Ética sob o aspecto da relaÇÃo empresa e clientela · estrito cumprimento da lei, deixa de ser...

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ÉTICA SOB O ASPECTO DA RELAÇÃO EMPRESA E CLIENTELA

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ÉTICA SOB O ASPECTO DA RELAÇÃO EMPRESA E CLIENTELA

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LUIZ CARLOS DOS SANTOS ROBERTO CARLOS QUINTELA DE ALCÂNTARA

ROSILA CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE VANILDA GODINHO CORRÊA DA SILVA

ÉTICA SOB O ASPECTO DA RELAÇÃO EMPRESA E CLIENTELA

EDUNEB SALVADOR

2002

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Trabalho originalmente apresentado a Facultad de Ciências Políticas, Jurídicas y Econômicas - Universidad Del Museo Social Argentino -

UMSA, como exigência parcial da disciplina Ética nos negócios, do Curso de Doutorado em Ciências Empresariais, em 1997

Digitação Mário Márcio Menezes Simões Editoração e Capa Design Djalma Fiuza

Santos, Luiz Carlos dos Ética sob o aspecto da relação empresa e clientela/ Luiz Carlos dos Santos [et al..]. - Salvador: EdUneb, 2002. 175p. 1. Ética e negócios. 2. Administração de empresa - As- pectos sociais e ético. 3. Ética comercial. CDD: 174.4

Editora UNEB - Estrada das Barreiras, s/n - Narandiba/Cabula - Salvador -

Bahia. Fone: 387-5040

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APRESENTAÇÃO O presente trabalho refere-se à temática “A Ética sob o Aspecto da Relação Empresa e Clientela”, constituindo-se em objeto de Avaliação da Aprendizagem da disciplina Ética nos Negócios, integrante do currículo do Curso de Doutorado em Ciências Empresariais, da Faculdade de Ciências Políticas, Jurídicas e Econômicas da Universidade do Museu Social Argentino - UMSA. O estudo compõe-se de 06 (seis) partes. A primeira enfoca a justificativa do tema. Na segunda parte estão os aspectos introdutórios do assunto. A terceira aborda a ética como originária dos valores morais. A parte seguinte refere-se à Ética nos Negócios, em uma perspectiva geral, enquanto a quinta parte detalha o tema do estudo, em referência, numa abordagem da prática da ética nas organizações brasileiras e dos aspectos que a impulsionaram/sedimentaram. A conclusão do trabalho está consubstanciada na sexta parte da pesquisa, seguida do referencial bibliográfico. Esperamos que as reflexões em torno do assunto atendam às expectativas do ilustre responsável pela disciplina, ao tempo em que salientamos não ter sido propósito do grupo dissecar a temática sob o prisma legalista, mas, sim enfocar o assunto sob os aspectos que mais se distinguiram para impulsionar, conscientizar e sedimentar a prática da ética nas empresas brasileiras e a exigência da sua aplicação pelo consumidor/cliente brasileiro.

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SUMÁRIO 1 - JUSTIFICATIVA DO TEMA 09 2 - PREÂMBULO 11 3 - ÉTICA E MORAL 13 4 - ÉTICA NOS NEGÓCIOS 17 5 - A ÉTICA NA RELAÇÃO EMPRESA E CLIENTE 20 5.1 - O Despertar para a Prática da Ética no Brasil 38

5.2 - Os Programas de Qualidade Impulsionando a Prática da Ética 51

5.3 - A Cultura Empresarial Favorecendo a Prática da Ética 67 5.4 - As Organizações Metanóicas Conduzindo à Prática da Ética 82

5.5 - O Novo Paradigma Empresa/Cliente 89

5.5.1 - Mais que vender, fidelizar 91 5.5.2 - Quebrando velhos paradigmas na relação

cliente/consumidor 109 5.5.3 - Implantando novos paradigmas na relação

cliente/consumidor 111

5.6 - Evolução Ética Empresarial 114 5.7 - Princípios Éticos 117

5.8 - A Intervenção Estatal como proteção ao Consumidor 124

CONCLUSÃO 137 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 141

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1 - JUSTIFICATIVA DO TEMA A ética é um instituto juízo da conduta humana, portanto bastante abstrato, porém tem efeitos concretos em vários segmentos da vida. Na Europa, entre quatro Instituições, duas possuem Código de Ética. É assunto extremamente delicado, na medida em que a temática engloba vários pressupostos de cunho filosófico/cultural. Por outro lado, é também algo dinâmico - varia de país para país, época, etnia etc. A questão da ética nos negócios, em especial a relação entre empresa e cliente, não se esgota com a simples adoção de um Código de Consumidores, com a aplicação do estabelecido na Constituição, ou com a implantação de Programas de Qualidade. Vai muito mais além, pois, a ética, entendida no estrito cumprimento da lei, deixa de ser Ética. É apenas atendimento a um dispositivo legal. Falta nisso um comportamento assentado em valores. O mundo destes é o da cultura como criação artificial humana, como esforço voltado para a ação, para a conduta na sociedade, segundo os valores desejáveis ou ideais dessa sociedade. Por mais variáveis e inconstantes que possam ser esses ideais, há um fator que permanece, que é o de ser o homem animal moral, isto é, que se conduz segundo valores e que se vê julgado, punido ou gratificado, segundo os valores dominantes na sociedade. Nessa direção, podemos afirmar ser a ética uma disciplina axiológica, ou seja, uma teoria dos valores, embora não lhe caiba ditar normas, mas sim descobri-las e explicá-las. Ao nos aproximarmos do próximo século, somos desafiados por uma crescente preocupação com a moralidade de nossas instituições. Algumas vezes as preocupações são respostas a

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indivíduos que usam suas posições institucionais em vantagem própria. Por vezes as preocupações são respostas ao dano que as instituições infligem ao nosso ambiente social e natural. Em outras, a resposta relaciona-se com o sofrimento que instituições impõem a seus empregados. Essas preocupações têm levado muitas pessoas a advogar o ensino da ética a estudantes que ingressarão nessas empresas e a empregados e gerentes que lá estão. Mas, o que essas pessoas precisam aprender? Precisam aprender a “como se comportar”? É possível ensinar isso as pessoas em organizações? Precisam aprender que serão advertidas se não se comportarem de modo ético? Muitas delas aprendem com as multas, ou processos movidos por consumidores ou empregados. Entretanto, tais “lições” éticas têm apenas valor limitado. Elas somente fornecem às organizações informações acerca do que eles não podem fazer. Apenas essa abordagem ética das organizações, sendo por vezes necessária, não se refere realmente à capacidade de uma organização de fazer o que é certo, mas, somente, não fazer o que é errado. Com essas considerações, julgamos o subtema “relação entre empresa e cliente sob o prisma da ética” de bastante relevância no mundo dos negócios, razão pela qual a equipe o escolheu para tecer algumas reflexões.

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2 - PREÂMBULO Ética é a parte da Filosofia que investiga o que é moralmente bom ou ruim, certo ou errado. O primeiro tratado profundo sobre o tema foi o livro Ética a Nicômano, de Aristóteles. Ao estudar os costumes de sua sociedade, a Grécia do século IV Antes de Cristo, o filósofo relacionou toda uma série de virtudes éticas: a firmeza, a generosidade, a temperança, a franqueza, o pudor etc. Se Aristóteles pudesse estudar a sociedade globalizada do final do segundo milênio depois de Cristo, teria farto material para reflexão. O desenvolvimento tecnológico e científico, por exemplo, fez com que surgissem a eletricidade, a fotografia, a televisão, o telefone, o telefone celular, os eletrodomésticos, a informática, a engenharia genética etc.. São invenções que, num plano absoluto, têm uma finalidade ética tal como enunciada por Aristóteles: “visar ao bem, é o maior dos bens, a felicidade humana”. Mas, em muitas situações, em desenvolvimentos bastante concretos, dos usos feitas pelas dos bens criados pela ciência e a tecnologia, surgiram dilemas éticos. Por exemplo, recentemente, em artigos publicados na Revista Veja nº 9, ano 30 - 05 de março/97 - há uma reportagem que fala do fotógrafo russo que adultera uma foto para que ela resuma um momento da História. Outra a respeito do programa de televisão que, empregando uma câmara escondida, flagra pessoas, sem avisá-las de que suas imagens e falas estão sendo gravadas. E a reportagem de capa investiga a possibilidade concreta de clonar um ser humano. Numa época como a nossa, de mudanças aceleradas, de certezas milenares que caem por terra, é muito difícil querer

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deduzir comportamentos éticos fixos e imutáveis, como na época de Aristóteles. Naquela época não havia fotografia nem manipulação fotográfica, televisão nem câmaras ocultas, microbiologia nem clonagem genética. Sabia-se pouco sobre a natureza e também sobre o que hoje se entende como ciências. Após essas considerações de caráter geral, adentraremos na temática propriamente dita. Todavia, necessário se torna discorrer sobre o assunto numa perspectiva dedutiva, partindo-se da ética como valor moral até chegarmos a sua aplicação, ou seja, a relação ética entre a empresa e os consumidores de serviços ou da produção de seus bens.

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3 - ÉTICA E MORAL

Barnard assim define os fatores morais:

“Princípios morais são.forças ou propensões pessoais de caráter geral e estável nos indivíduos, as quais tendem inibir, controlar ou modificar desejos, impulsos ou interesses específicos, imediatos e inconsistentes, e intensificar aqueles que sejam consistentes em relação a tais propensões... Essa tendência ... é antes uma questão de sentimento, impressão, emoção, compulsão interna, do que processos racionais ou deliberação... Uma condição de responsabilidade existe quando a tendência é forte e estável”.

Com esse conceito, antecipa o autor, em três décadas, uma das melhores definições contemporâneas do termo ética, que foi desenvolvida por Hazel Barnes em Uma Ética Existencial (1967). Ela diz que aquilo que chamamos ética nasce do, reconhecimento de que nossas ações têm conseqüências, do reconhecimento de que nossos interesses a longo prazo, às vezes se constituem em freios para impulsos momentâneos. Por esta última definição, ética é o equivalente de um controle interno, ou autodisciplina, que governa a ação de alguém. Cada adulto, portanto, tem sua própria ética, uma vez que há sempre alguns impulsos imediatos que serão refreados em favor de outros objetivos ou considerações “maiores” ou de longo prazo, os quais moderam a ação de cada um. Esses objetivos de longo prazo são o elemento que proporciona uma sensação de significado à nossa própria existência. Por esta definição, a ética significa algo muito próximo da “autodisciplina”, e autodisciplina vem sendo, há muito tempo, identificada como uma das qualidades necessárias ao mundo empresarial.

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Os filósofos destacam que nenhuma consideração ética tem sentido senão dentro de um sistema coerente, que inclua: a) pressupostos relativos à natureza do mundo ou ao contexto dentro do qual se esteja atuando; b) alguma noção de propósito que conceda significado às próprias ações realizadas, bem como ao reforço cooperativo feito com as demais pessoas. Em muitos aspectos, e para fins de análise das práticas éticas tradicionais, uma empresa em funcionamento pode ser considerada como um sistema coerente. Também Barnard destaca isso, na sua ênfase sobre qualidade moral da decisão voluntária de fazer parte do risco cooperativo que chamamos “organização”. Para Pierre Weil, a ética poderia ser definida como o conjunto de valores construtivos que levam o homem a se comportar de modo harmonioso. Quando esses valores são de natureza ética, as pessoas se comportarão de modo ético. O contrário também é verdadeiro. Esses valores influenciam a qualidade de vida, o desenvolvimento cultural e mesmo a preservação da própria cultura. Certos de valores estão intimamente relacionados com a ética. São eles que determinam as opiniões, atitudes e comportamento de uma pessoa. Por isso mesmo é importante termos clareza quanto aos valores que constituem ou condicionam o comportamento ético. A questão não é tão simples. Poder-se-ia pensar, por exemplo, que basta agrupar os valores dentro de duas categorias, uma positiva e outra negativa, e teremos resolvido o problema. Acontece que a classificação dos valores pode ser encarada sob vários pontos de vista, e existem muitos sistemas.

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Como observa Kluckholm:

“Grande parte da confusão no que se refere a valores provêm do fato de que um autor tem em mente uma categoria geral; outro, um tipo limitado e particular de valor, enquanto um terceiro adota um tipo específico diferente. Não temos encontrado nenhuma classificação de valores abrangente. (In Rokeach Milton, The Nature of Human Values. Collier Macmilan, London, 1973, p. 14)”.

Além disso, há valores ligados a certas épocas e hoje superados, ou em extinção. Uma proposta pragmática de emergência - Encyclopédia of World Problems and Human Potencial. K. G, Saur, München, 1976 e 1986. Para eles, a maneira mais simples e prática de classificar os valores é a de usar as categorias de valores “destrutivos” e valores “construtivos”. Eles preferem estes termos ao uso da dicotomia, mais discutível e vaga; “positivo” ou “negativo”. A fim de evitar o absolutismo do conceito “destrutivo” e “construtivo”, eles fizeram uma classificação adicional em que consta uma lista de 225 polaridades de valores. Quanto ao nosso assunto, parece-nos que a classificação em valores construtivos e destrutivos atende razoavelmente aos propósitos de esclarecer a questão ética e permite à ciência e à tecnologia tomar decisões mais prudentes; os autores conseguiram isolar 960 valores construtivos, como, por exemplo, existência, conforto, compaixão, elevação e 1.040 valores destrutivos, tais como abuso, injustiça, maldade, perversidade. Nilton Rokeach, conservando um ponto de vista puramente experimental, reconhece também que se observa, a longo prazo, a mudança de valores nos seres humanos. Eles vão em

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direção à um “aumento”, muito mais do que a uma diminuição na importância de quatro valores em particular: igualdade, liberdade, um mundo de beleza e autocontrole. No Oriente estes valores são chamados “chakras” ou centros energéticos. Chakra significa roda em sânscrito e designa entroncamento de vias energéticas - sistema integrado, holístico, não fragmentado. Cada um dos chakras corresponde a valores construtivos e destrutivos. O homem, uma vez consciente das suas motivações (ou Karma), pode escolher cada ato de sua existência diária. O sexto chakra lida com o conhecimento da verdade; ele integra não somente o conhecimento intelectual, como o conhecimento intuitivo e a percepção extra-sensorial, isto é, os lados direito e esquerdo do cérebro, assim como as funções ligadas à glândula pineal. O sétimo chakra tem relação com estados de consciência, em que desaparece toda espécie de dualidade, mais particularmente a superatividade sujeito-objeto. Quanto mais perto as pessoas se aproximam desse estado de consciência através de experiências culminantes, mais elas despertam para valores como a beleza, a plenitude, a verdade e o amor.

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4 - ÉTICA NOS NEGÓCIOS Embora muitos defendam a necessidade de altos padrões éticos nos negócios, tem sido muito difícil encontrar o vocabulário e os termos certos para descrever a dimensão moral da administração empresarial. Para Vasquez e para muitos outros autores, o termo ética nos negócios pode ser repulsivo. De acordo com o estudioso, isso sugere a idéia imoral de se aceitar um padrão duplo - uma ética para a vida particular e outra para as decisões dos negócios. Para outros ainda, a ética nos negócios sugere uma jocosa contradição de termos. Depreendemos do estudo que a conduta moral nos negócios merece a mesma atenção sistemática que qualquer outro aspecto da administração. Aprendemos que a empresa é um conceito legal, definida como uma entidade legal, mas, na prática, ela é, também, uma entidade social. Ela é uma organização de pessoas onde as ações de uns têm efeito sobre o bem-estar e os direitos dos outros. Nessa perspectiva, ética nos negócios, pode ser expressa como sendo o estudo da forma pela qual normas morais pessoais se aplicam às atividades e aos objetivos de empresa comercial. Não se trata de um padrão moral separado, mas do estudo de como o contexto dos negócios cria problemas próprios e exclusivos à pessoa moral que atua como gerente desse sistema. Aristóteles definiu uma virtude como uma questão de hábito ou a faculdade treinada da escolha (Vàzquez, 1996). “A ética nos negócios reflete os hábitos e as escolhas que os administradores fazem, no que diz respeito às suas próprias

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atividades e às do restante da organização”. Essas atividades e escolhas são alimentadas pelo sistema moral de valores pessoais próprios, mas estes com freqüência, sofrem uma transformação em suas prioridades ou sensibilidades, quando operado dentro de um contexto institucional de severas restrições econômicas e pressões, assim como pela possibilidade de se adquirir poder. No passado, a atenção à ética nos negócios centralizava-se nas questões monetárias. Os padrões corporativos eram, primariamente, uma questão de regras de procedimentos na busca do interesse próprio e de instruções dos governos quanto à distribuição responsável dos bens apurados. Em uma preversão simplista dos mandamentos dos Hebreus, esses padrões consistiam de uma promessa e uma maldição: Faça isto e você prospera; não faça e você será amaldiçoado. “Isto”, para falar em termos de mercado livre, era a busca do interesse próprio dentro das fronteiras da lei e do costume. Segundo Nash, esse contrato de conduta formou os mecanismos motivacionais e de alocação básicos nas empresas, pelo menos nos últimos 40 anos. Sua premissa de que a bondade pessoal é conseqüência normal, tem por fundamento: crescimento econômico sustentado; expectativa de emprego vitalício; força de trabalho homogênea e um sistema educacional nacional que enfatize a capacidade de ler e escrever, a habilidade para matemática e os valores judáico-cristãos básicos. Parafraseando o autor supra, para estimular o trabalho em equipe e a produtividade, eram suficientes as recompensas imediatas e certas em dinheiro, oferecidos a pessoas cujas normas eram semelhantes, devido a um histórico escolar eficaz e a perspectiva de trabalho com o mesmo grupo praticamente

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em toda a carreira. As pessoas eram relativamente competentes quando terminavam o curso superior, e estavam dispostos a cooperar, sacrificar-se e trabalhar duro, porque isso valia a pena. É claro que havia alguns lados negativos nesse modus vivendi - um conformismo nivelador, uma obediência humilhante a um sistema social hierárquico e, mais recentemente, o declínio da resposta do mercado, porém, em geral, as empresas podiam contar com mecanismo culturais informais de condutas aceitáveis, e ainda utilizar o lucro como conceitomotor. Mesmo tão recentemente quando no começo dos anos 80, o resultado dos escândalos - fossem eles de poluição ambiental, danos ao consumidor ou suborno no estrangeiro - era aumentar os mecanismos de controle dentro da empresa, estabelecer leis ou restrições para as empresas e deixar tudo nesse ponto. Os padrões e as abordagens motivacionais para a solução de problemas permaneciam firmemente enraizados em uma orientação de “meu lucro / o lucro de minha empresa primeiro”. Embora essa fórmula para ética e sucesso ainda possa ter grande valor no pensamento de alguns administradores sobre a moralidade nos negócios, o ambiente que apoiou vem se modificando constantemente desde 1970. Na década atual, ela misticamente já se foi. A recessão econômica em muitas indústrias e um conjunto multipolar de concorrentes fortes minaram a promessa das recompensas imediatas e universais em dinheiro entre pessoas do mesmo pensamento. A diminuição no tamanho das empresas, as fusões e a extrema mobilidade da força de trabalho destruíram qualquer ilusão que pudesse restar sobre o emprego vitalício.

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5 - RELAÇÃO ÉTICA EMPRESA E CLIENTE

A filosofia moral ou, simplesmente, a ética, surge no contexto social de repente, quando a convivência toma-se difícil, em função de situações que demandam consenso no entendimento humano e diferentes escalas de valores. A ética que permeou o pensamento econômico nos últimos tempos foi, em muitas circunstâncias, desvirtuada em seus fundamentos. Haja vista a contribuição de Adam Smith que, além de fundar a escola clássica da economia, desenvolveu uma teoria dos sentimentos morais, discutindo as forças éticas que unem as pessoas em uma sociedade viável. Nessa teoria, procurou reconciliar o indivíduo com o interesse pessoal, mediante os princípios da harmonia natural e da liberdade natural do indivíduo ou de direito à justiça. A proposta de Smith para a ordem econômica de produção, com sentido liberal, acreditava na prudência - a reta razão ou phronesis, que acompanhando a definição de virtude, em Aristóteles - “com igualdade, liberdade e justiça”, permita ao homem seguir seu próprio interesse, seus privilégios, contra restrições extraordinárias por parte do governo. Segundo sua ética, derrubou um preconceito da época, quando propôs o equilíbrio entre as relações dos habitantes do campo com os da cidade, tornando profícua a classe considerada improdutiva (artífices, manufatureiros e comerciantes). Essa argumentação justifica a valorização do homem através da revalorização do trabalho, bem como suas advertências às autoridades governamentais, a respeito da liberdade individual e da adoção de estratégias de ação de governo com maior prudência e justiça social.

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Prudência e justiça são virtudes éticas - hábitos de eleição preferencial do sentimento humano - que parecem não ter marcado presença no mundo capitalista, que desvirtuou, inclusive, a razão utilitária de Mill, que propagava o bem estar para o maior número de pessoas e a negação do trabalho como sendo a essência supra - histórica do homem. O acúmulo de riqueza e os interesses econômicos e políticos predominaram, e a razão priorizou o dinheiro e poder. Mesmo no socialismo real, o ethos protestante, declarado por Weber como característica constitutiva ideológica e histórica do capitalismo, foi posto em prática, com mais fervor e rigor no movimento operário e nas formações sociais. Keynes, procurou reverter esse quadro, sugerindo que o homem deveria assumir uma posição mais digna, de fim em si mesmo. Dizia que o acúmulo de riqueza, com o passar do tempo, não representaria mais importância social. Uma outra previsão originária desse estudo foi a de que haveria grandes mudanças no código moral e uma reavaliação do motivo-dinheiro. Essa nova ordem econômico-social seria assimilada gradativamente, a começar por aquelas pessoas que cultivavam com perfeição a arte de viver. Entretanto, com os resultados obtidos pelos avanços científicos e tecnológicos que a sucederam, suas previsões não só deixaram de acontecer, como o homem continuou valorizando o mais produtivo, o mais rentável, e, o novo, sem sequer reconhecer seus direitos e responsabilidades como cidadão. Guatari - pensador francês, reconheceu ser este um período social caótico, mais democrático e, por isso, portador de outro tipo de ordem potencial. O que significa dizer: no caos formado pela atual crise mundial, está um movimento

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empreendedor que conceberá uma organização fundamentada em dois tipos distintos de valores: os humanos e os sociais. Essa dicotomia nos remete à Grécia antiga, à reflexão sobre valores da casa versus valores da pólis, que é retomado, depois de Kant, por Hegel, em seus questionamentos referentes à moralidade do homem e a ética do cidadão. Essa mesma linha teórica é seguida por Habernas Jürgen, um filósofo contemporâneo, com uma proposta chamada “Ação Comunicativa”. Segundo o autor, os problemas da sociedade localizam-se em dois mundos de ações distintos: o sistêmico e o vivido. O mundo sistêmico compreende os subsistemas econômicos e político, cujas linguagens foram substituídas pelo dinheiro e pelo poder, respectivamente. Esse mundo é o domínio da ação instrumental, enquanto o mundo vivido é o domínio da ação comunicativa, o espaço da linguagem, ou seja, o lugar do entendimento humano. Esses mundos se interpenetram, sendo que o primeiro procura colonizar o segundo, uma relação que representa uma das patologias da modernidade. Essa ética discursiva é produto da consolidação de várias éticas e segue o princípio da universalidade - a participação de todos. O diálogo assume fundamental importância e pressupõe locutores competentes. Isso requer uma longa aprendizagem e um exercício prático constante até a formação de um hábito bom, porque só a ação decorrente de um hábito bom é virtuosa, e não é a virtude senão a tão sonhada excelência... No contexto atual do mundo dos negócios, é fundamental redefinir valores através da linguagem e do entendimento, para

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então chegar a outro tipo de acordo ético e, conseqüentemente, à concepção de um novo homem e à fundamentação de uma sociedade melhor. Quando se adota como estratégia à satisfação das necessidades ou exigências do consumidor, este deve ser uma figura presente como valor dentro da empresa. Os valores da empresa e sua cultura, são os condutores que viabilizarão ou emperrarão a trajetória da estratégia para atingir o “Alvo”. Os valores definem em todos os níveis o comportamento dos profissionais e tornam-se particularmente úteis no nível operacional. Definindo os valores e a estratégia da companhia, as prioridades e a decisão dos investimentos são decorrentes. Os valores da empresa voltados à satisfação do cliente/consumidor possibilitam administrar os recursos financeiros, técnicos e humanos, com a harmonia necessária e o impacto desejado. Para estabelecer sua estratégia, com uma perspectiva a longo prazo, cada empresa precisa desenvolver um profundo conhecimento, sensibilidade e empatia com o cliente, ou seja, formular políticas coerentes com a estratégia. A explicação interna dos valores e da estratégia faz parte do processo de comunicação, com o qual a gerência referenda suas ações. Porém a coerência entre o discurso e a postura pessoal dos dirigentes é vital.

