o capitalismo tardio e sua crise - estudo das interpretações de ernest mandel e a de jürgen...

Upload: juandiegog12

Post on 12-Oct-2015

35 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • O ca

    UINST

    apitalism

    OR

    UNIVERTITUTO

    A

    o tardio Ma

    RIENTAD

    RSIDADEO DE FIL

    Aristtele

    e sua criandel e a

    DOR: Pr

    DDIHCM

    CA

    i

    E ESTADLOSOFIA

    es de Alm

    ise: Estudde Jrge

    rof. Dr. S

    DISSERTADEPARTAMINSTITUTOHUMANAS CAMPINASMESTRE EM

    AMPINAS, 2

    DUAL DA E CIN

    meida Sil

    do das inen Haber

    Slvio Cs

    O DE MEMENTO O DE F

    DA UNIVS PARA OM SOCIOLO

    2012.

    DE CAMPNCIAS H

    lva

    nterpretarmas.

    sar Cama

    ESTRADO ADE SOC

    FILOSOFIAVERSIDADEOBTENO OGIA.

    PINAS HUMANA

    aes de E

    argo.

    APRESENTACIOLOGIA

    A E CIE ESTADU

    DO TTU

    AS

    Ernest

    ADA AO DO

    NCIAS UAL DE ULO DE

  • ii

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA POR

    SANDRA APARECIDA PEREIRA-CRB8/7432 - BIBLIOTECA DO IFCH UNICAMP

    Informaes para Biblioteca Digital

    Ttulo em Ingls: The late capitalism and its crisis : a study of interpretations of Ernest Mandel and Jrgen Habermas. Palavras-chave em ingls: Capital (Economy) Capitalism Depressions Legitimacy of governments rea de concentrao: Sociologia Titulao: Mestre em Sociologia Banca examinadora: Silvio Csar Camargo [Orientador] Rrion Soares de Melo Jesus Jos Ranieri Data da defesa: 26-04-2012 Programa de Ps-Graduao: Sociologia

    Silva, Aristteles de Almeida, 1981- Si38c O capitalismo tardio e sua crise : estudo das interpretaes

    de Ernest Mandel e a de Jrgen Habermas / Aristteles de Almeida Silva. -- Campinas, SP : [s.n.], 2012

    Orientador: Silvio Csar Camargo Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.

    1. Habermas, Jrgen, 1929-. Mandel, Ernest, 1923-. 3. Capital (Economia). 4. Capitalismo. 5. Crise Econmica. 6. Legitimidade governamental. I. Camargo, Silvio Csar. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.

  • iv

    Para meus pais, Horcio e Maria,

    minha querida Lajara, e meu estimado

    av, Joaquim Bento de Almeida (in

    memoriam).

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Ao terminar esse trabalho impossvel no lembrar todo o esforo empreendido e as

    pessoas que me ajudaram. Gostaria de agradecer estas pessoas. Em primeiro lugar quero

    agradecer meus pais, Horcio e Maria, pelo apoio e amor incondicional, e por todos os esforos

    para que eu e meus irmos pudssemos ter um futuro melhor. Agradeo tambm minha querida

    irm, Luclia, e meu estimado irmo, Washington, pelos bons momentos compartilhados. No

    poderia deixar de agradecer da mesma forma meus avs, tios/as, primos/as e sobrinhos/as.

    Lajara pelo grande amor, carinho e pacincia.

    Ao prof. Slvio Csar Camargo por ter aceitado orientar essa pesquisa, pela pacincia e

    por me apresentar a Teoria Crtica. Agradeo tambm pelo cuidado e rigor das leituras, porm se

    ainda sim o trabalho contiver alguma falha, deve ser atribuda exclusivamente a mim.

    Ao Silas pela amizade fraternal, l se vo 15 bons anos de amizade. Talvez ele no saiba,

    mas aquela conversa no Guaruj sobre um cursinho popular em Campinas fez toda a diferena,

    desencadeou uma boa sequncia de fatos.

    Ao Moacir tambm pela amizade de longa data, por nossas boas histrias.

    Mrcia, pela amizade, pelo exemplo.

    Aos companheiros/as do Projeto Herbert de Souza. Foi nesse movimento social que

    percebi a importncia da ao poltica coletiva e, simultaneamente, as dificuldades para

    superarmos as profundas desigualdades que perpassam esse pas. Espero que consigamos nos

    prximos anos reverter o quadro atual da educao pblica no pas e democratizar efetivamente o

    acesso universidade pblica e de qualidade. Companheiros, como vocs bem sabem, nossa

    tarefa ser rdua.

    Ao Cab pela amizade e por nossas longas e boas conversas, mas que nestes ltimos

    meses estiveram to escassas. Sua dedicao luta por uma educao emancipadora, para mim,

    sempre foi um exemplo.

  • vi

    Ao Jakson, Jonas, Bruno (Hortolndia), Baia, Ben, Juliana, Dida, Robson, Marcelo,

    Rafael, Mrio, pela jornada compartilhada dentro da universidade.

    Ao Rogrio Bernardes, pelo ensino dos primeiros conceitos sociolgicos.

    Ao Estevon, Luclia e Lajara pela leitura de verses preliminares desse trabalho.

    Ao prof. Jesus Ranieri e prof. Rrion Soares Melo que se dispuseram to gentilmente

    comporem a banca examinadora e pela honra de contar com suas avaliaes.

    Ao prof. Josu Pereira e prof. Pedro Peixoto que participaram da banca de qualificao e

    me deram importantes contribuies.

    Aos colegas do mestrado pelo intercmbio de experincias e conhecimentos ao longo de

    dois anos.

    Aos funcionrios do IFCH, em especial a Christina, secretria do programa de ps-

    graduao em sociologia, que encaminhou de forma to competente todas as questes

    burocrticas e garantiu o tempo e tranquilidade necessrios para o desenvolvimento dessa

    pesquisa.

    Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) pelo auxlio

    financeiro que possibilitou a realizao dessa pesquisa.

  • vii

    Fssemos infinitos

    Tudo mudaria

    Como somos finitos

    Muito permanece.

    Bertold Brecht

  • viii

    RESUMO

    O objetivo desse trabalho estudar a obra de Ernest Mandel O capitalismo tardio e Jrgen

    Habermas Problemas de legitimao no capitalismo tardio, onde analisam o capitalismo do ps-

    guerra e sua crise. As transformaes do capitalismo desde o fim da Segunda Guerra Mundial

    desencadearam uma importante discusso sobre a explicao marxista do desenvolvimento

    capitalista, de sua crise e sobre as condies para superao desta formao social. A discusso

    evidencia que a confrontao com a obra de Marx oportuna no s porque permite entender

    quanto o capitalismo se transformou desde Marx, mas tambm para discutir se ela ainda consegue

    oferecer uma explicao relevante para se compreender as modificaes estruturais

    contemporneas. Nesse sentido, os autores se relacionam de maneira distinta com o legado

    marxiano. A obra de Mandel se mostra como um esforo para explicar o perodo segundo o

    instrumental terico marxiano, mantendo o papel central da teoria do valor-trabalho e a crise

    como manifestao das contradies imanentes do capital. J a obra de Habermas aponta para

    uma mudana de forma e lgica da crise, consequentemente apontando para a ineficcia da teoria

    do valor-trabalho aplicada aos dias atuais, o legado de Marx s continuaria a ser til caso fosse

    reconstrudo. Por fim, discutiremos as consequncias dessas distintas explicaes para os projetos

    de emancipao.

    PALAVRAS-CHAVE: capitalismo tardio, crise do capital, crise de legitimao, Habermas,

    Mandel.

  • ix

    ABSTRACT

    The purpose of this research is to study the work of Ernest Mandel's Late Capitalism and Jrgen

    Habermas Legitimation crisis, whose works examine the capitalism in postwar and its crisis. The

    transformations of capitalism since the end of Second World War caused an important discussion

    on the Marxist explanation of capitalist development and of its crisis, and the conditions to

    overcome this social formation. The discussion shows that the confrontation with Marx's work is

    timely not only because it allows us to understand how capitalism has turned since Marx, but also

    to discuss whether it still is able to offer a relevant explanation to understand the contemporary

    structural changes. In this sense, the authors relate differently with the Marxian legacy. Mandel's

    work appears as an effort to explain the period according to the concepts of Marxian theory,

    maintaining the central role of the labor theory of value and the crisis as a manifestation of the

    immanent contradictions of capital. Already the work of Habermas points to a change of form

    and logic of the crisis, thus pointing to the ineffectiveness of the labor theory of value applied to

    the present day, the legacy of Marx would still only be useful if it were rebuilt. Finally, we

    discuss the consequences of these different explanations for the projects of emancipation.

    Key-words: late capitalism, crisis of capital, crisis of legitimation, Habermas, Mandel.

  • x

    SUMRIO

    Introduo ....................................................................................................................................... 1

    Captulo 1 Mandel e a crise do capital .................................................................................... 11

    1. Introduo ...................................................................................................................... 11

    2. O partido, os desafios para a revoluo e a herana terica de Mandel ..................... 13

    3. O capitalismo tardio ....................................................................................................... 17

    3.1. As caractersticas do capitalismo tardio e sua crise ........................................... 34

    3.2. O Estado no capitalismo tardio .......................................................................... 41

    3.3. Mudanas na estrutura de classe ........................................................................ 45

    3.4. Crise, partido, conscincia de classe e revoluo .............................................. 51

    Captulo 2 Habermas e a crise de legitimao ........................................................................ 57

    1. Introduo ...................................................................................................................... 57

    2. Antecedentes da discusso ............................................................................................. 60

    3. Trabalho e interao ..................................................................................................... 64

    4. A discusso sobre as crises sob a gide da teoria bidimensional de Habermas ...................... 82

    4.1. O conceito de princpio de organizao ......................................................... 88

    4.2. Estruturas normativas ...................................................................................... 90

    4.3. Processo de aprendizagem ............................................................................. 93

    5. A formao social do capitalismo liberal e sua crise ..................................................... 94

    6. O capitalismo tardio ...................................................................................................... 98

    6.1. Tendncia crise econmica ........................................................................ 102

    6.2. Tendncia crise poltica ............................................................................. 100

    6.3. Tendncia crise sociocultural ..................................................................... 109

    Captulo 3 Crise e emancipao ............................................................................................ 111

    Consideraes Finais ................................................................................................................. 135

    Referncias Bibliogrficas ........................................................................................................ 139

  • 1

    INTRODUO

    A pesquisa se organiza em torno de um eixo temtico especfico, o capitalismo

    tardio1, e visa discutir duas interpretaes, no caso O capitalismo tardio de Ernest Mandel e

    Problemas de legitimao no capitalismo tardio de Jrgen Habermas, sobre a dinmica do

    capitalismo tardio, sua crise e as perspectivas de emancipao inscritas nesse perodo. Os

    dois autores reconheceram as transformaes dentro do capitalismo, e, consequentemente,

    elaboraram uma explicao para elas, embora, como ver o leitor, com significativas

    diferenas. Essas diferenas no foram determinadas apenas pela rea de especializao de

    cada autor e questes biogrficas, o que no significa dizer que no tiveram relevncia, mas

    por questes tericas mais profundas. Mas, no se trata apenas de uma documentao de

    divergncias em torno das transformaes do capitalismo, da crise e da emancipao, mas

    tambm de captar as razes que tornam plausveis as afirmaes dos autores.

