beth ernest

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58 PLANO BRASÍLIA Choro na casa de Brito U ma turma da pesada de músicos se reunia no apartamento de Odette Ernest Dias, 311 Sul, para tocar chorinho em meados da dé- cada de 1970. Pessoas, como Avena de Castro, Pernambuco do Pandeiro, Nilo Costa, entre outros, além de produzirem músicas de altíssima qualidade, ainda conspiravam para a formação do Clube do Choro. Ideia que foi concretizada e se transformou em uma das manifestações culturais mais significativas e fortes produzidas em Brasília. O que poucos sabem é que as reuni- ões na casa de Odette Ernest não foram a origem da ebulição do chorinho na cidade. Elas eram realizadas bem antes, na década de 1960, no apartamento de Raimundo de Brito. As histórias desta época serão reveladas pela musicista Beth Ernest Dias, filha de Odette, num projeto que prevê a produção de um filme, um documentário e de um disco com o repertório produzido na época. “O documentário será extraído do livro, ou o inverso. Tem algumas pessoas envolvidas que estão investindo o seu tempo e energias intelectual e emocional. Temos também algumas coisas documentadas em vídeo. Come- çou do fim, mas o projeto ainda está no começo”, disse Beth. Conta a história, de acordo com a investigação à musicista, que o chorinho era uma manifestação cultural produ- zida por funcionários públicos. “Até há pouco tempo não havia profissionalismo em música para quem executava o choro. Essa dobradinha é histórica”, explicou Beth. É uma curiosa dobradinha que existe desde o início do século passado. Tocado inicialmente em rodas organi- zadas nos quintais, varandas e salas de visitas, a urbanização levou o chorinho aos apartamentos. A tradição continuou em Brasília, mais notoriamente na 105 Sul, lar de Raimundo de Brito – e que tocava cavaquinho. “Quando o Raimundo morreu, o pessoal ficou sem onde tocar. É aí que entra a minha mãe. Pessoas se acerca- ram dela perguntando sobre algum lugar. Então ela ofereceu a casa dela. É a mesma história. A diferença é que a da década de 1970 é mais investigada. O que procuro descobrir é anterior a isso.” PERSONAGENS O gatilho Para que Beth começasse a pesquisa aconteceu quando o filho de Giovanni Pache a procurou. Queria uma oportunidade para contar a história do pai, e que o próprio pudesse ter voz. Giovani Pasche era bombeiro, tocava violão 7 cordas e frequentava a casa de Raimundo de Brito. “Ele saiu de Brasília em 1969 e nunca mais se teve notícias dele até o filho vir me procurar. Giovani ainda está vivo, mas não toca mais chori- nho profissionalmente.” As primeiras investigações de Beth revelam um cenário rico na música bra- A musicista Beth Ernest Dias investiga os primórdios do chorinho de Brasília. Trabalho que vai virar um documentário, um livro e um disco. Cultura Por: Djenane Arraes | Fotos: Nicolas Oliveira Beth Ernest Dias investiga o chorinho da década de 1960 em Brasília

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Beth Ernest faz doc sobre chorinho de brasilia - Revista Plano Brasilia

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58 PLANO BRASÍLIA

Choronacasa

deBritoUma turma da pesada de músicos

se reunia no apartamento de Odette Ernest Dias, 311 Sul,

para tocar chorinho em meados da dé-cada de 1970. Pessoas, como Avena de Castro, Pernambuco do Pandeiro, Nilo Costa, entre outros, além de produzirem músicas de altíssima qualidade, ainda conspiravam para a formação do Clube do Choro. Ideia que foi concretizada e se transformou em uma das manifestações culturais mais significativas e fortes produzidas em Brasília.

O que poucos sabem é que as reuni-ões na casa de Odette Ernest não foram a origem da ebulição do chorinho na cidade. Elas eram realizadas bem antes, na década de 1960, no apartamento de Raimundo de Brito. As histórias desta época serão reveladas pela musicista Beth Ernest Dias, filha de Odette, num projeto que prevê a produção de um filme, um documentário e de um disco com o repertório produzido na época. “O documentário será extraído do livro, ou o inverso. Tem algumas pessoas envolvidas que estão investindo o seu tempo e energias intelectual e emocional. Temos também algumas coisas documentadas em vídeo. Come-çou do fim, mas o projeto ainda está no começo”, disse Beth.

