o aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no brasil

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Jerry Antunes de Oliveira O ASPECTO LEGAL DAS AÇÕES DE BUSCA NAS ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL Belo Horizonte Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais 2010

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Autor: Jerry Antunes de Oliveira. Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG). Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco. Neste trabalho, estuda-se a vulnerabilidade em que se encontram atualmente os atores de inteligência no Brasil quando do desenvolvimento de suas atividades, ante a ausência de uma legislação especial que verse sobre o tema e, objetiva-se alcançar respostas a seguinte indagação: como proporcionar aos atores de inteligência a necessária segurança jurídica para o desenvolvimento das ações de busca, quando utilizadas técnicas operacionais próprias desta atividade, no Brasil?

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Page 1: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

Jerry Antunes de Oliveira

O ASPECTO LEGAL DAS AÇÕES DE

BUSCA NAS ATIVIDADES DE

INTELIGÊNCIA NO BRASIL

Belo Horizonte

Centro Universitário Newton Paiva

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

2010

Page 2: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

Jerry Antunes de Oliveira

O ASPECTO LEGAL DAS AÇÕES DE

BUSCA NAS ATIVIDADES DE

INTELIGÊNCIA NO BRASIL

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação

Lato Sensu de Especialização em Inteligência de Estado

e Inteligência de Segurança Pública, oferecido pela

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva,

como requisito parcial à obtenção do título de

Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de

Segurança Pública.

Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco

Belo Horizonte

Centro Universitário Newton Paiva

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

2010

Page 3: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

Centro Universitário Newton Paiva

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de

Segurança Pública

Monografia intitulada “O aspecto legal das ações de busca nas atividades de

inteligência no Brasil”, de autoria de Jerry Antunes de Oliveira, considerado aprovado,

com a nota 100 (cem), pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________

Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco – Orientador

____________________________________________________________

Cel. PM. José Eduardo da Silva

____________________________________________________________

Cel. EB. Roger Antônio Souza Matta

Belo Horizonte/MG, 21/maio/2010.

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto

30140-062 - Belo Horizonte - MG

Tel: 31-3295-1023

www.fesmpmg.org.br

Page 4: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

Ao meu verdadeiro amor, companheira de todos os

momentos e eterna incentivadora, minha essência

Cláudia. Às nossas filhas, Nicole e Valentina, nossos

encantos inigualáveis.

Aos meus pais, Benedito e Maria, guerreiros da vida e

fontes de sabedoria existencial, amor, respeito e

carinho.

Ao meu sogro Seu Cláudio, pelas conversas

descontraídas e ensinamentos de vida. À minha sogra

Dona Ivonne, pelo exemplo e afeto.

Page 5: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

Agradeço ao Dr. Denilson Feitoza Pacheco, capacitado

professor e incomparável debatedor da inteligência,

pelas imperiosas orientações e reflexões no

desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço ao Dr. Francisco Eustáquio Rabello,

Delegado de Polícia Civil, amigo e fomentador do

crescimento humano, apregoador da inteligência

enquanto atividade.

Agradeço ao estudante e estagiário de direito Rodrigo

Rocha Feres Ragil pelo brilhantismo e empenho no

auxílio da busca de temas que compuseram em parte

esta pesquisa.

Page 6: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

RESUMO

Neste trabalho, estuda-se a vulnerabilidade em que se encontram atualmente os atores

de inteligência no Brasil quando do desenvolvimento de suas atividades, ante a ausência

de uma legislação especial que verse sobre o tema e, objetiva-se alcançar respostas a

seguinte indagação: como proporcionar aos atores de inteligência a necessária segurança

jurídica para o desenvolvimento das ações de busca, quando utilizadas técnicas

operacionais próprias desta atividade, no Brasil? A dúvida da legalidade da aplicação de

determinadas técnicas operacionais de inteligência é assunto recorrente. A aplicação

destas técnicas no desenvolvimento de atividades de interesse do Estado e da sociedade,

muitas das vezes, reveste-se de métodos mais incisivos e de ações invasivas, capazes de

alcançar, em verdadeiro confronto, direitos e garantias fundamentais previstos e

sedimentados no Estado de Direito. A administração pública, por sua vez, não pode

prescindir do atendimento dos direitos individuais, mas os direitos sociais e coletivos

também se tornam primordiais nesta relação. Três princípios da administração pública

são aqui analisados como norteadores do objeto do estudo: o da legalidade, o da

supremacia do direito coletivo sobre o direito individual e o da proporcionalidade.

Procura-se estabelecer uma transversalidade e correlação destes princípios, resultando

em um caminho a ser discutido urgentemente pelos profissionais da área de inteligência

e legisladores no tocante à necessidade de regulamentação detalhada das atividades de

inteligência no Brasil.

Palavras-chave: Inteligência. Administração pública. Direitos e garantias

fundamentais. Princípio da legalidade. Princípio da proporcionalidade.

Page 7: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

ABSTRACT

In this work, it is studied the vulnerability that the actors of intelligence found in Brazil

during the development of their activities, due to the absence of a special legislation

that talks about this subject and it is aimed at to reach answers the following inquiry:

how to provide to the intelligence actors the necessary juridical security for the

development of the search actions, when used own operational techniques of this

activity in Brazil? The doubt about the legality of the application of determined

operational intelligence techniques, is a recurrent subject. The application of these

techniques in the improvement of the activities that interest the State and the society,

many times is revested with more incisive methods and invasive actions , capable of

reaching a true confrontation, with the rights and basic fundamental guarantees foreseen

sedimented in the law. The public administration, for its turn, cannot do without the

attendance of the individual rights, but the social and collective rights, also become

essential in this relation. Three principles of the public administration are analyzed here

as guidelines of the object of study: legality; supremacy of the collective right over the

individual right and proportionality. We try to establish a transversality and correlation

between these principles, resulting in a way to be urgently discussed by the

professionals of the area of intelligence and the legislators in regard to the necessity of a

detailed regulation of the activities of intelligence in Brazil.

Keywords: Intelligence. Public administration. Basic rights and guarantees. Principles

of the legality and the proportionality.

Page 8: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................... 11

2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ...................................... 18

2.1 A palavra inteligência ......................................................................... 18

2.1.1 Significados da palavra inteligência ........................................................ 19

2.1.2 Etimologia da palavra inteligência .......................................................... 20

2.1.3 Atividade de inteligência: exclusividade do Estado................................ 21

2.2 Conceitos: legal e doutrinário ............................................................ 24

2.2.1 Conceito legal ............................................................................................. 24

2.2.2 Conceito doutrinário ................................................................................. 25

2.3 Breve histórico ..................................................................................... 26

2.4 Funções ................................................................................................. 29

2.5 Ramos ................................................................................................... 30

2.5.1 Inteligência stricto sensu ........................................................................... 30

2.5.2 Contrainteligência ..................................................................................... 31

2.5.3 Distinção entre a atividade de inteligência e contrainteligência ........... 32

2.6 Categorias da atividade de inteligência ............................................. 33

2.7 A atividade de inteligência e a globalização ..................................... 36

3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ATIVIDADE DE

INTELIGÊNCIA ........................................................................ 41

3.1Breves comentários do surgimento da administração pública ........ 41

Page 9: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

3.2 Funcionamento da administração pública ........................................ 42

3.3 Princípios da administração pública ................................................. 45

3.3.1 Princípio da legalidade .............................................................................. 45

3.3.2 Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse

particular ............................................................................................................. 46

3.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público ............................... 47

3.3.4 Princípio da impessoalidade ..................................................................... 47

3.3.5 Princípio da moralidade ............................................................................ 48

3.3.6 Princípio da publicidade ........................................................................... 49

3.3.7 Princípio da eficiência ............................................................................... 49

3.3.8 Princípio da finalidade pública ................................................................ 50

3.3.9 Princípio da presunção de legitimidade .................................................. 50

3.3.10 Princípio da autotutela ............................................................................ 50

3.3.11 Princípio do controle judicial dos atos administrativos ....................... 51

3.3.12 Princípio do devido processo legal, razoabilidade e proporcionalidade

.............................................................................................................................. 51

3.3.13 Princípio da motivação ............................................................................ 52

3.3.14 Princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade

administrativa ..................................................................................................... 52

3.3.15 Princípio da continuidade dos serviços públicos .................................. 53

3.3.16 Princípio da igualdade dos administrados em face da administração

pública .................................................................................................................. 54

3.3.17 Princípio da segurança jurídica ............................................................. 55

3.3.18 Princípio da responsabilidade do Estado .............................................. 55

3.4 Atribuições do servidor público e do analista de inteligência ......... 55

3.4.1 Conflito entre as atribuições do analista de inteligência e os ditames

constitucionais. .................................................................................................... 60

Page 10: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

4 OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA .................................... 62

4.1 Operações de inteligência ................................................................... 62

4.1.1 Noção........................................................................................................... 63

4.1.2 Ações de busca ........................................................................................... 64

4.1.3 Fontes de inteligência ................................................................................ 65

4.2 Técnicas operacionais de inteligência ................................................ 65

4.2.1 Aplicação .................................................................................................... 66

4.2.2 Modalidades ............................................................................................... 67

4.2.3 Técnicas operacionais e os direitos fundamentais .................................. 71

4.2.3.1 Inviolabilidade à intimidade, vida privada, honra e imagem ....................... 71

4.2.3.2 Inviolabilidade domiciliar ................................................................................ 72

4.2.3.3 Sigilo de correspondência e de comunicação ................................................. 72

4.2.3.4 Inviolabilidade de dados: sigilos bancário e fiscal ......................................... 73

4.2.3.5 Obtenção de provas ilícitas .............................................................................. 73

4.2.4 Distinção entre a atividade de inteligência e a investigação criminal ... 74

4.3 Limites e restrições .............................................................................. 76

4.4 Importância .......................................................................................... 77

5 PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS ................. 78

5.1 Introdução ............................................................................................ 78

5.2 A mudança na esfera dos direitos fundamentais ............................. 80

5.3 Classificação adotada .......................................................................... 82

5.3.1 Direitos fundamentais individuais e coletivos ......................................... 82

5.3.2 Direitos fundamentais universais ou relativos ........................................ 84

5.3.3 Direitos fundamentais de defesa (negativos) e à prestação (positivos) . 86

5.4 Princípios e regras ............................................................................... 87

Page 11: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

5.5 Direitos e garantias fundamentais ..................................................... 91

5.6 A atividade de inteligência e os direitos fundamentais .................... 94

5.7 Princípios que regem a atividade de inteligência ............................. 96

5.8 Princípios fundamentais—princípio da proporcionalidade,

princípio da legalidade e princípio da obrigatoriedade......................... 98

5.8.1 O princípio da eficiência e efetividade na atividade de inteligência ... 100

5.8.2 A proibição de excesso e de insuficiência do Estado—relação a partir

do princípio da proporcionalidade.................................................................. 104

5.8.3 O princípio da legalidade e da obrigatoriedade na atividade de

inteligência ......................................................................................................... 109

6 LEGISLAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA—

ESPANHA E BRASIL ............................................................. 112

6.1 A legislação na Espanha ................................................................... 112

6.2 A legislação no Brasil ........................................................................ 117

6.3 A insuficiência da legislação brasileira sobre o tema .................... 119

7 CONCLUSÃO ....................................................................... 124

REFERÊNCIAS ....................................................................... 128

Page 12: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

11

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, no atual estágio de desenvolvimento econômico, ocupando lugar

de destaque na América Latina e no mundo globalizado, mostra-se, cada vez mais,

participativo e essencial nas discussões internacionais sobre diversos temas, dentre os

quais cumpre ressaltar conferências climáticas e assuntos de segurança mundial. Esse

último tópico, todavia, é tratado como questão de extrema relevância para as pretensões

brasileiras, tendo em vista que o país pleiteia uma vaga no Conselho de Segurança das

Nações Unidas, e, conseqüentemente, uma posição estratégica em todas as contendas e

conflitos internacionais.

Uma nação com uma dimensão territorial como a brasileira, permeada por

diversas culturas e por uma população heterogênea, detentora de riquezas explícitas e

outras ainda por descobrir, não pode prescindir de um serviço de inteligência adequado

às suas necessidades, tanto na atuação interna quanto externa. Uma estrutura complexa

como a máquina estatal depende de um serviço de apoio e de uma orientação adequada

aos tomadores de decisão, convergindo sempre para os interesses do Estado e para a

segurança da sociedade, em sentido amplo das expressões.

Neste sentido, com relação à necessidade da indispensabilidade de um

serviço de inteligência, muito se discute, no Brasil, qual seria a real necessidade da

presença de agências de inteligência, eis que, em um passado remoto, essa atividade

estava diretamente associada ao regime de exceção em que, historicamente, trabalhava-

se apenas em prol do interesse do regime vigente à época, e não em torno do interesse

nacional e da sociedade.

Tendo em vista diversos problemas e crimes que, outrora, eram

solucionados em âmbito nacional, e, hoje, contam com uma organização e produzem

efeitos de alcance mundial, constata-se, uma vez mais, que, para o efetivo progresso e a

plena consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país, a atividade de

inteligência torna-se primordial, pois no presente contexto internacional é urgente uma

agilidade em assuntos que visem à segurança e à defesa do Estado.

A atuação desses serviços de inteligência deve ser pautada pela

legitimidade e licitude, com a observância de princípios já sedimentados, como o da

Page 13: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

12

legalidade, da razoabilidade e o da proporcionalidade, buscando com isso um perfeito

equilíbrio entre o interesse do Estado e os direitos fundamentais assegurados na Carta

Magna.

Com efeito, como bem explicita Maria Concepción Pérez Villalobos (2002,

p. 11):

Los servicios de inteligencia se incardinam precisamente en la estructura

política de ese Estado social y democrático de Derecho, en el que el respeto a

los derechos fundamentales del indivíduo se convierte en el princípio

inspirador de todo el sistema constitucional. Tanto los poderes públicos como

los ciudadanos están obligados al respeto y a la garantía de aquellos derechos

que la Constitución reconoce como fundamentales.1

Por outro lado, para o desenvolvimento das atividades de inteligência são

usadas técnicas operacionais muito comuns em investigações policiais, tais como a

entrada, a infiltração e o disfarce, que, muitas vezes, deparam-se com algumas garantias

fundamentais do indivíduo.

De um modo geral, pretendemos colocar em discussão e demonstrar a quase

absoluta ausência de uma legislação pátria suficiente o bastante para legitimar de forma

clara e objetiva as ações de busca nas atividades de inteligência, assegurando ao ator da

inteligência a tranquilidade e a segurança necessárias para o desempenho de suas

atribuições estipuladas em leis específicas. Não nos referimos apenas aos limites e

restrições estabelecidos aos executores finais das ações de inteligência, mas também às

dificuldades encontradas pelos gestores destas atividades quando se deparam com

questionamentos de seus subordinados sobre a legalidade das ações determinadas.

O respeito às leis e às normas é a base do constitucionalismo liberal

almejado pela nossa sociedade. Os direitos e garantias individuais e coletivos já

afloraram e buscam uma sedimentação cada vez maior e, deste modo, qualquer conduta

que venha a provocar, ainda que de forma distante, o desrespeito ao Estado de Direito e

suas garantias deve ser imediatamente repudiada, com procedimentos capazes de

respondê-la moderada e imediatamente, dentro dos limites instituídos em lei.

1 Os serviços de inteligência se encaixam precisamente na estrutura política desse Estado social e democrático de

Direito, no que o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo se converte no princípio inspirador de todo o

sistema constitucional.Tanto os poderes públicos como os cidadãos estão obrigados ao respeito e a garantias daqueles

direitos que a Constituição reconhece com fundamentais [Tradução Nossa].

Page 14: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

13

Nesse diapasão, o objeto central a ser explorado no presente estudo

converge à possível resposta do seguinte questionamento: como proporcionar aos atores

de inteligência a necessária segurança jurídica para o desenvolvimento das ações de

busca, quando utilizadas técnicas operacionais próprias desta atividade, no Brasil?

As normas que positivaram as ações de busca no nosso país são quase

imperceptíveis, causando dúvidas frequentes de como executá-las e, como

consequência, colocando seus atores em riscos desnecessários em decorrência desta

falta de clareza e objetividade nas suas interpretações.

Nesta vertente, o agente administrativo da atividade de inteligência não

pode ser comparado a um servidor público de outros órgãos que apenas exerce

atividades meramente burocráticas. Ao contrário, deve estar amparado de forma

especial, objetivando, com isso, dar maior segurança e transparência às suas reais

funções nesta atividade diferenciada.

Ainda nesta linha de raciocínio, discutiremos a situação atual da legislação

brasileira no tocante às atividades de inteligência, procurando demonstrar que a ação de

busca reveste-se, por diversas vezes, de ilegalidade e clandestinidade. Ao final do

trabalho, propõe-se uma regulamentação mais ampla e condizente com o serviço

prestado e com os direitos e garantias que devem ser assegurados aos servidores e

aqueles que não podem ser desrespeitados pelas ações de busca.

Na seara da discussão principal do estudo, propõe-se realizar uma reflexão

sobre a confusão existente entre as atividades de inteligência e as investigações

policiais. A sociedade, por desconhecimento e até mesmo por matérias publicadas em

veículos de informação, tem uma percepção equivocada da atividade de inteligência,

repudiando veementemente a criação de agências de inteligência, assim como as

identifica, erroneamente, como procedimentos de investigações policiais.

Particularmente, o objeto da presente pesquisa é de extrema importância não

só pelo fato de, como delegado de polícia federal e atualmente exercendo a função de

dirigente da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Minas

Gerais, o que, por si só, justificaria o interesse pelo assunto, mas, principalmente, pela

preocupação em poder agir, demonstrando e assegurando aos subordinados que as suas

ações de busca na atividade de inteligência revestem-se de amparo legal.

Page 15: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

14

O tema demonstra-se atual, não só em razão da preocupação com a

transparência e com o efetivo desempenho dos serviços de inteligência, mas, conjugado

a isso, pelo fato de a legislação ordinária não abranger e regulamentar com clareza os

diversos campos de atuação, de como agir com as técnicas operacionais de inteligência,

produzindo conhecimento ao tomador de decisão, sem que isso esteja envolto de

clandestinidade.

No campo operativo, a presente pesquisa tem o propósito de procurar

discussões para a efetiva regulamentação das ações de busca nas atividades de

inteligência, de forma que os atores de inteligência desenvolvam suas atividades de

maneira consentânea com os princípios democráticos, evitando abusos e arbitrariedades

contra os direitos e garantias fundamentais da pessoa.

Quanto à relevância humana, é indiscutível que o secretismo moderado nas

atividades de inteligência e a maneira de como produzir conhecimento são essenciais

para garantir a sobrevivência do Estado no interesse coletivo e, para tanto, não podemos

nos olvidar de exigir uma atuação cada vez mais consonante com os direitos

fundamentais e, por consequência, progredir na sedimentação do Estado Democrático

de Direito em nosso país.

Desta forma, o tema em questão se mostra pertinente para o momento que o

país atravessa em relação ao desenvolvimento das atividades de inteligência, no que

acreditamos que trará maior transparência e legitimidade para os organismos de

inteligência.

Apenas com a disposição de uma legislação clara e completa pode-se

assegurar o desempenho e o desenvolvimento de atribuições e ações sem invadir ou

ferir os direitos e garantias fundamentais da pessoa e da coletividade. Esperamos, com

isso, ao menos abordar a temática de forma crítica, permitindo a abertura de uma maior

discussão nos meios acadêmicos e na sociedade em geral, objetivando-se o

aperfeiçoamento e o crescimento de uma atividade de inteligência que atenda os

princípios constitucionais e legais, e ao mesmo tempo consiga garantir a defesa do

Estado e da sociedade.

O trabalho apresenta, inicialmente, a origem da palavra inteligência, seus

diversos campos de aplicação em várias ciências, obviamente com significados

Page 16: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

15

diferentes. Entretanto, focamos o termo inteligência enquanto atividade imprescindível

e exclusiva do Estado na proteção do cidadão e da sociedade, garantindo-se, ainda, a

soberania com a aplicação de políticas públicas voltadas à defesa e ao interesse

nacional.

Antes de apresentarmos o conceito das atividades de inteligência, embora

não seja um dos objetos principais deste trabalho, permitimo-nos comentar sobre a

plausibilidade da utilização da atividade de inteligência na esfera privada, que, à luz de

nossa percepção, é atividade única e exclusiva do Estado.

Na sequência, apresentamos o conceito das atividades de inteligência, um

breve histórico desde o seu surgimento no Brasil, seus ramos e espécies, buscando

demonstrar a essencialidade e imprescindibilidade da sua existência para a

sobrevivência do Estado, enquanto ente jurídico capaz de garantir a sua própria defesa e

a proteção da sociedade que o integra.

Diante do que nos propomos a discutir, a estrutura da administração pública

tornou-se relevante, em virtude de que discorremos introdutoriamente sobre o

surgimento do Estado, desde o Absolutismo até o Estado Democrático de Direito,

passando por uma análise filosófica e procedimental do aparato estatal, eis que os atores

de inteligência se encontram inseridos nas atividades típicas de Estado.

Adiante, mencionamos as técnicas mais conhecidas e aplicadas nas

operações de inteligência, com um breve comentário sobre indevida confusão entres

estas e aquelas utilizadas na investigação criminal. Neste contexto operacional, fizemos

algumas observações dos limites de ação e riscos a que estão expostos os atores de

inteligência, sempre direcionando o debate para a ausência de previsão legal para tanto.

Os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos mereceram

destaque neste estudo em razão da necessidade de analisá-los em contraponto com as

ações de busca das atividades de inteligência, haja vista que, para a operacionalização

de algumas atividades, princípios devem ser afastados, sobrepondo-se o interesse

coletivo sobre o individual e, para tanto, a proporcionalidade, enquanto princípio, nos

pareceu o mais coerente para a licitude das ações.

Ao final, propomos algumas sugestões que podem, de certa forma,

esclarecer a discussão. Entre elas, a normatização ampla das atividades de inteligência,

Page 17: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

16

mediante lei ordinária, em que fosse inserida uma estrutura organizacional adequada às

necessidades para o pleno exercício das suas finalidades, com um controle direto,

exercido tanto pelo Ministério Público como pelo Poder Judiciário. Para maior

embasamento da questão, analisa-se, a título comparativo, a atividade de inteligência

desempenhada na Espanha pelo Centro Nacional de Informação (CNI), que conta com

um controle dual exercidos pelo Congresso Nacional e pelo Poder Judiciário.

Antes de esmiuçar o tema, tentamos, de certa forma, padronizar alguns

conceitos já conhecidos e aplicados por estudiosos, doutrinadores e juristas, não sendo

objeto deste estudo a discussão de definições e classificações de inteligência,

administração pública, direitos e garantias fundamentais. O método hipotético-dedutivo

foi utilizado na contextualização do tema. Já para o desenvolvimento do estudo,

utilizou-se o método jurídico-dogmático.

Para a reflexão do problema de pesquisa, a ideia do princípio de

proporcionalidade foi fundamental na sua construção, servindo como marco teórico de

referência a doutrina de Pacheco (2007), para quem o tratamento desigual de situações

torna-se viável, haja vista que princípios não absolutos devem ser ponderados para

restabelecimento da igualdade.

No conflito entre a vontade da coletividade e o respeito aos direitos e

garantias fundamentais, emerge o princípio da proporcionalidade como dispositivo mais

coerente para aferir a legitimidade ou não das ações de busca que comprometam

algumas prerrogativas constitucionais. Essa situação complexa reflete-se no dilema

vivenciado pela máquina estatal, à qual é proibida qualquer manifestação de excesso –

desrespeito – em relação aos direitos fundamentais do indivíduo, mas, simultaneamente,

é vedada a deficiência ou ineficiência na prestação de serviços e na proteção dos

próprios direitos fundamentais coletivos contra forças alheias, sejam elas por parte de

indivíduos ou por parte de outras nações.

Neste sentido, Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 133) leciona: ―Seria

como se disséssemos que o princípio da proporcionalidade tanto veda o excesso de ação

quanto o excesso de omissão‖ (grifo do autor).

Diante da problemática do tema pesquisado, também utilizamos como

marco teórico referencial o princípio da legalidade, associado ao princípio da

Page 18: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

17

supremacia do interesse público sobre o privado, muito bem abordado por Maria Sylvia

Zanella Di Pietro (2002, p. 68-70). Por meio desses princípios, a autora correlaciona os

dois pilares da administração pública, quais sejam o princípio da legalidade e o da

supremacia do interesse público sobre o privado, com o princípio da proporcionalidade.

A partir de uma oposição entre a proteção aos direitos individuais frente ao

Estado e o dever de satisfação do interesse público pela própria administração pública, a

solução para um eventual conflito reside na análise da questão sobre os moldes da

proporcionalidade, enquanto princípio regulador da atuação estatal (DI PIETRO, 2002).

Ademais, o administrador público não pode prescindir da obediência às leis

na execução de seus atos administrativos, sob pena de invalidação destes atos que, desta

forma, não se revestirão da legitimidade resguardada pela conformidade do ato previsto

em lei. Nessa linha de pensamento, evidencia-se uma correlação direta entre os

princípios da proporcionalidade, da legalidade e da supremacia do interesse público

sobre o privado. Correlação esta que deve ser observada pelo Estado em todas as suas

ações e por todos seus agentes, objetivando a preservação do Estado Democrático de

Direito brasileiro e a defesa dos direitos e garantias individuais e coletivas.

Com argumentos eloquentes, Di Pietro (2002, p. 65) finaliza o tema nos

seguintes dizeres:

Assim, o Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas

idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao

Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios

do Estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos

interesses coletivos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para

a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos

individuais em benefício do bem-estar coletivo, quer para a prestação de

serviços públicos.

Daí a bipolaridade do Direito Administrativo: liberdade do indivíduo e

autoridade da Administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a

liberdade, sujeita-se a Administração Pública à observância da lei; é a

aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a

autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins,

são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a

supremacia do interesse público sobre o particular.

Page 19: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

18

2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

2.1 A palavra inteligência

Antes de qualquer definição legal ou doutrinária da atividade de

inteligência, deve-se fazer uma análise da palavra inteligência, direcionando-se ao

objeto do estudo.

Toda palavra tem uma construção histórica compreensiva e que a faça valer

no seu entendimento como aceita por um grupo de pessoas em um único sentido. A

palavra inteligência pode ser compreendida de formas diferentes por grupos diferentes,

como no caso das ciências, em que grupos de cientistas de áreas diversas a

compreendem, cada qual, dentro de seu campo de pesquisa.

O senso comum entende a palavra inteligência como a capacidade que o

indivíduo possui para raciocinar, planejar, resolver problemas, abstrair ideias e

aprender. O conceito de inteligência, aqui, é bem amplo, e muitas vezes, relacionado a

uma característica específica de cada um, condizente à sua personalidade.

(WIKIPÉDIA, 2010)

Por outro lado, a psicologia, enquanto ciência que estuda o comportamento

e os processos mentais do indivíduo, associa a palavra inteligência a uma capacidade

desenvolvida pelo homem que o torna apto a verbalizar ideias, compreender instruções,

resolver problemas, e adaptar-se a novas situações. Diferentemente do senso comum, a

filosofia não vê a inteligência como fator integrante da personalidade do homem.

(VIANNA, 2010)

De acordo com Carvalho (1994) em exposição no Seminário de Filosofia, o

conceito da palavra inteligência não quer dizer a sagacidade de resolver problemas, a

habilidade matemática, a imaginação visual, a aptidão musical ou qualquer outro tipo de

competência em especial. Quer dizer, da maneira mais geral e abrangente, ―a

capacidade de apreender a verdade.‖

Para nós, pesquisadores do assunto, a palavra inteligência também possui

um significado especial, voltado basicamente às informações capazes de subsidiar os

tomadores de decisões no interesse e proteção do Estado e da sociedade.

Page 20: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

19

2.1.1 Significados da palavra inteligência

Abaixo, seguem alguns significados da palavra inteligência e intelligence

segundo renomados dicionários da língua portuguesa e inglesa.

A palavra intelligence, consoante o dicionário eletrônico Dictionary.com,

(2010), seria:

4) knowledge of an event, circumstance, etc., received or imparted; news;

information.2

5) the gathering or distribution of information, esp. secret information.3

6) Government.

a) information about an enemy or a potential enemy.

b) the evaluated conclusions drawn from such information.

c) an organization or agency engaged in gathering such information: military

intelligence; naval intelligence. 4

7) interchange of information: They have been maintaining intelligence with

foreign agents for years.5

O dicionário eletrônico Cambridge (2010), por sua vez, define intelligence

como ―2) secret information about the governments of other countries, especially enemy

governments, or a group of people who collect and deal with this information.‖6

Por outro lado, o dicionário Oxford (2010) caracteriza intelligence como ―3)

the gathering of information of military or political value.‖7

O dicionário eletrônico Longman (2010) conceitua intelligence como: ― 2 a)

information about the secret activities of foreign governments, the military plans of an

enemy etc; b) a group of people or an organization that gathers this information for

their government.‖8

O dicionário Macmillan (2010) não desvirtua dessa ótica, e associa

intelligence a:

2 4) o conhecimento de um evento, circunstância, etc., recebido ou transmitido; notícia; informação; [Tradução

Nossa]. 3 5) coleta ou distribuição de informação, especialmente informações sigilosas; [Tradução Nossa]. 4 6) Governo, a) informações sobre um inimigo ou em potencial para sê-lo; b) a avaliação das conclusões extraídas

dessas informações; c) uma organização ou agência envolvida na coleta de informações como: inteligência militar,

inteligência naval; [Tradução Nossa]. 5 7) intercâmbio de informações: eles tem sido a manutenção da inteligência com agentes estrangeiros por anos

[Tradução Nossa]. 6 2) Informações secretas sobre o governo de outros países, especialmente dos governos inimigos, ou de um grupo de

pessoas que coletam e lidam com essa informação [Tradução Nossa]. 7 3) A coleta de informações de valor militar ou político [Tradução Nossa]. 8 2a) Informações sobre as atividades secretas de governos estrangeiros, os planos militares de um inimigo, etc; b) um

grupo de pessoas ou uma organização que reúne as informações para seu governo [Tradução Nossa].

Page 21: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

20

2) information collected about the secret plans and activities of a foreign

government, enemy, etc.9

3) a government organization that collects information about the secret plans

and activities of a foreign government, enemy, etc.10

Na página da Merriam-Webster dictionary (2010), intelligence é concebida

como: ―4) information concerning an enemy or possible enemy or an area; also : an

agency engaged in obtaining such information.‖11

Observando-se os dicionários brasileiros de língua portuguesa, o dicionário

Aurélio (2008) define inteligência como: ― [...] 5) ajuste, conluio, relações secretas.‖

O dicionário Michaelis (2009), por seu turno, considera inteligência: ―[...] 7)

serviço de informações.‖

Percebe-se claramente a inexistência de qualquer correlação que possa,

mesmo que de forma distante, aceitar a possibilidade da utilização da atividade de

inteligência na esfera privada. Afirmamos: a atividade de inteligência deriva e é

exclusiva de Estado e, portanto, somente pode estar estruturada e organizada dentro do

aparato estatal, o que passaremos a analisar adiante.

2.1.2 Etimologia da palavra inteligência

Analisar a origem e história da palavra nos faz perceber a sua relevância.