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Culturalmente, o mundo dos negócios é o mundo masculino, exigente, agressivo, analítico e racional. O mundo das entidades de defesa dos consumidores é mais feminino, receptivo, intuitivo, sintético e emocional. Sociologicamente, o mundo dos negócios é mais próximo da categoria regida pelo código da “rua” (aparência, impessoalidade, esperteza, vantagens, comércio), enquanto que o da defesa dos consumidores aproxima-se mais da categoria regida pelo código da “casa” (intimidade, personalização, emoção, legitimidade do ser, colaboração, e perenidade). Em termos econômicos e técnicos a grande maioria da população brasileira tem carências latentes e demandas elementares a serem satisfeitas, o que confere um estágio bastante primário às relações de consumo. As exigências de qualidade, durabilidade e tecnologia dos produtos são difusas, pois carecem de um modelo mais aperfeiçoado. Logo após a decretação do Plano “Brasil Novo”, em março de 1990, a indústria automobilística, apesar de estar atrasada na entrega de dezenas de milhares de carros de consorciados, optou por desacelerar a produção, prevendo um retraimento do consumo. Será que nessa decisão foram considerados e respeitados:

• O direito dos consumidores, que estavam aguardando o produto pelo qual já haviam feito pagamento parcial ou total?

• Os distribuidores e concessionárias, cujo veículo de

parceria é freqüentemente mencionado?

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• Os direitos dos consorciados que, além da demora da entrega, passaram a ser sobressaltados, a partir de junho, pelos aumentos mensais de produtos inexistentes?

Chegou-se a noticiar em julho que as indústrias automobilísticas deviam carros a 100.000 compradores. Posteriormente, o número caiu para 40.000. Mesmo assim, são esses os milhares de consumidores de poder aquisitivo que nas propagandas e slogans “sempre têm razão”, e nas teorias de marketing, são os “determinantes do mercado”! Em termos de poder e controle, o consumidor tem sido fraco. Fica ainda mais frágil se for economicamente pobre. O paradoxo bastante conhecido poor pays dá-se em função das limitações do conhecimento, informação e discernimento existentes entre aqueles de menor poder aquisitivo. Esses enfrentam maiores dificuldades para negociar bem, e sendo mais vulneráveis às fraudes e contratos lesivos, por ingenuidade ou falta de orientação. Os consumidores, igualmente, vêm adotando uma postura, pouco assertiva em relação ao governo e empresas. Oscilam entre a passividade e a prepotência, como no quebra-quebra pós Plano Cruzado. Freqüentemente ficam com raiva, ansiosos, desalentados, mas não atuam efetivamente sobre o agente provocador desse estado. (As organizações públicas de defesa do consumidor são habitualmente depositários dessa transferência de agressividade). A sociedade brasileira como um todo, em muitos momentos, tem se caracterizado como pouco assertiva, oscilando entre otimista-eufórica e decrescente-derrotista. A empresa, como

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parte do tecido social, também tende a oscilar entre a prepotência (com os clientes, se for monopolista; com os fornecedores, se dispuser de muitas opções) e a passividade (com o governo, se aguardam subsídios; com os fornecedores, se forem dependentes). Esther Peterson, em sua palestra realizada no III Encontro Rhodia de Valorização do Consumidor, em 1988, disse ter identificado 05 fases no processo de aproximação do empresário norte-americano com as questões do consumidor:

• Quando os consumidores faziam alguma acusação, os representantes das indústrias negavam tudo. Diziam: “Nós não fazemos isso, outros talvez o façam, exceto nós”. Isso se deve, explicou ela na sabedoria de seus 81 anos, ao bloqueio emocional e filosófico de aceitar a legitimidade do movimento do consumidor como força.

• Quando simplesmente negar não funcionava, passavam

a tentar desacreditar quem estivesse à frente daquela causa ou daquela acusação, como tentaram fazer sem sucesso com Ralph Nader. Os empresários, disse ela, gostam de conjecturar os motivos ocultos daquela denúncia. E eu complemento: há sempre uma suspeita de que aquele que se sobressair num movimento de consumidores, está sendo pago por concorrentes, está a serviço de uma facção empresarial, ou tem objetivos eleitoreiros.

• Quando os consumidores foram ao Congresso tentar

conquistar mudanças através das legislações, a indústria opôs-se a tudo. Como são poucas as empresas que têm cultura pró-ativa, não se antecipando por meio da auto-

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regulamentação, reagem violentamente às restrições das leis.

• Quando as leis de defesa do consumidor eram

decretadas, depois de muitos esforços, os empresários tentavam enfraquecê-las.

• Finalmente, quando todas essas táticas fracassavam,

alguns empresários começaram a acordar e a dizer: “Bom, por que não fazer alguma coisa para resolver esses problemas?”

Nos Estados Unidos, as fases foram essas e a partir da década de 70, as mudanças na conduta dos empresários foram visíveis. Para o Brasil, o processo será diferente, pois os vetores que conduzem a nossa história são diferentes, os valores e códigos culturais também diferem. Mundialmente, o Estado é um grande e importante consumidor e no Brasil tem sido, ao mesmo tempo, produtor de serviços; a maioria dos consumidores também se acha envolvida com a produção, de uma forma direta ou indireta. Essa realidade influencia a matriz de identidade dos indivíduos. Se alguma medida política ou administrativa é adotada em beneficio dos consumidores, mas interferem nos interesses particulares de algum segmento de produção, os funcionários tenderão a defender a empresa, ao invés de demonstrar empatia pelos consumidores (eles mesmos). Da mesma forma, cidadãos comuns, às vezes assalariados, criticam as movimentações trabalhistas, identificando- se com os patrões. O “modo brasileiro” com que faremos o nosso processo de interação fornecedor consumidor, e as técnicas que usaremos para obter os nossos resultados, poderão nos conduzir a um

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mercado renovado, mais maduro e competitivo, ou simplesmente maquiá-lo com matizes de modernidade, conservando-o cartelista e manipulador. Seria enriquecedor mesclar a cultura do mundo dos negócios com a cultura da defesa do consumidor. Seria fértil “casar” essas culturas, respeitando, não negando, as desigualdades e contradições dos opostos. O aspecto relacional e o “jeitinho” brasileiro, se usados para dar flexibilidade e inovação aos negócios, atendendo realmente às necessidades dos consumidores, seria a forma criativa e produtiva para impulsionarmos as empresas no Brasil. Há alguns anos o brasileiro vem passando a questionar mais o posicionamento dos fabricantes, comerciais, políticos e instituições públicas. A própria abertura democrática, no início da década de 80, e o arrefecimento da censura nos meios de comunicação, propiciou um pensar mais crítico e menos ufanista. A mobilização popular pelas eleições diretas também representou um passo significativo no exercício da cidadania. A pesquisa monitor, realizada com uma amostragem de 900 consumidores, detectou, em 1986, que 80% destes já estavam atentos ou passariam a prestar mais atenção aos perigos contra a saúde e a segurança, existentes nos produtos, 70% já prestavam ou passariam a prestar mais atenção na relação de durabilidade; preço e 56% liam ou pretendiam ler os rótulos, cuidadosamente. Durante o Plano Cruzado a iniciativa privada foi vista como vilã, de acordo com o público entrevistado pela Almap, pois se

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preocupava unicamente com o lucro imediato e não colaborava com o momento cívico, A expectativa manifesta pelos entrevistados era que, além de gerar empregos, produzir produtos e pagar impostos, as empresas devessem:

Abrir canal de comunicação com os consumidores (64%);

Controlar rigidamente a qualidade dos produtos (64%);

Contribuir para proteção ao meio ambiente (61%);

Dar maior estabilidade aos trabalhadores (61%);

Inovar e aperfeiçoar os produtos (53%);

Outros.

A conscientização dos consumidores vem se processando no Brasil, ao longo dos anos, por meio de saltos, porém a força do movimento é inexorável. A dialética consumidor-fornecedor, como diz Fábio Konder Comparato, é mais delicada e complexa que a dialética capital-trabalho porque a rigor todos somos consumidores. Não é sem razão que o direito moderno, base das leis de Defesa do Consumidor, entre as quais, a brasileira, reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Comparato analisa que na dinâmica da economia atual não importa o fato de o consumidor ser pobre ou rico. O que diferencia produtor é que este controla e dispõe dos bens ou serviços, enquanto ao consumidor, de acordo com a concepção do capitalismo, cabe um papel de passividade e aceitação ou, como se complementaria, da resistência pela Não Compra.

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Como permanece esse dilema, entre as relações de poder, a iniciativa privada luta bravamente para manter seu status quo. Ora usa do confronto para minimizar as pressões por mudanças, ora tenta ignorar a importância e legitimidade das reivindicações dos consumidores. Então a movimentação dos consumidores mais exigentes, críticos e líderes de opinião, parece sempre surgir de uma forma “inesperada” ou “anárquica”, para complicar a ordem estabelecida. As argumentações brilhantes, as análises dos empresários e, particularmente, de seus representantes jurídicos, durante os meses de discussão que antecederam a aprovação do Código de Defesa do Consumidor, constituem um fortíssimo material de análise da psicologia empresarial e seus sintomas de resistência à mudança. Como pano de fundo para esse processo temos fatores nada facilitadores, de natureza cultural, sociológica, técnica, psicológica e econômica. Há um conceito equivocado entre os executivos brasileiros, de que adotar políticas de atendimento e valorização do consumidor custa barato e podem ser realizadas com os recursos internos. Pensam que é necessário apenas instalar umas linhas telefônicas, contratar funcionários de nível médio para atender às solicitações, e o básico do trabalho está encerrado. No Brasil, a internalização do consumidor na empresa se fará na medida em que o mercado realmente puder determinar as regras. Do ponto-de-vista capitalista e empresarial, focalizar o cliente, abrir um canal de atendimento direto, trabalhar para o ajustamento dos produtos e serviços às necessidades do

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consumidor, é o caminho mais inteligente e seguro para o lucro e a permanência a longo prazo. A insensibilidade relativa ao consumidor chega a tal ponto, que nós estávamos em pleno choque do Plano “Brasil Novo”, com a poupança retida, enquanto um dos bancos continuava com a propaganda da invulnerabilidade e rentabilidade da caderneta de poupança sendo transmitida na televisão! Assim como essa questão da geração de excesso de expectativa em face da performance é extremamente delicada para um produto, da mesma forma o é para a credibilidade e satisfatoriedade de um Departamento de Serviços ao Consumidor. Os consumidores comentam com outros suas experiências negativas ou positivas sobre um produto ou serviço. A isso se dá o nome de “comunicação boca-a-boca”. Como no Brasil ainda admiramo-nos quando os serviços e as instituições funcionam bem, é provável que a comunicação “boca-a-boca” favorável seja muito maior do que a desfavorável. Sensibilidade, conhecimentos e comprometimentos para:

- Interagir com o cliente na “hora da verdade”, entendendo a necessidade dele, desenvolvendo todos os esforços e empregando todos os recursos disponíveis dentro da empresa para atendê-lo corretamente.

- Assim atuando, os profissionais poderão trazer à empresa

o potencial e diferencial desses departamentos: fidelidade do cliente e lucratividade a médio e longo prazo, metas relativas ao conceito de efetividade.

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- Em mercados onde haja o discernimento, a competitividade e a possibilidade de escolha, os DSC’s serão fundamentais. Afinal,

Quantos consumidores vão comprar outra vez de você? Essas diferenças são altamente significativas para a manutenção dos negócios e alteram a forma com que as reclamações vêm sendo percebidas nas empresas, isto é, transtornos ao gerenciamento de produtos e serviços! “Reclamações são oportunidades para retificar o problema junto ao consumidor. As empresas que responderem a essas oportunidades serão recompensadas pela lealdade à marca, numa proporção, direta ao seu grau de empenho”. “Por outro lado, enquanto consumidores insatisfeitos podem não estar suficientemente bravos para reclamar, a grande maioria está aborrecida o suficiente para silenciosamente trocar de marca na primeira oportunidade. Ironicamente, os problemas dos não reclamantes são, em geral, os de mais fácil solução”. Se as empresas facilitam a comunicação, dão chances de expressão aos consumidores e desburocratizam o atendimento, estarão preservando seu mercado. Em mercados competitivos, é mais econômico resolver um problema de um consumidor do que perdê-lo e ter que investir para atrair um novo cliente. No Brasil, o monopólio presente em inúmeros ramos da nossa atividade produtiva e nas estatais, controlando setores que

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deveriam estar submetidos às leis da livre iniciativa, anestesiou consumidores e executivos. Mudando as regras do macro cenário brasileiro, as empresas deverão rever rapidamente suas prioridades e a forma de tratamento a ser dada aos clientes. Com eles, não mais com o governo, serão desenvolvidos os novos pactos de crescimento econômico. A satisfação do consumidor pode ser analisada pela seguinte equação:

“Satisfação do Consumidor = Desempenho/Expectativa”

Se é gerada uma grande expectativa em relação ao produto ou serviço de uma empresa (nisso a publicidade é criativa e altamente competente), mas o desempenho na “hora da verdade do consumidor” for razoável ou baixo, a satisfação do consumidor ficará diminuída. Se a expectativa é muito alta, nada irá satisfazê-lo. Por outro lado, a baixa expectativa só existe em situações de subsistência ou total impossibilidade de escolha. Analisando todos estes aspectos, ainda vamos encontrar, quando da troca de mercadorias, empresas que se negam a fazê-lo.

Como seria esse episódio na maioria das lojas no Brasil?

• Primeiro - Uma grande placa estaria avisando: “Não

trocamos mercadoria aos sábados. Não insista”.

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• Segundo - O gerente que teria autoridade para permitir a troca de mercadoria de outra loja, não está naquele momento.

• Terceiro - Se o gerente estiver, ele fará questão de dizer

que é uma liberalidade da parte dele trocar uma mercadoria adquirida em outra loja, ainda que da mesma rede, pois ele terá problemas no controle do estoque.

• Quarto - O problema não é da loja e nem do produto!

Se o consumidor foi desatento na compra, a loja não tem por que atendê-lo!

Apesar de essa conduta ser muito freqüente no Brasil, temos sinais muito claros de que, com a competitividade presente e a concorrência dos importados, o atendimento do cliente tende a se aperfeiçoar com rapidez. Um colega de trabalho comprou uma máquina de lavar roupa, e apressado, resolveu instalá-la sozinho, sem aguardar a assistência técnica. Infelizmente ligou a tomada de 220 volts enquanto a máquina era de 110 volts! Era final da tarde e ele ficou chateado com a provável bronca da mulher. Ao invés de impressioná-la com sua habilidade, teria que admitir o erro. Tentou através da assistência técnica comprar, às suas expensas, é claro, o componente necessário para o funcionamento da máquina. Como o expediente estava encerrando, foi orientado a conversar posteriormente com o Departamento de Serviços a Consumidores.

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Às 9 horas da manhã do dia seguinte, ele ligou à Brastemp. O profissional do atendimento já havia sido contatado pelo serviço de assistência técnica, e meu colega de trabalho foi orientado sobre o procedimento a ser adotado. Tão satisfeito ele ficou com o fato que comentou com alguns colegas, e teve o prazer em divulgar e cumprimentar o Departamento de Serviços ao Consumidor da Brastemp, certo de que a qualidade desse trabalho continuará cada vez mais preservada! O homem educado de forma machista é insensível, não tem a formação necessária ao humanismo, mas apenas ao consumo de bens e à exagerada ambição pelo material. Os indivíduos se defrontam, portanto, com a necessidade de pautar o seu comportamento por normas que julgam mais apropriadas, ou mais dignas de serem cumpridas. Esse comportamento prático-moral leva-nos à reflexão do seu pensamento, ou seja, a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral; da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa. À diferença dos problemas prático-morais e dos éticos, enquanto os éticos são caracterizados pela sua generalidade, os problemas morais da vida cotidiana são os que se nos apresentam nas situações concretas. Seria inútil recorrer à ética com a esperança de encontrar nela uma norma de ação para cada situação concreta. O problema do que fazer em cada situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético. Definir que o bom não é um problema moral cuja solução caiba ao indivíduo, em cada caso particular, mas um problema geral, de caráter teórico, de competência do investigador da moral, ou seja, do ético. O problema da essência do ato moral envia a outro problema importantíssimo: o da responsabilidade. Decidir e agir numa situação concreta

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são problemas prático-morais, mas investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se relaciona com a liberdade e com o determinismo, ao qual nossos atos estão sujeitos, é um problema teórico, cujo estudo é de competência da ética. Mas a função fundamental da ética é a mesma de toda teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes.

A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é uma ciência de uma forma específica do comportamento humano. A ética à ciência da moral, isto é, de uma esfera do comportamento humano. Não se deve confundir aqui a teoria com o seu objeto: o mundo moral. A moral não é ciência, mas objeto da ciência e, neste sentido, é por ela estudada e investigada. A ética não é a moral e, portanto não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na própria moral. É preciso que a ética, como teoria da moral, tenha presente um comportamento humano que varia e se diversifica no tempo. A ética se relaciona com a economia política como ciência das relações econômicas que os homens contraem no processo de produção. Essa relação se baseia efetivamente, na vida social, entre os fenômenos econômicos e o mundo moral. A ética como ciência da moral não pode negligenciar os problemas morais apresentados, especialmente em nossos dias, pela vida econômica; ora, a economia política, como ciência das relações econômicas ou dos modos de produção, contribui para a elucidação dos mesmos.

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A Empresa e seus Clientes - atendendo às necessidades do Cliente, não da burocracia - Esse comportamento está presente na “Folha de São Paulo”, o maior jornal de circulação em todo o Brasil, com destaque para: O ombudsman da Folha de S. Paulo A função do ombudsman na Folha de S. Paulo foi criada em setembro de 1989. Trata-se do profissional nomeado pela direção do jornal para representar o leitor junto à redação. Sua tarefa principal é a de investigar as queixas apresentadas pelos leitores. Ele os atende por telefone (diariamente das 14h às 18h), por carta, ou pessoalmente. Qualquer leitor que se sentir prejudicado por informações do jornal, desinformado ou ofendido, pode conversar com o ombudsman. Suas observações são investigadas, analisadas e, quando procedentes, o ombudsman aciona a direção do jornal para que as retifique ou esclareça no próprio jornal. O ombudsman tem outras tarefas. Ele realiza diariamente uma crítica comparativa na Folha, em relação aos seus concorrentes imediatos. Essa crítica é de circulação interna na redação, sucursais e entre os correspondentes nacionais e internacionais. Ele tem também, uma coluna semanal, publicada aos domingos, onde submete o jornal a um exame público e faz média criticism, a crítica dos meios de comunicação. Entre seus deveres se inclui ainda o de supervisionar o “Painel do leitor”, a seção de cartas do jornal. No primeiro ano de atuação do ombudsman da Folha de S. Paulo ele conseguiu fazer que esse jornal passasse a admitir mais erros do que fazia anteriormente. Quando assumiu o cargo, o jornal publicava, em média doze “Erramos” (as notas retificativas) por mês. Oito meses após o início do trabalho do

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ombudsman, esse número já se elevara para uma média de 45 “Erramos” mensais. O ombudsman da Folha, em comparação com os 49 ombudsman registrados oficialmente em 1990, pela ONO, a Organization of News Ombudsman, com sede em Sacramento, nos EUA, está entre os que recebem mais queixas. Atende trinta telefonemas por dia, enquanto a média é de quinze a dezesseis. O número médio de cartas diárias é quinze e o atendimento pessoal, de dois a cinco leitores por semana. No Brasil, a empresa tem seus olhos muito mais voltados para o Governo do que ao seu mercado. Quando se trata de inovar a favor do consumidor, muitos executivos atribuem suas evasivas e resistência ao “impedimentos” da burocracia estatal, ou/e sua disposição de seguir apenas o que determina a legislação. É fato que nas últimas décadas a iniciativa privada pode se orgulhar da habilidade de negociação com o governo. Porém, à medida que as regras do mercado mudam, as empresas terão que acelerar seus processos de relacionamento e entendimento com o esquecido consumidor.

5.1 - O Despertar para a Prática da Ética no Brasil

O despertar para a prática da ética empresarial, no Brasil, tem início nos movimentos de defesa dos consumidores e a estes está fortemente vinculada. A trajetória da defesa do consumidor está intimamente relacionada aos aspectos econômicos, políticos e sociais do país, assim como ao papel desempenhado pelo próprio consumidor, por órgãos governamentais, associações,

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empresários, legisladores, políticos, movimentos populares, pela imprensa e pelos profissionais em geral. A história da defesa do consumidor nos remete aos movimentos populares relacionados à carestia: a marcha da fome em 1931, a marcha da panela vazia em 1953, o protesto contra o alto custo de vida em 1963, a campanha promovida pelo Governo Federal em 1972, utilizando-se do slogan “Diga não à inflação” (quando esta atingia 12% ao ano), o primeiro boicote à carne em 1979 - promovido pelas donas de casa contra o alto custo da carne e apoiado pelo Governo. O Código Comercial de 1850, no seu artigo 210, já observava o problema do vício redibitório – “O vendedor, ainda depois da entrega, fica responsável pelos vícios e defeitos ocultos na coisa vendida, que o comprador não podia descobrir antes de a receber, sendo tais que a tornem imprópria para o uso a que era destinada, ou que de tal sorte diminuam o seu valor, que o comprador, se os conhecesse, não a compraria, ou teria dado por ela muito menor preço”. Para dar uma pequena idéia dos assuntos emergentes nos diferentes, tratados pela correspondente legislação: em 1933, o decreto nº 22626, versava sobre os juros nos contratos, reprimindo a usura; em 1937, o decreto-lei nº 58 dispunha sobre o loteamento e venda de terrenos a prestações; em 1938, o decreto-lei nº 869 definiu pela primeira vez os crimes contra a economia popular; em 1940, o decreto-lei nº 2041 regulamentava o comércio por ambulantes; em 1942, o decreto-lei nº 5839 dispunha sobre os beneficiários dos seguros de vida. Em 1947, a portaria do Ministério da Tecnologia Industrial e Comércio estabeleceu normas para regular a

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medição do comprimento; em 1950, a lei nº 1283 detalhou a inspeção industrial e sanitária de produto de origem animal. Na década de 60, a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, dispôs sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Para regulamentar padrões e normas de pesos e medidas o maior número de resoluções apresenta-se a partir da década de 70. Nessa época, durante o Governo Geisel, adotou-se uma política de restrição às importações: a taxa de emprego aumentou, houve redução dos índices de analfabetismo e a classe média estava confiante. Porém a longa manutenção do isolamento do mercado brasileiro foi perniciosa para a sua competitividade em escala mundial e não trouxe ao consumidor muitas opções em termos de qualidade. De qualquer forma, essa constatação não era evidente na época. Com a perspectiva econômica favorável, discussões sobre propaganda, qualidade e segurança dos produtos passaram a fazer parte das pautas dos jornais, seminários e congressos. Na década de 1970, o advogado e jornalista Emílio Lima Ribeiro, ex-deputado estadual e federal pelo estado do Rio de Janeiro, apresentou vários projetos de lei concernentes à proteção do consumidor e criou em 1975, a ANDEC - Associação Nacional de Defesa do Consumidor, com sede no Rio de Janeiro e Brasília.

