o campo do ensino superior privado na perspectiva das redes institucionais

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A Abordagem das Redes Institucionais na Análise do Campo Organizacional das Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Resumo: O objetivo deste estudo foi aplicar a abordagem de análise de redes institucionais para descrever o campo organizacional das instituições de ensino superior privadas (IESP) no Brasil. Para isso, um framework foi desenvolvido para integrar elementos das teorias neoinstitucionalista e de análise de redes com o objetivo de identificar e descrever os diferentes tipos de influências institucionais e suas características em termos de redes. A coleta de dados foi feita por análise de conteúdo do artigo "Análise do Setor de Ensino Superior Privado no Brasil", de Sécca & Souza (2009), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esta perspectiva permitiu observar o campo organizacional posicionado entre duas lógicas institucionais: Ao centro da rede, a lógica do Governo Federal em defesa do interesse público e motivada pela opinião pública; e, ao redor, a lógica do mercado, em defesa dos interesses organizacionais e motivada pelo lucro. Palavras-chave: Análise institucional; análise de redes; Instituições do Ensino Superior Privadas; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Brazil. The Institutional Networks Approach in the Private Higher Educational Institutions Field Analysis in Brazil

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Resumo: O objetivo deste estudo foi utilizar a abordagem de análise de redes institucionais para descrever o campo organizacional das instituições de ensino superior privadas (IESP) no Brasil. Para isso, um framework integrando elementos das teorias neoinstitucionalista e de análise de redes foi desenvolvido com o objetivo de identificar e descrever os diferentes tipos de influências institucionais e suas características em termos de redes. A coleta de dados foi feita por análise de conteúdo do artigo "Análise do Setor de Ensino Superior Privado no Brasil", de Sécca & Souza (2009), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esta perspectiva permitiu observar o campo organizacional posicionado entre duas lógicas institucionais: Ao centro da rede, a lógica do Governo Federal e seus agentes, em defesa do interesse público e motivada pela opinião pública; e, ao redor, a lógica do mercado, em defesa dos interesses organizacionais e motivada pelo lucro.

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Page 1: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

A Abordagem das Redes Institucionais na Análise do Campo Organizacional

das Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil

Resumo: O objetivo deste estudo foi aplicar a abordagem de análise de redes institucionais para

descrever o campo organizacional das instituições de ensino superior privadas (IESP) no Brasil.

Para isso, um framework foi desenvolvido para integrar elementos das teorias neoinstitucionalista

e de análise de redes com o objetivo de identificar e descrever os diferentes tipos de influências

institucionais e suas características em termos de redes. A coleta de dados foi feita por análise de

conteúdo do artigo "Análise do Setor de Ensino Superior Privado no Brasil", de Sécca & Souza

(2009), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esta

perspectiva permitiu observar o campo organizacional posicionado entre duas lógicas

institucionais: Ao centro da rede, a lógica do Governo Federal em defesa do interesse público e

motivada pela opinião pública; e, ao redor, a lógica do mercado, em defesa dos interesses

organizacionais e motivada pelo lucro.

Palavras-chave: Análise institucional; análise de redes; Instituições do Ensino Superior

Privadas; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Brazil.

The Institutional Networks Approach in the Private Higher Educational

Institutions Field Analysis in Brazil

Abstract: The aim of this paper was to apply the institutional networks approach to describe the

organizational field of the Private Higher Educational Institutions (IESP) in Brazil. For this, a

theoretical framework was developed to integrate both neoinstitutional and network theories as

strategy to identify and describe different types of institutional influence and network

characteristics from this field. Data gathering was made through content analysis of the Brazilian

Bank for Social and Economic Development (BNDES) document “Análise do Setor de Ensino

Superior Privado no Brasil" (“Private Higher Education Sector Analysis in Brazil”), by Sécca &

Souza (2009). From this approach, it was possible to view the organizational field positioned

between two institutional logics: At the center of the network, the logic of the Federal

Government in defense of political interests and motivated by public opinion; and around, the

logic of the market, in defense of the organizational welfare and motivated by profits.

Key-words: Institutional analysis; network analysis; Private Higher Educational Institutions;

Brazilian Bank for Social and Economic Development; Brazil.

Introdução

Page 2: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

O objetivo deste estudo é aplicar a metodologia de análise de redes para descrever o

campo organizacional das instituições de ensino superior privadas (IESP), no Brasil. A

abordagem neoinstitucionalista tem buscado explicar o comportamento organizacional e inter-

organizacional como resultado de redes de influências institucionais que modelam a ação

individual e o comportamento organizacional (Scott, 2014). Contudo, apenas mais recentemente

que a análise de redes passa a ser utilizada com maior ênfase pela corrente neoinstitucionalista.

