o anel rodoviÁrio de corumbÁ/ms e sua dÉbil e...
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VI Seminário Internacional AMÉRICA PLATINA (VI SIAP) e I Colóquio Unbral de Estudos Fronteiriços
TEMA: “América Platina: alargando passagens e desvendando os labirintos da integração”
Campo Grande, 16,17 e 18 de novembro de 2016
UEMS (Unidade Universitária de Campo Grande)
ISBN: 978-85-99540-21-3
O ANEL RODOVIÁRIO DE CORUMBÁ/MS E SUA DÉBIL E PERIGOSA FUNÇÃO NO
SISTEMA DE CIRCULAÇÃO INTERNACIONAL DA ROTA RODOVIÁRIA
BIOCEÂNICA
Roberto Mauro da Silva Fernandes1
Adáuto de Oliveira Souza2
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar as interações espaciais decorrentes da implantação da rede técnica destinada
a compor o conjunto de elementos da Rota Rodoviária Bioceânica, esta que está umbilicalmente vinculada a Zona de
Fronteira do Brasil/Bolívia, localizada respectivamente no estado de Mato Grosso do Sul e na Província de Germán
Busch (vinculada ao Departamento de Santa Cruz). Especificamente buscamos discutir a relação entre a cidade de
Corumbá/MS e o anel rodoviário que conecta a BR-262 no Brasil à rodovia bioceânica em solo boliviano. De acordo
com nossa pesquisa, o equipamento cumpre débil e perigosa função no sistema de circulação internacional que está
sendo erigido.
Palavras-Chaves: Rota Rodoviária Bioceânica; Zona de Fronteira Brasil/Bolívia; Logística; Integração Regional.
Abstract: The purpose of this article is analyze the spatial relationships arising of the technical network deployment
intended to compose the set of elements to the Bioceanic Road Route, which is inextricably linked to the Brazil/Bolivia
border area, respectively located in the state of Mato Grosso do Sul and in the province of Germán Busch (linked to the
Department of Santa Cruz). We seek to discuss specifically the relationship between the city of Corumbá/MS and the
road ring that connect the BR-262 in Brazil to bioceanic road in Bolivian ground. According our research, the
equipment performs weak and dangerous function in the international circulation system that is being erected.
Keywords: Bioceanic Road Route; Brazil / Bolivia Border Area; Logistics; Regional integration.
1 Doutorando em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados e docente do curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados. 2
Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo e docente do curso de Geografia da Universidade
Federal da Grande Dourados.
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TEMA: “América Platina: alargando passagens e desvendando os labirintos da integração”
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1. Introdução
Devemos entender Rota como o conjunto de infraestruturas, sistemas operacionais e meios
logísticos que “[...] se integram com o objetivo de propiciar a continuidade do transporte, desde a
origem da produção até o destino do beneficiamento, transformação ou embarque” (BARAT, 2007,
p. 21). Dito isso, a Rota Rodoviária Bioceânica é parte do projeto que têm por intenção contribuir
com o conjunto de mecanismos contemporâneos de cooperação estatal na América do Sul, entre os
quais integrá-la fisicamente.
O intento surgiu após a primeira cúpula de presidentes da América do Sul, no ano 2000,
sendo denominada Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA).
O projeto IIRSA, contemplaria a América do Sul com 12 (doze) eixos de integração, sendo a Rota
Rodoviária Bioceânica, aquele que fisicamente tinha o objetivo de vincular Brasil, Bolívia, Peru e
Chile (o Eixo interoceânico Brasil-Bolívia-Peru-Chile) e “encurtar” distâncias entre os portos do
Atlântico e do Pacífico3.
Atualmente a IIRSA compõe a estrutura do Conselho de Infraestrutura e Planejamento
(COSIPLAN) – órgão da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) – como um foro técnico
para temas relacionados ao planejamento e a integração física regional sul-americana. O
COSIPLAN foi criado em agosto de 2009 durante o encontro presidencial da UNASUL, quando foi
decidida a substituição do Comitê de Direção Executiva da IIRSA por um conselho ministerial.