    Optamos por seguir o caminho percorrido por dois autores em torno do tema do

    capitalismo tardio, Ernest Mandel (1923 1995), lder poltico e economista, e Jrgen

    Habermas (1929 ), terico social, porque so significativos para elucidar a diferenciao

    na crtica ao capitalismo e nas possibilidade de emancipao inscritos no presente. As obras

    debatidas nesse trabalho foram escritas no fim do longo perodo de expanso econmica

    1 No Brasil o conceito de capitalismo tardio foi utilizado para tratar de um processo histrico totalmente distinto daquele tratado pelos autores estudados. O economista Joo M. C. de Mello, em sua tese de doutorado apresentada em 1975 e publicada em 1982, utilizou o termo para caracterizar a emergncia do modo capitalista de produo no Brasil. Segundo Coutinho, (...) O capitalismo tardio refere as origens da industrializao brasileira diversificao da economia cafeeira e ao transbordamento do capital cafeeiro pelos vrios segmentos da economia regional paulista. O fundamental no trabalho, no entanto, a caracterizao das etapas do desenvolvimento econmico brasileiro, que se baseia em dois elementos: por um lado, em uma reviso da noo de industrializao, entendida como um processo de implantao de "foras produtivas capitalistas"; por outro, em uma peculiar caracterizao das foras produtivas especificamente capitalistas, que as associa montagem de um setor interno de bens de produo. Para Mello, a trajetria do desenvolvimento econmico brasileiro seria a de constituio de foras produtivas especificamente capitalistas, no sentido aludido. COUTINHO, Maurcio Chalfin. Incurses marxistas. In: Estudos Avanados. So Paulo, 2001, vol. 15, n 41, pp.38-9.

  • 2

    iniciado aps o fim da Segunda Guerra Mundial. Portanto, foram lanadas2 pouco antes da

    crise desencadeada em 1973, a primeira grande recesso do ps-guerra. Os autores

    compartilharam uma realidade histrica em comum, e as concluses distintas nas obras do

    o ndice das transformaes dentro do capitalismo e das novas dificuldades que envolvem a

    questo da emancipao.

    Mandel segue a linha de argumentao do marxismo mais ortodoxo, e Habermas

    uma linha de argumentao ligada ao Instituto de Pesquisas Sociais, conhecido tambm

    como Escola de Frankfurt3. Sendo assim, para Mandel a crise, que continua existindo no

    capitalismo tardio, a manifestao das contradies inerentes do capital, e, como tal, seria

    um momento mpar para a transformao social, o momento de lembrar o carter

    extinguvel do capitalismo, seu memento mori. J a abordagem de Habermas prope uma

    reconstruo da teoria marxista a fim de torn-la adequada ao momento contemporneo,

    visto que seu potencial explicativo, sem tal reconstruo, se encontra desprovido de

    eficincia para o contexto do capitalismo tardio. Ele aponta para uma transformao nas

    crises do capitalismo e isso impacta nas condies de emancipao.

    Entre os anos de 1856 e 1857 Marx trabalhou febrilmente para aprontar um texto

    com suas concepes sobre o modo de produo capitalista, visto que se prenunciava uma

    grande crise, que de fato aconteceu em 1857. Entretanto, suas esperanas de que a crise de

    2 O capitalismo tardio de Mandel surge em 1972 e Problemas de legitimao no capitalismo tardio de Habermas surge no incio de 1973. 3 Para uma discusso do desenvolvimento histrico do Instituto de Pesquisas Sociais ver JAY, Martin. A imaginao dialtica: histria da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, 1923 1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008; tambm SLATER, Phill. Origem e significado da escola de Frankfurt: uma perspectiva marxista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

  • 3

    1857 se transformasse numa revoluo europeia logo se frustraram4. Dessa iniciativa de

    Marx pode-se observar dois aspectos importantes. Primeiro, a importncia das crises na

    consecuo da revoluo socialista; segundo que a teoria marxiana no pretende apenas

    apontar para as contradies societrias, ela tem tambm um interesse prtico na

    transformao dessa prpria realidade. Por meio da crtica da economia poltica Marx

    buscou uma interpretao cientfica da realidade tendo como objetivo a transformao da

    prpria realidade. Este uso de crtica combina dois significados da palavra alem Kritik.

    Um primeiro de origem kantiana, no qual a crtica entendida como teste de legitimidade,

    onde as reinvindicaes de validade do conhecimento so tidas como legtimas ou no

    apenas pela fora da razo. No outro, ligado aos jovens hegelianos, crtica significa

    negao, pois a razo ao intervir na realidade scio-histrica, com a extenso da teoria em

    prtica, adquire o sentido de reflexo negativa5.

    Mas, a tentativa do mtodo de Marx de interpretar e transformar a realidade

    simultaneamente coloca a teoria em dificuldades, visto que ela tem de acusar todas as

    outras de mistificao ideolgica e afirmar somente para ela o status terico. Para Marx, a

    forma de escapar das mistificaes ideolgicas era basear a teoria no interesse de um grupo

    social, o proletariado, cujos interesses no conduzem a um quadro ideolgico distorcido.

    Assim a viso ideolgica coincidiria com a viso realista6.

    As teorias analisadas nesse trabalho esto separadas por diversos anos da obra

    Marx, mas mantm uma preocupao semelhante dele. Visam explicar as contradies da

    sociedade capitalista com o objetivo de transformar a prpria realidade, e tm de lidar com 4 Cf. ROSDOLSKY, Roman. Gnese e estrutura de O capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. UFRJ, 2001, p.25. 5 Cf. SILVA, Josu. Trabalho, cidadania e reconhecimento. So Paulo: Annablume, 2008, p.39. 6 Cf. idem, p.39.

  • 4

    as contradies oriundas dessa pretenso. Alis, a anlise das duas obras interessante para

    elucidar a riqueza de reflexes a partir da obra de Marx. Pois, longe de uma diferena

    apenas nos detalhes sobre essa preocupao elas apontam para significativas divergncias

    acerca do uso do legado marxiano para interpretar o capitalismo tardio, a crise e o processo

    emancipatrio.

    Assim como Marx, Mandel considera como destinatrio da sua teoria o proletariado,

    cuja ao no seria comandada por nenhum interesse particular, a no ser a prpria defesa

    da vida. Por no deter a propriedade sobre os meios sociais de produo, ele no sofre do

    condicionamento da conduta pela propriedade, ele est livre dos efeitos alienantes da

    propriedade. Mas, exatamente, a falta de propriedade faz com que ele se sujeite s outras

    classes, que utilizam sua capacidade produtiva para atingir objetivos distintos aos do

    proletariado. A transio de uma prxis subordinada s necessidades bsicas para uma mais

    avanada, que supere a situao alienante, seria um longo processo dialtico. De uma

    situao inicial passiva, como resultado do desenvolvimento histrico (classe em si), passa

    para uma situao em que ela reapropria o sistema social como todo7. Nesse sentido as

    crises assumem importncia decisiva, pois sua manifestao evidencia toda a

    irracionalidade da lgica capitalista e atua como forte estmulo para formao da classe

    para si, alterando dessa forma a correlao de foras entre as classes.

    J para Habermas o materialismo histrico legado por Marx insuficiente para

    interpretar as complexas questes colocadas pela realidade modificada do capitalismo

    tardio. Nos seus trabalhos da dcada de 1970 j havia indcios de uma mudana no

    7 Cf. idem, p.40.

  • 5

    destinatrio da teoria crtica, em decorrncia da mudana de paradigma realizada por

    Habermas.

    No entender de Habermas, Marx interpreta a histria como uma sequncia discreta

    de modos de produo, cuja lgica de desenvolvimento permite que reconheamos

    a direo da evoluo social. Entretanto, a hiptese desta sequncia acarreta o

    pressuposto de um macro-sujeito que se desenvolve de um modo unilinear e

    ascensional8.

    Habermas v a soluo dessa aporia na passagem da filosofia da histria para a teoria da

    evoluo social. em Problemas de legitimao no capitalismo tardio, que aparece a

    primeira elaborao de Habermas sobre a teoria da evoluo social. Com a teoria da

    evoluo social Habermas visa reconstruir o materialismo histrico, colocando o projeto de

    esclarecimento [Aufklrung] em novos trilhos.

    O resgate dessas duas obras ganha importncia com a crise desencadeada em 2008.

    Elas tm um sofisticado debate sobre a utilizao do legado marxiano para explicar os

    desdobramentos do capitalismo e as condies para a emancipao. Isto no significa

    propor uma transposio das discusses da dcada de 1970 sem qualquer mediao para as

    do incio do sculo XXI. Os autores estudados bem entenderam isso, pois ao explicarem

    seu tempo histrico perceberam que no se tratava de transpor a discusso sobre as crises

    do incio do sculo XX para as da dcada de 1970, mas sabiam que sem ela a tarefa se

    tornaria bem mais difcil. Portanto, se recorremos ao legado intelectual anterior porque

    nos auxilia na tarefa de dimensionar os problemas centrais do capitalismo contemporneo;

    a despeito de no realizarmos o debate sobre as transformaes do capitalismo desde a

    dcada de 1970 e a crise iniciada a partir de 2008. 8 SIEBENEICHLER, Flvio Beno. Jrgen Habermas: razo comunicativa e emancipao. Rio de Janeiro; Tempo Brasileiro, 1989, p.133.

  • 6

    Portanto, se retomamos a crise da dcada de 1970 no por devoo ao

    conhecimento erudito, ou por mera simpatia com autores, mas sim porque miramos

    problemas contemporneos, que apesar de significativamente diferentes do passado

    guardam uma relao estreita com eles. Pode-se dizer que um dos autores pensa com as

    categorias clssicas do marxismo (Mandel), e o outro a partir de uma estrutura marxista

    modificada (Habermas). Isto se reflete na relao com que cada um estabelece com a crtica

    da economia poltica de ser capaz ou no de funcionar como explicador da morfologia

    capitalista contempornea.

    No captulo 1 abordamos a obra de Mandel e comeamos por sua explicao sobre

    as dificuldades que a teoria marxista teve at ento para conectar teoria e histria. Essas

    dificuldades, segundo ele, poderiam ser compreendidas como engendradas pelo

    dogmatismo stalinista, e por uma dificuldade terica interna ao prprio marxismo. Ao

    recorrer teoria das ondas longas oferece uma resposta para as transformaes de longa

    durao no capitalismo, integrando tanto seus desdobramentos objetivos e subjetivos,

    buscando tecer uma unidade dialtica entre eles. No capitalismo vigoraria ainda as leis

    descobertas por Marx, portanto a ocorrncia das crises e a urgncia da necessidade da

    revoluo socialista no teriam desaparecido do horizonte.

