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O ANATOMISTA Revista de Divulgação Científica da Sociedade Brasileira de Anatomia Ano 2, Vol-4, Outubro-Dezembro, 2011

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Revista de Divulgação Científica da Sociedade Brasileira de Anatomia

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O ANATOMISTAO ANATOMISTAO ANATOMISTAO ANATOMISTA

Revista de Divulgação Científica da Sociedade Brasileira de Anatomia

Expediente

Editores Nadir Eunice Valverde Barbato de Prates Richard Halti Cabral Conselho Editorial Arani Nanci Bomfim Mariana José Aderval Aragão Marcelo Cavenaghi Pereira da Silva Jõao Carlos de Souza Cortes Mirna Duarte Barros Telma Sumie Masuko Capa

A ilustração do Prof. Alfonso Bovero e da Faculdade de Medicina da USP foi obtida da apresentação do Prof. Dr. Édson A. Liberti, chefe do Departamento de Anatomia do ICB-USP, sobre a Escola Anatômica de Bovero.

A responsabilidade do conteúdo dos artigos deve ser atribuída,

exclusivamente, aos seus respectivos autores. As opiniões manifestadas nos artigos não, necessariamente,

refletem a opinião da Sociedade. Sociedade Brasileira de Anatomia

Av. Prof. Lineu Prestes, 2415 Prédio Biomédicas III – Cid. Universitária Cep:05508-900 São Paulo/SP - Tel: 3091-7978 Tel/Fax: 3813-8587 Website: www.sbanatomia.org.br E-mail: [email protected]

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Sumário

Artigos Originais

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO NAS ATIVIDADES DE MONITORIA PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO ALUNO MONITOR 03 BIOMETRIA APLICADA À IDENTIFICAÇÃO DE FALANTES: CONCEITOS FUNDAMENTAIS, VIESES METODOLÓGICOS E PERSPECTIVAS DE PESQUISA 15

A CAPTAÇÃO DE CADÁVERES PARA ESTUDO ANATÔMICO 32 Como eu faço

USO DE PEÇAS CADAVÉRICAS GLICERINADAS PARA O ENSINO DE NEUROANATOMIA PARA ESTUDANTES DE MEDICINA 42 Nossos Mestres

IL SIGNORE ALFONSO BOVERO: UM ANATOMISTA ILUSTRE NA TERRA DOS BANDEIRANTES, SÃO PAULO 1914-1937 45

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Artigo Original

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO NAS ATIVIDADES DE MONITORIA PARA O DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL DO ALUNO MONITOR

Ana Greice Borba Leite, Gliére Silmara Leite Soares, Alex Laurindo da Silva, Daniela Oliveira

Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

Resumo

A monitoria é umas das atividades de desenvolvimento que a Universidade proporciona ao estudante, sendo o monitor responsável por realizar atividades relacionadas ao campo técnico e didático junto à disciplina. Nesta pesquisa foram aplicados questionários a 107 monitores de todos os cursos (Agronomia, Ciências da Computação, Engenharia dos Alimentos, Letras, Licenciatura em Pedagogia, Medicina Veterinária e Zootecnia) da Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) no segundo semestre de 2010. Este trabalho teve como objetivo discutir a importância das atividades de monitoria no desenvolvimento profissional do aluno monitor de diversas disciplinas lecionadas na UAG - UFRPE. Nesta pesquisa foi observado que 87,3% dos estudantes que participam de programas de monitoria são estimulados a ler, 92,2% melhoraram sua postura, tanto na apresentação de seminários como também na elaboração e apresentações de aulas (83,3%). Dos monitores entrevistados, 76,5% desenvolveram meios mais fáceis de estudar, 84,3% desenvolveram novos métodos de ensino e 77,5% melhoraram a participação em atividades em grupo. A monitoria proporcionou oportunidades para 74,5% dos monitores participarem em projetos de pesquisa e 47,1% em projetos de extensão. A participação em atividades de monitoria ajudou 53,9%

dos estudantes a escolherem uma área de atuação e 76,5% dos alunos se identificaram com a carreira acadêmica. Portanto, a

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participação em programas de monitoria durante a graduação otimiza o amadurecimento profissional do estudante e consolida a iniciação à docência.

Palavras-chave: ensino-aprendizagem, ensino de graduação, profissionalização.

Introdução

A monitoria é umas das atividades de desenvolvimento que a Universidade proporciona ao estudante. Ela define-se como o processo pelo qual os alunos monitores auxiliam seus pares nos processos de ensino e de aprendizagem, sob orientação direta de um docente (CONSELHO DE ENSINO E PESQUISA, 2009). Tanto o aluno monitor quanto os alunos acompanhados por ele são beneficiados neste projeto, proporcionando uma extensão dos horários de estudo para os alunos que utilizam a monitoria. Desta forma, a monitoria vem suprir as carências dos alunos, auxiliando-os e fornecendo subsídios importantes tanto para as disciplinas futuras quanto para seu conhecimento na vida profissional (SILVA, 2008).

O monitor é o discente de graduação, responsável para realizar atividades relacionadas ao campo técnico e didático junto à disciplina. O projeto de monitoria permite a experiência da vida docente acadêmica gerando a interação dos alunos monitores com estudantes de períodos menos avançados, além de possibilitar ao estudante o envolvimento em diversas funções e capacitando-o em atividades didáticas (NANNI, 2004).

No Programa de Monitoria muitos alunos sentem-se gratificados com a passagem progressiva de responsabilidade, quando o professor orientador solicita a intervenção do aluno-monitor no processo de ensino e aprendizagem. Este fato se deve, especialmente, devido à liberdade do aluno em optar por participar deste programa, ou seja, ele participa porque tem interesse em ensinar (LETA, 2001).

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A realização de monitorias proporciona melhoria do aprendizado e fixação dos conteúdos nas aulas expositivas e práticas por parte dos alunos, bem como para os monitores na iniciação à docência, com um grande ganho na experiência profissional em sua formação acadêmica (BEVENUTO, 2008).

Com isso, o aluno monitor tem a oportunidade de conhecer melhor a disciplina escolhida, permitindo assim um benefício mútuo entre o aluno monitor e o professor orientador e aos alunos que participam das monitorias. Assim a monitoria se constitui em uma iniciativa relevante no seio do ensino universitário, pela oportunidade de ampliação de experiências que contribuem para a formação de estudantes e para o desenvolvimento da docência, pelas possibilidades e diversidades de atividades a serem desenvolvidas cotidianamente em diversos departamentos e disciplinas (ASSIS, 2006). Além disso, o projeto de monitoria estimula a formação de várias habilidades no aluno monitor, habilidades essas que farão dele um profissional mais preparado para os desafios da profissão frente às exigências do mercado que a cada dia se torna mais competitivo e diversificado (NETO, 2008).

Diante do exposto, esse trabalho pretende discutir a importância das atividades de monitoria no desenvolvimento profissional do aluno monitor de diversas disciplinas lecionadas na Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no ano de 2010.

Materiais e Métodos

Foi aplicado um questionário (Quadro 1) aos monitores da UAG - UFRPE no segundo semestre de 2010, com a finalidade de conhecer a importância da participação nas atividades de monitoria para o desenvolvimento profissional do aluno monitor. O questionário teve como finalidade conhecer a importância da participação nas atividades de monitoria para o desenvolvimento profissional do aluno monitor. O questionário foi composto por 10 questões, todas direcionadas à prática de monitoria.

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Questionário

1. Participar da monitoria despertou em você o hábito de leitura?

( ) sim ( ) não

2. A participação em atividades de monitoria ajudou você a melhorar a sua postura

na apresentação de seminários?

( ) sim ( ) não

3. Participar das aulas da disciplina contemplada pela monitoria ajudou você a

elaborar e apresentar aulas?

( ) sim ( ) não

4. A realização de monitoria ajudou você a desenvolver meios mais fáceis de

estudar?

( ) sim ( ) não

5. Com a monitoria você aprendeu a desenvolver novos métodos de ensino?

( ) sim ( ) não

6. Ser monitor melhorou o seu desempenho em atividades em grupo?

( ) sim ( ) não

7. Ser monitor abriu portas para sua participação em projetos de pesquisas?

( ) sim ( ) não

8. Ser monitor abriu portas para sua participação em projetos de extensão?

( ) sim ( ) não

9. A participação em atividades de monitoria ajudou você a escolher uma área de

atuação dentro do seu curso?

( ) sim ( ) não

10. A participação em atividades de monitoria ajudou você a se identificar com a

carreira acadêmica?

( ) sim ( ) não

Quadro 1. Questionário sobre a importância da participação nas atividades de monitoria para o desenvolvimento profissional do aluno monitor

Cento e sete alunos de vários cursos, períodos e turnos letivos, participaram da pesquisa, conforme Tabela 1.

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Cursos que participaram da pesquisa

Número de alunos entrevistados

Agronomia 33

Medicina Veterinária 28

Licenciatura em Pedagogia 16

Zootecnia 12

Ciência da Computação 09

Engenharia dos alimentos 05

Letras 04

Total 107 Tabela 1. Número de alunos monitores por curso de graduação da UAG,

UFRPE, que responderam ao questionário sobre a importância das atividades de monitoria em 2010.

Resultados e Discussão

A diversidade de cursos e disciplinas contempladas pela monitoria promoveu o enriquecimento da pesquisa realizada (Figura 1), demonstrando que a monitoria é uma atividade que engloba qualquer área de ensino e estudo, segundo PEREIRA (2008), proporcionando um grande aprendizado no que tange a inserção de alunos a docência e a um aperfeiçoamento profissional.

A participação em programas de monitoria desperta no aluno monitor várias iniciativas para produzir conhecimento. Para isso, o aluno sempre está em busca de ferramentas que possam lhe auxiliar, entre elas o hábito de leitura é muito importante para realização de pesquisas e a participação em monitorias. Segundo 87,9% dos alunos entrevistados (Figura 2), a participação em programas de monitoria desperta no aluno o hábito de leitura. Segundo LIMA (2008), as apresentações de aulas práticas, expositivas e dialógicas fazem com que o monitor desenvolva a

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prática da leitura e também incentive os alunos a consultar o acervo da biblioteca e fazer pesquisas na internet.

Figura 1. Distribuição da participação de estudantes da UAG - UFRPE, em

programas de monitoria no ano de 2010 (n=107).

A participação nas aulas da disciplina escolhida para as atividades de monitoria requer do aluno monitor, muitas vezes, a apresentação de aulas e exposição do conteúdo ministrado pelo professor para os alunos em momentos de aula ou horas extras de estudos. Essa exposição do aluno monitor às turmas contempladas pela monitoria melhora a sua postura em sala de aula e em apresentações de seminários durante o seu curso, de acordo com a resposta de 92,5% dos monitores (Figura 2).

Agronomia (30,8%)

Medicina Veterinária (26,2%)

Licenciatura em Pedagogia (15%)

Zootecnia (11,2%)

Ciência da Computação (8,4%)

Engenharia dos Alimentos (4,7%)

Letras (3,7%)

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Figura 2. Frequências (%) de respostas obtidas após aplicação de

questionário aos monitores da UAG, UFRPE, em 2010 para avaliar a

importância dos programas de monitoria na formação do aluno

monitor (n=107).

