novas propostas para o licenciamento ambiental no brasil … · outorga do direito de uso dos...
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NOVAS PROPOSTAS PARA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO
BRASIL – TEXTO DE REFERÊNCIA PARA DISCUSSÃO.
I - CONTEXTO
Este trabalho tem por objetivo a elaboração de um texto que examine as
bases conceituais, metodológicas e operacionais do Licenciamento
Ambiental, no Brasil, especialmente o licenciamento das atividades
efetivas e potencialmente poluidoras a cargo dos Estados da Federação,
como ocorre na atualidade e que cobrem a imensa gama de
empreendimentos licenciados no País. É um texto básico a ser analisado,
criticado e revisado pelos órgãos e entidades que integram a ABEMA.
O estudo deverá enfatizar os principais óbices do Licenciamento no
âmbito dos Estados, as dificuldades conceituais, metodológicas e
operacionais que estão dificultando a utilização deste instrumento da
Politica Nacional de Meio Ambiente e seus reflexos para a proteção do
meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável dos Estados e do
Brasil.
Neste contexto, o trabalho propõe indicar os principais entraves
levantados pelos órgãos licenciadores, pelos usuários do SISNAMA e pela
sociedade civil que indicam a crescente falência do LA como mecanismo
de gestão ambiental direcionado à conservação do patrimônio natural e à
sustentabilidade das atividades produtivas, incluindo a inoperância dos
demais instrumentos de gestão, cuja inaplicação reforça as dificuldades
enfrentadas pelo licenciamento na atualidade.
A extensa e por vezes sobreposta legislação ambiental nos âmbitos
federal, estadual e de alguns municípios, a exigência de normas
ultrapassadas e imprecisas, a fragilidade institucional do SISNAMA e a
demanda crescente de regularização dos empreendimentos contribuem,
ao lado da discutível qualidade dos Estudos de Impacto Ambiental
apresentado por grande numero de empreendedores, para o colapso do
Sistema Nacional de Licenciamento, atualmente reconhecido por todos os
atores interessados.
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O rito aplicado ao Licenciamento Ambiental será examinado através dos
procedimentos usuais e de sua interface com a legislação correlata que
interfere nos seus procedimentos. Desta forma, além de identificar e
analisar, resumidamente, os dispositivos da Lei Federal 6.938/81 que
consubstanciam a exigência legal e configuram as metodologias aplicadas
ao Licenciamento serão citadas outras normas correlatas que interferem
na sua operacionalização.
Como se sabe, a exigibilidade do Licenciamento como um dos
instrumentos da Politica Nacional de Meio Ambiente se soma a outros
dispositivos legais que estabelecem exigências especificas de
regularização para determinados tipos de empreendimentos, como
Outorga do Direito de Uso dos Recursos Hídricos, incluindo a outorga de
lançamento que permanece indefinida, atualmente disciplinada pela Lei
Federal 9.433/97; a Lei Federal 9.605/98, tratando das penalidades
administrativas aplicáveis às infrações das normas ambientais e
criminalizando os danos ao meio ambiente; a Compensação
Ambiental prevista no SNUC, instituído pela Lei Federal 9.985/00; a
Autorização para Supressão de Vegetação, a constituição e demarcação da
Reserva Legal e a ocupação de Área de Preservação Permanente contidas
na Lei Federal 12.651/12, sucessora do Código Florestal de 1967.
Apresentam relação direta com o Licenciamento, ainda, a Lei Federal
11.428/06, que dispõe sobre a proteção da Mata Atlântica, criando
restrições locacionais para empreendimentos a serem instalados nesse
bioma e; mais recentemente, a Lei Federal 12.187/09, tratando da Politica
Nacional de Mudanças Climáticas e a Lei Federal 12.305/10, que trata da
Politica Nacional de Gestão de Resíduos, todas criando novas obrigações
que recaem sobre o Licenciamento.
O conjunto normativo acima mencionado demonstra, como é
sobejamente sabido pela ABEMA, que o Licenciamento estatuído pela Lei
6.938/81 teve o seu escopo enormemente ampliado em relação à
configuração original, pois o seu regramento está estabelecido em várias
outras normas de natureza infraconstitucional, como as que foram citadas
pela sua interferência direta no processo, assim como por um cipoal de
normas legais e infralegais, baseadas em Leis Estaduais, Decretos Federais
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e Estaduais, Resoluções do CONAMA e dos Conselhos Estaduais de Meio
Ambiente, além das diretrizes de uso do solo urbano, de competência dos
municípios e de normas municipais complementares nos municípios onde
a gestão ambiental está implantada.
Ora, é natural que num quadro de tamanha complexidade legislativa, com
um emaranhado de normas que se interconectam, que estabelece regras
e procedimentos distintos, tendo em vista que em vários Estados estão
também agrupadas em esferas separadas de decisão, que os instrumentos
da PNMA e o Licenciamento Ambiental, em particular, tenham uma
governança difícil de ser estabelecida com a eficácia, a eficiência e a
efetividade exigidas para o bom desempenho das políticas públicas.
Deve-se ressaltar, todavia, que na atualidade, depois de sucessivas
alterações da legislação na esfera federal, todos estes mecanismos legais
estão vinculados à decisão do MMA, isto é, estão sob a governança de um
único Ministério, diferentemente da década de 1980, quando surgiu, uma
vez que a gestão das águas era competência do Ministério das Minas e
Energia; Florestas e Unidades de Conservação do Ministério da
Agricultura. Agora, com toda a legislação inerente à gestão ambiental
plena enfeixada sob o comando político do Ministério de Meio Ambiente é
mais fácil promover a articulação desses instrumentos e realizar as
mudanças necessárias para aperfeiçoá-los.