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O Jornal da Tarde, desde aquela época, mantinha a seção “São Paulo Pergunta” que se constituiu em autêntico canal de comunicação para que a população apresentasse suas queixas, e tornou-se um veículo de freqüentes matérias de grande impacto sobre defesa do consumidor. Essa coluna foi uma das fontes de informação para o grupo de trabalho que originou o PROCON-SP. Em 1975, o Jornal AQUI publicava uma coluna semanal sobre a “Defesa do Consumidor” que abordava assuntos relacionados à qualidade de bens duráveis, prestação de serviços, propaganda, enfatizando a defesa de seus direitos, foi chamada, durante os meses que manteve a coluna, de “Ralph Nader dos Perdizes”. Um dos impeditivos para acelerar a defesa do consumidor localizava-se no sistema judiciário devido à morosidade dos processos judiciais, formalismo, custo, e como fator de desestímulo, a irrelevância dos ressarcimentos e multas. Os consumidores, privados de eficazes instrumentos legais, desconhecendo a legislação pertinente a assuntos tão diversos que os lesavam, não dispunham na década de 70, de muitas alternativas para sua autodefesa. Em 1976, em São Paulo foi criado o Sistema Estadual de Defesa do Consumidor, pelo Decreto nº 7890, publicado em 6 de maio de 1976, no governo Paulo Egydio Martins, e mais tarde convertido na lei nº 1903, de 29 de dezembro de 1978. Os objetivos precípuos do Sistema, eram: coordenar e integrar as atividades públicas de proteção do consumidor, zelando pelo cumprimento das leis; receber, analisar e encaminhar reclamações, sugestões ou propostas de entidades representativas da comunidade; efetuar pesquisas, investigações, testes, ou análise de produtos ou serviços,

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principalmente nos itens de consumo cuja fraude ou dolo o consumidor não reconheça, proceder a estudos para elaboração e aperfeiçoamento de recursos institucionais e legais; informar, conscientizar e motivar o consumidor através de programas específicos, com utilização, inclusive, dos meios de comunicação de massa. Esse sistema, logo foi batizado de PROCON e tornou-se um órgão de referência aos demais criados no Brasil. As reivindicações constantes da população eram a melhoria dos serviços públicos, asfaltamentos de ruas, água encanada, telefones comunitários, centros de saúde e escolas. A esses problemas e necessidades, o PROCON pouco podia oferecer como solução. Ainda em 1976, em dezembro mais precisamente, o PROCON lançou uma contrapropaganda, pela televisão, à campanha de Associação Brasileira dos Produtores de Leite Tipo B, que se baseava no depoimento de um falso médico, orientando uma falsa mãe para que desse ao seu filho leite tipo B, devido a sua superioridade nutricional e sanitária. Do ponto de vista das normas técnicas, a abordagem estava correta, mas estabelecia um impasse emocional junto às mães de baixo poder aquisitivo, com dificuldades até mesmo para adquirir para seu filho o leite mais barato e de preço tabelado, tipo C. A Associação Paulista das Agências de Propaganda manifestou-se publicamente apoiando a contrapropaganda realizada pela PROCON e a campanha do leite tipo B foi retirada da televisão, rádio e outros veículos...

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Em 1977 foi aprovada a lei “Herbert Levy”, providencial para minimizar as confusões dos preços das mercadorias vendidas a prazo e à vista, tornando obrigatória na publicidade e nas vitrines, a declaração do preço do produto se comprado à vista, se comprado a prazo, o nº e o valor das prestações, o valor da entrada ou sinal, regulamentando uma área detonadora de inúmeros equívocos tanto para o consumidor mais esclarecido, como para o desavisado. Dentre as dificuldades enfrentadas pelos órgãos de defesa do consumidor para dar um encaminhamento eficaz às reclamações, destacavam-se:

1. Normas existentes, porém desconhecidas pelos

consumidores;

2. Normas técnicas inexistentes;

3. Normas existentes, porém não respeitadas pelos fabricantes, ou não fiscalizados pelos órgãos competentes; impossíveis de serem percebidas pelos consumidores por requerem testes laboratoriais.

Para exemplificar o item 1, acima: a data de fabricação dos alimentos de origem animal, mantidos à baixa temperatura, era obrigatória pela lei federal desde a década de 1950. Levantamento realizado pelo PROCON em 1977, entre consumidores de instrução média e grau universitário, mostrou que 89% do primeiro grupo, e 50% do segundo grupo não compreendiam ou não conseguiam localizar a data de fabricação, em geral impressa de forma invertida ou codificada, nos rótulos dos alimentos.

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Produtos comercializados sem qualquer norma, controle ou registro eram comuns, e a propaganda, exagerando a performance era alardeada à vontade. Por isso, em 1978, explodiu o “primeiro escândalo do PROCON-SP”. O farmacêutico Emerson Joel Gonzales denunciou as irregularidades dos aparelhos ozonizadores de água. Vendidos a preços elevadíssimos, muitos não apresentavam qualquer ação purificadora de água e eram propagandeadas como verdadeiras panacéias para a “cura de celulites”, “problemas digestivos e estomacais”, entre outros benefícios igualmente fantasiosos. A reação de alguns dos produtores dos aparelhos ozonizadores foi violenta, com telefonemas ameaçadores ao Diretor Executivo do PROCON e pressão junto às autoridades do Governo. Em 1978, por ocasião do HI Congresso Brasileiro de Propaganda, foi aprovado o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação publicitária e, em maio de 1980, fundado o CONAR, Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária que, a partir daí, passou a cercear propagandas enganosas como as dos ozonizadores. Em 1979, no Brasil havia vários movimentos de formação de entidades em defesa do consumidor: em Porto Alegre, Florianópolis, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, etc. Em 1982 foi criado o PROCON de Minas Gerais. Em 1980 estávamos saindo de um longo período de censura e, ao contrário da sociedade americana, que tem por cultura refletir e aprender com os erros, a sociedade brasileira, e particularmente a indústria, é muito suscetível às críticas.

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Mas a dedução era matemática - se as empresas deixavam escapar falhas em algo tão visível e passível de comprovação como os dizeres dos rótulos, o que esperar da composição e condições higiênicas dos alimentos? A recessão obrigou o consumidor a uma compra mais racional e maior conscientização a respeito de preços. O hábito de pesquisar preços tornou-se vital. As variações eram gritantes entre uma loja e outra; os juros praticados também confundiam o consumidor e as máquinas de calcular passaram a fazer parte dos apetrechos necessários para ir ao supermercado (alguns até fixaram máquinas calculadoras nos próprios carrinhos de compras). Em 1983, foi criada a Delegacia do Consumidor - DECON, o PROCON passou a contar com o seu “braço armado” e a população a contar com maior força na repressão aos crimes contra a saúde pública e a economia popular. Em 1984, foi editada a Lei nº 7244, e a partir daí os acordos foram referendados pelos Promotores de Justiça e passaram a ter valor de títulos executivos extrajudiciais e sujeitos a protesto, A adaptação dessa Lei nos Estados foi gradativa. Quando o Juizado de Pequenas Causas foi criado em São Paulo, em maio de 1986, inúmeros estados já haviam se antecipado como Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará, etc. Em 1985, pelo Decreto nº 91469 e por iniciativa do Ministro Extraordinário para a Desburocratização, Paulo Lustosa, foi criado o CNDC - Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, com a finalidade de assessorar o presidente da República - José Sarney, na formulação e condução da política nacional de defesa do consumidor. Da sua composição constavam ministros de Estado, dirigentes de entidades

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públicas de defesa do consumidor, membros do ministério público, entre outros. Com a extinção do Ministério Especial de Desburocratização no início de 1986, o CNDC passou para o Ministério da Justiça, porém, a despeito do impacto que atravessava o país com o Plano Cruzado, curiosamente não resultou em fortalecimento desse órgão. Neste mesmo ano, discutiram-se muito, a instituição e a figura do Ombudsman. A Rhodia, empresa multinacional do ramo químico, em abril de 1985 definiu a função do Chefe de Departamento de Valorização do Consumidor como a de um Ombudsman industrial. Ressalte-se que trazido por empresas pró-ativas e que lideravam o mercado brasileiro, nesse mesmo ano, explodiram no Brasil os Programas de Qualidade Total, apoiados na Fundação Christiano Otoni - Minas Gerais, que lançaram a importância do Ombudsman. O Governo Federal absorveu a idéia e, por haver um clima favorável nesse sentido, o Presidente Sarney criou o CODICI - Conselho de Defesa e Informação do Cidadão, nomeando como Ouvidor (Ombudsman), até 1987, o jornalista Fernando César Mesquita, que deixou o cargo para ser o primeiro governador da ilha de Fernando de Noronha. Até 1986, as iniciativas de consumidores como grupo de pressão eram praticamente restritas aos movimentos das associações de Donas de Casa. Com a decretação do Plano Cruzado em 27 de fevereiro de 1986, o país viu-se ante a uma nova conjuntura econômica e social.

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O desacreditado instrumento legal, a Lei Delegada de nº 4, de 1962, foi ressuscitada e viveu seus “meses de glória”: prisões de comerciantes e de donos de hotéis por problemas de preço, confisco de boi no posto das fazendas, devassas nas notas fiscais das empresas. A população conclamada a agir como fiscais da nova ordem orgulhava-se de sua atuação e os “heróis” eram apresentados na TV como arautos da nova república. Os excessos registrados como depredações em supermercados e lanchonetes no Rio de Janeiro e São Paulo, não deixaram de ser sintomas da imaturidade do posicionamento dos consumidores acostumados a reagir passivamente aos abusos e, em recebendo estímulo para atuar, confundiram assertividade e firmeza com prepotência e vandalismo. Apesar desses incidentes, houve uma movimentação popular nunca antes registrada no país. Isto serviu para mostrar aos comerciantes céticos ou insensíveis às mudanças, a disposição e energia da população. Com uma pressão inesperada e tão forte, as deficiências do aparelho fiscalizador do governo ficaram muito mais afloradas. Em muitos Estados, a desorganização e os atritos de competências entre as autoridades, tornava problemática a eficiência das ações. No final de 1986, o clima era de fim de festa. Escassez generalizada de produtos, ágio no preço do carne, no preço dos automóveis, e a inflação reassumindo o seu lugar na cultura econômica brasileira. Os consumidores envergonharam-se de terem sido tão crédulos e ingênuos na explosão de suas emoções, no início do Plano Cruzado. Mas restava ainda a esperança de ver incluída a defesa do consumidor na Constituição Brasileira a ser elaborada.

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No início de 1987, uma grande mobilização foi feita com abaixo-assinados circulando em inúmeros Estados do País e entregues ao Presidente da Assembléia Constituinte - Ulysses Guimarães. Em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição, uma nova esperança surgiu aos consumidores brasileiros, que tiveram seus direitos contemplados. Ainda em 1987, mais uma vitória havia sido conquistada pelo consumidor com a criação da Secretaria de Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo. Passaram a integrar a Secretaria: o Departamento de Proteção ao Consumidor - PROCON, o Departamento de Inspeção, o Instituto de Pesos e Medidas - IPEM e o Centro de Estudos e Pesquisas dos Direitos do Consumidor. A política de descentralização da defesa do consumidor no Estado resultou, ao longo desses anos, em cerca de 200 cidades conveniadas. Dando ênfase aos programas especiais de segurança e qualidade de produtos, realizaram testes em fusíveis, aerosóis (CFC), panelas de pressão, chuveiros elétricos, tênis, entre outros. Deram também início ao programa de atendimento jurídico ao consumidor carente, com renda inferior a 5 salários mínimos; programa de apoio ao cooperativismo e “Disque 200” (orientações por telefone). Portanto, era um movimento propício para a criação de uma entidade civil de consumidores e, em julho de 1987, foi fundado o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, entidade civil sem fins lucrativos, não governamental, apartidária e desvinculada de empresas estatais

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ou privadas. O IDEC passou a representar uma alternativa para os consumidores lesados por empresas privadas ou estatais, pelo Estado, nos seguintes casos: antecipação de cobranças em linhas telefônicas, atraso na entrega das linhas telefônicas, no pagamento do selo pedágio, na recuperação do empréstimo compulsório cobrado sobre veículos e combustíveis, entre 1986 e 1988 etc.. Seguindo a mesma linha das associações de defesa do consumidor de países desenvolvidos, o IDEC incorporou às suas atividades, os testes comparativos de produtos: brinquedos, chupetas, garrafas térmicas, leite, entre outros, publicando os resultados nos seus boletins. O Consumidor poderá, desta forma, acompanhar os processos coletivos em que o IDEC representa o conjunto de consumidores prejudicados em questões como: recuperação da correção não depositada nas cadernetas de poupança, no Plano Verão (época Presidente Sarney); processos contra aumentos abusivos de planos de saúde; recuperação do empréstimo compulsório cobrado sobre veículos e combustíveis entre 1986 e 1988. No Artigo, 40% delas são perigosas, “Testamos 23 Chupetas” (Anexo I), nos mostra a preocupação do IDEC com a qualidade do produto, a satisfação do cliente, aplicação da ética quanto à preservação da saúde e do organismo do bebê. Nos artigos 20 a 21 (Anexos II e III) - “Amil cumpre acordo e reembolsa clientes” - o IDEC intervém na defesa dos direitos do consumidor, vítima de aumentos abusivos das empresas de assistência médica, quando no Brasil se vive uma economia estável, onde juros beiram a casa de 2%, quanto até o ano passado estavam em torno de 10%. O cliente não quer mais ficar calado quando vítima de vícios ocultos, explorações ou propagandas enganosas. Vejamos, o caso do fogão Continental Grand Prix Autolimpante - fogão

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caro, em torno de R$ 400,00, com uma propaganda fabulosa e um manual de preços luxuoso, porém com os defeitos apresentados pelos clientes (Anexo IV). Com a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988, uma nova esperança surgiu consumidores brasileiros. A Constituição Brasileira, de 1988, em seus artigos 5º, inciso XXXII, artigo 170, inciso V e artigo 48 das Disposições Transitórias, estabeleceu que o estado promoveria a defesa do consumidor e seria elaborado um Código de Defesa do Consumidor. As diretrizes Internacionais de Proteção do Consumidor estabelecidas, em 1985, pela ONO e a mobilização das entidades de defesa do consumidor foram fatores determinantes na menção aos assuntos dos consumidores na Constituição Brasileira. A primeira minuta do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, elaborada por juristas integrantes do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, tornou-se o texto básico sobre o qual vários deputados fizeram pequenas adaptações e apresentaram-no ao Congresso. O Código aprovado pela Câmara dos Deputados em 26 de junho, pelo Senado em 9 de agosto e, assinado pelo Presidente Collor em 11 de Setembro de 1990, sob a Lei nº 8078, reconheceu e detalhou os direitos básicos do consumidor, criou normas específicas para a responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto e do serviço, inverteu o ônus de prova, dispôs sobre a publicidade, estabeleceu mecanismos para o controle das condições gerais dos contratos de adesão, instituiu instrumentos para serem utilizados pelos consumidores para

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sua autodefesa e dispôs sobre o aparato repressivo, administrativo e penal. A sua estrutura básica teve por finalidade a prevenção de problemas, a reparação dos danos e, quando necessária, a repressão. Pelo Código, definiu-se Consumidor como “toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, ampliando esse conceito para coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que intervenha nas relações de consumo. Fornecedor, “como toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos e prestação de serviços”. Ainda na área federal, no primeiro semestre de 1990, foi criado no Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional de Direito econômico, englobando o Departamento de Defesa do Consumidor e o Departamento Nacional da Proteção e Defesa Econômica - DNPDE.

5.2 - Os Programas de Qualidade Impulsionando a Prática da Ética

Uma das principais maneiras de uma empresa diferenciar-se de concorrentes é prestar serviços/oferecer produtos de alta qualidade. A chave é atender ou exceder as expectativas de qualidade dos consumidores-alvo. Suas expectativas são

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formadas por experiências passadas, divulgação boca-a-boca e propaganda da empresa. Os clientes/ consumidores escolhem as empresas nessa base e, após serem atendidos, comparam o serviço/produto recebido, com o esperado. Se o serviço/produto ficar abaixo da expectativa, os consumidores perdem o interesse pelo fornecedor. Se o serviço/produto atender ou exceder às expectativas, os consumidores procurarão o fornecedor novamente. Parasuraman, Zeithame e Berry forneceram um modelo de qualidade de serviço que identifica as principais exigências para a prestação de um serviço/produto de alta qualidade. Tais exigências, quando não atendidas, são denominadas de lacunas que causam problemas na prestação de um serviço/produto, citam-se:

• Lacuna entre a expectativa do consumidor e a percepção da empresa - Nem sempre a administração percebe corretamente o que os consumidores desejam. Os administradores hospitalares podem pensar que os pacientes desejam melhor alimentação, mas eles podem estar mais preocupados com o atendimento da enfermaria.

• Lacuna entre a percepção da empresa e as

especificações da qualidade do serviço - A administração pode perceber corretamente os desejos dos consumidores, mas não adota um padrão de desempenho específico. Os administradores hospitalares podem dizer que as enfermeiras são ágeis no atendimento de pacientes, embora não especifiquem isto quantitativamente.

• Lacuna entre as especificações de qualidade do serviço

e sua execução - Os funcionários podem estar mal

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treinados ou sobrecarregados e incapazes ou indispostos para atender a um padrão mínimo de qualidade. Podem estar enfrentando padrões conflitantes, como dedicar tempo em ouvir os consumidores e, ao mesmo tempo, atendê-los com rapidez.

• Lacuna entre a execução do serviço e as comunicações

externas - As expectativas dos consumidores são afetados por declarações de representantes da empresa e anúncios. Se o folheto de divulgação de um hospital mostra um lindo quarto, mas o paciente chega e o considera insignificante e com aparência de sujo, então a comunicação externa distorceu as expectativas do consumidor.

• Lacuna entre o serviço percebido e o esperado - Esta

lacuna ocorre quando o consumidor avalia o desempenho da empresa de maneira diferente e subestima a qualidade de um serviço. O médico pode visitar o paciente para demonstrar o cuidado, mas o paciente pode interpretar isto como indicação de que algo realmente está errado.

Os mesmos pesquisadores constataram que há cinco determinantes da qualidade de um serviço. Estes são apresentados na ordem de importância atribuída pelos consumidores (uma alocação de 100 pontos).

1. Confiabilidade - habilidade de desempenhar o serviço

prometido com segurança e precisão. 2. Atenção - disposição em ajudar os consumidores a

fornecer-lhes serviço rápido.

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3. Segurança - o conhecimento e cortesia dos funcionários e sua habilidade em inspirar confiança e responsabilidade. (19)

4. Empatia - fornecimento de cuidado e atenção

individualizada aos consumidores. (16) 5. Tangibilidade - a aparência das instalações físicas,

equipamentos, funcionários e materiais de comunicação. (11)

Há alguns anos atrás, em pesquisa realizada no Sistema Telebrás, os clientes se queixaram que, ao entrar em uma loja de atendimento eram recebidos por uma atendente agressiva ou atenciosa, que não podia responder a certas perguntas, ou dar respostas sem antes consultar o chefe. Retornava dizendo que, infelizmente o chefe não estava, e tentava justificar muitas coisas que não interessavam ao consumidor. Nesse caso, a resposta só seria dada quando se entendia com o chefe. Convém ressaltar que passará muito tempo, até que o consumidor resolva retornar novamente. A empresa mudou os seus rumos. Embora sendo monopólio, quer transformar consumidores em clientes fiéis. A Telecomunicação do Ceará S/A - TELECEARÁ, como todas as empresas do Sistema TELEBRÁS (Estatais mantidas pelo Governo Federal), implantou, em 1994, o seu Programa de Qualidade Total PQT, onde o Coordenador era o seu próprio Presidente, assessorado pelos diretores e gerentes. Em decorrência, foi criada a figura do Ombudsman que atende os clientes pelo telefone 0800.8000. Conforme se expressa o próprio Ombudsman (Anexo V - Palavra do Cliente). “Com o

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intuito de manter um salutar senso crítico na Empresa, no que tange às relações da TELECEARÁ com seus clientes, cumpre-nos, no nosso papel, OUVIR, APURAR e RESPONDER”. O conceito de “qualidade de serviço”, cristalizado na mente das atendentes que se situam na linha de frente, abrange apenas o ato de atender a um pedido corretamente, oportunamente. Assim sendo, elas procuram obter do cliente somente informações que lhe permitem atender as suas expectativas de aquisição de um serviço telefônico. E só. Quanto ao resto, elas nada têm a ver com isso e, se duvidar, o cliente com as suas pretensões de “bemestar”, ele é que estaria atrapalhando o serviço. O problema é que, quem determina se a qualidade de um serviço é boa ou não, é o cliente. Isto faz parte da definição de serviço de bem-estar. As expectativas do cliente são dele, e as empresas públicas podem até se rebelar contra elas, não atendendo conscientemente a pedidos “descabidos”. Mas os clientes vão continuar espalhando que, apesar dos bons serviços, não acha boa a qualidade dessa empresa. E nem sequer vai explicar porque o cliente possui expectativas sobre o serviço. Tais expectativas estão relacionadas a três fatores de Qualidade de serviço - desempenho, atendimento e custo. Geralmente as empresas se preocupam com o primeiro e desprezam os outros dois. Para as empresas que administram com excelência, a importância do seu relacionamento com o cliente/consumidor está configurada nas seguintes etapas:

• Momentos da Verdade - São os que basicamente

determinam se a Empresa será bem sucedida ou falhará

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como empresa. A grande mensagem é que os contatos - os “momentos da verdade” - são de diversos tipos - acontecem isoladamente ou não, seguem uma seqüência ou não... enfim, eles podem ser do jeito que os clientes quiserem e pelos motivos que quiserem. E, no entanto, uma boa imagem da qualidade da empresa irá se formar na sua mente, por exemplo, na medida em que a somatória de todos os contatos realizados seja positiva e, se possível, mais positivo que o atribuído pelo mesmo raciocínio, à concorrência. O que se passa na mente do cliente, como ele avalia os contatos, para depois somá-los etc, é um processo totalmente subjetivo.

• Ciclo do Serviço - uma seqüência de “momentos da

verdade”, reservada a um dado cliente. Para elaborar o Ciclo do Serviço, Albrecht “acompanha” a saga do cliente enquanto se relaciona com a organização de Serviços. Ao longo desse relacionamento é que vão aparecendo os “momentos da verdade”. O ciclo do serviço, então, corresponde à série de contatos pessoais que um cliente faz com os representantes da organização de serviços.

Qual, então, é o corolário da teoria do “momento da verdade”? Que Organizações de Serviços como a Companhia Telefônica devem dispor de uma capacidade de resposta praticamente ilimitada aos contatos iniciados pelos clientes. No caso, tanto no momento em que a reclamação é manifestada, como no da entrevista de checagem da reparação de defeito, etc. Deverá haver colaboradores capazes de transformar estes momentos em experiências agradáveis e úteis aos clientes.