De acordo com FRANCO (1998), a atividade de monitoria proporciona autoconfiança nas relações interpessoais, contribuindo na realização de outras atividades de ensino. Assim como a melhoria do comportamento em sala de aula, realizar monitorias ajudou o monitor a elaborar e apresentar melhor as suas aulas, sendo esse ponto confirmado por 84,1% dos entrevistados (Figura 2). Segundo NETO (2008), colocar o monitor frente à experiência de docência constrói no mesmo a capacidade de se expressar em público com clareza e objetividade, desenvolvendo habilidades relativas às formas de se aprender-ensinar, além de aprofundar o seu entendimento da disciplina.

A realização de monitorias estimula e dá oportunidades aos monitores de desenvolver meios mais fáceis dos alunos aprenderem o conteúdo da disciplina ministrada, já que, uma das funções do monitor é auxiliar e tirar dúvidas dos alunos em

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Identificação com a carreira acadêmica

Escolha de uma área de atuação

Participação em projetos de extensão

Participação em projetos de pesquisa

Melhorou os trabalhos em grupo

Desenvolveu novos métodos de ensino

Desenvolveu maneiras mais fácies de estudar

Melhorou as elaborações e apresentações de aulas

Melhorou a postura nas apresentações de seminários

Estimulou a leitura

Não

Sim

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momentos distintos aos horários de aula. Para 77,6% dos monitores (Figura 2), a monitoria estimulou-os a desenvolver maneiras mais fáceis dos alunos aprenderem o conteúdo estudado. De acordo com SANTOS (2009), um dos objetivos da monitoria é elaborar um plano de trabalho da disciplina que facilite o processo de aprendizagem dos alunos, pois a partir das dificuldades que o monitor encontrou quando cursava a disciplina e as dificuldades dos alunos atuais observadas pelo monitor, proporciona ao professor abordar de forma diferente ou mais facilitada, os assuntos que os alunos encontram mais dificuldades.

O programa de monitoria vem auxiliar o professor na tarefa de tornar mais fácil a assimilação do conteúdo e técnicas para resolução de problemas necessários ao entendimento global da disciplina, especialmente quando há carência de base de conhecimento prévio à Universidade (SILVA, 2009). Na procura por técnicas mais eficazes de ensino, o monitor também desenvolve novos métodos didáticos, dado confirmado por 85% dos entrevistados (Figura 2), pois, o monitor deve estar preparado para transmitir seus conhecimentos em diferentes níveis de compreensão e necessidade de cada público (FERREIRA, 2008). Além disso, a vivência da monitoria, também propicia aos alunos uma oportunidade de melhorar seu desempenho na disciplina, possibilitando ao aluno monitor desenvolver habilidades didático-pedagógicas e metodologias de ensino (SANTOS, 2009), portanto, educar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção FREIRE (1996).

O programa de monitoria proporciona uma melhora na postura do aluno monitor em trabalhos em grupo, confirmada por 76,6% dos monitores (Figura 2), segundo SILVA (2009), a monitoria tem o propósito de maximizar as estratégias de assimilação do conteúdo referente à disciplina, sendo o critério central a cooperação mútua, em que se busca estabelecer o enriquecimento dos aperfeiçoamentos em grupo, com o objetivo de se atingir o equilíbrio coletivo. Essa oportunidade de iniciação a docência, é um meio pelo qual se consegue superar as dificuldades que apareceram ao longo

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do trajeto, além de estabelecer contato com várias pessoas e aumentar consideravelmente o nível de conhecimento (LIMA, 2008).

Das atividades de monitoria realizada pelos monitores, também são citadas as produções científicas, sendo a monitoria uma porta para o aluno monitor participar em projetos de pesquisas, 75,7% dos monitores entrevistados tiveram a oportunidade de participar de projetos de pesquisas por meio do programa de monitoria, como também de projetos de extensão, 45,8% (Figura 2). A quantidade e a qualidade dos trabalhos de iniciação científica também são notadas, o que contribui para o aumento do interesse dos estudantes para a disciplina (CARVALHO JÚNIOR, 2006).

As atividades de monitoria criam uma relação do monitor com a área de atuação da disciplina escolhida, nesta pesquisa foi revelada que 54,2% dos monitores escolheram uma área de atuação após participar do programa de monitoria (Figura 2). Segundo SANTOS (2009), durante o período acadêmico o discente possui a oportunidade de envolver-se num projeto de pesquisa, entre estes, a monitoria surge permitindo uma maior aproximação do aluno com a vida acadêmica e científica, possibilitando de forma mais eficaz à escolha de sua área profissional. Ao longo do curso o aluno monitor tem várias opções de áreas de atuação, a escolha de uma disciplina para realização da monitoria já revela certa afinidade pela área.

A monitoria também envolve o monitor estudante em um trabalho de pesquisa associado ao ensino, despertando o seu interesse pela docência (SANTOS, 2009). A participação em atividades de monitoria ajudou o aluno monitor a se identificar com a carreira acadêmica, dado confirmado por 76,6% dos monitores entrevistados (Figura 2). O objetivo da monitoria é estimular no aluno o interesse pela atividade docente, intensificar a cooperação entre corpo docente e o discente, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão; oferecer ao aluno de graduação a oportunidade de se preparar para as atividades de ensino; contribuir para a melhoria do ensino de graduação (SILVA, 2008).

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Conclusão

A participação em programas de monitoria durante a graduação é de grande importância para o desenvolvimento do estudante, visto que o estímulo a leitura, as oportunidades de participação em projetos, a melhoria no comportamento em sala de aula e em apresentações de seminários são alguns dos fatores que denotam o amadurecimento profissional obtido com a prática de monitoria, consolidando a iniciação à docência.

Referências

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BEVENUTO, J. K.; HEIM, D. H. M.; MEDEIROS, J. X. Importância da monitoria na melhoria do ensino de física geral para os cursos de agronomia, zootecnia e ciências biológicas. 2008. XII Encontro de Iniciação à Docência, UFPB – PRG. Disponível em: <http://www.prac.ufpb.br/anais/XIenexXIIenid/enid/monitoria/monitoriaComplPainel04.html>.

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FRANCO, G. P. Uma experiência acadêmica como aluno-monitor da disciplina de morfologia: histologia e anatomia. Revista gaúcha de Enfermagem. Porto Alegre, v. 19, n.1, p. 66-68, jan. 1998.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25 ed. São Paulo. Paz e Terra, 1996. p.166.

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DANIELA OLIVEIRA Departamento de Anatomia Animal da Unidade Acadêmica de Garanhuns

Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE Sócia da Sociedade Brasileira de Anatomia

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Artigo Original

BIOMETRIA APLICADA À IDENTIFICAÇÃO DE FALANTES: CONCEITOS FUNDAMENTAIS, VIESES

METODOLÓGICOS E PERSPECTIVAS DE PESQUISA

Daniella Franco Curcio1, Mirna Duarte Barros1, Mara Behlau2, Vera Lúcia Mestre Rosa3, Ricardo Luiz Smith3

1Departamento de Morfologia, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 2Centro de Estudos da Voz. 3Departamento de Morfologia e Genética, Universidade Federal de São Paulo.

Introdução

O antigo interesse de correlacionar características faciais com o sinal acústico da voz para identificação de falantes vem ganhando destaque em função do crescente desenvolvimento de sistemas automatizados de identificação, que requerem dados biométricos garantindo funcionalidade e segurança. Os métodos que investigam as correlações biométricas face-voz apresentam uma problemática intrínseca relativa ao grande número de variáveis envolvidas e à diversidade da natureza destas variáveis (Figueiredo, 1994). É razoável considerar que para comparar dados de naturezas distintas – dados anatômicos de estruturas da face e dados acústicos do sinal de voz – é necessária a comparação de dados de mesma natureza, como as dimensões do trato vocal e das estruturas ósseas relacionadas. No que diz respeito à anatomia, as descrições do trato vocal geralmente envolvem apenas estruturas de tecido mole – músculos, mucosas, membranas e tecido adiposo, não incluindo as relações com a arquitetura óssea do crânio, face e parte cervical da coluna vertebral (Boë et al., 2004; 2006). Este artigo aborda conceitos sobre o desenvolvimento do trato vocal e função da fala, perspectivas de aplicabilidade e diretrizes metodológicas de estudos biométricos para identificação de falantes.

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Filogenia e a associação intuitiva de pistas acústicas a traços anatômicos

A comunicação vocal envolve recursos de produção e percepção sonora que são compartilhados e utilizados em tarefas vitais, como manter a coesão social, encontrar e avaliar parceiros sexuais, reconhecer e intimidar intrusos, alertar o grupo em situação de perigo, informar sobre a disponibilidade de alimento, localizar e guiar jovens (Fitch, 1994).

O parâmetro acústico de associação mais imediata com porte corporal é o da frequência fundamental mínima, determinada pela extensão e a massa das pregas vocais: quanto maior é a massa e a extensão das pregas vocais, mais grave a frequência fundamental mínima. Quanto mais graves as vocalizações de um animal, maior seu porte físico e esta correlação é de fato verificada em algumas espécies de vertebrados (Fitch 1997). Em humanos, a correlação entre estatura corporal e frequência fundamental não foi observada nos estudos clássicos de Lass e Harvey (1976), Künzel (1989), Cohen et al. (1980) e van Dommellen (1993). Por outro lado, a literatura traz também dados contraditórios. Ximenes Filho et al. (2003) encontraram correlação entre extensão de pregas vocais e estatura corporal em um estudo com laringes humanas excisadas, porém não observaram correlação com peso ou idade.

Além da extensão e da massa das pregas vocais, a extensão do trato vocal é um parâmetro que também interfere na configuração acústica do sinal vocal e também relaciona-se ao porte físico. A correlação entre a extensão do trato vocal e a estatura corporal foi observada tanto em primatas (Fitch, 1997) quanto em seres humanos (Fitch e Giedd, 1999; Smith e Patterson, 2005), com marcas acústicas características impressas no sinal vocal. Algumas espécies de mamíferos alongam o trato vocal para alguns tipos de vocalização e a posição mais baixa da laringe no pescoço pode servir para simular uma impressão exagerada do porte do animal (Fitch 1997; Riede e Fitch, 1999, Fitch 2000). De

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fato, Ghanzanfar et al. (2007) verificaram que macacos Rhesus são capazes de extrair estas pistas acústicas relacionadas à extensão do trato vocal e associar corretamente uma vocalização isolada a um animal de porte equivalente, independentemente da existência da real correspondência entre ambos.

Assim, como sinal acústico primitivo, a voz apresenta características físicas determinadas, em certa medida, por características morfológicas da laringe e do trato vocal.

Teoria acústica de produção de voz e interferências do crescimento

As dimensões dos diversos componentes do trato vocal – pulmões, vias respiratórias, pregas vocais, faringe, cavidade oral – exercem um efeito determinante na saída acústica do sinal sonoro (Fant, 1960; Lieberman, 1984).

A fonte sonora da voz é gerada na laringe pela vibração das pregas vocais à passagem de fluxo aéreo expiratório, num mecanismo de interação entre propriedades de inércia e elasticidade. A frequência de vibração da fonte sonora é determinada pelas suas propriedades físicas – em especial massa, comprimento e tensão (Speaks, 1992), portanto o aumento da massa e do comprimento das pregas vocais gera sons de característica mais grave, enquanto o aumento da tensão contribui para um resultado sonoro de frequência mais aguda.