Além destes dispositivos e da complexa teia de relações entre eles, há que
se examinar detidamente a Lei Complementar 140/11 do conhecimento
geral da ABEMA, recentemente estatuída e ainda não implantada, mas de
profunda importância para gestão ambiental sistêmica exigia pela
organização federativa do Estado brasileiro.
Mesmo que pontos importantes da Politica Nacional de Meio Ambiente
não tenham sido tratados ou tratados de forma insuficiente na Lei
Complementar sua aplicação é fundamental, razão pela qual urge discutir
a sua regulamentação para eliminar de uma vez por todas as zonas de
sombra em relação às competências dos entes federativos.
Além das interfaces do Licenciamento com as normas de outras politicas
públicas que interagem com a Politica Ambiental, concorre decisivamente
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para o elevado nível de desgaste deste instrumento a sua adoção isolada
dos demais instrumentos da PNMA. Na verdade, de todas as medidas
previstas na concepção e implementação da Politica Nacional de Meio
Ambiente, o Licenciamento é praticamente o único aplicado com
regularidade, ainda que de forma empírica, em muitos casos, o que
reforça a sua importância, mas, ao mesmo tempo, agrava a sua
debilidade.
Sem o apoio de importantes mecanismos como a Avaliação Ambiental
Estratégica, o Zoneamento Ambiental, o Monitoramento contínuo da
qualidade ambiental, os Planos Diretores de Bacias Hidrográficas e a
Avaliação Ambiental Integrada, para citar os mais relevantes, o
Licenciamento perde a sua finalidade como instrumento para aferir os
impactos, tornando-se cada vez mais, como se critica justificadamente,
uma prática cartorial, em prejuízo da proteção do meio ambiente.
Mais de 3 (três) décadas depois de sua aprovação, a PNMA não está sendo
aplicada na sua plenitude, o que leva a sociedade a identificar neste único
instrumento a essência da Politica Nacional, como se o Licenciamento
pudesse resumir todos os demais, sem o subsidio do Zoneamento, por
exemplo, como importante mecanismo para definir os parâmetros
locacionais e que vem sendo realizado sem a intensidade e a escala
exigidas para incluir a dimensão territorial na gestão ambiental de forma
adequada.
A mesma situação ocorre com a ausência da variável ambiental no
momento de definir os planos e programas de governo e, mais além, na
tomada de decisão sobre grandes projetos sem avaliação ambiental prévia
e consequente consulta à população, fazendo desaguar no Licenciamento
todas as expectativas sócio-ambientais provocadas pelos
empreendimentos, diante da abertura que a PNMA oferece, pela sua
transparência, ao debate público.
Estas considerações se fazem necessárias para explicitar a compreensão
de que existem questões de fundo a serem consideradas para o
aperfeiçoamento do Licenciamento, como a mais importante ferramenta
da PNMA, na medida em que os demais instrumentos tem papel
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subsidiário em relação a ela. É o LA que assegura e viabiliza
operacionalmente a avaliação dos impactos e que define, após consulta à
comunidade, as medidas mitigadoras e compensatórias necessárias para
eliminar, reduzir e atenuar os danos ambientais das atividades efetivas e
potencialmente poluidoras e degradadoras dos recursos naturais.
Daí a sua importância e a necessidade do seu continuo aprimoramento,
razão pela qual se torna fundamental identificar os óbices que o estão
estrangulando e reduzindo a sua eficácia como instrumento fundamental
para a proteção do meio ambiente e do patrimônio natural do País.
No âmbito da própria Politica Nacional do Meio Ambiente, traduzida pela
Lei Federal 6.938/81, uma conquista histórica da sociedade brasileira, há,
como já dito, instrumentos inaplicados ou aplicados de maneira
insuficiente, sobrecarregando o Licenciamento.
Também se deve considerar que a própria concepção da Lei, em 1981, foi
adotada num ambiente dominado pela cultura do comando e controle do
Estado, enfocando as consequências, sem dar a devida atenção às causas,
ou seja, sem criar mecanismos para alterar a realidade que dá origem aos
problemas.
Neste contexto, a revisão e o aperfeiçoamento do Licenciamento devem
ser a partida para uma reforma mais ampla da PNMA, visando adicionar,
além dos mecanismos de comando e controle, outras diretrizes com foco
na sustentabilidade, o que exigirá esforço de atualização da Lei 6.938/81 e
profundas mudanças nas politicas públicas setoriais, especialmente, na
politica macroeconômica definidora das politicas tributária, fiscal e
creditícia desenhadas nos anos 1970, que mesmo com alterações
posteriores, deixou de contemplar a dimensão ambiental como indutora
do desenvolvimento sustentável.
Vale dizer que a sustentabilidade como nova forma de pensar e promover
o desenvolvimento não está localizada exclusivamente nas fronteiras da
politica ambiental, reforçando a estratégia da transversalidade e dos
modelos matriciais de organização dos Estados e de formulação e
implementação das politicas publicas.
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Ou seja, a politica ambiental tem que dialogar com as demais politicas
setoriais e promover o engajamento do setor produtivo na sua execução,
superando definitivamente a falsa dicotomia que ainda permeia o debate
das questões ambientais centrado, em grande parte, nas práticas de
comando e controle, sem o foco na sustentabilidade.
Contudo, é o Licenciamento Ambiental, como um dos únicos instrumentos
universalizados da Politica Nacional do Meio Ambiente, que dá visibilidade
à gestão ambiental brasileira e mostra a “cara” do Poder Público no
tratamento do tema.
Por esta razão, não se deve retardar a adoção das medidas politicas,
institucionais, normativas e operacionais reclamadas para o seu
aperfeiçoamento. O descrédito do LA só interessa aos seguimentos
retrógrados do setor produtivo que, na verdade, desejam uma licença
para poluir e a setores da sociedade, que por razões ideológicas, se valem
do instrumento para fazer um debate politico que extrapola a sua
finalidade, uma vez que esta discussão, reconhecidamente pertinente,
deve ser feita na fase de concepção dos planos e programas
governamentais que decidem pela implantação dos projetos.
