di Pietro, 1999:312);

h) a execução do contrato de gestão celebrado por tais entidades será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada (art. 8º da lei em estudo), sendo que "a entidade estará sujeita a controle externo de resultados, periódico e a posteriori, realizado por comissão de avaliação composta por especialistas de notória qualificação" (Modesto, 1997:33);

i) "a dispensa do certame licitatório (a teor da Lei 9.648/98, art. XXIV), somente ocorrerá se as organizações sociais estiverem desempenhando atividades contempladas no contrato público de gestão" (Freitas, 1998:102);

j) quanto ao fomento estatal, as O.S. detêm a prerrogativa de "destinação de recursos orçamentários e bens públicos imprescindíveis ao cumprimento do contrato de gestão (art. 12, § 1º), bem como a cedência especial de servidor público com ônus para a origem (art. 14), o que as força a prestar as referidas satisfações ao Tribunal de Contas" (Freitas, 1998:102). Ou seja, à disposição das O.S.(se necessário for ao cumprimento do contrato de gestão), poderá haver dotação orçamentária, permissão de uso (com dispensa de licitação) de bens públicos móveis (nos quais poderá se ter ainda permuta nos termos do art.13) e bens públicos imóveis, tendo sido disponibilizada também cessão de servidor público, às custas do erário público;

k) "a entidade poderá ser desqualificada como organização social quando descumprir as normas do contrato de gestão" (Di Pietro, 1999:312). Nos termos do art. 16 da Lei n.º 9.637/98, a desqualificação será precedida de processo administrativo, resguardado o direito de ampla defesa e respondendo os dirigentes individual e solidariamente pelos danos ou prejuízos decorrentes da sua ação ou omissão (§ 1º), bem como ela (a desqualificação) importará reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis (§ 2º).

26 A respeito do controle exercido pelo Tribunal de Contas e dos demais tipos de controle exercidos sobre as organizações sociais, vide o próximo capítulo, o qual se propõe a tratar especificamente o assunto. 27 O contrato de gestão representa um dos cernes da discussão a respeito das organizações sociais, que será tratado mais adiante.

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2.4.2. Prestação "publicizada" de serviços sociais Uma discussão bastante conflituosa acerca da transferência, sob o modelo das O.S., das

atividades públicas não-exclusivamente estatais do âmbito de atuação estatal para a sociedade civil organizada está na problemática de se tratar ou não de serviço público, sendo tal discussão permeada essencialmente pela própria indefinição doutrinária quanto a um conceito unívoco do que seja serviço público.

Segundo Mello (1999:478), "só merece ser designado como serviço público aquele concernente à prestação de atividade e comodidade material fruível diretamente pelo administrado, desde que tal prestação se conforme a um determinado e específico regime: o regime de Direito Público, o regime jurídico-administrativo".

Para o referido autor, há que se considerar "duas ordens de indicações contidas no Texto Constitucional" para identificar os serviços que o "Estado pode colocar debaixo do regime de Direito Público" (1999:496, grifo nosso), quais sejam, "a primeira delas é a de que certas atividades a própria Carta Constitucional definiu como serviços públicos: alguns deles em todo e qualquer caso e outros deles apenas quando prestados pelo Estado", indicação essa que encerra tanto as esferas de responsabilidade privativa do Estado, quanto "os serviços incluíveis na categoria de serviços públicos quando prestados pelo Estado" (esfera do público não exclusivamente estatal) e a segunda (constante do art.173, CF/88) "deixa clara a excepcionalidade da intervenção do Estado na esfera econômica". Donde Mello (1999:496) concluir que "existem indicações constitucionais claras de que há (a) certos serviços que não podem ser serviços públicos [o domínio econômico por excelência] e (b) certos serviços que o são obrigatoriamente ou que (c) podem ser serviços públicos".

As dúvidas caminham no sentido de se precisar em que medida a "publicização" seria ou não uma espécie de delegação de serviços públicos ou em que medida a mudança de regime das entidades que integram a Administração Indireta e que serão submetidas à qualificação representaria efetivamente uma transferência (mudando até mesmo a natureza do serviço prestado) de atividades que, quando prestadas diretamente pelo Poder Público, têm caráter de serviço público, mas, quando prestadas pela iniciativa privada, obedecem ao regime de direito privado.

A discussão doutrinária pode ser minorada em termos de respaldo constitucional, já que, estrito senso, à luz dos preceitos constitucionais, a prestação a ser realizada pelas organizações sociais não seria serviço público, donde não ser cabível se falar em delegação. Haja vista que a saúde, conforme previsão do art. 196 (CF/88) é simultaneamente "dever do Estado" e esfera entregue à livre iniciativa privada (art. 199), ainda que sendo, de todo modo, âmbito de prestação de "serviços de relevância pública" (art. 197, primeira parte), assim também a educação é delimitada em termos de conciliação entre o caráter de área livre à iniciativa privada (art. 209) e a natureza de "dever do Estado" (art. 205). Ora, eis que: "Estes últimos, de conseguinte, não serão serviços públicos quando desempenhados pelos particulares, uma vez que a Carta Magna não limitou a prestação deles ao Estado ou a quem lhe faça as vezes. Segue-se que o Estado jamais poderia pretender outorgá-los em concessão a alguém, sob pena de ferir direitos de prestá-los que assistem às demais pessoas que preencham os requisitos legais necessários à comprovação de suas habilitações." (Mello, 1999:496)

O tratamento constitucional conferido às esferas de atuação a que se referem as O.S. (saúde, educação, cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia) denota a necessária contraposição entre a natureza de atividades não privativas do Estado e a natureza, por exemplo, de "dever do Estado" dos direitos à saúde e educação. Não se poderia considerar, neste sentido, a problemática da delegação, justamente porque esta só é concebida em termos de esferas de atuação exclusiva do Estado, na medida que a iniciativa privada, em termos de serviços públicos delegados, age apenas sob a concessão ou permissão estatal, sem ser titular da prestação de tais serviços.