Portanto, a IIRSA original do início dos anos 2000 desapareceu. Havia no projeto inicial a visão
clássica de corredores de exportações de commodities, com as mudanças, o objetivo é ampliar a
integração dos mercados internos.
Mediante tais assertivas, o nosso objetivo é apontar as interações espaciais produzidas em
decorrência da instalação de uma das infraestruturas de circulação atinente a Rota Rodoviária
Bioceânica, isto é, o anel rodoviário de Corumbá/MS que conecta a BR-2624, no Brasil, aos demais
equipamentos e trechos da mencionada Rota em território boliviano. É preciso destacar que
devemos entender interações espaciais como um profuso e multifacetado conjunto de
deslocamentos (abrangendo pessoas, mercadorias, capital e informação) sobre o espaço geográfico,
que se realizam através de diversos meios e velocidades (CORRÊA, 1997, p. 279).
Para obtenção do que nos propomos a executar, utilizamos levantamentos bibliográficos e
realizamos também trabalho de campo (entre junho de 2011 e fevereiro de 2016) na cidade de
Corumbá/MS, em específico no trecho do equipamento (anel rodoviário), bem como, entrevistamos
os responsáveis e aqueles que estão diretamente envolvidos com os projetos e com as operações de
circulação. Nesse caso, optamos por entrevistas não direcionadas, com o escopo de permitir a livre
expressão dos sentimentos e percepções dos entrevistados.
1. A Zona de Fronteira Brasil/Bolívia e Rota Rodoviária Bioceânica
A cidade de Corumbá/MS compõe com o município brasileiro de Ladário/MS, Puerto
Quijarro e Puerto Suárez (praças do Estado Plurinacional da Bolívia), a Zona de Fronteira
Brasil/Bolívia, localizada respectivamente no estado de Mato Grosso do Sul e na Província de
Germán Busch (vinculada ao Departamento de Santa Cruz). Urbes fronteiriças classificadas pelo
Ministério da Integração Nacional como cidades-gêmeas (Brasil, 2005, p. 152).
3 Entre o porto de Santos/SP e os portos de Arica e Iqique, no Chile, a rodovia bioceânica (um dos
equipamentos da Rota) possui uma extensão de aproximadamente 4.000 km. 4
A BR-262 é uma rodovia transversal brasileira que interliga os estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo,
Minas Gerais e Espírito Santo. Entre Vitória/ES (na faixa litorânea) e Corumbá/MS (fronteira com a Bolívia), a rodovia
possui 2.296 km.
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A Zona de Fronteira em questão é importante para o escoamento da produção de
commodities do agronegócio e da mineração, tanto para o Brasil quanto para a Bolívia, como
também, é dotada de terminais hidroviários interiores com logística para movimentação de cargas,
centros de armazenagem, pontos de transferência de mercadorias, de igual modo, é porta de entrada
do gás boliviano por meio do gasoduto Brasil/Bolívia. Ademais, está circundada por polos
industriais com mais de um milhão de habitantes (Melo, 2005; Galeano e Oliveira T. C. M., 2007).
Tais condições associam-se ao fato de a Bolívia ser considerada a zona de convergência no
processo de integração da América do Sul, constituindo-se no elo físico entre a América andina e
platina, logo, qualquer processo que vise à emancipação política, econômica, social e infraestrutural
da região deve se iniciar por esse país (Kelly, 1988; Costa, 1999; Egler, 2006).
Todavia, passado alguns anos, inúmeros aspectos da rede técnica que propicia o
funcionamento da Rota Rodoviária Bioceânica (Figura 1) ainda apresentam problemas para a sua
plena utilização na Zona de Fronteira ora em referência. Existem, especificamente em
Corumbá/MS, gargalos logísticos relacionados ao sistema de circulação internacional que está
sendo erigido.
Figura 1 - Traçado da Rota Rodoviária Bioceânica
Fonte: SILVA, L. P. B., 2010.