O trato vocal pode ser comparado a um tubo com uma das extremidades aberta e uma fonte sonora acoplada à outra. Assim o trato vocal apresenta frequências próprias de ressonância que interferem no som da fonte, funcionando como um filtro: ampliando certas regiões do espectro do som em detrimento de outras (Fant, 1960). Estas ressonâncias características das dimensões do trato vocal juntamente com os picos espectrais que elas produzem no sinal vocal recebem o nome de formantes – do latim formare, que significa “dar forma” (Herrmann, 18902 apud Riede e Fitch, 1999). Resumidamente, as características físicas do trato vocal modificam

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as características de amplificação do som gerado pela fonte glótica, sem alterar a frequência fundamental. A extensão do trato vocal é o principal parâmetro de interferência direta na distribuição das frequências dos formantes, também chamada de dispersão dos formantes ou envelope espectral (Fant, 1960; Titze, 1994; Riede e Fitch 1999). Quanto maior a extensão do trato vocal, menor será a dispersão dos formantes; ou seja, menores serão as distâncias entre os picos de frequência e maior será a quantidade de picos de formantes em um mesmo intervalo. (Fant, 1960; Borden e Harris, 1980; Speaks, 1992; Titze, 1994; Fitch, 1994; Figueiredo, 1994; Kent, 1996; Fitch, 1997; Riede e Fitch 1999; Fitch e Giedd 1999; Smith e Nelson, 2004; Volperian et al. 2005; Smith e Patterson, 2005; Dusan, 2005).

Volperian (2005) define a extensão do trato vocal como a distância curvilínea do centro da glote a um ponto de intersecção com uma linha imaginária tangencial aos lábios (Fig. 1), com de 6 a 8 cm em crianças, atingindo cerca de 15 a 18cm em adultos. Este aumento ocorre em diferentes proporções (Fitch e Giedd, 1999; Volperian, 2005), predominantemente em função do crescimento da região da faringe (Kent e Volperian, 1995; Volperian 2000). Lieberman e McCarthy (1999) e Lieberman et al. (2001) também verificaram modificações na trajetória de crescimento de estruturas relacionadas, em função de diferenças na velocidade de crescimento entre as porções horizontal e vertical do trato vocal.

Durante o desenvolvimento, o trato vocal humano passa por uma completa reorganização em termos de tamanho absoluto, posição e proporções e a expressão “reestruturação anatômica” tem sido utilizada para descrever estas modificações, que incluem: a formação de uma curvatura em ângulo praticamente reto com a parede posterior da nasofaringe, o rompimento do contato velo-epiglótico e o deslocamento caudal da laringe, hióide, epiglote e base de língua (Lieberman 1977, 1984; Kent e Volperian, 1995, Volperian et al., 2005).

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O crescimento da laringe e das pregas vocais ocorre de modo dissociado ao do crânio e ao do corpo de modo geral, o que pode ser observado mais nitidamente durante o período da puberdade, especialmente em homens (Negus, 1949 e Goldstein, 1980), uma vez que os receptores hormonais nas cartilagens laríngeas respondem ao aumento da testosterona circulante, ocasionando uma acentuada aceleração no crescimento destas estruturas (Beckford et al, 1985). Como resultado, observa-se a concomitante redução da frequência fundamental. Em mulheres, este processo de muda vocal é sutil e ao término do desenvolvimento, a diferença média no peso corporal de apenas 20% contrasta com a diferença de cerca de 50% na F0 em relação aos homens (Hollien, 1960).

Volperian et al. (2005) observaram que algumas estruturas do trato vocal completam seu desenvolvimento mais rapidamente do que outras. O crescimento da maior parte das estruturas do trato vocal ao longo dos 6 primeiros anos de vida ocorre sem dimorfismo sexual e apresenta um período de estirão, entre o nascimento e os 18 meses de idade. (Scammon, 1930).

Honda e Tiede (1998), através de imagens de ressonância magnética no plano sagital obtidas de 5 mulheres e 19 homens adultos, investigaram as interdependências que controlam a variação morfológica das estruturas do trato vocal. Sugerem que a altura da laringe depende da geometria orofacial e que esta variação individual pode ser determinada: a altura da laringe pode ser prevista tanto pela razão entre a altura da cavidade oral e a distância palatal, quanto pela dimensão ântero-posterior do crânio (ângulo formado pelo ponto mais inferior do incisivo central superior, nasion e espinha nasal posterior) (Fig. 2).

A possibilidade de se estimar a extensão do trato vocal ou da altura da laringe a partir de medidas cranianas contribuiria para o estabelecimento de correlações aplicáveis à identificação de falantes e é evidenciada por estudos relativamente recentes que apontam para a interdependência entre o sinal acústico e a estatura

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corporal (Smith e Nelson, 2004; Dusan, 2005; Smith e Patterson, 2005).

Aspectos anatômicos na identificação de falantes: viéses e perspectivas

Além dos contrastes fonéticos característicos, o sinal de fala contém informações não linguísticas. Ao se ouvir uma voz sem que haja a informação visual do falante (pelo telefone, por exemplo), criam-se expectativas a respeito de sua constituição física em decorrência de marcas vocais indicativas do estado de saúde, sexo, idade, peso, altura, nacionalidade, regionalismos, classe social, estado emocional e assim por diante (Ladefoged e Broadbent, 1956; Figueiredo, 1994; Rendall et al 2005).

As pesquisas sobre a possibilidade de associação entre face e voz ou entre voz e a relação peso/altura (Fay e Middleton, 1940; Moses, 1941; Lass e Harvey, 1976, Lass e Davis, 1976; Lass et al., 1980; Lass e Colt 1980) são bastante criticadas em função do tipo de metodologia e das técnicas estatísticas utilizadas uma vez que, em geral são realizadas apenas comparações entre as médias dos valores observados e esperados, o que acaba por diluir os erros de estimativa do ouvinte (Cohen et al., 1980; Gunter e Manning, 1982; Van Dommelen, 1993).

Van Domelen (1993) observa que, embora muitas vezes as estimativas não correspondam à realidade, há certa consistência entre os ouvintes, ou seja: a associação entre pistas acústicas e físicas tende a ser estereotipada. Isto significa que existe coerência entre as expectativas do ouvinte sobre características físicas do falante, expectativas estas que são elaboradas apenas a partir do sinal vocal.

Por outro lado, o sistema de produção vocal permite a manipulação consciente de certas características anatômicas, como a variação da frequência fundamental ou o rebaixamento da posição vertical da

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laringe, provocando um aumento da extensão do trato vocal, além de modificações articulatórias, como se observa nos casos de disfarce da voz ou nas imitações. Essa variabilidade caracteriza a plasticidade vocal. Nos casos de imitação vocal os ajustes musculares são controlados de tal modo a aproximar a emissão a um determinado modelo, o que pode ser realizado com maior ou menor precisão dependendo do grau de plasticidade vocal do imitador. Ainda assim, a chamada plasticidade vocal é necessariamente restrita por características anatômicas que imprimem traços individuais ao sinal de fala. Mesmo ouvintes não treinados são capazes de diferenciar facilmente amostras originais de imitações, conforme observaram Hall e Tosi (1975).

A capacidade humana de reconhecer indivíduos apenas pela voz resulta da absorção, processamento e correlação de uma multiplicidade de informações comunicativas que conferem individualidade ao falante, mesmo sob condições adversas – como transmissões telefônicas, simultaneidade de vozes ou presença de ruído (Ladefoged e Broadbent, 1956; Albercrombie, 1967; Briecker e Pruzansky, 1976; Figueiredo, 1994; Bachorowsky e Owren, 1999; Dusan, 2005; Rendall et al. 2005). Estas informações dependem de uma série de fatores orgânicos ligados à biomecânica da produção de fala, aspectos sócio-culturais relativos às marcas linguísticas e fonéticas, além do estado emocional, a estrutura cognitiva e psicológica do indivíduo (Laver e Trudgill, 1979).

Há, portanto, uma relação de complementaridade entre as características comunicativas inerentes à constituição física de um indivíduo (orgânicas), as advindas de fatores linguísticos (adquiridos), além daquelas ligadas ao estado emocional (circunstanciais). Todas são passíveis de um certo grau de modificação, mas possuem também uma faixa estável, própria do falante, e a distinção entre elas só pode ser estabelecida em termos graduais.

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A interação entre as características orgânicas e as culturalmente adquiridas é bastante antiga na área da linguística e faz parte das discussões básicas que tem motivado numerosos

estudos em ciência forense, na área de identificação de falantes. Na situação forense, a genérica questão da “probabilidade de acerto” varia muito caso a caso em função da multiplicidade de variáveis e da dificuldade de padronização metodológica. Postula-se que as pistas mais confiáveis são aquelas dependentes de características orgânicas estáveis, em oposição a aspectos relacionados a padrões aprendidos. Este tipo de correlação direta, entretanto, é muito reducionista uma vez que, embora as características orgânicas limitem a variação da saída acústica em determinados aspectos, estão mescladas com informações linguísticas não menos estáveis, como gestos articulatórios específicos que são de tal forma arraigados e automatizados no processo de produção de fala que acabam por se tornarem invariantes, mesmo com a modificação de registro vocal ou contexto comunicativo (Figueiredo, 1994).

No entanto, é indiscutível que a conformação anatômica do aparelho vocal restringe o âmbito de variação de parâmetros acústicos: a extensão do trato vocal, em certo limite, determina o valor médio dos formantes, assim como a massa e comprimento das pregas vocais determinam a faixa de variação de frequência fundamental e assim por diante (Fant, 1960; Sundberg, 1987; Speaks, 1992; Kent, 1996). Assim, quanto maior a quantidade e diversidade de informações a respeito do falante, maior a margem de segurança para o especialista forense.

O estudo segmentado das correlações anatômicas entre as estruturas do crânio, da face e do trato vocal e suas implicações acústicas do sinal de fala é fundamental para a melhor compreensão da variabilidade interindividual de voz, no estudo da ciência forense e no desafio de desenvolver e aprimorar modelos mais robustos de identificação de falantes.

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Aplicabilidade das correlações anatômicas e acústicas na produção de fala

Se por um lado maximizar a variabilidade interindividual da relação anatômica e acústica no processo de produção de fala é o foco de atenção dos cientistas forenses na identificação de falantes, a atenuação desta variabilidade é o interesse principal em se tratando de sistemas automáticos de reconhecimento de fala.

Um dos maiores desafios para os sistemas atuais de reconhecimento de fala é a tolerância a diferenças e variações do falante, principalmente quanto à variação de extensão do trato vocal (Deshmukh et al., 2002). Sua aplicabilidade estende-se de softwares utilitários a modelos computadorizados de síntese de fala (Sündermann et al., 2006).

O estudo da relação das estruturas da laringe e do osso hióide em relação aos ossos do crânio vem sendo recentemente desenvolvida por pesquisadores interessados na área de fonética, evolução da fala e paleontologia. Goldstein (1980) mostrou pela primeira vez a possibilidade de prever as dimensões do trato vocal a partir de pontos antropométricos marcados no crânio, considerando dados relativos à interferência do sexo e do crescimento. Boë e Maeda (1998) propuseram um modelo de crescimento do trato vocal que tem sido sistematicamente testado (Ménard et al, 2004). Fenart (2003) descreveu nove estágios de crescimento craniano, do 5º mês de idade fetal à vida adulta. Granat e Peyere (2004) estudaram o desenvolvimento e a posição do osso hióide em hominídeos e Boë et al (2004) obtiveram um modelo de correlação entre estruturas ósseas cranianas e do trato vocal em 10 cefalogramas laterais. Seus achados foram utilizados por Boë et al. (2006) que selecionaram 21 pontos antropométricos para a identificação dos limites do crânio e do trato vocal , aprimorando o modelo de determinação do seu padrão de

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crescimento. Mais recentemente, Boë et al (2005; 2007) reconstruíram o trato vocal de Neandertais de mais de 45.000 anos, chegando a uma estrutura bastante semelhante e com praticamente o mesmo potencial acústico do trato vocal do homem moderno. A correlação entre as características do sinal acústico de fala, limitada por características anatômicas do trato vocal e relacionada com traços físicos globais, tem aplicações tanto na área forense para identificação de falantes, quanto na área tecnológica para aprimoramento dos sistemas de reconhecimento automático de voz (Dusan, 2005).