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Cicio Serviço - Reclamações 103 Liga 103

Telefonista atende

Informa Defeito

Entrevista de checagem

Aguarda

ReparadorIndica local aparelho

Explica defeito

Acompanha execução

Verifica funcionamento

Assina recibo

Despede-se reparador

Telefonista Atende

• Exatidão • Rapidez

• Disposição para servir • Segurança

Verifica funcionamento

Momentos da Verdade e Dimensões de Qualidade em Serviços Prioritários:

Ciclo Serviço - Reclamações 103

Entrevista de Checagem

• Exatidão • Segurança

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Não basta que as pessoas incluídas num certo Ciclo de Serviço saibam disso, ou seja, que foram incluídas para esperar delas que “caprichem” nas suas tarefas. Elas têm que saber o que os clientes provavelmente mais desejam quando as abordam especificamente para satisfazê-los. • Método de Gestão da Qualidade do Serviço - Ciclo da

melhoria da Qualidade dos Serviços: Antecipar, Atender e Exceder continuamente os requisitos e as expectativas dos clientes, quais sejam:

Identificar, junto aos clientes, as características ou

atributos mais relevantes do serviço/produto que ele espera.

Desenvolver medidas de qualidade em serviços/produto - sempre expressa-las em termos claros, mensuráveis: são as dimensões de Qualidade de Serviço/Produto.

Precisão/Exatidão (fazer exatamente o necessário de forma cortês e amistosa. Trabalhar com eficácia e capacidade de resposta).

Rapidez (no menor tempo possível).

As medidas devem ser válidas e confiáveis. A validade é definida formulando-se a seguinte pergunta: estamos realmente medindo o que pretendemos medir? Se, por exemplo, o nosso foco é “precisão” e a medida acaba mostrando “disponibilidade”, ela não é válida. A confiabilidade, entretanto, refere-se a medições consistentes, quer seja ao longo do tempo e/ou entre amostras diferentes.

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De fato, o que interessa, do ponto de vista prático, é transformar essas expectativas em requisitos de serviço, dos quais seja possível deduzir “Dimensões de Qualidade em Serviços”. Qual a importância daquilo (do que ele espera) para ele, e por quê?

A importância relativa das Dimensões de Qualidade em Serviço/Produtos associadas a um produto/serviço, varia. E por motivos que, às vezes, apenas o cliente conhece.

Dentro do que ele espera, qual o máximo a que ele aspira no mercado? O conhecimento que o cliente possui das realizações da concorrência, dos avanços tecnológicos, dos lançamentos de novos produtos/serviços, etc, leva-o a estabelecer “metas” quanto ao nível de qualidade do produto/serviço oferecido pelas organizações excelentes que existem no mercado. Até que ponto somos uma alternativa, face à avaliação que ele faz do nosso serviço?

Julgando pela sua experiência ou baseado também em informações indiretas, o cliente “julga” o nível de qualidade atingido pelo produto/serviço de uma organização fornecedora.

Dessa forma, o importante é direcionar o foco para:

• Compromisso - O seu não cumprimento encoraja

protestos objetivos imperdíveis, se o que se deseja é melhor qualidade do produto/serviço.

• Consertos e Devoluções - A importância das reações do

cliente, enquanto orientação para a melhoria da qualidade, através da rejeição. Quando isso acontece, abre-se uma oportunidade de recuperar o cliente.

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• Reclamações - a má notícia é que, dos clientes insatisfeitos, pouquíssimos reclamam. A boa notícia é que os que se animam a fazê-lo estão dispostos a “rasgar o verbo”, pondo para fora tudo o que pensam.

Se houver habilidade em se distinguir o que é realmente importante numa reclamação, ela pode vir a ser mais valiosa que uma pesquisa estruturada.

Considera-se, portanto, dimensões da qualidade relacionadas ao desempenho:

• Validade - O serviço tem que ser aquilo que se supõe

que seja. A síndrome do “serviço-que-não-é”, está presente em todo lugar.

• Disponibilidade - O serviço tem que estar fisicamente

à disposição do cliente, conforme prometido. • Precisão - Alguns serviços só servem se executados

exatamente como previsto. Todos aqueles que têm a ver, por exemplo, com o cumprimento de horário (transporte ferroviário, showmanship, transporte rodoviário, aeroviário), de parâmetros (cirurgia, culinária), ou de limites matemáticos.

Uma quarta forma de precisão, contudo, merece destaque especial. Trata-se do caso em que a precisão consiste na execução de um certo ato imediatamente após ocorrer a solicitação do cliente. Ordens de compra ou venda de valores, por exemplo, as quais, inclusive, são habitualmente repassadas aos corretores pelos aplicadores, através de uma ligação telefônica da qual não fica registro. A transação ocorre virtualmente no momento em que tal ordem é comunicada. O

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aplicador irá materializá-la doravante, mas, para o cliente, ela já aconteceu.

• Rapidez - A expectativa de o serviço ser rápido - embora

varie de um cliente a outro - quase sempre existe (exceto, é claro, no caso de serviços que produzem o prazer físico).

Raramente, em todo caso, a rapidez age como única Dimensão de Qualidade em matéria de desempenho.

• Respeito à Norma - Alguns tipos de serviço consistem

em atribuir legitimidade a algo. Daí a importância de que o processo relativo ao serviço seja seguido rigorosamente e, de preferência, referendado com uma assinatura autorizada. Tal é o caso de um cartório ou de um Departamento de Contabilidade, em qualquer organização. Noutros casos, o serviço visa ao controle, quer seja burocrático ou de valores concretos - a exemplo do departamento de crédito de um banco ou de uma transportadora de valores financeiros. De qualquer forma, supõe-se que o serviço seja “bom” - isto é, carente de desvios (fraudes, furtos, etc.) na medida que um certo ritual seja seguido à risca.

O elevado nível de burocracia existente na atualidade faz , inclusive, com que serviços do tipo “normativo” sejam executados simplesmente para que as coisas funcionem. O “bom advogado” costuma ser aquele que consegue usar os meandros do Poder Judiciário em beneficio de seus clientes. Da mesma forma que “bons Deputados”, muitas vezes, são aqueles que sabem manipular a burocracia do Congresso em beneficio próprio - vide a novela anual envolvendo a apuração do Orçamento da União.

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• Solução do problema - se definirmos “problemas” como “expectativa insatisfeita do cliente”, então todos os serviços, sem exceção, merecem ser classificados nesta categoria (de “solução do problema”). O nosso foco estará voltado unicamente para aqueles serviços que trabalham sobre - a insatisfação manifesta. Em alguns casos, essa insatisfação é apenas uma ansiedade como a que dá origem à consultoria técnica. No caso, o cliente julga que carece do grau de conhecimento necessário para fazer algo que lhe interessa e, por isso, lança mão de um consultor.

• Confiabilidade - A empresa não pode desafinar - a

VASP desafina quando atrasa ou cancela um de seus vôos a torto e a direito. No Brasil, pelo menos, a Pizza Hut diz que entrega o seu produto em 8 minutos , mas isso às vezes acontece. A Receita Federal dá prazos de entrega do formulário do Imposto de Renda que sempre acaba esticando. Há milhares de prazos, de requisitos, de forma, de normas, etc. - enfim, não são entidades confiáveis e isso prejudica a imagem que o público faz da qualidade dos serviços prestados.

Convém, então, gerar no cliente uma confiança, pelo menos preliminar. Confiança essa necessária para que o serviço tenha boas chances de vir a ser aceito, apreciado e, finalmente elogiado, se for o caso. Contudo, nunca exagerar na segurança oferecida ao cliente, embora seja possível transmitir segurança por todos os meios possíveis, inclusive, principalmente, através do Processo de Personalização, no qual pode-se enfatizar.

• Individualização - Personalização;

• Empatia - Colocar-se no papel do outro;

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• Capacidade de Recuperação - Capacidade que a Organização tem de reparar satisfatoriamente os erros por ela cometidos em prejuízo do cliente. É uma outra dimensão da Qualidade, das mais importantes - pois por incrível que pareça, nos Estados Unidos já se provou que os clientes bem atendidos “na segunda vez” tendem, em maior proporção, a ser mais fiéis (ao prestador de serviço), que os que o foram na primeira vez.

• Segurança - É uma dimensão de Qualidade sempre

latente, com maior ou menor intensidade, na cabeça do cliente. Garantindo Segurança - a percepção de risco associada a um serviço/produto, na mente do cliente, exige que sejam redobrados os cuidados para se embutir no serviço/produto provas explícitas de segurança.

• Ouvir o Cliente que reclama - Não é necessário dispor de

uma central de reclamações, nem instalar ombudsman em cada canto. Na maioria dos casos, basta conscientizar a linha de frente de que o atendimento imediato às reclamações é função de todos, e capacitá-los para atuar com eficácia.

• Assumir o erro - É o que seria “eficácia, no caso”. Para

começar, não negar o inegável: que o erro foi cometido, ou a responsabilidade pelo mesmo. Daí, depende a capacidade de Recuperação.

A partir do momento em que o cliente se convence de que pagou para que alguém o deixasse numa situação pior do que anterior, a emoção toma conta dos seus atos. O sentimento de profunda frustração pelo tempo perdido e, pelo prejuízo auferido gratuitamente, primeiro, e pela confiança traída, depois. Nessas condições, negar, o que, para o cliente, pelo

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menos, parece evidente, só contribui para jogar mais lenha na fogueira. Certificar-se do nível de satisfação - acompanhamento pós-correção. Todo cuidado com o processo de relacionamento mútuo e com a personalização não é pouco.

• Disposição para Servir - É uma atitude pessoal, como afirmado anteriormente, mas ela possui necessariamente uma base institucional. Isso depende da Missão e da Estratégia de Serviços adotados. Uma missão explicitando um compromisso com a satisfação dos clientes - de preferência, traduzível num slogan do tipo “satisfação garantida ou seu dinheiro de volta”, da cadeia de lojas de varejo Sears Roesuck - encoraja e mobiliza colaboradores e clientes, por igual, em torno da Disposição para servir, que é a óbvia promessa subjacente.

As Organizações de Serviços muitas vezes falham em satisfazer seus clientes não porque os serviços prestados sejam intrinsecamente ruins, mas por serem inadequados, ou seja, eles simplesmente não são o que o cliente quer. E isso ocorre quando a voz do cliente não é convenientemente pesquisada. Remediar essa situação, contudo, não implica necessariamente jogar a Organização de Serviços numa complicada aventura científica. Lembre-se, a melhor pesquisa baseia-se numa aproximação dos que a dirigem com os clientes no dia-a-dia.

A questão é que os integrantes da linha de frente, numa Organização de Serviços, dificilmente podem, por si mesmos, se colocar em situações de competência. A Organização é quem os coloca ali, portanto, deve flexibilizar os cargos, reconhecer e conceder autonomia, no mínimo.

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Comunicação - Recentemente, uma empresa produtora de celulose, localizada no interior do Pará, terceirizou os serviços prestados à comunidade existente em volta da fábrica. Trata-se, no caso, de uma comunidade “fechada”, formada pelos empregados, suas famílias, pequenos comerciantes, prestadores de serviços (escola, hospital, supermercado, clube etc.) e algumas atividades. Umas 12.000 pessoas ao todo. A decisão foi tomada pela diretoria da Empresa, em São Paulo, e a contratação dos técnicos, que assumiram os serviços anteriormente, fornecidos pela empresa, também. Seis meses depois, realizando uma pesquisa de Clima Comunitário, como contratado da empresa, o consultor Júlio Lobos pôde constatar que a comunidade estava em “pé de guerra”. A qualidade dos serviços caiu demais e, em alguns casos, custavam até mais do que antigamente.

De volta a São Paulo, relatou à Diretoria da empresa o que ouvira dos membros da Comunidade. Os Diretores indignaram-se com o que chamaram de “pretensões descabidas” da comunidade. Acaso não sabiam que o país estava em crise? Que a empresa tinha prejuízo? E que a terceirização ocorrerá essencialmente para baratear os custos dos serviços e não para melhorar, ou preservar, a qualidade deles? Porventura, esse pessoal desconhecia isso? Desconhecia, sim, senhor. Porque simplesmente nenhum representante da empresa, o responsável pelos serviços, jamais comunicara isso a ninguém. Na mente dos clientes, então, o padrão dos serviços deveria permanecer, no mínimo, inalterado, com ou sem terceirização. A diretoria merecia as críticas. Ela se concentrara em operacionalizar a terceirização dos serviços, que sabia de

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qualidade inferior aos de antigamente sem se preocupar em diminuir o nível de expectativas dos clientes. Esqueceu de comunicar-se com a Comunidade, e, nela estavam os seus clientes.

• Comunicação Transparente - Muitas empresas usam comunicação tendenciosa, Isto ocorre quando se sente pressionada pela concorrência, ou porque esta tende a ser fantasiosa impunemente.

Concorrentes responsáveis, por exemplo, podem estabelecer parâmetros de excelência tão superiores que não há outro caminho senão emulá-los, pelo menos no campo da propaganda. Isso, enquanto, na melhor das hipóteses, é preparada uma reação concreta em médio prazo. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, por exemplo, espera “abocanhar” em 4 anos a metade de transportes de carga do país, estimada em dois bilhões de dólares e, no qual, hoje só fatura 350 milhões de dólares. Seu principal argumento? Custos operacionais cinco vezes inferiores aos dos concorrentes, transportadoras que carecem de uma rede de distribuição e da imagem de excelência desfrutados pela ECT. Provavelmente, vantagens competitivas desse tipo sejam repassadas ao consumidor, com o conseqüente desespero dos concorrentes.

A concorrência irresponsável entre organizações de serviços, por sua vez, é patente no Brasil, no ramo da saúde privada. De fato, basta você reparar na propaganda das empresas do ramo e acabará por lamentar propriamente não padecer de alguma doença incurável!

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Irresponsabilidade existe também na área bancária, na de transporte aéreo, na de seguros que, vez por outra, saem prometendo barbaridades e nota-se, em pouco tempo, que tudo não passa de uma grande mentira. Essas empresas podem estar sendo irresponsáveis, sem se propor a tanto, ou até sem ter consciência disso. Porque, na maioria dos enganos, elas contam com a cumplicidade, também semi-involuntária, dos clientes, que acreditam em serviços melhores, ainda que inexistentes. Por esse motivo, há empresas que fantasiam serviços para seus clientes e se saem bem. Afinal, ninguém sabe quem está fazendo o jogo de quem, nessa relação. O problema é que, algum dia, os clientes “caem na real”. Mas como fazer para internalizar em cada empresa/empresário, em cada consumidor/cliente a necessidade de sua atuação como agente de mudança e como ator social nas transformações operadas pelos movimentos de defesa dos consumidores e revitalizadas pelos Programas de Qualidade, senão através da sedimentação de uma cultura que fortaleça as relações empresa/cliente, ou seja, a cultura empresarial?

5.3 - A Cultura Empresarial Favorecendo a Prática da Ética

Assim como o indivíduo tem personalidade, a organização tem identidade que se compõe de valores, regras, procedimentos, habilidades e conhecimentos, formas de comunicação e linguagem, processo de adaptação às mudanças e representações simbólicas.

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As organizações, como os indivíduos, também têm uma origem, uma história, desenvolvem-se através de ciclos de vida onde constroem um modo próprio de fazer as coisas e ver o mundo que são expressos em seus mitos, ritos e símbolos. Esse conjunto de representações do mundo interno das empresas, que lhes confere identidade perceptível à comunidade, faz parte de sua cultura. Para entender as respostas culturais das empresas inseridas num processo dinâmico e integrado com o macro ambiente, recorre-se ao conceito de que a análise da manifestação de um indivíduo, organização ou evento social deve ser feita pela leitura da posição de intersecção de dois movimentos - verticalidade e horizontalidade, conhecidos sociologicamente como “diacronia” e “sincronia” , respectivamente. A diacronia caracteriza a evolução de um grupo social no tempo; é o resultado do processo histórico que vai se acumulando e passando de geração a geração. A sincronia aborda os resultados de diferentes forças sociais num dado momento ou estado do mercado, as alternativas tecnológicas disponíveis, a relação capital-trabalho, a situação internacional, valores atuantes, e outros movimentos que exercem influência num grupo social, num dado tempo e num limite de espaço. Observando-se as empresas no Brasil sob essa dimensão de processo dinâmico - empresas em situação e em movimento, e restringindo para efeito de investigação a sua relação com o consumidor, identificam-se basicamente 4 tipos de intersecções emergentes, que vamos denominar de “respostas culturais” empresariais.

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alta

baixa

forte fraca

DA I

FLEXIBILIDADE FRENTE ÀS QUESTÕES DOS CONSUMIDORES

Figura 1 - RESPOSTAS CULTURAIS DAS EMPRESAS NO BRASIL

Na resposta cultural da confrontação, as empresas reagem com profunda irritação aos avanços do movimento dos consumidores. A intensidade de sua reposta é elevada e apresenta as seguintes características:

• Consideram os líderes do movimento dos consumidores

criticamente, julgando-os “revolucionários” e “agitadores”.

• Os movimentos de consumidores são vistos como

persecutórios à iniciativa privada: leis, punições, multas, consumidores enfurecidos querendo reparações, achaques, boicotes, etc.

• Entendem que as demandas e as tendências de grupos

mais críticos e vanguardistas de consumidores não

DA CONFRONTAÇÃO ADAPTAÇÃO

ATIVA

DA PASSIVIDADE

DA MANIPULAÇÃO

N T E N S I D A D E

R E S P D O A N D E R

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dizem respeito ao cidadão médio brasileiro, nem às nossas necessidades de mercado.

Muitas vezes, fazem referência depreciativa ao padrão cultural do brasileiro e ao seu estágio educacional como se as empresas ao adotarem posturas conservadoras, e reativas, não estivessem reforçando essa condição estática da sociedade como um todo. Essas empresas, para defender seus pontos de vista usualmente argumentam que as solicitações dos consumidores significarão elevação no preço dos produtos, fechamento de fábricas, complexidade de normas, aumento de burocracia, restrições à liberdade da iniciativa privada, etc. Muito freqüentemente posicionam-se como “vítimas” dos impostos, dos sindicatos, da burocracia estatal, do controle de preços etc.

Muitas das queixas podem ser até fundamentadas e legítimas, porém o consumidor não é o responsável por esse estado de coisas. Do ponto de vista analítico, essas empresas estariam enfrentando um bloqueio de aprendizado, um enrijecimento estrutural da suas articulações, como se estivessem “reumáticas” e, concretamente, muitos executivos chegam a somatizar esses sintomas. Suas atitudes agressivas são, na verdade, reações defensivas em relação a um meio ambiente que lhes parece extremamente ameaçador. Têm dificuldade para interpretar corretamente o que está acontecendo e estão momentaneamente sem flexibilidade de adaptação. Para fazer frente ao poder “destruidor” dos consumidores, manifestam-se por meio de suas associações - seus escudeiros nessa batalha “ideológica”. Sociologicamente, estabelece-se o confronto quando dois agentes sociais querem tomar posse ou

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levar vantagem na mesma coisa: disputa de um mesmo território, por exemplo.

Os consumidores quando passaram a brigar por esses direitos no início do século 20, reivindicavam acesso às mesmas informações disponíveis pelo governo ao efetuar suas compras, prepararam-se para os testes comparativos de produtos pois entenderam que se não se movimentassem continuariam pagando, sem saber, pelo ônus da não qualidade. A empresa, por sua vez, sentiu-se acuada pois não pretendia assumir o ônus da não qualidade, não queria mudar seus processos, seus designs, produtos e serviços, porque isto representava dinheiro, aborrecimentos e desgastes emocionais.

O confronto se instalou porque no fundo produtores e consumidores passaram a querer a mesma coisa: o primeiro minimizar seus custos de Produção e o segundo, proteger o seu custo de vida, em termos econômicos e o custo da sua vida, em termos de segurança.

As empresas confrontadoras viram-se compelidas pela evolução do movimento dos consumidores, a “umedecerem” suas articulações, a flexibilizarem suas estruturas, a reverem seus parâmetros, seus valores e procedimentos. Essa movimentação conceitual é tão dolorosa para essas empresas, quanto ao início de uma fisioterapia para um indivíduo por muito tempo imobilizado. As organizações de consumidores, por sua vez, ou mesmo os consumidores mais exigentes estão impacientes por sinais concretos de melhoria e respeito. Adotam uma postura de reivindicações porque durante muitos anos voluntariamente a empresa não vem se

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destacando nas demonstrações de sensibilidade às mudanças sociais. A resolução do confronto não é fácil. Mas há um ponto de partida. Todas as empresas que pretendem permanecer no mercado, precisarão dar o primeiro passo na relação com o consumidor.

Como? Vejamos:

• Abrindo suas portas aos consumidores, por intermédio

de Departamentos de Serviços a Consumidores devidamente estruturados estratégica e operacional mente.

• Diminuindo a intransigência, a auto-suficiência,

reduzindo a auto-referência e passando a escutar o que pedem os consumidores.

• Atendendo as solicitações dos consumidores e

constatando que o faturamento não diminui, que os consumidores não os desequilibram e que as demandas muitas vezes são justas.

• Havendo essa possibilidade de diálogo, a tensão tende a

diminuir e um processo de mútua modificação vai se instalando. Não se pode sonhar com a eliminação do conflito. Haverá, no entanto, um permanente reajustamento das partes.

É claro que sempre existirão as empresas confrontadoras que não desejam o desenvolvimento do nosso mercado, que apostam na paralisia da nossa sociedade, debilitam nossa economia, e irão aproveitar-se enquanto for possível, da

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fragilidade das nossas instituições. Para essas empresas, o processo do diálogo não existe. Para elas restarão somente o recurso da Lei e da exclusão do mercado, na medida em que ele for se tornando competitivo.

Da mesma forma, sempre existirão consumidores negligentes, aproveitadores, impulsivos e imaturos. Para esses a empresa tem como desenvolver seus próprios mecanismos de defesa e delimitação de responsabilidade.

Com o conhecimento de instrumentos e processos de interação com o consumidor, as empresas confrontadoras poderão partir para uma resposta cultural de adaptação ativa manipuladora, conforme seja sua tendência interna e identidade.

Na resposta cultural da manipulação, as empresas ou grupo de profissionais não entram em choque frontal com as demandas dos consumidores. Aliás, costumam ser afáveis e sedutores.

Conhecem bem os instrumentos de interação com o consumidor e podem utilizá-los para transmitir uma imagem de flexibilidade. As propagandas tendo como “gancho” o respeito ao consumidor, não condizem com a realidade interna.

Muitas empresas com respostas manipuladoras abrirão canais de comunicação com o consumidor, porém, em profundidade, não estão dispostas a mudar nada.

• Não adotam nenhuma medida efetiva, pró-ativa, de

satisfação do consumidor, Usam de procedimentos burocráticos, paradigmas preconceituosos, para evitar avanços e modernizações.

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• Desenvolvem, através de suas associações e sindicatos patronais, táticas para enfraquecer legislações ou postergá-las ao máximo.

• Não se sentem tão incomodados pelo consumidor como

na confrontação, mas na verdade acham-no maçante. • O consumidor existe para fazer o jogo delas, isto é,

comprar o que produzem, reproduzir seus valores, sua moda e, de preferência, dar-lhes algumas sugestões para aumentar o faturamento.

A dificuldade de interagir com os profissionais que incorporam essa cultura provém do fato de que o jogo não é claro, as regras são desconhecidas ou ambíguas e, principalmente, negam sempre a existência do conflito de interesses.

Uma outra manifestação dessa cultura é ironicamente encontrada entre os “mais entusiastas”, que por má-fé ou desconhecimento, subestimam as dificuldades dos processos de mudança inerentes ao diálogo entre fornecedor e consumidor, querem resultados muito rápidos.