Como se sabe, o Licenciamento Ambiental surge, como instrumento
legalmente estatuído, pela Lei Federal 6.938/81, mas os procedimentos
que definiram a sua operacionalização foram introduzidos pelo Decreto
88.351/83, regulamentador da Lei, posteriormente revogado pelo Decreto
99.274/90. Todavia, manteve-se a concepção do Decreto original,
inclusive o modelo trifásico (LP + LI + LO), que ainda hoje oferece o
amparo legal à Resolução CONAMA 01/86 que continua, 27 anos depois,
como a principal base normativa do Licenciamento no País, com as
alterações introduzidas pela Resolução 237/97.
As sucessivas alterações da Lei 6.938/81 modificou substancialmente sua
redação original, sem alterar, contudo, o papel que ela atribui aos Estados
em relação ao Licenciamento. Com a criação do IBAMA, em 1989, a União
passou a desempenhar uma atuação mais proativa nessa área, assumindo
o controle dos empreendimentos e atividades tidas como de competência
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federal, o que a Lei de criação do Instituto denominou de impactos
nacional e regional.
A estruturação do Licenciamento, sua forma e procedimentos foram
estabelecidos pela Resolução CONAMA 01/86, com as alterações
introduzidas pela Resolução CONAMA 237/97, que balizam os
procedimentos de AIA, do EIA/RIMA e do respectivo processo de
Licenciamento, tal como vem sendo praticado na maioria dos Estados,
com o complemento de normas supletivas adotadas em Leis Estaduais ou
pelos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.
No decorrer dos anos, as regras emanadas do CONAMA foram perdendo
atualidade e estão sendo ultrapassadas por uma realidade nova, de
avanço cientifico e tecnológico, além de novas ferramentas de gestão que
estão a exigir normativas contemporâneas, para recuperar o
Licenciamento como um dos mais importantes instrumentos da gestão
ambiental brasileira e essencial para incluir a sustentabilidade como um
pilar fundamental do desenvolvimento nacional.
II – DESAFIOS E OPORTUNIDADES
A partir da análise contextual sucintamente realizada no item precedente,
torna-se necessário fazer uma espécie de inventário, com o apoio dos
órgãos e entidades que integram a ABEMA, dos principais gargalos e dos
óbices institucionais, normativos e operacionais que estão emperrando o
Licenciamento, notadamente no âmbito dos Estados. A seguir serão
listados aqueles que têm merecido maior atenção dos analistas e os que
mais preocupam os especialistas. Esta lista não visa exaurir todo o
conjunto de adversidades enfrentadas pelos Estados, em relação ao LA.
Aqui, cada órgão ou entidade da ABEMA pode acrescentar seus próprios
problemas e revisar os que estão sendo mencionados.
DESAFIO 01 - MOMENTO DA AIA: na imensa maioria dos casos, em toda a
fase de implantação de um empreendimento a variável ambiental só
aparece no balcão do licenciamento, levando para o órgão licenciador
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todas as expectativas socioambientais da comunidade com o projeto e,
consequentemente, os conflitos latentes que foram se acumulando nas
fases anteriores, desde usa concepção. Nos casos mais complexos o LA se
torna uma usina de crises.
PROPOSTA DE SOLUÇAO: estabelecer a exigibilidade de AAE dos
programas governamentais que se desdobram em projetos de grande
porte e grande impacto (energia, mineração, infraestrutura, etc.);
introduzir a AAI com foco na bacia hidrográfica onde os projetos
conjugados de um mesmo programa serão instalados, visando a avaliação
dos impactos sinérgicos e cumulativos; realizar a AIA no momento da
elaboração do projeto básico do empreendimento, quando se toma a
decisão de implantá-lo, com processo amplo de consulta pública. Tomada
a decisão de executar o projeto, aí sim, o Licenciamento vem a seguir para
cumprir o seu papel de identificar e mensurar os impactos, verificar se há
impactos ocultos e/ou subdimensionados, levando em conta, nesta fase, o
projeto executivo.
É com base nesses estudos que se deve definir com clareza as medidas
mitigadores e compensatórias, cujos custos deverão ser incluídos
obrigatoriamente como parte dos custos do empreendimento, superando
a fase atual em que as condicionantes impostas para assegurar o
cumprimento das medidas compensatórias e mitigadoras constituem
apêndice do projeto, não raro excluídos do orçamento do
empreendimento a ser executado.
DESAFIO 02 - FATOR LOCACIONAL: a ausência da dimensão territorial
representa uma das principais lacunas no processo de licenciamento, na
medida em que não leva em conta, na maioria das vezes, o espaço
geográfico no qual os projetos são implantados. Como a LP, em tese,
objetiva examinar a localização do empreendimento, sua concessão fica
prejudicada pela falta de informações geográficas, a não ser em casos em
que se conhecem as restrições locacionais predefinidas como áreas
protegidas, sítio arqueológico, paleontológico, espeleológico, APP, RL, etc.
Como se adota um modelo de licenciamento por fonte, o modelo atual
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falha em não dispor de mecanismos para avaliar os impactos cumulativos
e sinérgicos, sem os quais os danos ambientais distribuídos no território
não são suficientemente examinados.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: institucionalizar a variável locacional como um
dos parâmetros utilizados para classificar os empreendimentos. Isto é,
além do porte e do potencial poluidor, incluir a localização, compondo
uma equação com 3 (três) variáveis, fazendo com que a classificação
aumente na proporção em que aumenta a vulnerabilidade ecológica do
território.