    No captulo 2 discutimos a obra de Habermas. Ao analisar as transformaes que

    tiveram incio desde o ltimo quartel do sculo XIX, que culminaram no ps-guerra na

    interveno generalizada do Estado na economia e na alterao dos conflitos sociais dentro

    dessa sociedade, ele considera importante submeter crtica a teoria de Marx, reconstrui-la

    para torn-la apta a explicar o capitalismo tardio, e a forma de manifestao de sua crise. A

    fonte do conflito continua a ser a apropriao privada da riqueza pblica e a emancipao

  • 7

    continua sendo um imperativo. Porm, preciso explorar as novas foras emancipatrias

    inscritas no presente. Expomos para subsidiar a discusso a relao de Habermas tanto com

    seu legado anterior, o Instituto de Pesquisas Sociais, bem como com Marx; mas, como se

    sabe, Habermas no se atm somente a esses dois campos de discusso, ele amplia

    enormemente o escopo da teoria crtica. Tudo isso ir redundar numa importante e profunda

    reformulao da teoria crtica. Com tal instrumental terico aplicada ao capitalismo tardio e

    s crises Habermas inova ao propor uma mudana de forma e de lgica da crise9.

    No captulo 3 abordamos a relao entre as crises e emancipao. Nele foi

    explorado os projetos emancipatrios presentes nas obras estudadas, e o quanto eles

    influenciaram nas explicaes dos autores.

    Portanto, o que oferecemos ao leitor a sistematizao de um debate sobre o

    capitalismo, a crise e suas consequncias da transformao desses dois para os projetos de

    emancipao (apesar de os autores no terem estabelecido um debate explcito sobre isso);

    de uma fenda dentro do campo que nunca deixou a emancipao fora do horizonte, mas que

    entende de forma cada vez mais distinta as condies e possibilidades desse evento. Mas

    antes da discusso acerca da concepo de cada autor sobre o capitalismo preciso traar,

    mesmo que brevemente, as caractersticas mais importantes do capitalismo tardio.

    O perodo que vai do incio da Primeira Guerra Mundial ao fim da Segunda Guerra

    Mundial foi de profundas transformaes e instabilidade. Duas guerras mundiais, uma

    revoluo socialista, crise de 1929, deixam claro a instabilidade dessa poca, que foi

    denominado adequadamente como a Era da Catstrofe pelo historiador ingls Eric

    9 Cf. MARRAMAO, Giacomo. O poltico e as transformaes. Crtica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e trinta. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990, p.41.

  • 8

    Hobsbawm10. O incio da Primeira Guerra Mundial serve tambm para marcar o fim do

    capitalismo liberal. Ao que tudo indica foi Werner Sombart o primeiro a denominar o

    perodo, que se inicia com o fim do capitalismo liberal, como capitalismo tardio11. Ao

    trmino da Segunda Guerra formou-se um consenso de que a instabilidade que gerou a Era

    das Catstrofes deveria ser evitada. Isso transformou significativamente o papel do Estado e

    as expectativas que pesavam sobre ele, a partir de ento comeou a intervir nas questes

    econmicas e sociais. Conforme observa o historiador Tony Judt, todos ao fim da Segunda

    Guerra Mundial concordavam num ponto: planejamento.

    Os desastres ocorridos nas dcadas do perodo entre as duas guerras mundiais as

    oportunidades desperdiadas depois de 1918, a grande depresso que se seguiu

    quebra da Bolsa de Valores, em 1929, o sofrimento do desemprego, as

    desigualdades, injustias e deficincias de um capitalismo laissez-faire que

    conduziu tantos indivduos tentao do autoritarismo, a indiferena descarada de

    uma elite arrogante e a incompetncia de uma classe poltica incapaz , tudo isso

    parecia interligado pelo fracasso total da tentativa de melhor organizao da

    sociedade. Se a democracia haveria de funcionar, se a democracia haveria de

    recuperar o seu apelo, precisava ser planejada12.

    As dcadas que se seguiram foram de profunda transformao, pode-se citar como

    importantes para nossa discusso, o pleno emprego, consumo em massa, Welfare State e a

    interveno estatal na economia. No incio da dcada de 1970 ainda era hegemnico o

    pensamento que afirmava que os terrveis e inevitveis ciclos de prosperidade e depresso

    haviam sido sucedidos pela sucesso de brandas flutuaes em decorrncia da gesto

    10 Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve sculo XX: 1914 1991. So Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.16. 11 Ver as pginas 19 e 20 desse trabalho. 12 JUDT, Tony. Ps-Guerra. Uma histria da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p.81.

  • 9

    macroeconmica13. O intenso crescimento econmico, junto com uma relativa distribuio

    da riqueza parecia indicar o caminho certo para se evitar as intensas oscilaes que at

    poucas dcadas o capitalismo experimentara. A crescente indeterminao da vida social

    precedente parecia ter dado lugar a um perodo de estabilidade e pleno desenvolvimento,

    anda que tal cenrio de prosperidade obviamente no se estendia para o mundo todo, se

    encaixando essa descrio muito mais na realidade dos pases capitalistas avanados, mas

    ainda sim com significativas diferenas internas entre eles. Mas, para os fins

    argumentativos desse trabalho, essas diferenas no sero tratadas. Todas essas

    transformaes no mbito econmico, poltico, cultural, social suscitaram uma mirade de

    questes, em especial dentro do campo marxista se era possvel com as categorias

    tradicionais do marxismo explicar aquele conjunto de transformaes. Essas

    transformaes necessariamente haveriam de suscitar discusses em torno da natureza da

    crise, se havia se modificado ou no, e consequentemente o aspecto normativo da teoria.

    nesse o contexto que as obras foram escritas.

    13 Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos, op. cit., p.262.

  • 10

  • 11

    CAPTULO I Mandel e a crise do capital

    1. Introduo

    Ernest Mandel possui uma vasta obra, junto com uma intensa atividade intelectual

    manteve uma ativa vida poltica. Economista de formao foi tambm lder da IV

    Internacional, a qual aderiu muito jovem em 1940, fundada dois anos antes por Leon

    Trotsky (1879 1940). Sua vinculao com a teoria das ondas longas pode ser entendido

    como uma tentativa de explicar as fases histricas do capitalismo, busca por meio dela

    explicar tanto as causas da recuperao econmica do ps-guerra, e sua relativa

    estabilidade social e poltica, quanto a transio para a crise. Tal filiao tambm mostra

    um deslocamento nas discusses sobre a crise, substituindo as discusses clssicas sobre o

    colapso por discusses sobre o ciclo. Escreveu suas obras em um contexto em que parte da

    esquerda europeia alimentava fortes esperanas de uma revoluo socialista, e talvez

    Mandel tenha sido um dos mais otimistas quanto a esta possibilidade. Em 1971 no seu livro

    sobre a teoria do partido de Lenin14 discute as tarefas a serem realizadas no momento de

    descenso da luta revolucionria: diagnosticar corretamente o momento social vigente, para

    que no momento em que a correlao de foras se modificar, a favor do movimento

    operrio, o partido revolucionrio no s esteja atento para a situao, mas possa dar incio

    ao combate revolucionrio. Como veremos adiante, sua obra O Capitalismo Tardio se

    insere nesse contexto, onde ele busca mostrar que a estabilidade conseguida pelo

    capitalismo no ps-guerra, ancorado num intenso crescimento econmico, tinha seus dias

    contados.

    14 Cf. MANDEL, Ernest. La teora leninista de la organizacin. Ciudad de Mxico: Ediciones Era, 1976.

  • 12

    Antes de iniciarmos o estudo da sua teoria examinaremos alguns dados biogrficos

    do autor, para situ-lo frente ao marxismo de sua poca. Mandel nasceu em 1923 na

    Blgica e faleceu aos 72 anos em 20 de julho de 1995. Estudou primeiro na Universidade

    de Bruxelas e depois na cole Pratique des Hautes tudes de Paris. Durante a II Guerra

    Mundial militou na resistncia e foi preso pelos nazistas sendo confinado em um campo de

    concentrao, do qual conseguiu escapar. Como lder da IV Internacional defendeu

    apaixonadamente as ideias de Trotsky. Conforme observa o historiador Robin Blackburn,

    talvez tenha sido o indivduo que, como educador, recrutou o maior nmero de jovens para

    o marxismo e poltica revolucionria, especialmente na Europa e na Amrica15. Aps a

    greve geral francesa de maio/junho de 1968 ele foi proibido de entrar no territrio francs

    por muitos anos, tal medida tambm foi adotada pelos governos dos EUA, Alemanha

    Ocidental, Alemanha Oriental, Sua e Austrlia16. Seu livro Introduo economia

    marxista (1964) vendeu mais de 100.000 exemplares. Sua primeira grande obra foi o

    Tratado de Economia marxista (publicado originalmente em francs Trait dconomie

    marxiste, 1962)17. Sua principal obra o livro O capitalismo tardio18, que, como assinala o

    historiador ingls Perry Anderson, foi a primeira anlise terica do desenvolvimento global

    do modo de produo capitalista desde a Segunda Guerra concebida segundo a estrutura

    das categorias do marxismo clssico19.

    15 Cf. BLACKBURN, Robin. The unexpected dialectic of structural reforms, op. cit., p.16. 16 Cf. COGGIOLA, Osvaldo. Introduo. In: MANDEL, Ernest. Trotsky como alternativa. So Paulo: Xam, 1995, p.12. 17 Cf. BLACKBURN, Robin. The unexpected dialectic of structural reforms, op. cit., p.16. 18 Surge em alemo pela primeira vez em 1972 com o ttulo Der Sptkapitalismus: Versuch einer Erklrung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag. Em portugus surge pela primeira vez em 1982 traduzido por Carlos Eduardo S. Matos, Regis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo com o ttulo O Capitalismo tardio, cujo subttulo, tentativa de uma explicao, foi suprimido. A primeira traduo para a lngua inglesa surge em 1975. 19 Cf. ANDERSON, Perry. Consideraes sobre o marxismo ocidental. So Paulo: Brasiliense, 1989, p.140.