Do ponto de vista geográfico, “[...] logistics can be understood as a system of technical
objects and a system of actions dedicated to the circulation of goods and constituted by
infrastructure, strategies, and state rules and regulatory activities” (Castillo; Vencovsky; Braga,
2011, p. 22).
Devemos nos atentar, deste modo, que as operações logísticas atuam desde a aquisição de
matérias-primas à entrega ao consumidor final, no interior de tal operacionalidade encontram-se
ações multimodais e intermodais. Os sujeitos (as empresas, a título de exemplo) ao adotarem a
visão logística desejam eliminar os desperdícios, almejam as melhores rotas e o menor tempo de
percurso (diminuindo o tempo de entrega), aspiram por evitar curvas (de preferência, o transporte
deve fluir retilineamente) e gargalos, para ter os custos logísticos reduzidos (Silveira, M. R., 2002,
p. 79-80). A Zona de Fronteira Brasil/Bolívia na condição de nó operacional da Rota Bioceânica
deve cumprir essas exigências.
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2. O Anel Rodoviário de Corumbá/MS: entre obliterações e futuras perspectivas de fluidez
No sentido de proporcionar o andamento das operações relacionadas ao comércio
internacional, via rodovia, entre os portos brasileiros e chilenos, os setores envolvidos no processo
trataram de instalar um equipamento de transporte que, no ponto de vista prático, possui grande
importância na fundamentação da Rota Rodoviária Bioceânica. Fazemos alusão ao anel rodoviário
(Figura 2) implantado em solo corumbaense, que anexa fisicamente a BR-262 à marca limítrofe do
território brasileiro com o boliviano.
O projeto foi lançado em 2001, mas somente foi retomado no ano de 2009, durante o
governo Lula (2003-2010), após ser incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Com a instalação do anel rodoviário (a inauguração ocorreu no ano de 2010), a Agência Municipal
de Trânsito (AGETRAT) de Corumbá/MS criou três setores para a circulação de veículos: Área de
Restrição, Rota 1 e Rota 2.
Na área central da cidade (da rua Gonçalves Dias em direção ao norte da cidade) caminhões
de grande porte não podem circular, é a chamada Área de Restrição. A Rota 1 está circunscrita ao
percurso do anel rodoviário até ao Porto Seco da EADI-AGESA5 e a Rota 2, o Comércio Local, é
relativa ao setor criado para a localização das empresas transportadoras/exportadoras, percurso que
se inicia na Avenida Guaturama, passa pela rua Hélio Benzi, que incide na Theodoro Serra,
seguindo em direção a rua Monte Castelo que dá acesso a rua Goiás e consequentemente a Avenida
Gonçalves Dias.
Na cerimônia de inauguração da infraestrutura, o então Ministro dos Transportes, o Sr.
Paulo Sérgio Oliveira Passos, afirmou que o empreendimento seria importante para o
desenvolvimento socioeconômico da Zona de Fronteira em discussão e, sobretudo, viria contribuir
para o processo integração da cidade Corumbá/MS com a Bolívia. Em seu discurso enfatizou: “O
anel viário é uma obra fundamental para a cidade e toda a região, pois separa o tráfego pesado do
tráfego de veículos leves, aumentando eficiência do transporte e a segurança, evitando acidentes”
(Campo Grande News, 2010, p. 1).
Em consonância com as palavras do ex-ministro é preciso destacar que de acordo com a
Norma do DNIT 003/2002 o Anel rodoviário é o “Trecho de rodovia destinado à circulação de
veículos na periferia das áreas urbanas, de modo a evitar ou minimizar o tráfego no seu interior,
circundando completamente a localidade” (Norma DNIT 003/2002-PAD, 2002, p. 2). Todavia,
apesar das garantias de segurança para a população, em nosso trabalho de campo, realizado na
cidade de Corumbá/MS, constatamos algumas contradições entre as enunciações e a realidade
efetiva.