Esta iniciativa implica em investir em sistemas de informações geográficas,
geotecnologias e tecnologia da informação. Estabelecer como referencia
espacial para os estudos de natureza locacional a bacia hidrográfica como
já previsto na Lei Nacional das Águas (9.433/97). Aqui também deve
entrar a AAI, para medir os impactos que se acumulam num determinado
espaço e que não são alcançados no licenciamento tradicional por fonte.
DESAFIO 03 – SUBJETIVIDADE E IMPRECISÃO: é notória a falta de
objetividade na imensa maioria dos processos de licenciamento em
virtude da ausência de regras claras, de normas imprecisas e de
procedimentos que aumentam demasiadamente o grau de
discricionariedade dos analistas e dos gestores, o que leva
invariavelmente à solicitação de informações complementares que
retardam os processos e aumenta em demasia os prazos.
Este é, sem dúvida, um dos óbices que mais fragilizam o licenciamento na
atualidade, na medida em que prolonga desnecessariamente os prazos,
abre espaço para a politização do processo, dependendo das convicções
ideológicas do analista (este debate deve ocorrer na fase de concepção do
projeto) e aumenta a aversão ao risco por parte dos técnicos que podem
ser punidos criminalmente pela Lei 9.605/98, na medida em que a
subjetividade e a imprecisão permitem interpretações variadas e não raro
opostas da decisão adotada, levando à frequente atuação do Ministério
Público.
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PROPOSTA DE SOLUÇÃO: estabelecer nova classificação das atividades
efetivas e potencialmente poluidoras, levando em conta as tipologias a
serem reconfiguradas, conforme o porte, o potencial e a localização. Ao
longo do tempo os mesmos procedimentos previstos para os
empreendimentos industriais foram adotados para os de infraestrutura e
depois estendidos para as atividades agropecuárias e florestais. É óbvio
que se trata de tipologias distintas, que exigem distintos procedimentos,
levando em conta, ainda, o grau de complexidade de cada tipo de
atividade.
Torna-se fundamental estabelecer uma definição clara e exaustiva das
tipologias para, em seguida, definir os Termos de Referencia nacionais
balizadores dos EIA/RIMA por parte dos empreendedores e orientadores
da análise, por parte dos gestores. Neste contexto, rever o Licenciamento
trifásico, a ser adotado somente nos casos em que sua aplicação tiver
pertinência com a tipologia licenciada. Concretamente, este é um dos
pontos chaves para desburocratizar o processo, na medida em que a
revisão das tipologias e o estabelecimento de Termos de Referência darão
o embasamento para o analista avaliar os impactos seguindo roteiro
previamente definido.
DESAFIO 04 – O QUE É SIGNIFICATIVO?: o conceito de significativo
impacto estatuído na Constituição e na PNMA não foi, ainda hoje,
regulamentado ou descrito com a precisão devida. À falta de uma
definição e de uma listagem das tipologias que podem provocar
significativo impacto ambiental, tudo passa a ser tratado como
significativo, impedindo que se adotem modelos simplificados de
licenciamento.
É nesta indefinição que o MP mais recorre para exigir o licenciamento
completo (LP + LI + LO), baseando-se nas regras atualmente em vigor.
Várias iniciativas dos Estados, de simplificação dos procedimentos de
licenciamento, sem nenhum prejuízo para a qualidade e eficácia das
licenças expedidas estão sendo derrubadas sob o entendimento de que os
impactos são significativos.
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PROPOSTA DE SOLUÇÃO: definir com o máximo de clareza as tipologias de
significativo impacto, aquelas cujos impactos não podem ser mitigados e
que produzem danos ambientais irreversíveis. Esta medida pode ser
adotada via regulamentação da LC 140/11 e/ou de nova regulamentação
da Lei 6.938/81, a primeira através de Lei ou Medida Provisória,
dependendo da avaliação política do governo, e a segunda mediante
Decreto Presidencial a ser complementado por Resolução do CONAMA.
DESAFIO 05 – INTERVENIENCIA OU INTERVENÇÃO?: as anuências exigidas
de órgãos e entidades que atuam fora da órbita da administração de meio
ambiente para completar o licenciamento ambiental, as chamadas
instituições intervenientes, acabaram criando instancias decisórias
paralelas e um quadro de esquizofrenia institucional que estão tornando o
Licenciamento quase que inadministrável, uma corrida de obstáculo sem
regras ou com regras que mudam durante o percurso.
Na maioria dos casos, incluindo a esfera federal, mesmo entre as
entidades que compõe a gestão ambiental ainda não foi adotado o
principio do licenciamento integrado, transformando a regularização
ambiental num processo de múltiplas licenças, já que os intervenientes
estão adotando suas próprias regras e autorizações.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: a prática das anuências, embora necessárias na
maioria dos casos, deve ser adotada de forma vinculada ao Licenciamento,
através de uma Câmara de Anuências agrupando todos os órgãos e
entidades intervenientes, com prazo determinado para manifestação dos
interessados ou, então, adotar uma medida oposta, desvinculando o
Licenciamento das anuências, isto é, a Licença ficaria restrita à
competência do órgão ou entidade gestora, ficando o empreendedor
responsável pela obtenção das demais autorizações previstas em Lei,
junto às instituições competentes. Os OEMAS não podem ficar reféns de
instituições que atuam em outras esferas de decisão, fazendo recair na
gestão ambiental o ônus desta distorção generalizada.
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DESAFIO 06 – COMPENSAÇÃO AMBIENTAL E CONDICIONANTE: as
medidas compensatórias adotadas no âmbito do Licenciamento são
universalmente exigidas com fundamento na necessidade de compensar
os impactos ambientais que não podem ser evitados e de mitigação
parcial ou insuficiente. Alem da compensação prevista na Lei 9.885/00, do
SNUC, cuja constitucionalidade foi declarada pelo STF, mas que ainda não
foi totalmente ajustada à Súmula da Suprema Corte, o mecanismo da
compensação deve guardar sintonia com os danos ambientais que lhe dão
origem.