A análise de redes aborda as organizações como um sistema social composto de objetos

interligados por uma variedade de relacionamentos (Tichy, Tushman, & Fombrun, 1979). Sua

abordagem considera que nem todos os pares de objetos estão diretamente relacionados, mas que

podem estar conectados por múltiplos relacionamentos. Além disso, no nível inter-

organizacional, a representação de uma rede de multi-relacionamentos diretos, indiretos e

recursivos, pode melhor explicitar a complexidade inerente aos processos de institucionalização.

O setor de ensino superior privado no Brasil foi escolhido para este estudo em razão das

grandes mudanças ocorridas a partir do final dos anos de 1990. Apenas no intervalo de 1997 a

2012 foram criadas 1423 novas instituições de ensino superior privadas (IESP) no Brasil, o que

representa um acréscimo de 206% no número destas organizações no mesmo período (BRASIL,

2003, 2003, 2014). Este expressivo aumento levou o Governo Federal a aprimorar o seu sistema

de regulação das IESP pela criação de mecanismos a fim de melhor regular a qualidade da oferta

de vagas e controlar o desenvolvimento do setor. Consequentemente, é observado um acréscimo

no número de inter-relacionamentos entre as IESP, a emergência de uma estrutura de controle e

padrões de comportamento, assim como, um aumento na quantidade de informações que as IESP

precisam processar e controlar que se constituem como evidências do processo de estruturação do

campo organizacional (DiMaggio & Powell, 1983). E, conforme ressaltam Wooten e Hoffman

(2008), os campos organizacionais não estão sempre em uso, mas tornam-se ativos quando as

organizações decidem interagir. E este é o momento em que os objetivos organizacionais e o

“jogo do poder” são mais perceptíveis ao observador (DiMaggio, 1991; Scott, 2014).

Neonstitucionalismo e Redes

De acordo com Meyer e Rowan (Meyer & Rowan, 1977), as organizações emergem em

contextos altamente institucionalizados pela sociedade e se conformam com essas regras para se

tornarem legítimas e, assim, aumentarem suas perspectivas de aquisição dos recursos necessários

à sua sobrevivência independentemente da eficácia imediata de suas próprias práticas e

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Page 3: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

procedimentos. A ideia central de organizações institucionalizadas reside na gestão de complexas

redes de relacionamentos, incluindo o exercício de coordenação e controle (Owen-Smith &

Powell, 2008). Logo, as organizações estão simbioticamente associadas a ambos contextos

institucional e relacional, o que as levam a um contínuo processo de administrar as contingências

que ultrapassam as suas fronteiras organizacionais, e a responderem de acordo com as demandas

que se apresentam em seus ambientes.

Powell and DiMaggio (1983) têm observado que as organizações institucionalizadas

tornam-se isomorfas dentro dos limites de seu campo de atuação. Assim, definem o conceito de

campo organizacional como “aquelas organizações que, em seu agregado, constituem uma área

reconhecida da vida institucional”, tais como, o campo das agências reguladoras, dos museus, das

instituições de ensino superior, etc. Existem ao menos três importantes mecanismos de mudança

institucional isomorfa nos campos organizacionais que podem ser ressaltadas: (a) isomorfismo

coercivo, resultado de força da lei, seja esta uma resposta direta a um mandato do governo; (b)

isomorfismo mimético, consequência de padrões de resposta à incerteza que levam organizações

a geralmente seguirem seus pares percebidos como de maior sucesso; e (c) isomorfismo

normativo, associado com os campos profissionais e seus paradigmas, ou com o que é

amplamente considerado como sendo o curso de ação mais apropriado a seguir (Boxenbaum &

Jonsson, 2008).

Legitimidade significa congruência organizacional com os conceitos racionalizados

predominantes na sociedade, incluindo convenções sociais ou culturais, e normas acerca de

práticas e procedimentos (Deephouse & Suchman, 2008; Suchman, 1995). Logo, o seu

julgamento depende das entidades sociais, estruturas, ações, ideias e paradigmas cuja

aceitabilidade está sendo observada e avaliada, e de quem está observando e avaliando (Scott,

2014). Ou seja, diferentes organizações podem ter diferentes entendimentos quanto à

legitimidade, diferentes códigos de conduta e diferentes estratégias de resposta às mesmas

pressões ou influências institucionais (Oliver, 1991).