5 A EADI-AGESA (Estação Aduaneira de Interior/Armazéns Gerais Alfandegados) é a estrutura de
armazenagem, na qual se processa e consolidam as operações de comércio de exportação/importação e de trânsito
aduaneiro daquela Zona de Fronteira Brasil/Bolívia, procedimentos que ocorrem na cidade de Corumbá/MS. Desde o
dia 1º de março de 2012 funciona no mencionado Porto Seco uma Área de Controle Integrado (ACI). A aduana
binacional foi criada com o intuito de dar rapidez nas transações comerciais.
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Figura 2 - Setores de circulação de veículos de carga no anel rodoviário de Corumbá/MS.
Fonte: produzido pelo autor, 2016.
Km 775
Km 770
Rua Monte Castelo Rua Gonçalves Dias
Rua Goiás
Rua D. Pedro II
Rua Marechal
Deodoro
Rua Rio Grande do Sul
BR-262
Rua 21 de
Setembro
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O equipamento possui 12 quilômetros de extensão, situa-se entre os Km 766 e Km 778 da
BR-262 e trata-se de um “suposto” anel rodoviário que dá acesso ao Porto Seco da EADI-AGESA e
ao limite fronteiriço com a Bolívia. A partir do Km 770 (sentido Campo Grande/MS – Bolívia), o
fixo entra em contato com perímetro urbano de Corumbá/MS.
Entre o Km 766 e Km 772 (Figura 3) é possível observar equipamentos lindeiros ao anel
rodoviário (BR-262), entre os quais um aeroporto particular, um estacionamento para veículos de
carga, inúmeras residências, uma escola (Escola Municipal Almirante Tamandaré), bem como,
conjuntos habitacionais estão em processo de construção ao longo da faixa de domínio da rodovia.
Neste trecho, o condutor circula em meio a equipamentos urbanos e vegetação natural e ao longo do
segmento (com boa pavimentação asfáltica, de mão dupla e pista simples) encontram-se triviais
placas indicativas.
Figura 3 – Anel rodoviário – Corumbá/MS - Km 766 a Km 772
Fonte: constatação do autor. Trabalho de campo, 2015 e 2016.
Entre o Km 772 e Km 775, o anel rodoviário (que é uma extensão da BR-262) confunde-se
com a cidade. Do Km 772 em diante, há um conjunto de cinco ruas (Figura 4) que permitem acessar
a EADI-AGESA e, vice-versa, desta a BR-262.
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Figura 4 - Km 772 da BR-262/anel rodoviário (rua 21 de setembro).
Fonte: constatação do autor. Trabalho de campo, 2016.
Para o motorista que está adentrando a cidade através do aparelho, a orientação é que siga a
esquerda, em direção a rua Rio Grande do Sul, caso for adiante transita pela na rua 21 de setembro
que dá acesso a Área de Restrição e a Rota nº 2 . Da rua Rio Grande do Sul, segue-se pela Marechal
Deodoro, ambas no bairro Popular Nova, que incide na rua D. Pedro II e Goiás, já no bairro
Aeroporto, até chegar a Avenida Gonçalves Dias. A continuação desta é a BR-262 (do Km 776 ao
Km 778), trecho que dá acesso a Estação Aduaneira de Interior – AGESA e respectivamente as
cidades Bolivianas.
Constatamos, em janeiro de 2012, que os veículos de grande porte não se deslocavam pelo
citado traçado como o previsto, não existia uma placa de sinalização que possibilitasse ampla
visibilidade ao motorista que trafegava na BR-262 e se dirigia a Corumbá/MS (a primeira placa de
sinalização encontrava-se no interior do segmento). Em decorrência disso, os motoristas seguiam
em direção a EADI-AGESA por vias alternativas, como também, acessavam a área estabelecida
para o Comércio Local através da rua 21 de setembro, ultrapassando a rua Rio Grande do Sul, o que
é proibido.