A controvérsia chega a tal ponto que alguns autores tornam ainda mais confusa a percepção da natureza jurídica da prestação "publicizada" dos serviços sociais. Segundo Freitas (1998:100),

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as O.S., apesar de não atuarem por delegação nos moldes de concessionárias ou permissionárias de serviços públicos e de não executarem "serviços públicos nos moldes do art. 175 da Constituição Federal", "recebem delegação (a "qualificação" do art. 20 da Lei n.º 9.637/98)", já que, ainda que não sejam entes da Administração Pública Indireta, "se prestam a absorver atividades desenvolvidas por entidades públicas extintas por lei específica". Tal concepção equivocada resulta na reafirmação pertinente de Freitas de que, na sua opinião, "há uma dominância de regras de direito privado e simultânea preponderância de princípios de direito público, uma vez que se encontram imantadas pelas suas próprias e inescapáveis finalidades de cogentes matizes sociais" (1998:102).

Estabelecendo um contraponto, tem-se que a perspectiva basilar de que haveria ou não delegação de serviços públicos na relação Estado-organização social foi também questionada (e tornada ainda mais confusa) por Di Pietro, na consideração de que, "Aparentemente, a organização social vai exercer atividade de natureza privada, com incentivo do Poder Público; e não serviço público delegado pelo Estado. Mas a própria lei, em pelo menos um caso, está prevendo a prestação de serviço público pela organização social; quando a entidade absorver atividades de entidade federal extinta no âmbito da área de saúde, deverá considerar no contrato de gestão, quanto ao atendimento da comunidade, os princípios do Sistema Único de Saúde, expressos no art. 198 da Constituição Federal e no art. 70 da Lei 8.080, de 19-9-90. Vale dizer que prestará serviço público e não atividade privada; em consequência, estará sujeita a todas as normas constitucionais que regem esse serviço, até porque não poderia a lei ordinária derrogar dispositivos constitucionais." (1999:312, grifos sublinhados nossos)

A prestação publicizada dos serviços sociais pelas O.S. não está perpassada pela definição de serviço público (nem de qualquer forma de delegação), ainda que subsista fundamentalmente o caráter de serviços de relevância social. O maior desafio à doutrina em delimitar tal discussão reside, em grande medida, na percepção da tentativa do "regime peculiar" de tais entidades de justamente harmonizar o fato de ser uma prestação privada, mas que recebe subsídios governamentais em face da sua dimensão que transcende a prestação privatizada de serviços sociais, serviços esses que são também, além de livres à iniciativa privada, alguns deles, "deveres do Estado".

3. Organizações sociais e controle por parte do Estado e da sociedade

A perspectiva de mudança introduzida pelas organizações sociais implica, em grande medida, níveis de reestruturação que não dependem somente de uma reformulação legal ou meramente institucional. O Estado, que deixa de atuar diretamente no terceiro setor, não pode se eximir do seu papel de promotor e regulador da prestação dos serviços sociais. Bem como a sociedade deve se comprometer diretamente com o processo, sob pena de "privatização ou feudalização dessas entidades" (PDRAE, 1995:74), seja auxiliando o governo na esfera de organização administrativa (a própria "parceria" em si entre Estado e sociedade organizada), seja atuando no âmbito de controle direto de ambos os entes (governo e O.S.), tanto no tocante à qualidade na prestação dos serviços sociais (na condição de usuário), quanto no concernente à idoneidade e lisura com a receita pública destinada a tais entidades (na condição basilar de cidadão).

A abordagem acerca da relação agent x principal (Przeworski, 1998) fornece subsídios importantes para a análise do quanto a intervenção do Estado, em termos de questionamento sobre como redimensioná-la, depende do "desenho institucional" das relações entre governos e agentes econômicos privados (regulação), entre políticos e burocratas (supervisão/ acompanhamento), e entre cidadãos e governos (responsabilização), na medida em que, "(...) a tarefa de reformar o Estado consiste, por um lado, em equipá-lo com instrumentos para uma intervenção efetiva e, por outro, em criar incentivos para que os funcionários públicos atuem de modo a satisfazer o interesse público. Alguns desses incentivos podem ser gerados pela organização interna do governo, mas não

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bastam. Para que o governo tenha um desempenho satisfatório, a burocracia precisa ser efetivamente supervisionada pelos políticos eleitos, que, por sua vez, devem prestar contas aos cidadãos.(...) Se esses mecanismos de responsabilização (accountability) são bem concebidos, a economia de um Estado intervencionista pode obter melhores resultados que a economia de mercados livres". (1998:40, grifos nossos)

Trabalhando em termos analíticos e tendo em vista a problemática das organizações sociais, se a sociedade (principal) autoriza os políticos (agentes) a atuarem segundo os interesses públicos e se, no Brasil, os políticos/ o governo, já na condição de principal, consideraram necessário e benéfico (mais eficiente será mais benéfico?), lidando com o desafio da reforma do Estado, autorizar que pessoas de direito privado sem fins lucrativos (agentes) atuassem em prol daqueles interesses públicos, prestando serviços sociais (em substituição à prestação até então realizada pela administração indireta); claro é que as O.S. são "agentes" indiretos da sociedade, o que implica o nexo de comprometimento daquelas com essa, bem como a relação de controle entre Estado e O.S., e ainda a responsabilização dos políticos em face da sociedade.

A sociedade brasileira, como "principal" tanto do governo, quanto das O.S., tem em suas mãos pelo menos duas formas institucionalizadas pela Lei n.º 9.637/98 de estabelecer seu controle sobre tais entidades: seja através da quota de membros natos das organizações sociais destinada aos representantes da sociedade civil (art. 3º, inc. I, "b"), seja através da diretriz delineada no Programa Nacional de Publicização (PNP), de que deve ser observado, na consolidação de tal programa, o controle social das ações de forma transparente (art. 20, inc. III).

Segundo a lei, há que existir o controle das organizações sociais pela própria sociedade, mas nada ficou concretamente estabelecido. É possível questionar que, em termos de controle social das O.S., nem a quota e nem a diretriz a ser observada quando do PNP tomam dimensões já efetivas no contexto atual da sociedade brasileira: se a primeira pode ser um risco de previsão legal não cumprida da forma como foi pensada, ou seja, o risco de ser desvirtuada; a segunda corresponde, desde já, muito mais a uma espécie de norma programática ou mesmo utópica (como procedimentalizá-la?).