  • 13

    2. O partido, os desafios para a revoluo e a herana terica de Mandel

    A tomada do poder pelos bolcheviques na Rssia em 1917 no resultou, como

    esperavam seus lderes, no evento desencadeador da revoluo socialista europeia, ou, pelo

    menos, preldio da revoluo alem. J em 1923 suas esperanas estavam esfaceladas com

    o fracasso da revoluo alem20; a revoluo tomava o rumo da construo do socialismo

    num s pas. Trotsky que desenvolveu a ideia da revoluo permanente, onde um dos

    pontos que a revoluo socialista comea no terreno nacional, contudo, no pode parar

    por a21, tornou-se um dos crticos mais ferrenhos dos rumos da revoluo russa. Deportado

    para o Cazaquisto em 1928, expulso da URSS em 1929, Trotsky viveu no exlio at sua

    morte em 1940, assassinado no Mxico por um agente de Stalin. Sua ltima grande

    empreitada foi a criao da IV Internacional em 1938, instituio da qual Mandel tornou-se

    um dos lderes mais destacados a partir da dcada de 1950 (o destino da IV Internacional,

    com suas cises e a srie de controvrsias que seus membros se enveredaram, ultrapassam

    os limites desse trabalho22).

    Mas, apesar do fracasso da revoluo europeia, logo aps a Revoluo de Outubro,

    radicais, socialistas e comunistas tendiam a ver o perodo que se iniciou com a crise de

    1929 como a agonia final do sistema capitalista23. Antes mesmo da Grande Crise, j com a

    Primeira Guerra Mundial Trotsky afirmava que a humanidade havia crescido, se

    desenvolvido e enriquecido mesmo com as crises parciais e gerais, mas a partir daquele

    perodo a lei do valor se recusava a prestar mais servios. Mesmo com os triunfos do

    20 Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos Extremos, op. cit., p.75. 21 Cf. TROTSKY, Leon. Introduo revoluo permanente. In: Leon Trotsky: Poltica. So Paulo: tica, 1981, p.189. 22 Sobre as disputas terico-polticas dentro da IV Internacional depois da 2 Guerra Mundial ver BENSAD, Daniel. Trotskismos. Lisboa: Edies Combate, 2007, pp.68 ss. 23 Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos Extremos, op. cit., p.139.

  • 14

    pensamento tcnico, as foras produtivas j no aumentavam mais24. As relaes de

    produo capitalistas, sob a gide da lei do valor, se tornaram uma verdadeira jaula para o

    desenvolvimento das foras produtivas mostrando toda a irracionalidade desse sistema,

    expressa, por exemplo, nos incentivos governamentais para a reduo das reas plantadas

    como foi adotada pelo governo dos EUA aps a crise de 1929. Mas, esta situao no era

    definitiva em absoluto; o no aproveitamento do momento revolucionrio permitiria a

    retomada do crescimento capitalista, com um significativo custo para a classe trabalhadora.

    Portanto, as condies objetivas para a revoluo mundial socialista estavam

    presentes, porm a passagem para o socialismo no se daria de maneira automtica,

    somente por meio da luta de classes. Entretanto, por existir um dficit de organizao o

    proletariado abandonado a si prprio dificilmente conseguiria superar os limites

    corporativos e cumprir sua misso histrica, portanto se avaliava indispensvel um

    partido revolucionrio para viabilizar a organizao poltica necessria para o proletariado

    cumprir seu destino histrico. Para que essa organizao possa desempenhar um papel

    correto, no momento decisivo para a transformao, deve entender as condies objetivas e

    subjetivas para a revoluo, e tecer as tarefas polticas para a luta poltica internacional25.

    A organizao leninista do partido foi, no incio do sculo XX, um dos principais

    pilares da fora do movimento pela revoluo mundial, uma novidade na forma comunista

    de organizar to significativa a ponto de o historiador ingls Eric Hobsbawm equipar-la

    inveno das ordens monsticas crists na Idade Mdia26.

    24 Cf. TROTSKY, Leon. El Pensamiento Vivo de Karl Marx. Buenos Aires: Editorial Losada, 1943, pp.35-6. 25 Cf. COGGIOLA, Osvaldo. 1938 2008: setenta anos da fundao da IV Internacional. Em defesa de Leon Trotsky. In: Projeto Histria. So Paulo, n36, 2008, p.180. 26 Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos Extremos. op. cit., pp.81-2.

  • 15

    Dava at mesmo a organizaes pequenas uma eficcia desproporcional, porque o

    partido podia contar com extraordinria dedicao e auto-sacrifcio de seus

    membros, disciplina e coeso maior que a de militares, e uma total concentrao na

    execuo de suas decises a todo o custo27.

    Essas organizaes se colocavam como responsveis por desenvolver as condies

    subjetivas para a revoluo. Visto que a conscincia poltica de classe no se desenvolveria

    de maneira espontnea nem mecnica, a partir das condies objetivas da luta de classe,

    caberia ao partido levar essa conscincia aos trabalhadores.

    Caso as condies subjetivas no estejam suficientemente desenvolvidas a

    revoluo proletria no poder sair vitoriosa, e essa derrota criar as condies

    econmicas e sociais da consolidao temporal do capitalismo28.

    Retomando a frmula de Marx da Misria da Filosofia, a passagem da classe em si

    para a classe para si s aconteceria com a interveno do partido revolucionrio. O sucesso

    da revoluo proletria depende, portanto, da juno das massas proletrias, da vanguarda

    dos trabalhadores e do partido revolucionrio; onde tal combinao, em um momento de

    crise revolucionria, se realizou com sucesso as lutas revolucionrias saram vencedoras. A

    existncia de um partido revolucionrio para o sucesso da revoluo assinalado por

    Trotsky ao observar que o mais difcil para a classe operria criar uma organizao

    revolucionria que esteja altura das suas tarefas histricas 29, isto , o partido. E caso as

    condies subjetivas no estejam amadurecidas a situao revolucionria, que no eterna,

    se dissipa, abrindo caminho para o campo oposto. O capitalismo s pode continuar a se

    desenvolver se o proletariado no cumprir sua misso histrica, visto que uma derrotada 27 Idem, p.83. 28 Cf. MANDEL, Ernest. La teora leninista de la organizacin, op. cit., p.11. 29 TROTSKY, Leon. A arte da insurreio. In: Leon Trotsky: Poltica. So Paulo: tica, 1981, p.115.

  • 16

    de grandes propores cria as condies para a retomada relativamente estvel de seu

    domnio, at a prxima crise... Para Mandel, a derrota do proletariado alemo na dcada de

    1930, por exemplo, permitiu a ascenso do fascismo e o incio da recuperao econmica

    aps a Grande Depresso.

    S a conjuno das condies objetivas com as subjetivas que pode desencadear

    um processo revolucionrio. A preocupao com o diagnstico das condies objetivas

    como referncia para a atividade revolucionria no nova dentro do marxismo. Por

    exemplo, Henryk Grossmann publica no final da dcada de 1920 sua principal obra, cuja

    grande preocupao era estudar as condies objetivas que desencadeariam as crises

    revolucionrias. Ele diz na carta enviada a Paul Mattick em 21 de junho de 1931:

    Como marxista dialtico sei obviamente que as duas faces do processo, os

    elementos objetivos e subjetivos tm uma influncia recproca entre si. No se

    pode esperar que as condies objetivas deem os primeiros passos, e s ento,

    deixar agir as condies subjetivas. Seria uma concepo mecnica insuficiente

    com a qual no estou de acordo. Mas com fins analticos devo aplicar o

    procedimento abstrato que consiste em isolar cada um dos elementos. Lnin fala

    frequentemente da situao revolucionria que deve se dar objetivamente como

    premissa para a interveno vitoriosa e ativa do proletariado. Minha teoria do

    colapso no procura excluir essa interveno ativa, mas se prope muito mais a

    demonstrar em que condies pode surgir e surge de fato uma situao

    revolucionria desse tipo, de forma objetiva30.

    O capitalismo a partir de 1914 entrou numa poca de crise estrutural, portanto se

    tornou imprescindvel a atividade revolucionria do partido para aproveitar as situaes

    30 Citado em MARRAMAO, Giacomo. O Poltico e as transformaes, op. cit., p.215 (grifo nosso).

  • 17

    revolucionrias que de tempos em tempos ocorrero31. Na interpretao de Mandel do

    capitalismo tardio subjaz essa concepo poltica sobre a situao do capitalismo, ela

    permitiu tanto estruturar sua explicao, quanto tambm se tornou, como mostraremos no

    captulo 3, em um impedimento para apreender e explicar certas mudanas na classe

    trabalhadora de significativa importncia, mas que devido a sua filiao terica no foi

    entendido como um ponto a ser investigado.

    3. O capitalismo tardio

    As transformaes que ocorreram dentro do capitalismo desde a Segunda Guerra

    (quando no desde a Grande Depresso de 1929/32) foram to significativas, que, para

    Mandel, somente os dogmticos podem sustentar que no aconteceram mudanas na

    economia capitalista internacional desde ento. O perodo denominado como capitalismo

    tardio marcado pela expanso do processo de acumulao possvel porque houve uma

    elevao da taxa de lucro , mas que tornou as contradies internas do modo de produo

    capitalista ainda mais agudas. Entretanto, em obras anteriores ao O Capitalismo Tardio

    Mandel denominava o perodo como neocapitalismo32. Ele rechaava todas as explicaes

    que defendiam que algumas das caractersticas bsicas do capitalismo no existiam mais,

    pois o neocapitalismo possua ainda todos os elementos fundamentais do capitalismo

    clssico33. Mas no nega que desde o fim da Segunda Guerra Mundial o capitalismo entrou

    numa terceira fase de desenvolvimento. Diferente do capitalismo monopolista e do

    imperialismo, descritos por Lenin e Hilferding, bem como diferente do capitalismo clssico

    do laissez-faire do sculo XIX. Mandel at chega citar nesse perodo o termo alemo 31 Cf. MANDEL, Ernest. La teora leninista de la organizacin, op. cit., p.41. 32 Como, por exemplo, em Ensayos sobre el neocapitalismo. 33 Cf. MANDEL, Ernest. La situacin de los obreros dentro del neocapitalismo. In: Ensayos sobre el neocapitalismo. Ciudad del Mxico: Ediciones Era, 1971, p.69.

  • 18

    Sptkapitalismus, que apesar de ser um conceito interessante ele tinha a deficincia de

    passar uma ideia de sequncia temporal, alm da dificuldade de traduzi-lo para outros

    idiomas. As caractersticas do neocapitalismo eram: acelerao da inovao tecnolgica,

    economia de guerra permanente e revoluo colonial em expanso, fazendo com que o

    centro de gravidade dos superlucros se descolasse dos pases coloniais para os pases

    imperialistas34. Entretanto, diante das ambiguidades em torno do termo neocapitalismo, que

    parecia caracterizar tanto uma continuidade como uma descontinuidade em relao ao

    perodo anterior, ele passou a denominar o perodo como capitalismo tardio, apesar da

    ressalva de ainda consider-lo limitado, por ser apenas uma caracterizao cronolgica e

    no sinttica35.