Apesar da sua ampla aplicabilidade, investigações sobre possíveis correlações morfométricas entre estatura corporal, trato vocal e região da cabeça e pescoço configuram uma linha de pesquisa que ainda é pouco explorada no meio científico, tem grande potencial de expansão e merece a atenção dos pesquisadores.

FIGURA 1 – Linha representativa da extensão do trato vocal, conforme proposto por Volperian (2005): distância curvilínea do centro da glote ao ponto de intersecção com uma linha imaginária tangencial aos lábios

Figura 2 – Dimensão anteroposterior do crânio, definida por Honda e Tiede (1998) como o ângulo formado pelo

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ponto mais inferior do incisivo central superior (Iis), nasion (N) e espinha nasal posterior (ENP), segundo a qual a altura da laringe pode ser prevista.

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DANIELLA FRANCO CURCIO

Docente do Departamento de Morfologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

www.fcmscsp.edu.br Rua Dr. Cesário Motta Jr. - 61

Tel. (11) 3367-7700 [email protected]

Sócia da Sociedade Brasileira de Anatomia

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Artigo Original

A CAPTAÇÃO DE CADÁVERES PARA ESTUDO

ANATÔMICO

Thelma Renata Parada Simão¹, Valquíria Barboza Mariotti¹, Bruna Cecília Caixeta de Oliveira¹, Franklin Santana Santos²

1 Laboratório de Anatomia Funcional aplicada à Clínica e à Cirurgia, VQM,

Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de

São Paulo. 2 Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil.

RESUMO A disciplina de Anatomia tem sido a base para a prática, não

somente da Medicina, mas também para o exercício das mais diversas profissões relacionadas à área da saúde. Nas universidades brasileiras o ensino desta disciplina é consagrado pela dissecção de cadáveres, os quais são oriundos do Serviço de Verificação de Óbito e amparados pela lei 8501/92. No entanto, a reduzida quantidade de cadáveres não reclamados que chegam às universidades tem comprometido a qualidade do ensino oferecido. A doação voluntária de corpo para estudo, escorada pelo Código Civil Brasileiro é apresentada como uma alternativa para a captação de cadáveres e campanhas de divulgação sobre o assunto precisam ser elaboradas e divulgadas. Palavras-chave: cadáver, legislação, doação, Anatomia ABSTRACT Human gross anatomy has been the basis for practice, not only medicine but also for the practice of various professions related to health. In Brazilian universities the anatomy teaching is enshrined by the dissection of cadavers, which are derived from the Death Verification Service and supported by the law 8501/92. However, decreased number of unclaimed bodies arriving at universities has reduced the quality of education offered. A voluntary donation of

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bodies for study, underpinned by the Brazilian Civil Code is presented as an alternative to the capture of corpses and outreach on the subject must be produced and disseminated. Key words: cadaver, legislation, donation, Anatomy

INTRODUÇÃO A disciplina de Anatomia Humana estuda as estruturas do

corpo humano e apresenta-se há vários séculos como base para a prática das profissões da área da saúde. Hoje, o conhecimento e domínio desta ciência são imprescindíveis para uma atuação profissional eficaz e competente, possibilitando diagnósticos e prognósticos corretos.

A Anatomia é geralmente apresentada aos alunos de graduação durante o primeiro ano do curso, época na qual aprenderão a sua terminologia para uso constante no meio acadêmico e profissional. Terão contato com as estruturas do corpo humano, assim como a sua localização, situação, forma e estratigrafia por meio do cadáver. A utilização de cadáveres na Anatomia existe desde os tempos mais remotos da história da humanidade amplamente discutida, sendo um dos pontos polêmicos o fato de que neste momento a morte e a vida se confundem, pois o cadáver passa a desempenhar um papel importante no estudo das estruturas do corpo humano, cuja compreensão e investigação tem por objetivo a manutenção da vida¹. Atualmente, apesar dos adventos tecnológicos e da informatização da educação, a utilização de cadáveres humanos ainda é considerada insubstituível², pois não só fornece importantes subsídios sobre a educação anatômica, variação anatômica e um entendimento multidimensional, mas também representa uma primeira experiência de aprendizagem crítica sobre a relação profissional-paciente³, no qual proporciona um grande desenvolvimento na medicina¹. Se os estudantes tiverem acesso ao ensino da anatomia apenas através de modelos, imagens,

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equipamentos audiovisuais e computadores, não desenvolverão o raciocínio e as habilidades necessárias, pois estes são adquiridos através da dissecação de um tecido real4.

No entanto, nos últimos anos a disponibilidade de cadáveres nas Universidades brasileiras tem sido cada vez mais escassa, dada a burocracia para a receptação de corpos de indigentes e à diminuição do número destes, em função da melhoria da qualidade de vida, socialização e comunicação, comprometendo a qualidade do ensino oferecido.

Este trabalho tem como objetivo abordar as formas de captação de corpos no Brasil para utilização em fins de ensino e pesquisa.

MÉTODO O caminho percorrido na investigação contemplou as discussões sobre a importância do cadáver e da dissecção na educação médica para a aprendizagem de procedimentos invasivos e habilidades inerentes à prática médica. Deste modo, optou-se para a melhor compreensão do artigo pelos leitores, a partir da contextualização dos principais aspectos éticos da formação prática em Medicina, ponderando-se, ato contínuo, sobre as questões morais atinentes ao uso de cadáveres na aprendizagem, finalmente, considerações sobre situações alternativas para a captação de cadáveres para estudo. A condução destas reflexões foi sustentada pela realização de pesquisa bibliográfica nos sites de pesquisa BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), PUBMED (U.S. National Library of Medicine) e SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), buscando-se artigos no período entre 1992 e 2011 (últimos vinte e um anos) com as seguintes palavras-chave: cadaver, legislation, donation, Anatomy, cadáver, legislação, doação, Anatomia. . Após análise crítica do resumo e do abstract ou título dos artigos obtidos, foram selecionados aqueles que tinham como objeto a importância do cadáver na educação médica e suas formas legais de obtenção. A partir desta seleção foram consultados artigos apresentados nos links como related articles, sendo igualmente selecionados, após análise crítica de seu conteúdo, aqueles pertinentes ao tema

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central. Foi realizada, igualmente, busca em livros e bibliografia complementar, como leis federais, com posterior apreciação crítica sobe o assunto. RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com dados extraídos dos censos escolares e

boletins técnicos publicados pelo Ministério da Educação do Brasil (MEC) através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), nota-se que em 2008 o número de instituições de ensino superior era de 29.721. O número de cursos da área da saúde totalizavam 3.085 e a disciplina de Anatomia, com aulas teóricas e práticas, é obrigatória e básica para todos estes5. Porém, para assegurar a qualidade no ensino, um laboratório de anatomia deverá disponibilizar peças biológicas, ou seja, cadáveres. Visto que a dissecação sobreviveu a mais rigorosa das aptidões pedagógicas, o teste do tempo, o encontro estudante-cadáver-paciente é fundamental na educação médica6.

No Brasil, quando há corpos para serem utilizados para estudo, os mesmos estão regulamentados pela lei 8501/92 a qual estabelece que cadáveres não reclamados dentro de 30 dias podem ser destinados às escolas de medicina, para fins de estudo e pesquisa. Segundo este provimento, apenas instituições de ensino do curso de medicina poderão se interessar na utilização do cadáver não reclamado e deverão requerer o assento do óbito ao cartório competente, apresentando declaração de óbito e providenciar a publicação de editais que noticiem o óbito em jornais de grande circulação por 10 dias. Apenas após a autorização judicial, a certidão de óbito será lavrada e o cadáver poderá, enfim, ser utilizado para o ensino7. Esta situação é burocrática, o que dispensa longo tempo e custos com divulgação e documentação.

Para tentar minimizar a falta de cadáveres, algumas universidades disponibilizam em seu laboratório de anatomia manequins, bonecos artificiais que mimetizam o corpo humano, recursos tecnológicos para a aprendizagem através de vídeos e

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áudios. E ainda há aquelas que captam cadáveres através de programa de doação.

A doação voluntária de corpo é apresentada como alternativa para as instituições e consiste em a pessoa em vida, ou seus familiares, manifestarem interesse na doação para uma Universidade. No Brasil, para se doar o corpo para estudo ou parte dele, no caso de amputação, o primeiro passo é ter a certeza desta decisão. Posteriormente, escolher a instituição que receberá a doação e então providenciar os documentos necessários solicitados pela mesma. O código civil brasileiro prevê a doação do corpo para o ensino e pesquisa através do artigo 14 da lei 10.406/02, ou seja, quem deseja doar o seu corpo ou parte dele às instituições de pesquisa e estudos científicos, sem obter qualquer ganho pecuniário, deverá fazê-lo em vida, através de inequívoca e expressa declaração de vontade. Esta manifestação também pode ser feita por testamento, autorizando seus parentes próximos ou o cônjuge a realizar a doação. Entretanto, quando se trata de programas para doação, os documentos exigidos são diferentes entre os mesmos, pois não há uma lei que regulamente a doação em esfera nacional, o que permite alterações e adaptações regionais.

Apesar de a doação de corpos ser relevante para o ensino da disciplina básica das ciências da saúde, atualmente apenas a doação de órgãos é difundida na imprensa. A doação de corpos é importante na pesquisa científica e no aprimoramento de novas técnicas cirúrgicas antes que estas sejam empregadas em humanos viventes.

A maioria das instituições de ensino superior no Brasil queixa-se da falta de cadáveres e apontam a importância da dissecção para a qualidade da formação profissional. O fato pode ser observado no último Congresso Brasileiro de Anatomia, realizado em outubro de 2010, onde, dos 865 resumos apresentados em forma de painel, 116 deles (13,4%) estavam relacionados com a área do Ensino e Aprendizagem em Anatomia, em que temas como a importância do cadáver e apresentação de técnicas de trabalhos manuais para a construção de estruturas anatômicas foram considerados e discutidos8.

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No Brasil, a escassez de cadáveres para o ensino tem aumentado no decorrer do tempo, um dos motivos é o significativo aumento no número das instituições universitárias e a diminuição no número de corpos não-reclamados destinados a estas, haja vista que são aproximadamente 13 mil necrópsias realizadas anualmente pelo serviço de verificação de óbito da cidade de São Paulo, ensino da Cidade de São Paulo.

Porém, este fato pode ser indicativo de melhoria das condições socioeconômicas, demonstrado pela redução de indigentes. Além disso, o avanço tecnológico no campo das telecomunicações nas últimas décadas facilitou a identificação de corpos em virtude da maior obtenção de informações e comunicação entre a polícia civil, serviços de verificação de óbitos e familiares do ente falecido.