Segundo Ramos (1997), "Uma condição importante, portanto, é que a instância de controle social seja escolhida de forma independente, e sem a participação da administração (ou seja, da burocracia supervisada). Esse é um ponto ainda não totalmente esclarecido, por exemplo, na proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, no tocante aos contratos de gestão a serem selados com as Agências Executivas e Organizações Sociais. Eventualmente, pode ser que o conjunto de representantes da sociedade civil que preenche estas condições seja um conjunto vazio. Em todo caso, a questão do controle social é uma questão de aprendizado, e sempre há um custo associado ao aprendizado (que é o custo de errar). A sociedade deve decidir, portanto, se está disposta a pagar o preço desse aprendizado." (1997:92/93, grifos nossos)

Ora, é indubitável a necessidade de haver o controle social, o problema é a forma como ele será feito e em que medida tal controle poderá determinar, por exemplo, a desqualificação de uma O.S., ou, em que medida os usuários serão ouvidos28 em suas reclamações e respeitados em seus direitos29. Serão necessárias novas regulamentações para delinear, em termos de competência e de implicações, o que se pode entender, na prática, por controle social das atividades desempenhadas pelas organizações sociais que, nas palavras de Freitas (1998), estarão prestando "serviços de relevância pública"?

Por outro lado, considerando a análise de Przeworski (1998), a sociedade exerceria também 28 Há a proposta de algumas correntes da doutrina de se adotar no Brasil a figura do “ombudsman”, no tocante à relação entre usuário e prestador dos serviços sociais. O “ombudsman” seria justamente um ouvidor capacitado a admitir as críticas da sociedade e repassá-las para a organização, tendo em vista que se pretende a constante melhoria do serviço (eficiência) atrelada à satisfação do cidadão. Seria uma forma de controle mais direta e efetiva se o “ombudsman” realmente tiver poderes para influenciar processos e práticas administrativas que geram descontentamento nos usuários. 29 A defesa do usuário, no Brasil, sempre foi considerada um diálogo de surdos para Mello (1999).

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uma outra espécie de controle, só que indireto e mais genérico: na medida que os cidadãos pressionam os políticos eleitoralmente a cumprir os interesses públicos, os governos devem pressionar para que os contratos de gestão assinados em nome de tais interesses sejam cumpridos à risca. O controle político configurado pelos resultados eleitorais é uma forma de os cidadãos expressarem seu descontentamento com a linha de ação governamental em todos os níveis. Colocando sob a ótica da relação agent x principal, tem-se que: "Mais especificamente, os políticos devem usar a informação privada que os cidadãos têm sobre o funcionamento da burocracia para monitorar os burocratas, e os cidadãos devem ser capazes de saber quem é o responsável pelo que, e de aplicar, em cada caso, a sanção apropriada, para que os governos com bom desempenho continuem no poder e para que os demais sejam alijados." (1998:40)

O controle estatal a ser exercido sobre as organizações sociais, a partir da análise de Przeworski (1998), se aproxima bastante do controle que o governo exerce sobre os burocratas, ainda que elas sejam tidas por meros "entes de colaboração com o Estado" (Santos; Pedrosa, 1998) e ainda que não se possa dizer que elas executem serviços públicos delegados pelo Poder Público, porque ambos (burocratas e O.S.) são "agentes" do Estado, que, por sua vez, é "agente" da sociedade como um todo.

Neste sentido, em se tratando de responsabilização ("accountability"), os principais vínculos de controle por parte do Estado em relação às organizações sociais se encontram no contrato de gestão (sendo por meio dele estabelecidas metas, objetivos, níveis de eficácia e parâmetros de gestão), na quota30 de participação no Conselho de Administração correspondente ao Poder Público31 (art. 3º, inc. I, "a"), e no dever constitucional de prestar contas (art. 70, § único, da CF/88), que se efetiva, como já delineado anteriormente, através do controle exercido pelo Tribunal de Contas, o qual está justificado, no âmbito das O.S., a partir do repasse de verbas públicas e do uso de bens públicos.

Aprofundando a discussão, cabe delinear agora se pelo menos os controles disponibilizados à esfera governamental foram efetivamente instrumentalizados pela Lei n.º 9.637/98 e em que medida são realmente úteis e necessários no referente à expectativa de que, apesar da maior autonomia, as organizações sociais não se tratam definitivamente de um âmbito de atuação privatizado. Tal análise será feita na problematização específica a respeito do Contrato de gestão e do Conselho de Administração a seguir.

3.1. Contrato de gestão

Se é possível dizer que há um elemento crucial (mais determinante que qualquer outro) acerca das organizações sociais, o qual conforma grande parte de toda a problemática que as envolve (inclusive a sua própria condição como "parceira" do Estado), eis que tal "pedra angular"32 seria o contrato de gestão a ser travado entre Estado e entidade qualificada. Mas o que se pode entender por contrato de gestão e como se dá a sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro, bem como, ainda, qual o seu significado real para as O.S.?

Por partes, começando pelo que é e donde veio, nos termos de Lima (1996), o contrato de gestão, "(...) conforme vem sendo denominado no Brasil, tem sua origem na França no final da década de 60, onde é conhecido como contrato de plano, quando aplicado a empresas públicas, e

30 A respeito das quotas específicas que estão estabelecidas pela Lei n.º 9.637/98 para a composição do Conselho de Administração, conferir discussão acerca, no ponto sobre o conselho. 31 Ponto bastante criticado pela doutrina como excessiva intervenção do Estado (“estatalização de O.N.G.s”), o que ocasionaria demasiada parcialidade (Estado participando tanto da administração, quanto do controle) na relação estabelecida através do contrato de gestão – para uma discussão mais aprofundada sobre o tema, vide o tópico específico a respeito do Conselho de Administração. 32 Para Mello (1999;143), a noção tanto das organizações sociais quanto das agências executivas “está umbilicalmente ligada aos contratos de gestão (...). Dessarte, o destino jurídico tanto das organizações sociais quanto das agências executivas – existentes ou inexistentes juridicamente, válidas ou inválidas – está atrelado ao dos contratos de gestão”.