    A explicao proposta por Paul M. Sweezy (1910 2004) e Paul A. Baran (1910

    1964) do perodo como capitalismo monopolista36 foi rechaada por Mandel, porque,

    segundo ele, essa teoria propugnava a ideia de que as contradies internas do capitalismo

    haviam diminudo37. Para ele, essa interpretao dos autores se deve muito mais a uma ao

    ideolgica do que a um erro terico. Eles tinham como intuito defender a tese dos partidos

    comunistas oficiais de que a principal contradio contempornea no era entre capital e

    trabalho, mas entre os partidrios mundiais do capitalismo e do socialismo38. Alm disso,

    acrescentamos mais um motivo, Sweezy critica a explicao das crises pela lei da queda

    34 Cf. idem, pp.69-70. 35 MANDEL, Ernest. O Capitalismo tardio. So Paulo: Nova Cultural, 1985, p.5. Apesar de todas as ressalvas Mandel adota de forma definitiva o conceito de capitalismo tardio.36 Sobre as diversas variantes dentro dessa teoria ver o artigo de TEIXEIRA, Alosio. Capitalismo monopolista de Estado: um ponto de vista crtico. In: Revista de economia poltica. So Paulo, vol. 3, n 4, 1983. 37 Essa crtica foi destinada no somente a Sweezy e Baran, outros modelos explicativos tambm foram contestados por padecerem do mesmo erro, a saber, considerarem que a interveno estatal na economia poderia suspender ou eliminar as contradies internas do modo de produo capitalista. Entre as teorias citadas por Mandel que padecem deste erro esto a teoria da economia mista e a da sociedade industrial. MANDEL, Ernest. O Capitalismo tardio, op. cit., p.368. 38 Cf. idem, p.360.

  • 19

    tendencial da taxa de lucro, as explica pela tese do subconsumo39. Uma sistematizao das

    diferenas da explicao de Sweezy e Baran sobre o ps-guerra e a explicao de Mandel

    no pode ser feita aqui detalhadamente. Basta dizer que, Sweezy e Baran consideram que a

    lei da queda tendencial da taxa de lucro pressupe um sistema competitivo, contudo a

    passagem para o capitalismo monopolista houve uma mudana fundamental na estrutura da

    economia capitalista. Ou seja, a substituio da concorrncia entre capitais industriais pelos

    monoplios. O efeito disso foi que a natureza das polticas de preo e custos das empresas

    gigantes permitiu uma forte tendncia elevao do excedente os autores preferem o

    conceito de excedente ao invs do de mais-valia tanto absolutamente quanto

    relativamente40.

    Com a substituio da lei da tendncia decrescente da taxa de lucro pela lei do

    excedente crescente, e sendo os modos normais de utilizao do excedente

    incapazes de absorver um excedente em crescimento, a questo de outros modos de

    utilizao deste assumem importncia crucial41.

    Inevitavelmente a refutao da validade da lei da queda tendencial da taxa de lucro

    no capitalismo monopolista acarreta mudanas na interpretao das crises, do progresso

    tcnico e da interveno estatal na economia, que Mandel certamente no est de acordo,

    da a necessidade de um novo conceito para enquadrar o perodo.

    O termo capitalismo tardio foi elaborado por Werner Sombart42 (1863 1941), que

    classifica as fases do capitalismo como juventude, madureza e velhice (Frhkapitalimus,

    39 Cf. SWEEZY, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista. So Paulo: Abril Cultural, 1983, pp.133ss. 40 Cf. SWEEZY, Paul M.; BARAN, Paul A. Capitalismo monopolista: ensaio sobre a ordem econmica e social americana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p.79. 41 Idem, p.119. 42 Existem poucas referncias sobre a origem do termo; ao que pudemos investigar antes de Mandel o termo foi utilizado tambm pela economista polonesa Natalie Moszkowska no seu livro Zur Dynamik des Sptkapitalismus (1934). Apesar de Mandel no fazer qualquer referncia a Sombart tudo indica que utiliza o

  • 20

    Hochkapitalismus, Sptkapitalismus)43 em alguns momentos Mandel denomina o perodo

    de terceira idade do capitalismo44. Sombart explica que todo sistema econmico surge a

    partir da estrutura de outro sistema econmico (no caso do capitalismo, Frhkapitalismus

    refere-se ao surgimento do capitalismo, onde ele convive com o feudalismo, o perodo vai

    do sculo XIII a metade do sculo XVIII); com o seu desenvolvimento existem perodos

    em que ele passa a exibir de forma relativamente pura suas prprias caractersticas

    (Hochkapitalismus de metade do sculo XVIII at a deflagrao da Primeira Guerra

    Mundial); e, por fim, o perodo de desaparecimento ou retrao do sistema econmico

    (Sptkapitalismus comea a partir da Primeira Guerra, e tem como caracterstica mais

    importante mudanas na estrutura interna do capitalismo)45.

    Ao que tudo indica, Mandel concorda com a definio do capitalismo tardio como o

    perodo de queda ou decadncia do sistema capitalista, mas no d a mesma nfase que

    Sombart ao mercado e ao papel do empresrio na organizao da economia capitalista. Est

    muito mais interessado em abordar o perodo como senilidade de um sistema econmico

    especfico e o surgimento de um novo sistema econmico; eles coexistem, mas um em

    declnio, e o outro em fase embrionria. Certamente, tal ideia ganhou fora com a

    realizao da primeira revoluo socialista em 1917, que abrangeu no incio um sexto da

    superfcie da Terra, e aps a Segunda Guerra um tero da populao mundial46. Alm

    disso, a interveno estatal na economia era interpretada como sinal de decadncia, pois o termo segundo sua conceituao, por exemplo, em determinada passagem de O Capitalismo Tardio Mandel utiliza o termo capitalismo juvenil para tratar do perodo de formao do capitalismo, e capitalismo monopolista clssico para tratar o auge do capitalismo. Ver MANDEL, Ernest. O Capitalismo tardio, op. cit., p.281. 43 Cf. PERROUX, Franois. O capitalismo. So Paulo: Difuso Europeia do Livro, 1970, p.30. 44 Cf. MANDEL, Ernest. A crise do capital: os fatos e sua interpretao marxista. So Paulo: Ensaio; Campinas: Ed. UNICAMP, 1990, p.61. 45 Cf. SOMBART, Werner. Capitalism. In: Encyclopaedia of the social sciences. New York: The Macmillan Company, 1942, pp.206ss. 46 Cf. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos, op. cit., p.16.

  • 21

    capitalismo entregue s suas prprias foras se tornava disfuncional47. Consequentemente,

    tendo a velha ordem perdido seu carter progressista prejudica a vitalidade da sociedade, e

    seus beneficirios so obrigados a recorrer a mtodos extremos para proteger sua posio.

    Mas o capitalismo tardio no est sob a gide de leis diferentes das descobertas por

    Marx em O capital, e por Lnin em Imperialismo, fase superior do capitalismo (1917). No

    uma nova poca do capitalismo, mas sim um desdobramento da poca imperialista, de

    capitalismo monopolista48. Contudo, a tradio marxista teve dificuldades em conectar a

    teoria com a histria, muitas vezes caindo numa filosofia socioeconmica especulativa. O

    desafio que se coloca explicar as transformaes que o capitalismo experimentou desde a

    poca de Marx com base nas leis de movimento do capital descobertas por ele, em especial

    explicar a interveno estatal, as transformaes na classe trabalhadora e se houve

    mudanas nas crises.

    A soluo para o impasse terico, explica Mandel, no consiste somente em recorrer

    difundida ideia de que Marx fez uma progresso do abstrato para o concreto. Isto

    insuficiente, pois leva a uma perda da riqueza da totalidade. Para Marx, o ponto de partida

    era o concreto assim como o ponto de chegado tambm, s que agora como reproduo do

    concreto no plano do pensamento49. A progresso do abstrato para o concreto pressupe um

    47 Por exemplo, Quanto maior a interveno do Estado no sistema econmico capitalista, tanto mais claro torna-se o fato de que esse sistema sofre de uma doena incurvel. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., p.341. 48 Cf. Idem, p.5. 49 Cf. Para mais detalhes cf. MARX, Karl. O Mtodo da economia poltica: introduo [a crtica da economia poltica] (1857). Campinas, Unicamp/IFCH, 1996 (Primeira Verso, n71). O concreto concreto por ser uma concentrao (Zusammenfassung: concentrao, sntese) de muitas determinaes, logo uma unidade do mltiplo. Eis a razo por que apareceu no pensamento (im Denken) como processo de concentrao (sntese), como um resultado e no como um ponto de partida, embora ele seja o ponto de partida efetivamente real (der wirkliche Ausgangspunkt) e assim, tambm, o ponto de partida da intuio e da representao (der Ausgangspunkt der Anschauung und der Vorstellung). No primeiro caminho, toda a representao se desvanece em determinao abstrata, ao passo que, no segundo, as determinaes abstratas

  • 22

    trabalho anterior de anlise, onde se busca obter do concreto suas relaes determinantes.

    Portanto, considerar o mtodo de Marx apenas como progresso do abstrato para o concreto

    destri a unidade dos dois processos: o de anlise e o de sntese. A validade da reproduo

    intelectual da totalidade s se torna convincente pela aplicao na prtica50.

    As categorias, ou conceitos abstratos mais simples, no so resultados de uma

    compreenso pura, mas sim refletem o desenvolvimento histrico real. A dialtica de Marx

    implica ento na unidade de uma anlise em dois nveis, dedutivo e indutivo, lgico e

    histrico51. A descoberta dos elos intermedirios, ou mediaes, que permite a conexo

    entre essncia e aparncia, reintegrando-as numa unidade. Quando essa reintegrao deixa

    de ocorrer, observa Mandel, a teoria se v reduzida construo especulativa de

    modelos abstratos desligados da realidade emprica, e a dialtica regride do materialismo

    ao idealismo52.

    A reproduo intelectual deve, portanto, estar em permanente contato com o

    movimento da histria. Essa integrao, como observado mais acima, entre teoria e histria,

    no campo marxista, foi problemtica durante boa parte do sculo XX, e isto acarreta numa

    incapacidade para reunir teoria e prtica. A questo pode ser definida nos seguintes termos:

    (a) de que maneira o desenvolvimento do capitalismo nos ltimos cem anos pode ser

    explicado como o desenvolvimento manifesto das contradies internas desse modo de

    produo; quais so os elos que realizam a ligao entre os elementos concretos e os

    conduzem reproduo do concreto no plano (im Weg) do pensamento. (...) o mtodo de se elevar do abstrato ao concreto apenas a maneira de o pensamento apropriar-se do concreto e o reproduzir como concreto espiritual (als ein geistig Konkretes), mas, de maneira nenhuma se trata do processo de gnese (der Entstehungsprozess) do prprio concreto p.8. 50 Cf. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., p.8. 51 Cf. idem, pp.7-8. 52 Idem, p.8.

  • 23

    abstratos? (b) de que modo a histria real dos ltimos cem anos pode ser investigada

    juntamente com o modo de produo capitalista53; a relao do capitalismo em expanso

    com esferas pr-capitalistas, analisando isso em sua aparncia e explicando em sua

    essncia?