Carneiro (2008), em seu artigo ―As múltiplas inteligências e inteligência musical‖, nos

traz a origem da palavra inteligência, assim descrevendo:

De um ponto de vista etimológico a palavra inteligência arremete para o latim

(intelligentia); e se forçarmos um pouco poderemos ver, também, uma

influência grega: podemos dizer que a palavra é composta pelo prefixo "in"

acrescido de "telligentia".A possível influência grega aparece entre "in" e

"gentia", numa possível referência a "telos", que em grego tem o significado

de "à distância". Isso juntado dá a idéia de que o ser humano é aquele animal

capaz de se colocar à distância de uma realidade a fim de ver-lhe o interior;

ou então a capacidade de colocar-se separadamente, à distância, de uma

realidade para lhe perscrutar o interior, visto que "in" é o prefixo de "parte

interna" e "ligentia" pode ser entendido como leitura. No dicionário (Aurélio,

1975) além de capacidade de aprender, perceber, interpretar, aparece a

9 Informações coletadas sobre os planos secretos e as atividades de um governo estrangeiro, inimigo, etc. [Tradução

Nossa]. 10 Uma organização governamental que coleta informações sobre os planos secretos e as atividades de um governo

estrangeiro, inimigo, etc. [Tradução Nossa]. 11Informações sobre um inimigo ou em potencial para sê-lo ou uma área; também: uma agência envolvida na

obtenção de tais informações [Tradução Nossa].

Page 22: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

21

capacidade de penetração e perspicácia. O que nos arremete, também, para

dentro das realidades.

2.1.3 Atividade de inteligência: exclusividade do Estado

Historicamente, a inteligência enquanto atividade surge da necessidade de

conhecimento prévio de ocorrências futuras, plausíveis de acontecimento, sempre

vinculada a líderes e no interesse de certa comunidade ou governo e, portanto, associada

a uma atividade estatal, independentemente do regime governamental, seja ele

absolutista ou democrático. Não encontramos, em qualquer linha literária, a construção

histórica desta atividade vinculada à iniciativa privada, excepcionalmente quando

tratamos de atividades criminosas e de espionagem industrial.

Como aqui trataremos, dentre outros assuntos, sobre a legalidade da

aplicação das técnicas operacionais de busca nas atividades de inteligência, tendo o

agente público como referencial, não poderíamos deixar de avançar, ainda que

timidamente, no tema que debate a previsão de atividades de inteligência na esfera

privada.

Convém analisá-la essencialmente sobre sua viabilidade e possibilidade de

aplicação quando o assunto debatido foge às esferas governamentais, do interesse

público e da sociedade, ou seja, para fins de Estado.

Percebemos, pela leitura, que alguns legisladores, doutrinadores e

professores constantemente difundem a possibilidade da utilização das atividades de

inteligência na esfera privada, inclusive defendendo a edição de leis específicas para

tratar desta atividade no âmbito privado. Discordamos deste posicionamento, diante das

considerações apresentadas na sequência.

Não há que se falar no desenvolvimento das atividades de inteligência sem a

efetiva aplicação de técnicas operacionais capazes de buscar e coletar dados, sejam eles

negados ou não, objetivando assessorar o tomador de decisões, não importando em que

nível hierárquico este possa estar dentro de uma organização.

Ora, a coleta e a busca de dados que possam estar disponíveis diretamente a

qualquer interessado nas denominadas fontes abertas e que não necessitem da aplicação

de técnicas operacionais de inteligência pode ser desenvolvida por qualquer ser humano

Page 23: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

22

de compreensão mediana e, obviamente, sem a necessidade de uma formação específica

e um efetivo controle direto do Estado.

Este dado coletado por particulares em uma estrutura empresarial, apesar de

conter informações, relevantes ou não, a um superior hierárquico, não pode, a nosso ver,

ainda que devidamente processada, ser considerada uma atividade de inteligência.

Afirmamos isso categoricamente porque sua finalidade em nada sinaliza

para a proteção do Estado e da sociedade. A consolidação destes dados coletados nada

mais é que uma pasta de informações que podem ser utilizadas por aqueles que detêm o

poder decisório em uma determinada organização. Isso é portanto apenas uma técnica

administrativa que pode vir a demonstrar cenários projetivos ou prospectivos de

determinada atividade, tal como avaliar mercados ou comportamentos de consumidores

e investidores. Talvez, ao analisar uma circunstância específica, estes dados podem, de

certa forma, ser utilizados nas atividades de inteligência de Estado. Entretanto, desta

vez, serão obtidos por agentes públicos, investidos no cargo especificamente e com

atribuições bem delineadas.

Insistimos: tratar esta simples atividade de coleta de dados por particulares

como atividade de inteligência é banalizar a história. Seguindo neste pensamento

simplório e desprovido de uma construção histórica, aos poucos chegaremos a avaliar

que tudo é atividade de inteligência e que poderíamos aplicá-la nas diversas tomadas de

decisões, até mesmo no ambiente familiar. Apenas para complementar a ideia, teríamos

uma nova categoria: inteligência doméstica, no sentido mais restrito da palavra.

A situação se torna bem mais complexa e interessante se observarmos que

para a coleta e busca desse dado, negado ou não, os particulares passem a utilizar de

técnicas operacionais específicas da atividade de inteligência. Neste caso, certamente

irão, de alguma forma, esbarrar em direitos e garantias individuais e coletivos, hoje

amplamente assegurados pela Constituição Federal do Brasil.

Dessa forma, entendemos que é impossível se pensar em uma legislação

para regulamentar as atividades de inteligência na esfera privada sem que, com isso,

sejam desrespeitadas regras imprescindíveis ao bem estar social e já consolidadas em

um Estado que se preze, Democrático e de Direito.

Page 24: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

23

Sábio o legislador, ao analisarmos o Código Penal de 1940, que

criminalizou a conduta daqueles que ousam utilizar, na esfera privada, de meios

obscuros, e digam-se ilícitos e ilegais, para que sua empresa, seja qual for o ramo de sua

atividade, tenha maior projeção e aumento nos lucros em detrimento de seus

concorrentes de livre mercado. Situação esta que contraria direitos e garantias que nosso

Estado Democrático de Direito tenta assegurar a cada indivíduo.

Por outro lado, cabe às empresas adotarem medidas que visem a proteger

seu processo de conhecimento e o conhecimento já finalizado, até mesmo com a

orientação e supervisão do Estado, caso haja necessidade para tanto. Esta ação, afirme-

se, lícita e legal, não pode ser considerada uma atividade de contrainteligência

desenvolvida pelo particular. Neste caso refere-se apenas à medida de segurança em que

são adotados procedimentos comuns e diversos de técnicas operacionais típicas de

atividades de inteligência.

Vejamos alguns trechos inseridos em artigos publicados e que definem este

tipo de conduta como espionagem industrial.

Com base em Maila (2010), dito em seu artigo ―Espionagem industrial: da

guerra fria aos tempos atuais‖, podemos definir espionagem industrial como:

[...] a ação de pessoas ou grupos de pessoas, que no interesse próprio ou de

terceiros, tem como objetivo subtrair informações ou segredos comerciais. E

para tanto utiliza-se de variadas técnicas para se atingir o objetivo, como,

recrutando-se funcionários ou ex-funcionários, infiltrando agentes em postos

específicos, chantageando, interceptando comunicações de telefone, fax, e-

mails, etc. [...]

Atualmente, em razão da alta tecnologia, muito se tem discutido sobre a

espionagem industrial realizada por meios cibernéticos, sendo esta uma modalidade real

e que as empresas e órgãos da administração em geral devem estar atentos.

Percebe-se que a atividade de espionagem industrial aproxima-se, em

especial, da atividade de inteligência competitiva em relação aos objetivos e finalidades,

mas em muito se distancia desta última no que toca aos meios utilizados para cumpri-

los. Na realidade, a atividade de inteligência em geral deve revestir-se da legalidade

esperada para que direitos fundamentais não sejam desrespeitados arbitrariamente, o

que não ocorre em atividades de espionagem industrial.

Page 25: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

24

Nesse sentido, Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 64) sintetiza essa

ideia nos seguintes dizeres:

É um processo informacional proativo que conduz à melhor tomada de

decisão, seja ela estratégica ou operacional. É um processo sistemático que

visa descobrir as forças que regem os negócios, reduzir o risco e conduzir o

tomador de decisão a agir antecipadamente, bem como proteger o

conhecimento gerado. É diferente de espionagem, pois esta última é a busca

ou acesso não autorizado a dados, informações e outros conhecimentos

sensíveis, ou seja, é o uso de práticas ilegais para a obtenção de dados e

informações.

Em suma, inteligência competitiva não é espionagem, pois espionagem é o

uso de meios ilegais para coletar informações.

Finalizando esses breves comentários, acreditamos que esse é o momento

apropriado para pesquisadores, doutrinadores, professores e profissionais da atividade

de inteligência refletirem e debaterem mais profundamente sobre a utilização das

atividades de inteligência na esfera privada, sob pena de banalização do próprio

conceito de inteligência enquanto atividade de Estado.

No nosso país existe a necessidade de uma ampla divulgação e

convencimento da efetiva necessidade das atividades de inteligência no interesse do

Estado e da sobrevivência pacífica da própria sociedade. Para tanto, inúmeros passos

hão de ser trilhados, dentre eles a valorização da inteligência enquanto atividade típica e

exclusiva de Estado. Ao contrário, corremos o risco do alcance de seu descrédito,

quando utilizada fora da esfera governamental.

2.2 Conceitos: legal e doutrinário

2.2.1 Conceito legal

Consoante o Decreto nº 4.376/2002, que regulamentou a Lei nº 9.883/1999,

criadora do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), inteligência é:

[...] a atividade de obtenção e análise de dados e informações e de produção e

difusão de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, relativos a

fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo

decisório, a ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e

do Estado.

Page 26: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

25

Em outras palavras, o Estado entende a atividade de inteligência como um

conjunto de ações preventivas e repressivas que objetivam assegurar a ordem pública e

a segurança do cidadão. Esse conceito, porém, apresenta algumas variações em

discussões doutrinárias, o que veremos no tópico adiante.

2.2.2 Conceito doutrinário

Baseando-se na doutrina de Joanisval Brito Gonçalves (2005), inteligência

seria um conceito relacionado a:

[...] atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de

conhecimentos, dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações de

imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação

governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

Segundo o mesmo autor, o planejamento, a execução, a coordenação e o

controle das atividades de inteligência são fundamentais para assessorar o presidente da

República e outras autoridades estatais na tomada de decisões.

Muito próximo do raciocínio de Gonçalves, Francisco José Fonseca de

Medeiros (2009), em seu artigo ―A atividade de inteligência no mundo atual‖ considera

a inteligência como a atividade típica de:

[...] coletar os dados e produzir conhecimentos necessários, relatando-os a

quem couber decidir, que os avaliará e integrará aos outros fatores

necessários à decisão ou ao planejamento estratégico da organização.

Medeiros (2009) ainda faz a ressalva de que antes de se transmitir

conhecimentos aos dirigentes e tomadores de decisão, o órgão de inteligência deve

determinar o valor, a veracidade e a importância dos dados colhidos.

A Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva

(ABRAIC, 2010), por sua vez, define inteligência como:

[...] atividade especializada, permanentemente exercida com o objetivo de

produzir informação acionável (Inteligência) e de interesse à uma

determinada organização e a salvaguarda desta informação contra ações

adversas de qualquer natureza. O termo Inteligência encerra um tríplice

aspecto: (1) como atividade (2), como produto dessa atividade; (3) como área

habilitada a realizar essa atividade.

A ABRAIC insere em sua definição um contexto da inteligência voltado

para uma organização – interesse público e privado - e não para apenas a segurança do

Page 27: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

26

Estado e da sociedade (Lei n. º 9883/1999) onde existe somente o interesse público nas

ações. Percebe-se nitidamente que, pela conceituação da ABRAIC, se pretende ampliar

o alcance da atividade de inteligência para a área privada, no que discordamos,

conforme já dito e debatido anteriormente.

Observa-se, portanto, que a palavra inteligência, de acordo com a

abordagem do presente estudo, pode referir-se tanto à atividade de coleta, pesquisa e

salvaguarda da informação, como ao próprio conhecimento obtido por meio da

atividade, ou ainda, à área ou órgão que desempenha a atividade de inteligência.

Ao contrário do amplo conceito dado à inteligência pela ABRAIC, Suana

Guarani de Melo (2009), em sua participação no Fórum Brasileiro de Segurança

Pública, com o tema Atividade de inteligência: constitucionalidade e direitos humanos

apresenta uma definição mais delimitada. Para a autora, a inteligência :

[...] consiste no exercício permanente e sistemático de ações especializadas

para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever,

prevenir e reprimir quaisquer delitos ou aqueles relativos a temas de interesse

da Segurança Pública, numa atitude proativa e não somente reativa.

Cumpre ressaltar, a partir definição de Melo (2009), que a atividade de

inteligência não pode ser vista como um procedimento reativo a uma situação ou

problema. Ao contrário, é uma atividade proativa, que se destina a prever e antecipar

quais são os fatos e informações necessárias para se tomar uma decisão adequada a um

fato antes mesmo de ele ocorrer.

2.3 Breve histórico

Se o objetivo do presente trabalho fosse analisar o surgimento da atividade

de inteligência na civilização humana, observaríamos que ela existe desde os tempos

bíblicos, quando Moisés enviou espiões para lhe trazer dados sobre o que poderia ser a

"terra prometida". Também não se pode duvidar que a manutenção de vastos impérios

como o Romano e o Otomano contaram com vários espiões e verdadeiros agentes para a

proteção de seu governo contra a ameaça externa. Entretanto, o universo da atividade de

inteligência se modificou bastante nos últimos tempos, pois, assim como afirma José

Afonso de Medeiros (2009) ―nas últimas duas décadas, o número de informações

cresceu mais do que nos últimos 5 mil anos‖.

Page 28: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

27

Todavia, apesar da origem dessa atividade nos remeter a um passado bem

distante e de uma história significativa, o estudo em análise almeja focar sua reflexão na

atividade de inteligência nacional.

Segundo Medeiros (2009), a atividade de inteligência no Brasil tem início

no governo democrático do presidente Washington Luís, que instituiu em 1927, a partir

do Decreto nº 999 de 29 de novembro, o Conselho de Defesa Nacional. O Conselho,

órgão diretamente subordinado ao presidente da República, era constituído por todos os

Ministros de Estado e pelos Chefes de Estado - Maior da Marinha e do Exército, e seu

objetivo era suprir o executivo com informações estratégicas para a tomada de decisão.

A partir de 1937, o Conselho foi denominado, pelo então presidente Getúlio

Vargas, Conselho de Segurança Nacional; e em 1946, com o término da Segunda

Guerra Mundial, criou-se o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações -

SFICI, vinculado à estrutura do Conselho de Segurança Nacional. Nesse período,

marcado por um nacionalismo exacerbado incentivado pelo Governo, e por constantes

―ameaças‖ como o nazismo, por um lado, e o comunismo, por outro, a atividade de

inteligência ganhou grande destaque no Brasil. Dessa forma, em 1949, o Decreto nº

27.583, de 14 de dezembro, aprovou o Regulamento para Salvaguarda das Informações

de Interesse da Segurança Nacional.

No ano de 1958, o Decreto nº 44.489-A, de 15 de setembro, determinou que

o SFICI teria competência para superintender e coordenar as atividades de inteligência

que interessassem à Segurança Nacional. Na entrada do período militar, porém, essa

estrutura começa a se modificar. Em 1964, o Governo encaminha o projeto de Lei que

cria o Serviço Nacional de Informações, órgão símbolo da ditadura, reconhecido por

suas repressões e lesões aos direitos humanos. A página do Corpo de Bombeiros Militar

de Santa Catarina - CBMSC (2009) resume bem esse momento:

[...] em 13 de junho de 1964, através da lei n.o 4.341, foi criado o Serviço

Nacional de Informações. Em conseqüência, em 24 de setembro do mesmo

ano, o Decreto nº 54.303 alterou a redação do Regimento da Secretaria Geral

do Conselho de Segurança Nacional, aprovado pelo Decreto n.o 45.040, e

revogou os Decretos n.o 44.489-A e 46.508-A. Em 6 de agosto de 1965,

através da Circular n. 12, o Gabinete Civil da Presidência da República

recomendou às Seções de Segurança Nacional dos Ministérios Civis que

mantivessem estreita e permanente ligação com o SNI.

Page 29: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

28

Ainda sob os moldes ditatoriais, em 31 de março de 1971, pelo Decreto nº

68.488, foi criada a Escola Nacional de Informações (EsNI), diretamente subordinada

ao Ministro Chefe do SNI, com a finalidade de preparar, atualizar e especializar o

pessoal para exercer funções no SISNI. A escola entrou em funcionamento em 1972,

com a formação da primeira turma, prosseguindo suas atividades nos anos seguintes

com a organização de cursos regulares e estágios de curta duração.

Com o final da ditadura, o Brasil entrou em um período de transição para os

moldes democráticos. Consoante a própria página da Agência Brasileira de Inteligência

(ABIN, 2010):

[...]durante o governo do Presidente José Sarney,constituiu-se um grupo de

trabalho específico, com representações da Agência Central do SNI, e da

EsNI, que elaborou o manual de Informações do SNI, aprovado pela Portaria

nº 36, de 1989, redefinindo os conceitos doutrinários para as Informações no

Brasil. Concebeu-se assim um novo conceito para as atividades de

informações, cujo desdobramento se deu em duas vertentes básicas:

Informação - voltada para a produção do conhecimento; e Contra-Informação

- voltada para a salvaguarda do conhecimento.

Fernando Collor de Melo, seguindo suas promessas de campanha, extinguiu

o SNI, sinalizando uma grande reforma administrativa. A atividade de inteligência,

nesse momento, ficou a cargo da recém-criada Secretaria de Assuntos Estratégicos –

SAE, enquanto a EsNI passou a ser chamada de Centro de Formação e Aperfeiçoamento

de Recursos Humanos - CEFARH.

No entanto, com o impeachment do presidente Collor, a atividade de

inteligência nacional voltou a sofrer alterações. O novo presidente, Itamar Franco, criou

a Subsecretaria de Inteligência - SSI, tendo-lhe subordinado o Departamento de

Inteligência e o CEFARH, a partir da Lei nº 8.490, de 1992. Situação esta que não

permaneceu estável visto que, com o fim da Guerra Fria e, consequentemente, com a

prevalência da ótica capitalista sobre a comunista

[...] houve um novo redirecionamento de interesses no cenário político e

econômico mundial. Mudaram os inimigos e os alvos a serem alcançados. O

combate ao crime organizado, terrorismo, narcotráfico, biopirataria,

espionagem industrial e econômica e aos ilícitos transnacionais passaram a

constituir o escopo da atividade de inteligência no século XXI.[ABIN2010]

Ainda de acordo com a página da ABIN (2010)

[...] em 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso baixou a medida

provisória nº 813, cujo texto manteve a SSI subordinada à SAE, e ainda

Page 30: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

29

autorizava a criação da Agência Brasileira de Inteligência - Abin, autarquia

federal vinculada à Presidência da República. A nova entidade possuiria,

entre suas finalidades, a incumbência de planejar e executar atividades de

natureza permanente, relativas ao levantamento, coleta, análise de

informações, e executar atividades de natureza sigilosa, necessárias à

Segurança do Estado e da sociedade.

Para finalizar esse breve histórico sobre a atividade de inteligência no

Brasil, Fernando Henrique Cardoso instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência -

SISBIN e regulamentou a criação da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, por

intermédio da Lei nº 9.883 de 1999.

2.4 Funções

Como já dito antes, a atividade de inteligência é um procedimento de coleta,

pesquisa e salvaguarda de informações para auxiliar no processo decisório da nação. A

partir dessa simples definição, pode-se depreender que a função primordial da atividade

de inteligência é munir as autoridades governamentais do conhecimento necessário para

se tomar a decisão adequada no momento. Auxiliando o poder decisório do Estado, as

ações de inteligência estariam alcançando também objetivos secundários, quais sejam, a

manutenção da segurança pública contra eventuais ameaças, internas ou externas, e o

alcance do interesse público ou bem-comum.

Gonçalves (2009, p. 21) explica que a principal função da atividade de

inteligência é a:

[...] obtenção e análise de informações que venham a subsidiar o processo

decisório de diferentes níveis e atividades. Daí que praticamente tudo pode

ser objeto da análise de informações: questões de política externa, assuntos

internos, problemas estratégicos contemporâneos, temas fiscais, segurança

pública, produção industrial e agrícola, meio ambiente, epidemias e saúde

pública, política energética. De fato, onde houver planejamento e processo

decisório – e dados negados a serem obtidos sobre esses assuntos – a

atividade de inteligência – em suas diferentes modalidades – mostra-se útil.

O mesmo autor, complementando sua visão, ainda ensina que uma das

grandes funções das atividades de inteligência é garantir a preservação das instituições

democráticas.

Na mesma linha de pensamento a Associação Brasileira dos Analistas de

Inteligência Competitiva (ABRAIC) entende que a função primordial da atividade de

Page 31: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

30

inteligência é suprir as ―necessidades de conhecimentos para a decisão, identificadas

com base nos objetivos que compõem a necessidade dos usuários e que enquadram-se,

no todo ou em parte, na esfera de competência da Inteligência‖ (ABRAIC, 2009).

Em uma abordagem complementar, Francisco José Fonseca de Medeiros

(2009), no artigo ―Atividade de Inteligência no Mundo Atual‖, aloca à atividade de

inteligência a função de ―identificar as ameaças e oportunidades no ambiente externo e

as vulnerabilidades no ambiente interno da organização‖.

Para finalizar esse tópico, destacamos a função das atividades de

inteligência atribuídas pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Para este órgão

de inteligência nacional, o principal objetivo estratégico da atividade de inteligência é

―auxiliar no poder decisório do Governo, bem como desenvolver atividades de

Inteligência voltadas para a defesa do Estado Democrático de Direito, da sociedade, da

eficácia do poder público e da soberania nacional.‖ (ABIN, 2010).

2.5 Ramos

2.5.1 Inteligência stricto sensu

A inteligência stricto sensu constitui-se, ao lado da contrainteligência, como

um dos ramos das atividades de inteligência.

A inteligência stricto sensu, de acordo com Wilson Rocha de Almeida Neto

(2009, p. 28), consiste na

atividade permanente e especializada de coleta de dados, produção e difusão

metódica de conhecimentos, a fim de assessorar o usuário na tomada de uma

decisão relevante, com o resguardo do sigilo quando necessário para a

preservação da própria utilidade da decisão, da incolumidade da instituição

ou do grupo de pessoas a que serve.

Conclui o mesmo autor dizendo que a inteligência stricto sensu é parte

integrante de um processo de transformação de um simples dado em conhecimento útil,

preciso, avaliado e interpretado, numa concatenação de ações logicamente

sequenciadas.

Do mesmo modo, em seu artigo ―A inteligência estratégica e a defesa

nacional‖, Márcio Rocha (2009) entende ―a inteligência stricto sensu como dados e

informações nas mais variadas áreas do conhecimento e dos assuntos de interesses do

Page 32: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

31

Estado que a desenvolve.‖ Ainda, segundo ele, ―servem como suporte direto e decisivo

nas decisões políticas e estratégicas de mais alto nível do Estado‖ (ROCHA, 2009).

Denilson Feitoza Pacheco (2005), no artigo ―Atividades de inteligência e

processo penal‖, por seu turno, define a inteligência stricto sensu como a simples

―produção de conhecimento, que é documentado e disseminado na forma de relatórios

de inteligência, a saber informe, apreciação, informação e estimativa‖.

A partir dessa série de significados, podemos definir, sintética e

objetivamente, a inteligência stricto sensu como a produção de conhecimento para

auxiliar o poder decisório da máquina estatal, definição esta que está de acordo com a

concepção da Lei nº 9883/1999.

2.5.2 Contrainteligência

Ao contrário da inteligência stricto sensu, a contrainteligência corresponde,

consoante as palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 57), à ―atividade de

detecção, identificação, avaliação, prevenção, obstrução, exploração e neutralização das

ameaças, internas e externas, às suas áreas, instalações, pessoas e interesses, inclusive

provenientes de inteligência adversa‖.

Continua o autor dizendo que a contrainteligência é

[...] tradicionalmente dividida em dois setores: a segurança ativa e a

segurança orgânica. A primeira abrange as medidas e ações pró-ativas, de

maior poder vulnerante, destinadas a detectar, avaliar, identificar, explorar e

neutralizar as ameaças à organização. A segurança orgânica, por sua vez,

traduz as medidas e ações de cunho propriamente defensivo, ou seja, aquelas

destinadas à prevenção e obstrução das ameaças‖. [ALMEIDA NETO, 2009,

p. 57]

A Escola Superior de Guerra (1976, p. 557), citado por Gonçalves (2008, p.

163), na mesma linha de pensamento, define contrainteligência como um aspecto da

atividade de inteligência que engloba um conjunto de medidas destinadas a neutralizar a

eficiência dos serviços de inteligência adversos, salvaguardar os segredos de interesse

da Segurança Nacional, bem como identificar as agressões à população.

A ideia de contrainteligência é complementada por Pacheco (2005) também

no artigo ―Atividades de inteligência e processo penal‖, referindo-se à mesma como

―proteção dos dados, informações e conhecimentos de uma instituição, por meio da

Page 33: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

32

segurança do pessoal, segurança da documentação e material, segurança das áreas e

instalações, e segurança dos sistemas de informações – comunicações e informática‖.

O Decreto nº 4.376/2002, por meio de seu art. 3º, considera a

contrainteligência como:

[...] a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a

inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à

salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da

segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os

retenham ou em que transitem.

Com todos estes significados, podemos definir, sinteticamente, a

contrainteligência como a atividade voltada à neutralização da inteligência adversa.

2.5.3 Distinção entre a atividade de inteligência e contrainteligência

De maneira simples, pode-se vislumbrar algumas diferenças entre a

inteligência stricto sensu e a contrainteligência. Enquanto a primeira visa precipuamente

a produzir um conhecimento de grande valia para o poder decisório das autoridades

estatais, a última objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar ações adversas que

ameacem a salvaguarda dos dados, conhecimentos, áreas e instalações, pessoas e meios

de interesse da Nação.

Em outras palavras, poder-se-ia conceber a inteligência e a

contrainteligência como os dois lados da mesma moeda, visto que à primeira seria

atribuída a produção de conhecimento, e à segunda, a proteção desse mesmo

conhecimento. Deste modo, mesmo com a existência de uma sutil distinção, ambas

possuem características com finalidades proativas, ou seja, buscam a antecipação de

acontecimentos relevantes, com a prospecção de cenários, alicerçando a melhor tomada

de decisão.

Outra diferença que pode ser depreendida é que a inteligência stricto sensu

remete suas atenções ao âmbito interno (produção de conhecimento para o poder

decisório da nação), e a contrainteligência canaliza suas energias para a esfera externa

(proteção do conhecimento produzido da inteligência adversa).

Page 34: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

33

2.6 Categorias da atividade de inteligência

A atividade de inteligência é composta por diversas categorias, as quais

caracterizaremos neste tópico. Distinguem-se, antes de tudo, pela sua área de atuação,

bem como pelos objetivos e objeto específico procurado por essas atividades.

Classificamos a atividade de inteligência em categorias: inteligência policial,

competitiva, fiscal, de Estado, militar, econômica, de comunicação, financeira, e

estratégica.

a) Inteligência policial: atividade de inteligência que busca dados e

informações relevantes que possam auxiliar no serviço policial, como conhecimento

sobre grupos, bandos quadrilhas, condições sociais, entre outros. Joanisval Brito

Gonçalves (2009, p. 24-45) possui uma definição precisa, em que considera a atividade

de inteligência policial como aquela que

[...] atua na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das ações

criminosas, com vistas à investigação policial e ao fornecimento de subsídios

ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos processos judiciais. Buscam-

se informações necessárias que identifiquem o exato momento e lugar da

realização de atos preparatórios e de execução de delitos praticados por

organizações criminosas, obedecendo-se aos preceitos legais e

constitucionais para a atividade policial e as garantias individuais.

b) Inteligência competitiva: seria a transformação de dados e informações de

inteligência de cunho empresarial e que protegem as empresas de atividade adversa e as

auxilia na competição. Pode ser entendida como

[...] o conjunto de ações sistematizadas de busca; que visa descobrir as forças

que regem os negócios; de análise e de disseminação; das informações úteis

aos tomadores de decisão das organizações e proteger o conhecimento

gerado. É um processo proativo que conduz à melhor tomada de decisão,

seja ela estratégica ou operacional. O objetivo maior da Inteligência

Competitiva é agregar valor à informação, buscando o crescimento

organizacional [VELLOSO, 2007].

No tocante a esta categoria doutrinariamente discutida, já externamos nosso

pensamento no item 2.1.3 deste trabalho, no qual discorremos que, enquanto atividade,

a inteligência é típica e exclusiva de Estado.

Ressalte-se, como já feito, o alerta de Wilson Rocha de Almeida Neto

(2009, p. 64) no sentido de que não se concebe a atividade de inteligência competitiva

como espionagem, ―pois esta última é a busca ou acesso não autorizado a dados,

Page 35: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

34

informações e outros conhecimentos sensíveis, ou seja, é o uso de práticas ilegais para a

obtenção de dados e informações‖.

c) Inteligência fiscal: acolhemos a posição de Joanisval Brito Gonçalves

(2009, p. 24-45) a qual associa inteligência fiscal à

[...] atividade voltada à identificação de delitos contra a ordem tributária e à

produção de conhecimentos relacionados ao tema. A inteligência fiscal atua

na busca do dado negado, ou seja, daquilo que o contribuinte deixou de

declarar e que, na realidade, envolve as maiores quantias em dinheiro.

Mais detalhada, porém, está a definição do tema no artigo ―Bem-vindos à

era do conhecimento: foi instituído o sistema de inteligência fiscal‖, de Roberto Dias

Duarte (2009), que indica essa atividade como

[...] o exercício sistemático de ações especializadas, visando à obtenção,

análise, difusão tempestiva e salvaguarda de dados e conhecimentos, com as

seguintes finalidades:

1) assessorar as autoridades fazendárias, nos respectivos níveis e áreas de

atribuição, no planejamento, na execução e no acompanhamento das ações da

fiscalização, bem como no aperfeiçoamento da legislação tributária e das

políticas internas de segurança;

2) detectar e combater a fraude fiscal estruturada;

3) subsidiar os órgãos responsáveis pela persecução penal no combate aos

crimes contra a ordem tributária, de lavagem de dinheiro e de outros

correlatos.

d) Inteligência de comunicações: é o resultado da atividade de

interceptação, decodificação, tradução e análise das comunicações e informações

obtidas via canais telefônicos, código Morse, telex ou fac-símile, via cabo ou satélite.

Assim como afirma a página da ABRAIC (2009), o ―[...] ponto crucial aqui é o acesso

direto ao conteúdo das mensagens, seja ele cifrado/codificado ou não.‖

e) Inteligência de Estado: sinteticamente, é a atividade voltada para a defesa

direta do Estado, de sua sociedade e de sua soberania nacional. Joanisval Brito

Gonçalves (2009, p. 24-45) possui uma definição mais precisa, a qual associa

inteligência de Estado como atividade que

[...] busca informações, processos e organizações relacionados à produção de

conhecimentos, tendo por escopo a segurança do Estado e da sociedade, e

que constituem subsídios ao processo decisório da mais alta esfera de

governo. Divide-se em duas subcategorias: Inteligência Externa e Inteligência

Interna.

Page 36: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

35

Inteligência externa: aquela voltada à identificação de oportunidades e

ameaças relacionadas às capacidades, intenções e atividades de pessoas, grupos ou

Estados estrangeiros, bem como de organizações internacionais e transnacionais. Assim,

a inteligência externa está estreitamente vinculada à defesa nacional e à política externa

de um país (GONÇALVES, 2009, p. 24-45).