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como contrato de serviços, quando aplicado a órgãos de administração pública não-empresarial (equivalente à administração direta, autárquica e fundacional brasileira). Consiste no estabelecimento periódico e sistemático de compromissos negociados e acordados entre o nível local e o central acerca dos objetivos e metas para um dado período de gestão, com o intuito de induzir a uma maior participação e co-responsabilização na operacionalização dos referidos objetivos e metas em cada período. Em contrapartida, o nível central concede ao nível local maior autonomia gerencial, liberando-o do controle de meios, que passa a ser realizado somente sobre os resultados alcançados." (1996:130, grifos nossos)

Quanto ao questionamento a respeito de ser o contrato de gestão uma "expressão nova no direito positivo brasileiro" (Santos; Pedrosa, 1998:14), tem-se que, no Brasil, segundo Mello (1999), a introdução do contrato de gestão ocorreu no Governo Collor (1990/1992), através do Decreto 137, de 27.5.91 (ato infralegal), que estabelecia a previsão de serem travados contratos de gestão entre o Poder Público e empresas estatais, o que abriu margem para que fossem feitos os primeiros contratos de gestão com a Petrobrás e com a Cia. Vale do Rio Doce. Já a primeira lei a tratar sobre o tema foi a Lei 8.246, de 22.10.91 (ainda no Governo Collor), que autoriza o Poder Executivo a instituir o "Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais" e com ele travar contrato de gestão, "sem esclarecer o que se entenderia como tal". (Mello, 1999:146).

A Emenda Constitucional n. 19/98, para viabilizar a utilização de contratos de gestão por entidades da Administração Direta e Indireta, introduziu no art. 37 da Constituição Federal de 88 o § 8º33, o qual apesar de, segundo Di Pietro (1999), não mencionar diretamente tal contrato, referiu-se a ele, na medida que "antes da possibilidade que lhes veio a ser aberta pela Emenda Constitucional n. 19 e da lei que disciplinará a matéria, os "contratos de gestão" travados com pessoas da Administração Indireta, do ponto de vista jurídico, ou não existem ou, se existirem, são inválidos" (Mello, 1999:150).

Apesar de vários decretos e leis citarem o contrato de gestão, mesmo dando-lhe bastante destaque, não existe ainda, segundo Mello (1999:143), "definição legal genérica para identificar o que se pretenda abranger sob tal nomen juris", sendo que "há, apenas, um conceito legalmente formulado para o contrato de gestão que o Poder Público trave com as organizações sociais".

O tratamento feito sobre o tema pela Lei n.º 9.637/98 perpassa desde uma conceituação específica (art. 5º), até a previsão (art. 6º) da forma como será elaborado e da matéria básica que deverá discriminar ("atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social"), bem como (art. 7º) trata da necessidade de que o contrato de gestão observe determinados princípios constitucionais essenciais34 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade) e alguns preceitos específicos (inc. I: programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação de metas e respectivos prazos de execução, além da previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho, mediante indicadores de qualidade e produtividade; e inc. II: limites e critérios para despesa com remuneração).

Para os efeitos da Lei das O.S.(o que delimita a especificidade da conceituação elaborada), seria contrato de gestão "o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no artigo 1º", a saber, das atividades concernentes às áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção do meio ambiente, cultura e saúde. (art. 5º)

A definição legal acima citada não apresenta nenhum esclarecimento específico, tendo sido 33 O seu conteúdo é: “a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I - o prazo de duração do contrato; II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes.” 34 Discussão já delineada no tópico a respeito do regime jurídico das organizações sociais.

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considerada por Mello (1999:144) "lamentável do ponto de vista técnico" e "altamente imprecisa, pois não esclarece o que deverá ser entendido por "parceria", expressão extremamente vaga e que serve para abranger quaisquer formas de colaboração entre o Poder Público e terceiro na realização de algum empreendimento". A única elucidação a ser considerada, segundo o referido autor, é a delimitação do objeto de tal contrato com as O.S. às áreas de atuação supracitadas.

Deficitárias tanto a definição legal sobre as O.S. quanto a do contrato de gestão, há que se buscar, noutro sentido, o significado adquirido por este em face daquelas junto às concepções que o envolvem em uma dimensão mais ampla que qualquer delimitação do seu conceito estabelecido ou não legalmente. Ora, diante da segmentação do Estado concebida a partir do PDRAE (1995), o contrato de gestão foi conformado como o instrumento de comunicação entre os setores do Estado, mecanismo que, além de vincular o diálogo institucional, também se propõe a outorgar maior autonomia gerencial, administrativa e financeira ao "contratado" (Mello, 1999:146), bem como "lhe assegurar a regularidade das transferências financeiras previstas em contrapartida da obrigação, que este assume, de cumprir metas expressivas de maior eficiência".

Visto que maior autonomia em troca de esforço por melhores resultados e maior eficiência não chega a conformar a necessidade de um contrato em si, cabe aqui questionar a perspectiva de estarem ambos, Estado e "contratado", no caso em análise, as organizações sociais, envolvidos com o mesmo compromisso (a prestação eficiente dos serviços sociais). Obviamente, "no plano jurídico, importa esclarecer se o contrato de gestão é instrumento capaz de criar um vínculo obrigacional típico dos contratos, ou se ele se caracteriza apenas como um protocolo de intenções, como um acordo de mútua colaboração, ou seja como um convênio" (Santos; Pedrosa, 1998:14).

Formalmente falando, contrato de gestão não é contrato, é acordo e se aproxima muito mais da figura do convênio que da figura daquele, porque, em termos de distinção, o contrato engloba duas ou mais vontades distintas que se colocam em pólos opostos na relação jurídica, à espera de um resultado jurídico que faça convergir seus interesses, sem, no entanto, representar um direcionamento comum; enquanto, no convênio, "deseja-se alcançar objetivos institucionais comuns, sem se cogitar de remuneração ou preço" (Santos; Pedrosa, 1998:14).