Após extensa busca, do total de 29721 instituições de ensino superior no Brasil, localizou-se apenas duas universidades que, através de um programa oficial de doação de corpos, tentam driblar e minimizar o problema da falta de cadáveres: O Departamento de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS) e a Universidade Federal de Minas Gerais. O Departamento de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS)9, no Brasil, possui desde 2007 um programa de doação de corpos no qual tem por objetivo conscientizar a população sobre a ação. Entre 1997 a 2007 a média de doação era de 0,37/mês; após a implantação do projeto de doação a média foi de 2/mês10. Desde 1999, a Universidade Federal de Minas Gerais, possui o programa “Vida após a vida”, que visa à doação voluntária de corpos. Nestes 10 anos, 300 pessoas se inscreveram como doadoras e 30 cadáveres de doação voluntária já chegaram ao laboratório e são utilizados para fins de ensino e pesquisa 11.

As doações voluntárias de corpo para estudo tem sido a solução para a escassez de material biológico para estudo em anatomia. Desde 1968 todos os estados norte-americanos criaram o direito do cidadão de doar o seu próprio corpo para a educação

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em ciência médica. A Lei norte-americana prevê que qualquer pessoa em idade legal e livre de doenças mentais pode disponibilizar seu corpo ou qualquer órgão ou parte dele para ser usado com o propósito da ciência médica ou para a reabilitação de doentes ou pessoas que estejam com seus órgãos fatigados. De 1969 a 1973 chegaram 129 corpos por doação no estado de Virgínia12. Em 2007 a Universidade de Massachussets tinha uma lista de 4.500 pessoas dispostas a doarem seus corpos13.

Em 2004, foi criada uma “Associação para a doação de corpo para técnicas morfológicas” no departamento de Anatomia Humana e Fisiologia da Universidade de Padova, e em poucos anos conseguiram desenvolver a dissecção nos cursos com seus alunos14.

No Brasil o tema ainda é novo, pouco divulgado e caminha a passos lentos. São necessários mais programas de doação, instituídos principalmente pelas Universidades que tanto necessitam deste rico recurso educacional. É imprescindível que estas se unifiquem em campanhas de divulgação, conscientização e informação em nível nacional.

Além disso, para que o indivíduo tome a iniciativa de doar o próprio corpo, é necessário pensar no assunto ainda em vida. São nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental15. Pensar na morte pode nos ajudar a aceitá-la e a perceber que ela é uma experiência tão importante e valiosa quanto qualquer outra16.

CONCLUSÕES

A doação voluntária de corpo para estudo, escorada pelo

Código Civil Brasileiro é uma alternativa para a captação de cadáveres, os quais são fundamentais para o ensino e pesquisa. As universidades que necessitam desse material devem instituir um programa de doação e divulgá-lo, pois a espera por cadáveres não reclamados pode ser demorada e com isso comprometer a qualidade do ensino e dos futuros profissionais.

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Av: Professor Lineu Prestes, 2415, 05508-900, São Paulo, Brazil. E-mail: [email protected]

Sócia da Sociedade Brasileira de Anatomia

Como eu faço

USO DE PEÇAS CADAVÉRICAS GLICERINADAS PARA O ENSINO DE NEUROANATOMIA PARA ESTUDANTES

DE MEDICINA

Valéria Paula Sassoli Fazan

Departamento de Cirurgia e Anatomia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Universidade de São Paulo

O curso prático de neuroanatomia para estudantes de medicina era ensinado em nossa instituição através da utilização de encéfalos e medulas espinais fixados em formol, seccionados ou não, com ou sem dissecações especiais. Entretanto, para assegurar que os alunos tivessem acesso a espécimes de qualidade em número suficiente, um tempo considerável tem sido necessário para coletar os encéfalos e prepará-los apropriadamente, incluindo a fixação. No material que apresentamos no presente estudo, inicialmente realizamos a fixação através da injeção arterial de formol a 10%, mantendo os cadáveres imersos nessa mesma solução por pelo menos 3 meses antes da remoção dos encéfalos. Após a remoção dos encéfalos e/ou das medulas espinais, esse material foi mantido imerso em formol 10%. Peças cadavéricas adicionais foram obtidas através de autópsias, e foram fixadas por imersão. Após quatro a oito semanas no fixador, os tecidos fixados por imersão ou aqueles retirados dos cadáveres foram imersos em solução de formol e glicerina, na proporção de 1:1, para iniciar o procedimento de “inclusão”. Três dias após, os espécimes foram imersos em glicerina pura, por tempo indeterminado, até que se encontrassem no fundo do recipiente. Então, o material foi retirado da glicerina e deixado escorrer e secar, em temperatura ambiente.

As peças fixadas em formol são úmidas e escorregam das mãos com facilidade, dificultando o manuseio. Além disso, luvas

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devem ser utilizadas como proteção contra o formol. Outra característica é que a diferenciação entre as substâncias branca e cinzenta é mais difícil de ser apreciada nas secções não coradas. Os espécimes “incluídos” em glicerina (glicerinados) são manuseados mais facilmente, não molham os livros texto, atlas ou anotações dos alunos no laboratório, e não causam lacrimejamento, irritação respiratória ou alergia tópica, que tem sido problema nos laboratórios de anatomia no passado.

Nós observamos que os estudantes utilizam as peças glicerinadas mais prontamente que aquelas somente fixadas em formol. Um outro ponto importante a ser levado em consideração é que, em decorrência de escassez cada vez mais evidente de cadáveres, as peças glicerinadas parecem ser mais duráveis, reduzindo a necessidade de uma reposição tão freqüente.

Figura 1: Secções coronais do encéfalo, para identificação dos núcleos da

base. Notar o contraste entre substância branca e cinzenta do córtex, bem como a coloração adequada para identificação das estruturas do neo-estriado.

Figura 2: Tronco encefálico e parte do diencéfalo, visão posterior. Notar a boa preservação da morfologia dos colículos no mesencéfalo, bem como dos corpos

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geniculados no metatálamo e da glândula pineal no epitálamo.

Figura 3: Dissecação especial para visualização das estruturas supracalosas.

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VALÉRIA PAULA SASSOLI FAZAN Professora Associada da Divisão de Anatomia do

Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRPUSP).

Sócia da Sociedade Brasileira de Anatomia

Nossos Mestres

IL SIGNORE ALFONSO BOVERO: UM ANATOMISTA ILUSTRE NA TERRA DOS BANDEIRANTES, SÃO

PAULO 1914-1937

André Mota Introdução Acompanhamos aqui a presença do médico e anatomista italiano Alfonso Bovero (1871-1937), a partir de sua chegada a São Paulo, em 1914, e sua trajetória médica e intelectual na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Igualmente, buscamos indícios que recomponham sua partida de volta a Turim em 1937, quando veio a falecer, e a forma pela qual sua memória foi sendo erguida nas décadas seguintes, sobretudo pela elite médica formada na Faculdade de Medicina. Em suma, pretende-se seguir um determinado homem no tempo e, mesmo que a intenção não seja a de apenas construir sua “história de vida”, a pesquisa passará necessariamente por sua biografia. O recurso à observação do campo biográfico pretende capturar como certos mitos de origem passam a ser “criados” e introduzidos na memória de um biografado. Para isso:

(...) o significado de uma vida nunca é unívoco, só pode declinar-se no plural, não apenas pelo fato das mudanças que a atravessia do tempo implica, mas também pela importância a conceder à recepção do biografado e de sua obra é correlativa do momento considerado e do meio que deles se apropria.

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Nesse sentido, o tratamento metodológico da documentação pesquisada deve, por um lado, levantar, ordenar e interpretar suas informações, dando ao objeto histórico um direcionamento lógico, e, por outro, atentar ao risco de se produzir uma narrativa histórica «fundante, atemporal e totalizante». Para isso, a história deve ser pensada como um agrupamento lógico de indícios, de sinais advindos de uma realidade opaca, mas com zonas privilegiadas que permitem decifrá-la. Como um vaso quebrado que nunca mais voltará a sua forma original, o fazer histórico é capaz de reagrupar as partes a partir de uma lógica histórica.

Primeiros indícios: a formação médica de Alfonso Bovero na Itália do século XIX

O século XIX marcaria o espaço italiano pela constituição de um Estado-nação que buscava ser estabelecido, a partir de sua unificação. Das movimentações de grupos diversos, dentro e fora do país, como a ação de um governo central que buscava abarcar as regiões consideradas atrasadas economicamente, introduzindo elementos de coesão, como a educação, a língua nacional e uma legislação que abrangesse todo o “território nacional”, o certo é que foram esforços tênues, apontando para uma Itália diversa e um espaço cindido, entre norte e sul, o mundo urbano e rural. Foi nesse contexto que Alfonso Bovero nasceu em 26 de novembro de 1871, na piemontesa de Pezzeto Torinese, tendo seu pai sido um médico condotto:

(...) médico viajante a que o Estado paga uma quantia mínima para que se encarregue da saúde de milhares de operários campestres, numa determinada zona do interior do país. Naquela região, que Bovero chamaria depois de natio borgo selvaggio, passando a vida, a viajar dum canto para outro, no recesso das matas, na profilaxia de campanha e no tratamento sem recursos dos humildes quase abandonados.

Escolhendo a mesma profissão que o pai, formou-se em medicina e cirurgia pela Universidade de Turim em 1895. Durante o período de formação, logo se afeiçoou à anatomia. Nesse momento,

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em Turim, regia a cátedra de anatomia Carlo Giacomini, de quem Bovero se aproximou e com quem, acabou desenvolvendo seus primeiros estudos morfológicos. Segundo consta, muitas foram suas contribuições na área morfológica humana e comparada, especialmente no campo da neurologia e na técnica anatômica. As aulas do Prof. Giacomini eram eventos educacionais, científicos e também sociais, uma vez que atraíam a elite da aristocracia turinesa e eram sempre lotadas, com estudantes sentados nos degraus da escada, o que obrigava o professor a levar uma banqueta do laboratório para se sentar na primeira fila . Em 1895, pela qualidade de seus trabalhos científicos, obteve o prêmio Reviglio, da Real Academia de Medicina de Turim. Em 1897, fez curso de histologia e embriologia, com Hertwig, e de anatomia, com Waldeyer, em Berlim. Chegou à cátedra de anatomia e fisiologia no Instituto Superior de Magistério para Educação Física e, em 1902, por concurso de títulos, tornou-se livre-docente em anatomia normal, descritiva e topográfica na Universidade de Turim. Entre 1909 e 1910, regeu a cátedra de anatomia da Universidade de Cagliari. Em sua relevante produção, alguns trabalhos indicam como se deveria conceber a chamada anatomia racial:

(...) a primeira publicação é relativa a um caso, então único na literatura, de Persistenza della vescicola ombelicale e della circolazione onfalo-mesenterica nel feto uma a termine [1895], observado e estudado com injeção das artérias umbilicais, seguindo-se logo depois uma nota sobre anomalias musculares também raras. O seu trabalho Intorno ai muscoli digastrici dell’osso joide [1895] representa sua tese de doutoramento. Em rico material humano e de outros mamíferos, estuda os dois ventres do músculo, seu tendão intermediário nas suas relações com a glândula submaxilar e com o m. estylohyoideu, com o osso hyoide e aponevrose suprahyoidea. Esse trabalho, elaborado quando ainda estudante, valeu-lhe o prêmio de 1895

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da Real Academia de Medicina de Turim. Não menos minucioso é o outro trabalho seu campo da Myologia, Sui muscoli Tibialis anterior ed Extensor hallucis longus [1897]. Nas suas Ricerche morfologiche sul Musculus cutâneo-mucosus labii [1899], expõe os resultados de uma copiosa série de pesquisas sobre o sistema de fibras musculares que no lábio unem a cute à mucosa, propondo a denominação supra, aceita pelos Tratadistas. Formam uma verdadeira série os seus trabalhos sobre craneologia e craneogênese, envolvendo sempre, como era sua predileção particular, a anatomia comparativa e étnica.