Lógicas institucionais, enfim, consistem nas regras e convenções de um determinado

campo organizacional (Owen-Smith & Powell, 2008, p. 602). Lógicas institucionais estão

intrinsecamente atreladas às estruturas formais que definem a autoridade dos relacionamentos que

caracterizam as formas organizacionais. Portanto, a abordagem das redes institucionais desloca o

enfoque central no isomorfismo para observar os efeitos de diferentes lógicas institucionais no

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Page 4: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

comportamento organizacional em diferentes contextos (Thornton & Ocasio, 2008).

As Três Categorias de Interações Institucionais

Com base em Scott (2014), é possível organizar os conceitos de isomorfismo, lógica

institucional e legitimidade em três categorias de análise do campo organizacional (QUADRO 1):

Quadro 1 – Categorias de Interações Institucionais

Regulativa Normativa Cultural-CognitivaIsomorfismo Coercivo Normativo MiméticoLógica Institucional

Evitar sanções Evitar avaliações ruins Conformidade com o socialmente correto

Legitimidade Legalmente sancionado

Tecnicamente governado Compreensível, reconhecível e culturalmente suportado

Evidências empíricas

Regras, decretos, leis, sanções

Valores, normas, papéis, acreditações, diretrizes

Crenças comuns e lógicas de ação compartilhadas

Fonte: Os autores, adaptado de Scott (2014).

Neste quadro, a categoria de interações institucionais regulativa enfatiza os processos

regulatórios envolvendo a capacidade de estabelecer regras, inspecionar sua conformidade e

aplicar sanções coercitivas, caso necessário (Scott, 2014). A lógica institucional determinante

nesta categoria é instrumental: leis são criadas para servir a determinados interesses sociais, e

indivíduos se conformam com essas leis para evitar sanções. Logo, na lógica institucional

regulativa, é legítimo aquele que opera de acordo com a lei. Os indicadores empíricos podem ser

observados a partir de evidências da expansão de constituições, códigos, leis, regras, diretivas,

regulações e outras estruturas formais de controle.

A categoria de interações institucionais normativa focaliza as dimensões prescritiva,

avaliativa e obrigatória da vida social em respeito aos valores, normas e papéis sociais (Scott,

2014). A lógica institucional associada a esta categoria é a da adequação às normas, e a sua

legitimidade é tecnicamente avaliada. Evidências empíricas incluem diretrizes de programas

associados, certificações, acreditações por agências ou associações profissionais, dentre outras.

Na categoria institucional cultural-cognitiva o enfoque é dado às concepções ou

percepções compartilhadas que constituem a natureza da realidade social e que criam quadros de

referência sobre o significado das coisas (Scott, 2014). A lógica que prevalece nesta categoria é a

da conformidade com as crenças culturais dominantes. A base para a sua legitimidade reside na

percepção do que é verdadeiro e correto quanto às ideas subjacentes à ação. Evidências empíricas

podem incluir crenças e suposições comuns, atitudes e valores compartilhados, etc.

Propriedades das Redes

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Page 5: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

Com base em Tichy, Tushman and Fombrun (1979), o presente estudo ressalta um

pequeno conjunto de propriedades das redes que possuem um interesse particular na explicação

do comportamento do campo organizacional:

(a) Tamanho da rede. Número total de participantes ou vértices (V) da rede;

(b) Grau do vértice. Número total de arestas, ligações ou relacionamentos (E) envolvidos

de alguma forma com V. Pode indicar a importância de um membro na rede.

(c) Densidade. Número de relacionamentos da rede ou vértice em relação ao número total

de relacionamentos potenciais (geralmente calculado por 𝑛*𝑛−1/2).

(d) Transitividade. Grau em que vértices estão conectados em tríplices (triângulos) em

relação ao número de potenciais tríplices. A conectividade da rede deriva da premissa

de que se um subset k de vértices for subtraído, este permanecerá ou não conectado.

(e) Reciprocidade. Quantidade de relacionamentos em redes direcionadas que são

recíprocos em relação à rede. Refere-se ao aspecto quantitativo da interação e pode ser

utilizado como parâmetro de mensuração da força da relação.

(f) Conteúdo Transacional. Está relacionado com aquilo que é trocado pelos participantes

no campo ou rede. No âmbito deste estudo, refere-se às influências institucionais que

determinam o comportamento das organizações no campo

Por fim, os elementos apresentados podem compor o seguinte quadro de referência a ser

utilizado na descrição da rede institucional do setor de ensino superior no Brasil:

Quadro 2 – Quadro de Referência de Análise da Rede Institucional

Fonte: Os autores, adaptado de Tichy, Tushman e Fombrun (1979).