Diante das dúvidas e questionamentos a respeito da natureza jurídica do contrato de gestão, a via argumentativa presente no discurso do governo35 constrói a possibilidade de uma figura diversa tanto do contrato (em termos formais estritos), quanto do convênio, a saber: "O contrato de gestão não tem natureza de convênio nem de contrato administrativo. É muito mais um termo no qual a entidade matriz estabelece responsabilidades assumidas pela entidade que recebe o recurso e que se presta a determinados comportamentos. É um instrumento jurídico muito parecido com o termo assunção de responsabilidades recíprocas, porque, no contrato de gestão em si, não há repasse de recursos. O repasse de recursos ocorrerá posteriormente, por meio de dotação orçamentária. Por isso, no contrato de gestão, não há como fazer procedimento licitatório." (Anastasia, 1998:24, grifo nosso)

Em grande medida, retomando a linha de questionamentos sequenciais que confrontam o instituto jurídico em si com a gama de problemas e riscos a ele relacionados, há que se colocar em pauta ainda36, por outro lado, o questionamento, no tocante ao contrato de gestão, feito por Freitas (1998:102) sobre o lapso de tempo entre a qualificação e o estabelecimento desse, visto que, para o autor em questão, tal contrato "deveria integrar, desde logo, o rol dos requisitos específicos do art. 2º, não se justificando este descompasso temporal, seja por razões operacionais, seja por razões estratégicas". 35 Há que se “justificar” aqui a imensa “criatividade” governamental quanto à criação de formas inovadoras para se entender institutos jurídicos antigos, com vista a “adaptá-los” ao projeto de reforma do Estado delineado no PDRAE, criatividade esta que relativiza até alguns dos mais basilares princípios da Constituição federal de 88. 36 A problemática da “necessidade ou não de procedimento licitatório para a assinatura do contrato de gestão” (Santos; Pedrosa, 1998:14) já foi bastante discutida anteriormente, no tópico a respeito da qualificação, em termos de falha do delineamento do modelo federal.

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Não se tratando necessariamente de levantar uma falha e continuando a questionar o significado e a dimensão auferida pelo contrato de gestão para o instituto das O.S., mas já apontando no sentido de um risco de as O.S. não conseguirem se efetivar por completo, tem-se que o contrato de gestão, como essencialmente forma de controle do Estado, implica mais ônus para as entidades da sociedade civil, que não estarão auferindo maior autonomia, na mesma medida das maiores imposições regulamentares e de controle que estarão cumprindo. Di Pietro (1999:253) considera que "o contrato de gestão, quando celebrado com entidades da Administração Indireta, tem por objetivo ampliar a sua autonomia; porém, quando celebrado com organizações sociais, restringe a sua autonomia, pois, embora entidades privadas, terão que sujeitar-se a exigências contidas no contrato de gestão."

Tal risco vai de encontro à noção de que o contrato de gestão, além de ser um instrumento de fomento37 (e de execução) na prestação de serviços sociais, é também, revisitando a análise da perspectiva agent x principal de Przeworski (1998), um instrumento fundamental de controle, havendo mesmo a possibilidade de desqualificação (art. 16) em caso de descumprimento do que estava previsto no contrato. Até porque "o contrato de gestão procura institucionalizar e estabelecer, de forma contratual, uma relação entre o governo (principal), detentor de um mandato político, e uma instituição (agent), responsável pela execução de uma determinada política pública" (Silva, 1995:62).

Ora, o que se questionou até agora a respeito do contrato de gestão, desde a má elaboração de seu conceito, a perspectiva do que está previsto no âmbito das organizações sociais, a dimensão e natureza jurídica de tal vínculo entre Estado e entidade "contratada", bem como os riscos e falhas em sentido abrangente, está colocado sob o prisma do questionamento maior de como o Estado está a passar a administração (não se fala aqui de transferência de propriedade) de áreas de "relevância pública", elegendo "agentes" privados (ainda que sem fins lucrativos) para desempenhar o que, até o delinear da crise que deu ensejo ao discurso da reforma do Estado, era desenvolvido por ele mesmo. Como se transfere a prestação de serviços sociais, tomando como moeda de troca autonomia por eficiência? Como garantir que a autonomia conferida será "maximizada" para a cidadania, se os resultados controlados a posteriori importam maior confiança em quem está sendo "agente", o que deverá ocorrer simultaneamente com um grau de responsabilização maior? Responsabilizar cada vez mais apenas para o cumprimento de metas de desempenho e de eficiência, ou para o respeito aos direitos do cidadão? Ou, em outras palavras, como controlar as organizações sociais, não só econômica e financeiramente, mas também em termos de promoção de cidadania?

O desafio não se trata meramente de controlar índices de desempenho e de verificar o nível de cumprimento de metas ao longo de prazos determinados, mesmo porque não se pode esquecer a finalidade última de tal prestação de serviços, a saber, o bem-estar da sociedade, que nem sempre pressupõe "minimização" de custos.

Por mais que a gestão contratada junto à esfera pública não-estatal leve à "otimização" dos recursos e das oportunidades, não se fomenta educação para que os níveis de repetência caiam artificialmente; nem para que a produção científica se volte apenas para as demandas do mercado, esquecendo-se da formação do conhecimento basilar; nem tampouco para que a cultura seja incapaz de sair do círculo daqueles que podem oferecer retorno por ela; nem ainda para que a prestação pública de saúde passe a mensurar clientes e não mais cidadãos, dentre tantas outras esferas que só poderiam ser efetivamente públicas e conformadoras de participação social se não fossem vistas sob a ótica estrita do mercado. O público, seja estatal, seja não-estatal, no referente à políticas sociais, deve lidar com a perspectiva de investimento a fundo perdido: qualidade de vida de toda uma sociedade não pode ser restringida a um alvo de obtenção de lucro, sob pena de se chegar ao extremo da ideologia de que o mercado resolve tudo.

37 O fomento das atividades relacionadas no art. 10 da Lei n.º 9.637/98 representa justamente a finalidade prevista pelo art. 50 para a qual é firmado o contrato de gestão entre o Poder Público e a entidade qualificada.