De acordo com o Supervisor de Trânsito da Agência de trânsito do município de
Corumbá/MS (AGETRAT), o Sr. Miguel Soarez, a precariedade na sinalização do referido aparelho
de transporte estava causando muitos acidentes, incluindo veículos de carga pesada e de passeio,
todavia, o órgão da prefeitura não podia realizar nenhuma operação na área, pois seria
responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT:
O Anel viário é responsabilidade do DNIT, seus agentes é que devem fazer a fiscalização, o
policiamento e providenciar a sinalização, que é a maior responsável pelos acidentes. Já
avisamos o DNIT, mas até o momento não obtivemos resposta. O policiamento de trânsito
municipal não pode atuar nessa região e a polícia rodoviária não tem interesse e nem
contingente para fiscalizar essa rodovia, para eles não é viável, está dentro do município. E
para falar a verdade, ali é “terra de ninguém”6.
Outro supervisor, o Sr. Paulo Vitor de Souza, Supervisor da Fiscalização de Trânsito, do
Grupamento de Trânsito da Guarda Municipal (GETRAM), enfatizou-nos que: “Infelizmente não
há nenhum órgão da União que se encontre na cidade, nem representante do DNIT, nem da Polícia
6 Entrevista realizada em 10/01/2012.
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Rodoviária Federal. Não temos autorização para atuar numa via da União”7. Na época, não havia
representantes da Polícia Rodoviária Federal - PRF atuando na cidade. No ano de 2014, esta
questão foi sanada, a PRF passou a realizar diariamente incursões na rodovia federal que
“atravessa” determinado setor do município, sua base operacional está localizada na rodovia Ramon
Gomes8, que faz parte do sistema de circulação da BR-262.
Segundo informações que obtivemos na própria AGETRAT, o projeto inicial do anel
rodoviário foi elaborado na década de setenta do século passado, quando o perímetro urbano de
Corumbá/MS não ultrapassava a Rua Gonçalves Dias, que se localiza a 2,5 Km ao sul da área em
que se encontra a Rota 1.
Entre o Km 772 e Km 775 do referido anel rodoviário (Figura 5) existem residências na
chamada faixa de domínio. Desse modo, trata-se das áreas adjacentes da via de transporte, nas quais
as pessoas que lá estão domiciliadas engendram as suas relações diárias, ou seja, na qual se
encontram suas residências, de onde atravessam a “rua” em direção ao vizinho, acessam a via rumo
ao trabalho, na qual circulam na calçada, etc.
Figura 5 - Trecho do anel rodoviário - Rua Rio Grande do Sul.
Fonte: constatação do autor. Trabalho de campo, 2015.
Segundo Marafon e Varejão (2009), a faixa de domínio “compreende o corpo da rodovia e
áreas adjacentes, até o limite das propriedades lindeiras, na qual se inicia a área non aedificandi e
onde não se pode construir por questões de segurança”, e mais:
Na prática, a faixa de domínio é parte integrante do espaço viário, cujo objetivo é o de
garantir a continuidade das funções operacionais, o alargamento de pista e o aumento da
segurança rodoviária. Seja qual for a classe da rodovia, sua segurança está relacionada à sua
7 Entrevista realizada em 22/01/2012.
8 A rodovia (federal) Ramon Gomes dá acesso a Puerto Quijarro e Puerto Suárez. Logo, os veículos de carga ao
se deslocarem pelo o anel rodoviário, acessam a EADI-AGESA e, consequentemente, chegam à mencionado fixo.
Registra-se também que depois que PRF passou a fiscalizar o trecho do anel rodoviário, inúmeros moradores foram
autuados em decorrência de infrações de trânsito. Como a rodovia federal encontra-se no interior do perímetro urbano e
de fronte as casas das pessoas, estas estacionam seus automóveis no acostamento, essa ação incorre em multa, haja vista
por regra, em rodovia federal, o veículo, quando estacionado, deve estar devidamente sinalizado, mantendo ligado o
pisca-alerta.
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faixa de domínio, a qual deve ser dotada de uma área marginal de escape, sem obstáculos
físicos e irregularidades do terreno lateral (Marafon e Varejão, 2009, p. 6).