Todavia, não é isto que ocorre na realidade, sobretudo, em razão das
condicionantes exigidas em cada uma das anuências, quando os órgãos
intervenientes aproveitam para impor compensações que nada tem a ver
com os impactos ambientais causados, para suprir carências institucionais
e operacionais de funcionamento que o Poder Público não lhes fornece.
Em algumas situações a mesma disfunção ocorre com os OEMAS, mas
com a atenuante de que, neste caso, se trata do fortalecimento
institucional da gestão ambiental. Mas, ainda assim, a compensação e as
condicionantes que asseguram sua efetividade devem ter clara vinculação
com os impactos em relação aos quais devem ser fixadas. Da forma como
está sendo praticada hoje, este mecanismo se transformou num toma-lá
dá-cá que contribui para desmoralizar o Licenciamento.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: também aqui a adoção deste importante
mecanismo do Licenciamento padece da falta de regras claras,
nacionalmente estatuídas, fixadas em normas especificas estabelecendo
os procedimentos e a forma de compensação, através de Decreto
Presidencial, complementado em suas especificidades pelo CONAMA e
pelos Conselhos Estaduais. Trata-se de instituir a ordenação dos
mecanismos de compensação ambiental.
DESAFIO 07 – INTERDISCIPLINARIDADE E PARECER ÚNICO: a metodologia
utilizada para a análise dos estudos ambientais, EIA/RIMA e outros têm
dificultado, também, a qualidade e a celeridade do Licenciamento. O
método multidisciplinar utilizado com mais frequência, embora reúna a
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expertise necessária a uma boa avaliação, é feita de forma segmentada,
por área do conhecimento, o que gera, muitas vezes, pareceres
conflitantes e contraditórios que dificultam o resultado final e retarda a
decisão do gestor. Nesse modelo, o parecer jurídico é realizado após o
parecer técnico, nem sempre em ato contínuo, que ao concluir por
alguma inconformidade legal, paralisa o processo, podendo alterá-lo ou
até, alguns casos, até mesmo anulá-lo.
PROPOSTA DE SOLUÇAO: recomenda-se a adoção da análise
interdisciplinar, reunindo os especialistas requeridos em cada caso,
incluindo os advogados encarregados do parecer jurídico, para análise e
parecer único (técnico e jurídico), findo o qual o processo pode ser
decidido pelo gestor.
Ao colocar o parecer jurídico evoluindo ao par da análise técnica,
eventuais erros formais ou arguição de ilegalidade é verificada na fase de
instrução do processo, podendo ser sanada a tempo, sem a demora que
ocorre na avaliação legal distante da evolução da análise técnica
interdisciplinar.
Esta metodologia favorece a interlocução do empreendedor, a troca de
informações e o intercâmbio de conhecimento relativamente à melhor
opção tecnológica e a alternativa locacional inerente ao empreendimento.
Cada equipe interdisciplinar passa a ter o seu coordenador que é o
coordenador daquele Licenciamento.
DESAFIO 08 – CONSULTA POPULAR E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: esta é
reconhecidamente uma das principais etapas do processo de
Licenciamento, mas o formato atual das audiências públicas, como meio
de consultar e informar a população, principalmente a comunidade
afetada pelos empreendimentos, tem servido mais para outros objetivos,
do que para aperfeiçoar o processo de tomada de decisão.
É neste momento que todas as expectativas socioambientais da
coletividade, notadamente da comunidade afetada, se manifesta,
incluindo os interesses legitimamente contrariados e aqueles que
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interferem no processo por razões políticas e ideológicas que extrapolam
a finalidade do instrumento, mas que não tendo a oportunidade de
participar nas fases anteriores, principalmente no momento em que se
decide pela sua implantação, encontram no LA e nas audiências publicas o
espaço da sua manifestação.
Pelas razões expostas no Desafio 01, as audiências servem como instância
para os setores que se opõem ao Projeto atuarem no sentido de
inviabilizá-lo, sabendo-se que não é este o papel do Licenciamento,
embora possa ocorrer, diante de projetos mal concebidos, mas em
situações extremas.
Na verdade, as audiências publicas representam a oportunidade da
comunidade discutir os impactos ambientais negativos e positivos das
atividades a serem implantadas, verificar se foram adequadamente
aferidos e, a partir daí, definir e dimensionar as medidas mitigadoras e
compensatórias a serem atribuídas ao empreendedor, com total
transparência.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: mudar completamente o formato das
audiências públicas e a estratégia de consultar a comunidade. Como
instrumento que lida com conflitos, o LA como já ocorre deve ser pautado,
ainda mais intensamente, com o máximo de transparência.
Para isto, as audiências atuais não aproveitam, pois impedem que haja
uma interação positiva entre os empreendedores, o órgão licenciador e a
comunidade. Um dia ou algumas horas de apresentação e debate de um
empreendimento, em que o empreendedor tem uma hora para
apresentar o projeto e os representantes inscritos da comunidade três a
cinco minutos para expor suas ideias e demandas não pode ser
considerado um processo adequado de consulta pública.
Neste modelo, o empreendedor lista sumariamente, quando o tempo
permite, os impactos e faz propaganda do seu empreendimento. Os
representantes da comunidade diretamente afetada têm alguns minutos,
utilizados para vociferar contra o projeto, condenar a sua execução e não
raro para combater o modelo econômico e o capitalismo. Com isto se
perde a oportunidade de aperfeiçoar o processo, pois o Licenciamento
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acaba sendo aprovado, a não ser quando o projeto não atende
minimamente os requisitos do LA.
A solução mais adequada ao propósito do LA seria escolher, através de
processo a ser decidido, representantes qualificados e legitimados da
comunidade para acompanhar todas as fases do Licenciamento e fazer a
interlocução da comunidade com o empreendedor, com o órgão
licenciador exercendo o papel de árbitro. Trata-se de institucionalizar
mecanismos de participação que assegure a comunidade, pelos meios
mais adequados, acompanhar todas as fases do licenciamento e a
execução das condicionantes inerentes às medidas mitigadoras e
compensatórias.