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O contrato de gestão, pautado nos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da economicidade (art. 70 da Lei n.º 9.637/98), deveria ter como diretriz última, no controle ali materializado da relação agente x principal entre entidade qualificada e Estado e entre Estado e sociedade, não o trade off entre eficiência e autonomia, mas o próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Quando se perguntava no início deste capítulo por controle das organizações sociais pelo Estado e pela sociedade, bem como quando se disse, neste tópico, do quão relevante é o contrato de gestão para as O.S., buscava-se configurar em que medida a "parceria" proposta na reforma estatal sob o "manto" dos modelos de gestão do mercado (dos quais o contrato de gestão seria o instrumento mais paradigmático) corresponderia a uma transformação38 da própria natureza das entidades que prestam tais serviços e da maneira como elas se inserem na sociedade.

Controlar uma instituição social pública de ensino superior, por exemplo, remete a bases que transcendem qualitativamente, em termos de frutos sociais universais, qualquer controle que priorize, estrito senso, a satisfação do cliente ao menor custo, como se pretende fazer numa organização social. Chauí (1999), analisando as transformações referentes à universidade pública brasileira, questiona que: "(...) os critérios da produtividade são quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de gestão. Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que se produz ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade." (Grifo nosso)

Neste sentido, seria o contrato de gestão, além de instrumento paradigmático de tal inversão ideológica, um reflexo mesmo das mudanças ocasionadas por ela. Como as organizações sociais poderão ser redimensionadas em termos de controle qualitativo, em face do seu significado para a sociedade como efetivação do público não exclusivamente estatal, trata-se de uma questão que retoma a noção de controle social não para a gestão estrita da eficiência dos serviços prestados, mas de controle como conformador de legitimidade junto aos cidadãos. Mais que contrato de gestão de serviços sociais, seria fundamental que as organizações39 sociais fossem estruturadas a partir de convênios sociais, embasadas em uma "parceria" Estado-sociedade organizada, que efetivamente fosse colaboração e não um tipo de troca qualquer de eficiência por maior autonomia administrativa ou por dotação orçamentária.

3.2. Conselho de administração

O Conselho de Administração representa, da maneira e na dimensão em que está configurado pela Lei n.º 9.637/98, o maior órgão de deliberação institucional das organizações sociais, bem como um dos maiores mecanismos de controle disponibilizados tanto ao Poder Público, quanto à sociedade, através das quotas de composição a eles destinadas.

Tratando basicamente dos critérios a serem obedecidos quanto à estruturação do Conselho de Administração, o que não esgota as especificidades a serem delineadas em cada estatuto, e das suas atribuições privativas, estando ambos (critérios e atribuições) conformados, "para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação" (arts. 3º e 4º, caput), a Lei das O.S. confere a tal órgão, no funcionamento da organização social, "vital importância" (Santos; Pedrosa, 1998:12), "não só porque dele participam representantes do Poder Público e membros da comunidade de notória 38 Chauí (1999) fala do significado da transformação das universidades de instituições sociais em organizações sociais: “uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma outra prática social, qual seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe”. (Grifo sublinhado nosso) 39 Voltando à condição de instituição – mais democrática, visto que não apenas voltada para o mercado.

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capacidade profissional e idoneidade moral, como também porque a ele compete, entre outras atribuições, fiscalizar o cumprimento das diretrizes e metas definidas no contrato de gestão".

No tocante ao modo de estruturação do núcleo gestor das O.S., estão previstos no art. 3º da referida lei a forma de composição do Conselho (inc. I); a duração do mandato (quatro anos) dos membros eleitos ou indicados e a possibilidade de haver uma recondução (inc. II); a necessidade de que os membros (natos) oriundos do Poder Público e da sociedade civil somem mais de 50% do Conselho (ou seja, necessidade de maioria simples para tais membros no inc. III); a previsão de que o primeiro mandato de metade dos membros eleitos ou indicados deva ser de dois anos, segundo critérios a serem estabelecidos no estatuto (inc. IV); a obrigatoriedade da presença do dirigente máximo nas reuniões do Conselho, contudo sem direito a voto (inc. V); a previsão de, no mínimo, três reuniões ordinárias ao ano do Conselho, sem restrição à ocorrência de reuniões extraordinárias (inc. VI); a inexistência de remuneração dos conselheiros, salvo ajuda de custo por reunião de que participem (inc. VII) e a necessidade de renúncia dos conselheiros eleitos ou indicados em caso de assumirem funções executivas (inc. VIII).

Explicitando melhor o inc. I do art. 3º da lei em análise, que é bastante significativo em termos de análise dos objetivos das organizações sociais, tem-se que o Conselho de Administração deverá ser composto por 20% a 40% de membros natos representantes do Poder Público (a ser definido pelo estatuto da O.S.); por 20% a 30% de membros natos representantes de entidades da sociedade civil (também a ser definido pelo estatuto da entidade); por até 10%, no caso de associação civil, de membros eleitos dentre os seus membros ou associados; bem como por 10% a 30% de membros eleitos (pelos demais integrantes do Conselho) dentre pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral e finalmente por 10% de membros indicados ou eleitos na forma estabelecida pelo estatuto.

Cabe aqui considerar alguns sérios riscos com relação à forma como será concretizada tal composição do Conselho, como por exemplo, o risco de haver uma espécie de "estatalização" de O.N.G.s e de toda sorte de entidades civis sem fins lucrativos a serem qualificadas como O.S., a partir da previsão contida na alínea "a" de ser necessário que 20% a 40% do Conselho seja de membros natos representantes do Poder Público. Por outro lado, há o risco da "privatização" de autarquias e fundações públicas que sejam submetidas à publicização e que assim se tornarão O.S., dependendo da maneira como as quotas forem sendo preenchidas e do processo de composição do Conselho de Administração, o que leva, neste sentido, tanto em um, quanto no outro caso, a uma zona de gradação bastante incerta, a ser determinada apenas e tão somente em cada estatuto específico, o que abre um nível excessivamente discricionário num ponto de valor fundamental e ainda muito nebuloso.