Na sua voracidade, acabam deglutindo o consumidor ao invés de procurar entendê-lo nas suas complexidades.

Assim como no processo fisiológico da deglutição voraz, o que é engolido não alimenta, mas empanturra e muitas vezes é vomitado, da mesma forma, o consumidor ou o DSC, numa cultura de manipulação, é facilmente descartável e excretado.

Particularmente consideramos a resposta da manipulação a mais perversa, pois ela dissimula, ao dizer que o consumidor é

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rei, que o consumidor sempre tem razão, mas não toma nenhuma atitude coerente com essas frases vazias. Para esses casos só há um desnudamento se houver um forte abalo ou uma “catástrofe” como o provocado pela abertura das importações, ou morte de consumidores. O impacto do choque da catástrofe é tão grande que a cultura terá que enfrentar “seu momento da verdade”. Ou passa a interagir amadurecidamente com o mercado e a competitividade da concorrência, ou passa a sabotar através dos meios que conhece, cartéis, brigas capital-trabalho, até decidir-se pela mudança de ramo de negócio, numa atitude de “assim eu não jogo mais”.

Aliás, numa empresa de resposta cultural manipuladora, é muito mais difícil que os profissionais amadureçam para entrar numa negociação “ganha-ganha”.

Na resposta cultural da passividade as preocupações da empresa ou ainda não estão sendo direcionadas para a problemática do consumidor, ou preferem deixar a decisão para as líderes do mercado.

Algumas vezes são empresas estruturadas na dependência de seus intermediários e é com eles que desejam fortalecer suas alianças, mesmo com o ônus de estarem mais distantes do consumidor final. Não consideram que as mudanças com a maior conscientização do consumidor não lhes venham afetar, protegidas por um egocentrismo alienante, por uma auto-estima exacerbada e um sentimento de superioridade.

Outras vezes, são as empresas que já tiveram experiências desagradáveis com a pressão dos consumidores, mas esperam manter-se ao máximo resguardadas das interações mais fortes do meio ambiente. Preocupam-se com os aspectos legalistas e

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penais da defesa do consumidor, mas não despertaram para suas vantagens mercadológicas.

Apostam que as mudanças virão lentamente, tendo tempo para se adaptar de acordo com seu ritmo interno. São empresas cujos profissionais têm pouca autonomia de expressão e submetem-se a uma liderança personalista pronunciada. Se a chefia não recebeu “iluminação” para a mudança, seus funcionários não podem estar enxergando o que o chefe não observou. Nessas culturas, o processo de mudança é lento e isso não é preocupante para seus grupos internos, que se identificam com o ritmo da empresa. Um exemplo desse tipo de resposta pode ser visto na relação de algumas empresas fornecedoras da Xerox, conforme noticiado nos jornais, no primeiro semestre de 1990. Após o Plano “Brasil Novo”, a companhia Xerox passou a alertar seus fornecedores pára a necessidade de aperfeiçoamento da qualidade e aumento de produtividade, visando redução de custos. Havendo liberação das importações, a Xerox iria passar a ponderar a melhor opção de compra. Curiosamente, a reação de alguns fornecedores foi de passividade ou de descrença nessa alternativa, ao invés de aproveitar o momento para compor com a Xerox um plano integrado de melhoria da qualidade, de acordo com as necessidades explicitadas pelo cliente.

Na resposta cultural da adaptação ativa, dirigentes ou líderes conhecem o preço dos processos de mudança, tanto financeiros como emocionais, porém têm flexibilidade maior para encará-las e apreciam desafios. Apresentam sensibilidade às

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alterações políticas e econômicas e, captando o rumor das mudanças, têm o bom senso de aceitar a inevitabilidade dos processos históricos. Procuram antecipar-se às mudanças para ter mais tempo de adaptação. Como diz Esther Peterson, “é preciso captar a direção dos ventos”.

O nível de conscientização de seus executivos para elaborar e corresponder às mudanças, é mais apurado, e a comunicação interna exerce um importante papel facilitador de debates e busca de referenciais adequados às necessidades da organização. Embora nas empresas de adaptação ativa haja um clima mais plástico para se adaptar e corresponder às mudanças, em função dos executivos que a compõem, também trazem como bagagem, representantes das culturas confrontadora, manipuladora e passiva.

Daí a criação de Departamentos/Núcleos de defesa ao Consumidor, nas Empresas, mesmo com características de forte “personalidade”, não ser suficiente para sozinho catalisar os processos de mudança impostos por um meio ambiente competitivo e complexo. No entanto, nas empresas que se pretendem pró-ativas, são importantíssimos, pois, fazem a função de balões de oxigênio para o caso da cultura que está intoxicada por paradigmas narcísicos de qualidade, de superioridade, de arrogância, entre outros.

O consumidor dirá se esses paradigmas são ou não verdadeiros. A estratégia de uma empresa pró-ativa é a satisfação do cliente e do consumidor, visando sobrevivência e perenidade. Seus valores e os direitos dos consumidores são os pilares de sustentação dessa estratégia. O lucro é entendido como decorrência natural dessa filosofia.

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Por outro lado, se o objetivo da empresa for, antes de tudo, o lucro, usando a satisfação do cliente e consumidor como meio, há um sério risco de que se estabeleça um clima interno de conflito contínuo. Deming considera que a segunda doença fatal - caracteriza-se pela ênfase em lucros a curto prazo. Através de técnicas administrativas como aquisição e contabilidade criativa, multas companhias concentram-se na melhoria imediata dos dividendos trimestrais, às custas da melhoria, a longo prazo, da qualidade do produto e do bom atendimento.

A quinta doença fatal - é a utilização, pela administração, apenas de números visíveis. Somente dados visíveis. Com pouca ou nenhuma consideração dos números desconhecidos ou que não podem ser conhecidos. Se forem desconhecidos, como se sabe que são importantes? Bem, vamos examinar alguns desses dados desconhecidos ou que não podem ser conhecidos. Muito simples... Um deles é o efeito multiplicador de um cliente satisfeito. Quantos negócios são proporcionados por um cliente satisfeito? Ninguém sabe. Existem conjecturas, mas ninguém sabe. E o que dizer do efeito multiplicador de um cliente insatisfeito? Isso afugenta negócios. Esse cliente pode ser muito eficaz. Faz o que puder para proteger os amigos. Onde estão os números? Onde estão os números sobre o efeito multiplicador de um cliente satisfeito, sobre o efeito multiplicador de um cliente insatisfeito? Não vejo os números. Mas eles são importantíssimos. Sem eles, quem dirige a empresa pode não ter empresa alguma.

Não existe, portanto, processo de mudança sem conflito. São inevitáveis em todas as organizações, mas é importante reconhecê-los e explicitá-los, procurando um acordo.

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O conflito, mesmo numa empresa pró-ativa, pode variar de discordâncias sobre o prazo limite para efetuar a troca de mercadoria com defeito, reclamada pelo consumidor, até situações extremamente delicadas: modificação da composição de um produto, embalagem ou rapidez na retirada de circulação do mercado de um produto nocivo.

Será que o comprometimento com a satisfação do consumidor pode se dar em estruturas piramidais rígidas, onde a hierarquia formal deve ser respeitada, e as funções são departamentalizadas rigidamente?

Com o desafio de ter que aumentar sua eficiência e produtividade, as empresas forçosamente mudarão suas respostas culturais.

Cada uma delas responderá ao novo momento econômico de uma forma diferente e procurará adaptar-se conforme o conjunto de conhecimentos acumulados, os valores resultantes de seus processos, enfim, responderá de acordo com sua identidade, cultura e objetivos. Isso as diferenciará, e uma nova leitura da situação emergencial será necessária. John Case, no seu artigo “Cultura Empresarial”, publicado na revista América Econômie nº 115, janeiro de 1997-53, ao citar a AMY MILLER, uma cadeia de sete lojas - AMY’S Ice Cream, de Amy Miller, que vendem sorvetes de excelente qualidade, instalada em Austin e Houston, no Texas (EUA), diz: “É claro que Amy está vendendo diversão junto com o sorvete. Essa é a estratégia. Mas seu segredo como administradora” a verdadeira fonte de sua vantagem sobre a concorrência - não é a estratégia, mas a forma como ela põe essas estratégias em funcionamento. O verdadeiro segredo do sucesso de sua empresa está em sua cultura empresarial. Sua

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forma de diferenciar as sorveterias foi vender ao cliente um “acontecimento” junto de cada sorvete triplo. Sua fama de manter essa diferenciação - para garantir que o cliente viverá uma experiência, o que individualiza suas lojas, foi criar uma cultura que tornasse esse “acontecimento” inevitável. Ela precisou contratar as pessoas certas e fazer com que se comportassem de forma correta. A cultura correta não é apenas o resultado da vontade obstruída do fundador da empresa (embora também possa isso ser a causa). Fora de moda durante uma década, a cultura empresarial pode ser a melhor resposta existente para as condições empresariais que todos os responsáveis pelo crescimento de uma empresa, enfrentam no momento.

Cada empresa tem um certo tipo de cultura, exatamente porque é uma organização de seres humanos. Mas a maioria das empresas jamais pensa duas vezes nesse tema. Sua cultura é fazer as coisas da forma como elas sempre foram feitas, ou da forma como todo mundo as faz.

Os clientes também costumavam ser menos exigentes. Agora suas expectativas elevaram-se em vários níveis. Os fabricantes precisam ter uma qualidade que beire a perfeição. As empresas de prestação de Serviço precisam, praticamente, ajudar nas tarefas diárias de seus clientes . Isso porque os clientes esperam do mercado, hoje em dia, não apenas uma prestação de serviço, mas a solução de seus problemas. Essa é a razão porque os agentes de viagem começaram a oferecer eficiência total em administração de viagem, junto às vendas de passagem de avião e reservas de hotel. Na organização do século XXI, o homem não aceitará mais ser tratado como uma mera peça de engrenagem. Ele vai querer saber para quê, para quem e por quê ele trabalha. E mais do

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que isto, só aceitará trabalhar e o fará com entusiasmo, sabendo que ele contribui de algum modo para servir à humanidade.

Não será suficiente participar do processo decisório, dos lucros ou resultados da empresa. Ele só aceitará trabalhar em empresas que cultivem valores construtivos que lhe permitam realizar plenamente seu potencial como ser humano.

Por isso, é necessário não somente mudar as pessoas, mas, conjuntamente, é indispensável mudar a cultura organizacional que deverá ser holística.

É uma questão que envolve uma mudança profunda, tanto no que se refere à concepção das finalidades das organizações, quanto à da sua estrutura e política interna e externa. Trata-se de mudar hábitos, comportamentos e opiniões profundamente arraigados em cada um. No fundo, trata-se de uma mudança não somente no nível das pessoas e dos dirigentes, mas da própria cultura de cada organização, sem falar das culturas de cada nação. Existe, aliás, certo consenso em torno da idéia de que é insuficiente mudar as pessoas, sem mudar a cultura.

Precisamos definir que tipo de cultura é preciso desenvolver - a cultura organizacional, antes definida pela relação de forças entre duas dimensões: as necessidades da organização e as necessidades das pessoas. E revendo esses valores pela gerência participativa, onde se combina o interesse pela produtividade e o interesse pelas pessoas, num sistema conhecido hoje como “estilo participativo de gerência”, propício à cultura organizacional, os trabalhadores de todos os escalões participam ativamente do processo, não somente decisório, mas também dos resultados financeiros, sob a forma das chamadas “participação nos lucros”.

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5.4 - As Organizações Metanóicas Conduzindo à Prática da Ética

De acordo com Charles Kiefer e Peter M. Senge, autores desta denominação, Metanóica significa, em grego, uma mudança fundamental da mente. Esse termo era usado no cristianismo antigo para designar o reacordar da instituição no processo de transformação espiritual. Organizações metanóicas são justamente as que tomaram consciência desse fato e já estão experimentando sistemas alternativos de gestão econômica. Segundo os autores, tais organizações têm entre si um principio unificador: “indivíduos alinhados em torno de uma visão apropriada podem ter uma influência extraordinária no mundo”.

Alguns princípios básicos comuns a essas organizações podem ser citados, entre outros:

• As pessoas são fundamentalmente boas, honestas,

confiáveis. Se isto não se dá, é que há alguma falha na estrutura e no comportamento da organização.

• As pessoas trabalham para atualizar o seu pleno

potencial, elas dão significado, não somente a dinheiro e riqueza, isto é, a valores instrumentais, mas também aos valores estéticos e éticos ligados à plenitude, grandeza, liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, altruísmo etc.

• Cada pessoa tem uma contribuição única a dar. A

empresa pode ajudar cada uma a encontrar o sentido de sua contribuição.

• Problemas complexos exigem soluções locais. Nem

todas as decisões podem ser tomadas no topo da

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organização. Há necessidade de descentralizar as decisões e incentivar a criatividade autônoma.

• Liderança aberta, participativa, compartilhada e

consciente dos objetivos da organização em todos os níveis;

• “Você e eu” em vez de “ou você ou eu”. O espírito de

cooperação substituição o de competição. Somar esforços em torno dos objetivos;

• Levar em conta as necessidades de uma sociedade

sustentável. Isto significa sair da perspectiva limitada aos interesses da empresa, para enxergar bem mais longe: os do meio ambiente e do bem-estar de todo o mundo.

• Focalização de tudo com tudo e a conseqüente atuação

neste sentido. Muitos norte-americanos fundam, ou se associam a corporações, alianças e conselhos que possuem objetivos sociais, tais como o fomento ao bem-estar das comunidades, a redução de taxas, o desenvolvimento de normas comerciais éticas e sadias, a substituição da mentalidade competitiva pela cooperação, na qual todo mundo ganha e onde inexistem perdedores. Os autores estimam que a economia de mercado só pode sobreviver com a condição de que os seus membros tenham um alto senso de responsabilidade social.

Nenhuma destas empresas se vê como missionária social, pregando a moral para discípulo businessman. Mas eles se vêem demonstrando que liberdade, honestidade e responsabilidade geram bons negócios.

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Um dos organismos mais antigos é The Businness Networks, isto é, a “rede de negócios”. Como expressa o seu boletim, esta age como um fórum à disposição do número crescente de pessoas que questionam os velhos valores de negócios à luz de um clima social e econômico em plena mudança. Ela tem como objetivo um enfoque mais ético na prática de negócios, e informa e encoraja os que procuram humanizar e harmonizar suas vidas às dos negócios.

Entre alguns projetos que foram estabelecidos nesse sentido, estão:

• A iniciativa financeira, que está envolvida por

investimento ético; • Providenciar uma abordagem integrada ao mundo dos

negócios que seja consciente das necessidades do indivíduo, do negócio, da comunidade e da base ecológica, e que dá um valor igual a cada um destes pontos de vista;

• A World Business Academy - Academia Mundial de

Negócios cujo lema é: “Além dos negócios, através dos negócios”. A Academia constitui uma rede internacional de empresários e executivos determinados a usar seus dotes e habilidades na criação de um futuro positivo para o Planeta.

Ela reconhece que os empresários são, de fato, os líderes primeiros do mundo contemporâneo e que as empresas são agentes de intercâmbio, transpondo as fronteiras e incentivando as comunicações.

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Por isso mesmo, o futuro do planeta está, em grande parte, influenciado pelas atitudes e ações da comunidade mundial de negócios. Logo o papel e a responsabilidade do mundo de negócio são enormes. Como já vimos, essa dimensão se desenvolve com a conjugação de dois eixos: o interesse da organização no sentido de produção (otimal), e o interesse das pessoas no sentido da plena realização de suas motivações. Vimos no entanto, que a liderança participativa não era suficiente para poder se falar em organismo holístico. Estava faltando um terceiro eixo, uma terceira dimensão.

A organização posicionada nessa terceira dimensão ganhará uma força extraordinária se a atitude surgir de um desenvolvimento interior de seus dirigentes e seu pessoal. Querer se adequar ao modelo sem tal mudança vai soar falso e será, mais cedo ou mais tarde, sentido como mais uma tentativa de manipulação de consciências. Seria um crime contra a humanidade usar o que se segue como instrumento de propaganda e relações públicas se não for calçado na verdade de um comportamento profundamente sincero e efetivo.

Para sobreviver, uma organização tem que ser contemporânea de seu tempo. Ela precisa se ajustar às exigências das mudanças, pois vida é essencialmente mudança. É preciso, por conseguinte, conhecer com antecedência razoável, o sentido da mudança. Neste fim de século, as mudanças são bastante rápidas. Por isto mesmo, mais do que nunca vai ser preciso uma acuidade mental muito grande, para os empresários e dirigentes de organizações evitarem o desaparecimento dos sistemas que lideram. Empresários Altruístas - Uma progressiva mudança de consciência está se operando em muitas pessoas, neste fim de século. Ela atinge também os empresários, uma vez que a

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gestão empresarial muda de colorido no sentido de uma gestão holística. É o que aconteceu com o empresário Takeshi Imai. Lidava ele com a venda de produtos agrícolas para vencer a ferrugem nas plantações de café. Aos poucos se interessou pela importação e depois pela fabricação de motosserras, de vários tamanhos. Teve a idéia de fazer uma experiência com a sua mais recente motosserra poderosa e monumental, derrubando um jacarandá de 150 anos “Em três minutos”, declarou ele, “a árvore caiu com grande estrondo”. A partir dali, uma espécie de mal-estar e um sentimento de culpa tomou conta dele. Foi então que resolveu fabricar o que hoje é conhecido como Walkmachines. A maior satisfação de Takeshi é saber que sua máquina realizou enorme economia de combustível e tem aplicações para os paralíticos.

A nova consciência holística está assim, profundamente arraigada no ser de Takeshi, a tal ponto que a simples ameaça de destruição de uma árvore o afeta fisicamente. O mesmo processo vem se efetuando no empresário José Carvalho, que passou a maioria das ações de uma grande siderúrgica da Bahia para a Fundação Educacional que ele dirige pessoalmente, com muito carinho e um amor incondicional e desinteressado.

A Fundação se ocupa da educação integral de mil crianças e adolescentes, oriundos de populações carentes, selecionados por seus dotes intelectuais e de personalidade. Um sistema educacional aperfeiçoado faz dessa instituição um modelo de educação da criança e do adolescente para o país. Outro empresário do ramo metalúrgico, Luiz Villares, mostra-se também profundamente implicado e imbuído dos novos valores que precisam ser implantados nas organizações. O grupo Villares, de São Paulo, criou uma Fundação, desta vez com objetivo diferente de José de Carvalho: trata-se de formar

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dentro da empresa uma nova mentalidade, que poderíamos chamar de holística.

Luiz Villares percorre o mundo fazendo palestras e participando de seminários e congressos onde se divulgam estas novas idéias. Observamos:

O mundo está mudando, a velocidade da mudança vai aumentando e a mecânica e a dinâmica da mudança também estão mudando. Nesse processo a empresa é a instituição dominante, e dentro da empresa observamos a instauração de tal transição, que nos retira de papéis específicos e posições distintas, em direção à partilha de responsabilidades; de um comportamento competitivo e hierarquicamente dependente para uma atitude interdependente e cooperativa; de considerar o trabalho como um meio pelo qual uns obtém seu sustento de vida e outros acumulam riquezas, para uma visão de trabalho como instrumento de auto-realização e do crescimento pessoal; de gerenciar trabalhadores como se fossem recursos, a lidar com estes como seres em constante evolução e co-criadores de bem-estar e riquezas; de uma tradição e experimentação como guia de comportamento empresarial à visão de ser a influência principal sobre a tomada de decisões e a ação empresarial.

A Fundação Villares cuida de colocar estes princípios em prática.

“Quais as características essenciais desse novo tipo de empresário?” Nada melhor para responder a esta pergunta do que dar a palavra a um dos melhores jornalistas da Gazeta Mercantil de São Paulo, um órgão empresarial bem tradicional. Emerson (Krepaz) vem reforçar essa visão num artigo publicado na Gazeta Mercantil em 21/12/89, sob o título “OS VERDADEIROS EMPRESÁRIOS BRASILEIROS DA PRÓXIMA DÉCADA”. Ele nos afirma, entre outros, que o

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verdadeiro empresário entrará nos “negócios com uma visão mais holística, mais global e, sem os limites da própria empresa, isso é possível”.

Segundo o autor, o novo empresário “... começa a evoluir em relação ao empreendedor, no nível de valores, isto é, no nível dos sentimentos, e de outras formas de pensar, de outras concepções em relação ao mundo dos negócios e de seu papel na sociedade. O lucro, por exemplo, deixa de ser o objetivo único da empresa e insere-se num conjunto de outras preocupações também muito importantes. A rentabilidade deixa de ser vista com um fim em si mesma passando a ser vista como conseqüência de uma administração competente e, principalmente o instrumento necessário para o empresário revitalizar seus negócios e melhor remunerar os deveres públicos ligados aos seus empreendimentos, principalmente os trabalhadores”.

“Outra característica desse empresário é a concepção do negócio dentro de um enfoque social, comunitário e cultural, administrando suas empresas como um conjunto de atividades identificadas com o ambiente e a época em que ele opera”.

“Uma das medidas dentro desta vocação comunitária é conduzir os seus negócios com ética, com profundo respeito aos diversos públicos ligados à empresa, pagando salários condignos, oferecendo melhores condições de salários aos seus empregados. O verdadeiro patrimônio dessa organização passa a ser representado pelas pessoas que trabalham com ele e por aquelas para as quais ele trabalha”.

“O esforço do empresário transcende as quatro paredes da organização, havendo da parte dele uma forte motivação de contribuir para o desenvolvimento da comunidade, quer tendo

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uma participação mais ativa na vida de suas entidades de classe, quer exercendo uma sadia atividade político-partidária. Não necessariamente a política partidária, mas aquela que advém de uma conscientização maior da sua importância dentro do contexto social”.

“Esse verdadeiro empresário que visualizamos como o dos anos 90, deverá ser o pivô central de uma mudança profunda por que passaremos no próximo milênio”.

5.5 - O Novo Paradigma Empresa/Cliente As empresas em todo o mundo estão mudando de paradigma. Hoje, o seu foco é o cliente. A mudança em direção ao valor para o cliente passa a ser meta prioritária na atividade empresarial. Elas aprenderam o que é necessário para gerenciar resultados subjetivos. Estão entendendo aquilo que se passa nas mentes dos clientes deixando para trás as arrogantes hipóteses a respeito do que eles presumivelmente desejam. Aprenderam que todos os esforços para o aperfeiçoamento da qualidade nas organizações precisam ser verticalizadas na adição de valor, externo ou interno, para os clientes. Correr simplesmente pela empresa, medindo e contando coisas, não é a solução.

As empresas que estão na vanguarda da revolução do cliente compreendem que a maneira pela qual devem falar a respeito deles, e seus programas transmitem uma mensagem clara. Elas não o vêem como um estranho. Ao contrário, elas vêem cada cliente como um indivíduo e fazem o possível para entrar em sua mente. As empresas devem ver o cliente como sendo a pessoa ou empresa individual, a unidade familiar e o cliente organizacional individual. Devem personalizar-se, comprometendo-se a realizar, através das pesquisas, do projeto,

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dos produtos oferecidos e da prestação de serviços, os meios para conquistar os clientes, um a um. Na era do pensamento do século vinte e um, o lema não deve ser “Zero defeitos”, mas “Zero defecções”.

No mundo competitivo contemporâneo está ficando verticalmente impossível criar uma vantagem sustentável através de somente um produto tangível. Quer se trate de um computador, novos tipos de seguros, um conceito ideal de investimento, ou um novo item de fast-food, o prazo entre a inovação e a imitação por um concorrente, está ficando cada vez mais curto. Os itens tangíveis, por si sós, raramente podem contribuir para uma vantagem competitiva de longa duração, ou mesmo permanente.