DESAFIO 09 – GESTÃO DE CONFLITOS: em virtude da forte pressão
exercida pela comunidade decorrente das peculiaridades dos
empreendimentos, da sua localização e dos seus impactos negativos, a
gestão ambiental tem exigido cada vez mais esforço adicional na gestão
de conflitos, que tem se acentuado pela inaplicação dos demais
instrumentos da PNMA e da mobilização política e social da comunidade
afetada e de outros setores da sociedade que reforçam a politização do
Licenciamento.
No quadro atual, a maioria dos órgãos gestores não está capacitada para
lidar com esta realidade, situação que é agravada pela insensibilidade de
maioria expressiva dos empreendedores, que atribuem comodamente ao
poder público a responsabilidade de gerir, com os precários sistemas de
consultas mencionados no item anterior, o inconformismo legitimo da
comunidade realmente afetada, alem da ação política de setores que se
valem do LA para debater outros aspectos que extrapolam sua finalidade.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: a solução mais apropriada para enfrentar este
problema é criar mecanismos de gestão colegiada, às quais se pode
atribuir o papel de câmara de arbitragens. Alguns Estados já contam com
organismos colegiados para o Licenciamento dos empreendimentos de
alta complexidade e que são cercados de conflitos.
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Nesse caso recomenda-se criar no âmbito dos Conselhos Estaduais,
incluindo a possibilidade de se criar unidades regionais para descentralizar
a gestão, Câmaras de Regularização Ambiental, com papel de órgão
arbitral, como já ocorre em vários Estados e que podem ser aperfeiçoados
como espaço institucional de Licenciamento, associados à gestão de
conflitos, retirando do livre arbítrio dos técnicos e do gestor e do seu
poder discricionário a responsabilidade exclusiva pela emissão das
licenças.
Cabe assinalar, reforçando o papel das instancias colegiadas, que mesmo
após regramento especifico para eliminar a subjetividade do processo, é
praticamente impossível alcançar todas as especificidades de um
empreendimento, na medida em que cada caso é um caso. Nesta
circunstancia, as unidades colegiadas completam com o máximo de
transparência o âmbito e abrangência do La de uma atividade especifica.
DESAFIO 10 – CAPACIDADE INSTITUCIONAL E CAPACITAÇÃO TÉCNICA:
qualquer reforma do sistema nacional de licenciamento ambiental, por
mais completa que possa ser, vai esbarrar na fragilidade institucional do
SISNAMA, na falta de meios operacionais, incluindo recursos
orçamentários, financeiros, humanos e logísticos. Além da fraca
capacidade institucional do SISNAMA não existem programas
permanentes de capacitação e treinamento de pessoal para manter
quadros competentes e atualizados com o conhecimento de ponta e com
as modernas ferramentas de gestão.
A incapacidade institucional do Sistema abre espaço para a atuação cada
vez mais intensa do Ministério Público, que em alguns Estados já conta
com quadros técnicos em quantidade e qualidade superiores aos dos
próprios órgãos licenciadores. O protagonismo do MP ocorre nas lacunas
deixadas pelos órgãos e entidades gestoras, seja na fase da análise e de
avaliação dos impactos, por vezes deficientes em razão da ausência de
profissionais devidamente habilitados, seja na quase generalizada
incapacidade do SISNAMA em acompanhar e fiscalizar a aplicação das
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condicionantes que asseguram a eficácia das medidas mitigadoras e
compensatórias.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: é necessário estabelecer uma estrutura
organizacional e operacional do SISNAMA que lhe dê a robustez requerida
para atender, dentro de padrões de qualidade gerencial satisfatórios, as
demandas de regularização ambiental e a implantação integrada dos
instrumentos da gestão ambiental, senso amplo. Esta é uma questão
recorrente, que permanece em pauta, pela incapacidade política
demonstrada pelo Poder Público de superar este desafio.
Sem uma aliança bem estruturada entre o MMA, os OEMAS, as entidades
de classe do setor produtivo e as ONGs da área socioambiental a
tendência é que o assunto permaneça no limbo das questões preteridas.
Chegou a hora de se construir um grande pacto, com base no principio
poluidor-usuário/pagador para gerar receitas no montante necessário
para dar ao País uma administração ambiental proporcional à magnitude
dos problemas que estão postos e por vir.
A TFA foi uma iniciativa embrionária, de grande alcance, mas é uma
medida tímida diante do que deve ser feito para dar sustentabilidade
financeira ao SISNAMA. Como parte das reformas é inadiável definir uma
fonte de recursos para financiar a gestão ambiental. Caso contrário,
poderá ser obtido o melhor marco regulatório, um sistema quase perfeito,
mas que continuará sem capacidade operacional e, portanto, ineficaz.
DESAFIO 11 – IMPACTOS INTERESTADUAIS (REGIONAIS) E LOCAIS: ao
lado da imprecisão dos denominados “significativos impactos”, remanesce
a questão enfrentada pelos Estados, alusivas aos impactos ambientais de
natureza regional, introduzido pela Lei de criação do IBAMA e agora
alterado pela Lei Complementar. Tem crescido o numero de casos em que
o MPF solicita o Licenciamento Federal, mesmo quando o IBAMA
reconhece que o procedimento é da competência do órgão estadual.
Tal como ocorreu com o conceito de significativo impacto que ficou sem
tratamento adequado na LC 140/11, também o impacto regional, de
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característica interestadual, que foi alçado à competência exclusiva do
ente federal, deveria ser tratado de forma compartilhada, explorando
melhor o fundamento do federalismo cooperativo consagrado na CF/88.