É possível dimensionar o grau de relevância do que foi acima registrado remetendo ao nexo necessário entre a aplicação efetiva das regras de composição dos conselhos e o afastamento do risco de "oligarquização" das O.S. previsto até mesmo no PDRAE (1995:74), para o qual, se não forem "respeitadas as condições descritas em lei específica como, por exemplo, a forma de composição de seus conselhos de administração", estará exposta a organização social ao risco da "privatização ou a feudalização dessas entidades."

Segundo Freitas (1998:104), "merece reparo a exigência de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público (art. 2º, I, "d", nos percentuais do art. 3º, I, "a"). Trata-se de regra que não deve ser reprisada nas legislações nas legislações estaduais e municipais", porque, além se tratar de uma norma demasiadamente genérica (o autor fala em "generalidade excessiva"), "o Conselho, do qual participam os representantes do Poder Público (na composição tripartite) é que aprovará a proposta do contrato de gestão da entidade (nos termos do art. 4º), gerando uma relação perigosa e sem maiores vantagens sociais". A partir do que, o autor, conclusivamente, considerar não ser necessário ao 3º setor ("não precisa nem deve") "ser 'publicizado' por este tipo de ingerência para que seja efetivamente controlado pela sociedade (diretamente ou através dos mecanismos institucionais vigentes)".

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As atribuições privativas do Conselho de Administração (art. 4º) são, fundamentalmente, a fixação do âmbito de atuação da organização social, para consecução do seu objeto (inc. I); a aprovação da proposta de contrato de gestão da entidade (inc. II); a aprovação da proposta de orçamento da entidade e do programa de investimentos (inc. III); a designação e dispensa dos membros da diretoria (inc. IV); a fixação da remuneração de tais membros (inc. V); a aprovação e disposição sobre a alteração dos estatutos e sobre a extinção da O.S. por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros (inc. VI); a aprovação do regimento interno da entidade, o qual deve tratar, pelo menos, da estrutura, da forma de gerenciamento, dos cargos e respectivas competências (inc. II); a aprovação por maioria (qualificada) de dois terços (no mínimo) de seus membros do regulamento específico quanto aos procedimentos a serem adotados para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, bem como aprovação do plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da organização social (inc. VIII); a aprovação dos relatórios gerenciais e de atividades da entidade (elaborados pela diretoria) e o encaminhamento desses ao órgão supervisor da execução do contrato de gestão (inc. IX), e, findando o elenco legal de atribuições privativas do Conselho, a fiscalização do cumprimento das diretrizes e metas definidas e a aprovação dos demonstrativos financeiros e contábeis e das contas anuais da entidade, com o auxílio de auditoria externa (inc. X).

A fiscalização pelo Conselho de Administração do cumprimento das diretrizes e metas estabelecidas no contrato de gestão traz à tona novamente a discussão a respeito de em que medida e como são exercidas as mais variadas formas de controle sobre as organizações sociais: eis que essa atribuição do Conselho seria um controle mais direto da própria sociedade representada pela sua quota específica de membros natos (talvez o único controle social direto já instrumentalizado legalmente).

Neste sentido, há que se analisar a perspectiva de como as organizações sociais se adaptam ao tema da participação do usuário na Administração direta e indireta (conformado constitucionalmente pela EC n. 19/98, art. 37, § 3º, CF/88), bem como averiguar a forma como se dá o controle do usuário quanto à prestação de serviços feita por tais entidades, dado que a avaliação do usuário seria o "crivo último da qualidade, incorporando à meta da eficiência o conceito de accountability" (Motta, 1998:15), sob a e a partir da ótica da participação popular na gestão administrativa.

É óbvio que a sociedade a ser representada no Conselho de Administração e que, assim, terá direito a fiscalizar, de dentro da própria organização social (além das várias outras formas de controle social mais genéricas e abstratas), o cumprimento das metas e diretrizes determinadas no contrato de gestão corresponde, em sua essência, ao universo de todos os cidadãos que usam os serviços sociais prestados por tal entidade ou que se beneficiam deles. Os usuários são, mais que parte interessada, parte legítima desse processo, ainda que, para Mello (1999), como já expresso antes, a defesa do usuário no Brasil seja uma espécie de "diálogo de surdos".

Ora, a perspectiva que delimita as organizações sociais como uma forma de descentralização na prestação dos serviços sociais que visa a uma maior proximidade com e controle da sociedade, bem como a um nível de participação ativa do cidadão, sob a regência do controle de resultados em face da necessária maior satisfação dos usuários ("clientes") corresponde, em grande medida, à necessária aplicação do que está delineado (ainda que como norma de eficácia contida) no art. 37, § 3º da CF/88. A efetivação da participação do usuário nos serviços sociais abre caminho para a difícil "evolução do usuário (...) como cidadão". (Motta, 1998)

Ou seja, em outras palavras, para Campos (apud in Motta, 1998:15), tal evolução se dá, "À medida que a democracia vai amadurecendo, o cidadão, individualmente, passa do papel de consumidor de serviços públicos a um papel ativo de sujeito. A mudança do papel passivo para o de ativo guardião de seus direitos individuais constitui um dramático avanço pessoal, mas, para alcançar resultados, há outro pré-requisito: o sentimento de comunidade. (...) A cidadania organizada pode influenciar não apenas o processo de identificação de necessidades e canalização

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de demandas, como também cobrar melhor desempenho do serviço público. Este parece ser o caminho para a accountability."

Em linhas gerais, quando se fala de Conselho de Administração e de contrato de gestão, ressalta-se como primeira noção apenas a sua característica de serem instrumentos administrativos previstos e disponibilizados legalmente para as organizações sociais. Mas quando, a partir da análise de Przeworski (1998), foi proposto o foco da relação agent x principal, fundamentalmente, para trabalhar com a problemática do controle tanto social quanto estatal sobre as O.S., tinha-se em mente a perspectiva de que o controle perpassa o rumo da responsabilização e da accountability.