Inteligência interna: tem a ver com a informação voltada à segurança do

Estado, de suas instituições e da sociedade, relacionada a ameaças no interior do

território nacional. Entre as ameaças que são objeto da atenção da inteligência interna

estão a subversão, espionagem, violência politicamente motivada, instabilidade

econômica, política e social etc. A Escola Superior de Guerra (1976, p. 504), citado por

Gonçalves (2008, p. 163) melhor define essa modalidade de inteligência de Estado

como aquela que ―visa à obtenção de conhecimentos relativos ao próprio país, bem

como antagonismos reais ou potenciais e pressões existentes, com a finalidade de

orientar o planejamento e o acompanhamento da Política Nacional‖.

f) Inteligência econômica: tipo de inteligência que se preocupa com as

relações econômicas de um país em relação aos demais, bem como suas relações e as

informações que podem auxiliar na tomada de decisão e, consequentemente, gerar uma

vantagem competitiva. Conforme a ABRAIC (2009),

―[...] é a atividade de Inteligência exercida por órgãos do Governo cuja

finalidade é a produção de Inteligência para o desenvolvimento de vantagem

competitiva de um país, bem como a proteção das informações científicas e

tecnológicas sensíveis voltadas para a atividade produtiva‖.

g) Inteligência eletrônica: a ABRAIC (2009) compreende inteligência

eletrônica como a ―interceptação de diferentes tipos de sinais eletrônicos não

comunicacionais emitidos por aparelhos civis e militares. Esses sinais são armazenados

em arquivos de referência sobre as características técnicas de todo hardware envolvido

com aquele tipo e sinal‖. É um tipo de inteligência específico o qual exige de seus

profissionais um conhecimento técnico de aparelhos eletroeletrônicos e tecnologias

novas.

h) Inteligência militar: é a atividade de busca e coleta de informações

específicas pelas Forças Armadas, que tem por ―escopo o conjunto de informações

obtidas para subsidiar o processo decisório dos vários escalões das forças armadas‖

Page 37: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

36

(GONÇALVES, 2009, p. 24-45). Outra definição de inteligência militar é aquela

entendida pelo Ministério da Defesa do Brasil e apresentada pelo então General de

Divisão Aloísio Rodrigues dos Santos no Seminário Atividades de Inteligência no

Brasil contribuições para a soberania e a democracia (2002), citado por Gonçalves

(2009, p. 24):

Inteligência Militar: atividade técnico-militar especializada,

permanentemente exercida, com o objetivo de produzir conhecimentos de

interesse do Comandante de qualquer nível hierárquico e proteger

conhecimentos sensíveis, instalações e pessoas das Forças Armadas contra

ações realizadas ou patrocinadas pelos serviços de inteligência oponentes

e/ou adversos (IP30-01).

i) Inteligência financeira: atividade que reserva suas atenções para a coleta

e busca de dados financeiros que serão de grande valia para o poder decisório do

Estado. Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 24-45) a define como

[...] conjunto de ações de inteligência voltadas à identificação de delitos

financeiros, pessoas, organizações e informações a eles relacionados e

produção de conhecimento com vistas ao combate a esses ilícitos e

neutralização das atividades de pessoas e organizações.

j) Inteligência estratégica: inteligência estratégica constitui uma atividade

que lida com conhecimentos estratégicos, indispensáveis à segurança e ao bem estar de

uma nação. Nesse sentido diz-se que:

[...] no permanente monitoramento do ambiente externo ao Estado, a

Inteligência Estratégica constitui os olhos e os ouvidos do Estado, atuando

diretamente na defesa dos interesses da nação. Tendo a nobre tarefa de

identificar as fontes de potenciais ameaças aos interesses nacionais, cuja

origem possa situar-se no conflito de interesses com outros Estados ou

grupos hostis, a Inteligência Estratégica torna-se valioso instrumento de

assessoria para as decisões de nível estratégico [ROCHA, 2009].

2.7 A atividade de inteligência e a globalização

A história afirma que os séculos que compreenderam a Idade Média são

comumente reconhecidos como a Idade das Trevas, por seu obscurantismo em relação

às inovações e pelo domínio exercido pela Igreja Católica; enquanto seu contraponto é

visto no período subsequente, reconhecido como Século das Luzes justamente por haver

um renascimento de culturas antes desconsideradas (greco-romana), e por haver um

impulso significativo nas inovações tecnológicas e na nova concepção de Homem

Page 38: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

37

difundida (antropocentrismo). Se por um lado, na Idade Média, o bem mais valorizado

era a posse de terras, imersa em um sistema socioeconômico feudal, por outro, no

renascimento, conjugado às grandes navegações, a posição econômica e social era

definida de acordo com a riqueza produzida através da iminente atividade comercial.

Essas importantes mudanças também repercutiram no período posterior, eis

que com o estabelecimento dos Estados-Nação e com a consolidação da classe burguesa

no cenário ocidental, encontrou-se terreno fértil para o desenvolvimento de uma

próspera atividade industrial. Aqui, portanto, o bem mais valorizado era o produto

industrial e a posição social era definida de acordo com a dicotomia

empresário/empregado.

Entretanto, observando-se o atual século XXI, apesar da produção industrial

ainda exercer influência, não mais é considerada o bem de maior valor. O novo milênio

demonstra que todo o sistema organizacional da sociedade gira em torno de

informações, e a posição socioeconômica é definida consoante o indivíduo detenha ou

não o conhecimento necessário.

Logrando-se desse contexto, a posse de informações específicas é sinônimo

de poder em certo aspecto, valorizando-se e prosperando atividades como a de mídia e

de inteligência. O século XXI é reconhecido, pois, como o Século da Informação.

Todavia, não obstante a informação seja o bem de maior valia para a

sociedade contemporânea, deve-se entender esse processo antes e depois do fenômeno

da globalização.

Esse fenômeno é um dos processos de aprofundamento da integração

econômica, social, cultural, política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos

meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e início

do século XXI. Através deste processo, as pessoas, os governos e as empresas trocam

ideias, realizam transações financeiras e comerciais e espalham aspectos culturais pelos

quatro cantos do planeta. Está relacionado com a criação de uma rede de conexões, que

deixam as distâncias cada vez mais curtas, facilitando as relações culturais e

econômicas de forma rápida e eficiente.

É claro, portanto, que esse encurtamento de distâncias e a maior integração

entre pessoas e Estados permite uma maior difusão das informações, em especial com a

Page 39: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

38

popularização da internet. Como consequência natural desse processo, a procura e a

demanda por informações e dados crescem exponencialmente. E em decorrência dessa

maior integração e da maior facilidade de difusão da informação, a internet e outros

meios de comunicação são capazes de nos fornecer um volume inimaginável de

informações a livre acesso. A doutrina reconhece essas novas fontes, que surgiram e que

permitem o acesso à informação gratuita e facilmente, como fontes abertas.

Poder-se-ia vislumbrar, a partir dessa realidade, que a atividade de

inteligência, bem como a midiática, seriam otimizadas de tal forma que, como o acesso

às informações estaria mais fácil e simples, muitos dos dados que anteriormente não

tinham como ser conhecidos, poderiam, agora, estar em suas posses. Entretanto, essa

tendência não é observada na prática. De fato, apesar de aumentarem-se os meios para

se obter uma informação e apesar de essa procura informacional ter ficado visivelmente

mais fácil, também se aumentou o volume de informações inúteis e descartáveis. A

despeito da procura por dados ser mais simples, a busca por dados específicos e

necessários ficou extremamente difícil. Dessa forma, considerar que a globalização é

um estímulo ao desenvolvimento de atividades de inteligência constitui um mito, que

deve ser analisado em sua real perspectiva, e não superficialmente. Para ilustrar essa

ideia, John Peers (GASCÃO, 2008), escritor americano, proferiu algumas palavras de

grande sensatez: ―A informação que temos não é a que desejamos. A informação que

desejamos não é a que precisamos. A informação que precisamos não está disponível.‖

Portanto, na era da informação, com vasta quantidade de dados disponíveis,

o maior problema do analista ou agente ao lidar com fontes abertas é exatamente

identificar o que é relevante, processar toda essa informação e extrair daí um

conhecimento de inteligência. Lowenthal (2003, p. 80), citado por Gonçalves (2009, p.

94), sedimenta o pensamento quando afirma em seu livro Intelligence: from secrets to

policy que ―a maior desvantagem das fontes abertas é o seu grande volume [...] apesar

dos computadores terem ampliado a capacidade de manipular a informação, a

quantidade de inteligência derivada dessas fontes não cresceu na mesma medida‖.

A conclusão de que o século da informação estimulou exponencialmente a

atividade de inteligência é, no mínimo, inadequada e superficial. Tendo-se em vista que

o fenômeno da globalização permite um acesso mais fácil aos dados e nos fornece a

Page 40: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

39

cada segundo uma imensidão de informações, o conhecimento específico torna-se cada

vez mais difícil de ser devidamente encontrado.

Exige-se, pois, que as agências de inteligência preparem cada vez mais seus

servidores, de modo que essa atividade torne-se também profissionalizada e preparada

para encontrar as informações necessárias para seu governo, em meio a uma vasta

quantidade de dados e notícias.

Um olhar efetivamente crítico da globalização considera que ela é uma

condição histórica concreta permeada de dicotomias, e que tem acarretado um aumento

sem precedente nas demandas de inteligência.

A partir desse panorama crítico, abordamos outro questionamento de maior

relevância, cuja compreensão constitui o foco deste trabalho.

Conquanto o desenvolvimento tecnológico e informacional tenha

possibilitado a resolução de uma miríade de problemas humanos, até então insolúveis,

também se multiplicaram as ameaças aos direitos humanos e se incrementaram

determinadas potencialidades destrutivas.

O fato é que esse novo deslocamento de enfoque, com todos os seus

consectários (boom tecnológico, globalização, velocidade das mudanças, nova classe

econômica, valorização de bens intangíveis, entre outros), passou a reclamar de todo

decisor, seja no âmbito de uma empresa, seja na chefia de um Estado ou de uma

instituição voltada para o interesse público, novas ferramentas capazes de proporcionar

a tomada de decisões mais eficientes.

É nesse sentido que se torna mister o desenvolvimento de atividades de

inteligência, vistas, agora, não somente numa ótica bélica, mas num âmbito de

segurança de Estado, devendo, por isso, abarcar diversos ramos de atuação do governo e

da sociedade civil.

Ademais, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil,

promulgada em outubro de 1988, trouxe inúmeras mudanças que influenciam

diretamente na execução das ações de busca voltadas às atividades de inteligência,

essencialmente sob o prisma do alcance dos direitos e garantias individuais e coletivos

ali assegurados.

Page 41: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

40

Na falta de uma previsão constitucional da disposição de uma lei específica

que normatize como devem ser regulamentadas as atividades de inteligência, faz-se

necessária a proposta de uma norma jurídica adequada, diga-se lei, clara e objetiva, que

imponha limites nas ações de busca, para que estas não interfiram em direitos

fundamentais, e, ao mesmo tempo, proporcione segurança jurídica e certeza sobre as

condutas e atividades dos agentes de inteligência no desempenho de suas atribuições

específicas, tendo como finalidade a proteção do Estado e da sociedade.

Page 42: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

41

3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ATIVIDADE DE

INTELIGÊNCIA

3.1Breves comentários do surgimento da administração pública

Para se compreender melhor o surgimento da atividade pública, buscamos

conhecimentos de épocas remotas e, para tanto, nesta compreensão, os ensinamentos de

Sadeck et al (2006) no livro Os clássicos da política tornaram-se elucidativos.

Historicamente, o Homem se mostrou tendencioso e apto à criação de uma

estrutura que pudesse organizar e otimizar o desenvolvimento individual enquanto ser

humano, e coletivo enquanto sociedade. O desenvolvimento dessa estrutura culminou

no surgimento do Estado, uma instituição organizada política, social e juridicamente,

ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma Constituição

escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como

externamente.

O surgimento do Estado é tema de grandes controvérsias, encontrando-se

parte da doutrina que acredita no surgimento natural e simultâneo do Estado ao do

Homem (doutrina aristotélica), em contraposição àqueles que defendem a ideia de que o

surgimento do Estado é resultado de um processo racional desempenhado pelo Homem,

que sentiu a necessidade da existência de uma instituição capaz de organizar a

sociedade e fornecer segurança aos indivíduos (contratualistas).

Apesar das divergências filósofo-políticas, há uma essência comum nas

duas correntes: o surgimento do Estado, seja ele natural ou artificial, requer do Homem

a abdicação de alguns direitos e prerrogativas que ficam, a partir de então, a cargo da

máquina estatal. Na realidade, os próprios homens delegam poderes a representantes,

que serão responsáveis por assuntos referentes à coletividade e ao indivíduo enquanto

cidadão.

Essa atribuição de poderes não é, no entanto, absoluta, como imaginava o

famoso contratualista Thomas Hobbes, que sinalizava a existência de uma autoridade

suprema (o Leviatã), responsável pela administração do Estado e apto a realizar

qualquer medida ou ação. Ao contrário, como afirmam os demais contratualistas - entre

Page 43: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

42

os quais cumpre destacar Jean-Jacques Rousseau e John Locke - o Estado está a serviço

do Homem, enquanto representante do povo, que é quem realmente detém o poder

político. Dessa forma, o Estado não pode interferir em um núcleo ―duro‖ de direitos e

garantias, ditos fundamentais, e atribuídos a todo e qualquer homem.

Seguindo essa linha axiológica, o Estado Moderno consagrou o dever de

proteção e de não-interferência em relação a alguns direitos individuais (relacionados à

liberdade) e sociais (conquistas trabalhistas). Nesse diapasão, construindo a sociedade e

sua Carta Magna sob os pilares da democracia, o Estado Contemporâneo se logrou

como a mais complexa instância da administração pública, congregando direitos

individuais, coletivos e sociais em torno de um Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, o Estado contemporâneo, enquanto detentor do poder

delegado pela sociedade e, segundo Max Weber, detentor do monopólio do uso da

força, reivindica para si duas funções primordiais: A administração das ―coisas‖

públicas e o respeito pelos direitos fundamentais. Focaremos na primeira função

primordial, cuja análise é tema central desse capítulo. A segunda função, por seu turno,

será mais detalhada no capítulo 5.

3.2 Funcionamento da administração pública

Desde os primórdios coloniais, o Brasil, país recém descoberto, já

apresentava uma organização administrativa, obviamente com traços muito próximos da

mesma encontrada na nossa metrópole. À semelhança de Portugal, a divisão político-

administrativa do Brasil Colônia resumia-se na presença de Capitanias Hereditárias, que

se dividiam em comarcas; as comarcas em termos, sediados nas vilas ou cidades; os

termos separados em freguesia ou paróquia, circunscrições eclesiásticas que serviam

igualmente à administração civil. Essa divisão perdurou ainda por toda fase do Brasil

Império, em que as cidades e vilas eram divididas em freguesias, paróquias e capelas,

onde a Igreja Católica possuía funções de natureza administrativa, como assentamento

de registro civil, óbito e outras atividades de cunho notarial.

Essa situação só começa a se modificar com a efetiva independência do

Brasil, quando há o advento dos Estados nos moldes federalistas dos Estados Unidos. A

partir desse momento, cada ente federativo tem a legitimidade para legislar e atuar

Page 44: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

43

independentemente nas áreas de sua competência, previamente delimitadas pela Carta

Magna. Preserva-se, no entanto, a supremacia e a importância da Constituição Federal

sobre qualquer outro documento legal, tendo em vista o âmbito de competências e áreas

em que legisla.

A estrutura federalista se manteve até os dias atuais, e a administração

pública deve, portanto, se reportar tanto ao nível nacional como às esferas estaduais e

municipais. Passaremos, agora, a analisar brevemente a estrutura da administração

pública brasileira, cujo entendimento será necessário para que possamos nos focar no

funcionamento dos órgãos de inteligência nacionais.

A administração pública em sentido estrito deve ser entendida sob o sentido

subjetivo e objetivo. O primeiro nos reporta às pessoas jurídicas, órgãos e agentes

públicos que exercem a função administrativa, isto é, de gerir as ações e os bens

públicos. O segundo, por sua vez, se refere à atividade administrativa exercida por

aqueles entes. Em outras palavras, a administração pública é, em sentido subjetivo, o

conjunto de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas

coletivas públicas (tais como as autarquias locais) que asseguram a satisfação das

necessidades coletivas variadas, tais como a segurança, a cultura, a saúde e o bem estar

das populações. Objetivamente, porém, refere-se à atividade concreta e imediata que o

Estado desenvolve para assegurar os interesses coletivos.

Reforça-se, a partir do exposto, que a administração pública visa ao

interesse público, sendo subordinada a alguns princípios, dentre os quais cumpre

destacar: os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência.

Vale ressaltar que não é a administração pública que estabelece os fins do

Estado. Na realidade, esta é uma função da própria Constituição, que ao fixá-los,

apresenta-se como uma lei dirigente, composta de normas que os estabelece, assim

como metas, programas e diretrizes vinculantes e obrigatórias para o Estado e para os

cidadãos. À administração pública cumpre tão somente realizá-los, com o dever de ser

concreta, direta e imediata a sua atuação.

Page 45: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

44

Consoante os ensinamentos do professor Dirley da Cunha Júnior (2007, p.

4) ―A Administração Pública é, sem dúvida, a face do Estado que atua no desempenho

da função administrativa‖.

A atividade administrativa, ao contrário do que muitos leigos pensam, não é

monopólio do Poder Executivo. Na verdade, é uma atividade exercida pelos três

poderes. De fato, assim como afirma o mencionado professor

[...] embora o Direito Administrativo se volte, predominantemente, para o

Poder Executivo, uma vez que cumpre aos seus agentes, órgãos e entidades a

função típica de gerir negócios públicos de interesse imediato da

coletividade, prestando, assim, os serviços públicos e exercendo o controle

das atividades individuais que potencialmente possam afetar os interesses da

comunidade etc., é inolvidável que os Poderes Legislativos e Judiciário, por

meio de seus sujeitos administrativos, também desempenham certas

atividades administrativas, porém, como função atípica ou auxiliar destes

Poderes, necessárias para a realização de suas próprias funções essenciais,

atuando nesse âmbito, decerto, o Direito Administrativo [CUNHA JÚNIOR,

2007, p. 6].

Nesse momento, cabe distinguir função administrativa de função política

(ou de governo). Essa diferença nem sempre foi plenamente concebida pela doutrina e,

por muitas vezes, é causa de diversas confusões no entendimento dos leigos. É de

comum conhecimento o fato de que no sistema presidencial de governo o chefe do

Poder Executivo concentra as funções políticas (ou de governo) e de administração.

Dessa forma, as funções de governo e as funções administrativas são exercidas, no

âmbito do Executivo, pelo mesmo agente público: o presidente da República. No

entanto, apesar de serem realizadas pelo mesmo agente público, as funções de governo

se relacionam com a superior gestão da vida política do Estado, tanto interna como

externamente, enquanto a execução das diretrizes e planos governamentais fazem parte

da função administrativa.

A administração pública é regida por um conjunto extenso de princípios.

Esse arsenal normativo principiológico que conforma toda atividade administrativa é,

porém, sintetizado na forma de dois princípios preponderantes que funcionam como

pilares para a execução dos demais: o princípio da supremacia do interesse público

sobre os interesses privados e o princípio da legalidade.

Page 46: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

45

Ambos os princípios atribuem, por um lado, prerrogativas e direitos aos

sujeitos da administração pública, mas simultaneamente impõem sujeições ou restrições

a estes mesmos.

Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 10) complementa o assunto nos seguintes

dizeres: ―Os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público

representam, por assim dizer, os pilares da Administração Pública‖.

A partir desses dois pilares decorrem os demais princípios que regem a

administração pública, e que serão alvo de nossa análise adiante.

3.3 Princípios da administração pública

Antes de analisarmos detalhadamente os princípios de maior relevância para

a temática, deve-se salientar que os princípios são elementos de fundamental

importância para o desenvolvimento e para a resolução de litígios na esfera

administrativa. É justamente essa categoria de normas que permite à administração e ao

Judiciário estabelecer o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados e as

prerrogativas da administração. Para se ter uma ideia dessa relevância, Maria Sylvia

Zanella Di Pietro (2002, p. 67) afirma, em sua obra, que

[...] a Constituição de 1988 inovou ao fazer expressa menção a alguns

princípios a que se submetem a Administração Pública direta e indireta, a

saber, os pricipios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade

administrativa, da publicidade e eficiência (art. 37, caput, com redação

dada pela Emenda Constitucional nº19, de 4-6-98), aos quais a Constituição

Estadual acrescentou os da razoabilidade, finalidade, motivação, e interesse

público (art. 111) (grifo do autor).

Como já dito anteriormente, os dois pilares principiológicos que decorrem

dessa bipolaridade entre a liberdade (garantias) do indivíduo e a autoridade da

administração, enquanto membro do Estado, são os princípios da legalidade e da

supremacia do interesse público sobre o particular. A partir dessas duas normas gerais,

desenvolvem-se os demais princípios que regem a administração pública.

3.3.1 Princípio da legalidade

Consoante a doutrina de Di Pietro (2002, p. 62),

A administração pública pode submeter-se a regime jurídico de direito

privado ou a regime jurídico de direito público. A opção por um regime ou

Page 47: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

46

outro é feita, em regra, pela Constituição ou pela Lei. O que não pode é a

Administração pública, por ato próprio, de natureza administrativa, optar por

um regime jurídico não autorizado em lei; isto em decorrência da sua

vinculação ao princípio da legalidade.

Esse simples relato demonstra a importância do princípio da legalidade para

a atividade administrativa. Em um Estado de Direito, a administração só pode agir em

obediencia à lei, baseada nela e, até mesmo, limitada por ela. O princípio da legalidade

é uma decorrência natural do Estado de Direito, isto é, da submissão do governo e de

todos os seus atos à supremacia da ordem jurídica. Dessa forma, a atividade

administrativa só pode ser exercida em conformidade absoluta com a lei, sob pena de

invalidade e ilegitimidade.

Ainda sobre a norma geral da legalidade, vale ressaltar, como leciona Celso

Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 409),

Como é sabido, o liame que vincula a Administração à lei é mais estrito que o

travado entre a lei e o comportamento dos particulares.Com efeito, enquanto

na atividade privada pode-se fazer tudo o que nao é proibido, na atividade

administrativa só se pode fazer o que é permitido. Em outras palavras, nao

basta a simples relaçao de nao-contradição, posto que, demais disso, exige-se

ainda uma relaçao de subsunçao. Vale dizer, para a legitimidade de um ato

administrativo é insuficiente o fato de nao ser ofensivo à lei. Cumpre que seja

praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe sirva de

supedâneo.

Em suma, a norma deve autorizar o agir e o não agir dos agentes da

administração pública, justamente porque ela é integralmente subserviente à lei.

3.3.2 Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse

particular

Ao lado do princípio da legalidade, o princípio da supremacia do interesse

público sobre o particular é um dos pilares balizadores da atividade administrativa. Esse

princípio defende a ideia de que há uma hierarquia entre a vontade do indivíduo e a da

coletividade, e de que nessa graduação deve prevalecer a última.

Assim como o princípio da legalidade, o princípio da supremacia do

interesse público sobre o particular é uma consequência natural do Estado de Direito

Democrático, visto que, em um regime de governo em que prevalece a vontade do povo

como a verdadeira vontade do Estado, a supremacia do interesse público sobre o

Page 48: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

47

privado é pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam

sentir-se garantidos e resguardados.

Essa base exerce tanta influência para os atos administrativos que ao

defender a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência do

interesse público sobre o interesse do particular, o faz ao ponto de considerar-se como

condição essencial para assegurar o interesse do particular. Ou seja, para se satisfazer o

interesse do indivíduo, deve-se, antes, alcançar-se o bem comum.

Complementa Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32) que

A posição de supremacia é muitas vezes expressada através da afirmação de

que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares, ao

contrário da horizontalidade, típica das relações entre particulares. Isso

significa que o poder público se encontra em situação de comando e

autoridade relativamente em relação aos particulares, como indispensável

condição para gerir os interesses públicos postos em confronto.

3.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público

O interesse público representa a vontade de todos, enquanto cidadãos

individuais e sociedade como um todo. Essa vontade coletiva que personifica o interesse

público não está, porém, à disposição de qualquer um. É um interesse autônomo e não

subordinado a nenhum outro e a nenhuma pessoa. Até mesmo os agentes da

administração e suas autoridades nao têm disponibilidade sobre ele, tendo em vista que

lhes incumbe tão somente assisti-lo, no desempenho de um dever, vale relembrar,

legalmente previsto.

Conforme afirma Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32), ―na

Administração Pública, os bens e os interesses nao se acham entregues à livre

disposição da vontade do administrador. Ao contrário, cumpre ao administrador o dever

de protegê-los, nos termos da finalidade legal a que estão adstritos‖.

3.3.4 Princípio da impessoalidade

Qualquer Estado Democrático de Direito apoia-se na ideia de que os

cidadãos (administrados) devem possuir tratamento igual em qualquer situação e litígio.

O princípio da impessoalidade acata esse protótipo e sinaliza que a atividade

administrativa seja exercida de modo a atender a todos os administrados, ou seja, a

Page 49: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

48

coletividade, e não a um grupo específico em detrimento de outros, devendo apresentar-

se, portanto, de forma impessoal.

Sintetiza essa ideia Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32), dizendo que a

atuação impessoal da administração pública é

[...] imperativo que funciona como via de mão dupla, pois se aplica em

relação ao administrado e ao administrador. Assim, de referencia ao

administrado, a atividade administrativa deve ser necessariamente uma

atividade destinada a satisfazer a todos, de sorte que a Administração Pública

não pode atuar de forma a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas,

uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu

comportamento; já respeitante ao administrador, ela é imputada à pessoa

jurídica, jamais à pessoa física dos agentes públicos.

3.3.5 Princípio da moralidade

O princípio da moralidade nos remete à máxima de que nem tudo que é

legal (do ponto de vista da legalidade) é honesto.

Moralidade administrativa deve ser compreendida como

[...] um conjunto de valores éticos que fixam um padrão de conduta que deve

ser necessariamente observado pelos agentes públicos como condição para

uma honesta, proba e íntegra gestão da coisa pública, de modo a impor que

estes agentes atuem no desempenho de suas funções com retidão de caráter,

decência, lealdade, decoro e boa-fé [CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 11-32].

O princípio da moralidade almeja alcançar essa dignidade administrativa em

todos os atos da administração pública.

É importante frisar, todavia, que a moralidade não se confunde com a

legalidade administrativa. Isso acontece porque muitas vezes o ato administrativo pode

estar de acordo com todos os ditames legais, mas pode estar moralmente defasado, caso

não se baseie na ética e na boa-fé.

É posição firmada no Supremo Tribunal Federal (1ª T - ADI nº 3.978 - SC.

Rel. Min. Eros Grau) que o princípio da moralidade constitui-se como valor

constitucional que não só tenta guiar todas as ações do poder público pela boa-fé, mas

mostra-se como pressuposto de legitimação constitucional dos atos emanados do

Estado. Por conseguinte, qualquer ato administrativo que contrarie a moralidade

administrativa se revestirá de inconstitucionalidade e de invalidade.

Page 50: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

49

3.3.6 Princípio da publicidade

Por meio desse princípio, fica imbuída a ideia de que todo e qualquer

administrado tem o direito de possuir conhecimentos sobre os atos administrativos do

Estado. A partir dessa premissa, o administrador e a atividade administrativa devem ser

transparentes e visíveis. Ademais seus atos devem ser de conhecimento geral,

preparados para qualquer prestação de contas.

Desse princípio decorre o fato de que, como afirma o caput do art. 37 da

Constituição Federal,‖ todos têm o direito de receber dos orgãos públicos informações

de seu interesse particular ou de interesse coletivo‖ (CF/88, art 5º XXXIII).

3.3.7 Princípio da eficiência

Com base no princípio da eficiência, toda a atividade administrativa deve

valer-se de rapidez, perfeição e rendimento máximo para guiar suas ações. Em oposição

à burocracia, a atividade administrativa tem o dever de ser rápida, dinâmica e eficiente.

Vale ressaltar, porém, que à ideia de rapidez deve ser conjugada a

concepção de ser rentável, pois, de acordo com esse princípio, os administradores

devem atuar da forma menos onerosa possível e com a máxima produtividade. A partir

dessa fórmula, pode-se alcançar o princípio da eficiência.

A título conclusivo, o mesmo autor (2007, p. 11-32) administrativista ensina

que

O princípio da eficiencia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser

cosiderado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se

espera o melhor desempenho possivel de suas atribuições, para lograr os

melhores resultados; e pode também ser considerado em relaçao ao modo de

organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública, também com o

mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados no desempenho da

funçao ou atividade administrativa.

Mais adiante, no capítulo 5—Princípios e Direitos Fundamentais—tratamos

do tema com maior precisão e amplitude, em uma abordagem interligada com a

atividade de inteligência.

Page 51: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

50

3.3.8 Princípio da finalidade pública

A administração pública age e busca uma finalidade ou fim público que a

justifica enquanto atividade estatal. Este fim público é o resultado que se busca alcançar

com a prática dos atos administrativos, e que reside em satisfazer os interesses da

coletividade. A não determinação do ato em torno do bem ou fim público provoca a

invalidação do ato administrativo. A finalidade pública constitui-se também como um

limite à arbitrariedade do administrador porque vincula seu ato e está prevista em lei.

Celso Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 53), evidencia que esse

princípio

[...] impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu

encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é,

cumpre-lhe cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o

interesse público, mas também à finalidade especifica abrigada na lei a que

esteja dando execução. Assim, há desvio de poder e, em conseqüência,

nulidade do ato, por violação da finalidade legal, tanto nos casos em que a

atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública quanto

naqueles em que o fim perseguido, se bem que de interesse público, não é o

fim preciso que a lei assinalava para tal ato.

3.3.9 Princípio da presunção de legitimidade

A partir do princípio da presunção de legitimidade deve-se presumir que

toda a atividade administrativa está de acordo com as normas jurídicas em vigor, isto é,

está legitimamente em concordância com o ordenamento jurídico.

Conclusão óbvia dessa ideia é o fato de que em havendo violação do direito

do particular pelo Estado, o indivíduo é quem deverá demonstrá-la faticamente, pois,

como afirmamos, qualquer ação administrativa é presumida de legitimidade.

Não se pode pensar, entretanto, que a legitimidade do ato administrativo é

absoluta. Ela pode ser contestada pelo particular, desde que este prove o contrário. No

entanto, enquanto não comprovada essa ilegitimidade, o ato administrativo continua a

produzir efeito, justamente pela sua presunção de legitimidade.

3.3.10 Princípio da autotutela

Um interessante princípio é o da autotutela. De acordo com essa norma

geral, a revisão dos atos administrativos e de sua validade ficaria a cargo da própria

Page 52: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

51

administração pública, bem como o dever de corrigi-los. Dessa forma, evidencia-se que

o Judiciário não teria parte alguma nesse processo.

Precisa-se esclarecer, antes, que a atribuição de corrigir os seus próprios

atos quando contaminados por vícios de ilegalidade não se trata de uma faculdade, mas

de um dever. Dever este de restaurar a legalidade afetada pela consecução de um ato

ilegal.

Façamos das palavras de Dirley da Cunha (2007, p. 11-32) as nossas quando

este adverte que:

[...] esse controle interno que a Administração Pública pode exercer sobre os

seus próprios atos não é definitivo nem afasta o controle externo por parte de

outros orgãos. Não é definitivo porque ainda pode ser contrastado

judicialmente por quem se sentiu prejudicado com a revogação ou a

invalidação. Nem afasta o controle externo de outros orgãos porque o

Judiciário e o Legislativo, este inclusive com a auxílio do Tribunal de Contas,

podem fazê-lo no exercício de suas atribuições constitucionais.