Procedimento Metodológico

Quanto à sua natureza, este estudo pode ser classificado como qualitativo, descritivo e

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Categoria Variável DescriçãoA. Fatores estruturais

A1. Tamanho da redeA2. Grau do vérticeA3. Densidade

A4.Transitividade

Número de organizações participantes na rede.Número de relacionamentos associados ao vértice.Grau do vértice em relação ao número de relacionamentos potenciais na rede.Grau em que vértices estão conectados em triplas formando triângulos.

B. Força das relações

B1. Reciprocidade O grau em que relacionamentos são recíprocos em redes direcionadas.

C. Conteúdo transacional

C1. Regulativa

C2. Normativa

C3. Cultural-cognitiva

Leis, regras, sanções, decretos, (prêmio ou punição), etc., formais e informais.Certificações, acreditações, programas, valores, normas, papéis, etc.Crenças, sentimentos, lógicas de ação compartilhadas, etc.

Page 6: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

exploratório. A coleta de dados foi realizada por intermédio de análise de conteúdo do artigo

“Análise do Setor de Ensino Superior Privado no Brasil”, por Sécca e Souza (2009), publicado

pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). O objetivo desta etapa da pesquisa foi

simplesmente identificar e classificar pares de participantes (vértices) no setor de ensino superior

(V1 e V2) de acordo com a natureza de sua interação institucional, conforme apresentado no

Quadro 3, de forma ilustrativa. O cálculo das medidas centrais e a representação gráficas das

redes foram realizados com uso do pacote igraph (Kolaczyk & Csárdi, 2014) em R.

Quadro 3 – Instrumento de Coleta de Dados (ilustrativo)

Fonte: Os autores.

Resultados e Discussão

Foram identificadas 74 organizações (A1) e 799 relacionamentos institucionais no campo

organizacional das IESP. A densidade da rede foi calculada em 0.1459094 (A3). Ou seja, a rede

observada corresponde a cerca de 14% do seu potencial de relacionamentos possíveis. O Quadro

4 elenca as principais organizações participantes no campo organizacional das IESP, no Brasil, de

acordo com número de relacionamentos (A2) e sua densidade relativa (A3).

Quadro 4 – Redes Institucionais no Campo das IESP por Grau de Vértice e sua Distribuição

NºNome da

OrganizaçãoGrau do Vértice

Densi-dade

1 Governo Federal (GOVERNO) 177 0.06552 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 174 0.06443 Ministério da Educação (MEC) 171 0.06334 Caixa Econômica Federal (CEF), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais. Anísio Teixeira (INEP)55 0.0203

6 Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) 54 0.01998 Anhanguera Educacional S. A. (AESA) 32 0.01189 Ideal Invest (IDEAL) 19 0.007010 Faculdade Anhanguera de Negócios e Tecnologias da Informação (FACNET), Faculdade

Anhanguera de Itapecerica da Serra (FRIS), Faculdade Anhanguera de São Caetano (FAENAC), Faculdade Anhanguera de Belo Horizonte (FABRAI), Faculdade Anhanguera de Rondonópolis (CESUR), Faculdade Anhanguera de Brasília (FJK), Faculdade Santa Terezinha (FAST), Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo (RADIAL), Instituto de Ensino Superior de Joinville (IESVILLE)

17 0.0062

Fonte: Os autores.

Como pode ser observado, existe uma grande concentração de relacionamentos em apenas

6

V1 V2 Interação Institucional

Evidências

BNDES

IES Normativa # "[…] foram incluídos diversos pré-requisitos […] incluindo parâmetros de desenpenho mínimo nas avaliações no […] Sinaes e a aprovação […] pelo MEC." (p. 105).

MEC IES Regulativa # "- as faculdades dependem de autorização do MEC para criar qualquer curso." (p. 133).

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três organizações as quais parecem dominar o campo em termos de relacionamentos

institucionais, a saber: (a) o Governos Federal (GOVERNO), com 174 relacionamentos inter-

organizacionais; (b) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com

173 relacionamentos inter-organizacionais; e (c) Ministério da Educação (MEC), com 170

relacionamentos inter-organizacionais.