Médicos italianos e a criação da Faculdade de Medicina e

Cirurgia de São Paulo Segundo Salles, há que fazer uma distinção importante para compreender a chegada dos médicos italianos a São Paulo no período tratado aqui. Ainda na década de 1880, a introdução de uma séria de mudanças no campo da saúde pública determinou a vinda dos primeiros profissionais, aliada, naturalmente, ao processo imigratório italiano. Desse grupo, podemos citar médicos como Gofredo Pignatari, Carlo Comenale, Gaetano Comenale, Felice Buscaglia, Francisco Pignatari e Jeronymo De Cunto, entre outros. Essa época estava marcada por constantes surtos epidêmicos, no interior e na capital paulista, aliados à necessidade de cuidados médicos aos imigrantes, que muitas vezes sucumbiam antes mesmo de chegar às novas terras. Nesse sentido, a primeira leva de médicos italianos preocupou-se com essa questão, criando casas de saúde, clínicas e hospitais e se integrando à Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, que cumpria um relevante papel no atendimento a doentes pobres, com a fundação da Policlínica, na capital, que, além disso, distribuía remédios gratuitamente. Nesse contexto, foi fundada, em 20 de janeiro de 1878, a Sociedade Italiana de Beneficência e do Hospital Umberto I, cujo estatuto instituía formas de contribuição dos sócios fundadores, perpétuos e contribuintes, bem como a busca de recursos para a construção de um hospital. Em 1901, com o estabelecimento do

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Fundo de Emigração pelo governo italiano, uma ajuda financeira de 350 contos de réis, acrescida de uma subvenção a ser obtida do governo brasileiro em função de um acordo entre os dois países, assinado em 19 de novembro de 1896 e que previa ajuda a empreendimentos que visassem melhorar a assistência ao imigrante. Assim, a Sociedade Italiana de Beneficência em São Paulo inaugurou seu hospital em 1905. Nesses termos, a Fundação Umberto I em São Paulo significou, de um lado, a possibilidade do agrupamento de diversos médicos italianos e o desenvolvimento da imigração médica e, de outro, a alavanca para seu desenvolvimento posterior como grupo e a base de sua viabilização. Mas, se essa primeira leva de médicos podia ser identificada num certo plano imigratório italiano e brasileiro, nas décadas seguintes (1910-1920), chegava outro grupo de médicos italianos, que:

(...) [por] fatores nascidos de intervenções como a dinâmica do fluxo imigratório geral, as crises de superprodução, a queda dos preços internacionais de café, ou mesmo a política imigratória do governo italiano, tendo impacto diferente sobre a imigração médica subsequente.

Talvez possamos acrescentar a necessidade de se constituir uma escola médica em solo paulista também a partir da experiência de outros países. Bovero veio a convite do médico paulista Arnaldo Vieira de Carvalho, que, por seu lastro médico-acadêmico e pelos conhecimentos a serem implementados no campo da anatomia e depois da histologia, via nele um importante pilar da instituição. Desde 1891, a legislação do Estado de São Paulo aprovara a formação de uma faculdade oficial de medicina. A Lei Estadual no 19, sancionada pelo doutor Américo Brasiliense de Almeida Mello, determinou a criação de uma escola médica em São Paulo chamada Academia de Medicina e Farmácia. Finalmente, em 19 de dezembro de 1912, criava-se a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.

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Quanto à rápida aprovação e fundação da faculdade oficial em 1912, devemos nos remeter à política estadual – aos desacordos surgidos desde o governo de Américo Brasiliense, a seu apoio a Deodoro da Fonseca, à conciliação em torno do então presidente do Estado, Rodrigues Alves, que procurou aglutinar as correntes divergentes do PRP a fim de garantir, entre outros pontos, saldo positivo para as eleições de 1913. Nesse contexto, a escola médica estatal teria sido fruto de barganha sua, «visando promover a pacificação interna da classe dominante, buscar apoio da classe média e neutralizar simultaneamente o movimento das classes populares; a harmonia deveria ser ostentada». Com essas determinações, os médicos que apoiavam, ou passaram a apoiar a faculdade estatal diziam ter todos os recursos humanos necessários, que viriam da Santa Casa de Misericórdia ou da Sociedade de Medicina e Cirurgia, lugares que reuniam os grandes nomes da medicina paulista e brasileira. Se outros nomes houvesse, seriam do exterior – não de outras faculdades e, principalmente, não da de Farmácia. Assim, o primeiro regulamento foi redigido em 7 de janeiro de 1913, e o zás-trás da implantação de medidas criadas em 1891 mereceu inúmeros apontamentos em estudos historiográficos. A escola médica estatal organizaria seus cursos e indicaria professores dentro de uma proposta de modernização, voltada à pesquisa laboratorial, havendo um curso preliminar de um ano e mais outro geral de cinco anos, com um total de 28 cadeiras, estando todos de acordo com as normas legais, oferecendo, em suas divisões, duas cadeiras que não existiam nas cláusulas federais: as clínicas oftalmológica e otorrinolaringológica. As aulas começariam em 15 de março e se encerrariam em 10 de novembro de cada ano, sendo permitida a entrada de ambos os sexos, com a exigência de diploma conferido pelos ginásios oficiais do Estado ou de aprovação em exame de admissão . O diligente diretor da nova instituição, o médico Arnaldo Vieira de Carvalho, protagonizaria a instauração e o aperfeiçoamento do

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ensino médico paulista e teria relevância singular nos encaminhamentos cotidianos da Faculdade. Segundo sua orientação, o ensino deveria ter base científica e experimental, com destaque para a pesquisa e os estudos laboratoriais, em contraposição ao modelo que predominava nas outras faculdades de medicina do país, com aulas teóricas e ênfase na clínica. Para a consecução desse projeto, São Paulo deveria dispor de um aparato físico e intelectual correspondente a essas exigências, com prédios e laboratórios, alunos com preparo escolar à altura dos exames aplicados e corpo docente organizado para o ensino de suas cadeiras, além da luta, em âmbito federal, pelo reconhecimento dos diplomas. Posta a derrocada da faculdade privada de medicina, era preciso colocar na pauta todo o arsenal necessário para não macular a faculdade estatal nascente, e a elite médica paulista alegava ter todos os predicados para o intento, como atestavam a organização sanitária do Estado e o staff de profissionais aglutinados na capital e preparados para cunhar mais esse símbolo: uma formação médica dita originariamente paulista. Diante dessas exigências estruturais, formalizadas para garantir que os cursos fossem ministrados dentro das linhas mestras propostas por cada lente, a direção da Faculdade tinha a preocupação de procurar docentes competentes para estabelecer e viabilizar as propostas de seus programas. No momento da formação dessa escola, os professores escolhidos representavam um dos grandes obstáculos a transpor, não só pelas dificuldades de sua formação, mas também pelas pressões políticas que sobreviriam em consequência de sua indicação. A forma da escolha refletia bem as condições em que o dr. Arnaldo assumia a direção da Faculdade – as nomeações eram de sua responsabilidade direta. Assim, o poder de sua caneta era criticado pela falta de concursos, que fazia com que os docentes designados permanecessem sob seu controle. Essa tarefa era para um nome indiscutível não só na esfera médica e científica, como na ordem administrativa e política do Estado. Nenhum outro seria tão

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modelar – suas incursões para imprimir constância e consistência ao curso apoiavam-se em sua biografia e em sua trajetória profissional. O corpo docente compunha-se principalmente de nomes da Santa Casa de Misericórdia, da Sociedade de Medicina e Cirurgia e de universidades estrangeiras. Procuravam-se médicos e cientistas de produção reconhecida, capazes de ampliar todas as aptidões da primeira elite médica de Piratininga, mesmo que nem todos os escolhidos e nomeados pudessem assumir imediatamente a cadeira. Os dois primeiros nomes vindos do exterior, os doutores Alfonso Bovero e Lambert Mayer, tiveram problemas ao chegar da Europa, devido à I Guerra Mundial, e só assumiriam seus cursos em meados de abril. Em 5 de agosto, também em virtude da Guerra, os professores Emílio Brumpt e Lambert Mayer voltaram para seu país:

(...) com a criação da Faculdade e a vinda de Alfonso Bovero para montar a cadeira de anatomia, de Alessandro Donati para organizar a de Patologia Geral e com Antonio Carini assumindo a cadeira de Microbiologia e Imunologia, constituiu-se um núcleo de professores que, aliados em pouco tempo aos pesquisadores e aos médicos do Umberto I, criam a mais importante associação médica de caráter étnico. Essa associação desenvolve a medicina em São Paulo, cria a revista Ars Medica, o maior veículo de divulgação médica, e organiza cursos e conferências internacionais dos mais significativos.

Dentre os prestigiados professores estrangeiros que chegavam, inclusive italianos, não havia dúvidas de que Alfonso Bovero, na condição de professor mais proeminente do grupo, deveria representar a mais alta expressão da credibilidade a ser dada ao curso. Em seu contrato de trabalho, assinado em 8 de maio de 1914, havia disposições claras quanto a sua estada em São Paulo e às condições da execução das seguintes atividades:

I- o contracto vigorará por dois (2) anos, a começar de 1º de março.

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II- o Governo pagará de honorários anuais, no Tesouro do Estado trinta mil (30.000) francos ouro em mensalidade de dois mil e quinhentos francos (frcs. 2.500,00). III- O Governo indenizará o professor por despesas de vinda e volta duas (2) passagens de 1ª Classe, de Torino a São Paulo e vice-versa. IV- O professor se obriga a observar o Regulamento e o Regimento interno da Faculdade bem como o horário de suas preleções. V- As condições do presente contracto referem-se aos encargos habituais de professor catedrático, isto é, as aulas propriamente ditas, cujo número será regulado de acordo com as necessidades da Faculdade, sem exceder ao total anual de oitenta (80) lições de uma hora cada uma. Todo o serviço suplementar que for exigido pela Faculdade será objeto de convenções novas. VI- Qualquer questão a que der lugar a interpretação deste contracto será decidida nos Tribunais brasileiros. Aceitas como o foram pelo Sr. Secretário estas declarações do Sr. Dr. Alfonso Bovero, lavrou-se o presente contracto, que vai assinado pelas partes e testemunhas depois de lido e achado conforme .