Além disso, a definição consolidada de impactos locais vai exigir regras
claras, para evitar que o MPE queira levar para nível estadual o
licenciamento de atividades de natureza local, mesmo nos casos em que
os municípios demonstrarem possuir capacidade institucional e
capacitação técnica para desempenhar estas atribuições.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: o encaminhamento adequado desta questão,
que é crucial, depende da regulamentação da LC 140/11. Aqui, sugere-se
um entendimento de que, na verdade, temos três tipos de situações, além
da competência estabelecida para as três esferas de governo:
(i) O licenciamento federal relativo às atividades localizadas no mar
territorial, na plataforma continental, na zona econômica
exclusiva, nas Unidades de Conservação de domínio da União,
nas Áreas Indígenas, quando extrapolam as fronteiras do País e
em outras situações previstas em Lei, cuja competência federal é
inquestionável;
(ii) O licenciamento das atividades e/ou empreendimentos ditos
REGIONAIS, assim chamados até o advento a LC 140/11, que
extrapolam as fronteiras dos Estados, mas que não os eximem
da responsabilidade e do interesse político-institucional em
participar como ator do processo, cujo Licenciamento deve ser
COMPARTILHADO, isto é, um modelo específico de
licenciamento envolvendo equipes dos OEMAS dos Estados
diretamente afetados, sob a coordenação da União (IBAMA).
Cita-se o exemplo de um mineiroduto, um empreendimento
composto do jazimento mineral, cuja exploração é licenciada
pelo Estado onde a mina está localizada, o mineiroduto
propriamente dito, licenciado pelo IBAMA e o porto, licenciado
pelo Estado litorâneo, sem nenhuma articulação entre os entes
federados para estabelecer a estratégia de licenciamento
incluindo as medidas mitigadoras e compensatórias. Neste caso
deve estar incluído o licenciamento das atividades localizadas na
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zona costeira, na intersecção do continente com o mar, a ser
definida por Decreto Presidencial, como estabelecido na Lei
Complementar, após manifestação da Câmara Tripartite
Nacional.
(iii) O licenciamento das atividades locais, estimulando os municípios
a atuarem com mais protagonismo na gestão ambiental. Aqui é
fundamental definir, através de regras nacionais do CONAMA o
que é impacto local para efeito de estabelecer a competência
dos municípios, lembrando que no nível local é onde o SISNAMA
é mais frágil. Recomenda-se que seja priorizada a organização
dos municípios em consórcios, tendo como referencia espacial a
bacia hidrográfica. É fundamental sublinhar que o poder de
decidir a participação dos municípios está com os Estados, uma
vez que a LC atribui aos Conselhos Estaduais definir a forma de
atuação do poder local no licenciamento, incluindo as tipologias.
DESAFIO 12 – METAS DE QUALIDADE AMBIENTAL: a adoção do
licenciamento, sem o apoio dos demais instrumentos subsidiários e sem
compromisso com metas de qualidade, confirma a sua vocação cartorial,
pois o objetivo é a LICENÇA PELA LICENÇA. A gestão gira em torno da
Licença Ambiental, que uma vez concedida não é mais considerada dentro
do sistema salvo para monitoramento e fiscalização aleatórios.
Os padrões de qualidade devem ser fixados transparentemente, como
ocorre no CONAMA e nos Conselhos Estaduais, mas eles precisam ser
notados no território, nos cursos de água, na vegetação, no ar, no solo. Na
medida em que os empreendimentos são licenciados e a qualidade
ambiental não melhora, a sociedade fica com a sensação de que o LA é
uma licença para poluir.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO: integrar o licenciamento com outros
instrumentos da política ambiental e de outras políticas públicas
correlatas, como o Plano Diretor de Bacia Hidrográfica ou instrumento
similar para estabelecer metas de qualidade ambiental, referenciadas no
território e que deverão orientar obrigatoriamente as medidas
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mitigadoras e compensatórias do Licenciamento, lembrando que na
ausência de enquadramento dos corpos d’água, estabelecendo as classes
de uso, a classe 2 deve ser observada, o que não acontece na maioria dos
casos.
A Outorga de Lançamento prevista na Lei 9.433/97, mas praticamente não
aplicada e sequer considerada no atual modelo de licenciamento é outro
mecanismo que pode ampliar a eficácia desse instrumento e “forçar” a
integração da gestão ambiental. Aliás, comparando a PNMA com a
PNGRH, existem várias coincidências a considerar que tornam inexplicável
a desarticulação dessas políticas até hoje.
Vejamos: o plano diretor de bacia tem similitude com ao ZEE; o
monitoramento, controle e fiscalização são comuns a ambas as políticas; o
licenciamento ambiental estabelece os padrões de lançamento dos
efluentes líquidos, que também são exigidos na Outorga de Lançamento, e
assim por diante, para demonstrar a desarticulação e descoordenação do
SISNAMA. A legiferação atabalhoada confunde o sistema e o seu
operador.
III – SUGESTÃO DE ENCAMINHAMENTO
Na atualidade econômica e socioambiental do Brasil de hoje uma reforma
mais profunda da gestão ambiental deve passar por ampla revisão da Lei
Federal 6.938/81, para atualizar os mecanismos de comando e controle
que lhe fundamenta, mas, sobretudo, para iniciar um novo ciclo da política
ambiental com foco na sustentabilidade, o que pressupõe mudanças,
também na política macroeconômica e nas políticas setoriais com
interface com a área ambiental.
Todavia, diante da problemática envolvendo o LA e levando em conta as
questões aqui discutidas e a grande conexão do Licenciamento com os
outros instrumentos da PNMA e das demais políticas conexas com o meio
ambiente é estratégico iniciar a reforma da Política Nacional por este
instrumento.