A transitividade da rede pode ser considerada baixa (A4. Transitividade = 0.06497422), o

que pode ser uma ameaça para a conectividade do campo. Neste caso, apenas 6% dos vértices

estão conectados em formas de estruturas tríplices (triângulos). Logo, existe a hipótese de que a

conectividade do campo pode ser afetada na ausência ou falha de um participante no campo. A

reciprocidade da rede apresentou um baixo resultado (B1. Reciprocidade = 0.01257862). Ou seja,

o número de relacionamentos mútuos corresponde a pouco mais de 1% dos relacionamentos do

campo. Reciprocidade está associada a embeddedness, ou seja, ao grau pelo qual uma atividade

econômica é regulada por instituições não-econômicas e sua circularidade pode ser considerada

um elemento importante no processo de institucionalização (Machado-da-Silva, Fonseca, &

Crubellate, 2005). Nesse sentido, novos estudos poderiam ser realizados para buscar entender as

razões para a baixa reciprocidade apresentada pelo campo e sua associação com, por exemplo, o

estágio de desenvolvimento ou estruturação do campo.

No entanto, uma análise do sub-grupo composto das três organizações com maior

densidade – GOVERNO, MEC e BNDES - revela uma transitividade plena, igual a 1,

significando que estas três entidades estão perfeitamente estruturadas em tríplices (formando

triângulos), o que fortalece a sua conectividade. Da mesma forma, a sua reciprocidade apresentou

um resultado significantemente maior de 0.6. Ou seja, foi observado a ocorrência de cerca de

60% de reciprocidade nos relacionamentos inter-organizacionais entre estas entidades.

A Figura 9 possibilita observar o campo organizacional governado por diferentes

interações institucionais regulativas, normativas e culturais-cognitivas. GOVERNO, MEC e

BNDES, que parecem dominar a rede de relações institucionais com altos graus de vértice,

configuram-se no centro desta representação. Sua estrutura de relacionamentos inter-

organizacionais permite uma transitividade de 100%, o que parece fortalecer a promoção de suas

ações. Contudo, com a flexibilização proporcionada ao setor pela nova Lei de Diretrizes e Bases

da Educação (LDB), grandes corporações passam a crescer em grau de influência institucional,

tais como a Anhanguera Educacional S. A. (AESA), a Estácio de Sá (UNESA), Kroton

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Page 8: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

Educacional (KROTON), a GP Investimentos (GP) e a Ideal Investimentos (IDEAL), o que

posiciona estas organizações em torno do campo organizacional. Contudo, novos estudos

precisam ser realizados paraa determinar quantitativamente a influência destas relações.

Por fim, ao menos duas dimensões distintas de lógica institucional que guiam a

estruturação do campo organizacional podem ser observadas: (a) uma lógica governamental, ao

centro da rede, representada, principalmente, pelo GOVERNO, BNDES e MEC e associada às

políticas públicas de desenvolvimento, bem como, aos compromissos assumidos com agências

internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), e (b) uma lógica institucional de mercado ou técnica, ao redor do campo das IESPs,

guiada por grupos de investidores, tais como a Anhanguera Educacional S.A (AESA), e que

prestam contas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e tem seu valor mensurado pela Bolsa

de Valores, Mercadorias e Futuros – BOVESPA. Entre estas duas lógicas se posiciona o campo

organizacional das IESP, no Brasil.

Figura 10 – O Campo Organizacional das IESP no Brasil

Fonte: Os autores.Conclusões

O uso da metodologia de análise de redes sociais aplicada à análise neoinstitucional

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Page 9: O Campo do Ensino Superior Privado na Perspectiva das Redes Institucionais

propiciou uma perspectiva diferenciada do campo organizacional das instituições de ensino

superior privadas (IESP), no Brasil, ao enfocar os processos relacionais que antecedem ao

fenômeno de institucionalização. Esta perspectiva pode ser útil, por exemplo, para tentar entender

como diferentes lógicas institucionais influenciam as instituições na re-estruturação do campo

organizacional.

Neste estudo, foi permitido vislumbrar a estrutura do campo organizacional equilibrando-

se entre duas lógicas institucionais distintas. De um lado, a lógica do Governo Federal e seus

agentes, em defesa do interesse público e motivada pela opinião pública, e, de outro, a lógica do

mercado, em defesa dos interesses organizacionais e motivada pelo lucro. Contudo, novos

estudos devem ser feitos para determinar a representatividade destes resultados.

Quanto às limitações do método ressalta-se que a forma de coleta de dados documental

pode negligenciar aspectos da dinâmica inter-organizacional que não foram registrados em

relatórios. Portanto, a coleta de dados via entrevistas e observação é de fundamental importância,

assim como, o seu cruzamento com os dados secundários. Além disso, novos estudos devem

identificar a influência do método nas taxas de densidade, transitividade e reciprocidade.

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