3.3.11 Princípio do controle judicial dos atos administrativos

Qualquer ato administrativo pode ser alvo de análise do Poder Judiciário. É

de responsabilidade do Judiciário o controle de legitimidade tanto dos atos dos

particulares como dos atos da administração pública.

Esse controle dos atos administrativos não se limita aos parâmetros do

ditame da legalidade. É um controle mais amplo e baseia suas ações e medidas em todos

os princípios constitucionais, entre eles a legalidade.

Dessa forma, o Poder Judiciário controla as ações administrativas seja de

acordo com a legalidade auferida, seja quanto aos demais princípios constitucionais

como a proporcionalidade, publicidade, impessoalidade etc.

3.3.12 Princípio do devido processo legal, razoabilidade e proporcionalidade

O princípio do devido processo legal, da razoabilidade e da

proporcionalidade estão diretamente relacionados, e provocam o mesmo efeito frente

aos atos administrativos. De acordo com esse ditame legal, impõe-se que as entidades,

órgãos e agentes públicos, na execução da atividade administrativa, adotem meios que,

para a realização de seus fins, revelem-se adequados, necessários e proporcionais.

Baseado nas informações da obra de Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32),

Page 53: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

52

Um meio é adequado se logra promover, com sucesso, o fim desejado; é

necessário se, entre os meios igualmente adequados, apresentar-se como o

menos restritivo a um direito fundamental e, finalmente, é proporcional em

sentido estrito se as vantagens que propicia superam as desvantagens

causadas.

Por meio dessa norma geral, é possível limitar a atuação e qualquer ato

discricionário por parte da administração pública. Proíbe-se, com isso, a execução de

qualquer medida que seja desvantajosa, desarrazoada ou desproporcional.

3.3.13 Princípio da motivação

Todos os atos da administração pública devem ser plenamente

fundamentados, isto é, devem apresentar uma motivação que os justifique e lhes dê

legitimidade. É justamente essa ideia que é traduzida pelo princípio da motivação.

Essa característica é consequência natural da manutenção de um Estado

Democrático de Direito que prime pela manutenção dos direitos fundamentais e pelo

princípio da legalidade.

Não basta, entretanto, que a administração pública apresente um motivo

para cada ato. Ao fazer isto, ela submete e vincula cada ato aos limites impostos pelo

motivo exposto. Inexistentes os motivos, o ato fica vulnerável à possibilidade de

invalidação.

Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32) sintetiza esse princípio no seguinte

parágrafo:

No Estado Democrático de Direito não se concebe ato administrativo sem

motivação. Enfim, via de regra, o ato administrativo deve ser sempre

motivado, pouco importando que ele seja discricionário ou vinculado. A

motivação pode ser prévia ou contemporânea à expedição do ato.

3.3.14 Princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade

administrativa

O Estado, como entidade máxima de representatividade do poder dos

cidadãos, possui um dever para com esses, relacionado à prestação de alguns serviços

essenciais para o desenvolvimento pleno da sociedade e associado ao compromisso de

garantir e defender o rol de direitos fundamentais da pessoa humana. Dessa forma, a

atividade administrativa, enquanto membro gestor das ações e bens públicos, possui o

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53

dever e a obrigação de regê-los da melhor forma possível, objetivando, sempre, alcançar

o bem comum.

Observa-se, portanto, que a administração pública não possui liberdade de

atuação, nem mesmo escolher a situação que seja de sua alçada. Ao contrário, sempre

deverá agir, pois, em razão da legalidade que conforma toda a sua atuação. Essa

atividade torna-se obrigatória, ou seja, equivalente a um compromisso constitucional

firmado entre a administração e os administrados.

Esse corolário da obrigatoriedade pode também ser analisado sob outra

perspectiva no que tange à administração pública, entretanto, não enquanto princípio,

mas sob o prisma das relações no funcionamento da máquina estatal.

Na correlação entre os governantes e os governados, ou a administração e os

administrados, sejam eles servidores públicos ou não, evidencia-se uma relação de

verticalidade. Ao contrário das relações observadas entre os particulares, em que os

direitos e deveres são distribuídos ou devem ser distribuídos igualitariamente, não

havendo sobreposição de um em relação ao outro, nas relações entre o Estado

(administração pública) e o cidadão (servidor ou não) existe uma hierarquia que

favorece a máquina estatal em detrimento do particular.

Diante dessa situação, fica perceptível a presença da obrigatoriedade por

parte dos servidores públicos no cumprimento de seus deveres, estabelecidos em leis,

especialmente na obediência das ordens emanadas por seus superiores hierárquicos

desde que atendidos todos os preceitos éticos, morais e legais. Conforme vimos, há uma

hierarquia que privilegia o Estado e, consequentemente, a administração pública, em

descrédito do servidor público, enquanto indivíduo. Portanto, ao servidor público é

atribuído o dever e a obrigação de obedecer as ordens emanadas por seus superiores

enquanto ordens do próprio Estado, desde que, como já dito, atendidos todos os pré-

requisitos legais, morais e éticos.

3.3.15 Princípio da continuidade dos serviços públicos

Assim como estudado no princípio da obrigatoriedade, constitui-se dever da

administração pública a prestação dos serviços públicos. Conjugado ao princípio da

Page 55: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

54

continuidade dos serviços públicos, além de prestá-los, a administração também tem o

dever de disponibilizá-los aos administrados continuadamente, sem interrupções.

Com base na doutrina de Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32), ―[...] este

princípio impede a interrupção na prestação dos serviços públicos, que, enquanto

importante e essencial à atividade administrativa, não podem sofrer solução de

continuidade‖.

3.3.16 Princípio da igualdade dos administrados em face da administração

pública

Assim como o princípio da igualdade, corolário do Estado Democrático de

Direito, a administração pública apresenta um dispositivo que defende a igualdade entre

os cidadãos, ou, no caso, administrados. É por meio do princípio da igualdade dos

administrados frente à administração pública que todos os administrados, enquanto

destinatários da atuação administrativa, devem ser tratados igualmente.

Nesse sentido, vale ressaltar que a função do Estado é alcançar o bem

comum e, dessa forma, atingir uma situação de equilíbrio entre os cidadãos. Por

conseguinte, assim como afirma a máxima aristotélica, os administrados devem ser

tratados igualmente na medida em que se igualem (pois aqui, já há uma situação de

equilíbrio desejável) e desigualmente na medida em que se desigualem (visto que aqui o

Estado deve intervir para se alcançar essa situação de equilíbrio).

É importante frisar que é inadequado se cogitar em colocar em pé de

igualdade a administração pública e o administrado, pois o interesse daquela, por ser um

interesse público, via de regra deverá ter primazia sobre o interesse do particular.

Todavia, seus administrados devem possuir um tratamento isonômico, imparcial,

equânime e impessoal. O Estado não pode, pois, favorecer ou desfavorecer nenhum

deles em detrimento do outro.

O Estado, e, portanto, a administração pública deve tratar todos os

administrados igualmente, sempre visando à consecução do interesse público,

obedecendo, sempre, os limites impostos pelos ditames legais.

É válida, porém, a ressalva realizada por Dirley da Cunha Júnior (2007, p.

11-32) sobre as denominadas ações afirmativas ou cláusulas discriminatórias, pela qual

Page 56: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

55

[...] o fato de a lei, por si só, conter algum fator de discrímen, qualquer que

seja ele, não é suficiente para se considerar ofendida a cláusula da igualdade.

As leis podem discriminar [...]. Contudo, as discriminações legais, segundo

leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, só se coadunam com o dogma da

igualdade se existir uma pertinência lógica entre a distinção inserida na lei e

o tratamento distintivo dela conseqüente. [...]. É necessário, todavia, que essa

correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição

(grifo do autor).

3.3.17 Princípio da segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica funciona como uma espécie de garantia

para todos aqueles que consolidaram alguma relação jurídica ou um direito conquistado.

Desse modo, nenhum administrado que obteve um direito ou firmou uma

relação jurídica em tempo determinado, poderá ser afetado por algum ato discricionário

da administração pública que afete essa relação ou esse direito.

3.3.18 Princípio da responsabilidade do Estado

O princípio da responsabilidade do Estado é um dos pilares garantistas do

Estado Democrático de Direito. Assim como há o dever de um civil em reparar o dano

produzido a outrem, o Estado também possui a obrigação e a responsabilidade, perante

os administrados, por qualquer dano que lhes aflija. Em havendo culpa no dano

produzido, o Estado deve repará-lo ao administrado.

Finalizamos com as palavras do já citado administrativista Cunha Júnior

(2007, p. 11-32):

No Brasil, o Estado responde civilmente por seus comportamentos

administrativos tanto objetivamente como subjetivamente, com base,

respectivamente, numa relação causal entre esse comportamento e o dano e

na culpa administrativa (grifo do autor).

3.4 Atribuições do servidor público e do analista de inteligência

A Constituição Federal promulgada em 1988 por diversas vezes trata do

termo servidor público, objetivando indicar aqueles que prestam serviços, com vínculo

empregatício, à administração pública direta, autarquias e fundações públicas.

No entanto, assim como afirma Di Pietro (2002, p. 430-437), servidor

público é uma

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56

[...] expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as

pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da

Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos

amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade

jurídica de direito privado.

Continua a autora dizendo que

[...] há, ainda, pessoas que exercem função pública, sem vínculo empregatício

com o Estado. Daí a necessidade de adoção de outro vocábulo, de sentido

ainda mais amplo do que o servidor público para designar as pessoas físicas

que exercem função pública, com ou sem vínculo empregatício. De alguns

tempos para cá, os doutrinadores brasileiros passaram a falar em agente

público nesse sentido amplo [DI PETRO, 2002, p. 430-437].

De acordo com a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello (1993),

na qual não nos deteremos por não ser o foco deste trabalho, pode-se dizer que são

quatro as categorias de agentes públicos: 1) agentes políticos; 2) servidores públicos; 3)

militares; 4) particulares em colaboração com o Poder Público.

Os servidores públicos possuem uma série de direitos consagrados

constitucionalmente nos artigos 37 a 41, dentre os quais podemos destacar aqueles

voltados às férias, licenças, vencimentos ou remuneração e demais vantagens

pecuniárias, assistência, direito de petição, disponibilidade e aposentadoria. Conjugado

aos direitos a Constituição Federal de 1988 prevê também deveres dos servidores

públicos concernentes à assiduidade, pontualidade, discrição, urbanidade, obediência e

lealdade. Por óbvio, qualquer descumprimento de dever por parte do funcionário

público provocará uma reação do Estado, que determinará uma punição disciplinar.

Assim como direitos e deveres, o servidor público assume

responsabilidades, sejam elas civis, penais ou administrativas. Da mesma forma que um

cidadão qualquer, caso o servidor cause dano a outrem, aquele possui a responsabilidade

civil sobre o fato e é obrigado, consoante o art. 159 do Código Civil de 2002, a repará-

lo.

No entanto, cabe distinguir se o dano é causado ao Estado ou a terceiros. No

primeiro caso, o procedimento comum é que se realize um processo administrativo

cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme artigo 5º, inciso LV, da

Constituição, pelo qual, se comprovada a culpa do servidor, descontar-se-á o tributo

equivalente aos prejuízos de seus vencimentos. Caso o dano seja provocado a terceiros,

Page 58: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

57

a situação é regida pelo art. 37 da Constituição Federal, em que o Estado responde

objetivamente pelo dano causado pelo servidor, mas dispõe do direito de regresso

perante seu funcionário caso este tenha atuado com dolo ou culpa.

Administrativamente, o servidor público possui responsabilidade sobre

qualquer ilícito administrativo que venha a produzir, caso o provoque por dolo ou culpa.

Instaurar-se-á um processo administrativo para comprovar o dolo e, se comprovada a

infração, o servidor sofrerá punições disciplinares.

Ao contrário das infrações penais, que são plenamente tipificadas e

previamente descritas, as infrações administrativas carecem de precisão, salvo algumas

condutas. Dessa forma, evidencia-se um caráter discricionário nas decisões da

administração pública para definirem quais quando ocorrem as infrações

administrativas. Por esse motivo, reforça-se a importância do princípio da motivação na

administração, segundo o qual qualquer ato administrativo deve possuir um fundamento

legítimo que o justifique.

Em oposição à responsabilidade civil e administrativa do servidor, sua

reponsabilidade penal é averiguada pelo Judiciário. O servidor público responderá por

qualquer crime ou contravenção penal que provoque. A partir daí, será inaugurado um

processo penal que avaliará e comprovará a veracidade dos fatos, respeitando, sempre,

os direitos e garantias individuais.

Entretanto, apesar do servidor público e profissional de inteligência,

enquanto uma categoria especial de servidor público, possuírem as mesmas

responsabilidades, sejam elas civis, penais ou administrativas, e assemelharem-se

quanto a alguns direitos e deveres, não podem ser tratados da mesma forma. O

profissional de inteligência, como veremos, deveria possuir maiores garantias devido à

especificidade de seu serviço.

Com referência na Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o servidor público

federal, e consequentemente sobre o profissional de inteligência, são deveres do

servidor público federal, de acordo com o

Art. 116: [...] II – ser leal às instituições; III – observar as normas legais e

regulamentares (respeito ao princípio da legalidade); IV – cumprir as ordens

superiores, exceto quando manifestamente ilegais; XII – representar contra

ilegalidade, omissão ou abuso do poder.

Page 59: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

58

No mesmo sentido deste dispositivo federal, o próprio Código de Ética

funcional do servidor público de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2009) afirma serem,

no art. 1º, a fidelidade ao interesse público (inciso III) e o respeito à hierarquia

administrativa (inciso XI) valores que devem reger a conduta do servidor público. Além

disso, define, no art. 2º, o sigilo à informação de ordem pessoal (inciso V) e a atuação

em defesa de interesse ou direito legítimo (inciso VI) como direitos do servidor público.

O mesmo Código de Ética ainda determina que são deveres éticos fundamentais do

servidor público em Minas Gerais: VIII - respeitar a hierarquia administrativa, sem

temor de representar contra atos ilegais ou imorais; IX - resistir às pressões de

superiores hierárquicos, de contratantes, interessados e outros que visem a obter

quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas, em decorrência de ações ilegais ou

imorais, denunciando sua prática; XII - comunicar imediatamente a seus superiores todo

e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, exigindo as providências cabíveis;

XVII - facilitar as atividades de fiscalização pelos órgãos de controle. É vedado também

ao servidor, por meio do art. 6º do mesmo dispositivo legal, usar de artifícios para

procrastinar ou dificultar o exercício regular de direito por qualquer pessoa (inciso IV) e

fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em

benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros (inciso XIII).

No mesmo sentido, consoante o Plano Especial de Cargos da Agência

Brasileira de Inteligência (ABIN, 2010), no art. 26 da Lei nº 10.862/2004, indica que no

exercício das atividades do órgão de inteligência não pode o ocupante do cargo do Plano

Especial de Cargos recusar-se a desempenhar qualquer missão, desde que compatível

com suas atribuições legais. O plano define também as atribuições do analista de

informações, quais sejam:

I - planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar:

a) a produção de conhecimentos de Inteligência de interesse para o Estado e a

sociedade sobre a situação nacional e internacional;

b) as ações de salvaguarda de assuntos sensíveis, relativos aos interesses da

sociedade e do Estado;

c) as operações de Inteligência;

d) as atividades de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico,

direcionadas à obtenção e análise de dados e à segurança da informação;

e) o desenvolvimento de recursos humanos para a atividade de Inteligência;

II - desenvolver e operar sistemas e equipamentos necessários à atividade de

Inteligência.

Page 60: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

59

Finalizamos com as disposições do tema encontradas na página oficial da

ABIN (2010), à qual afirma que

Compete ao Oficial de Inteligência executar, coordenar, supervisionar e

controlar a produção de conhecimentos de Inteligência; as ações de

salvaguarda de assuntos sensíveis; as operações de Inteligência; as atividades

de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico direcionadas à

obtenção e análise de dados e à segurança da informação; e o

desenvolvimento de recursos humanos para a atividade de Inteligência. Além

disso, o Oficial de Inteligência tem a atribuição de desenvolver e operar

máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos, instrumentos, equipamentos e

sistemas necessários à atividade de Inteligência. Compete ao Agente de

Inteligência oferecer suporte especializado às atividades decorrentes das

atribuições do Oficial de Inteligência.

Em consonância com essas atribuições dos profissionais, a Lei nº

11.776/2008, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da

Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e cria as Carreiras de Oficial de Inteligência,

Oficial Técnico de Inteligência, Agente de Inteligência e Agente Técnico de

Inteligência, define algumas atribuições desses cargos:

Art. 8o São atribuições do cargo de Oficial de Inteligência:

I - planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar:

a) produção de conhecimentos de inteligência;

b) ações de salvaguarda de assuntos sensíveis;

c) operações de inteligência;

d) atividades de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico

direcionadas à obtenção e à análise de dados e à segurança da informação; e

e) o desenvolvimento de recursos humanos para a atividade de inteligência; e

II - desenvolver e operar máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos,

instrumentos, equipamentos e sistemas necessários à atividade de

inteligência.

Art. 9o É atribuição do cargo de Agente de Inteligência oferecer suporte

especializado às atividades decorrentes das atribuições definidas no art. 8o

desta Lei.

Art. 10. Os titulares dos cargos de Oficial de Inteligência e de Agente de

Inteligência poderão ser designados para prestar serviço no exterior, nos

termos da Lei no 5.809, de 10 de outubro de 1972, e legislação correlata,

conforme dispuser ato do Poder Executivo.

Art. 11. São atribuições do cargo de Oficial Técnico de Inteligência:

I - planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de

gestão técnico-administrativas, suporte e apoio logístico:

a) produção de conhecimentos de inteligência;

b) ações de salvaguarda de assuntos sensíveis;

c) operações de inteligência;

d) atividades de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico,

direcionadas à obtenção e análise de dados e à segurança da informação; e

e) atividades de construção e manutenção de prédios e outras instalações;

II - desenvolver recursos humanos para a gestão técnico-administrativa e

apoio logístico da atividade de inteligência; e

Page 61: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

60

III - desenvolver e operar máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos,

instrumentos, equipamentos e sistemas necessários às atividades técnico-

administrativas e de apoio logístico da atividade de inteligência.

Art. 12. É atribuição do cargo de Agente Técnico de Inteligência dar suporte

especializado às atividades decorrentes das atribuições definidas no art. 11

desta Lei.

3.4.1 Conflito entre as atribuições do analista de inteligência e os ditames

constitucionais.

Com base no exposto no tópico anterior, é de fácil percepção que a

quantidade de detalhes, atribuições, funções e deveres do servidor público comum é

vasta. Em contraposição a essa realidade, observa-se o fato de que o analista ou agente

de inteligência, que se pode considerar uma espécie de servidor público, não possui a

mesma quantidade de detalhes na caracterização de suas atribuições, funções e deveres.

Poder-se-ia dizer, como conclusão fática, que o legislador não vê a carreira de analista

de inteligência como uma profissão peculiar, diferente do servidor público comum, e

que, por isso, exigiria um tratamento especial na lei. Esse tratamento dado pela lei,

porém, é inaceitável e defasado, como veremos.

No entanto, convém sublinhar que as tarefas e funções realizadas pelos

agentes de inteligência apresentam uma relevância bem mais profunda para com a

Constituição do que as mesmas realizadas pelo servidor público comum. Isso porque

muitas das ações desempenhadas pelos analistas e agentes de inteligência entram em

conflito direto com preceitos fundamentais, os quais são defendidos pela Carta Magna

como cláusulas pétreas, acima de qualquer indivíduo, e, às vezes, acima do próprio

Estado.

Não são raras as vezes em que agentes da ABIN realizam ações ou aplicam

técnicas operacionais, a mando do Estado, vale dizer, e, todavia, desrespeitam direitos

fundamentais protegidos pela Constituição, como a intimidade, a inviolabilidade de

domicílio etc. Essa contradição vivenciada pelo agente ou analista de inteligência, em

que ou se respeita uma ordem superior que enseja o interesse público em uma questão

de segurança nacional, ou se respeita a Constituição e seus direitos fundamentais como

cidadão sujeito a punições, apresenta-se como consequência direta dessa defasagem na

Page 62: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

61

legislação em relação à carreira de agente de inteligência e, sobretudo, em relação às

técnicas operacionais utilizadas.

Nesse contexto, uma profissão como essa carece de um tratamento especial

da lei, que permeie as ações de inteligência de legalidade, proporcionalidade e

legitimidade. Somente a partir de um controle externo realizado pelo Poder Judiciário,

como veremos adiante, da descrição detalhada das técnicas operacionais que podem ser

utilizadas, e de uma especificação das atribuições do analista e agente de inteligência é

que se pode eliminar essa contradição, que há muito mitiga o desenvolvimento pleno de

uma atividade de inteligência própria e bem vista aos olhos da sociedade.

Page 63: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

62

4 OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA

4.1 Operações de inteligência

As agências de inteligência, como qualquer outro setor de ordem pública,

mantêm uma estrutura organizacional hierarquizada, dentro dos parâmetros

estabelecidos pela lei, por regulamentos internos, especificos de cada ordem.

No caso brasileiro, vários são os setores da administração pública que

desenvolvem atividades de inteligência e possuem, de certa forma, searas especializadas

para o seu desenvolvimento. A ABIN destaca-se nesse seguimento por desenvolver

exclusivamente atividades de inteligência, sendo sua estrutura delineada por leis e

decretos. No mesmo sentido, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras

(COAF) foi criado em razão de um acordo internacional celebrado por vários países, do

qual o Brasil é signatário, e constitui o órgão resposável pelas atividades de inteligência

financeira. É composto por vários órgãos, dentre eles a Polícia Federal e a Receita

Federal. Como em alguns outros setores, a estrutura de sua atividade de inteligência não

possui uma rigidez definida.

Outros órgãos da administração pública idealizaram setores internos de

inteligência, os quais se formaram da boa vontade de alguns de seus integrantes, que já

percebiam nesta atividade um importante instrumento de controle e administração,

como no caso do INSS exemplificadamente. A regulamentação da atividade de

inteligência nesse órgão, por exemplo, ocorreu mediante a elaboração e publicação de

atos administrativos internos e, portanto, não são decorrentes de uma lei que o crie em

sua estrutura e atribuições.

Toda agência de inteligência necessita de um setor voltado para o

desencadeamento das missões de inteligência, objetivando dar cumprimento às suas

atividades essenciais na coleta e busca de dados, negados ou não, utilizando-se de

técnicas operacionais específicas. Independentemente da denominação dada por cada

órgão, esse setor tem uma missão estritamente operacional, cabendo a ele apenas a

execução das ordens emanadas dos gestores das atividades de inteligência observando-

se, obviamente, o princípio da legalidade.

Page 64: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

63

Vários autores definem quais são as atribuições do setor que desenvolve as

operações de inteligência. De uma maneira geral é o setor responsável pelo

planejamento, execução, controle e coordenação das operações, com o emprego de

técnicas operacionais de inteligência na busca dos dados, negados ou disponíveis, e a

depender das circunstâncias de ações de contrainteligência, na neutralizaçao de ações

adversas. Há uma própria atribuição legal destinada ao departamento de operações de

inteligência da ABIN, conforme se observa no artigo 9º do Decreto nº 3493/2000.

4.1.1 Noção

Operações de inteligência seriam, simplificadamente, conforme opinião de

André Costa (SOARES, 2008), citado por Almeida Neto (2009, p. 58), um ―conjunto

de ações planejadas, com o emprego de técnicas operacionais e meios especializados

para a realização da busca‖. Esse conjunto de ações é de responsabilidade direta de um

departamento superior, a quem compete planejar, executar, controlar e coordenar

operações de inteligência.

Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 58) associa as operações de

inteligência como o conjunto de ações planejadas com o emprego de técnicas

operacionais e meios especializados para a realização da busca.

Vale citar também a visão de André Soares (2008), no artigo ―Luzes para a

Inteligência‖, que chama atenção para outros pontos de extrema importância das

operações de inteligência. Para ele,

[...] constituem o que há de mais sigiloso nos serviços secretos. Estas

possuem alto grau de compartimentação e sigilo, empregam verba sigilosa e

técnicas operacionais, além de se desenvolverem em condições especiais que,

se desvirtuadas, proporcionam acobertamento a todo tipo de ilicitude.

De fato, as operações de inteligência constituem o ponto mais crítico frente

aos direitos fundamentais, constitui o limiar extremo entre a legalidade e o desrespeito

às garantias individuais e coletivas. Por esse motivo, as operações de inteligência devem

estar legalmente amparadas, pois, caso contrário, o Estado Democrático de Direito

perde seu escopo e sua finalidade garantista.

Nesse mesmo sentido, Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 65-67) ensina

que as operações de inteligência correspondem ao

Page 65: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

64

[...] conjunto de ações técnicas destinadas à busca do dado negado. Trata-se,

sem dúvida, da atividade mais polêmica relacionada à inteligência, uma vez

que seus métodos envolvem, necessariamente, técnicas e ações sigilosas

como estória-cobertura, recrutamento, vigilância, fotografia operacional, uso

de meios eletrônicos, entre outros.

Finalizamos este tópico com a pertinente advertência de Denilson Feitoza

Pacheco (2005), que considera que as ―operações de inteligência não são uma panaceia

para ‗satisfazer‘ necessidades informacionais, razão pela qual devem ser

cuidadosamente sopesadas sua necessidade, adequação aos fins, viabilidade, custos e

riscos‖.

4.1.2 Ações de busca

Na atividade cotidiana do setor de operações de inteligência, a coleta e a

busca do dado são a essência de sua existência e, para tanto, as ações de busca, com a

aplicação de técnicas operacionais, tornam-se imprescindíveis. São atividades que

possuem elevado grau de compartimentação e sigilo, em que se empregam verbas

sigilosas e, para o seu desenvolvimento, condições especiais devem ser estabelecidas

para proporcionar segurança ao ator de inteligência.

De acordo com a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública

(DNISP, 2007), ação de busca é um conjunto de ações ―executado para obtenção de

dados protegidos e/ou negados de difícil acesso e que exige, pelas dificuldades e/ou

riscos, um planejamento minucioso, um esforço concentrado e o emprego de pessoal,

técnicas e material especializados". Sinteticamente, as ações de busca constituem a uma

atividade sigilosa voltada para a obtenção de dados não disponíveis e protegidos.

Nesta linha de raciocínio, percebemos que o setor de operações de

inteligência é o mais vulnerável na estrutura da agência de inteligência, eis que, para o

desempenho de suas atribuições, utiliza-se do disfarce, da infiltração, da entrada, da

estória cobertura, do recrutamento operacional, da vigilância, entre outros. Isto é,

utiliza-se de técnicas que, se não obtiverem o esperado respaldo legal, desrespeitarão,

por certo, garantias individuais fundamentais.

Como veremos adiante, mais precisamente quando tratarmos das técnicas

operacionais de inteligência, a dúvida e os questionamentos da legalidade da aplicação

Page 66: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

65

dessas técnicas é assunto bastante discutido por todos aqueles que estão envolvidos com

a atividade de inteligência.

4.1.3 Fontes de inteligência

Fontes de inteligência são elementos que funcionam como polo

informacional de onde se retiram conhecimentos específicos e necessários ao

desempenho da atividade de inteligência. Consoante a ABRAIC (2009), ―são pessoas,

documentos, organizações ou equipamentos de onde se origina o dado de Inteligência.

Quanto à sua natureza podem ser humanas, eletrônicas, de sinais e de imagens‖.

Compartilhando da mesma classificação de Joanisval Brito Gonçalves

(2009, p. 78), as fontes podem ser classificadas quanto à sua confidencialidade (fontes

abertas ou fontes classificadas / dado negado) ou quanto à origem dos dados (de fontes

humanas ou de fontes técnico-científicas – ou seja, aquelas obtidas por meios técnicos).

Quanto à origem dos dados, as fontes humanas são reconhecidas como

human intelligence – humint, enquanto a inteligência oriunda de meios técnicos é

chamada de technical intelligence – Techint. Um exemplo claro de obtenção de

inteligência por meio de fontes humanas é a espionagem, em que pessoas são utilizadas

para a obtenção do dado, negado ou não. A inteligência técnica (techint), por sua vez,

diz respeito ao grupo de técnicas que usam mais tecnologia que fontes humanas para a

reunião de dados ou informações. Utiliza-se de imagens, sinais e outros para a produção

de inteligência.

Cabe ressaltar, assim como fez Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 91), que

[...] países que não dispõem de muitos recursos para Inteligência tendem a

desenvolver sua capacidade de reunir dados a partir de fontes humanas.

Ademais, nações multietnicas ou com grande diversidade de imigrantes,

como Brasil e Canadá, dispõem de maior potencial em termos de fontes

humanas. A opção pelo desenvolvimento mais de techint ou de humint

dependerá da peculiaridade de cada governo, dos objetivos de cada serviço e

da modalidade de inteligência que têm mais capacidade de desenvolver, bem

como o tipo de ameaças ou adversários com que lidam. [...] A decisão

envolve, portanto, aspectos políticos e orçamentários.

4.2 Técnicas operacionais de inteligência

Técnicas operacionais são métodos utilizados para a obtenção de

conhecimento utilizável, negado ou não, através das operações de inteligência.

Page 67: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

66

Conforme a DNISP (2007), as técnicas operacionais, utilizadas principalmente em ações

de busca, são:

[...] reconhecimento; vigilância; recrutamento operacional; infiltração;

desinformação; provocação; entrevista; entrada; interceptação de sinais

(eletromagnéticos, óticos e acústicos) e de dados; observação [DISPERJ:

interrogatório; interceptação postal; interceptação das comunicações; não

entrada]

4.2.1 Aplicação

A aplicação das técnicas operacionais para a efetiva consecução das

operações de inteligência constitui um tema bastante controverso, uma vez que,

conforme já demonstrado, são atividades que possuem grande potencialidade de

interferência nos direitos fundamentais em razão de não serem resguardadas por uma

legislação suficiente capaz de garanti-las sob a ótica jurídica.

Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 65-67) descreve, com muita

propriedade, as funções da atividade de inteligência, e neste tópico passamos a utilizar

seu pensamento para as definições.

Nos dizeres do autor,

[...] no que concerne a esta última função da atividade de inteligência, pode-

se dizer que compreende o conjunto de ações técnicas destinadas à busca do

dado negado. Trata-se, sem dúvida, da atividade mais polêmica relacionada à

inteligência, uma vez que seus métodos envolvem, necessariamente, técnicas

e ações sigilosas como estória-cobertura, vigilância, fotografia operacional,

uso de meios eletrônicos, entre outros.

A aplicação das técnicas operacionais não pode, contudo, ser associada às

ações encobertas, pois, bem como nos informa o mencionado autor,

[...] Enquanto operações de inteligência são processos, técnicas e setores

voltados à busca do dado negado, as ações encobertas ou clandestinas são as

atividades secretas desenvolvidas por um governo relacionadas a sua política

externa com o objetivo de influenciar outro governo ou provocar

determinados eventos políticos, militares, econômicos ou sociais em outro

país. Convém ficar claro que caracteriza esse tipo de operação o fato de

serem conduzidas de maneira sigilosa e encoberta. [...] atente-se para o fato

de que as operações não têm caráter necessariamente danoso ou ilícito. É por

meio de técnicas operacionais que um serviço secreto pode, por exemplo,

acompanhar terroristas e impedir ataques por eles perpetrados. Na área de

segurança pública, operações como vigilância, recrutamento, interceptação de

comunicações e fotografia podem ser utilizadas para identificar criminosos,

tipologias, e reunir dados para a produção de conhecimentos que auxiliarão

as autoridades públicas a planejarem políticas de combate à criminalidade,

inclusive com a neutralização de organizações criminosas.