A reforma do Estado brasileiro não pode estar sendo feita, estrito senso, para a mera adaptação aos valores do mercado, devendo ter em vista indubitavelmente a ampliação do público não-estatal para incentivar, antes de mais nada, o exercício efetivo da cidadania, isto se realmente os parâmetros governamentais de reforma estiverem pautados pelo compromisso com a implementação do Estado Democrático de Direito brasileiro (algo ainda em dúvida atualmente). 4. Conclusão: reforma do Estado como caminho para uma reformulação das relações Estado-sociedade: aqui as organizações sociais?

A reforma do Estado tem sido um assunto extremamente discutido, bastante polemizado e pouco esclarecido no meio de tantas correntes ideológicas pelas quais está perpassado. Desde o início deste trabalho, enfatizou-se a perspectiva de análise sob o prisma do instituto jurídico das organizações sociais, para que se pudesse levantar riscos, significantes e contextualizações das mudanças que, no âmbito do público não exclusivamente estatal, estão conformadas pelo e ajudam a conformar o movimento de reestruturação estatal no Brasil contemporâneo.

Fundamentalmente, foram deixadas mais perguntas que respostas, mas aqui já se poderia, ao menos, delinear uma via de entendimento para a questão introdutória de tudo o que já foi discutido -onde e como as organizações sociais no bojo da reforma do Estado brasileira-, visto que só caberia dimensioná-las como instrumental efetivo de uma mudança positiva na forma de atuação do Estado, na medida exata em que fossem sendo concretizadas no seio de uma maior participação social, ou seja, na medida em que o público não-estatal realmente fosse capaz, no contexto brasileiro, de agregar cidadania em termos amplos.

No limiar da possibilidade de serem mais uma precarização da prestação de serviços sociais (alguns deles são mesmo deveres do Estado), rumo a um processo de privatização e de exclusão de uma camada da população que não corresponde ao conceito de cliente, e, em via oposta, da perspectiva de chegarem a se tornar um espaço aberto e instrumentalizado para o incentivo do exercício de uma cidadania mais participativa, as organizações sociais hoje ensejam uma série de desafios, seja porque ainda não há praticamente quase nada posto em prática40 a respeito do foi proposto, seja porque o grau de mudança esperado é definitivamente muito elevado, quem sabe a própria "a reinstituição do Estado" pela sociedade (?).

Ou se reformula o nexo de relações agent x principal, de modo a induzir que a sociedade participe e exerça, acima de parâmetros estritos de eficiência e de gestão para o mercado, controle no nível de accountability – participação social e exercício de cidadania esses que não se restringem apenas à área dos serviços sociais; ou se estará, sob o discurso de reformar o Estado para a contenção de custos da Administração Pública, apenas aderindo à imposição, geradora de extremas desigualdades sociais, da panacéia do mercado. 40 No capítulo das Disposições Finais e Transitórias (arts. 21, 22 e 23), a Lei n.º 9.637/98 estabelece, em termos de regulação, como primeiras instituições a serem transformadas em organizações sociais, os “precedentes” do processo de publicização realizado com Laboratório Nacional de Luz Síncroton (integrante da estrutura do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq) e com a Fundação Roquette Pinto (entidade vinculada à Presidência da República).

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Neste sentido, à implementação ainda por vir do instituto das organizações sociais colocam-se alguns complexos desafios, para o Estado e para a sociedade, na medida em que tais entidades deverão, antes de mais nada, ser uma construção de ambos os atores, em uma interação ampla e ainda incipiente na realidade sócio-política brasileira.

Ao Estado, cabe tentar resolver a problemática da desconfiança da sociedade em face da "novidade" do instrumento, cabe atentar para o risco do patrimonialismo, da privatização ou mesmo da "feudalização" das O.S., quando da absorção de autarquias e fundações públicas pelas entidades civis sem fins lucrativos e principalmente cabe ao Estado o dever de fornecer mecanismos compensatórios para que os excluídos participem também (donde não ser possível imaginar a completa substituição da prestação de serviços sociais feita pelo Estado pela prestação feita pelas O.S.), tendo em vista a noção de que o Estado não pode se eximir da sua responsabilidade junto a toda a sociedade de garantir, minimamente, os direitos conquistados constitucionalmente.

Por outro lado, os desafios colocados à sociedade são justamente crer na eficácia do instituto; controlar a atuação dos envolvidos, para garantir a condição de espaço público (ainda que não-estatal) e evitar a "promiscuidade" nos processos, donde caber à esfera social também, se necessário for, resistir à privatização dos serviços sociais camuflada sobre a noção de "publicização".

Tais desafios, em linhas gerais, conformam o meio como deverão ser tratados os muitos problemas e riscos do instituto das organizações sociais. Diante do arranjo jurídico – em vários pontos da Lei n.º 9.637/98, inadequado –; do controle social mal instrumentalizado; do desmonte do setor público (praticamente o que se tem hoje com isso é o Estado deixando de ser até mesmo subsidiário no nível de garantia dos direitos sociais, como saúde e educação); do risco da substituição da prestação dos serviços sociais básicos por sua venda; do ceticismo do governo quanto à eficiente prestação estatal de serviços e das muitas soluções artificiais consideradas sob a ótica estrita dos interesses do mercado e não da sociedade como um todo, desponta como caminho basilar de aprimoramento do modelo proposto o necessário conhecimento da realidade brasileira e das políticas públicas na interlocução entre Estado e sociedade, conhecer melhor para poder exercer um controle mais consciente, para avaliar ganhos e perdas com o processo, para responsabilizar a esfera política (da qual a sociedade é "principal") em termos de compromisso com os interesses dos cidadãos, para efetivamente reformar o Estado e não para comprimi-lo.

Registrados alguns questionamentos quanto a todas essas arestas conflituosas e fundamentais, já se pode retornar à dimensão das organizações sociais no espaço de reformulação das relações Estado-sociedade. Em se visando realmente à construção, a partir da proposta de reforma do Estado que se tem hoje, do Estado Democrático de Direito no Brasil, para um público não-estatal que implique maior e mais efetiva cidadania, eis que aqui se colocam as organizações sociais: aqui e para toda a sociedade, elas estão dimensionadas como e na condição de desafio, por sua vez, à própria democracia brasileira. Bibliografia ABRUCIO, Fernando. "Em Busca de um Novo Paradigma para a Reforma do Estado no Brasil". In:

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