Portanto, a resposta para o sucesso da empresa está na Criação de barreiras à entrada, colocando-se o “produto” dentro de um pacote completo para o cliente, composto por processos, práticas e várias características e benefícios intangíveis, que um concorrente levará mais tempo para copiar ou melhorar.

A revolução no conceito de empresa passa por todo tipo de personalidade jurídica, quer no setor privado, na área pública ou nas sociedades de economia mista. O novo paradigma deve conviver, diuturnamente, com um comportamento ético empresarial. A perda de clientes, por certo, ocorrerá quando houver práticas ilícitas ou enganosas, ou se o nível de satisfação não atender às expectativas da clientela.

As expectativas com relação ao valor do cliente se elevaram, criando a necessidade de uma nova visão do homem. O conceito de cliente se distende, vai além do simples comprador, que adquire um serviço e, portanto, independe de qualquer explicação originária das ciências econômicas. Nem tanto

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ortodoxia que propõe um renovado plano onde o “cliente é o rei”, “o cliente é majestade”, “quem manda é o cliente”, nem tanto perspectiva realista, que apresenta um dualismo natural entre vendedor e comprador. A autocracia dos grandes conglomerados, principalmente dos monopólios estatais controlados, e a moderna tecnologia levaram à reivindicação da prestação de um serviço que tenha significado, onde o indivíduo possa sentir que faz parte de algo digno, de mérito, que lhe permite usar/praticar seus direitos de cidadão/cliente.

Não se trata apenas de mais uma nova proposta para o futuro, mas de uma mudança para um novo paradigma - mais que vender, fidelizar.

5.5.1 - Mais que vender, fidelizar Atualmente, o cliente/consumidor brasileiro se encontra em estágio de auto-estima. Ele reconhece que tem valor e poder, na qualidade de elo fundamental do ciclo produtivo.

Deixou de ser o sujeito passivo que assume sozinho o preço da não qualidade, ou acredita ser o culpado pelas falhas do produto comprado - muito facilmente atribuído, no passado, ao uso inadequado. Com postura de cidadão, cada vez mais ciente de seus direitos e não apenas dos deveres, tem a seu favor duas armas poderosas: o Código de Defesa do consumidor, uma legislação consistente e, ninguém se iluda apostando no contrário, em franco vigor, e a possibilidade de comparar preço, qualidade e bom atendimento. Sim, porque o mercado está mais aberto aos importados, até mesmo serviços, com formato estrangeiro, via franchising.

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O comprador brasileiro sabe, entre outros exemplos, que equipamentos de segurança para veículos fazem parte de Kit Standard nos países desenvolvidos, onde estar menos exposto a acidentes, não é uma questão de luxo, mas de direitos humanos, na linha do politicamente correto.

Pois essa mudança de comportamento remete a uma questão fundamental - a ordem, mais que vender, é fidelizar esse arisco consumidor consciente, capaz até de entender falhas, desde que muito bem explicadas e sanadas.

Com dois anos de experiência como ombudsman do Pão de Açúcar, um dos maiores grupos de supermercados do país, Vera Glangrade sabe aplicar a máxima e reconhecê-la: o cliente sempre tem razão, não significa vender-se de tal maneira que a empresa deva responder sim a todas as questões que o cliente lhe apresenta, não exatamente mimar o cliente. Às vezes não é possível. Quando alguém reclama que determinada loja está localizada em um lugar de muito movimento e oferece pouca área para estacionar, a queixa é justa, mas alterar o ponto é altamente complexo. Não raro inviável ou desaconselhável. Portanto, melhor é explicar muito bem a situação.

“O cliente, quando informado com transparência e sinceridade, entende. E permanece”, diz Vera, que ao longo do seu trabalho no grupo, envolveu da direção aos funcionários menos graduados, em uma verdadeira maratona de aprendizado, para afinar a sintonia com a clientela. É um aculturamento de ambos os lados. Da empresa, em todos os segmentos, e do cliente, que se acostuma ao exercício de fazer valer direitos e comunicar-se.

Nunca é demais lembrar que um consumidor insatisfeito relata sua queixa a, no mínimo, 15 pessoas, enquanto o satisfeito comenta apenas com 05. Se a conta de somar parece irrisória,

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embora de fato não seja, porque o movimento é agregador e multiplicador, vale refletir atentamente sobre o aspecto negativo. Ainda mais se levar em conta que esta avaliação é muito ortodoxa. Vera acredita que descontentes espalham as críticas para um conjunto muito maior de pessoas. É assim mesmo que age o consumidor quando deixa de tentar uma solução para o seu problema ou ainda fica mais irado, se não encontra nenhum canal para fazer valer a sua voz. Fidelizar, é a arte de entender o outro lado.

Com uma sólida bagagem na profissão de afinar os ouvidos e, principalmente, essa sensibilidade, depois de 9 anos trabalhando no PROCON e outros 6 anos na Rhodia, a consultora Maria Lúcia Zülzke amplia a definição. Para ela, significa “desenvolver dentro da empresa, estruturas que privilegiem a real necessidade e interesse do consumidor em determinada conjuntura, algo muito diferente de manipular via ferramentas de mídia”. Aliás, está certa de que é muito pior prometer o que não se pode cumprir, porque o consumidor atual vai a busca da comprovação da performance. “Quando a expectativa é exacerbada, o desempenho terá de acompanhar o ritmo”. Autora do livro “Abrindo a empresa para o consumidor”, na quarta edição e por nós utilizado na pesquisa bibliográfica, Maria Lúcia destaca outra importante faceta do esforço no sentido de fidelizar. “Em vez de varrer para baixo do tapete, é preciso aprender com os erros”.

Também consultor, Rubens Hammum, da HZR Pesquisas Avançadas, alinha outras condições para ter clientela cativa. Uma delas é oferecer aquilo que ela não espera mas, ao receber, reconhece como satisfação de uma necessidade sequer ainda sentida. Quem descobre esse filão, sai na frente da concorrência, da mesma forma que o esforço no pós-venda

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acabar por criar um elo intangível entre empresa e cliente/consumidor.

O departamento de pesquisa da Standard Ogilvy & Mother realizou, no primeiro semestre do ano passado, estudo com 800 entrevistados em sete capitais do país complementado por outros 300 enquetes em São Paulo e Rio de Janeiro, para avaliar uma série de questões, entre elas o que se deve fazer para garantir a fidelização. A maioria apontou para a qualidade na frente do item preço, atendimento, tecnologia (observe tabela, configurada a seguir) porém, a importância da pesquisa é o aparecimento do item ética, indicado pelo consumidor em quarto lugar em importância, equiparando-se à tecnologia.

Dessa forma, vê-se que o consumidor/cliente já despertou e começa a exigir a prática da ética nas empresas.

RECADO DOS CONSUMIDORES ÀS EMPRESAS QUE QUEREM FIDELIZAR SEUS CLIENTES (*)

Propostas %

• Investir em qualidade/Controle de Qualidade. • Oferecer preços competitivos. • Garantir atendimento ao consumidor e assistência técnica. • Evoluir em tecnologia/Modernização. • Ser ética na propaganda, não anunciando coisas enganosas • Investir em Publicidade • Treinar mais seus empregados • Melhorar as embalagens: mais lacrados, mas seguras,

recicláveis, não poluentes

79 47 21 15 15 05 05

04

*Amostra 7 capitais (RM); Base: 800. Fonte: Listenfig Post / Standard Ogilvy & Mother

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Outra constatação da pesquisa é, segundo a mesma publicação, que “itens de consumo básico são aqueles em relação aos quais é maior a predisposição a variar de marca”. Entre eles, alimentos, produtos de limpeza, de higiene/beleza.

Segundo Milton Gimenez, sócio da Target, empresa de pesquisa e serviços de marketing, quando o objetivo é analisar o consumidor final, observa-se a grande importância que é conferida à chancela do produtor. Assim, ele aconselha: independente do que a empresa fizer, deve fazê-lo bem. É o que mantém a marca confiável.

No segmento de serviços, além da confiança no prestador, vale como instrumento para cativar, oferecer diferenciais que impliquem status - atendimento diferenciado em determinado banco, por exemplo:

• Definir cenário: identificar o cliente e pesquisar a

satisfação do mesmo; formular objetivos; identificação da situação desejada; indicadores/padrão e prazo.

• Negociação: diálogo, explicação do desafio,

comprometimento. • Avaliação: definição do processo / definição de

responsabilidades.

Sempre algo a mais, que venha responder a um anseio, ou ofereça mais conforto. Jamais uma subtração. Pode-se dizer que não há receitas prontas.

• A arte de captar anseios - Com 10 anos de existência, o

Studio Helena Visconi/Vera Aur Carlini, de arquitetura e decoração, já vem com a chancela das sócias no próprio

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nome de batismo. Apesar de se dedicarem a um segmento feroz de concorrência, elas têm alto nível de retorno: o tipo: fazer e executar projetos para representantes de mais de uma geração, na família; ou realizar a manutenção de um escritório que acabou de reformar, ou, ainda, sugerir os uniformes que combinam com determinada decoração da loja.

As duas sócias sempre atuam juntas nos primeiros atendimentos, quando a prioridade é afinar a sintonia com o cliente. É preciso estar aberto, sem que isso tolha a criatividade profissional, e atento para não confundir proximidade com intimidade. A tarefa complexa e delicada motiva ainda mais as empresárias, sempre convidadas a apresentarem suas propostas em exposições como a Casa Cor. Experiência, intuição e talento, no entanto, são apenas partes do iceberg. Valerão menos, caso a empresa prestadora de serviços negligenciar na eficiência técnica e cumprimento de prazos. “O resultado final só é gratificante para o cliente se o mix der certo”, lembra Helena.

Fornecedor e consumidor fazem parte de um Campo de Forças em permanente estado de equilíbrio/desequilíbrio, em conseqüência das forças restritivas e/ou impulsoras de um determinado momento das suas relações. A política de substituição de importações que caracterizou o governo Geisel foi, certamente, força impulsora aos interesses da indústria brasileira e força restritiva aos interesses do consumidor, na medida em que fechava a economia e limitava o estímulo à competitividade.

O governo Collor, ao abrir a economia, inverteu a posição relacional no campo de forças, Ao longo dos muitos anos de

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fechamento da economia, os consumidores estiveram em desvantagem e, portanto, numa relação perde/ganha. Tal situação foi gerada pelas empresas que nunca se orientaram para o mercado, não tiveram preocupação de médio e longo prazo (efetividade).

No ano de 1990, acrescentou-se, também, à negociação, o Código de Defesa do Consumidor, como mais uma importante força impulsora aos seus interesses. Com uma economia aberta, mecanismos legais e modernos de defesa do consumidor, pode-se começar a dizer que estão presentes as condições necessárias para a boa negociação.

Os consumidores maduros e exigentes, bem como as empresas pró-ativas e efetivas se encontrarão em condições adequadas para negociar. Já os consumidores imaturos e frágeis, bem como as empresas predadoras e reativas, terão, cada uma a seu lado, as forças que, ou os protegerão, ou os impelirão a agir de modo adequado.

É preciso não perder de vista que o processo de amadurecimento não se fará sem dor, de um lado ou de outro. Na mesma proporção em que os consumidores perderam, durante as duas últimas décadas, muitas empresas correm o risco de não acompanhar as rápidas mudanças de orientação e cultura mercadológica.

A existência de um campo de forças mais equilibrado é a base para o início de uma negociação ganha-ganha.

Como a essência da produção e da comunicação em massa é a negação do singular, criando uma indiferenciação no mercado, na qual o cliente/consumidor é objeto e não sujeito, a empresa precisa para ajudá-la nesse processo de interação com um novo

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cliente/consumidor (identificado, com nome, endereço, emoções e contradições), de um setor também culturalmente novo.

Uma das alternativas está nos Departamentos de Serviços a Consumidores / Ombudsman, para agirem como intermediadores da negociação, desde que tenham autonomia e apoio interno suficientes.

Os DSC’s/Ombudsman são importantes para atuar como porta-vozes dos consumidores dentro das empresas, pois é utópico pensar que os executivos formados em culturas voltadas à produção, tornem-se repentinamente sensíveis às necessidades dos consumidores. Os Departamentos de Serviços a Consumidores/Ombudsman, tornam-se além de porta-vozes, são os agentes de mudanças nesse processo de transição de culturas, com as seguintes vantagens:

• Acesso direto à empresa, sem o desgaste de peregrinar por inúmeros ramais.

• Diálogo com profissionais que, ao lado de conhecerem

tecnicamente os produtos, têm empatia com os consumidores e não são avaliados pelos resultados das vendas.

• Possibilidade de obter informações antes da compra. • Facilidade de obter orientação pós-compra. • Ter mais segurança na opção de compra, pois sabem que

“precisando”, um setor especializado estará disponível para ajudá-los.

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• Oportunidade de influir no processo industrial expressando suas dúvidas, necessidades, sugestões e insatisfações, aperfeiçoando o mercado brasileiro.

• Desenvolver sua assertividade e habilidade de

negociação.

Quando a relação fornecedor-consumidor é analisada de uma forma isolada, tornase difícil entendê-la na sua real dimensão, isto é, como parte do dilema muito maior que atravessa atualmente a nossa sociedade. O movimento dos consumidores, o movimento dos ecologistas e outros movimentos sociais, são os recursores, os porta-vozes, de uma profunda mudança em curso de conceitos e valores, que exigirá reformas radicais nas estruturas empresariais.

As premissas anteriormente suficientes e satisfatórias para avaliar a iniciativa privada - geração de empregos diretos e indiretos, contribuição ao governo através dos impostos, popularização e oferta de produtos de consumo, tornando a vida de todos mais confortável, parece não se adequar às necessidades da atualidade e à realidade que vivemos.

De acordo com Fritjof Capra - “As últimas duas décadas de nosso século vêm registrando um estado de profunda crise mundial. É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossas vidas, a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma séria crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência, sem precedentes em toda a história da humanidade. Pela primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta”.

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Para manter a satisfação do consumidor, a relação entre o desempenho e a expectativa deve ser cuidadosamente observada.

Alvin Toffler, em seu livro “A Terceira Onda”, enfocava a questão da desmassificação, advertindo já em 1980, que o mercado de massa estava agonizando nos países desenvolvidos. O consumidor, de acordo com Stan Rapp, tende a se tornar cada vez mais informado e exigente quanto a produtos e serviços adequados às suas necessidades e estilo de vida. “A compulsão ao consumo, estimulada pelo marketing no século 20, recriou padrões orais primários equivalentes aos do bebê, completamente dependente do seio materno”. O consumidor passou a se relacionar com o mundo como se fosse uma espécie de extensão do seio, alternadamente gratificante e frustrante.

“Em parte porque a publicidade apresenta as mercadorias de uma forma tão sedutora, como se fosse realmente a chave para a satisfação dos desejos e, em parte, porque a produção substitui o mundo dos produtos duráveis, pelo obsoleto”. O consumidor passou a viver não sobre o valor do Eu ou do Ser, mas como reflexo dos aspectos valorizados pelo meio circundante, que é o ter.

Consome-se porque se espera obter satisfação, mas o consumo traz igualmente a decepção.

As decepções podem ser subjetivas, inerentes à natureza humana, em permanente oscilação entre a idealização do objeto e a conseqüente sensação de falta. Ou as insatisfações podem ser objetivas, como a compra de produtos defeituosos,

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irregularidades na venda e outros aspectos passivos de controle pela legislação. Com relação à estimulação do desejo pela posse de bens materiais e um estável estado de satisfação, Kotler, em 1972, já analisava essa questão “o dilema para o marketing, pressionado pelo consumerismo é que não se pode dar ao consumidor simplesmente o que lhe agrada, sem levar em consideração os efeitos para o bem estar do próprio consumidor e da sociedade. Por outro lado, não se pode fabricar produtos saudáveis que não serão comprados. O problema reside em como conciliar o lucro das empresas, o desejo consumidor e interesses dos consumidores, numa perspectiva de longo prazo”.

A esse dilema Kotler propôs o marketing societal, em que a satisfação imediata do consumidor associa-se à consideração dos aspectos de permanência e efetividade – “Marketing Societal é uma orientação da administração que visa proporcionar a satisfação do cliente e o bem estar do consumidor e do público em longo prazo, como a solução para satisfazer aos objetivos e às responsabilidades da organização”. Na implementação de uma nova política, muitos credos e rotinas precisam ser requestionados. Os porta-vozes da resistência e do saudosismo sempre estarão presentes.

O grande problema do apego aos velhos paradigmas, quando se implanta uma nova estratégia, é a estagnação dos processos de inovação. A inovação vem muitas vezes de algo temível e negado pelas empresas - a comprovação da falta.

A estruturação e o equilíbrio interno dessas empresas são mantidos com um certo amortecimento dos funcionários,

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havendo pouco estímulo para explicitação de pontos-de-vista discordantes. Esse estado de espírito cultivado nos tempos de calmaria e tomado como um aspecto positivo na avaliação funcional dos envolvidos, é uma armadilha para os momentos de revitalização e necessidade de adaptação criativa às mudanças do meio externo.

O funcionário e o cliente/consumidor mais contestadores ao invés de serem escutados como os elementos instigadores de mudanças e crescimento da organização, são entendidos como chatos. A confrontação com o vazio da falta, ou do erro é muito ameaçadora para o “ego” das organizações.

O consumidor, sendo um “estrangeiro” ou um “forasteiro” na empresa, não tem compromisso com os pressupostos e mitos existentes dentro dela. Ele não se limita a ver a realidade como os insiders da empresa, ele não conhece os limites dos equipamentos e da tecnologia. Por isso o consumidor ousa sugerir e reclamar de acordo com sua necessidade e percepção.

Se não é muito digerível uma percepção diferente vinda de um consumidor, mais complicado ainda é a quebra de paradigmas por “alguém de dentro”. Mudar paradigmas sempre representa riscos. A ilusão de muitas empresas é conquistar os benefícios da liderança e inovação, sem correr os riscos de ousar e rever paradigmas. No Brasil, a empresa tem seus olhos muito mais voltados ao Governo do que ao seu mercado. Quando se trata de inovar a favor do consumidor, muitos executivos atribuem suas evasivas e resistência ao “impedimentos” da burocracia estatal, ou sua disposição de seguir apenas o que determina a legislação.

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É fato que nas últimas décadas a iniciativa privada pode se orgulhar da habilidade de negociação com o governo. Porém, à medida que as regras do mercado mudam, as empresas terão que acelerar seus processos de relacionamento e entendimento com o esquecido consumidor.

No Brasil, contam-se as empresas com canais abertos a consumidores. O brasileiro, por sua vez, culturalmente oscila de passivo a agressivo, não se caracterizando pela assertividade. As instituições em geral não gozam de muita credibilidade e isso reflete-se nas empresas, não só quanto à defesa do consumidor, como às novas técnicas e recursos que facilitam a operacionalização do atendimento a ele. Apenas participam como coordenação central, orientando os setores descentralizados de atendimento ao consumidor. Adotam, porém, um distanciamento de “observador” e “facilitador” dos processos de mudanças. Há duas variáveis de vital importância na ética do relacionamento: a variável “capacidade para cumprir o prometido” e a “disposição para prometer e cumprir o prometido”. Porque falhamos em atingir qualidade em serviços, mesmo sabendo o que o cliente quer, com um modelo gerencial voltado para isso e contando com a competência da linha de frente? Porque não cumprimos o que o cliente entendeu como promessa.

Veja a matéria, publicada no Jornal O Globo, 10.02.93, Caderno de Economia e tire suas conclusões: “Temos ouvido e visto, no rádio e na TV, campanhas publicitárias da TELERJ sobre novos serviços prestados como telefonia rural, celular etc. Tudo isso seria louvável se essa empresa tivesse cumprido o compromisso assumido com milhares de usuários que compraram e pagaram o plano de expansão há mais de três

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anos, e que até esta data não tiveram seus telefones entregues. Segue em anexo uma relação com 69 assinaturas e os números dos respectivos contratos”.

Assinado: J.U.M., P. M. e E.M.

Empowerment - é outra variável indispensável à qualidade e a ética, uma vez que é o processo pelo qual os empregados assumem relativa autonomia para tomar decisões “na frente do cliente”, no intuito de satisfazê-lo naquilo que for humanamente possível. O que não se sabe é como fazer isso funcionar. Alguns acham que isso é “modismo”, pois o empowerment não seria nada diferente do velho processo de delegação de autoridade revisited. Mas é bem mais do que isso, pois o empowerment envolve, entre outras coisas, a transmissão (aos empregados em geral) de um credo comum; um contrato psicológico celebrado entre as partes (superior e subordinado); a concessão (a esse último) do direito quanto a errar, e a ser reconhecido, se acertar.

O que mais preocupa não é tanto o repasse do poder pelos superiores mas a aceitação do mesmo pelos subordinados. Afinal, por que o sujeito iria gostar de ganhar autonomia do seu superior, o que implica maior responsabilidade, ganhando e vivendo quase tão bem quanto este? Mas, na realidade, o poder dá valor e motivação, a quem o detém.

Portanto, o colaborador irá se sentir fatalmente importante quando lhe for concedido poder para decidir. E como é que alguém vai se interessar por agregar valor a qualquer coisa, se ele próprio carece de valor? O problema é que, na prática, o empowerment funciona somente a partir de um determinado patamar. Ou seja, depois de o empregado se sentir minimamente importante.

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E de que depende esse patamar para que seja alcançado? Simples: de que as pessoas sejam tratadas como pessoas, evitando-se que todas sejam gratuitamente desmotivadas, Os diagnósticos de clima organizacional revelam sentimentos coletivos como estes:

• “Somos tratados como números”;

• “Parece que o que eu faço não importa a mais ninguém”;

• “Os objetivos superiores não são claros”;

• “Fazemos o possível, mas não sabemos se estamos certos ou errados”;

• “Aqui o negócio não é resolver, mas achar os culpados”.

É preciso saber o que e corno mudar na organização, senão vejamos:

Cultura - De 10 organizações brasileiras, apenas 06 possuem líderes capazes de se expor pessoalmente. Só 03 contam com valores éticos e sociais compartilhados pela maior parte da população e, em nenhuma delas, os líderes praticam plenamente esses valores. Vai-se conseguir mudar a cultura como?

Estilo Gerencial - O papel do líder deve consistir em apoiar os seguidores, investidos que estes são de poder para executar a tarefa. Alguns demonstram isso, denominado empowerment, virando a pirâmide hierárquica de cabeça para baixo.

Não estamos nos referindo apenas ao produto físico mas a todos os tipos de serviços que lhe são acessórios.

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Atender às expectativas dos clientes, significa:

• Atender aos prazos de entrega;

• Atender às especificações definidas no projeto, ou pelo cliente;

• Serviços de garantia do produto;

• Adequação ao uso.

Mudanças de Crenças e Valores - Imagine agora que aquele produto alimentício fosse uma linha de iogurtes, e que a campanha fosse ainda mais além. Suponha que esta, em vez de apenas informar o valor nutritivo do iogurte ou mostrar as vantagens e facilidades de consumi-lo, associasse aquela linha de produtos a um determinado estilo de vida e de pessoas. Ou seja, se aquela campanha fizesse afirmações corno “quem toma iogurte é indivíduo saudável, esportista, que cultiva a qualidade de vida etc”, já estaria procurando modificar ou reforçar um sistema de crenças e valores nas pessoas, em vez de apenas produzir mudanças cognitivas ou de comportamento.

Visão de futuro - Busca da melhoria contínua da qualidade. As organizações baseiam suas ações numa “visão” de futuro, compartilhada por todo o grupo e orientada para a satisfação do cliente, ao mesmo tempo em que a visão de futuro serve como fonte de inspiração para todos os membros da organização, motivando-os e envolvendo-os na busca de uma meta desafiante. Ela é útil como um guia para tomada de decisões, que dá coerência e consistência às ações de seus colaboradores.