    O capitalismo no se desenvolve no vazio, mas sim se relacionando com estruturas

    socioeconmicas especficas caracterizadas por uma significativa diferena. O capitalismo

    ao surgir combina diversos modos de produo, a unidade orgnica do sistema mundial no

    reduz a importncia dessa combinao frente primazia dos traos comuns ao sistema. O

    autor retoma aqui a ideia de Marx, levada a frente por Trotsky, do desenvolvimento

    desigual e combinado. O sistema mundial , em grau considervel precisamente uma

    funo da validade universal da lei de desenvolvimento desigual e combinado54. Isto

    significa que o capitalismo, desde seu surgimento, interage com sociedades e economias

    no capitalistas, e que parte de sua tnica depende dessa interao, alis, para entender os

    estgios especficos do capitalismo fundamental compreender essas relaes. Dito isso, a

    razo para a falha da conexo entre teoria e prtica para compreender os diversos estgios

    do capitalismo, para Mandel, se assentam, basicamente, em dois motivos: (a) um de ordem

    histrica, ou seja, o bloqueio causado pelo stalinismo em boa parte das discusses, fazendo

    do marxismo justificava ideolgica do sistema sovitico; (b) de ordem interna ao prprio

    marxismo, manifesta em duas dificuldades: (i) quanto aos instrumentos analticos da teoria

    econmica de Marx, e (ii) o mtodo analtico dos mais importantes tericos marxistas.

    Mandel se concentra no segundo ponto, nas dificuldades internas do marxismo, e ao

    fazer isso no pode deixar de empreender um acerto de contas com o legado anterior. 53 Cf. idem, p.14. 54 Idem, p.14.

  • 24

    Portanto, tem de passar pelos principais tericos da discusso que denominaremos como

    primeira grande rodada de discusses sobre a crise aps Marx; autores que trataram do

    desenvolvimento do capitalismo e sua crise, como Rosa Luxemburg (1871 -1919), Rudolf

    Hilferding (1877 1941), Otto Bauer (1881 1938), Nikolai Bukharin (1888 1938),

    Henryk Grossmann (1881 1950), etc.

    A chave para entender as dificuldades e aporias do pensamento desses tericos

    fornecida pelo estudo de Roman Rosdolsky (1898 1967) sobre os Grundrisse de Marx55.

    Ele distingue entre o movimento do capital em geral e o dos capitais individuais56. Mas

    qual o significado dessa distino? O capital em geral exclui a concorrncia entre os

    capitais e o sistema de crdito. Na concorrncia, temos a ao do capital sobre o capital,

    o que pressupe a pluralidade de capitais; no crdito, o capital aparece, diante dos

    diferentes capitais, como um elemento geral57. O capital s pode se desenvolver sob a

    concorrncia, ou seja, como muitos capitais; ele se autodetermina como ao e reao

    recproca dos capitais entre si.

    Ela [a concorrncia, AAS] , ao mesmo tempo, a relao do capital consigo

    mesmo como outro capital, ou seja, o comportamento real do capital na condio

    de capital. S atravs dela aparece como necessidade externa, para cada capital,

    aquilo que corresponde [...] ao conceito de capital. Por isso, conceitualmente, a

    concorrncia expressa a natureza interna do capital [...] que se apresenta e se 55 O livro pstumo de Rosdolsky, Gnese e estrutura de O Capital de Karl Marx, aparece na Alemanha em 1968. Rosdolsky, que no era economista mas historiador, comprometeu-se com a reconstruo do pensamento econmico maduro de Marx, por meio de uma ampla anlise dos Grundrisse e suas relaes com O Capital, a fim de estabelecer as bases para o subsequente desenvolvimento da economia marxista capaz de uma profunda anlise do capitalismo do ps-guerra. Quatro anos depois aparece, na Alemanha, O Capitalismo Tardio de Mandel integrando o corpo terico desenvolvido por Rosdolsky, os avanos no marxismo e da economia ortodoxa. Ver ALBARRACN, Jess; MONTES, Pedro. Late Capitalism: Mandels Interpretation of Contemporary Capitalism. In: ACHCAR, Gilbert (org.). The legacy of Ernest Mandel. London: Verso, pp.45-6. 56 Cf. ROSDOLSKY, Roman. Gnese e estrutura de O capital de Karl Marx, op. cit., pp.49ss. 57 Idem, p.50.

  • 25

    realiza como ao recproca dos diversos capitais entre si, os quais impem a si

    prprios as determinaes imanentes do capital. A concorrncia o motor

    essencial da economia burguesa, embora no crie suas leis, apenas lhes d uma

    forma concreta; no as explica, apenas as torna visveis58.

    Para investigar a manifestao necessrio investigar antes o que se manifesta, por isso

    necessrio investigar o capital abstraindo a concorrncia. Na concorrncia tudo parece

    estar invertido, por exemplo, o preo no parece ser determinado pelo trabalho, mas o

    trabalho pelo preo, etc.59. Por isso, a concorrncia e seus correlatos so abstrados,

    partindo do capital como tal ou o capital em geral. No edifcio terico de Marx, a

    concorrncia, ou a existncia dos mltiplos capitais, s aparece no terceiro livro de O

    capital.

    Ento, a origem das dificuldades encontradas pelos autores marxista do incio do

    sculo para explicar o desenvolvimento do capitalismo, em boa parte, pode ser atribudo ao

    uso inadequado dos instrumentos tericos fornecidos por Marx, conduzindo-os a

    concluses problemticas quanto s novas fases do capitalismo. Em resumo, eles tentaram

    investigar os problemas das leis de desenvolvimento do capitalismo, isto , os problemas

    decorrentes da ruptura de equilbrio, com instrumentos projetados para a anlise do

    equilbrio60. Um instrumento desenvolvido por Marx no segundo livro de O Capital

    para mostrar como um sistema econmico sem qualquer controle social da produo,

    baseado na pura anarquia do mercado61, pode continuar a funcionar. Tal instrumento foi

    58 Idem, p.50. 59 Idem, p.51. 60 MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., p p.18. 61 Como esclarece Sweezy anarquia no sinnimo de caos. No significa ausncia de ordem, mas sim a ausncia de uma regulao consciente. A produo capitalista com o tempo, mesmo com seu carter anrquico, se sujeita a leis definidas e objetivamente vlidas de movimento. Ver SWEEZY, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista, op. cit., p.130.

  • 26

    desenvolvido sob a gide do capital em geral, e ao no se atentarem para o edifcio

    metodolgico de Marx exigiam dos esquemas aquilo que eles efetivamente no podiam

    provar62. Ao utilizarem os esquemas para interpretar as crises procuraram isolar uma nica

    varivel para explic-la. Por exemplo, em Luxemburg seria a dificuldade na realizao de

    mais-valia, em Hilferding a anarquia da produo. A busca por uma nica varivel

    necessariamente desembocava em explicaes deficientes, pois, como afirma Mandel, as

    leis de longo prazo do capitalismo devem ser explicadas pela interconexo de seis

    variveis: (a) a composio orgnica do capital em geral e nos setores mais importantes; (b)

    a distribuio do capital constante em fixo e constante (assim como no anterior e para os

    prximos, em geral e para os setores mais importantes); (c) o desenvolvimento da taxa de

    mais-valia; (d) o desenvolvimento da taxa de acumulao; (e) o tempo de rotao do

    capital; e (f) a relao entre os departamentos I e II63.

    Estes esclarecimentos agora nos ajudam a entender como Mandel encaminha uma

    explicao sobre as transformaes que ocorreram no capitalismo a partir do ps-guerra,

    conectando a teoria marxista com a histria, e aqui se encontra uma inovao terica

    proposta por Mandel, a teoria das ondas longas. A teoria dos ciclos teve grande importncia

    na transformao das polticas econmicas a partir da dcada de 1930, onde a adoo de

    polticas monetrias expansionistas e de programas de obras polticas significou a

    62 O economista russo Mikhail I. Tugan-Baranovski (1865 1919) foi o primeiro a utilizar os esquemas de reproduo de Marx. Ele rejeitou as duas explicaes da crise que atribui a Marx, isto , (a) crises causadas pela queda tendencial da taxa de lucro, e (b) crises originadas pelo subconsumo das massas; utilizou os esquemas de reproduo para estabelecer sua crtica a Marx e mostrar que as crises aconteciam em decorrncia da desproporo dos investimentos entre os setores de bens de capital e de consumo. Ver SWEEZY, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista, op. cit., pp.131ss. Rowthorn concorda que esta foi uma das finalidades a que se destinaram os esquemas de reproduo, mas o prprio Marx o utilizou com outras finalidades, como, por exemplo, para analisar aquilo que os keynesianos chamam hoje de fluxo circular da renda. Ver ROWTHORN, Bob. Capitalismo Maduro. In: Capitalismo, Conflito e Inflao. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p.90. 63 Cf. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., pp.25-6.

  • 27

    emergncia da gesto macroeconmica do capitalismo64. A discusso sobre os ciclos

    passou a ser realizada sob o prisma da teoria de John Maynard Keynes (1883 1946), para

    quem a economia capitalista relativamente instvel com momentos de prosperidade e

    depresso, porm com uma correta interveno poltica nessa trajetria instvel possvel

    moder-la e garantir um nvel de emprego maior65. Mas, no esta teoria dos ciclos que

    Mandel se apropria, a do russo Nicolai Dmitrievich Kondratiev (1892 1938). Apesar de

    existirem estudos anteriores aos de Kondratiev sobre perodos de regularidade maior do que

    o ciclo industrial estudado por Marx foi ele quem difundiu a questo66. A teoria das ondas

    longas no s influenciou o campo marxista, como outros tericos de vertentes distintas se

    apropriaram dela, por exemplo, o economista Joseph Alois Schumpeter (1883 1950), e o

    historiador francs Fernand Braudel (1902 1985)67. Marx havia estudado o ciclo

    industrial de 7 a 10 anos quando o capital fixo renovado, e as crises peridicas que esto

    relacionadas a ele68; mas a teoria das ondas longas julga que existam perodos de

    regularidade ainda maior do que o ciclo industrial (um perodo de aproximadamente 50

    anos). Kondratiev ao estudar as estatsticas da produo industrial da Inglaterra, Estados

    Unidos e Frana julgou que esses ciclos longos eram determinados pelos mesmos

    mecanismos que determinavam as flutuaes a curto prazo na dinmica econmica. A

    primeira metade do perodo seria determinada por um carter ascendente e a segunda

    metade por crises. As primeiras formulaes de Kondratiev sobre a teoria dos ciclos longos

    64 RUGITSKY, Fernando Monteiro. O movimento dos capitais. Contribuio crtica das teorias do ciclo econmico. So Paulo: Dissertao de Mestrado, Faculdade de Direito, USP, 2009, p.58. 65 Cf. idem, p.103. 66 Cf. GARVY, Georg. Kondratieffs theory of long cycles. In: The Review of Economic Statistics. 1943, vol. 25, n4, p.204. 67 Cf. COGGIOLA, Osvaldo. O capital contra a histria. Gnese e estrutura da crise contempornea. So Paulo: Xam, 2002, p.88; p.156. 68 Cf. MARX, Karl. O capital: crtica da economia poltica. Livro II. So Paulo: Nova Cultural, 1985, pp.136-7.