Page 68: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

67

Gonçalves finaliza o tema dizendo que um aspecto importante é o de que as

[...] operações de inteligência devem estar sobre rígido controle, tanto

interno quanto externo. Registre-se que, em alguns países, os órgãos de

controle externo têm entre suas atribuições autorizar esse tipo de atividade,

enquanto em outros o controle é apenas a posteriori. De toda maneira, o

controle é fundamental e evita arbitrariedades – ou ao menos serve para

diminuir os riscos de que venham a ocorrer [2009, p. 65-67].

Seguindo a linha de raciocínio do autor, sustentamos que a aplicação das

técnicas operacionais não pode ser confundida com a imposição das ditas ―ações

encobertas‖. Reafirmamos, ademais, que essa aplicação para a consecução das

operações de inteligência é uma temática delicada e, dessa forma, possuir um controle

prévio e uma limitação pré-estabelecida é uma necessidade à atividade de inteligência e

a qualquer ação desenvolvida em um Estado Democrático de Direito. A aplicação das

técnicas operacionais, antes de obter efetividade em seus resultados, deve revestir-se de

legitimidade e legalidade.

4.2.2 Modalidades

As operações de inteligência são ações realizadas com a finalidade de obter

dados não disponíveis em fontes abertas. Elas podem ter por alvo pessoas, locais,

objetos ou canais de comunicação. As operações de inteligência se utilizam de várias

técnicas operacionais, dentre as quais citaremos as mais importantes brevemente: ações

encobertas, comunicações sigilosas, disfarce, eletrônica, entrada, entrevista, estória-

cobertura, fotografia, infiltração, OMD, reconhecimento, recrutamento operacional e

vigilância.

Ações encobertas: são as atividades sigilosas desenvolvidas por um governo

visando influenciar outro governo ou provocar determinadas situações políticas,

militares, econômicas ou sociais em outro país. Em outras palavras, esta atividade tem

por objetivo influenciar diretamente as condições que fundamentam a política exterior, a

política militar e a política econômica de um país sem que esta influência possa ser

atribuída ao Estado. A prática de ações encobertas é uma opção para atingir objetivos

quando a diplomacia e outros instrumentos políticos revelam-se ineficazes. Dentre as

formas de ações encobertas, podemos citar, a título exemplificativo: propaganda; auxílio

Page 69: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

68

a facções políticas ou militares estrangeiras; assistência a governos estrangeiros; e

operações para desmantelar atividades ilegais realizadas em território estrangeiro.

A título meramente informativo, ―na maioria dos países onde os serviços de

inteligência são repartidos entre diferentes agências, ações encobertas são realizadas

somente pela agência encarregada da inteligência exterior‖ (GENEVA, 2008).

Entretanto, vale frisar, não há uma previsão específica e detalhada sobre

essa técnica operacional, quais são seus limites e requisitos para ter legitimidade e para

ser respaldada legalmente.

Infiltração: é a técnica operacional consistente na introdução de um agente

numa quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa, a fim de obter

provas que possibilitem resolver alguma situação de interesse. A infiltração é técnica

prevista na Lei nº 9.034/1995 (art. 1º) como um recurso para obtenção de provas na

persecução penal. Essa lei define e regula ―meios de prova e procedimentos

investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha

ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo‖ (PACHECO,

2005). A Lei nº 9.034/1995 (com a redação da Lei nº 10.217/2001) estabelece o

seguinte:

Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo

dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e

formação de provas:

[...]

Inciso V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de

investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante

circunstanciada autorização judicial.

No entanto, a previsão legal acima mostrada nada diz sobre a infiltração

como técnica operacional para as atividades de inteligência, e nem sinaliza a infiltração

como uma das possibilidades de meio a se utilizar na alçada de um profissional de

inteligência.

Cumpre dizer o alerta de Denilson Feitoza Pacheco (2005), segundo o qual,

[...] a infiltração é possível se tiver como parâmetros legais os princípios da

proporcionalidade e do devido processo legal. O princípio da

proporcionalidade em sentido estrito impõe que a infiltração apenas possa ser

utilizada quando os direitos a serem protegidos forem superiores àqueles que

serão violados com a infiltração (por exemplo, serão violados os direitos

fundamentais de intimidade/privacidade, imagem, honra etc.).

Page 70: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

69

Interceptação postal: é a técnica operacional em que se intervém sobre uma

correspondência postal com o objetivo de retirar de lá alguma informação importante

que possa auxiliar a tomada de decisão de um órgão de inteligência. Da mesma maneira,

a interceptação postal não possui uma legislação específica que a coloque como técnica

operacional à disposição de um agente de inteligência. A insuficiência na legislação da

inteligência faz com que, se utilizada, revista-se de ilegalidade.

Disfarce: é a técnica operacional que consiste na modificação das

características físicas de uma pessoa com o objetivo de dissimular a sua identidade. O

disfarce enseja o raciocínio da produção e utilização de um documento de identidade

que mantenha sua verdadeira identidade oculta, o que resulta em ato clandestino, ilegal

e criminoso, pois desassistido de qualquer norma que permita essa prática nas atividades

de inteligência.

Eletrônica: é a técnica operacional consistente no emprego de meios

eletrônicos (microfones, câmeras, interceptadores, transmissores etc.) para obter dados

protegidos que possam auxiliar no processo decisório. Ao agir desta forma, o agente de

inteligência estará agindo de forma ilícita e com grande probabilidade de atingir, no

mínimo, o direito a intimidade e a vida privada de outrem.

Estória-cobertura: técnica operacional que consiste, segundo a ABRAIC

(2009), no

[...] emprego de uma estória de proteção por pessoas, instalações ou

organizações para encobrir propósitos ou ações nas Operações de

Inteligência. Assim sendo, visa proteger o sigilo das Operações de

Inteligência, as identidades do órgão e do pessoal empenhado na busca, bem

como a proporcionar a proteção física do pessoal, do material e das

instalações.

Fotografia sigilosa: técnica operacional que consiste na realização de

fotografia de forma camuflada (não ostensiva).

Intrusão: é uma técnica operacional que possui como finalidade permitir o

acesso físico a instalações protegidas por mecanismos de fechamento (ex.: fechadura,

cadeado, cofre, senhas etc.). Esta técnica também possui uma aplicação incoerente e

problemática, tendo em vista não ter respaldo legal.

OMD: acolhemos a definição da ABRAIC, em que OMD seria a

Page 71: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

70

[...] técnica operacional que consiste em observar com perfeição, memorizar

o que se vê e descrever eficazmente. Observação: ação de examinar

minuciosa e atentamente o objeto do interesse ou um ambiente valendo-se da

máxima utilização dos sentidos. Memorização: conjunto de ações e reações

voluntárias e metódicas que têm a finalidade de auxiliar na lembrança de

fatos e situações. Descrição: ação de reproduzir eficazmente para outrem e

com exatidão o que foi memorizado [2009].

Reconhecimento operacional: técnica operacional consistente em levantar

dados sobre áreas e instalações, com a finalidade de obter as informações necessárias

para a tomada de decisões ou para a consecução de um planejamento sobre o local.

Recrutamento operacional: constitui a técnica operacional segundo a qual

se reservam esforços para convencer uma pessoa não pertencente a uma organização a

trabalhar em seu benefício, como um informante ou outra atividade necessária.

Vigilância: atividade de manter pessoas e instalações sob observação direta,

visando à obtenção de informações e conhecimentos que possam auxiliar na tomada de

decisão.

Comunicação sigilosa: técnica operacional que consiste na transmissão de

mensagens entre uma fonte e um destinatário, distintos no tempo e/ou no espaço,

através de códigos.

Espionagem: técnica operacional, de caráter exclusivo do Estado, em que se

buscam informações de carácter secreto ou confidencial dos rivais ou inimigos, sem

autorização destes, para se alcançar certa vantagem militar, política ou econômica.

Como comentado em algumas das definições das técnicas operacionais

acima, a aplicação de qualquer delas de forma isolada ou conjuntamente certamente

atingirá direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, o que as torna

ilegítimas e ilícitas, chegando em alguns casos a aproximar-se de condutas criminosas.

Obviamente que não discutiremos aqui as ações ocorridas no âmbito das

investigações criminais em que são aplicadas técnicas semelhantes, entretanto, com

respaldo legal e procedimentos bem definidos. Frise-se: procuramos chamar a atenção

da obscuridade das ações de inteligência de Estado, pela falta de normas que as

legitimem.

Finalizamos este tópico com as palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto

(2009, p. 59):

Page 72: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

71

Indiscutivelmente, é na realização das operações que a atividade de

inteligência (demandante) encontra seu ponto mais crítico. Se em todas as

suas vertentes tal atividade reclama do profissional envolvido a adoção de

procedimentos e regras minudentes a fim de evitar insegurança ou a produção

de um conhecimento inútil ou inexato, no campo das operações, onde a

inteligência (demandante) apresenta a sua face mais vulnerante e agressiva,

tal necessidade revela-se ainda mais gritante. O planejamento de operações

deve ser realizado de modo a abranger, quase que de modo paranóico, um

conjunto de medidas detalhadas de controle, de segurança, de coordenação,

de orientação e de avaliação sobre cada aspecto do alvo, do ambiente

operacional e da própria equipe. As surpresas e os imprevistos em tal seara,

devem ser reduzidos a níveis bem próximos do zero.

4.2.3 Técnicas operacionais e os direitos fundamentais

Não há dúvidas de que a atividade de inteligência, e as técnicas operacionais

em especial, representam uma ameaça direta aos direitos e garantias fundamentais. A

insuficiência de uma legislação sobre o tema faz com que a esfera da inteligência seja

cercada de incertezas e obscuridade quanto aos seus limites e atribuições legais.

Entre os direitos fundamentais mais afetados pelas operações de inteligência

destacamos a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem, ao

domicílio, aos dados, além da garantia do sigilo de correspondência e de comunicação.

A doutrina de Moraes (2009, p. 53-79) nos serviu de parâmetro para o

desenvolvimento do tema neste tópico, conforme a seguir veremos.

4.2.3.1 Inviolabilidade à intimidade, vida privada, honra e imagem

Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção

constitucional à vida privada. A inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à

imagem constitui uma proteção constitucional às relações de cunho personalíssimo do

indivíduo. Toda essa estrutura protetora à intimidade e à vida privada visa à salvaguarda

de um espaço íntimo, que busca limitar qualquer intromissão ilícita externa.

Cumpre frisar que essa gama de prerrogativas legais impede que assuntos de

natureza pessoais e íntimos, tais como falecimentos ou padecimentos, não podem ser

utilizados como meios para diversão ou entretenimento, pois fere diretamente os direitos

constitucionais da honra, intimidade e da vida privada. Comungamos, portanto, da

opinião de Moraes (2009, p. 53), em que

[...] não existe nenhuma dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou

noticias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de

Page 73: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

72

interesse público (CF, art. 5º, XIV), que acarrete injustificado dano à

dignidade humana autoriza a ocorrência de indenização por danos materiais e

morais, além do respectivo direito à resposta.

4.2.3.2 Inviolabilidade domiciliar

A previsão constitucional da inviolabilidade domiciliar representa uma

importante garantia à intimidade, à vida privada e à honra. Entretanto, o bem jurídico

diretamente produzido pela prerrogativa da inviolabilidade domiciliar é a tutela do

sossego e da tranquilidade domiciliar; garantias estas que não podem ser violadas, salvo

por determinação judicial, por vias da persecução penal ou tributária do Estado.

Há, porém, exceções previamente previstas na Carta Constitucional para a

inviolabilidade domiciliar. Segundo o documento legal, a casa é asilo inviolável do

indivíduo, podendo-se nela adentrar apenas por meio do consentimento do proprietário

do domicílio, ou em caso de flagrante delito, para prestar socorro, ou, ainda, durante o

dia, por determinação judicial.

O Supremo Tribunal Federal confirma o exposto nesse tópico e, em sua

jurisprudência, já decidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, não

pode ser transformado em garantia de impunidade de crimes que em seu interior se

praticam.

Como salientado pelo Ministro Celso de Mello (STF, 1994, p.16.650-RT

709/418), mencionado por Moraes (2009, p. 59)

[...] nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração

tributária, nem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou seus

representantes, agindo por autoridade própria, podem invadir domicílio

alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno, e sem ordem

judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público. Esse

comportamento estatal representará inaceitável afronta a um direito essencial

assegurado a qualquer pessoa, no âmbito de seu espaço privado, pela

Constituição da República.

4.2.3.3 Sigilo de correspondência e de comunicação

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de

dados e das comunicações telefônicas como prevê o artigo 5º, XII, da Constituição

Federal de 1988. O mesmo dispositivo, contudo, prevê também exceções a essa

prerrogativa, em que se pode violar o sigilo de correspondência e de comunicação por

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73

ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação

criminal ou instrução processual penal.

Vale ressaltar, neste momento, o alerta de Moraes (2009, p. 59)

[...] que apesar de a exceção constitucional expressa referir-se somente à

interceptação telefônica, entende-se que nenhuma liberdade individual é

absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das

correspondências e comunicações telegráficas e de dados sempre que as

liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de

salvaguarda de práticas ilícitas.

A interceptação telefônica consiste na conduta de captar ou gravar conversa

telefônica no mesmo instante em que ela se realiza por terceira pessoa sem o

conhecimento de qualquer dos interlocutores. Essa conduta, que afronta o inciso XII do

art. 5º da Constituição Federal, não é absoluta e pode ser permitida por ordem judicial,

para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, ou ainda nas hipóteses

e na forma que a lei estabelecer.

Seguindo essa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal já decidiu

pela possibilidade de interceptação de carta de presidiário pela administração

penitenciária, entendendo que a ―inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir

instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas‖, tendo como relator o Ministro Celso de

Mello (STF, 1994, p.16.650-RT 709/418), mencionado por Moraes (2009, p. 59).

4.2.3.4 Inviolabilidade de dados: sigilos bancário e fiscal

A inviolabilidade do sigilo de dados, prevista no art. 5º, inciso XII da Carta

Constituinte, faz parte da previsão ao direito à intimidade e vida privada. A garantia da

inviolabilidade de dados também não é absoluta, de forma que os dados bancários e

fiscais poderão ser devassados a título excepcional e conforme os estritos limites legais.

Nesse desiderato, somente motivos excepcionais justificam a possibilidade

de acesso a informações sigilosas como dados bancários e de caráter fiscal por terceiros,

havendo necessidade de autorização judicial, no interesse da Justiça

4.2.3.5 Obtenção de provas ilícitas

A Constituição Federal consagra, por meio de seu art. 5º, LVI, a ideia de

que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis em todas as fases do

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74

processo. Dessa forma, todas aquelas provas e informações obtidas em infringência às

normas do direito material, devem ser desconsideradas para qualquer decisão judicial.

Essa prerrogativa corresponde a uma importante garantia em relação à ação persecutória

do Estado.

Conforme decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal, tendo como

relator o Ministro Ilmar Galvão:

[...] é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária

idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador,

razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da

verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o

respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor

que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a

sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se

paga por viver-se em Estado de Direito democrático. [...]. A Constituição

brasileira, no art. 5º, inciso LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são

inadmissíveis , no processo, as provas obtidas por meios ilícitos [STF, 1995 –

RTJ 162/03-340, apud Moraes, 2009, p. 110].

Por outro lado, a rigidez dessa limitação legal passou a ser atenuada pela

doutrina constitucionalista atualmente, visando a corrigir distorções a que a rigidez da

exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade.

Esta atenuação prevê, com base no princípio da proporcionalidade,

hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente

graves, poderão ser utilizadas, pois, conforme dito, nenhuma liberdade ou direito

público é absoluto. Dessa maneira, isto é, em se concluindo que o direito tutelado é mais

importante que o direito à intimidade, segredo ou liberdade de comunicação, permitir-

se-ia a utilização de provas ilícitas para compor o processo.

Concluímos com as palavras de Moraes (2009, p. 112) que referenda a ideia

de que,

[...] a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos,

que só excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em respeito às

liberdades públicas e ao princípio da dignidade humana na colheita de provas

e na própria persecução penal do Estado.

4.2.4 Distinção entre a atividade de inteligência e a investigação criminal

Dentro da estrutura organizacional dos órgãos policiais existem setores

internos voltados para a atividade de inteligência. Esta atividade não pode, de forma

Page 76: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

75

alguma, ser confundida com a atividade de investigação criminal, havendo atribuições

diversas, com objetivos distintos.

A investigação criminal, assim como a atividade de inteligência, é regulada

em lei. Entretanto, a primeira, de uma forma geral, volta-se para a coleta, busca e

processamento de indícios de provas na ação persecutória criminal do Estado, sendo,

portanto, minuciosamente controlada pelo Poder Judiciário, Ministério Público,

advogados, sociedade e pela própria polícia.

Na investigação criminal, são aplicadas várias técnicas específicas de sua

atividade, todas elas devidamente amparadas em leis e muito bem delineadas, evitando-

se, assim, o descontrole e o abuso. Dessa forma, se as técnicas não usufruírem dessa

legalidade existente, pode-se resultar na desqualificação da prova produzida, que seria,

portanto, ilícita. É certo que em determinado momento a investigação criminal tornar-

se-á pública e de conhecimento do investigado, desde que, obviamente, haja expressa

disposição legal que assim permita.

Já a atividade de inteligência tem, na sua essência, o secretismo, sendo

desenvolvida pelo Estado em ações veladas e que não devem chegar ao conhecimento

de todos, mas apenas àqueles que estão incumbidos da proteção do próprio Estado e da

sociedade, sendo a violação do sigilo dessas informações tratada em leis específicas.

Não é comum a revelação do conhecimento produzido na atividade de inteligência, que

também não busca indício e prova. Trata apenas da coleta, análise, busca e

processamento do conhecimento, levado ao tomador de decisão, com cenários

prospectivos do interesse do Estado e da sociedade, visando, com isso, a assegurar

direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.

Equivocadamente alguns profissionais do setor de segurança pública

incluem a investigação criminal como atividade de inteligência. Dizemos isso com

muita tranquilidade porque, no caso concreto, uma investigação criminal pode conter

informações que se transformem em conhecimento de inteligência para aplicação na

segurança pública, assim como algumas informações coletadas e processadas no

desenvolvimento da atividade de inteligência podem se transformar em investigações

criminais. Entretanto, o desenvolvimento de cada uma destas modalidades e as técnicas

aplicadas são diferenciadas e com regras bem definidas no tocante à investigação

Page 77: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

76

criminal e imprecisas e obscuras no que se refere à inteligência, sendo este, inclusive, o

objeto principal deste estudo.

Convergindo com esta posição, o delegado do Departamento de Inteligência

Policial (DIPOL), Mauricio Correcli, citado por Bruno Meirelles (2007), conclui que há

uma diferença notável entre a inteligência policial e a investigação criminal, que nem

sempre é abordada pela doutrina. Segundo ele,

[...] ocorrido o fato criminoso, a policia judiciária vai ao passado buscar o que

aconteceu. Já a atividade de inteligência deve se antecipar aos fenômenos. E

essa antecipação só ocorrerá com a gestão adequada de informações. A

investigação policial, portanto, atua de forma reativa. A inteligência atua de

forma pró-ativa, ou seja, antes do acontecimento [grifo do autor].

4.3 Limites e restrições

Os maiores limites impostos às operações de inteligência estão na

insuficiência de uma devida legislação e relacionamento com os direitos fundamentais

com a atividade de inteligência de um modo geral.

Nesse sentido, Joanisval Brito Gonçalves (2005) afirma que ―a Lei

determina que as atividades de inteligência deverão ser desenvolvidas com irrestrita

observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos

princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado‖.

Ademais, essa falta de uma legislação específica e detalhada que forneça às

operações de inteligência a legalidade esperada em muito se devem à inexistência de um

controle prévio sobre a atividade de inteligência a ser realizado pelo Poder Judiciário,

essencialmente nos casos em que direitos fundamentais possam estar envolvidos. Dessa

forma, não deve apenas haver um maior detalhamento das operações de inteligência e

seus limites, e nem apenas uma abordagem maior sobre as atribuições dos agentes de

inteligência. Torna-se cogente também esse controle prévio e externo sobre essa

atividade, de modo a impedir que haja qualquer desrespeito dos direitos fundamentais

não motivado ou qualquer arbitrariedade.

Page 78: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

77

4.4 Importância

A atividade de inteligência é imprescindível para um Estado Democrático de

Direito como o nosso por diversos objetivos. Como afirma Joanisval Brito Gonçalves

(2005), a sua razão de ser está na

identificação de ameaças, como as relacionadas ao crime organizado e à

segurança pública, na neutralização da espionagem estrangeira e ainda na

constante vigilância contra a presença no Brasil de pessoas ou grupos que

tenham qualquer vínculo com o terrorismo internacional.

Continua o autor dizendo que uma outra razão para o estímulo a essas

atividades é ―restringir que países interessados em ter acesso a conhecimentos sensíveis

nas áreas em que o Brasil se destaca, em apoderar-se das riquezas de nossa

biodiversidade, e mesmo impedir que nos tornemos competitivos internacionalmente‖.

E conclui:

[...] as democracias necessitam da atividade de inteligência para preservar

informações sigilosas, identificar oportunidades e ameaças, reduzir a

incerteza na tomada de decisões e apoiar setores vinculados à segurança

interna e externa, à Defesa Nacional e à diplomacia.

Francisco José Fonseca de Medeiros (2009) nos convence de que a

importância de se possuir uma atividade de inteligência desenvolvida está no fato de

que

[...] o mundo mudou, a produção do conhecimento se tornou cada vez mais

importante, exigindo do indivíduo e da organização ações voltadas para a

antecipação e prevenção. Tornou-se um elemento estratégico e sua gestão e

utilização para produção de Inteligência é elemento básico para o

desenvolvimento estratégico das organizações, contribuindo para que a

organização responda mais rapidamente às ameaças e oportunidades. Chefes

tomam decisões muitas vezes errôneas e equivocadas, com conseqüente

prejuízo, por falta de informações seguras.

Page 79: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

78

5 PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

5.1 Introdução

Vivemos em um Estado Democrático de Direito, cuja característica mais

marcante não é a positividade e supremacia da lei, mas a presença de um regime de

governo realizado pelo e para o povo direta ou indiretamente por meio de

representantes. É o fato de não haver um poder absoluto e a existência de um núcleo

duro de direitos que não estão à disposição de nenhum indivíduo, nem mesmo do

próprio Estado, que nos diferencia de regimes totalitários e tirânicos. A democracia é,

sinteticamente, o governo do povo, e a preservação dos direitos fundamentais, mais que

um simples objetivo, é sua razão de ser.

Na democracia com a qual convivemos hoje, diferentemente daquele regime

obtido na Grécia Antiga, no qual todos participavam diretamente do processo decisório

das questões governamentais através de discussões em Àgoras12

(MEDEIROS, 2009), o

povo não mais participa das decisões pessoalmente, mas exerce o mesmo direito através

de representantes que, agindo como mandatários, decidem os rumos do país. Entretanto,

o poder exercido por esses representantes não é absoluto e encontra limites legais para o

seu exercício. Esses limites são exercidos, em sua grande maioria, pelos direitos e

garantias fundamentais individuais e coletivas.

Na concepção de José Joaquim Gomes Canotilho (2008), os direitos

fundamentais exercem a função de

[...] direitos de defesa dos cidadãos sobre uma dupla perspectiva: (1)

constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa

para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes

na esfera jurídica-individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o

poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdadepositiva) e de

exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por

parte dos mesmos (liberdade negativa).

É importante frisar, porém, que os direitos fundamentais não são absolutos

ou ilimitados. Assim como o poder estatal, estes direitos também são cerceados,

12 Àgora é a praça principal das antigas cidades gregas ou Polis onde se reuniam diversas pessoas para se discutir

sobre política e outras questões de interesse governamental. É, por assim dizer, um espaço de cidadania, e símbolo da

democracia direta.

Page 80: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

79

principalmente quando entram em conflito com outros direitos ou princípios

fundamentais, igualmente consagrados na Carta Magna.

Por conseguinte, os ditos direitos fundamentais não podem funcionar como

uma ―barreira‖ protetora intransponível que permitam ao indivíduo a prática de

atividades ilícitas ou, ainda, que utilizem esses direitos como argumentos para

afastamento ou redução da responsabilidade pelos mesmos atos. Essa situação ensejaria

um desrespeito a outros direitos também fundamentais tão importantes quanto esses. O

verdadeiro Estado Democrático de Direito é justamente aquele que não apresenta

valores, direitos ou ações absolutas, mas que constrói um mecanismo de controle e de

sopesamento de interesses, seja por meio da razoabilidade ou da proporcionalidade e

que convergem para a preservação de um Estado Democrático.

Todavia, a realidade dos direitos fundamentais consagrados em nossa

Constituição apresentou grandes modificações nos últimos anos, e que merecem, por

certo, nossa atenção.

Em uma breve linha histórica, sabe-se que os direitos fundamentais tiveram

seu período áureo na pós-revolução francesa, em que se fixaram predominantemente

aquelas garantias individuais do Homem, focando suas abordagens na seara da

liberdade. Posteriormente, na ascensão do Estado Social ou Welfare State (Estado do

bem estar social), privilegiou-se os direitos sociais e trabalhistas, que serviram como

profundas garantias para a classe operária em oposição a um sistema capitalista

competitivo e desumano. Por fim, chega-se à terceira geração dos direitos fundamentais,

que não destacavam os direitos individuais ou sociais, mas consolidavam os direitos

coletivos ou conexos, em que o Estado garante para si a obrigação de proteger a

coletividade de pessoas e não o ser humano de forma isolada. Um exemplo claro dessa

evolução é o grande destaque dado na atualidade para questões que envolvem o meio

ambiente e que representam um essencial direito da coletividade como um todo.

A Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ORGANIZAÇÃO

DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948), por meio de seu artigo29, ilustra bem essa situação,

que tende à prevalência do interesse público sobre o particular, no seguinte raciocínio:

[...] toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela

pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de

seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas

Page 81: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

80

às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o

respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas

exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade

democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, serem

exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas.

Nesse sentido, verifica-se, na atualidade, uma maior preocupação em

relação aos direitos fundamentais de cunho coletivo em detrimento daqueles de caráter

particular. A antiga posição privilegiada das garantias individuais, herança de uma

cultura romano-germânica, passou a ser questionada com a supervalorização de

interesses comunitários, de responsabilidade direta do Estado. Esse questionamento,

como já dito, faz do sopesamento de interesses e de uma análise com base no princípio

da proporcionalidade um aspecto de grande relevância para o atual momento em que se

encontra o nosso Estado Democrático de Direito. Essa nova problematização, que será

alvo de nossa análise adiante, é de grande valia para a compreensão de grande parte dos

conflitos internos vivenciados pela atividade de inteligência, os quais fazem da análise

de supremacia de interesses uma prerrogativa necessária para o prosseguimento de suas

operações.

5.2 A mudança na esfera dos direitos fundamentais

A lógica remanescente dos tempos liberais do século XVIII, de que os

direitos fundamentais seriam impedimentos e obstáculos à ação estatal frente a alguns

direitos inerentes à espécie humana, começa a sofrer modificações a partir da ascensão

do positivismo. Em um contexto favorável à existência da constituição escrita, bem

como de sua preponderância sobre os direitos costumeiros e universais, surge a

necessidade de os direitos fundamentais serem positivados pela Constituição para que, a

partir daí, pudessem ser legitimamente requeridos pelas partes perante o Estado.

No entanto, sabe-se que a Constituição não consegue prever todas as

situações pelas quais o Direito, como ciência normativa, deve abarcar e valorar como

fatos jurídicos. Decorre, daí, uma grande insegurança jurídica, pela qual os delinquentes

encontram inúmeras ―brechas‖ para cometer crimes justamente pela existência de

lacunas legais. Portanto, a presença de princípios e direitos fundamentais não

devidamente expressos no ordenamento jurídico não é vista como uma afronta ao

Page 82: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

81

princípio da legalidade, por exemplo, mas como uma necessidade para que se possa

fornecer segurança e coerência ao direito posto.

Seguindo o mesmo percurso, a concepção técnica de direitos fundamentais

também se transformou. A partir desse momento, os direitos fundamentais não

representam somente o dever de abstenção do Estado a assuntos de cunho

personalíssimo (ótica subjetiva), mas hoje em dia representam as diretrizes pelas quais

se orientam as políticas constitucionais (ótica objetiva). Os valores fundamentais não

mais servem somente para proteger os indivíduos de possíveis ingerências, mas também

são entendidos como valores legitimantes do poder estatal e dotados de posição superior

na escala normativa constitucional. Os direitos fundamentais são, agora, bússolas para a

Constituição, norteando e governando todo o ordenamento jurídico.

A mudança da esfera subjetiva para a objetiva também repercute na

organização da Constituição, que de retrato das normas positivas passa a ser vista como

sistema de valores. A partir dessa mudança, os princípios passam a preponderar sobre as

normas constitucionais, os quais encarnam, segundo Paulo Bonavides (2007, p. 632-

634), mencionado por Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 99), ―a alma das

constituições.‖

Essa maior valorização dos princípios em detrimento das normas de direito

se deve, sobretudo, às teorias e ideias promulgadas por Ronald Dworkin e Robert Alexy

(JÚDICE, 2008), ambos filósofos do período comumente reconhecido como pós-

positivismo. Em suas obras, os jus-naturalistas não só reconhecem a incapacidade de se

resolver todas as questões de direito por meio das normas expressas nas Constituições

como admitem cogente a aplicação principiológica nessas mesmas questões como

solução para segurança jurídica e para melhor resposta do Direito às evoluções advindas

das mudanças na sociedade. Dessa forma, os princípios serviriam para adequar casos

não definidos em leis às respostas e punições condizentes com o ―espírito‖ da

Constituição e, consequentemente, do próprio povo que a promulgou.

Page 83: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

82

5.3 Classificação adotada

Como acabamos de ver no breve histórico traçado, modernamente se

concebe a classificação dos direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e

terceira gerações, de acordo com seu conteúdo e com sua posição cronológica.

Entretanto, de acordo com os ditames legais da Constituição Federal de

1988, os direitos e garantias fundamentais representam o gênero de cinco espécies:

direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade;

direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em

partidos políticos.

Não obstante a classificação constitucional seja a divisão oficial e, portanto,

a de maior importância, não constitui a melhor classificação para o escopo deste

trabalho. Por isso, utilizamo-nos de três diferentes classificações a respeito dos direitos

fundamentais, quais sejam: direitos fundamentais individuais e coletivos; direitos

fundamentais universais e relativos; e direitos fundamentais de defesa e à prestação.

5.3.1 Direitos fundamentais individuais e coletivos

Fato visto é que direitos individuais e coletivos surgiram em momentos

distintos na História. Os primeiros, constituindo direitos da primeira geração,

apareceram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; os últimos, por outro

lado, surgiram na Idade Contemporânea e são abrangidos na maioria das Constituições

dos Estados Nacionais.

Todavia, a principal diferença entre os direitos individuais e coletivos reside

no seu conteúdo e na sua abrangência. Os direitos fundamentais individuais são aqueles

que fornecem autonomia ao indivíduo e o reconhecem como seres independentes dos

outros membros e do próprio Estado, e são seus destinatários, com base no artigo 5º,

caput, da Constituição Federal "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade

[...]". Os direitos coletivos, porém, são concebidos como direitos transindividuais, de

natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas. Observa-

Page 84: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

83

se, pois, que seus destinatários são grupos de pessoas indeterminadas, mas

determináveis, enquanto grupo, categoria ou classe.