Qualidade, Cultura, Comportamento Ético - São variáveis importantes para alicerçar o relacionamento ético, principalmente quando este depende daquilo que dizemos e que fazemos - o comportamento ético. Se vendemos um

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produto e dizemos que há nele 100% de determinada circunstância, quando na realidade não tem, esse comportamento é ético. O Código de Defesa do Consumidor tem a ver com a ética e a regula. A empresa precisa saber que não vai ganhar nada com um comportamento errado. Autonomia, liberdade e responsabilidade - Não se pode dizer: “Somos o primeiro em qualidade no mercado” se o executivo maior não está convencido, A ética, da mesma forma, deve identificar-se com a situação difícil, no primeiro impacto, quando não se sabe o que fazer. Este é um problema de todos, por ser uma empresa e não um conjunto de burocratas. Um sistema dirigido ao cliente deveria ser “descomplicado”: transparente e holístico para o cliente, “que não deve ser confrontado com um fabuloso labirinto de programas fragmentados, critérios conflitantes de elegibilidade, e uma infinidade de formulários a preencher”. O sistema deve ser “transparente”, para que os clientes sejam capazes de transitar por entre as muitas opções disponíveis, sem necessariamente ter que transitar pelas burocracias que se ocultam por traz de cada uma delas. Tomemos como exemplo nossos sistemas públicos de infra-estrutura: redes de esgotos, elétrica, de telecomunicações, para dar a idéia de transparência e maior clareza. Os clientes não querem saber como tais sistemas funcionam. Não querem saber o que passa por baixo de seus pés. Tudo o que desejam é que haja água nas torneiras, as luzes e o telefone funcionem. Assim, são os sistemas descomplicados e transparentes: escondem toda a fiação que não interessa ao cliente, mas dão a

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ele toda a informação de que possa precisar acerca de luzes, torneiras ou telefones.

Sistemas voltados para o cliente também permitem a indivíduos suprir suas necessidades de uma forma holística, integrada, sem que tenham de se submeter a uma dúzia de programas diferentes. A idéia é se atender as pessoas, observando os fatores humanos seguintes, que influenciam as decisões:

• Humano/informal, preocupado com pessoas/sentimentos

•Jogo aberto, direto e franco

•Postura mais ética/íntegra

•Verdadeiro/sincero no que diz

•Abertura/ausência de preconceitos

•Receptividade a mudanças

•Postura positiva em relação a risco

•Atitude de respeito/consideração positiva em relação às pessoas

•Postura de busca de excelência

•Carisma, liderança, força pessoal

•Forma global/holística/intuitiva de lidar com pessoas

•Alta objetividade, sintonia com o foco da decisão.

Ou como dizia Richard Dow, citando os 4 Ps de Marketing de Serviço: pessoas, pessoas, pessoas e pessoas.

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A disposição para servir é uma atitude e, como tal, dificilmente pode ser incutida no indivíduo. As pessoas prestativas provavelmente nascem desse jeito.

Formulando normas que apontem na direção desejada para a empresa, a regra é atender o cliente a qualquer hora. Desta forma, há coerência entre o discurso da direção da Empresa e a prática.

5.5.2 - Quebrando velhos paradigmas na relação cliente/consumidor

Dentre os velhos paradigmas que estão sendo quebrados por algumas empresas e, ainda, serão quebrados por muitas outras, encontramos:

• O consumidor é o responsável pelo problema. Ele

manuseou o produto de forma errada.

(Antes de fazer essa afirmação, o fornecedor precisa-se questionar até que ponto ele orientou e informou explícita e claramente ao consumidor sobre as especificidades do seu produto).

• Não há nada de errado como produto. 0 consumidor é

que é muito sensível e alérgico.

(A produção e comunicação em massa, deixaram de lado a diferenciação e singularidade de cada ser humano, que precisam ser urgentemente revistas).

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• O consumidor foi negligente

(Essa afirmação corriqueira em casos de intoxicação por pesticidas é, no mínimo, leviana. As áreas de venda e assistência técnica precisam conhecer as fragilidades dos usuários de seus produtos. Se entre os aplicadores dos pesticidas só se encontram pessoas com baixo nível de alfabetização e, por desconhecimento da periculosidade dos produtos, agem de forma negligente, cabe às indústrias, se quiserem se manter no mercado, dar todo o suporte técnico e de orientação para proteger o aplicador contra suas próprias deficiências. Esse é um caso clássico onde deveria estar sendo aplicado o conceito de marketing societal).

• Não é possível adotar os padrões de qualidade dos países

desenvolvidos em países subdesenvolvidos.

(Essa premissa tornou-se uma armadilha para os próprios empregados, tornando-os desinstrumentalizados para superar com rapidez os desafios da competitividade e produtividade).

• Se fizermos investimentos para a introdução de novas

tecnológias, o preço dos produtos será inacessível aos consumidores.

(Em função dessa linha de pensamento fizemos do Brasil um país de contrastes tão profundos).

• As demandas dos consumidores significarão

fechamento de fábricas e desemprego.

(A necessidade faz com que novas alternativas criativas surjam. A evolução da sociedade é dinâmica e não se consegue controlar pelo egocentrismo ou conservadorismo de alguns).

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• O consumidor é o Rei. (Quanto mais são usados chavões de ilusionismo, incoerentes com a realidade interna, mais distante ficam as chances de revisão amadurecida dos problemas).

• O consumidor Sempre tem Razão.

(O consumidor nem sempre tem razão, e ele deve ser informado sobre isso. A maturidade do consumidor também passará pela dolorosa experiência de ter que assumir seus impulsos e próprios erros).

• O consumidor crítico é um chato.

(Numa sociedade relacional como a brasileira, em que a crítica não tem sido considerada construtiva, o aprendizado fica dificultado. Apagam-se da memória os erros e há um constante recomeçar, sem processo cumulativos de conhecimentos).

As empresas dispostas a abrir espaços reais internos para os consumidores, precisarão instrumentalizar-se para os

novos paradigmas. 5.5.3 - Implantando novos paradigmas na relação

cliente/consumidor Empresas pró-ativas partem na frente e assumem paradigmas convergentes com os anseios, necessidades e realidades do cliente/empresa da comunidade, quais sejam:

• Todas as reclamações precisam ser analisadas e

respondidas. Mesmo que o consumidor não tenha

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razão, é uma oportunidade para ensiná-lo e orientá-lo adequadamente sobre o produto.

• O consumidor crítico não pretende destruir o

negócio. É um elemento participativo e presta importantes contribuições para a empresa.

• Um consumidor bem atendido e corretamente

orientado, desenvolve com a empresa a lealdade à marca. Além desses retornos individuais, por comunicar-se com outros a respeito de suas experiências, divulga a empresa pela comunicação boca-a-boca, considerada muito mais crível do que a propaganda de massa.

• O valor estatístico é relativo para o consumidor; o

seu problema e necessidade, são únicos para ele.

(Mesmo que aquele problema seja aparentemente singular, é importante observar se o consumidor não está sendo o porta-voz do “fenômeno da ponta do iceberg”, de extensão e profundidade ainda não detectadas).

É preferível acelerar a auto-regulamentação do que ficar sujeito à legislação restritiva e sofrer danos de imagem.

(A agressividade e omissão dos industriais na comercialização de pesticidas, por exemplo, resultou em legislação altamente restritiva, em âmbito mundial).

• Uma empresa cujo objetivo é satisfazer o

consumidor, dentro do conceito de efetividade e marketing societal, tem mais chances de sobreviver

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às crises e aos desafios do processo evolutivo do mercado.

• O consumidor não é “ele”, um indeterminado dado

estatístico de um quadro de relatório. O consumidor tem nome, personalidade, sente, percebe, pensa e comunica-se.

As mudanças dos paradigmas antigos para os novos, são favorecidas com as mudanças de paradigmas institucionais:

• É preciso acreditar visceralmente no valor dos novos

paradigmas para poder superar o ceticismo da maioria.

É altamente desgastante conciliar uma empresa com paradigmas conservadores, onde haja predominância do pensamento cartesiano, racional e analítico, com a presença de executivos sensíveis e intuitivos.

Como várias vezes ressaltado, a empresa busca inovação e liderança mas, ao mesmo tempo, teme os riscos e o preço a ser pago para isso.

Se houvesse ainda como se apegar ao passado e negar as mudanças!

Mas Capra alerta:

A transição está realmente a caminho agora, não apenas em termos de novas tecnologias, mas, num sentido mais amplo, como transformação profunda de toda a nossa sociedade e cultura. A mudança do paradigma mecanicista para o ecológico não é algo que acontecerá no futuro. Está acontecendo neste momento em nossas ciências, em nossas atitudes e valores individuais e

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114coletivos e em nossos modelos de organização social. O novo paradigma é mais bem entendido por indivíduos e pequenas comunidades do que por grandes instituições sociais e acadêmicas, que tendem freqüentemente a manter-se presas ao pensamento cartesiano.

5.6 - Evolução Ética Empresarial

Nada parece garantir que o mercado continuará a ser generoso com as empresas que não avançarem na direção da satisfação da sua clientela. Segundo Alvim Toffer, em Contexto e Ética, a mudança sob a denominação “Powerschift” já começou e, nesse sentido, as empresas terão que estar preparadas para operar em ambientes de notável conhecimento, de forma ética.

Para tanto, necessitam mudar de estágios. Ainda segundo o citado autor, os estágios em uma organização empresarial são três, a saber:

1º - no produto - eficiência em relação à sobrevivência; 2º - nas necessidades do mercado - eficiência em relação

ao lucro; 3º - nas necessidades das pessoas (em transição) –

efetividade.

Naturalmente que as empresas não mudam de estágio ou mentalidade segundo uma escala cronológica no tempo, Existiam empresas, em 1950, no segundo estágio, ignorando as novas possibilidades, à mercê do que se denomina de “seleção natural”.

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O empobrecimento da população, o aumento rápido das variedades dos produtos e serviços, o aumento da concorrência nas mais variadas possibilidades, desde a informal até a desempenhada por empresas estrangeiras, o aumento do nível de tolerância e da exigência dos consumidores, já estão conspirando seriamente em relação à sobrevivência das empresas que não mudam. Nessa perspectiva, de seleção ética empresa/cliente, há um novo conhecimento, que vai além da administração dos recursos tangíveis propriamente ditos. À medida que as empresas tiverem que operar sob uma maior velocidade, tanto no sentido adaptativo quanto no da criatividade ou inovação, as pessoas terão que ser administradas também para pensar, para poder aumentar o poder da organização. Mais do que moda para muitos, a gestão participativa (ouvindo também os clientes) terá de ganhar muito mais consistência do que atualmente estamos assistindo.

As pessoas terão que estar mais preparadas a “reaprender”, do que laborar conhecimentos como se fossem permanentes e dogmáticos. A empresa do novo estágio, segundo nossa interpretação da realidade atual, além de ser hábil em perceber e tentar atender mesmo às pessoas que estão em seu interior, deve trabalhar para que elas operem, permanentemente, sob altos índices de efetividade.

A evolução ética empresarial, tem nessa perspectiva, um sentido lato sensu. Não é apenas evitar a prática de atos fraudulentos ou enganosos contra os seus consumidores, ludibriando numa propaganda, concedendo abatimentos fictícios, formando conluios com outras, visando burlar o processo licitatórío, ou simplesmente se estabelecendo como “fantasmas”.

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A evolução ética passa por uma mentalidade transmultidisciplinar que envolve valores, costumes, porém, avança no tempo, buscando a melhoria da qualidade dos serviços ou de seus produtos, num processo contínuo e constante, tendo como alvo maior a satisfação dos seus usuários. É, portanto, um processo educativo/tecnológico, transcendendo a barreira do legal. O consumidor/cliente, nessa perspectiva, quando procurar uma empresa/organização, irá reconhecer um preço justo, compatível com o custo do serviço ou do bem, um atendimento lhano e verdadeiro sem excesso; a qualidade dos serviços ou dos bens, de acordo com suas especificações e garantia, inclusive opção para manutenção/reparo. Tudo isso num ambiente competitivo, valendo-se do MERCHANDISING, porém, sem truques, sem violações.

A nova empresa, mais do que uma atividade, deverá estar melhor preparada para entender e lidar com sua clientela, pois sem ela a mesma não sobrevive. O cliente é a sua razão de ser.

Em suma, a evolução ou revolução ética empresarial na busca da excelência, deve atentar para as seguintes características:

• Operar de forma lícita; • Atentar, diuturnamente, para as mudanças das

necessidades do mercado; • Aparelhar-se, permanentemente, de modo a atender,

cada vez mais rapidamente, às exigências mercadológicas;

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• Possibilitar que, em suas atividades, ocorram tarefas que não acrescentem custos desnecessários aos produtos e serviços, com repasse para clientela;

• Possibilitar formas que tornem os trabalhadores menos especialistas e mais multifuncionais;

• Enfatizar mais a cooperação do que o conflito; • Tornar o conhecimento mais administrável e produtivo; • Tornar o trabalho dos subordinados mais dignificante e

produtivo; • Reduzir os níveis de intermediações nas estruturas

organizacionais e nos processos operacionais; • Possibilitar ganhos a todos os envolvidos com as

atividades do negócio.

5.7 - Princípios Éticos

As relações das empresas que modernamente se definem em primeiro lugar como organismo, entidade cuja meta é a satisfação do cliente, deixando de ser o lucro o objetivo principal, frente às novas características do mercado altamente competitivo, passa a ser impulsionada em função do fenômeno da globalização, onde qualidade é exigência primordial no mundo dos negócios. Quem não se enquadrar nos novos paradigmas tende fatalmente a sucumbir.

Nessa perspectiva, alguns princípios passam a nortear a seleção entre a empresa, fornecedora de produtos, mercadorias e

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serviços, e o cliente, consumidor. Vale ressaltar que há uma relação de proximidade entre a empresa, (conhecedora de produtos, mercadorias e serviços) e o cliente que não surge apenas na execução da transação comercial ou mercantil, mas durante todo um ciclo: desde o planejamento do lançamento do produto ou serviço, pela empresa fornecedora ou a quem esta centrada para projetar em seu nome, até o último dia de garantia previsto na relação contratual, mediante o certificado de garantia estabelecido.

Princípio da Transparência

O primeiro dos princípios é o da “Transparência” que significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido ou até o contrato a ser firmado. Significa, por assim dizer, lealdade e respeito ao consumidor, mesmo na fase negocial, ou seja, antes de se firmar o compromisso de compra e venda, por ambos celebrado.

O fornecedor, ao tentar atrair o cliente, que pode ser uma outra empresa ou o consumidor final, motiva-o a adquirir seus produtos e a usar os serviços a ela vinculados. Deve fazê-lo com seriedade e veracidade nas informações prestadas sobre o que oferece, principalmente quando veicular mediante publicidade.

Por conseguinte, a transparência significa clareza, informação correta sobre as características do produto ou serviço que a Empresa pretende vender ao cliente. É dizer em outras palavras, o dever do fornecedor vinculado ao seu cliente, de informar sobre todas as características do produto, a fim de evitar qualquer tipo de prejuízo ou lesão, incluindo-se o conteúdo do contrato de compra e venda mercantil a ser celebrado; as aplicações a serem assumidas ou de

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responsabilidade que o cliente não pode suportar ou que simplesmente não deseja, como por exemplo, nas aquisições, mediante a utilização de cartão de crédito, com informações equivocadas sobre a incidência de encargo e juros irreais; influenciando o cliente a adquirir o produto sem que tenha uma real dimensão dos encargos a serem suportados, ou também influenciar o cliente a adquirir mercadoria ou serviço sem informações claras e precisas das qualidades e características, portanto, inadequado à finalidade pretendida, ou não possuir as qualidades que a Empresa fornecedora afirma ter.

Assim, o princípio da transparência é fundamental para que se estabeleça a précondição norteadora do cliente e ele manifeste livremente sua vontade ao adquirir o produto ou serviço, escolhendo com segurança o fornecedor que satisfaça suas expectativas transformando-o, assim, em parceiro comercial.

Princípio da Boa Fé É o princípio básico orientador das relações comerciais entre a Empresa e o seu cliente. Equivale a dizer que é necessário a existência de uma perfeita harmonia nas relações de consumo, que têm como protagonistas o fornecedor de produtos, mercadorias e serviços, e o consumidor ou cliente.

O princípio de boa fé, deve ser observado em todas as etapas da relação entre a Empresa e seu cliente. Já no planejamento do produto ou serviço, o empresário dever pensar na melhor maneira de satisfazer seu futuro parceiro.

Neste sentido, a cumplicidade a ser implementada pela Empresa não deve ter nenhum artifício que seja capaz de reduzi-la, ou que de fato não deseje. Satisfazer o cliente de

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acordo com os novos paradigmas da administração deve ser a principal meta da Empresa.

Nesta linha, é bom destacar que a empresa, ao fazer uma publicidade, torna o futuro cliente consumidor consciente de que ele é o destinatário de uma mensagem por ela patrocinada, no intuito de vender-lhe algum produto ou serviço, (princípio da identificação obrigatória). A publicidade, por conseguinte, não pode ser enganosa, pois sendo a “um meio lícito de promover, estimular, o consumo de bens e serviços, deve pautar-se pelos princípios básicos que guiam as relações entre fornecedores e consumidores especialmente os de boa fé. As relações de consumo, mesmo em suas fases pré-contratual ou como preferem alguns, extracontratual, devem guiar-se pela lealdade e pelo respeito entre fornecedor e consumidor”. (Claudia Lema Marquês).

Portanto, a Empresa deve ter a conduta de nunca induzir seu cliente à prática de erro, e quando este ocorrer, mesmo que seja por omissões, a conduta deve ser a de corrigi-lo, pois não importa se o erro ocorreu por dolo ou culpa, ou seja, má-fé, ou se a Empresa não desejou um determinado resultado. O que vai importar mesmo, é o fato.

Cabe ainda destacar que nas relações celebradas entre a Empresa e o seu cliente sempre estarão presentes aspectos econômicos, patrimoniais e morais. Significa que a Empresa deve ter a preocupação de não causar danos ao seu cliente, quer seja de ordem financeira, no tocante à qualidade do produto, ou de ordem moral, como, por exemplo o comportamento de evitar a depreciação do cliente, mediante desmoralização social, em função do maior ou menor poder aquisitivo.

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Princípio da Equidade A Empresa está sempre se relacionando com o seu cliente. É um vínculo que se estabelece, até mesmo, a partir do momento em que aquela oferece o seu produto (Novo conceito de oferta) através dos meios de comunicação de massa, anúncios, malas-diretas, etc. A partir desse momento deve a empresa dispensar ao seu parceiro comercial um tratamento equânime. Portanto, suas decisões devem ser refletidas. Adotar estratégias para tomadas de decisões que não gerem desequilíbrios na relação com o seu cliente, isto é, as decisões devem ser as mais adequadas possíveis. O equilíbrio dos “direitos” da empresa e seus deveres, junto aos seus clientes, devem ser uma constante. Assim, não deve haver, por exemplo, na elaboração contratual de compra e vendas de mercadoria ou serviços, as chamadas cláusulas consideradas abusivas, tais como: perda total das prestações em contrato de compra e venda de imóveis ou móveis e nas alienações fiduciárias; as que exonerem, atenuem ou impliquem em renúncia dos direitos de uma das partes, ou que criem vantagens ao fornecedor do produto ou serviço, de forma unilateral. Vale ressaltar que a reflexão ética na tomada de decisões deve prevalecer, embora exista no campo do direito o dogma da autonomia da vontade que considera a obrigação contratual como única fonte da vontade das partes. Do ponto de vista da ética, o entendimento é diferente, uma vez que a política da empresa deve ser implementada, na medida do possível, visando compatibilizar a satisfação do cliente.

Princípio da Confiança

Diz respeito à confiança que o cliente dispensa ao seu fornecedor quando adquire um produto ou lhe é prestado um serviço. Quando ela manifesta sua vontade, a faz na expectativa

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de satisfazer sua necessidade, de alcançar alguns fins ou determinados interesses.

Essa expectativa é alimentada já a partir da publicidade (oferta do produto ou serviço). Assim, vale afirmar que o princípio de confiança deve nortear a Empresa no sentido de assegurar ao seu cliente a melhor adequação do produto ou serviço, a manifestação do serviço da vontade, expressa no pedido, ainda que verbal, do cliente.

O comportamento ético da Empresa deve ser o de patrocinar ao adquirente do seu produto uma compensação pela escolha, traduzida em satisfação total e quando isto não for possível, oferecer-lhe garantias contra possíveis vícios, erros de adequação, ou assegurando o que se propôs prestar-lhe ou vender-lhe. Neste sentido, a empresa, independentemente do que extraiu da legislação, pertinente, deve aparelhar-se no sentido de reparar possíveis danos de qualquer ordem: contratual, extracontratual, patrimonial ou moral, causados aos seus clientes.

A reposição do dano causado pode ser alternativamente, mediante a imediata substituição do produto por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso, ou através de restituição do valor pago, corrigido monetariamente sem prejuízo das perdas, ou ainda quando se tratar de alguns tipos de produtos eletro domésticos, veículos, por exemplo, oferecer uma rede de assistência técnica capaz de não criar transtornos para a clientela.

No tocante aos vícios o serviço deve satisfazer as expectativas legítimas dos clientes consumidores agilizando re-execução ou reparo concentrando-se na funcionalidade, na adequação do

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serviço e não apenas na subjetiva existência de diligência normal do prestador de serviço ou de seus prepostos.

A Empresa deve, ainda, estar atenta para não colocar no mercado produto ou serviço nocivo, ou com alto grau de periculosidade à saúde ou à segurança de seus clientes. Se, entretanto, colocar à disposição de clientes produtos ou serviços que sabia ou deveria ter o dever de saber do seu alto grau de nocividade ou periculosidade, dever proceder as diligências necessárias, para reparar, recompor, ressarcir os danos causados, independentemente da imposições de ordem legal. Essa iniciativa, conhecida a causa e identificado o prejudicado, deve ser da iniciativa de quem produziu o bem ou prestou o serviço, para caracterizar-se como conduta da reflexão ética.

A Empresa, portanto, deve inspirar lealdade ao cliente em todos os momentos, inclusive por ocasião da cobrança da obrigação principal, ou seja, o do pagamento do preço ajustado. Neste sentido, a não utilização de recurso da coação ou constrangimento, como: expor o cliente a ridículo, ameaças, impedimento de adentrar no estabelecimento e coisas desse tipo. É um erro de conduta ética.

Todos esses princípios devem ser sedimentados pelos seguintes valores: honestidade, relacionamento aberto, humanismo, respeito às diferenças entre pessoas, verdade e sinceridade, comunicação interna.

Por outro lado, deve oferecer serviços/produtos com ênfase na qualidade, tendo como pontos centrais:

• Acessibilidade - Oferecer produtos/serviços cujos

preços garantam uma certa margem de lucro para o

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prestador de serviço ou fornecedor do produto, mas que dê ao cliente a segurança de que poder pagá-lo.

• Competitividade - A tranqüilidade de não estar

pagando diferentemente do que faria em outras condições comparáveis.

• Justiça - O sentimento de que a troca representa

relações custo-benefício semelhantes para ambas as partes.

• Custo de Oportunidade - A certeza de que valeu a

pena fazer essa troca, nesse momento e com esses recursos, em face de outras trocas possíveis.