Mas é importante registrar que Bovero não viria sozinho ao Brasil. Segundo estudo de Mott et al. sobre o registro de médicos e médicas nas primeiras décadas do século XX , dentre os 301 estrangeiros que pediram reconhecimento de seu diploma, 197 eram italianos, dos quais 65% provinham de cidades do sul da Itália e eram formados pela Universidade de Nápoles. E uma única médica vinha da Itália, diplomada pela Universidade de Turim. As duas primeiras médicas que conseguiram romper as barreiras de acesso ao masculino e prestigiado campo da medicina em São Paulo eram estrangeiras e formadas no exterior: a belga Maria Rennotte e a italiana Olga Caporali. Maria [Mariam] Rennotte formou-se pelo Woman’s Medical College of Pennsylvania em 1892, fez viagens de estudos pela Europa. De volta ao Brasil, começou a clinicar, revalidou o diploma na Faculdade de Medicina do Rio de

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Janeiro, registrando-se em 1895. Somente vinte anos depois, em 1915, Olga Caporali, italiana, formada em 1911 pela Universidade de Turim, requereu autorização para o exercício profissional. O governo do estado de São Paulo atribuiu à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (FMCSP) o exame de diplomas e trabalhos de médicos estrangeiros no sentido de permitir que esses médicos pudessem clinicar. Segundo consta em Ata de Congregação da Faculdade, três médicos vindos da Itália se inscreveram para o exame: Mario Gatti, formado pela Real Universidade de Nápoles, Giovanni Bellotti, pela Real Universidade de Sienna, e uma médica, que assinava um sobrenome a mais que no Registro do Governo do Estado – Olga Caporali Bovero –, formada pela Escola Médica de Turim e que, pela data da diplomação, 1911, teria sido então aluna de Alfonso Bovero. Segundo a comissão nomeada, Olga Caporali Bovero, apresentou a seguinte documentação: certidão de nascimento, original e tradução; diploma de láurea, original; certidão de láurea, original; nomeação para “assistente voluntária” no Laboratório de Psicologia Experimental de Bologna, original e tradução; certidão do prof. Sante de Santis, diretor do Laboratório de Psicologia Experimental de Roma, original e tradução. Além disso, ela apresentou uma série de trabalhos científicos escritos, concluindo a mesma comissão que, «depois do estudo dos documentos e trabalhos científicos apresentados, somos de parecer que constituem eles provas bastantes de habilitação da sra. Olga Caporali Bovero. As narrativas estudantis “ítalo-belenzínicas” do prof. Alfonso Bovero:

(...) quando o simpático e delicado porteiro português exerce a sua solene função, a turma, como uma horda de búfalos, investe pela Faculdade adentro. Cada qual quer ser o primeiro a ser visto pelo velho lente, que, como é público e notório, costuma pernoitar no Laboratório de Anatomia...

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Aos poucos, aumenta o número de vítimas e, às sete e meia, o anfiteatro já oferece um belíssimo aspecto, ocupado que está por tantos vultos de avental branco, todos prontos a dar a primeira badalada. Na lista do Drumond, faltam apenas quatro incorrigíveis retardatários, o Garcia, o Pimenta, o Borborema e o Machado. O silêncio é sepulcral, pois que Morfeu ainda não recolheu de todo as suas asas de sobre aquele vasto grupo de esforçados. Dez minutos para as oito. Depois das clássicas batidinhas na porta, entra pelo recinto o velho mestre, com passo forte e elástico. Seguem-no os seus sequases. Começa a aula. “– Mios pintigno! Nóis vámu vê oggi aa gostituiçó daa péle...” E nesse teor prossegue o dileto filho da península itálica, no seu interessante linguajar ítalo-belenzínico. O aspecto do auditório é edificante. Na primeira fila, a orquestra “Anis e seus rapazes”, não perde nenhuma vírgula. De lápis em punho, anotam eles tudo o que o lente diz e até o que ele não diz, mas pensa. O técnico, na ponta da fila, esforça-se bastante para parecer que presta atenção. Na segunda fila, reina o mesmo entusiasmo moço e badálico. Distinguimos lá o formoso Oriente (como sempre, bem penteado), o esguio e esbelto Pimentel, o híper-esforçado piracicabano Milton e o romântico Tarcizo, cujos cognomes não podem ser publicados num jornal familiar como este. Na terceira fila, já não se nota o mesmo. Lá têm assento os que não lograram erguer-se do leito antes das cinco da manhã. Alguns deles ainda prestam relativa atenção. Outros, cujos nomes não quero declinar para evitar futuros dissabores, devaneiam, reproduzem em caricaturas a figura altamente fotogênica do mestre, ou leem romances. No centro, junto à lanterna de projeção, Odorico, o jovem, segue com olhar ansioso o lente, a fim de, quando este der uma leve pancadinha com o seu tradicional bambu, projetar imediatamente as mais escabrosas e inconvenientes gravuras

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que encontrou no Testut ou no Chiaruggi. Nas filas superiores, o quadro é desolador. A totalidade dos alunos, mergulhada em profundíssimo sono letárgico, está completamente alheia ao que se passa. Sonham com o bilhar, com o pingue-pongue, com o xadrez, com tudo, menos com a aula de anatomia. Um leve sorriso aflora inconscientemente em seus lábios entreabertos, como indício de mais intensa felicidade. Subitamente, oh cruel despertar! Retine a campanhia com todo o vigor que lhe imprime a mágica chavinha do Drumond. São nove horas. E o professor Bovero, maldoso e calmo: – «Us Signori mi dó maise cinque minutti che io término...» A aula se prolonga... A nossa única representante do sexo fraco fita com desespero o esqueleto de sua congênere Maria Rosa, que balança incessantemente, impelido pelas suaves pancadas e pauladas que o velho mestre não se cansa de lhe administrar. Lá fora, ouve-se o tropel de mortais mais felizes do que nós, que passam gargalhando e cantando: – «Riiide, palhaço! Passa “Untissal” no braço! E nós cá dentro, suando ansiosos, estamos presos às tétricas cadeiras do Anfiteatro... Finalmente, um suspiro de alívio escapa de todos os corações amargurados. O respeitável lente, depois de apagar cuidadosamente todos os seus desenhos da pedra com uma toalha que originariamente deveria servir para enxugar as mãos, resolve-se a terminar de fato: – «Bé, cómo acabó aa matéria de oggi, nóis parámo aqui. Ma amagná té maise!». E sai da sala. E os que não estão grudados às suas cadeiras, pela ação do tempo ou por fenômenos mecânicos-fisiológicos, saem cambaleando pelo corredor a fora, contentes, apesar da última ameaça do mestre, pois têm agora um ou dois minutos de descanso antes de irem para o trágico complemento matutino, que é a aula prática .

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Alfonso Bovero foi um dos lentes marcantes nas páginas do jornal estudantil O bisturi, criado em 1930. Foram alvo de anedotas suas aulas e seus embates com o alunado, retendo-se essencialmente uma criação transitória de sua imagem, traduzida pela rapidez das observações, mas reveladora, num plano mais amplo da linguagem ítalo-paulista, em que o provincianismo local, a imigração e o cosmopolitismo agressivo que davam conotações próprias a esse personagem. Conhecido por sua severidade e pela relação paternal com o alunado, o certo é que sua figura divertia alunos e professores que tinham acesso às narrativas de seu cotidiano na Faculdade. A julgar por essas narrativas, a presença do professor Bovero na vida estudantil foi marcante; elas dão conta de um professor imerso na vida institucional e de tal forma aferrado à Faculdade, que sua figura poderia ser considerada, depois de Arnaldo Vieira de Carvalho, a mais representativa e singular:

(...) mau grado o ar autoritário, o aspecto quase rebarbativo de que se reveste, não consegue ele ocultar a imensa bondade, a grande admiração pela mocidade barulhenta, que diariamente acorre a suas aulas e laboratórios. As preleções teóricas são longas, a permanência obrigatória, junto aos cadáveres, fastidiosa. Embora, tudo é compensado nos exames, quer nos escritos, pela escolha dos pontos ao alcance de toda a turma, quer nos orais, pelo interrogatório claro, conciso, encorajador.

Certa ocasião, o professor Bovero perguntou a um aluno, em seu famoso «exame oral»:

– «Quais as relações da face anterior do fígado?» O aluno, desconhecendo-as, mal balbuciava timidamente algumas palavras: – «Pele, tela subcutânea, peritônio...» Ao que o mestre redarguiu, com seu sotaque: – «Tcherola, calça, cinta...» .

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Noutra prova oral, um aluno não sabia responder a primeira pergunta, mas sabia dissertar muito sobre a segunda, o que fez sem parar de falar. Nesse ponto, o professor Bovero setenciou:

«– O senhor é como cego, um tostão para cantar e duzentos réis para calar a boca...».

Em outra situação, ao sortear o ponto de exame de uma aluna, que apresentava seios exuberantes e como o ponto sorteado fosse «mamas», o professor lhe atalhou:

– «Moça, é melhor esconder a cola...» . A outra aluna, ele perguntou: – «Qual o órgão que, em condições fisiológicas, aumenta quarenta vezes?» Ela corou, hesitou e disse «o pênis». E ele sentenciou: – «Perca as esperanças!» . Finalmente, diante da aridez dos ensinos de anatomia, após um interrogatório prolongado, que demonstrou desconhecimento profundo do aluno, Bovero lhe perguntou: – «O senhor me jura que, depois de formado, não se fará cirurgião?». Pasmado o rapaz, atalhou Bovero: – «Bem, se me jura, eu lhe aprovo!».

Essa linguagem muito específica que permeava o cotidiano de São Paulo nas primeiras décadas do século XX, uma estética de transição envolvendo a chegada dos imigrantes italianos e sua imersão na cidade, ficou conhecida como “macarrônica”:

(...) o recurso ao humor verbal macarrônico difusamente espelhava a própria imagem errática, irregular e caótica da urbanização paulista na década inicial do século, e os procedimentos desse humor nunca chegaram a existir como um cânone ou um conjunto mais definido. Mas inúmeros exemplos das fontes nos mostram que o macarronismo cômico ocorria nos três planos da criação humorística: linguístico, estético e temático (...) [essa linguagem que] reproduz tanto as palavras italianas de uso mais frequente como as da língua portuguesa: “italianiza” não apenas as gírias mas também as construções.

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Há ainda um dado importante para a compreensão dessa linguagem tão peculiar. Nesses registros jornalísticos, ela se dava a partir de uma autoria de textos atribuída a personagens de origem não nacional, que simbolizavam os grupos e nacionalidades a que pertenciam e que conviviam no país em que por circunstâncias distintas haviam se instalado. Nessa perspectiva, é interessante notar que a Faculdade de Medicina, lugar da produção da ciência e dos laboratórios trazidos pela Rockefeller, ficou à margem da captura dessa linguagem, que, no entanto, estava vivamente representada no jornal estudantil em tela, mais precisamente na figura de Bovero, que merecia as atenções e anedotas do alunado. Se, em revistas e jornais, o símbolo do linguajar macarrônico era a figura de Juó Bananére, na Faculdade de Medicina ele foi substituído por Alfonso Bovero, conhecido por “o Urso Branco”, esse “expoente” do “ítalo-paulistano”, que nunca negou seu “desconhecimento” do português, principalmente quando um aluno ignorava a forma correta de uma palavra ou expressão: «Que o professor Bovero, que não conhece o português, diga tal cousa, vá! Mas o senhor, um brasileiro...» , dizia ele em suas provas orais. Sobre a linguagem macarrônica, cabe lembrar que, «para os italianos, a matriz sintática privilegiada é a da linguagem falada cotidiana». Exemplarmente, no artigo “Força de hábito”, há uma bem-humorada referência ao “ítalo-belenzínico” do professor Bovero, no episódio em que um aluno do 1º ano entrou apressadamente no anfiteatro:

o velho professor, ao ver aquele rosto de contumaz retardatário, não se conteve: «Má u sinhore pensa qui isto aqui é mercado de pexe, até na conferenza me entra atrasado. Ma basta de abuso, bagaio!». E la nave va... um professor que deixou saudades.