  • 28

    apareceram num estudo sobre as condies econmicas antes e depois da Primeira Guerra,

    e sua hiptese rapidamente atraiu a ateno dos economistas na Rssia sovitica, mas longe

    de existir um consenso favorvel em torno de sua hiptese ela foi amplamente

    questionada69.

    Trotsky tomou brevemente parte dessa discusso criticando a teoria dos ciclos

    longos, como proposta por Kondratiev, como falsa generalizao de uma anlise formal70.

    As longas fases da tendncia de desenvolvimento do capitalismo que inapropriadamente

    Kondratiev chama de ciclos longos, como observa Trotsky, no podem ser determinadas

    pela dinmica interna da economia, mas sim por fatores exgenos. Segundo ele, so as:

    aquisies para o capitalismo de novos pases e continentes, o descobrimento de

    novos recursos naturais e, na esteira destes, fatos maiores de ordem

    superestrutural tais como guerras e revolues, determinam o carter e a

    substituio das pocas estagnadas ou declinantes do desenvolvimento capitalista71.

    Deve-se levar em conta os fatores recorrentes e os no-recorrentes tanto para alguns pases,

    bem como para o conjunto da economia mundial.

    Contudo, a discusso em torno das ondas longas no campo marxista foi suprimida,

    em parte, devido a prpria eliminao fsica de alguns dos interlocutores, como

    Kondratiev72 e Trotsky, pela represso stalinista. E com o prprio sucesso econmico do

    capitalismo do ps-guerra a discusso foi deixada de lado, tida, muitas vezes, como

    69 Cf. GARVY, Georg. Kondratieffs theory of long cycles, op. cit., pp.203-4. 70 Cf. TROTSKY, Leon. Una escuela de estrategia revolucionaria. Buenos Aires: Ediciones del Siglo, 1973, p.155. 71 Idem, p.155. 72 Kondratiev j vinha sendo fortemente criticado dentro do Instituto de Moscou para Pesquisa Conjuntural (Koniunkturny Institut), logo aps publicar um estudo em 1928 foi destitudo da direo do Instituto. Em 1930 foi preso, acusado de ser o lder de um partido campons de oposio, e em 1931 foi condenado a oito anos de priso na Sibria. Sua pena foi revista e condenado a morte em 1938. Uma enciclopdia oficial do perodo declarava sobre a teoria dos ciclos longos: Esta teoria incorreta e reacionria citado por GARVY, Georg. Kondratieffs theory of long cycles, op. cit., p.204.

  • 29

    irrelevante, sendo retomada no campo marxista somente na dcada de 1970, por iniciativa

    de Mandel, para caracterizar os primeiros sinais de que o flego do boom do ps-guerra

    chegava ao seu fim73. Durante as ondas longas expansionistas h um acrscimo tanto na

    massa quanto na taxa de lucro. A acumulao de capital nesse perodo se acelera74. As

    ondas longas se articulam com os ciclos clssicos sendo que os perodos cclicos de

    prosperidade sero mais longos e mais intensos, e mais curtos e superficiais as crises

    cclicas de superproduo75. J nas ondas longas descendentes torna-se mais difcil

    assegurar a valorizao da massa total de capital acumulado, a queda na taxa de lucro um

    claro marco divisrio76. Nas ondas longas descendentes prevalece uma tendncia

    estagnao, os perodos de prosperidade sero menos febris e mais passageiros, enquanto os

    perodos das crises cclicas de superproduo sero mais longos e prolongados77.

    Para Mandel, a histria do desenvolvimento capitalista como um todo pode ser

    explicado a partir da teoria das ondas longas. Tal teoria, na verdade, seria uma teoria da

    acumulao de capital, ou, expresso de outra forma, uma teoria da taxa de lucro78. Ele est

    interessado em desenvolver um aparato intelectual que permita explicar as constantes

    oscilaes do capitalismo, com melhoras na taxa de lucro, sem negar o declnio secular

    apontado pelo limite histrico do modo de produo capitalista79. Ou seja, mesmo que o

    capitalismo possa experimentar de tempos em tempos perodos de grande expanso da taxa

    73 Cf. MANDEL, Ernest. Long Waves of Capitalist Development. A Marxist interpretation. London: Verso, 1995, p.vii. 74 Cf. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., p.75. 75 Idem, p.85. 76 Cf. idem, p.75. 77 Idem, p.85. 78 Cf. MANDEL, Ernest. Long Waves of Capitalist Development, p.7. 79 Cf. idem, p.9.

  • 30

    geral de lucros, desde a Primeira Guerra Mundial vive sob a sina de uma crise estrutural80.

    Os conceitos de crise estrutural e declnio histrico do capitalismo foram elaborados para

    explicar o perodo que surge com ecloso da Primeira Guerra Mundial e a realizao da

    primeira revoluo socialista no mundo em 1917 que provocou a primeira grande baixa na

    expanso mundial do capitalismo onde as contradies do modo de produo capitalista

    tornam-se mais agudas, quer dizer, o funcionamento das suas prprias leis de movimento

    produz problemas de envergadura cada vez maior. Mas, de forma alguma a ideia de crise

    estrutural exclui que seja possvel um rpido crescimento das foras produtivas, e que uma

    nova onda expansionista possa vir a acontecer81. O capitalismo pode vir a crescer, mas se

    torna cada vez mais difcil se depender apenas da mobilizao de suas prprias foras, os

    artifcios utilizados para manter um dado padro de crescimento tornam-se a longo prazo

    mais problemticos do que aquilo que eles prprios tentaram evitar, como foi o caso da

    poltica monetria e fiscal dos Estados que levaram a um processo de inflao galopante e a

    um endividamento sem precedentes das famlias e do Estado.

    A contradio entre relaes de produo e foras produtivas no significa que s

    seria possvel o desenvolvimento das foras produtivas com a derrubada do modo de

    produo capitalista; significa apenas que, desde essa poca [aps a Primeira Guerra

    Mundial, AAS], as foras de produo ulteriormente desenvolvidas entraro em

    contradio cada vez mais intensa com o modo de produo existente e favorecero a sua

    derrubada82. O capitalismo tardio, a segunda fase do imperialismo, marcado pelo

    crescimento das foras produtivas, onde h um aumento do parasitismo e desperdcios

    80 Cf. idem, p.49. 81 Cf. idem, pp.49ss. 82 MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. op. cit., p.152.

  • 31

    paralelos ou subjacentes a esse processo de crescimento83. Isto porque as foras produtivas

    encontram seu limite nas estreitas relaes de classe capitalistas, mesmo que haja sucesso

    na aplicao de inovaes na indstria, esse avano fracassa diante da resoluo dos

    problemas sociais gerais, exatamente porque sofre restries classistas.

    Mas isto no significa que o capitalismo no possa entrar numa onda expansiva

    baseado no desenvolvimento das foras produtivas, como, de fato, aconteceu no ps-guerra.

    Essencialmente, Mandel se mantm fiel anlise clssica da queda tendencial da taxa de

    lucro84 que depende quase que exclusivamente da taxa de mais-valia e da composio

    orgnica do capital85.

    A queda tendencial da taxa de lucro86, uma das mais controversas e conhecidas

    elaboraes de Marx, deriva da tendncia do capital, enquanto tal, de ocupar um espao

    cada vez maior no processo de produo em detrimento do trabalho abstrato. medida que

    a acumulao capitalista se desenvolve o capital dispendido em meios de produo (capital

    constante) tende a aumentar proporcionalmente mais rpido do que o dispndio em fora de

    trabalho (capital varivel). Isso gera um aumento progressivo da composio tcnica do

    capital. O capital ao buscar aumentar a extrao de mais-valia, quer dizer, mais-valia

    relativa, conduz a um aumento generalizado do volume dos meios de produo em

    comparao com a fora de trabalho utilizada. Mas se a base de valorizao do capital o

    83 Cf. idem, p.151. 84 Esta lei provm de Thomas R. Malthus (1766 1834) e David Ricardo (1772 1823). Mas eles a fundamentaram com base na lei dos rendimentos degressivos do solo. Mandel explica que Marx foi o primeiro a deduzir essa lei das tendncias de acumulao do capital, ligando-a diretamente teoria do valor-trabalho. Ver MANDEL, Ernest. Tratado de economa marxista. Tomo I. Ciudad de Mxico: Ediciones Era, 1977, p.133. 85 Cf. ROWTHORN, Bob. Capitalismo maduro, op. cit., p.91. 86 Para uma abordagem sobre as divergncias em torno da lei tendencial da queda da taxa de lucro ver o artigo de MANTEGA, Guido. A lei da taxa de lucro: a tendncia da queda ou a queda da tendncia? In: Estudos CEBRAP. So Paulo, n16, 1976.

  • 32

    trabalho vivo (capital varivel) o capital ao aumentar o volume dos meios de produo para

    maior extrao de mais-valia reduz sua prpria base de valorizao.

    A tendncia negao do trabalho vivo pelo morto, subjacente ao aumento da

    produtividade do trabalho e produo de mais-valia relativa, por sua vez possveis

    devido posio do capital como sujeito e subordinador formal e real do trabalho,

    resulta na substituio do trabalhador pela mquina e, com isso, na reduo da

    fonte de valor e de mais-valia em geral87.

    Mas as mesmas causas que produzem essas tendncias queda tambm geram sua

    moderao. No ao ponto de anular a lei geral88, mas sim de fazer com que ela atue como

    tendncia, ou seja, uma lei cuja execuo detida, retardada, anulada por meio de contra-

    atuantes89. Feito esse esclarecimento sobre a queda tendencial da taxa de lucro voltemos ao

    capitalismo tardio.

    O capitalismo tardio a fase que se inicia com o fim da Segunda Guerra, ancorado

    na derrota histrica da classe trabalhadora internacional nas dcadas de 1930 e 1940 (pelo

    fascismo, a guerra, a Guerra Fria e pelo macarthismo nos EUA), que permitiu a retomada

    da taxa mdia de lucro. Ou seja, uma nova onda longa ascendente comeou em 1940 para

    os EUA e 1948 para a Europa, onde a tendncia histrica do capitalismo foi

    contrabalanceada pela derrota do proletariado e a taxa mdia de lucro recuperada aps a

    crise de 1929. Portanto, para Mandel, a retomada das ondas longas est baseada em fatores

    exgenos a economia; no se d de maneira mecnica como descrito por Kondratiev, se

    bem que para seu declnio atuam fatores endgenos90. Em suma,

    87 GRESPAN, Jorge. O negativo do capital, op. cit., p.142. 88 Para esclarecimentos sobre o conceito de lei para Marx ver Idem, p.215. 89 Cf. idem, p.216. 90 Em um captulo adicional do livro Long Waves of Capitalist Development, op. cit., p.116 escrito em 1994, um ano antes de sua morte, Mandel admite que fatores exgenos podem tambm influir na tendncia queda da taxa de lucro e no somente fatores endgenos.