Conta a história, de acordo com a investigação à musicista, que o chorinho era uma manifestação cultural produ-zida por funcionários públicos. “Até há

pouco tempo não havia profissionalismo em música para quem executava o choro. Essa dobradinha é histórica”, explicou Beth. É uma curiosa dobradinha que existe desde o início do século passado. Tocado inicialmente em rodas organi-zadas nos quintais, varandas e salas de visitas, a urbanização levou o chorinho aos apartamentos. A tradição continuou em Brasília, mais notoriamente na 105 Sul, lar de Raimundo de Brito – e que tocava cavaquinho.

“Quando o Raimundo morreu, o pessoal ficou sem onde tocar. É aí que entra a minha mãe. Pessoas se acerca-ram dela perguntando sobre algum lugar. Então ela ofereceu a casa dela. É a mesma história. A diferença é que a da década de 1970 é mais investigada. O que procuro descobrir é anterior a isso.”

PersonagensO gatilho Para que Beth começasse

a pesquisa aconteceu quando o filho de Giovanni Pache a procurou. Queria uma oportunidade para contar a história do pai, e que o próprio pudesse ter voz. Giovani Pasche era bombeiro, tocava violão 7 cordas e frequentava a casa de Raimundo de Brito. “Ele saiu de Brasília em 1969 e nunca mais se teve notícias dele até o filho vir me procurar. Giovani ainda está vivo, mas não toca mais chori-nho profissionalmente.”

As primeiras investigações de Beth revelam um cenário rico na música bra-

A musicista Beth Ernest Dias investiga os primórdios do chorinho de Brasília. Trabalho que vai virar um documentário, um livro e um disco.

CulturaPor: Djenane Arraes | Fotos: Nicolas Oliveira

Beth Ernest Dias investiga o chorinho da década de 1960 em Brasília

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siliense da década de 1960, além de grandes personagens, como Avena de Castro – que depois se tornou um dos fun-dadores do Clube do Choro. Ele era um dos que frequentava o apartamento de Raimundo de Brito sempre aos sábados à tarde para tocar o choro. Avena era citarista, considerado o único popular do Brasil, começou a tocar na década de 1930 e tem parcerias com Ernesto Nazareth e Waldir Azeve-do, além de tantos outros. Foi um dos grandes músicos que veio para capital na década de 1960. “Ainda não se sabe a razão exata do porquê de ele ter vindo para cá. Isso faz parte também da minha investigação.”

Outro frequentador ilustre era o violonista João Tomé, que foi um dos fundadores da Escola de Música de Brasí-lia. Ele também trabalhava comandando a orquestra da Rádio Nacional, além de estar a frente de um programa de auditório. Era cego, mas gostava de andar à pé pela cida-de – frequentava bailes no Hotel Nacional – e lia partituras em braile com desenvoltura. Existe ainda uma participação importante de Jacob do Bandolim, que morou na cidade por razões profissionais.

De acordo com Beth, estudantes e pessoas ligadas à UnB também passaram pelo apartamento de Raimundo de Brito. “Estou investigando ainda. Não estou com pressa. Faço muitas conexões e estou tentando entender ainda o cenário. Isso me interessa também. Vieram muitas pessoas para cá naquela época. Ao mesmo tempo tinha a Universidade de Brasília.

Muitas pessoas das faculdades de Arquitetura e de Cinema que também foram parar na casa de Raimundo de Brito”, explicou. “Havia os movimentos que deram origem às formas de música de Brasília. Muita coisa aconteceu ali.”

Beth prefere não falar de um prazo para concluir a pes-quisa e transformá-la num produto. Mas a iniciativa é funda-mental para o resgate do pedaço importante da história da capital. “Acho que não há um interesse nacional sobre a vida de Brasília. Mas interessa para a gente aqui. Principalmente se você tem um fenômeno como o Hamilton [de Holanda], que é um jovem maravilhoso, super talentoso. Mas que não é geração espontânea. Ele é fruto de alguma coisa também. O que está acontecendo agora se explica, porque há uma história que possibilitou toda a estrutura que existe hoje.”

Clube do ChoroEnquanto o projeto tocado por Beth Ernest Dias progride,

outras partes da história do chorinho de Brasília são contadas em forma de filme. Os jornalistas Felipe Linhares, Márcia Fernandes e Vicente Melo produziram o curta-documentário “A Alegria de Chorar – A História do Clube do Choro de Bra-sília”. O trabalho é fruto da pesquisa para conclusão de curso em 2008. No filme, há depoimentos de personalidades, como Odette Ernest Dias, Hamilton de Holanda, Reco do Bando-lim, Nilo Costa e Fernando César – que atualmente coordena a Escola de Choro. O resultado pode ser visto no Youtube.