Dessa forma, a área marginal, non aedificandi, conforme Lei nº. 6.766, de 19/12/79, em seu
artigo 4º, ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e
ferrovias, é obrigatória a reserva de uma faixa não edificável (non aedificandi) de 15 (quinze)
metros de cada lado da pista. Novamente ressaltamos que o “Anel rodoviário” faz parte de uma
rodovia federal, portanto, está sob a jurisdição do Ministério do Transporte, sendo assim, não
poderiam existir residências a menos dos 15 metros especificados pela lei federal, como
constatamos.
Mesmo que as residências estivessem localizadas na distância permitida, a segurança das
mesmas apresenta-se comprometida, as pessoas correm risco de vida, visto que a faixa de domínio é
uma área marginal de escape para o caso de ocorrer acidentes de trânsito, uma zona para se evitar e
mitigar riscos. As interações constatadas entre o fluxo de caminhões e as atividades cotidianas no
interior do traçado do anel rodoviário em discussão são materializações antagônicas ao que se que
prega no artigo 50 da Lei Federal nº. 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, no
qual afirma que o uso de faixas laterais de domínio e das áreas adjacentes às estradas e rodovias
deve obedecer às condições de segurança do trânsito.
Sobre a incompatibilidade do equipamento rodoviário em questão com o perímetro urbano
de Corumbá/MS, o Supervisor de Trânsito da AGETRAT, Sr. Miguel Soarez, de forma categórica,
frisou-nos:
O anel viário não é mais viável, pode resolver o problema do centro da cidade [Área de
Restrição], mas não do novo ordenamento urbano, já que o crescimento urbano de
Corumbá/MS segue em direção à parte alta [Sul]. Os caminhoneiros também reclamam da
falta de sinalização e do próprio anel viário que passa no perímetro urbano.
O denominado anel rodoviário de Corumbá/MS há tempos se enquadra no conceito de
“rodovia de área urbana” que segundo o DNIT são aquelas “[...] localizadas dentro do perímetro
urbano das cidades ou municípios” (Brasil, 2007, p. 2) e que devem seguir as mesmas
especificações da Lei nº. 6.766, de 19/12/79.
Entrevistamos em fevereiro de 2012, o Sr. José Luis da Silva, residente na rua Goiás,
cruzamento com a Gonçalves Dias (Km 775 da Br-262 ), casa nº 1, que nos afirmou:
Aqui na rua falta sinalização, os motoristas não sabem qual é a mão de preferência, e ainda
para completar não há nem iluminação durante a noite, esses dias a moto bateu na carreta
que vinha da Gonçalves Dias, a prefeitura é omissa nessa parte, o “desenvolvimento” está
chegando para Corumbá/MS e faz dois anos que aqui nessa esquina não tem sinalização9.
O Sr. José Luís e os demais que possuem moradia no cruzamento da rua Goiás (Km 775 da
BR-262) com Gonçalves Dias convivem entre o suposto “desenvolvimento” que estaria chegando
para Corumbá/MS e o intenso fluxo de caminhões (Cavalo Mecânico ou caminhão extrapesado,
Cavalo Mecânico Trucado ou LS, etc.).
Como o traçado do anel rodoviário está no interior do perímetro urbano, obrigatoriamente os
veículos de carga passam pelo cruzamento da Figura 6 e em frente e próximos das residências que
ali se encontram. Seja para se dirigirem a EADI-AGESA e Bolívia, seja para se encaminharem a rua
Monte Castelo onde se localizam as transportadoras e suas garagens na Rota 2 (Comércio Local) ou
para fora da cidade em direção a Miranda/MS, Anastácio/MS e Campo Grande/MS. É proibido
9 Entrevista realizada em 05/02/2012.
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caminhões transitarem pela Gonçalves Dias caso a origem for a EADI-AGESA. Constatamos que
essa regra é assiduamente quebrada, bem como, neste trecho, a sinalização não é a adequada.
Figura 6 – cruzamento rua Goiás (Km 775/BR-262) com Gonçalves Dias.