  • 33

    embora a lgica interna das leis capitalistas de movimento possam explicar a

    natureza cumulativa de cada onda longa, uma vez que ela iniciada, e embora

    possa tambm explicar a transio de uma onda longa expansionista para uma onda

    longa estagnada, no pode explicar a mudana da ltima para a primeira91.

    Aps o desencadeamento de uma onda longa, pela prpria lgica interna das leis de

    movimento, adquirem importncia as revolues tecnolgicas. no perodo recessivo que

    surge a necessidade de uma intensificao nos investimentos de racionalizao

    (investimentos que economizem em termos de custos salariais), mas so nos perodos de

    expanso que se intensificam as inovaes radicais, ao ponto dessas inovaes modificarem

    a tcnica em geral, permitindo caracterizar o conjunto como uma revoluo tecnolgica.

    Deve-se estabelecer uma relao entre o processo de acumulao e a lgica das revolues

    tecnolgicas. Cada perodo tecnolgico especfico, radicalmente diferente do anterior,

    baseado num tipo caracterstico de sistema-mquina (machine system) que pressupe

    formas especficas de organizao do processo de trabalho. Na histria do capitalismo

    Mandel identifica quatro tipos distintos de sistemas-mquinas onde cada um pressupe uma

    forma especfica de organizao do processo de trabalho, e a passagem de um para outro foi

    marcada por uma sria resistncia da classe trabalhadora92. Essa conexo entre a

    emergncia de uma nova onda longa expansionista e a luta de classes fez com que o autor

    em questo estabelecesse uma dialtica de fatores objetivos e subjetivos para o

    desenvolvimento histrico do capitalismo, onde os fatores subjetivos so caracterizados por

    uma autonomia relativa, pois dependem do nvel de militncia e tradio poltico-sindical

    91 Idem, p.16. although the internal logic of capitalist laws of motion can explain the cumulative nature of each long wave, once it is initiated, and although it can also explain the turn from the latter to the former. 92 Cf. idem, pp.32-3.

  • 34

    da classe operria na fase anterior93. Isso o levou a afirmar que existe um ciclo longo de

    luta de classes (isto , um ciclo longo de aumento e declnio da militncia da classe

    trabalhadora e radicalizao) que relativamente autnoma das ondas longas de

    acumulao de capital ascendente ou descendente, embora em certa medida esteja

    entrelaada com ela94.

    Nesse sentido, as ondas longas so entendidas como uma realidade histrica, no

    apenas mdias estatsticas, elas so uma totalidade histrica, uma correlao entre as

    tendncias ideolgicas predominantes e as tendncias do desenvolvimento econmico que

    elas refletem por meio de um dado prisma95. As ondas que existiram at hoje na histria do

    capitalismo foram:

    Durao Caractersticas

    1789 - 1848 Perodo da Revoluo Industrial, das grandes revolues burguesas, das Guerras Napolenicas, e da constituio do mercado mundial para mercadorias industriais: perodo expanso entre 1789 - 1815 (25); perodo de descenso entre 1826 - 48.

    1848 - 93 Perodo do capitalismo industrial de "livre concorrncia"; expanso 1848 - 73; descenso: 1873 93

    1893 1940 (8)

    1893 1913 - Apogeu do imperialismo clssico e do capital financeiro (perodo de expanso). 1913 1940 (8) Incio da poca de declnio do capitalismo, poca das guerras imperialistas, revolues, e contrarrevolues (perodo de descenso).

    1940 (48) - ?

    Surgimento do capitalismo tardio dado o atraso da revoluo mundial graas derrota da classe trabalhadora nas dcadas de 1930 e 40, mas acompanhado por fenmenos de declnio e decomposio do sistema; expanso entre 1940 (48) - 67; descenso 1968 - ?

    Tabela 1. Fonte: MANDEL, Ernest. Long Waves of Capitalist Development. op.cit., p.82.

    3.1. As caractersticas do capitalismo tardio e sua crise

    Como j assinalado mais acima, o conceito de capitalismo tardio foi construdo para

    explicar as transformaes do capitalismo no ps-guerra, entretanto essa onda longa

    significativamente diferente das anteriores visto que agora o capital vive num estado de

    93 Cf. KATZ, Claudio. Ernest Mandel e a teoria das ondas longas. In: Revista soc. bras. economia poltica. Rio de Janeiro, 2000, n 7, p.86. 94 Cf. MANDEL, Ernest. Long Waves of Capitalist Development, pp.37-8. 95 Cf. idem, p.76.

  • 35

    crise estrutural. Mas, junto com a crise estrutural o que mais caracteriza a onda longa em

    questo?

    O capitalismo tardio foi precedido pela onda longa estagnacionista que comeou em

    1913 e se intensificou com a Grande Depresso de 1929/32, somente um aumento na taxa

    mdia de lucros permitiria uma nova acelerao da acumulao de capital, que de fato

    aconteceu durante e depois da Segunda Guerra Mundial. Como no houve nenhuma

    modificao significativa no perodo nas tcnicas de produo dos meios de subsistncia da

    classe trabalhadora nem uma revoluo tecnolgica na produo de capital constante a

    elevao da taxa de lucro veio da elevao da taxa de mais-valia. Mesmo com o

    desemprego crescente no houve uma reduo automtica dos salrios reais, como atestam

    os salrios nos EUA entre 1929/37 e na Frana entre os anos de 1932/3796, portanto, no

    existe uma correlao automtica entre o nvel de desemprego e os salrios, pois a

    organizao dos trabalhadores pode ser suficientemente forte para evitar, por um

    determinado tempo, uma reduo abrupta no nvel de salrios. Mas, se o capital tiver xito

    em minar os sindicatos e outras formas de organizao da classe operria pode lan-la na

    situao ideal para o capital, impondo uma concorrncia generalizada de operrio contra

    operrio. Foi o que aconteceu com a ascenso de Adolf Hitler ao poder na Alemanha.

    O esmagamento dos sindicatos e de todas as outras organizaes operrias e a

    resultante atomizao, intimidao e desmoralizao condenaram toda uma gerao

    de trabalhadores a uma perda de sua capacidade de autodefesa. Na permanente luta

    entre o capital e o trabalho, um dos competidores tinha suas mos atadas e sua

    96 Cf. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., p.110.

  • 36

    cabea atordoada. A relao de foras dos combatentes havia se inclinado

    decisivamente em favor do capital97.

    Mas h uma significativa diferena entre a retomada do processo de acumulao

    antes da guerra e os milagres econmicos da dcada de 1950 e 1960. Naquele no houve

    no Japo e Alemanha nenhum aumento significativo nos investimentos privados no

    setor civil, praticamente todo o aumento pode ser atribudo ao Estado e indstria de

    armamentos98. S aps a guerra houve uma expanso dos investimentos privados no setor

    civil, engendrada pela ascenso da taxa de mais-valia. Confrontando esses dois perodos

    Mandel observa que os gastos ampliados em armamentos no poderiam ter dado origem a

    um processo de acumulao de longo prazo porque o aumento contnuo dos gastos militares

    no conseguiria e nem poderia ultrapassar os limites da valorizao do capital. Estes limites

    foram ultrapassados pelos investimentos privados no setor civil no ps-guerra, que por sua

    vez foram estimulados por um aumento na taxa de mais-valia devido reconstruo do

    exrcito industrial de reserva a partir da canalizao de milhes de refugiados,

    proletarizao de camponeses, pequenos comerciantes e donas-de-casa, posteriormente,

    tambm o uso de trabalhadores estrangeiros da Europa meridional99 e uma expanso

    constante dos mercados. A expanso do mercado, no contexto especfico do ps-guerra,

    no se deu pela expanso geogrfica, mas pela transformao tecnolgica no Departamento

    I. Em resumo,

    uma expanso a longo prazo na taxa de mais-valia conjugada a um aumento

    simultneo nos salrios reais [em decorrncia do aumento de produtividade, AAS]:

    tal foi a combinao especfica que tornou possvel o crescimento cumulativo a

    97 Idem, p.113. 98 Cf. idem, p.116. 99 Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos, op. cit., p.271.

  • 37

    longo prazo da economia dos Estados imperialistas no perodo 1945/65, em

    contraste com o perodo nazista e a Segunda Guerra Mundial100.

    Essa transformao alm de fomentar uma onda de inovaes tecnolgicas

    engendrou um aumento de produtividade101 devido a maior eficincia das novas mquinas,

    o que permitiu tambm reduzir a quantidade de trabalhadores. Pode-se afirmar ento que,

    aps a Grande Depresso foi o rearmamento que tornou possvel um novo impulso na

    acumulao de capital, reintroduzindo grandes volumes de capital excedente na produo

    de mais-valia. Somado a isso um aumento da taxa de mais-valia devido derrota da classe

    trabalhadora pelo fascismo e pela guerra, primeiro na Alemanha, Japo, Itlia, Frana e

    Espanha, depois nos EUA pelo compromisso antigrevista da burocracia sindical102.

    Com as taxas de mais-valia e de lucro em crescimento foi desencadeada a terceira

    revoluo tecnolgica. Diferente do perodo anterior, que teve um crescimento da taxa de

    mais-valia, mas seguido por uma relativa estagnao da produtividade, agora a mais-valia

    se expandia junto com uma rpida expanso da produtividade. Logo, o perodo anterior

    teve uma expanso baseado na mais-valia absoluta, enquanto agora estava baseado na mais-

    valia relativa. Os capitais que se tornaram ociosos em razo das dificuldades no processo de

    acumulao no perodo de 1929/39 permitiram o financiamento da expanso103.

    Cada novo sistema-mquinas baseado em diferentes fontes de energia. No incio

    da onda longa expansionista de 1848 foi a produo mecnica de motores a vapor; na

    prxima onda longa expansionista, na dcada de 90 do sculo XIX, a produo mecnica de

    100 MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, op. cit., p.119. 101 Mandel cita o caso dos EUA no perodo de 1947 a 1961 onde a produtividade do trabalho aumentou na indstria de transformao em 50%, e 42% nos outros ramos industriais, ver idem, p.124. 102 Cf. idem, p.125. 103 Para uma crtica da explicao de Mandel sobre o financiamento da onda longa expansionista do Ps-Guerra ver ROWTHORN, Bob. Capitalismo maduro, op. cit., p.94.

  • 38

    motores eltricos e a combusto interna; e na onda longa expansionista em questo a

    produo por meio de mquinas de aparelhagem eletrnica e da utilizao de energia

    atmica104. Assim que desencadeada uma revoluo na tecnologia de produo de

    mquinas m