Dentre a documentação relativa aos derradeiros momentos de Bovero, há uma carta enviada a um amigo, datada de 17 de outubro

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de 1936, em que ele registra as suas últimas atividades na faculdade de Medicina e prevê sua volta no ano seguinte:

Meu caríssimo amigo Burzio. Terminei ontem o meu curso: ao menos, ontem fiz a minha última aula (140ª) desse ano e, com exceção de um par de manhãs para exames práticos, que assisto, e das 81 provas escritas, que devo absorver, diria que estou de férias! Irei, dia 27, ao Guarujá, e lá ficarei até 2 de Novembro, com a intenção declarada de corrigir as provas, mas efetivamente para romper o mau hábito das duas visitas diárias ao Laboratório. E, tanto no Laboratório, como na Faculdade, de forma geral, todos me querem muito mal: uma vez que o próprio Diretor, a quem tinha como mais do que frio, glacial, declarou-me que «não quer me ver mais», «que devo partir o quanto antes, etc. etc.». Assim, é bem possível que, ao invés de partir em 10 de Dezembro com o AUGUSTUS, eu parta em 20 de Novembro, com o “BIANCAMANO”, caso eu consiga concluir algumas pequenas tarefas estritamente pessoais, entre elas a retirada da parte que me cabe dos DOIS embalsamamentos, um dos quais (o ZERRENNER) feito em Maio último. O mais importante é que passarei o Natal com as minhas senhorinhas, em Turim, ou em Pecetto! É questão de chegar nos primeiros dias de Dezembro, ou na antevéspera de Natal! É possível que nos encontremos em viagem, e gostaria de saber a data de sua partida com a Família. Se salvo a pele do frio de Turim, estarei de volta no começo de Março! No horizonte se perfila desde já o trabalho de preparação para o Congresso Internacional de Zoologia de 1939, que acontecerá no Brasil (Rio e S. Paulo), de cujo comitê organizador faço parte; e para tal Congresso comecei desde já a «puxar os fios», entre eles também «fios itálicos»!

Logo em janeiro, Bovero escreve a seu mais dileto aluno, Renato Locchi, de Turim, em 12 de janeiro de 1937:

Caríssimo Amigo e Colega Locchi.

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Escrevo-lhe – rapidamente e mal – logo após ter-me levantado do leito: leito ao qual voltarei imediatamente em seguida e no qual me encontro (mal!) desde sexta-feira passada, devido a um ataque aborrecido de influenza; mesmo nesse instante, sei que estou com febre e sinto uma extrema fraqueza; eu já havia melhorado muito! Agora, ao contrário, reembarcarei dentro de três semanas, isto é, no dia 4 de fevereiro (...).

Em 9 de abril de 1937, morria Alfonso Bovero em Turim. Logo no dia seguinte, uma série de notas de pesar de instituições nacionais e internacionais chegou à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Entre elas, destacamos a do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa, enviada ao diretor da Faculdade de Medicina da USP:

Em nome da Sociedade Anatômica Luso-hispano-americana, da Sociedade Anatômica Portuguesa, as quais tenho a honra de presidir, do Instituo de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa, o qual dirijo, em meu próprio nome, venho apresentar à Faculdade da distinta direção de V. Exa. e a V. Exa. a expressão de profundo sentimento pelo falecimento do Professor Alfonso Bovero: infelizmente, a morte desse professor, anatômico eminente e meu bom amigo acaba de me ser confirmada, e por isso me apresso a cumprir o doloroso dever da presente carta .

Caminhos inversos, histórias entrelaçadas: médicos paulistas

em Turim, 1937 A necessidade de uma homenagem especial a Bovero foi ganhando corpo dentro da Faculdade de Medicina, que logo decidiu organizar uma caravana a Turim, formada por professores e alunos para homenagear o mestre. Em carta dirigida em 15 de maio ao professor E. Bertarelli, em Turim, pelo diretor da FMUSP, João Aguiar Pupo, consta o seguinte pedido:

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(...) aproveitando a situação especial do ilustre colega que tem se revelado um grande amigo desta Faculdade e do saudoso Prof. Bovero, tomo a liberdade de pedir a fineza de dois favores: 1º – providenciar com urgência para que uma fundição de Turim execute uma coroa de bronze com os seguintes dizeres: “A Alfonso Bovero, Mestre insigne e Amigo dileto, homenagem e gratidão dos Professores e Alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo”. (Esta coroa será depositada no túmulo do Prof. Bovero pela Delegação Médica da Universidade de São Paulo que segue em visita à Itália no próximo mês de junho, devendo estar em Turim em 8 de julho, mais ou menos). 2º – entender-se com o Reitor da Universidade de Turim, comunicando que a referida delegação leva uma mensagem da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo à Faculdade de Medicina da Universidade de Turim, testemunhando o grande pesar pelo falecimento do prof. Bovero, bem como o agradecimento à ciência italiana pela grande obra de ciência e formação intelectual da mocidade médica brasileira que adveio da vida científica do eminente professor no nosso país. Para as despesas de execução da coroa de bronze o prof. Benedicto Montenegro levará em mãos a quantia de 2.500 liras para imediato pagamento.

O jornal A Gazeta, através do aluno da Faculdade José Finocchiaro, narra a chegada da delegação da FMUSP à cidade de Pecetto Torinese, com o objetivo de prestar homenagem ao professor Bovero. Estavam presentes a senhora Olga Caporali Bovero, seu pai e suas filhas, o professor Sylvio Pivano, reitor da Universidade de Turim, os professores catedráticos de anatomia e fisiologia, autoridades locais e o Grupo Universitário Fascista. Descoberta a coroa de bronze, seu aluno e professor da Faculdade de Medicina Benedito Montenegro discursou aos presentes:

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Sua morte repercutiu em nosso meio como uma calamidade: não teremos mais o prazer de ouvir-lhe as sábias lições ou de sentir a atração de sua amizade, mas sua imagem perdurará no coração dos que o amavam e seu espírito rondará eternamente, no laboratório que ele construiu, como um nome tutelar guiando os que o sucederem nas árduas funções do Professor de Anatomia, sem que nunca possam substituir, porque ele é insubstituível, é daqueles que continuam a viver em espírito, mesmo depois de morto o corpo. Repousai, querido mestre, em paz com Deus, neste vosso «natio borgo selvagio», que tanto amastes!

Finalmente, o reitor da Universidade de Turim pronunciou algumas palavras e houve a saudação fascista, quando todos responderam «presente». Encerrando a cerimônia, os alunos entregaram pessoalmente à senhora Bovero uma placa em bronze do escultor Castiglione intitulada “Victória da Medicina”. Já em São Paulo, nesse mesmo ano, um grupo de ex-alunos:

(...) resolveu adquirir um retrato a óleo do pranteado professor, a fim de oferecê-lo à Faculdade, para ser colocado na galeria dos professores falecidos. O trabalho, cuja fotografia ilustra estas linhas, é de autoria do aluno do 4º ano médico, Alfredo Rocco, que foi aluno do Prof. Bovero.

Nos 25 anos de seu falecimento, realizou-se uma sessão em sua homenagem na Faculdade, mas foi no centenário de seu nascimento, em 1971, que essa instituição, a Sociedade Paulista de História da Medicina e o Departamento de Anatomia convidaram a comunidade acadêmica a participar das comemorações. Em seu discurso, o professor Alípio Correa Netto assim lembrou de uma série de médicos e professores formados por Bovero e que teriam levado à frente sua escola, que passaria a ser cognominada boveriana:

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Muitos de seus discípulos, educados em exigente disciplina ética e cultural, passaram a ocupar outros setores da Faculdade, para lá carreando a grandeza dos ensinamentos auridos, o rigor dos métodos de trabalho e a nobreza da ação incansável. Citemos o professor Benedito Montenegro, que passou para a Técnica Operatória e a Clínica Cirúrgica, onde honrou a sabedoria do mestre. Luciano Gualberto veio a ter a Clínica Urológica. Eles foram impregnando a nossa Faculdade com o método boveriano de fazer ciência. Ciência pura e do melhor quilate. À medida que sazonavam os frutos dessa seara de trabalho silencioso e extenuante, outros discípulos incumbiram-se de alargar os horizontes da escola em outras Faculdades. João Moreira da Rocha tornou-se Titular de Anatomia da Escola Paulista de Medicina. Max de Barros Erhart conquistou a Cátedra da Faculdade de Medicina Veterinária. Di Dio tornou-se mestre da mesma matéria da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte (...) quando a morte o arrebatou naquelas férias infaustas em 1937, já havia consolidado a sua imensa obra. Sem maiores esforços, substitui-o na Cátedra Renato Locchi. Seguiu-o Odorico Machado de Souza .

Nesse dia de homenagens da FMUSP, foi entregue aos presentes um trecho de discurso proferido por Alfonso Bovero quando foi homenageado pela Faculdade, em 1932:

(...) na minha mente , os meus livros, que são a minha única riqueza material, os meus alunos, os meus colaboradores imediatos, que considero como uma parte da minha família, se enquadram para mim, euforicamente, num oásis de paz fecunda, onde realmente gozo da vida, bendizendo-a como que numa prece. E quando me é dado ver transcritos em monografias, ou, mais ainda em tratados moderníssimos de qualquer nacionalidade, especialmente os resultados do árduo trabalho de alunos e assistentes meus, mais ainda que de trabalhos que levam meu nome só, então acho a vida realmente bela, sendo grande o prêmio às longas vigílias, à

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séria fadiga comum; e sinto também o orgulho de poder corresponder e fazer corresponder, ao menos em parte, a confiança que Governo, colegas e discípulos, a coletividade numa palavra, possam haver depositado em nós .

Bibliografia BERTONHA, João Fábio, Italianos, São Paulo, Contexto, 2008. BORGES, Vavy Pacheco,“O ‘eu’ e o ‘outro’ na relação biográfica: algumas reflexões”, in Márcia NAXARA – Izabel MARSON – Marion BREPOHL (orgs.), Figurações do outro na história, Uberlândia, Edufu, 2009, pp. 225-240. CAPELA, Carlos Eduardo S., Juó Bananére: irrisor, irrisório, São Paulo, Edusp/Nankin, 2009. DI DIO, Liberato J. A., “La scuola anatômica di Alfonso Bovero”, conferenza fatta al 38º Convegno Nazionale della Società Italiana di Anatomia, Roma, 1982, pp. 1-23. DOSSE, François, O desafio biográfico: escrever uma vida, trad. Gilson C.C. SOUZA, São Paulo, Edusp, 2009. FARINA, Duílio Crispin, “Arnaldo Vieira de Carvalho, a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz”, in Revista de Medicina, 1973, pp. 246-259. FARINA, Duílio Crispin, Memórias e tradições da Casa de Arnaldo: páginas esparsas de saudade e respeito, 1913-1948, pp. 289-479. FERREIRA-SANTOS, Ruy Escorel, Memórias: um cirurgião operando a própria vida, Ribeirão Preto, Funpec, 2002.

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(Este artigo foi publicado na Revista RiMe, n. 6, giugno 2011, pp.

ISSN 2035-794X)

ANDRÉ MOTA Coordenador do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo “Prof. Carlos da Silva Lacaz” e-mail: [email protected]

Página do Museu: http://www.fm.usp.br/museu/index.php