Fonte: constatação do autor. Trabalho de campo, 2016.
Ademais, quanto ao aspecto técnico e geométrico do aparelho de circulação, em nosso
trabalho de campo constatamos que todas as vias que compõem o equipamento são estreitas, sem
acostamento em alguns pontos, tornando-se difícil o tráfego de dois veículos de passeio quando há
outros estacionados nos dois lados da pista (o caso do traçado entre os Km 772 e 775), existem
muitos quebra-molas e depressões nas pistas, obrigando os motoristas a frearem brusca e
constantemente, como também, a sinalização é precária.
O posicionamento da rede elétrica em muitos pontos do seu traçado está abaixo dos 5 metros
regulamentares previstos na Instrução de Serviço/DG nº 6 de 19/05/2008 do DNIT. Em
determinados trechos encontramos a fiação na altura de 3,90 metros. Esta constatação é importante,
pois deve-se levar em conta que a altura máxima padrão de um veículo de carga, segundo a Portaria
12/98 do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), deve ser de 4,40 metros caso tenha largura
máxima de 2,60 metros e um comprimento total simples de 14 metros ou total articulado de 18,15
metros, assim como, se possuir reboque de 19,80 metros ou comprimento total de CVCs
(Combinações de Veículos de Carga) de no máximo 30 metros. É preciso também ressaltar que os
veículos articulados de até 22,40 metros possuem 4,70 metros de altura.
Igualmente frisamos que no traçado do anel rodoviário averiguamos a existência de
rotatórias superdimensionadas que obrigam os veículos a fazerem manobras muito fechadas e
arriscadas em virtude das suas dimensões. Uma carreta padrão tem comprimento de 18,50 metros,
bi-trens podem chegar facilmente aos 22,50 metros e existem carretas articuladas (Rodotrens, tri-
trens, treminhões) que podem atingir 30 metros de comprimento.
As concepções geométricas das rodovias devem seguir as regras-padrão, pois as dimensões
dos equipamentos rodoviários devem ter condições de abrigar todos os tipos de veículos, inclusive
os veículos especiais (carretas pranchas, lagartixas, rebaixadas, para cargas redimensionadas), caso
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contrário, o modal fica limitado a operações específicas, restrições que numa área considerada
estratégica para o processo de integração da América do Sul não podem existir.
3. Considerações Finais
O anel rodoviário que pertence ao sistema logístico da Rota Rodoviária Bioceânica está
possibilitando movimentos (em diferentes direções e velocidades) que não se resumem a concepção
reticular. Oferece perigo para as pessoas que residem na faixa de domínio do seu traçado, assim
como, é um equipamento que não contribui para dinamizar os fluxos do comércio internacional e
compromete as operações logísticas referentes à circulação. Em outras palavras, o anel rodoviário e
os setores de circulação vinculados a ele cumprem débil e perigosa função no sistema de circulação
internacional que está sendo estruturado.
A porção sul de Corumbá/MS, mais especificamente a área em que se localiza o anel
rodoviário (Rota 1) é considerada “terra de ninguém”. O poder público local se isenta de cumprir
obrigações básicas relacionadas ao trânsito naquele perímetro, pois seria de caráter da União
fiscalizar, balizar, sinalizar, etc. Entretanto, por todo trecho existem unidades habitacionais que
estão sob a tutela da prefeitura, mas mesmo assim, os órgãos de fiscalização de trânsito da cidade de
Corumbá/MS insistem em afirmar que não podem interferir.
Constatamos que existem inadequações técnicas que limitam as operações referentes ao
trânsito de veículos pesados e consequentemente o escoamento de mercadorias pelo anel rodoviário,
assim como, a implantação deste aparelho potencializa a circulação de veículos de cargas no
perímetro urbano da cidade, o que é uma contradição do ponto de vista funcional, haja vista que o
objetivo de se instalar esse tipo de fixo consiste em desviar os fluxos de caminhões com grandes
proporções da área citadina.
5. Referências
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