José Afonso da Silva (2001, p. 197), mencionado por Yabiku (2005),

distingue três grupos de direitos individuais:

(1) Direitos Individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados nos

incisos do art. 5.º; (2) Direitos Individuais implícitos, aqueles que estão

subtendidos nas regras de garantia, como o direito à identidade pessoal,

certos desdobramentos do direito à vida, o direito à atuação geral (art. 5.º, II);

(3) Direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais

subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem implicitamente

numerados, mas provêm ou podem vir e provir do regime adotado, como o

Direito de Resistência, entre outros de difícil caracterização a priori". O

mesmo autor associa os direitos coletivos como os que dizem respeito às

"liberdades de expressão coletiva, como as de reunião e de associação‖ (grifo

do autor).

Fundamental é citar a lição de Sylvio Motta e William Douglas, publicada

na página eletrônica do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (2009),

na qual diz que

[...] os Direitos Individuais representam um conjunto de limitações do Estado

em face das pessoas que com ele se relacionam. Pode-se dizer que é um

conjunto de direitos que a si se reservam os titulares do poder no momento

em que criam o Estado. Assim, ao redigirem a Constituição, estabelecem

limites ao ente que estão criando. Estes limites recebem diversas designações:

direitos fundamentais, direitos individuais, liberdades públicas, liberdades

fundamentais, direitos públicos subjetivos, etc.

Partindo dessa introdução sobre os direitos fundamentais individuais e

coletivos, cabe analisá-los brevemente à luz da atividade de inteligência que, como

sabemos, é um serviço de informações do Governo para supri-lo de conhecimento

necessário, e apto a auxiliá-lo na tomada de decisões. Por esse motivo, entende-se

silogisticamente que como o órgão de inteligência auxilia o Governo, ele estaria

também a serviço da sociedade, proporcionando à mesma não só segurança, mas o bem

comum.

Nesse sentido, a atividade de inteligência sinaliza para a supremacia do bem

ou interesse público sobre o particular e, consequentemente, tende a valorizar o direito

coletivo sobre o individual, justamente por estar a serviço da sociedade como um todo.

Essa tendência não pode, porém, ser generalizada, visto que isso não quer dizer que o

interesse público sempre prevalecerá sobre o privado e, muito menos, que a atividade de

Page 85: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

84

inteligência sempre ultrapassará os limites dos direitos fundamentais individuais para

proteger o interesse público. O que se deve entender é que a lógica é o favorecimento do

público sobre o privado, mas a atividade de inteligência só atingirá seu escopo e sua

finalidade se respeitados forem os direitos e as garantias do indivíduo, caso estas se

mostrem de maior relevância que as coletivas.

5.3.2 Direitos fundamentais universais ou relativos

Os direitos fundamentais constantemente são alvo da permanente discussão

acerca de seu caráter universal ou relativo. De acordo com a primeira corrente, a

História Humana, desde seus primórdios, valoriza e cultua alguns valores e condutas

independentemente de sua cultura ou do tempo em que está localizada a sociedade.

Dessa forma, cotejando-se a civilização romana no ápice de seu Império

com a sociedade brasileira, por exemplo, concluir-se-ia que em ambas pré-existe um

núcleo duro e instransponível de direitos fundamentais que dizem respeito ao indivíduo,

seja ele romano ou brasileiro.

De acordo com esse raciocínio está a abordagem relativista, na qual

entende-se que esse mesmo núcleo de direitos fundamentais varia de civilização para

civilização dependendo dos valores cultuados, da temporalidade em que se insere a

sociedade, bem como de sua localidade. Assim sendo, romanos teriam uma gama de

direitos fundamentais diferentes de nós brasileiros, visto que são uma civilização

localizada em um espaço diferente, em um tempo distante e permeados com valores

culturais totalmente distintos dos nossos.

Nesse embate doutrinário, Marcus Boeira (2009), em seu artigo ―A

internacionalização do debate sobre os direitos fundamentais e o movimento

revolucionário globalista‖, entende que

―[...] se o homem é um bios politikos, em termos aristotélicos, tratá-lo como

um ser vivo de caráter global seria desconsiderar sua civilização, sua cultura,

sua localidade constitutiva, enfim, sua existência em termos cosmológicos e

culturais, vez que a definição do corpo político em sentido global levaria a

uma situação de total perplexidade e anomia do homem acerca de seu corpo

político efetivo‖.

Volvendo nossos olhos para a atividade de busca, como já dito alhures, a

atividade de inteligência tem, como um de seus deveres primordiais, o de buscar a

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85

devida conciliação entre suas ações e os direitos fundamentais. A atividade investigativa

pela busca de dados, a partir dos quais o Estado tomará algumas decisões, não é

absoluta, e no caso de violar algum direito fundamental será considerada invasiva, e

seus responsáveis deverão receber as punições correspondentes seja na área civil ou

mesmo penal.

Entretanto, essas ideias, apesar de serem respaldadas pela concordância da

maioria da doutrina e da própria sociedade, trazem à luz um debate de suma

importância. De fato, se toda a atividade de inteligência deve respeitar direitos

fundamentais, vem à mente a controversa discussão sobre a universalidade e a

relativização dessas garantias. Enquanto para alguns esses direitos dizem respeito à raça

humana, e são, portanto, universais em qualquer local e tempo, para outros as garantias

fundamentais se referem a uma determinada civilização temporalmente delimitada.

Nessa última corrente, concebe-se a ideia, pois, de que os direitos fundamentais variam

de acordo com a sociedade em questão, de forma que as prerrogativas dos muçulmanos

do Irã seriam, necessariamente, distintas das mesmas valorizadas por nós, brasileiros,

como já comparado.

A atividade de inteligência deve, por conseguinte, ser analisada sobre essas

duas perspectivas. De acordo com a visão universal dos direitos fundamentais, as

operações de inteligência poderiam ser uniformes para todos os países, visto que os

direitos a serem respeitados seriam os mesmos. Entretanto, observa-se claramente que,

tendo-se em vista a realidade atual, os direitos e prerrogativas fundamentais variam de

civilização para civilização. Com isso, a busca por informações de interesse estatal

vincula-se com mais coerência à concepção relativista de direitos fundamentais. Dessa

forma, cada país deve desenvolver sua própria atividade de inteligência, adaptando-a

com sua demanda específica e conciliando suas operações com a real concepção de

direitos fundamentais cultuados por sua sociedade.

Afirma-se, pois, a necessidade de uma maior preocupação das autoridades

públicas em criar uma atividade de inteligência pátria, nacional, ligada e voltada às

carências do Brasil e de sua sociedade.

Page 87: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

86

5.3.3 Direitos fundamentais de defesa (negativos) e à prestação (positivos)

Por fim, cabe diferenciar os direitos fundamentais de defesa dos direitos

fundamentais à prestação. Os primeiros sinalizam que o Estado possui o dever de não-

interferência ou de não-intromissão nas questões de cunho personalíssimo como direitos

fundamentais individuais e, ao mesmo tempo, possuem o dever de proteger esses

mesmos direitos fundamentais afetados pela conduta de terceiros. Em suma, a função de

defesa ou de liberdade impõe ao Estado um dever de abstenção.

Gomes Canotilho (2002, p. 407) apud Fachin (2008), leciona que a função

de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais tem dupla dimensão:

[...] (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência

negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as

ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implica, num plano

jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais

(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a

evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

Como ilustração do pensamento de Canotilho tem-se o direito fundamental

de não ser torturado, no qual observamos, de um lado, a função de defesa ou de

liberdade, exigindo abstenção do Estado, que não pode praticar tortura; de outro, exige a

atuação do Estado, visto que este precisa agir para evitar que a tortura seja praticada.

Sob outro aspecto, a função estatal à prestação garante ao cidadão o direito

de exigir do Estado a sua atuação para satisfazê-lo diretamente, ou criar as condições de

satisfação de certos direitos. Por conta disso, não pode se omitir de algumas questões

cruciais para a vida e o desenvolvimento pleno de seu cidadão, tais como direitos

fundamentais à saúde, à educação, à moradia, ao transporte coletivo.

Observa-se o direito fundamental à prestação no momento em que, por

exemplo, um cidadão cuja saúde está debilitada requer do Estado que este forneça o

medicamento necessário para sua sobrevivência devido ao seu alto custo. O Estado,

como deixamos antever, não pode se omitir dessa obrigação, sob pena de poder ser

objetivamente responsabilizado pela morte do cidadão mais tarde. Dessa forma, se o

Estado tiver condição financeira para o fato, ele deve prestar auxílio ao seu cidadão.

Cabe, aqui, a ressalva de que um país como o Brasil, apesar de se encontrar

em pleno estado de desenvolvimento e a despeito de possuir um dos maiores índices de

Page 88: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

87

crescimento econômico, não consegue cumprir efetivamente com sua função

prestacional, comprometendo essa gama de direitos fundamentais em meio a uma

sociedade com baixos níveis sociais. Consequentemente, boa parte da população

brasileira fica marginalizada em relação a benefícios econômicos, sociais e culturais,

que deveriam ser proporcionados, ainda que em escala mínima, por um Estado

Democrático de Direito.

Compreendendo essa divisão dos direitos fundamentais à luz da atividade de

inteligência, deve-se partir da premissa de que, assim como a máquina estatal, o órgão

de inteligência apresenta essas duas funções dialeticamente envolvidas para a

consecução de uma atividade justa e condizente com o Estado Democrático brasileiro.

De fato, a sociedade representa o destinatário indireto dos serviços prestados

pelos agentes de inteligência, visto que ao munir as autoridades públicas de informações

relevantes para a tomada de decisões, a atividade de inteligência visa ao alcance do bem

comum. Dessa forma, as operações de inteligência cumprem sua função de prestação na

medida em que protegem a sociedade de perigos internos e externos e na proporção em

que alcançam o bem comum. Da mesma maneira, os órgãos de inteligência

sacramentam sua função de defesa quando respeitam e não interferem nos direitos

fundamentais dos indivíduos no desenvolvimento das operações de inteligência como a

espionagem, o disfarce e a infiltração.

5.4 Princípios e regras

O debate entre a existência ou preponderância de regras e princípios é

antigo, e representa, hoje, um dos pressupostos lógicos para que se possa entender o

mecanismo normativo acolhido nos vários ordenamentos jurídicos. Pode-se

compreender esse embate jurídico-filosófico analisando-se a derrocada de um

positivismo exacerbado, muito em razão das teorias apresentadas por Ronald Dworkin e

Robert Alexy (JÚDICE, 2008).

Ronald Dworkin (CAVALCANTI, 2010), visto como um dos mais

renomados juristas da atualidade, é conhecido principalmente por sua crítica à

Jurisprudência Positivista, que trata o direito como um conjunto de regras passíveis de

análise independentemente da moralidade. O autor sinaliza que nem todos os conflitos e

Page 89: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

88

litígios do cotidiano podem ser resolvidos com base em uma análise fria das regras

existentes, visto que, para ele, muitos fatos carregam uma carga valorativa e algumas

circunstâncias que não são previstas e que devem ser levadas em conta. Dworkin critica

a doutrina positivista como uma ciência normativa que simplifica o Direito a um

conjunto específico, imutável e retrógrado de regras, que não evolui com as mudanças

sociais. O pós-positivista ainda rebate um ponto muito discutido em meio aos

positivistas, os quais argumentam que a grande vantagem de só se possuir regras é a

segurança jurídica encontrada. Dworkin, entretanto, demonstra que uma ciência jurídica

composta somente por regras, apesar de especificar as várias condutas existentes, não é

capaz de prever todas as possibilidades litigiosas que possam existir entre os homens,

acabando por comprometer a almejada segurança jurídica. Deste modo torna-se

impossível determinar o que o direito é em casos particulares sem recorrer a

considerações morais e políticas sobre o que deve ser.

A defesa da existência dos princípios no ordenamento jurídico e de sua

supremacia em relação às regras em um possível conflito não é exclusividade de

Dworkin. Robert Alexy é adepto da ideia de que os princípios refletem valores adotados

por uma ordem interna, e, muitas vezes, até internacional, enquanto as regras indicam

apenas decisões estatais referente a uma situação específica. Para o filósofo do Direito,

a amplitude demonstrada pelos princípios e a sua vinculação a valores supremos da

nação seriam suficientes para lhes garantir supremacia em relação às normas e regras de

Direito.

Seguindo uma linha histórica, Alexy relata que o primeiro caso jurídico

balizado por princípios norteadores foi assumido pela Corte Constitucional Alemã em

decisão proferida junto ao caso Lüth, em 1958.

Lüth teria incitado e convocado o povo alemão a boicotar os filmes

produzidos por Veit Harlan, uma vez que eles divulgariam ideias nazistas. Percebe-se,

no caso, que existia um típico conflito de princípios, em que o pilar da liberdade de

expressão (divulgação do boicote) se contrapunha ao princípio constitucional de política

pública que permitia restrições à liberdade de expressão. Para tanto, seria necessária,

por parte da Corte, a utilização de um balanceamento dos dois princípios: no caso, o

Page 90: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

89

princípio da liberdade de expressão se sobreporia às considerações constitucionais

concorrentes.

Pode-se depreender, do caso Lüth, que a garantia constitucional de direitos

individuais não é simplesmente uma garantia dos clássicos direitos defensivos do

cidadão contra o Estado. Representam também, citando diretamente palavras da Corte

Alemã sobre o litígio, ―ao mesmo tempo uma ordem objetiva de valores". Concebe-se o

caso Lüth como a primeira vez em que se considerou a Constituição como uma ordem

concreta de valores, promulgados, essencialmente, pelos princípios.

Alexy considera os princípios como normas gerais que refletem valores, ou,

em termos mais específicos, mandados de otimização que podem ser relativizados na

sua aplicação ao caso concreto, cedendo em parte diante de outro princípio ou cedendo

totalmente.

Observa-se, por via conclusiva, que a preponderância dos princípios e

direitos fundamentais sobre as regras e normas específicas da Constituição, conjugadas

à nova concepção objetiva das garantias fundamentais, faz de sua devida utilização uma

necessidade básica ao funcionamento e à legitimidade do Estado e de seu poder

coercitivo. A inutilização dos princípios e garantias fundamentais, ainda que não

expressas, comprometeriam toda a ordem estabelecida e colocariam o direito em uma

posição imutável, incompatível com o acompanhamento da evolução das relações

sociais e da própria ciência jurídica.

Cabe, ainda, afirmar que os direitos fundamentais não mais são requeridos

somente como forma de garantir certas prerrogativas perante terceiros, inclusive do

poder estatal. Agora as garantias fundamentais são utilizadas como valores fundantes e

legitimantes do Estado, configurando-se como verdadeiros balizadores de todas as ações

estatais.

Não é mais mistério que cada ordenamento jurídico contemporâneo seja

formado por princípios e regras. Ambos são espécies de normas que dizem o que deve

ser, mas possuem aplicações distintas. Alexy demonstra, em sua teoria, que as regras

são formas normativas que podem ser cumpridas ou não, enquanto os princípios são

aplicados na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas.

Segundo o autor, por apresentarem vasta abrangência de conteúdo e de aplicação, os

Page 91: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

90

direitos fundamentais se enquadram mais como formas principiológicas, e, portanto,

suas colisões devem ser tidas como conflitos entre princípios. A solução para o litígio

entre princípios, conforme já visto, está na ponderação e no sopesamento destes com

base na proporcionalidade.

Mônica Pimenta Júdice (2007), por meio de seu artigo ―Robert Alexy e sua

teoria sobre princípios e regras‖, afirma que o

[...] autor não diz que os direitos fundamentais não contêm regra, isto é, que

não contêm definições precisas e definitivas. Afirma apenas que os direitos

fundamentais enquanto balizadores de definições precisas e definitivas

possuem estrutura de regras, como também acentua que o nível de regras

precede ao nível dos princípios, devido ao seu alto nível de generalidade.

Então, enquanto as regras pertencem ao mundo do juridicamente existente e

do peremptoriamente válido, os princípios estão no indefinido mundo do

possível ou do concomitantemente possível. No conflito de regras, uma

elimina a outra, por questão de invalidade. Na colisão entre princípios, um

apenas afasta o outro no momento da resolução do embate, quando as

possibilidades jurídicas e fáticas de um deles forem maiores do que as do

outro.

Do fato de se concluir que o choque entre direitos fundamentais é, em sua

essência, um embate entre princípios, deduz-se a aplicabilidade do princípio da

proporcionalidade e da razoabilidade como balizadores para solucionar esses conflitos.

A proporcionalidade verifica se há a necessidade de intervenção no direito

fundamental para se resguardar outro, obedecendo à regra geral de que quanto mais

intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores devem ser os

fundamentos justificadores dessa intervenção.

O embate entre direitos fundamentais pode ser ora entre um princípio de

direito fundamental individual e outras normas de interesse coletivo, ou ora apenas entre

princípios de direitos fundamentais individuais. A primeira forma de conflito entre os

direitos fundamentais ocorre quando os direitos fundamentais individuais ferem

interesses fundamentais coletivos, sendo que não há uma relação de precedência ou de

predominância necessária entre eles. As colisões entre direitos fundamentais individuais

são caracterizadas pelo exercício ou realização do direito fundamental de um titular do

direito que produz efeitos indesejáveis sobre os direitos fundamentais de outro titular.

Fundamentando essas ideias, Júdice (2007) relata no mesmo artigo um

conhecido exemplo que ilustra estes pensamentos:

Page 92: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

91

Como exemplo, o famoso caso LeBach julgado pelo Tribunal Constitucional

Alemão, onde quatro soldados do grupo de guarda de um depósito do

Exército haviam sido assassinados, e armas haviam sido subtraídas, na cidade

de LeBach, e, após vários anos cumprindo pena, um dos condenados pelo

crime estava para sair da prisão quando o Programa de Televisão alemão

(ZDF) anunciou a projeção de um documento intitulado ―o assassinato dos

soldados de LeBach‖.

O preso pretendeu uma ordem proibitória de exibição do documentário,

argüindo que seu direito individual à personalidade seria ferido, prejudicando

sua ressocialização. O Tribunal Constitucional decidiu que, diante das

circunstâncias fáticas e jurídicas, o princípio da proteção da personalidade, de

índole individual, obteve melhor ponderação do que o princípio da liberdade

de informação, de índole coletiva.

Ressalte-se que o autor em estudo alerta que os chamados bens coletivos não

irão se apresentar apenas como adversários dos direitos individuais. Eles

também podem significar o pressuposto ou meio de realização desses

direitos. O que há na verdade é um caráter ambivalente do bem coletivo,

quando temos, por exemplo, o fato de que as indústrias de tabaco devem

informar os danos do cigarro à saúde, que é uma restrição à liberdade do

exercício profissional, extraímos um valor coletivo da defesa da população

contra os perigos à saúde, e um valor individual de proteção da vida e saúde

do próprio indivíduo.

É importante precisar que, de acordo com a teoria de Alexy, no caso de

haver um conflito entre regras e princípios, tendo as regras menos generalidade e mais

grau de certeza do que os princípios, elas têm prioridade em um eventual embate.

Conclui Robert Alexy (2001, p. 134) apud Júdice (2007) com os seguintes dizeres:

Por lo tanto, entre los dos niveles no existe uma relación estricta de

precedência. Más bien, vale la regla de precedência según la cual el nível de

las reglas precede al de los princípios, a menos que las razones para

determinaciones diferentes a lãs tomadas en el nível de las reglas sean tan

fuertes que también desplacen al princípio de la sujeción al texto de la

Constitución.13

5.5 Direitos e garantias fundamentais

Consoante as palavras de Luigi Ferrajoli (2001, p. 291) em seu livro Los

fundamentos de los derechos fundamentales, citado por Pacheco (2007, p. 10): ―são

direitos fundamentais aqueles direitos subjetivos que as normas de um determinado

ordenamento jurídico atribuem universalmente a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou

pessoas capazes de agir‖.

13 Entretanto, entre os dois níveis não existe uma relação estrita de precedência. Vale, porém, a regra de precedência

segundo a qual o nível das regras precede ao dos princípios, ao menos que as razões para determinações diferentes

àquelas tomadas no nível das regras sejam tão fortes que também desloquem o princípio da sujeição ao texto da

Constituição [Tradução Nossa].

Page 93: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

92

Nesse momento, convém diferenciar direitos fundamentais dos chamados

direitos do Homem. Este último equivale aos direitos válidos para todos os povos e em

todos os tempos, enquanto o primeiro refere-se aos direitos do homem que são

garantidos e limitados espaço-temporalmente.

Os direitos fundamentais possuem duas funções essenciais, quais sejam:

defesa da pessoa humana ou de sua liberdade perante os poderes do Estado; e de

proteção dos respectivos direitos fundamentais perante terceiros. Ter-se-ia, pois, um

direito de defesa e um direito de proteção dos indivíduos, seja em relação ao Estado,

seja em relação a terceiros. Nas palavras de Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 22):

O direito de defesa é um direito frente ao Estado para que este omita

intervenções, enquanto o direito à proteção é um direito frente ao Estado para

que este se encarregue de que terceiros omitam intervenções. O direito a

proteção exige a utilização de pelo menos um meio de proteção, enquanto o

direito de defesa exclui a utilização de todo meio de destruição ou afetação.

Essa primeira função de proteção primordial exercida pelos direitos

fundamentais teria sua eficácia vinculada à existência de normas de competência

negativa para os poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes

na esfera individual e na existência de normas positivas, em que se estabelece o poder

de o indivíduo requerer que outro não invada sua esfera privada ou atinja seus direitos

personalíssimos. Logo, a função de defesa dos direitos fundamentais não se

circunscreve apenas ao poder de exigir do Estado uma abstenção, mas também, em caso

de violação ou ingerências ilícitas na esfera jurídica do cidadão, a de requerer e exigir

uma postura ativa do Estado contra o delinquente ou infrator. Percebe-se, pois, que a

prerrogativa de defesa do indivíduo recai também sobre seu o direito de proteção

positiva por parte do Estado.

Neste sentido, Andrade (2001, p. 175-178) no livro Os direitos

fundamentais na constituição portuguesa de 1976, referido por Pacheco (2007, p. 32)

preleciona:

Os direitos de defesa (fundamentais) não se traduzem apenas em faculdades

de impedir, implicam também, em caso de violação, o direito e o dever de

suspensão das eventuais intromissões ilegítimas, bem como o direito e o

dever de reposição da situação anterior ou de eliminação das conseqüências

já verificadas de tais intromissões ou ofensas.

Page 94: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

93

Da mesma forma, e por outro lado, existe também o dever do Estado de

proteger os direitos fundamentais de seus cidadãos perante agressões de terceiros. É isso

que ocorre com numerosos direitos, como o direito de inviolabilidade de domicílio, o

direito de proteção de dados informáticos, o direito de informação. Em todos esses

casos, da garantia constitucional de um direito resulta o dever do Estado de adotar

medidas positivas destinadas a proteger os direitos fundamentais de seus cidadãos.

Por conseguinte, o Estado tem uma dupla função que se perfaz

dialeticamente: em uma, o Estado tem o dever de abster-se em certas ações para não

ferir os direitos fundamentais dos indivíduos; na outra, o Estado deve implementar

medidas positivas com o intuito de proteger, inclusive em caráter preventivo, os direitos

fundamentais dos cidadãos contra ingerências e agressões indevidas provindas de

particulares ou agentes externos.

A partir dessa discussão, abre-se outra que é de mais valia para o presente

trabalho. O Estado possui duas funções primordiais: por um lado, deve proteger as

garantias e direitos fundamentais de cada indivíduo; por outro, tem a obrigação de zelar

pelo interesse público e pelos direitos fundamentais cujos destinatários finais seja a

própria coletividade. Entretanto, concebe-se plenamente possível o embate entre essas

duas funções estatais quando um direito fundamental de caráter individual choca-se com

outro de cunho coletivo.

A resolução desse conflito principiológico não é simples e carece de uma

análise detalhada da situação, que se oriente pelo princípio da proporcionalidade e pela

reflexão fática que selecione qual interesse deva prevalecer.

Antes de adentrar-se o debate, é cogente a compreensão de que tanto a

proteção do Estado para com terceiros como seu dever de abstenção possuem limites,

mesmo porque os próprios direitos fundamentais impostos constitucionalmente não são

absolutos. Nesse sentido, a doutrina majoritária entende que a função do Estado de

proteger os direitos fundamentais contra terceiros só poderia se dar quando a ameaça às

referidas garantias for irreparável ou quando a evolução por ela deflagrada se revelar

como incontrolável.

Portanto, a proteção do Estado aos direitos fundamentais do Homem

(função primeira), bem como a promessa de abster-se de questões fundamentais do

Page 95: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

94

indivíduo (função segunda) apresentam limites que cercearão as ações desenvolvidas

pelo Estado e por seus órgãos, entre os quais importa citar as instituições de

inteligência.

5.6 A atividade de inteligência e os direitos fundamentais

Assim como toda ação ou atividade desenvolvida pelo Estado, a atividade

de inteligência não é absoluta, e encontra, legal ou consuetudinariamente, limitações e

até mesmo proibições em seu âmbito de pesquisa, atuação e produção de resultados.

Nas operações de inteligência, alguns princípios orientam e limitam as decisões e

condutas do poder público, dentre os quais alguns são considerados fundamentais:

princípio da objetividade, oportunidade, segurança e imparcialidade.

Consoante o princípio da objetividade, a inteligência ―deve ter utilidade,

finalidade ou objetivo específico, além de expressar os conhecimentos sobre os atos ou

fatos com a maior precisão possível, mediante o emprego de linguagem caracterizada

pela clareza e simplicidade‖ (GONÇALVES, 2009, p. 96).

O princípio da oportunidade, por sua vez, difunde a ideia de que todo o

conhecimento produzido deve ser disposto ou fornecido de acordo com um prazo bem

delimitado, capaz de fazer com que as decisões tomadas por meio da atividade de

inteligência possam se pautar. Uma vez que a finalidade das operações de inteligência

seja orientar as decisões do poder público da melhor forma possível, caso os dados

produzidos pela atividade de inteligência não cheguem ao tempo necessário para

respaldarem as decisões estatais dever-se-á concluir pela ineficácia dessas operações. A

partir do exposto, é inevitável a conclusão de que o valor e a utilidade das atividades de

inteligência são totalmente dependentes da oportunidade e do tempo em que são

produzidas e vinculadas ao Estado.

Diante dos princípios supra-aludidos, a norma axiológica da segurança

também é balizadora da atividade de inteligência. Esse princípio preconiza que o

planejamento, a produção e a difusão da inteligência devem se orientar e ser protegidos

pelo sigilo, de modo a idealizar um limite pessoal e material à obtenção desses dados. O

limite pessoal se refere a quem pode ter acesso a esse tipo de informação, que são

apenas aqueles que estão a serviço do Estado e visam a munir as decisões das

Page 96: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

95

autoridades de informações necessárias. O limite material, diferentemente, diz respeito

ao tipo de dado que pode ser divulgado e difundido. Ambos os limites, conforme dito

devem configurar-se sob a égide do sigilo. É importante frisar que em torno desse

princípio erguem-se e organizam-se algumas medidas de salvaguarda que tem por

objetivo a proteção de dados e informações secretas e de interesse da máquina estatal.

Elenca-se também o princípio da imparcialidade no rol dos princípios

fundamentais da atividade de inteligência. Este requer da produção de informações e

dados uma postura imparcial e imune a qualquer interferência externa ou juízo de valor,

sob pena de ―politizar-se‖ a atividade de inteligência, e com isso, comprometer toda a

dinâmica, já desenvolvida, da esfera democrática. Corrobora esse posicionamento o ex-

diretor da CIA, Mark Lowenthal (2003, p. 91), no livro Intelligence: secrets to policy,

mencionado por Gonçalves (2009, p. 97), afirmando que, ―De fato, apresentar opiniões

pessoais poderia significar que o analista está ultrapassando a linha entre a inteligência e

a política [...]‖.

Por fim, vislumbra-se a ética com princípio de grande importância para a

atividade de inteligência. O elemento moral deve pautar toda procura e difusão de

dados, sob pena de haver grande possibilidade de haver desvios de condutas por parte

dos operadores, tráfico e comércio de informações, comprometimento da atividade

diretiva da máquina estatal, entre muitos outros problemas. Consoante Joanisval Brito

Gonçalves (2009), é por meio da ética que o serviço secreto se mostra como órgão a

serviço de um bem maior, voltado para a coletividade.

Essas limitações principiológicas, entretanto, nem sempre são levadas em

conta pelo exercício da atividade de inteligência. São diversas as vezes em que uma

operação de inteligência afeta uma garantia fundamental, justamente por não haver uma

legislação específica que a respalde. Tendo-se em vista que a preservação dos direitos

fundamentais é a razão de ser ou a finalidade última de um Estado Democrático de

Direito, não se pode conceber uma atividade, imposta por lei pelo próprio Estado, mas

que interfira nessa gama de direitos. É imprescindível, pois, o desenvolvimento e a

estruturação de mecanismos que possam conferir a essa atividade a legalidade

necessária para que haja uma convivência harmoniosa, mas, antes, legal, entre as

garantias e a atividade de inteligência.

Page 97: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

96

Nesse sentido, cumpre ressaltar a importância dos direitos fundamentais,

não só como elementos estruturadores de nosso Estado, mas como limites à atividade de

inteligência. Conforme as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 409),

É princípio assente em nosso Direito – e com expresso respaldo na Lei

Magna – que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída à

apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV). Nem mesmo a lei poderá

excepcionar este preceito, pois, a tanto, o dispositivo mencionado opõe

insuperável embargo.

Segue-se que um ato gravoso, provenha de quem provier, pode ser submetido

ao órgão judicante a fim de que este afira sua legitimidade e o fulmine se

reputar configurada ofensa a um direito.[...]

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico

mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave

forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do

princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,

subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu

arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se a

estrutura nelas esforçada.

5.7 Princípios que regem a atividade de inteligência

Assim como qualquer setor de caráter público e diretamente vinculado à

administração pública, a atividade de inteligência é limitada e orientada por alguns

princípios de suma importância para sua efetivação e para seu controle. Acolhendo

como referência a classificação adotada por Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p.

67-71), destacamos como princípios que regem a atividade de inteligência:

Princípio da oportunidade: através dessa norma geral, o dado fornecido tem

um prazo certo pelo qual é válido a orientar as decisões estatais. A informação deve ser

produzida dentro de prazos que assegurem sua utilização da melhor maneira possível.

Princípio da finalidade: assim como a finalidade última da atividade de

inteligência é o alcance do bem comum, a informação produzida deve visar ser útil ao

interesse nacional.

Princípio da utilidade: a informação produzida pela atividade de

inteligência deve possuir uma utilidade prática para que possa ser transformada

efetivamente em ações pelos agentes da área. O dado, segundo Wilson Rocha de

Almeida Neto (2009), ―deve ser pertinente para a tomada de uma decisão‖.

Page 98: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

97

Princípio da objetividade: toda medida imposta por um profissional de

inteligência ou por um tomador de decisões deve se pautar pelo modo mais rápido e

eficaz, visando à simples conclusão do fim proposto.

Princípio da imparcialidade: o profissional de inteligência não pode deixar

que elementos pessoais, como manifestações ideológicas, venham a alterar ou viciar o

resultado de suas ações, e da atividade de inteligência como um todo.

Princípio do controle: uma das prerrogativas mais importantes, o princípio

do controle exige a atividade de inteligência seja realizada observando-se alguns limites

que resguardem bens e direitos de maior valor nas situações fáticas. Consoante as

palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto (2009), ―exige-se a supervisão e o

monitoramento sistemático de toda a atividade de inteligência, de modo a evitar riscos

desnecessários, distorções, ilegalidades e toda sorte de interferências ou acessos

indesejáveis‖.

Princípio da simplicidade: esse princípio funciona como uma vedação a

todos os atos que tenham a potencialidade de provocarem riscos, gastos e esforços

desnecessários.

Princípio da amplitude: de acordo com esse princípio, os resultados obtidos

pela atividade de inteligência devem possuir um alcance completo e que atenda a todas

as especificidades que a situação demanda.