5.8 - Intervenção Estatal como proteção ao Consumidor A abusividade nas relações negociais, tanto na prática comercial, quanto na publicidade, ou em contratos, existiu no transcorrer do tempo, até que o poder estatal brasileiro interviesse como forma de garantir proteção ao consumidor. Assim, o Poder Executivo, juntamente com o Congresso, produziram o Código de Defesa do Consumidor, como lei nova e rejuvenescedora do Direito Civil pátrio, atraindo juristas interessados na evolução da ciência jurídica e dos instrumentos legais, garantindo-lhes um mercado mais equilibrado e leal. O Código não tentou definir abusividade através de um enunciado abrangente. Em vez disso, elaborou uma lista e estabeleceu duas cláusulas gerais para identificar as situações abusivas: a cláusula geral da lesão enorme cláusula geral da boa-fé. A Cláusula Geral do Direito é uma norma jurídica que

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serve para avaliar a conduta, mas não define essa conduta. É norma em branco, que atribui ao aplicador a função de estabelecer, caso a caso, qual a conduta devida, isto é, qual o comportamento esperado do cidadão naquelas circunstâncias e naquela relação. Essa determinação é feita pelo operador à vista do valor que a norma quer proteger,

Estabelecida assim a regra de conduta para o caso, o juiz confrontará com o comportamento realmente praticado. Da desconformidade entre a conduta efetiva e a conduta prevista resultará o conhecimento de sua ilicitude.

Por exemplo: o princípio geral que diz todos deverem conduzir-se de acordo com as exigências da boa fé, tem como seu instrumento operacional, no âmbito do Direito do Consumidor, a cláusula geral da boa fé, a qual atribui ao Juiz o trabalho de fixar, no caso concreto, a norma de conduta que deveria ter sido observada pelas partes.

Além da utilização de cláusulas gerais para determinações do conceito de abusividade, o código de defesa do consumidor também emprega uma lista, através da qual poderá tipificar as situações mais ocorrentes, ou mais graves, oferecendo uma enumeração exemplificativa, mas não taxativa.

Sem sombras de dúvida o Código de Defesa do Consumidor, foi uma grande conquista do cidadão brasileiro contra a abusividade e a ilicitude nas relações de consumo, ainda que o comportamento ético entre empresa e cliente não devesse ser disciplinado por uma lei. A ética, na essência da palavra, está acima de uma norma jurídica. Todavia, o código criou condições especialmente favoráveis ao consumidor, a saber:

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• Institui a inversão do ônus da prova, quando verossímeis as alegações do consumidor, ou sendo ele hipossuficiente;

• Incentivou a instalação de Juizados Especiais de

Pequenas Causas e de varas especializadas, para o processo e julgamento desses conceitos;

• Garantiu assistência judiciária gratuita ao consumidor

carente; • Permitiu a desconsideração da pessoa jurídica, com o

afastamento da regra de separação dos patrimônios da pessoa jurídica e de seus sócios, para alcançar a efetiva separação do dano causado ao consumidor;

• Autorizou a defesa coletiva, nos casos de interesses

difusos, interesses coletivos e direitos individuais homogêneos, legitimando concorrentemente entidades e órgãos públicos;

• Estendeu os efeitos da coisa julgada.

A Lei 8.078/90, ancorada na Constituição da República, assegura como Direito básico do consumidor, a proteção à vida, saúde e segurança contra riscos provocados por produtos, serviços nocivos ou perigosos.

Para os infratores das normas contidas no referido Código estão previstos permissões de caráter civil e penal e sanções administrativas que incluem multas, apreensão ou inutilização do produto e cassação do registro da empresa.

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Além disso, implanta um cadastro nacional de Defesa do Consumidor, o qual relaciona as empresas que desrespeitam o Código, funcionando como uma espécie de SPC - Serviço de Proteção ao Crédito, para os Consumidores.

Mas, se a primeira função do Estado é garantir a ordem, até que ponto isso deve ir? E será que tudo muda quando as sociedades adotam diferentes sistemas de geração de riqueza?

Quando um Estado impõe controle, com mão de ferro, sobre a vida diária, silencia até mesmo, a mais leve crítica, faz seus cidadãos se refugiarem em casa, com medo, censura as notícias, fecha os teatros, revoga passaporte - quem é beneficiado? 0 cidadão que precisa de um pouco de ordem, ou o Estado, que está se protegendo contra excessos?

Quando é que a ordem proporciona a necessária estabilidade à economia, e quando é que ela estrangula o desenvolvimento necessário?

Existem, em suma, para extrair uma analogia de Marx, dois tipos de ordem, um deles poderia ser chamado de “ordem socialmente necessária”; o outro, é “mais -ordem”.

“Mais - ordem” é o excesso de ordem imposto, não para o bem da sociedade, mas exclusivamente para o bem daqueles que controlam o Estado. “A mais ordem” é a antítese da ordem benéfica ou socialmente necessária. O regime que impõe a “mais ordem” a seus sofredores cidadãos, priva a si mesmo da justificativa rousseauniana para a existência, Perdem a sua legitimidade moral em um mundo independente. No novo sistema que agora emerge, eles atraem não só a atenção da opinião global, mas as sanções de estados moralmente legítimos.

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O novo elemento revolucionário - uma mudança provocada pelo novo sistema de criação de riqueza, é uma alteração no grau de ordem socialmente necessária, porque a nova realidade é que, enquanto as nações fazem a transição para a economia avançada, super simbólica, ela precisa de mais auto-regulamentação horizontal, e menos controle de cima para baixo. Em termos mais simples, o controle totalitário sufoca o avanço econômico.

O controle excessivo é tão perigoso quanto o controle insuficiente, Como demonstram as coisas em vários países do mundo, onde o Estado tenta exercer um controle excessivo sobre o povo, a economia acaba destruindo a própria ordem que procura. O Estado que tiver o toque mais leve poderá realizar o máximo e, enquanto isso, aumentar o seu poder.

Talvez o problema do Brasil esteja, exatamente, no excesso de matéria-prima propiciadora de indignações. Como muito bem lembra Gianetti da Fonseca, vivemos em um paradoxo: cada um de nós isoladamente tem o sentido e a crença sincera de estar muito acima de tudo isso que está aí. Ninguém aceita isso, ninguém agüenta mais. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado final de todos nós juntos, é precisamente isso que aí está.

Nosso imaginário é constituído e dominado por um certo tipo de cultura que pode ser chamado de “pequeno-gnoseológico”. Conseqüência é que vivemos em uma sociedade inserida no que se pode chamar de “anorexia informacional”. Quando alguma informação mais crítica consegue passar pelo filtro do establishment, ocorre o fenômeno da “bulimia informacional”. E isso está se tomando crônico... Os meios de comunicação tentam a todo custo, impingir-nos um ambiente pós-moderno, em que o simulado vale mais do que o real. Segundo Lenio

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Luiz Streck, Doutor em Direito do Estado, “vive-se um tempo em que as pessoas se emocionam diante da cena de um filme ou dos dramalhões novelescos, mas não se compadecem com os nossos meninos de rua”. Será que, para se inverter essa perversa relação, ou seja, para que ocorra um “dar-se conta”, é necessário colocar “sonoplastic” no cotidiano.

Precisamos de mais leis no nosso País? Será esse o problema? Ou será que o problema não reside no tipo de visão que temos sobre a aplicação e a eficácia das leis existentes? Por exemplo, um funcionário público de alto escalão engaveta um processo durante 3 ou 4 anos. Para processá-lo por prevaricação é muito difícil, pois se exige o dolo. Exige-se uma espécie de “dolo de engavetamento”. No caso de um ladrão de galinhas, em sendo o “elemento” preso, está caracterizado o crime de furto, cuja pena, aliás, é várias vezes maior do que a da prevaricação.

Temos, pois, olhos para ver crimes praticados por um certo tipo de brasileiro, e olhos para (não) ver diferentes espécies de delitos cometidos por outros brasileiros. Aliás, nisso as leis colaboram em muito. Nosso Código Penal, por exemplo, protege muito mais a propriedade do que a vida.

Precisamos ter uma nova visão sobre a relação governo-sociedade-aplicação-da-lei e gestão da coisa pública. A coisa pública é um valor? Bem, se é um valor, é imprescindível a discussão no campo da ética.

A propósito: quem já não se deu conta da conhecida pergunta feita, cotidianamente, em consultórios, escritórios e nos balcões de respeitáveis empresas: “O Senhor quer (a mercadoria, a consulta, a prestação de serviço) com recibo ou sem recibo, ou quer com nota ou sem nota?”. Construímos no Brasil algo que se pode chamar de “imaginário cleptocrático”, no interior do

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qual os indivíduos consideram normal a apropriação da coisa pública, nas suas mais diversas formas. Assim, é “normal” o médico (e outros profissionais liberais) não fornecer recibo; é “normal” o comerciante sonegar impostos, o cidadão comprar equipamentos de informática de origem suspeita, a mulher do chefe da repartição (e ele também) utilizar o veículo oficial para fazer compras, como é “normal” o servidor “receber” presentes...

Daí a importância de se discutir e questionar esse “mundo de mentira”, essa “vida de mentira”, na qual está inserida nossa sociedade.

Atualmente está acontecendo em Fortaleza, capital do Estado do Ceará - Nordeste do Brasil, o V Encontro de Entidades Civis de Proteção ao Consumidor no qual os consumidores solicitam a criação de PROCONS municipais. O encontro tem como tema central à falta de visão crítica do consumidor.

• Ainda em Fortaleza, foram criados os Juizados de

Pequenas Causas que auxiliam na defesa do consumidor/cliente e funcionam como moderadores, na relação, consumidor-cliente X fornecedor-empresa.

• Em paralelo, existe na Universidade Federal do Ceará

- UFC, o Núcleo de Educação do Consumidor, que interage na preparação do cidadão, alertando para vícios/defeitos ocultos nas mercadorias.

Porém, há de se colocar em destaque a importância do comportamento dos que fazem o governo na aceitação e prática da ética.

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Um caso que chocou o Brasil foi quando o Ministro Ricupero confessou (sem saber que falava para o Brasil inteiro) não ter escrúpulos, demonstrando que o Plano Econômico por ele administrado era eleitoreiro (o que as cabeças pensantes já sabiam), entre outras barbáries. Confessada a manipulação, filmada pelas câmeras da cadeia de televisão que justamente promovia toda a farsa eleitoreira desmascarada, veio o indigitado a público para invocar, como suporte ao perdão requerido naquele momento, a Igreja, Deus e a Família. Chorou. A sociedade teve seus olhos umedecidos por lágrimas solidárias, as famílias reuniram-se ao redor dos seus televisores e perdoaram o pobre ministro, posto que havia sido vítima de momentânea fraqueza. E fomos em frente. O pobre e piedoso ministro foi “deportado” para a embaixada do Brasil, em Roma!

A sociedade esquece (e quando se lembra, admira) os que têm capacidade de roubar e saírem ilesos: corrupta, elege completos, manipulada pelo poder econômico que navega sob a bandeira indisfarçável de eternização de um sistema político-administrativo reacionário, com raízes mediáveis.

Há de se ressaltar a questão da elevada carga de preconceitos que o próprio saber traz consigo, justamente a cavaleiro do poder econômico, que assim consegue a manipulação que o eterniza no comando do pensar e agir da nossa sociedade, não esquecendo a valiosa colaboração dos meios de comunicação (principalmente da mídia eletrônica), que apresentam como homens virtuosos aqueles que fazem da regra do jogo (erigida pela superestrutura) o seu objetivo de vida; homens que teriam deixado as paixões de lado para se dedicarem “à vida pública”, quando se sabe “o homem virtuoso não é aquele que renunciou às suas paixões (como seria possível?), nem o que conseguiu abrandá-las ao máximo. O homem virtuoso ou “bom” é o que

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aprimora a sua conduta de modo a medir da melhor maneira possível, e em todas as circunstâncias, o quanto de paixão os seus atos comportam inevitavelmente”.

Por outro lado, muitos consumidores gostariam de delegar ao governo a função de protegê-los dos seus erros e impulsos de compra. Essa dependência, além de interminável, exigiria um aparato estrutural fantástico.

Nesta assertiva, é óbvio esperar que existam regulamentações em assuntos onde há risco potencial à segurança e saúde do consumidor. É óbvio, também, que sejam coibidos os atentados à economia e boa fé do comprador.

Não se pode esquecer que o Estado, mesmo sendo um grande comprador, muitas vezes posiciona-se mais do lado do fornecedor, tornando a defesa do consumidor, dentro do aparelho governamental, tortuosa e contraditória, “salvo quando sacudido por violentas campanhas de opinião pública”.

Para agravar essa realidade, existem componentes da cultura brasileira em que as redes de relações são mais valorizadas do que os próprios indivíduos.

As instituições brasileiras ficam, assim, sujeitas às pressões intrínsecas a sua própria existência, acrescida das pressões decorrentes das redes das relações pessoais, dificultando, ou mesmo inviabilizando, críticas abertas e sistemáticas às instituições, o que representa, em última análise, uma estagnação em termos de melhoria da aprendizagem. Uma outra implicação desse sistema relacional. está na relativização das infrações, no abrandamento da gravidade dos crimes, em função do prestígio ou da rede de influências do infrator.

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Quando apenas as redes de relação é que determinam a dinâmica das instituições, é muito difícil exercer a cidadania e atuar como consumidores críticos.

Dentro dessa ótica, os PROCONS no Brasil, além de canalizarem reclamações e orientarem o consumidor, exercem um papel de dar legitimidade e força a consumidores comuns, destituídos de relações de amizade significativas, que lhes permitiriam resolver com sucesso urna pendência comercial, os PROCONS auxiliam na democratização da influência das relações, por meio das conciliações de interesses entre fornecedor e consumidor. Por outro lado, o caráter relacional do brasileiro, se aliado a uma meta séria de desenvolvimento econômico, seria um componente importante na viabilização de alternativas criativas.

A Constituição e o Código de Defesa do Consumidor passaram a representar uma poderosa força para a sociedade civil, abrindo-se oportunidade para desempenhar um papel ativo.

É urgente que nós, brasileiros, decodifiquemos o nosso olhar e passemos a admirar e a cultuar qualidades que signifiquem (ou procurem) a perfeição do humano isto é, nossa cultura carece de reparos, entendendo-se como cultura o conjunto de conhecimentos, hábitos, costumes e tradições, somados à instrução, individual e coletiva. A cultura traz consigo a idéia de fim e de valor como principais características.

Fim é aquilo que se faz. Todos os que agem, o fazem por causa de um fim.

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Valor é a qualidade objetiva de um ser, qualidade que significa perfeição e logo atrai a vontade. Os valores não são produtos da nossa subjetividade, são realidades objetiva que encontramos fora de nós, são qualidades objetivas do ser; significam a perfeição, por isso, nos atraem.

Para que os valores aconteçam é preciso admitir a sua captação pelo homem, a sua percepção. Enfim, o valor é um bem. Bem coincide com fim, porque é considerado valioso e em sendo valioso, apresenta-se como meta a ser alcançada. Ao conjunto de valores aos quais submetemos os fatos e as ações humanas, para apreciá-las e distingui-las, denominamos ética. Na medida exata em que os valores de nossa sociedade apresentam-se motivados por fins que não traduzem a maneira séria, correta, escrupulosa de agir e de pensar, estamos diante de uma nação voltada a uma ética estruturada em conceitos e preconceitos trazidos pelo pré-saber ou saber pré-científico. As elites políticas, sob o patrocínio de grupos compostos por pseudo-empresários e pela grande imprensa, elaboram projetos conservadores e obscurantistas, através de tecnocratas que lhes oferecem um pensar voltado a manter-nos estagnados em algum lugar distante, no passado da humanidade.

A realidade brasileira tem suas origens na axiologia do pater famílias. Medieval, corrupto, hipócrita, colabora com a perpetuação do poder inescrupuloso vigente há séculos, no Brasil, despido de valores efetivamente humanos e realmente democráticos.

Há um distanciamento produzido pelo Estado em relação a seus cidadãos, através da retórica, utilizada propositadamente

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com o fim de manter elitizada a prestação jurisdicional, tanto quanto a instituição processual. “Súditos” que pensam incomodam e para incomodar precisam de fácil acesso aos meios de prestação jurisdicional. 0 “Consumidor da norma” se vê excluído pelo sistema de aplicação, e mais: a norma vem criada por um legislador que faz parte do sistema oligárquico que o elege. Logo, é para ele que trabalha. A lei não pensa na população carente, o poder não se aproxima das necessidades dessas pessoas, que são uma maioria facilmente manipulável, são “massa de manobra” levada de roldão por planos econômicos cínicos, maquiavélicos, eleitoreiros.

Se uma empresa privada não consegue atingir o mercado de consumo, o departamento de marketing é acionado em regime integral. Já o consumidor da norma não é consultado nas “democraduras” viciadas pelo poder econômico. A formação de valores éticos-morais, realmente sólidos, e voltados ao bem comum, somente podem ser trabalhados pelo Estado interessado nos seus cidadãos, interesse que se reafirma quando o aparelho oferece ensino, emprego e preserva os valores culturais de cada uma das comunidades. Assim, a cadeia de contratos entre os atores sociais pode fazer proliferar o sentido de bem comum, do particular para o geral, de baixo para cima.

Com tais artifícios manipulam uma população desinformada, sem instrução, disposta a tudo para melhorar de vida.

Uma vez que dominam a mídia eletrônica (que é propriedade das mesmas elites que fazem o poder), toda e qualquer forma de transparência torna-se inviável. As redes de televisão fazem a campanha dos seus proprietários e dos que com estes são comprometidos. Há ainda um acerto entre a mídia eletrônica, a

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máquina governamental e os grandes grupos econômicos, com o objetivo evidente de promover políticos a seu serviço.

Percebe-se, com a facilidade, toda a origem da labilidade da sociedade brasileira, envolvida pelas mentiras do sistema; Um artigo publicado pelo jornal gaúcho “RS”, Lopes (1994) disse que “para se manterem, as estruturas de dominação sempre se valeram da palavra, como alicerce ideológico, e do discurso, como suporte legitimador. Ora, isso que não é novidade quando nos detemos a estudar o passado, torna-se mais difícil de perceber quando acontece em nossos dias. Outrora, os áulicos do sistema produziam seus pensamentos justificadores com pena de ganso ou caneta Parker. Hoje, o fazem em textos elaborados em microcomputadores. No entanto, o principal não mudou a linha de raciocínio. Tudo, claro, acrescido de uma mídia sofisticada, formadora de opiniões, e devidamente posicionada, por detrás da respeitada cobertura da neutralidade da informação”.

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CONCLUSÃO

Do exposto nesse trabalho, concluímos que a conduta ética na relação empresa-cliente só pode surgir de uma compreensão pessoal e total dos valores e das premissas que tornam o “bom” negócio uma realidade, tanto no sentido moral, como no econômico da palavra. NASH, em Ética nas Empresas, 1993, relata que “Péricles”, um estadista ateniense no século V, afirmou que “a cidadania democrática tinha competência distinta tanto do ponto de vista moral, como militar, pela própria razão de ela ser uma cidadania informada. Ao contrário do soldado espartano, tiranizando para excetuar feitos de bravura, o ateniense lutava com ardor especial, pois sabia que perigos enfrentava e enfrentava-os de qualquer forma”.

Depreendemos do relato que assim também age a corporação que busca atingir o cumprimento ético pela condição ou apelo voltado unicamente para o interesse próprio, jamais pode esperar estabelecer os recursos da integridade empresarial, que vão além da obediência para criar soluções de: eu - ganho; você - ganha. Tais recursos dependem, como na Atenas Antiga, que os indivíduos estejam informados; informados das importantes premissas éticas que orientam o bom comportamento empresarial; das armadilhas intelectuais emocionais que impedem que este comportamento aconteça mesmo entre os bem intencionados. Esse processo deve ser um empreendimento coletivo para buscar o auto-conhecimento e encontrar a disposição para trazer os fundamentos da moralidade para os fundamentos do sucesso empresarial.

Um programa de ética numa empresa, sobretudo sob a ótica da relação com os seus clientes, não deve estar ancorado em uma única estratégia. Devem ter-se em conta fatores como a

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História e Cultura da organização, as linhas de negócios, as regulações do setor, os objetivos de conduta, dentre outros.

Parafraseando GILLI “existem certos aspectos comuns para o êxito nesse campo, a saber:

• Os valores e linhas que se seguirão devem estar

claramente definidos, sem ambigüidades, e todos os interessados devem estar convencidos de sua importância prática;

• Os lideres devem, estar pessoalmente comprometidos

e dispostos a atuar de acordo com os princípios a que se propõem;

• Os valores comprometidos devem estar integrados

aos procedimentos e normas de tomadas de decisão e se devem refletir em atitudes críticas como no desenrolar de planos e fixação de objetivos, no controle dos rendimentos e na promoção pessoal;

• Os atuais gerentes devem trilhar as normas de

conduta, além de ter conhecimento generalístico e competência necessários para assegurar a ética nas decisões diárias”.

“Se os valores acontecem na medida em que percebidos pelo homem como um bem, que coincide com o fim (sinônimo de valor), o que temos e vivemos nada mais é do que uma sociedade sem valores humanísticos. Há um vazio ideológico que diagnostica a necessidade urgente de que seja trabalhado aquele espaço existente entre o “olhar codificado” e o conhecimento reflexivo”.

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É essencial reconhecermos a necessidade da educação fundamental, crítica, reflexiva, axiológica, capaz de saber a diferença fundamental entre uma falácia e uma verdade obtida cientificamente.

As reformas necessárias seguem um caminho óbvio: educação voltada à formação de um pensamento despido de preconceitos, afeto à cientificidade e à solidariedade humana,-participação efetiva da empresa privada em planos de socialização e formação profissional, propiciando motivação ao crescimento individual e à participação social das populações carentes.

Nessa perspectiva, é necessário da empresa um esforço contínuo e uma considerável inversão de tempo e recursos que, por certo, contribuirá na competitividade, tomando uma relação sustentada em padrões éticos, onde o cliente é o seu alvo maior, assegurando-lhe, sobretudo, a total satisfação até chegar à exaustão.

A ética é mais do que o cumprimento da lei, é mais do que fazer valer o previsto na Constituição, no Código do Consumidor. Os problemas éticos que a empresa enfrenta têm a ver com as relações cliente-empresa: qualidade, especificações do produto, utilização do produto - Isto é uma questão de ética. As empresas estão extremamente preocupadas em estabelecer regras, normas, quando deveriam se preocupar com as relações e valores, com as pessoas, pois não são os sistemas de normas e regras que vão fazer uma empresa funcionar eticamente. A empresa ética é a que mantém boas relações com os clientes, provedores, seu pessoal, e a comunidade onde atua, observando seus limites. A empresa ética é a que fomenta um ambiente cultural e tem um comprometimento social. A ética é o caráter, o modo de ser. A

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ética empresarial tem que respeitar certos valores sociais e econômicos, é a empresa a serviço de um fim, A empresa tem responsabilidade social e deve assumi-las. Ao mesmo tempo, deve compartilhar desse objetivo, respeitando a comunidade onde está inserida. Na medida em que a empresa cresce e tem que confiar a terceiros muitas das suas responsabilidades, tende a desenvolver regras e normas. O que tinha a ver com desenvolvimento da empresa, ética externa é substituída pelo “poder de segmentação”, área de responsabilidade.

A empresa ligada a regras e regulamentos, não estimula a prática da ética. A ética é, pois, formada por princípios impostergáveis que formam a consciência do empresário e representam imperativos de sua conduta, tais como: ao interpretar com retidão o que está estabelecido na Constituição, no Código de Defesa do Consumidor, no Código Penal e Código Civil, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir ao cliente como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa fé em suas relações com os clientes e em todos os atos de seu oficio; dar ao cliente amplo direito de defesa tratar com denodo humildes e poderosos; exercer seu papel com senso empresarial, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade social da sua empresa; aprimorar-se no culto dos princípios éticos, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo.

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