Princípio da responsabilidade: assim como afirma Wilson Rocha de

Almeida Neto (2009), ―não somente a instituição, mas também o profissional de

inteligência devem se responsabilizar pelo conhecimento produzido e pelo modo como

os dados foram obtidos‖. Nesse diapasão, se o agente obtiver informações de modo

ilícito e desrespeitando direitos e garantias fundamentais, este deve ser responsabilizado

de acordo com o resultado que sua ação provocou, seja na seara civil, administrativa ou

mesmo penal.

Princípio da interação: a atividade de inteligência deve primar pela

produção de informações pertinentes e capazes de orientar as decisões das autoridades

públicas. Nesse sentido, os órgãos de inteligência devem atuar em conjunto, cooperando

entre si, para, conforme o princípio da interação, que se atinja um maior dinamismo e,

ao final, o bem comum.

Page 99: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

98

Princípio do significado: essa norma geral requer que o profissional de

inteligência atribua significados e sentidos a todas as informações e fatos que possam

importar em algo relevante.

Princípio das definições: esse princípio se relaciona estritamente com o do

significado, haja vista que todos os significados atribuídos pelos profissionais de

inteligência devem ser definidos de modo claro e taxativo para que não gere decisões

incoerentes ou ambíguas.

Princípio do grau de certeza: por meio desse princípio as informações

produzidas devem pautar-se pela maior precisão possível, para que a probabilidade de

ocorrer algum tipo de erro na atividade de inteligência seja mínima. Wilson Rocha de

Almeida Neto (2009) corrobora com essa posição e afirma que ―deve-se produzir uma

informação de confiança, para que a decisão tome rumo certo‖.

É importante destacar também os princípios que regem a atividade de

inteligência segundo a Agência Brasileira de Inteligência. Segundo a ABIN, a atividade

de inteligência nacional deve orientar-se ―pela preservação da soberania nacional,

defesa do Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana e pela fiel

observância à Constituição e às leis‖. Para alcançar esse desiderato, a ABIN é

sustentada por cinco princípios primordiais:

1- Lealdade à Nação e, por extensão, à afirmação político-jurídica desta, o

Estado;

2- Profundo sentimento de servir à causa pública e jamais a si mesmo;

3- Consciência de que o exercício da atividade de Inteligência é impessoal e

apartidário;

4- Fidelidade à instituição e consciência de que os fins desta prevalecem

sobre os interesses pessoais; e

5- o comprometimento com os valores éticos e morais da Agência deve ser

assumido por todos os seus componentes, dentro e fora da organização

[ABIN, 2010].

5.8 Princípios fundamentais—princípio da proporcionalidade,

princípio da legalidade e princípio da obrigatoriedade

Uma reflexão principiológica é premissa básica para qualquer análise sobre

a validade de ações estatais. De fato, conforme já analisado, os princípios não são

apenas garantias individuais frente a interferência do Estado em assuntos de caráter

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99

personalíssimo. Conjugado a isso, a sustentação principiológica mostra-se como valor

fundante e legitimante das atividades desempenhadas no âmbito público. Dessa forma, o

Estado, enquanto entidade representativa da sociedade, deve, não só respeitar os

princípios e as garantias deles decorrentes, mas também condizer todos os seus atos e

atividades à uma orientação advinda dos princípios promulgados pela Carta

Constitucional.

A atividade de inteligência, como se sabe, é uma atividade estatal e, por

isso, possui as mesmas limitações e deveres de qualquer ato de responsabilidade da

máquina estatal, sejam eles normativos ou de base principiológica. A observância

desses limites, todavia, tende e exige-se mais forte no caso desse tipo de atividade, haja

vista que constituem atos com grande possibilidade de ameaçarem ou mesmo ferirem

direitos e garantias fundamentais. Nesse desiderato, reafirma-se cogente uma

consagração coerente e sólida daquelas normas gerais que não só restringirão a

potencialidade ofensiva das operações de inteligência, mas as revestirão da devida

legalidade esperada.

Há uma previsão doutrinária, vista no tópico 5.6 deste mesmo capítulo,

daqueles princípios que cerceiam a atividade de inteligência de modo específico.

Entretanto, há normas gerais previstas constitucionalmente que, justamente pela posição

de supremacia que ocupam no ordenamento jurídico brasileiro, primam por maior

relevância e, por isso, exercem maior influência nas atividades de inteligência e, em

especial, nas operações desta área. Dentre eles, destacamos o princípio da eficiência, o

princípio da proporcionalidade, o princípio da legalidade e o princípio da

obrigatoriedade.

A análise da atividade de inteligência sob os paradigmas desses princípios

fará mais clara a problematização proposta neste trabalho. À luz da eficiência, da

proporcionalidade, da legalidade e da obrigatoriedade, pretende-se demonstrar que a

atividade de inteligência desenvolvida no Brasil apresenta questões bastante

controversas, como consequência direta de uma legislação defasada e insuficiente. A

atividade de inteligência pátria está próxima da inércia justamente por uma deficiência

na legislação específica, que longe de mostrarem-se coerentes com as atuais

necessidades do país, reiteram um amadorismo que deve ser superado.

Page 101: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

100

5.8.1 O princípio da eficiência e efetividade na atividade de inteligência

Para compreender-se o princípio da eficiência, deve-se volver o olhar para a

História e a evolução do Estado nos últimos séculos.

Após a Idade Média, não só a sociedade, mas também a estruturação do

poder começa a se modificar. A lógica descentralizada e autônoma como se vinculavam

os feudos da nobreza passa a ser substituída pela centralização política, econômica e

social exercida pelos reis em seus Estados recém-fundados. Esse centralismo é, no

entanto, superado pelo anseio à liberdade cultuado pela iminente classe burguesa. Nesse

contexto, em que ocorrem diversas revoluções liberais conjugadas estreitamente ao

movimento iluminista, dentre as quais se destacam a francesa e a inglesa, é formado o

Estado Liberal. Este Estado vincula-se a uma ética concorrencial e liberal, em que a

não-intervenção em assuntos econômicos e sociais era uma necessidade ou, e

principalmente, uma função exigida ao Estado pela sociedade.

Todavia, o Estado Liberal entra em decadência, tendo em vista que a

eclosão da Revolução Industrial e a dinâmica competitiva formaram uma considerável e

indignada classe de proletários. A disparidade entre aqueles que detinham o controle de

indústrias e aqueles que nela trabalhavam começa a ecoar na mente dos trabalhadores

como uma injustiça que deveria sofrer uma modificação substancial.

Nesse sentido, como forma de amenizar essa díspare realidade e manter o

poder estatal nas mãos da classe dominante (burguesia), o Estado resolve modificar sua

dinâmica de atuação e passa a interferir e dirimir os conflitos sociais. A partir de então,

o Estado passa a ter uma postura mais ativa e positiva frente a essa realidade social

desigual. Nasce, portanto, o Estado Social. A criação desse modelo de Estado exigiu,

porém, que surgisse um sistema complexo e oneroso de administração pública, que

pudesse abarcar e resguardar os indivíduos e seus direitos contra possíveis abusos.

Agora, o Estado não somente afirmava e protegia os direitos fundamentais do Homem,

mas interferia sobre a realidade visando à satisfação das demandas sociais, econômicas

e culturais da sociedade.

Desde então o Estado exerce um papel fundamental e ativo na sociedade,

oscilando quanto a esse grau de ingerência, mas sempre envolvido em questões de

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101

interesse social. Dessa forma, pode-se compreender a adoção das chamadas ações

afirmativas por parte do governo, que apesar de constituírem clara ameaça a preceitos

constitucionais de igualdade, são legitimadas tendo em vista o fim a que se prestam e a

necessidade de sua aplicação. Por isso, a distribuição de cotas em universidades federais

são ações legítimas e necessárias impostas positivamente pelo Estado, apesar de ser uma

afronta ao preceito da igualdade entre os homens ou princípio da isonomia previsto no

artigo 5º da Constituição Federal. Essa postura mais ativa do governo em questões

sociais e econômicas, como já dito anteriormente, exige da máquina estatal uma grande

complexidade, a presença de inúmeros servidores e a prestação de vários serviços. No

entanto, a adoção dessa realidade exige um grande custo material (financeiro) e pessoal,

levando o governo a implantar uma política tributária cada vez mais ampla e onerosa.

Verifica-se, por conseguinte, que à medida que a demanda social aumenta, cresce a

necessidade do Estado evoluir, e à proporção que ocorre essa evolução aumentam-se os

gastos públicos e, portanto, os tributos cobrados.

O entendimento da questão é vinculada à ideia de que a insatisfação da

sociedade com o Estado ocorre, sumariamente, devido ao significativo aumento da

contribuição (tributária) dos cidadãos para o Estado e a não proporcionalidade desses

gastos com as prestações executadas pelo governo em prol da sociedade. O Estado

contemporâneo entra, nesse contexto, em uma grande crise, que não só compromete a

execução de suas promessas perante a sociedade, como também sua própria existência.

Para superar tal crise, o Estado foi obrigado a voltar suas vistas, de um

modo singular e, segundo preleciona Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 73),

[...] o aprimoramento dos serviços públicos, a racionalização de suas

atividades, a adoção de novos modelos de administração, a otimização dos

resultados frente à escassez dos recursos disponíveis, o incremento de

mecanismos adequados de controle de resultados e dos níveis de satisfação da

população, dentre outros.

Vale dizer, a crise vivenciada pelo Estado sinalizava para apenas uma

direção: a substituição de um modelo administrativo-burocrático para um perfil de

administração pública eficiente.

Um dos meios para tornar a administração pública mais eficiente e mitigar

parte da burocracia estatal reside nas atividades de inteligência. Esse tipo de atividade

Page 103: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

102

encontra sua finalidade primordial no auxilio material, por meio de informações e dados

abertos ou fechados, para as decisões do poder executivo e de outros órgãos a ele

vinculados. A serviço da nação, a atividade de inteligência indica qual a melhor diretiva

a ser tomada pelo chefe do executivo. De fato, é de fácil observância que um Governo

que não possua um órgão dessa natureza apresente maiores possibilidades de pautar-se

por uma decisão inadequada por falta de informações necessárias, e, dessa forma,

aumentar a insatisfação da sociedade com políticas errôneas. A burocracia estatal tende

a aumentar na ausência de um órgão que possa munir e direcionar as medidas decisórias

do poder público. Por conseguinte, há de se concluir que para superar a crise estatal em

destaque, uma das saídas, senão a principal, é o estímulo ao desenvolvimento das

atividades e operações de inteligência.

Esse estreito vínculo entre a atividade de inteligência e o princípio da

eficiência deve ser visto como uma possível solução à burocracia estatal e,

consequentemente, um ponto favorável à otimização dos serviços públicos destinados à

sociedade. Vasta parte dessas disfunções apresentadas pelo Estado na prestação de

serviços decorre do fato de se considerar os procedimentos e regras formais, não como

meios, mas como fins, provocando a então considerada burocracia estatal. Na verdade,

toda essa gama de formalidades exigidas para se demandar ou realizar ações públicas

devem ser vistas, preliminarmente, como meios para se alcançar a eficiência, e, em sua

decorrência, o bem público.

Sustentando a mesma ideia, Onofre Alves Batista Júnior (2004, p. 69-74),

no livro Princípio constitucional da eficiência administrativa, citado por Almeida Neto

(2009, p. 74), diz:

Se o modelo burocrático privilegia o procedimento para que se possa

assegurar os direitos individuais e evitar a corrupção e a prevalência dos

interesses privados, passou-se a exigir uma administração pública orientada

para os resultados, que, além de cumprir aquele desiderato, pudesse orientar-

se pelo cidadão e que prevenisse os desvios aprioristicamente, e não se

concentrasse em corrigir as faltas após ocorridas já a lesão do interesse

público.

É de grande utilidade verificar que o princípio da eficiência não surgiu com

a nova Constituinte de 1988. Ao contrário, essa regra geral de direito já era reconhecida

Page 104: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

103

pela jurisprudência pátria, e muitas leis se orientavam por esse princípio, ainda que não

explicitamente.

Ademais, é necessária a percepção de que o princípio da eficiência, assim

como qualquer princípio após a superação do pós-positivismo, não pode ser entendido

como norma programática, isto é, deve-se desvincular da definição de norma que apenas

apresenta preceitos e situações (muitas vezes, utópicas) a serem buscadas pelo Estado,

apesar de não haver um vínculo obrigatório entre o estímulo e o alcance do pretendido

resultado. Na realidade, normas programáticas constituem diretrizes a serem observadas

nos processos de interpretação e aplicação das normas jurídicas. Outrossim, tais normas

comunicam os valores e fins norteadores da ordem jurídica nacional, o que revela sua

preeminência. Entretanto, o princípio da eficiência é plenamente exigido para a

otimização da administração pública, sendo considerado como valor fundante para o

desenvolvimento e manutenção do Estado. Não é uma regra geral que vise a uma

situação utópica; não é, portanto, uma norma programática adotada pelo governo.

Nas palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 80),

[...] o princípio da eficiência, expressamente inserido no bojo da Constituinte

como princípio reitor da administração pública, além de autônomo, é dotado

de normatividade suficiente para, na condição de um princípio jurídico-

político, vincular as atividades da administração pública direta e indireta de

qualquer dos poderes da União, dos Estados e dos Municípios, impondo-lhes,

como corolário [...] a orientação para o bem comum.

Analisando-se o princípio da eficiência sob uma perspectiva material,

evidencia-se que o conteúdo desse preceito normativo não se restringe à ideia de mera

economicidade ou a uma mera análise quantitativa. É por isso que é perfeitamente

concebível a existência de um fato que tenha causado prejuízos econômicos à máquina

estatal e, todavia, seja qualificado como eficiente justamente por primar pelo bem

comum e gerar benefícios acima de qualquer abordagem econômica ou patrimonial. O

conteúdo do princípio da eficiência, a despeito de relacionar-se com aspectos

econômicos, não se limita a eles, submetendo-se, anteriormente, à orientação de suas

ações em torno do bem comum.

Percebe-se, pois, que há uma relação intrínseca entre a atividade de

inteligência e o princípio da eficiência. Ambos destinam e orientam suas ações à

produção do bem comum. Embora a atividade de inteligência, por si só, não garanta a

Page 105: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

104

eficiência no funcionamento de uma dada instituição, não há duvida de que, com a sua

implementação e estruturação, os riscos da tomada de decisões arbitrárias, desconexas,

contraditórias, destoantes de uma estratégia racionalmente delimitada e em confronto

com o interesse público primário serão bastante reduzidos. Uma decisão pautada por

maior número de informações seguras é muito mais valorizada que outra sem todo esse

respaldo, logo, uma decisão orientada pela atividade de inteligência é mais eficiente que

outra por ela não baseada. Com o escopo de produzir conhecimentos externos e internos

à instituição, a inteligência fornecerá elementos suficientes para que o decisor possa

cumprir com eficiência seu mister.

É importante lembrar que há uma grande discussão sobre a possibilidade de

se utilizar os documentos e as informações produzidas pela atividade de inteligência

para a investigação criminal. Esse debate é facilmente solucionado quando analisado

sobre a perspectiva do princípio da eficiência. Esse princípio mostra-se como

fundamento estruturador da possibilidade de documentos produzidos pela atividade de

inteligência, e, em especial, pela ABIN, serem utilizados em inquéritos policiais e ações

penais, pois, assim como leciona Fabrício Piassi Costa (2009), em seu artigo ―Do

princípio da eficiência e do princípio federativo‖,

Com efeito, como se sabe, no princípio da eficiência, a Atividade de

Inteligência não só pode como deve ser utilizada como documentos

probatórios em Inquéritos Policiais e processos criminais, haja vista que esta

colaboração entre as instituições está justamente dando aplicabilidade ao

desígnio constitucional da eficiência, até mesmo porque todos sabem que

muitas vezes o aparato da polícia judiciária estadual não é o suficiente para

realizar as atividades investigativas que a sociedade dela espera. [...]

considerando ainda, que a segurança pública é dever do estado, direito e

responsabilidade de todos, não há que se falar em qualquer

inconstitucionalidade ou ilegalidade na utilização de documentos produzidos

pela ABIN pela polícia judiciária, haja vista que tal colaboração traduz o

princípio do federalismo, adotado pela própria CF.

5.8.2 A proibição de excesso e de insuficiência do Estado—relação a partir

do princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade seria aquele com aptidão para garantir

direitos fundamentais e solucionar colisões de direitos, bens, interesses ou valores a

partir de ideias como adequação, necessidade e proporção. Por certo, constitui a

ferramenta mais forte e adequada a serviço do Estado para dirimir conflitos entre

Page 106: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

105

direitos fundamentais e para suspender qualquer excesso ou arbitrariedade realizada

contra essas garantias.

O postulado da proporcionalidade tem sua origem e desenvolvimento

totalmente vinculado à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana.

Nas palavras de Roberta Pappen da Silva, em seu artigo ―Algumas considerações sobre

o princípio da proporcionalidade‖ (2004):

Nascido na esfera do Direito Administrativo, o princípio da

proporcionalidade foi tido como regra sobre o uso do poder de polícia, foi

desenvolvido como uma evolução do princípio da legalidade. Demandava a

idéia de mecanismo capaz de controlar os Poderes no exercício de suas

funções, evitando os atos administrativos arbitrários (violação da Lei, desvio

de poder, o arbítrio ou o abuso de poder).

O ápice do referido princípio, todavia, ocorreu nas revoluções burguesas do

século XVIII, em que a ideia motora dos movimentos revolucionários firmava-se na

limitação de poderes e arbitrariedades.

Sobre o tema, Mônica Pimenta Júdice (2008), em seu artigo intitulado ―A

teoria dos Princípios de Robert Alexy‖, concebe que

A máxima da proporcionalidade é verificada pelos critérios da adequação do

meio utilizado para a persecução do fim, necessidade desse meio utilizado e a

aplicação estrito senso da proporcionalidade, isto é, da ponderação. Assim,

quando se estiver diante de uma colisão entre direitos fundamentais,

primeiramente, para solucioná-la utiliza-se da adequação do meio,

posteriormente, utiliza-se à necessidade desse meio, e em seguida, se ainda

não solucionada a colisão, a ponderação.

No entanto, apesar de ser visto como instrumento equacionador da colisão

dos direitos fundamentais, embora seja utilizado pelo operador do direito na ponderação

dos valores que deverão prevalecer no caso concreto, o postulado da proporcionalidade

deve ser esclarecido quanto aos seus limites, para que não se comprometa sua real

finalidade. Caso os limites do princípio da proporcionalidade não estejam devidamente

ilustrados, corre-se o risco de minar toda a atividade de inteligência e, de um modo

geral, todo o Estado Democrático de Direito.

Na aplicação do dispositivo da proporcionalidade, sabe-se que não se pode

produzir ou permitir excessos de alguma parte que ameace ou fira algum direito

fundamental. Da mesma forma, porém, o Estado não pode se omitir de uma obrigação

legal com o temor de ferir alguma garantia individual, pois a Constituição veda a

Page 107: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

106

insuficiência de alguns deveres por parte da máquina estatal. Isto é, o Estado deve

proibir qualquer excesso contra direitos fundamentais, mas não pode, ao mesmo tempo,

ser insuficiente na proteção de algum bem coletivo ou na prestação de algum serviço

vital para a sociedade. A titulo exemplificativo, o aparato estatal não pode desrespeitar a

dignidade do Homem mesmo aprisionando-o por um crime feito e já julgado em

sentença, pois não pode cometer excessos em relação a essa garantia fundamental;

algumas condições básicas devem ser mantidas, tais como higiene, lazer e outros,

embora, convenhamos, isso não aconteça plenamente na realidade. Por outro lado, o

Estado tem o dever de prestar serviço jurisdicional a quem quer que seja, devido à

vedação constitucional de insuficiência estatal para esse tipo de atividade.

Analisando um caso mais difícil, porém, essa relação dialética entre

proibição de excesso e vedação de insuficiência se torna mais complicada e carente de

análise. No exemplo em que um indivíduo seja suspeito de ter relações com terroristas

internacionais e que planeje um atentado à bomba em seu país, caso o Estado interfira

na questão grampeando seu telefone, ainda que com autorização judicial, estaremos

diante do referido movimento dialético. Isso acontece porque ao mesmo tempo em que

o Estado tem o dever de não intervir na intimidade do suspeito e, consequentemente,

não cometer nenhum excesso contra uma garantia fundamental, ele também não pode se

omitir de garantir a segurança pública, pois esta é uma obrigação estatal, e a

Constituição veda a insuficiência do Estado nessa situação.

A solução para esse embate dialético estaria, portanto, na analise correta do

postulado da proporcionalidade, em que analisar-se-iam os princípios em questão e se

verificaria qual deveria ter a primazia no conflito, levando-se em conta os elementos

fáticos envolvidos.

Esse contexto é natural observando-se o desenvolvimento histórico do

Estado e seu papel frente aos direitos fundamentais. A evolução e consolidação da

burguesia como classe dominante é concomitante à exigência de que o Estado não

deveria ter uma postura interventiva em relação a assuntos econômicos, sociais e

jurídicos. No entanto, essa postura ideológica começa a se modificar com a eclosão da

revolução industrial, que ao criar uma imensa classe de operários insatisfeitos com o

capitalismo fez da intervenção estatal a solução mais segura para se conter as prováveis,

Page 108: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

107

para não dizer certas, revoluções e lutas do proletariado. Nesse sentido, o Estado, desde

então, passa a controlar suas ações, ora para não cometerem excessos aos direitos

fundamentais dos cidadãos, ora para não constituírem insuficiência na prestação de um

serviço fundamental à coletividade.

Esse debate é plenamente desenvolvido na análise, já abordada, dos direitos

de defesa do indivíduo em oposição aos direitos à prestação frente ao Estado. Enquanto

os primeiros são vistos como dispositivos legais que impedem a realização de excessos

por parte do Estado às garantias fundamentais, os últimos correspondem à vedação de

insuficiência estatal em alguns serviços e medidas. Acolhendo o pensamento de Ingo

Wolfgang Sarlet (2007) no artigo ―Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os

direitos fundamentais entre proibição de excesso e vedação de insuficiência‖, demonstra

que,

Partindo-se de possível e prestigiada (embora não incontroversa) distinção

entre uma dimensão negativa e positiva dos direitos fundamentais, convém

relembrar que, na sua função como direitos de defesa os direitos

fundamentais constituem limites (negativos) à atuação do Poder Público,

impedindo ingerências indevidas na esfera dos bens jurídicos fundamentais,

ao passo que, atuando na sua função de deveres de proteção (imperativos de

tutela), as normas de direitos fundamentais implicam uma atuação positiva do

Estado, notadamente, obrigando-o a intervir (preventiva ou repressivamente)

inclusive quando se tratar de agressão oriunda de outros particulares.[...] Um

dever de proteção (e, portanto, um dever de atuação do Estado) carece de

uma especial justificação para o seu reconhecimento e reclama especial

cuidado no seu controle.

Em suma, a ideia-foco a ser abordada neste tópico é a de que ―o princípio da

proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco

de modo insuficiente na consecução de seus objetivos. Exageros para mais ou para

menos configuram irretorquíveis violações ao princípio‖ (SARLET, 2007).

É importante frisar também que a sobreposição de um interesse público

sobre o privado, ou o contrário, não obedece a uma regra geral, mas é resultado de um

processo avaliativo no qual o preponderante instrumento é o princípio da

proporcionalidade. Assim como exploramos anteriormente, a tendência atual é a de se

conceber os direitos fundamentais não apenas subjetivamente, mas, principalmente, sob

uma visão objetiva. Com isso, afirmou-se que os direitos fundamentais não se limitam à

função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do

Page 109: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

108

poder público, mas que também constituem decisões valorativas de natureza jurídico-

objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem

diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. Ou seja, ―os direitos

fundamentais passaram a apresentar-se no âmbito da ordem constitucional como um

conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes

públicos, e não apenas garantias negativas dos interesses individuais‖ (SARLET, 2007).

Todavia, a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não suprime sua

concepção subjetiva, mas, ao contrário, a complementa. Constata-se que os ―direitos

fundamentais devem ter sua eficácia valorada não só sob um ângulo individualista, isto

é, com base no ponto de vista da pessoa individual e sua posição perante o Estado, mas

também sob o ponto de vista da sociedade, da comunidade na sua totalidade. O

exercício dos direitos subjetivos individuais está condicionado, de certa forma, ao seu

reconhecimento pela comunidade na qual se encontra inserido e da qual não pode ser

dissociado‖.

Conclui Sarlet (2007) que

[...] é neste sentido que se justifica a afirmação de que a perspectiva objetiva

dos direitos fundamentais não só legitima restrições aos direitos subjetivos

individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também e de

certa forma, que contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos

direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo

essencial destes e desde que estejamos atentos ao fato de que com isto não se

está a legitimar uma funcionalização (e subordinação apriorística) dos

direitos fundamentais em prol dos interesses da coletividade , aspecto que,

por sua vez, guarda conexão com a discussão em torno da existência de um

princípio da supremacia do interesse público.

Cumpre frisar, mais uma vez, que toda essa decisão entre a prevalência de

um interesse público sobre o particular deve se pautar pelo princípio da

proporcionalidade, ou seja, pela análise fática da situação que comprove a maior

relevância do direito coletivo sobre o privado.

Antes de finalizarmos este tópico, cabe, aqui, uma analogia interessante

inspirada em uma relação feita por Denilson Feitoza Pacheco (2007) em sua obra O

princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro. O autor inicia

sua obra sinalizando o dilema existente na persecução criminal: quanto mais

intensamente se procura demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria, mais se

distancia da garantia dos direitos fundamentais; e quanto mais intensamente se garantem

Page 110: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

109

os direitos fundamentais, mais difícil se torna a coleta e a produção de provas que

poderão demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria. Para Pacheco, essa

discussão pode e deve ser solucionada a partir do princípio da proporcionalidade,

previsto legalmente na Carta Constitucional de 1988.

Da mesma forma, esse relacionamento inversamente proporcional pode ser

analisado frente ao dilema entre a atividade de inteligência e os direitos fundamentais.

Assim como na persecução penal, quanto mais intensamente se procuram fatos e

informações para auxiliar na tomada de decisão do Estado, mais se distancia da garantia

dos direitos fundamentais; e quanto mais intensamente se garantem os direitos

fundamentais, mais difícil se torna a coleta e a produção de inteligência pelos órgãos do

Governo, o que torna a decisão estatal mais próxima do erro estratégico. Seguindo a

linha de pensamento de Pacheco, também consideramos que a reflexão deve ser a partir

do princípio da proporcionalidade.

5.8.3 O princípio da legalidade e da obrigatoriedade na atividade de

inteligência

O princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal,

preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou não alguma coisa senão em virtude da

lei. Nesse contexto, o poder arbitrário que o Estado venha a ter é totalmente limitado

aos dispositivos legais. De acordo com as palavras de Alexandre de Moraes (2009, p.

41-43):

Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as

regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o

indivíduo, pois são expressões da vontade geral. Com o primado da lei, cessa

o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Como raciocínio lógico, se não há lei proibitiva sobre determinado fato,

portanto, permite-se qualquer forma de atuação, positiva ou negativa, sob pena de,

aquele que interferir, responder, no mínimo, por constrangimento ilegal.

Como ressaltado por García de Enterría, em seu artigo ―Princípio da

legalidade na Constituição espanhola‖ publicado na Revista de Direito Público nº 86, p.

6, citado por Moraes (2009, p. 42):

Page 111: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

110

[...] quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica

também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed

lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas

somente aqueles que se produzem ‗dentro da Constituição‘ e especialmente

de acordo com sua ‗ordem de valores‘ que, com toda explicitude, expressem

e, principalmente, que não atentem, mas que pelo contrário sirvam aos

direitos fundamentais.

Cabe salientar, conforme já delineado no capítulo 3 sobre a Administração

Pública, que o princípio da legalidade aplica-se também à atividade administrativa,

porém,

[...] de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente

poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais

espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva,

pois na Administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza,

diferentemente da esfera particular, onde será permitida a realização de tudo

que a lei não proíba. Esse princípio se coaduna com a própria função

administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas

sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de

preservar-se a ordem jurídica [MORAES, 2009, p. 324].

Percebe-se, pois, que o princípio da legalidade possui abordagens diferentes

quanto ao cidadão e quanto ao servidor público, uma vez que ao primeiro emerge como

uma garantia de não ser punido ou obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude da lei; e ao indivíduo que trabalha para a atividade administrativa o

princípio da legalidade é concebido como uma obrigação formal, que vincula todos os

atos da administração pública à lei.

Por outro lado, o princípio da obrigatoriedade, no que tange à administração

pública essencialmente, versa sobre o dever da atividade administrativa perseguir os

objetivos para os quais foram criados, no desempenho de suas atividades públicas, não

estando este poder-dever à disposição dos administradores. Segundo Pelissari (2010):

Dessa forma, deve a autoridade administrativa sempre tomar todas as

providências tendo por fito o bem comum (interesse público). Assim, a

autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são

outorgadas por lei, não podendo deixar de punir quem pratica ato ilícito, não

pode deixar de exercer o poder de polícia e os poderes decorrentes da

hierarquia. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o

interesse público que está sendo prejudicado.

Ambos os princípios são correlacionados quando se trata da atividade de

inteligência. Nesse tipo de trabalho os agentes e profissionais da inteligência são

funcionários públicos, e como tais são fortemente submetidos aos princípios da

Page 112: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

111

legalidade e da obrigatoriedade, principalmente por exercerem um tipo de função

administrativa.

No entanto, essa forte submissão pode apresentar algumas contradições, que

se não solucionadas podem comprometer o escopo da atividade de inteligência e,

portanto, a atividade administrativa como um todo. De fato, um agente de inteligência,

assim como qualquer funcionário público, encontra-se rigidamente atrelado à lei para

qualquer de seus atos, mas, assim como qualquer funcionário público, está também

obrigado a orientar suas ações segundo as ordens de seu superior hierárquico e segundo

o interesse coletivo: o bem comum.

Todavia, quando um superior hierárquico dá uma ordem que fere

diretamente um direito fundamental esses dois princípios entram em colisão. Esse

embate é visto no momento em que o agente de inteligência teria que obedecer a ordem

de seu superior segundo o princípio da obrigatoriedade, pelo qual cada ato

administrativo deve pautar-se por uma ordem legal que vise ao bem comum, mas deve,

simultaneamente, basear todas as suas ações pelos estritos dispositivos legais presentes

na Constituição, assim como todo cidadão, sob pena de recair-se em ilegalidade.

Dessa forma, reafirmamos a necessidade de aprimorar-se a legislação que

recai sobre a atividade de inteligência e, principalmente, sobre o ator de inteligência.

Um profissional da atividade de inteligência não pode obedecer a uma ordem superior

que vise ao bem comum, de maneira a respeitar-se o princípio da obrigatoriedade, e, por

outro lado, ferir um direito fundamental com sua conduta, contrariando dessa forma o

princípio da legalidade. Esses princípios devem estar em perfeita consonância na

legislação de inteligência, pois só desse modo se poderá almejar a superação do

amadorismo encontrado nas atividades de inteligência desenvolvidas no Brasil nos

últimos tempos.

Page 113: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

112

6 LEGISLAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA—

ESPANHA E BRASIL

6.1 A legislação na Espanha

No dia 11 de março de 2004, exatos dois anos e seis meses depois dos

atentados contra o World Trade Center, em Nova York (EUA), ocorreu um dos maiores

atentados terroristas da Espanha. Cerca de dez bombas devastaram algumas estações de

trem e metrô de Madri. Tido como o pior atentado terrorista na Europa desde 1988,

quando explodiram um avião sobre a cidade de Lockerbie, na Escócia, o então crime

internacional na Espanha deixou mais de duzentas pessoas mortas.

Essa situação gerou grandes repercussões na política, tendo em vista que

José Maria Aznar, então presidente, tentava sua reeleição. Todavia, com os atentados e

a insatisfação popular por esta e outras razões, José Luis Zapatero assumiu o poder

executivo espanhol e liderou a retirada das tropas espanholas em solo iraquiano como

uma de suas primeiras medidas. O atentado fora realizado pela rede Al Qaeda, de

Osama bin Laden, e a motivação de tal ato estava no apoio do então primeiro-ministro

espanhol José Maria Aznar à invasão do Iraque pela coalizão comandada pelos Estados

Unidos e no envio de tropas espanholas para o país do Oriente Médio.

Nesse contexto de grande insegurança, o novo presidente espanhol concluiu

que a falha que culminou no atentado terrorista era decorrente do baixo investimento em

meios para prevenir e reprimir as ameaças internas e externas. Desse modo, a Espanha

priorizou a defesa do Estado em suas verbas públicas e decisões políticas, acabando por

criar uma legislação específica para a atividade de inteligência.

Os espanhóis têm, em duas leis recentes, a Lei Orgânica 2 e a Lei 11 de

maio de 2002, as balizadoras da atuação da atividade de inteligência e de seu principal

órgão: o Centro Nacional de Inteligência (CNI). O escopo de ambas as leis é claro e,

segundo Wilson Machado Tosta Júnior (2008), em seu artigo ―Reino Unido, Espanha e

Brasil: três casos de controle público da inteligência‖:

a Lei 11, de 6 de maio de 2002, criou o Centro Nacional de Inteligência

(CNI), com atribuições amplas. Suas responsabilidades incluem facilitar ao

presidente do governo (como o primeiro-ministro é chamado, segundo a

Page 114: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

113

Constituição espanhola) e ao governo da Nação análises, estudos ou

propostas que permitam evitar e prevenir qualquer perigo, ameaça ou

agressão contra a independência ou integridade territorial da Espanha, os

interesses nacionais e a estabilidade do Estado de Direito e suas instituições.

(Capítulo I, artigo 1). O dispositivo remete à Lei Orgânica 2, de 7 de maio,

reguladora do controle judicial prévio do CNI; fixa o controle parlamentar

(artigo 2, itens 1 e 2); e diz que o governo aprovará anualmente uma Diretiva

de Inteligência secreta, com os objetivos do CNI (artigo 3).

Observa-se que há, na Espanha, dois tipos de controles externos à atividade

de inteligência: um legislativo e outro judicial. O primeiro imposto pela lei reguladora

do CNI, e o último previsto legalmente pela Lei Orgânica 2, de 7 de maio de 2002.

O controle parlamentar ou legislativo é realizado pelo Congresso dos

Deputados. A atividade de inteligência espanhola deve informar o órgão legislativo

sobre o funcionamento das atividades de inteligência e seus planos, mas não terá acesso

a informações relativas às fontes de inteligência e nem sobre as medidas que serão

tomadas para a obtenção do dado. É importante frisar que é exigido aos membros do

Congresso que preservem o sigilo das informações e dos documentos que recebem.

O controle judicial, por sua vez, tem como objetivo dirimir o conflito

existente na relação entre as medidas impostas pela atividade de inteligência e os

direitos fundamentais. Para isso, cria-se uma comissão específica dentro do Supremo

Tribunal Federal da Espanha, e essa comissão, que deverá ter um presidente, será

responsável pela decisão sobre o referido conflito. Conforme as palavras de Wilson

Machado Tosta Júnior (2008),

No âmbito judicial, o controle é feito por um magistrado do Supremo

Tribunal, designado, pelo período de cinco anos, por proposta do Conselho

Geral do Poder Judiciário (artigo 342 bis da Lei Orgânica do Poder

Judiciário). É a esse equivalente a um ministro do STF no Brasil que o

secretário-diretor do CNI deve pedir autorização para violação de domicílios

ou comunicações, por escrito, especificando as medidas que serão adotadas,

meios utilizados, identificação das pessoas afetadas e o prazo.

Como já dito, o órgão central de toda atividade de inteligência na Espanha é

o Centro Nacional de Inteligência (CNI). O CNI é responsável pela

[...] inteligência externa (4, a), pela contra inteligência e inteligência de

segurança (4, b), pelas relações com agências semelhantes de outros países

(4, c), pela inteligência de sinais (4, d) , pela criptologia oficial (4, e), pela

proteção de informação classificada (4, f). O centro é parte do Ministério da

Defesa, submetido a uma Comissão Delegada para Assuntos de Inteligência,

presidida pelo vice-presidente do governo e integrada pelos ministros da

Page 115: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

114

Defesa, Interior, Relações Exteriores e Economia, além dos secretários de

Segurança e do secretário-diretor do CNI [TOSTA JÚNIOR, 2008].

O CNI é um organismo público com autonomia funcional, de personalidade

jurídica e plena capacidade de agir. Como era de se esperar de qualquer órgão de

inteligência, o objetivo primordial do CNI é prestar as informações necessárias para

prevenir ou mesmo evitar qualquer risco ou ameaça que possam afetar a independência

e a integridade da Espanha, os interesses nacionais e a estabilidade do Estado de Direito

e suas instituições.

Anteriormente ao atentado terrorista e ao desenvolvimento do CNI, a

Espanha não continha um serviço de inteligência plenamente desenvolvido. Assim

como afirma Álvaro Peredo (2008), em seu artigo intitulado ―Inteligência Militar na

Espanha‖,

[...] a Espanha começou a tomar medidas para a criação de um serviço de

informações durante a guerra de independência ou guerra contra a ocupação

francesa do século XIX. Mas este serviço era um tanto quanto amador, e seus

agentes não eram tidos como informantes oficiais; em todo o país agiu como

uma rede de mensageiros.

A atividade só foi definitivamente elevada aos patamares de grandes

potências como Estados Unidos e Inglaterra com a conclusão do atentado terrorista, que

exigiu das autoridades públicas uma resposta rápida e efetiva. Essa resposta veio com a

criação do CNI e com uma regulamentação detalhada da atividade de inteligência

espanhola, que não só conferiu segurança à sociedade, mas, e principalmente, aos

próprios agentes de inteligência.

Ademais, a atividade de inteligência na Espanha busca uma centralização

maior buscando otimizar seus objetivos e resultados. Por isso, instituíram uma

autonomia funcional conjugada à vinculação de todos os órgãos que se prestam a essa

atividade frente a um orçamento único. Esse orçamento, assim como os objetivos do

CNI, devem ser apresentados a um Conselho de Ministros anualmente, e deste devem

receber a aprovação ou o aval para prosseguirem.

O CNI é formado por um secretário de Estado diretor, um secretário-geral,

unidade de inteligência e contraespionagem, unidades de recursos e apoio de

inteligência para a segurança, e uma unidade de apoio às entidades, que inclui o

Page 116: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

115

gabinete do secretário de Estado e diretor jurídico. Esta estrutura foi apresentada no

Foro de Inteligência quando do debate do tema Discussão sobre o Centro Nacional de

Inteligência (CNI) na Espanha. (2009). Veja-se organograma abaixo:

Estrutura do Centro Nacional de Inteligência (CNI) - Espanha

Fonte: FORO DE INTELIGÊNCIA. Discussão sobre o Centro Nacional de

Inteligência (CNI) na Espanha. Disponível em:

http://www.intelpage.info/forum/viewtopic.php?f=41&t=8. Acesso em: 29 dez. 2009.

Page 117: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

116

Apenas para uma melhor compreensão, veja-se o perfil dos agentes de

inteligência, sua composição e distribuição, nos gráficos a seguir:

Perfil dos agentes do Centro Nacional de Inteligência (CNI) - Espanha

Fonte: FORO DE INTELIGÊNCIA. Discussão sobre o Centro Nacional de

Inteligência (CNI) na Espanha. Disponível em:

http://www.intelpage.info/forum/viewtopic.php?f=41&t=8. Acesso em: 29 dez. 2009.

Page 118: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

117

6.2 A legislação no Brasil

A Atividade de Inteligência no Brasil é regida pelas seguintes leis:

Lei nº 9.883, de 7 de Dezembro de 1999 - Institui o Sistema Brasileiro de

Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência- ABIN, e dá outras providências.

Decreto nº 4.376, de 13 de Setembro de 2002 - Dispõe sobre a organização e o

funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela lei n° 9.883, de 7

de dezembro de 1999, e dá outras providências.

Lei nº 11.776, de 17 de Setembro de 2008 - dispõe sobre a estruturação do

Plano de Carreiras e Cargos da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e cria as

Carreiras de Oficial de Inteligência, Oficial Técnico de Inteligência, Agente de

Inteligência e Agente Técnico de Inteligência.

Medida Provisória nº 2123-29 23 de Fevereiro de 2001 - Altera dispositivos

da lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência

da República e dos Ministérios, e dá outras providências.

Lei nº 8.159, de 08 de Janeiro de 1991 - Dispõe sobre a Política Nacional de

Arquivos Públicos e Privados e dá outras providências.

Lei nº 9.983, de 14 de Julho de 2000 - Altera o Decreto lei n° 2.848, de 07 de

Dezembro de 1940 - Código Penal e dá outras providências.

Decreto nº 4.073, de 03 de Janeiro de 2002 - Regulamenta a lei n° 8.159, de 08

de Janeiro de 1991.

Decreto nº 4.553, 27 de Dezembro de 2002 - Dispõe sobre a salvaguarda de

dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da

sociedade e do Estado, no âmbito da administração pública.

Antes de adentrarmos os pontos mais importantes da legislação vigente no

Brasil sobre a atividade de inteligência, cabe-nos avaliar se ela é necessária ou

prescindível. O atual estágio em que se encontram o mundo e as relações inter-estatais,

vinculadas a um grande dinamismo oriundo do fenômeno da globalização e inseridas no

contexto histórico reconhecido como ―era da informação‖, faz necessário o

desenvolvimento de uma atividade que possa proteger a nação dos eventuais desastres

que possam vir a ocorrer. Esses desastres, como já se evidenciou, não são simples e seus

Page 119: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

118

efeitos, em geral, repercutem em todo o planeta. Essa situação faz cogente uma maior

interação entre os Estados, para que possam, juntos, solucionar o problema

efetivamente.

Questões como terrorismo, litígios internacionais, tráfico de drogas e

animais são problemas mundiais recorrentes. Nesse sentido, os países vêm

desenvolvendo órgãos que possam fornecer informações específicas de maneira a

auxiliar em uma tomada preventiva de decisões, isto é, estão investindo em órgãos de

inteligência. Poder-se-ia perguntar, porém, se o desenvolvimento de uma atividade de

inteligência específica no Brasil seria uma questão relevante, haja vista que o país não

possui um histórico marcado por problemas com terrorismo ou litígios internacionais.

A complexidade do mundo atual, porém, exige sua existência e

desenvolvimento. O Brasil é alvo de delitos como os crimes de tráfico de animais em

extinção, drogas, armas, seres e órgãos humanos, pirataria generalizada, sequestros,

lavagem de dinheiro, entre outros. Ademais, observando-se a posição que ocupa na

esfera político-econômica mundial, além do fato de possuir uma das maiores reservas de

recursos naturais do globo, fica claro que eventuais problemas como terrorismo e

litígios internacionais não constituem uma realidade difícil de se imaginar no futuro.

Nessa linha de pensamento, mostra-se a suprema importância de se desenvolver órgãos

específicos de inteligência para a preservação de uma nação iminente e promissora

como a nossa.

A complexidade de tais assuntos demonstra a ineficácia de se tentar

solucionar tais problemas, vale dizer, de dimensões mundiais, apenas através da

resposta criminal clássica, isto é, pela investigação policial destinada à busca de provas

da autoria e da materialidade de um fato delituoso já praticado. Compartilhamos do

pensamento de Alexandre Buck Sampaio (2009), que, em seu artigo ―Controle judicial

das atividades de inteligência‖, concebe a ideia de que

Haverá, na verdade, a necessidade de um enfrentamento amplo e preventivo -

que ao invés de provas em seu conceito jurídico, busque informações - o que

talvez apenas possa ser realizado através de atividades integradas de

inteligência de Estado e de Segurança Pública.

Evidencia-se, pois, a primazia da atividade de inteligência como atividade

preventiva para complexos problemas que venham a afetar a sociedade.

Page 120: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

119

Nesse sentido, foi criado nos últimos tempos todo um aparato legal, com

uma diversidade de leis sobre a temática das atividades de inteligência no Brasil. Entre

as leis mais importantes para a atividade de inteligência pátria destacamos a Lei n°

9.883, de 7 de Dezembro de 1999, que Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria

a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), e dá outras providências; o Decreto n°

4.376, de 13 de Setembro de 2002, que faz previsões sobre a organização e o

funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência; e, principalmente, a Lei nº

11.776/2008, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da

Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.

A Lei nº 9.883/1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência

(SISBIN) e seu órgão central, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), é constituída

por quinze artigos, propostos pelo Executivo e aprovados pelo Congresso Nacional

durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso. Esse dispositivo legal:

Apresenta o fornecimento de inteligência ao chefe de governo como objetivo

central do sistema (artigo 1º); centraliza inteligência, contra-inteligência e até

segurança interna na Abin (artigo 4}, I, II e III). [...] O texto (artigo 1º,

parágrafo 1º) coloca como obrigações do Sisbin (e, por extensão, da Abin) a

preservação da soberania nacional, a defesa do Estado democrático de direito

e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os

direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal

[...]‖ [TOSTA JÚNIOR, 2008].

Questões críticas e fundamentais para o presente debate, como da

suficiência ou não da legislação brasileira sobre o tema, bem como uma análise

comparativa com a inteligência desenvolvida na Espanha serão pontos abordados, mas

não findados, no próximo tópico.

6.3 A insuficiência da legislação brasileira sobre o tema

Observando-se detalhadamente a legislação brasileira sobre a atividade de

inteligência e seus profissionais, é fácil a percepção de que há uma defasagem quanto às

possibilidades legais que possam resguardar as operações de inteligência frente aos

direitos fundamentais. Essa percepção se dá às custas da ausência de uma previsão

específica e detalhada sobre o controle que seria realizado sobre as atividades de

inteligência e da insuficiência da abordagem sobre as atribuições dos profissionais da

Page 121: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

120

área no tocante a essas operações que tangenciem e, até mesmo, ultrapassem os limites

das garantias fundamentais.

Como já demonstrado anteriormente, a atividade de inteligência

desempenhada no Brasil possui uma forte tendência a ferir ou desrespeitar algum direito

fundamental quando com este entra em contato por meio de alguma operação de

inteligência. De fato, qualquer técnica operacional, como a espionagem ou a infiltração,

depende de uma legislação que a respalde para que possa ser legitima. Wilson Machado

Tosta Júnior (2008), na mesma linha, argumenta que

A existência de controles externos apenas formais sobre a Abin,

concretizados na legislação vaga, remete ao sistema de inteligência montado

a partir de 1964 pelo regime militar, que ruiu quase ao mesmo tempo em que

desaparecia a ordem mundial que servira para justificar sua existência, em

1990.

Nesse sentido, outra questão também deve ser levada em conta. O

desenvolvimento de atividades de inteligência, como visto, é de suma importância para

a preservação do Estado Democrático de Direito brasileiro, mas ele deve ser conjugado

diretamente à garantia de que o investimento em ações dessa natureza não se dê ao

custo das garantias individuais, como já demonstrado, principalmente no capítulo 5 do

presente trabalho.

Essa situação, como poderia se imaginar, encontra uma solução plausível na

criação de mecanismos eficientes de controle sobre a atividade de inteligência que não

permitam tomadas de decisões arbitrárias e sem fundamento jurídico. Na realidade,

deve-se criar um mecanismo que forneça às decisões dos agentes de inteligência, e à

própria atividade de inteligência como um todo, a legalidade necessária para que se

possa realizar um controle também legal sobre a mesma.

Conforme já observado no tópico anterior, a Espanha é um caso a ser

analisado por já exercer um controle efetivo, parlamentar e judicial, sobre a atividade de

inteligência. A novidade implementada pela Espanha é o controle prévio exercido pelo

Poder Judiciário. Como se sabe,

A regra, nos países civilizados, é que o controle das atividades de inteligência

seja feito pelo próprio Poder Executivo e a posteriori pelo Legislativo.

Porém, já há várias experiências internacionais no uso do controle judicial

prévio das atividades de inteligência quando estas envolvam garantias

constitucionais. Assim, na Espanha, o Diretor do Centro Nacional de

Inteligência (que tem status de Secretário de Estado) poderá requerer ao

Page 122: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

121

Ministro competente do Supremo Tribunal autorização para a realização de

atividades de inteligência que afetem o direito a inviolabilidade do domicílio

e o sigilo das comunicações, sempre que as medidas se revelem necessárias

ao cumprimento das funções legais do CNI [SAMPAIO, 2009].

Entretanto, apesar de contarmos com uma atividade de inteligência

desenvolvida e personificada, em suma, pela criação da ABIN, não contamos com o

nível de legalidade esperado e almejado tanto pela sociedade como pelos próprios

agentes de inteligência. Compartilhamos da afirmativa do professor Cepik (2003, p.

208) em seu livro Espionagem e Democracia, segundo a qual

A existência da Abin e do Sisbin tem agora amparo legal, mas ainda resta um

longo caminho para que possam usufruir da legitimidade derivada da

percepção pública de que seu trabalho de proteção da Constituição e dos

cidadãos contra ameaças externas e internas não é em si mesmo uma ameaça

a segurança dos brasileiros.

De fato, as leis brasileiras sobre a atividade de inteligência apresentam uma

deficiência legal quando cotejadas com a atividade desempenhada pela Espanha. A lei

nº 11.776/2008, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da

Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e que define as atribuições dos vários cargos

dos profissionais de inteligência, como o agente, o oficial e o analista, é um exemplo

dessa situação. Acolhemos o posicionamento de Wilson Machado Tosta Júnior (2008),

o qual afirma que,

No âmbito de competências da Abin, a lei estabelece (artigo 4º, I a IV)

planejar e executar ações, inclusive sigilosas, para produzir conhecimentos

para o presidente da República; planejar e executar a proteção de

conhecimentos sensíveis; avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem

constitucional; e promover o desenvolvimento de recursos humanos e da

doutrina de inteligência. Não há menção a mandados, nem a

responsabilidades, nem a controles judiciais.

A título exemplificativo, pensemos no caso de um agente de inteligência ser

requerido por seu superior hierárquico a realizar uma infiltração objetivando a obtenção

de alguns documentos de certa pessoa. Fato é que, em nossa Constituição, para se

adentrar a casa de um indivíduo e ainda obter alguns documentos, precisa-se de uma

autorização judicial, via de regra. Sem essa autorização, a invasão constitui ato ilícito,

passível de punição. O agente, por sua vez, deve obedecer às ordens de seu superior

hierárquico como prevêem suas atribuições descritas na Lei nº 11.776/2008, desde que

Page 123: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

122

não representem nenhuma conduta ilegal ou imoral. Presume-se que uma técnica

operacional como esta decorra de razões e fundamentos de interesse nacional, e portanto

tenderiam a ser legais se nos apoiássemos em princípios como o da supremacia do

interesse público sobre o particular, por exemplo. No entanto, não há previsões legais de

que se possa ferir direitos fundamentais por meio de operações de inteligência. Dessa

maneira, se o agente seguisse a ordem de seu superior, ainda que representasse o

interesse nacional, estaria ele incorrendo em prática ilícita, visto que não há uma

previsão legal sobre as operações de inteligência e os procedimentos que devam ser

seguidos para que o desrespeito a essas garantias estejam respaldados pela lei.

Ao complemento dessa crítica, acresce-se o fato de a Espanha ter

desenvolvido um controle externo específico e prévio da atividade de inteligência a ser

realizado pelo Poder Judiciário. Conforme visto, o controle judicial espanhol é realizado

por meio de uma comissão específica dentro do Supremo Tribunal Federal da Espanha,

à qual é requerida, pelo diretor do principal órgão de inteligência (CNI), a autorização

para violação de um direito fundamental para que sejam cumpridas as medidas e

finalidades do órgão.

O Brasil não possui um mecanismo dessa natureza, e o controle externo

realizado nas atividades de inteligência é posterior às operações, isto é, posterior ao

desrespeito ao direito fundamental, caso haja. Nesse contexto, evidencia-se uma grande

insegurança jurídica, em que o agente de inteligência só concluirá que a operação de

inteligência por ele desempenhada foi ilegal após sua conclusão e após uma análise do

Poder Judiciário, que já a julgará enquanto crime. Almeja-se, pois, o desenvolvimento

de um controle externo prévio das atividades de inteligência no Brasil, o que ainda é

uma utopia nos dias atuais, conforme nos mostram dados da página da ABIN (2010).

As ações da Agência Brasileira de Inteligência são controladas e fiscalizadas

pelos Poderes Executivo e Legislativo. No Executivo, tem-se o controle

interno, de responsabilidade da Câmara de Relações Exteriores e Defesa

Nacional (supervisão e execução da Política Nacional de Inteligência) e da

Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET), que

inspeciona a aplicação de verbas orçamentárias. O controle externo, a cargo

do Poder Legislativo, é exercido pelo Tribunal de Contas da União (gestão de

recursos orçamentários) e pela Comissão Mista do Congresso Nacional

(ações decorrentes da Política Nacional de Inteligência).

Page 124: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

123

Reafirma-se, pois, a necessidade do desenvolvimento de uma atividade de

inteligência, não uma qualquer, mas uma atividade controlada, responsável, legal e

condizente com um Estado Democrático de Direito e suas garantias fundamentais.

Ademais, vale dizer, a atividade de inteligência é de extrema importância

para o Estado brasileiro e sua sociedade, pois, assim como ensina Norberto Bobbio

(2009, p. 313), apud Sampaio (2009) no artigo ―Controle judicial das atividades de

inteligência‖, ―a democracia exclui por princípio o segredo de Estado, mas sua

utilização mediante a instituição dos serviços de segurança, que agem em silêncio,

justifica-se como um instrumento necessário para defender, em última instância, a

própria democracia‖.

Finalizamos com a advertência de Wilson Machado Tosta Júnior (2008),

O setor de inteligência é uma espécie de última fronteira da transição

democrática brasileira. Sua submissão a um controle público efetivo, com a

implantação de mecanismos semelhantes ou análogos aos existentes em

países centrais, ainda está longe da legislação que atualmente o regulamenta.

Ainda paga por ter sucedido um sistema sempre voltado para a repressão a

movimentos sociais e à esquerda e enquadrado, durante a maior parte da sua

existência, ao sistema bipolar da Guerra Fria. [...] Essa dificuldade de

controle público dá à Abin uma autonomia para agir que lhe é, na aparência,

conveniente, mas também perigosa e contra-producente. [...]. O

estabelecimento de um controle público rígido e transparente do setor,

resguardadas as questões de sigilo, poderia ser o passo definitivo na

institucionalização do setor, em bases eficientes e profissionais. Esse

caminho, contudo, não tem sido trilhado pelos governos recentes, incluindo o

atual.

Page 125: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

124

7 CONCLUSÃO

Alicerçando-se na pesquisa, passamos a concluir:

1. A atividade de inteligência é essencial para a proteção do Estado e da

sociedade, devendo ser adotada e implementada em qualquer país que pretenda

sobrevivência e evolução no mundo contemporâneo.

2. No Brasil, a atividade de inteligência não vem sendo destacada como

primordial à segurança do Estado, não dispondo de uma coordenação lógica e

centralizada capaz de municiar os governantes. Neste desiderato, a tomada de decisões

tem vulnerabilidade, ao passo que pode não estar condizente com o interesse nacional e,

portanto, do povo em geral.

3. Devido à ignorância sobre o que realmente corresponde a uma atividade

de inteligência ideal na rotina de cada cidadão, e por uma noção primária ainda

enraizada na arbitrariedade da época do regime militar, acreditamos que os órgãos de

inteligência devam fazer uma ampla divulgação de seus propósitos enquanto envolvidos

na defesa da sociedade e do país. Somente a partir de uma conscientização geral, de

modo a provocar uma ampla discussão das melhores medidas para a prestação de um

serviço de excelência nesta área, é que se pode garantir a sustentabilidade de liberdades

e direitos já sedimentados na legislação pátria.

4. O Brasil não pode prescindir de um serviço de inteligência de alto nível,

esclarecendo seus verdadeiros propósitos de interesse nacional. Da mesma forma, não

pode deixar de garantir que a execução dos serviços de inteligência respeite direitos e

garantias individuais e coletivos, os quais devem ser controlados interna e

externamente.

5. Torna-se visível que a atividade de inteligência no Brasil realizada de

forma coesa, clara, doutrinada e centralizada nos interesses nacionais quase não evolui,

ou melhor, é quase inexistente, em que cada organismo possui, a seu livre arbítrio, uma

doutrina própria , sem qualquer compartilhamento e entrelaçamento entre as agências de

inteligência. Ora, o Brasil, diante de sua grandeza e detentor de brilho internacional em

todos os segmentos, não pode esperar que algo aconteça para tomar medidas enérgicas e

contundentes para construir uma estrutura organizacional hierarquizada e controlada dos

Page 126: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

125

serviços de inteligência, capazes de neutralizar a ação de inimigos e antecipar

acontecimentos internos e externos, a tempo de tomar decisões que evitem

consequências maiores à sociedade em geral.

6. Torna-se urgente a retomada de discussões no sentido de regulamentar a

estrutura organizacional e a execução das atividades de inteligência. É certo que a

pulverização das agências de inteligência em nada contribui para a efetiva segurança

nacional. A ABIN, por exemplo, infelizmente ainda não conseguiu ser sedimentada

como uma agência de inteligência eficiente o bastante e capaz de assegurar o envio de

informações precisas aos tomadores de decisão. Na verdade, não conseguiu conquistar o

espaço que deve ocupar como órgão central de inteligência, não por falta de

qualificação de seus profissionais, mas por mero descaso e talvez por desconhecimento

dos nossos legisladores.

7. Não basta apenas discutir. Temos que evoluir enquanto Estado, na sua

própria organização e no interesse coletivo. Não se discute mais a necessidade dos

serviços de inteligência. Precisamos avançar na sua efetiva aplicação de forma clara e

objetiva. Para tanto, no atual sistema nacional, não há outra maneira de regulamentação,

senão por lei, no que acreditamos ser a Lei Ordinária a mais viável e adequada.

Os princípios da proporcionalidade, da supremacia do interesse público

sobre o privado e da legalidade não podem ser vistos apenas como valores que orientam

as ações da atividade de inteligência e das ações estatais como um todo, mas como

valores fundantes e legitimantes dessa atividade. É somente a partir do respaldo dado

por esses princípios conjugados a uma legislação mais detalhada e autosuficiente que

poderemos almejar uma atividade de inteligência legal e condizente com as garantias e

direitos perpetuados pelo Estado Democrático de Direito brasileiro.

8. Os atores das atividades de inteligência, em muitas situações, saem para a

digna execução de seus trabalhos com algumas ―espadas penduradas em suas cabeças‖,

deparando-se com situações conflitantes entre defender a sociedade e o Estado ou

atingir direitos e garantias fundamentais. Amplamente discutida neste trabalho, torna-se

prioritária a regulamentação dos procedimentos a serem adotados por estes atores, com

funções e atribuições específicas, no sentido de legitimar as ações de busca, aliando-se

os interesses conflitantes com a aplicação dos princípios que regem as normas jurídicas.

Page 127: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

126

Não podemos exigir destes atores condutas clandestinas e ilegais para o

alcance de seus objetivos. Isso seria um retrocesso em nosso país. Esta situação pode

incidir em uma ambiência negativa no relacionamento dos atores, desencadeando abalos

na hierarquia e disciplina, também essenciais para o pleno funcionamento das agências

de inteligência. Devemos criar condições num ambiente legal, capaz de dar a estes

profissionais a tranquilidade jurídica necessária para o desencadeamento de suas

atividades. Neste sentido, devemos legitimar suas ações com a aplicação das técnicas

operacionais de inteligência, onde deve ser reconhecida a supremacia do direito coletivo

sobre o direito individual, mas, para tanto, isto deve estar claramente positivado. Não

podemos exigir que estes atores trabalhem com dúvidas jurídicas. Existe um

contrassenso que precisa ser definido.

9. A investigação criminal encontra-se regulamentada neste sentido. Nesta

encontramos a aplicação de técnicas de investigação, muitas delas originadas nas

atividades de inteligência, já previstas em legislações específicas e que garantem a sua

legalidade, legitimando a atuação dos investigadores, como, por exemplo, nos casos de

interceptação de sinais, de infiltração e de busca e apreensão. Quando da aplicação

destas técnicas, direitos e garantias fundamentais são afastados no interesse coletivo

com controle e embasamento jurídico e, como nenhuma garantia é absoluta, o Estado,

por intermédio de seus agentes, atua na busca do equilíbrio social, em que a

proporcionalidade é aplicada para restabelecimento da igualdade em situações

desiguais. Não conseguimos enxergar motivos para que existam restrições no uso de

técnicas operacionais para a busca dos objetivos das atividades de inteligência, eis que o

interesse coletivo sempre está presente. O Estado deve agir sempre para a garantia da

ordem social e restabelecimento do equilíbrio. É isso que debatemos aqui. Na busca da

consecução de seus objetivos, a atividade de inteligência deve estar amparada

legalmente de forma ampla e clara, com controles internos e externos capazes de

garantir ao cidadão que o Estado de Direito vem sendo respeitado.

10. No nosso entendimento, diante da atual situação do país no cenário

internacional, o fortalecimento da atividade de inteligência de Estado torna-se

imprescindível, com a ampliação de sua autonomia e das suas ações, e para tanto

propomos a reestruturação organizacional desta atividade, em todos os níveis de

Page 128: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

127

governo, criando um Centro Nacional de Inteligência, integrado por todos os poderes: o

Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O entrelaçamento e o envolvimento de todos os

segmentos representativos da sociedade trará uma maior transparência e credibilidade às

atividades de inteligência.

O Poder Legislativo deve continuar com sua missão de controle externo,

cumprindo-a, entretanto, de forma efetiva e consistente, pois, nos moldes atuais,

ousamos afirmar que ele praticamente inexiste. O Poder Executivo, por sua vez deve

ampliar sua estrutura de forma a reorganizá-la e continuar no desencadeamento das

atividades, definindo claramente atribuições. Já ao Poder Judiciário, caberia o controle

externo e atuação direta e prévia nos casos concretos em que houvesse a necessidade de

afastamento de algum direito fundamental, e, para tanto, pensamos em uma Seção

Judiciária Federal específica e exclusiva para atuação em assuntos de inteligência de

Estado, nos moldes da Espanha, cuja legitimidade das ações de inteligência é oriunda de

um controle prévio pelo Poder Judiciário. A decisão do juiz legitimará as medidas e

ações de um profissional de inteligência que interfira nos direitos e garantias

individuais, pois esta será dada, sempre, nos limites da legalidade e dos princípios

constituintes. Neste caso, a atuação do Ministério Público também é essencial como

garantidor de interesses e no controle externo do Centro Nacional de Inteligência, nos

casos que devam ser apreciados pelo Poder Judiciário.

Não entraremos aqui na discussão de como seria o recrutamento dos atores

de inteligência que atuariam neste Centro, mas certamente não se daria por concurso

público direto. Pensamos inicialmente, em uma estrutura composta de servidores

públicos concursados, pertencentes e já experimentados nos outros órgãos da

administração pública, que seriam selecionados e convidados para a composição dos

quadros.

Page 129: O aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no Brasil

128

REFERÊNCIAS

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64.

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