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Para animar o debate e estimular a discussão no âmbito da ABEMA,
recomenda-se propor um conjunto estratégico de decisões que visam a
aperfeiçoar o Licenciamento e deflagrar um processo mais amplo de
mudanças.
Entre as medidas de curto prazo a serem adotadas, a ABEMA deve sugerir
as seguintes decisões:
(i) Regulamentação da Lei Complementar 140/111, através de
encaminhamento de Projeto de Lei ao Congresso Nacional ou
edição de Medida Provisória com força de Lei, para esclarecer
pontos da LC que não foram suficientemente detalhados;
especialmente aqueles que tratam dos fundamentos da norma
que dizem respeito às competências dos entes federados, para
eliminar zonas de sombra que alimentam a atuação do MP;
(ii) Instalação da Comissão Tripartite Nacional, das Comissões Estaduais
e do Distrito Federal, objetivado agilizar os procedimentos de
gestão compartilhada e descentralizada previstos neste novo
ordenamento legal, principalmente para definir as tipologias que
o Poder Executivo Federal, após manifestação da Comissão
Tripartite Nacional, queira atribuir à sua esfera de competência,
o que pode ser baixado por Decreto Presidencial, conforme
dispositivo previsto na LC 140/11. No momento em que o Poder
Executivo Federal explicitar com clareza a tipologia das
atividades que deseja licenciar, além daquelas que já estão
inseridas no próprio texto legal, desaparecerão os ruídos de
interpretação sobre as competências da União e dos Estados,
restando as tipologias de atividades interestaduais, em relação
às quais a solução mais recomendada é inovar com a adoção do
Licenciamento Compartilhado. Do mesmo modo, deve-se definir
objetivamente o impacto local, para que as rusgas União/Estados
sejam transferias para os Estados/Municípios.
1 A Abema, em decorrência do Encontro de Maceió em Nov.2012, encaminhou proposta de
regulamentação por solicitação do Ministério do Meio Ambiente.
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(iii) Alem do regulamento da Lei Complementar e da implantação
das medidas auto-aplicáveis nela contidas, a base da reforma
pode ser implantada na sua grande maioria por nova
regulamentação da Lei 6.938/81, através da revisão do Decreto
Federal 99.274/90. Um novo Decreto mais abrangente e mais
detalhado em relação aos temas apontados no item II deste
documento deve ser editado, tratando especificamente de
temas que reclamam normatização mais precisa, como (a)
significativo impacto, (b) impacto interestadual (regional) e local,
(c) tipologia das atividades efetivas e potencialmente poluidoras
e degradadoras dos recursos naturais; (d) nova classificação dos
empreendimentos; (e) regras mais contemporâneas para a
realização das audiências publicas; (f) ordenação dos
mecanismos de compensação ambiental; (g) regras claras e
objetivas para a atuação dos órgãos intervenientes responsáveis
pelas anuência; (h) normatização para tratar de maneira objetiva
a inclusão da variável locacional no LA; (i) normas para definir a
AAI nos casos necessários à avaliação de impactos sinérgicos e
cumulativos; (j) regras para estabelecer com clareza o âmbito
dos Termos de Referencia de abrangência nacional; (l) vinculação
do LA à metas de qualidade a serem observadas na AIA; (m)
criação de espaços para gestão de conflito e solução de
controvérsias; (n) outras questões a serem identificadas.
(iv) Uma vez obtida a regulamentação da LC 140/11 e da Lei Federal
6.938/81, concentrar esforços na revisão das Resoluções
CONAMA 01/86, 237/97 e outras que dispõem sobre o
Licenciamento Ambiental, para detalhar as regras a serem
estabelecidas nos Decretos acima referidos, consolidando numa
única Resolução do CONAMA todos as medidas balizadoras do
Licenciamento em nível nacional, uma norma deliberadamente
exaustiva para orientar técnicos, advogados e gestores em
relação aos procedimentos, eliminando zonas de sombra e
lacunas que dão margem à interpretações contraditórias e
paralisantes.
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(v) Propor ao Governo Federal a introdução da AIA e/ou AAI preliminar
no momento de decidir a implantação de grandes projetos, com
consulta pública, em setores estratégicos, como energia,
mineração e infraestrutura. Esta responsabilidade pode ser
atribuída às Agencias Reguladoras encarregadas dessas
atividades ou aos órgãos e entidades responsáveis pelas politicas
setoriais. O LA avalia impacto, não decide sobre a implantação
dos projetos. Além da análise de viabilidade técnica, econômica
e financeira de uma hidrelétrica, mineração, porto ou ferrovia,
minuciosamente providenciada pelas Agencias, deve ser incluído
a análise da viabilidade ambiental. Em casos análogos esta
mesma decisão deve ser adotada pelos Estados e Municípios.
Esta é uma inciativa fundamental, sem a qual qualquer reforma
do sistema não logrará seus reais objetivos de maior eficácia
para a gestão ambiental brasileira.
(vi) Sugerir um amplo processo de reorganização institucional do
CONAMA, para recuperar o seu prestigio como Parlamento do
SISNAMA, como o lócus do debate e da formulação de politicas.
O CONAMA tornou-se um órgão hipertrofiado, consumido pelo
varejo da politica ambiental, o que contribui para o seu
esvaziamento. O Plenário do Conselho deve ser repaginado e
fortalecido para ser o grande espaço institucional de pactuação
em torno da sustentabilidade, dando às Câmaras, também a ser
reorganizadas, poder terminativo para deliberar sobre
determinados assuntos que não devem entrar na pauta do
Plenário.
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma proposta abrangente de mudanças, cuja necessidade a ABEMA
reconhece, exige um grande esforço de articulação, sobretudo quando
este esforço tem que ser, obrigatoriamente, por razões fáticas, realizado
no âmbito de uma Federação tão assimétrica como a brasileira.
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Diante das assimetrias e dos desníveis regionais que marcam o Estado
Nacional, uma iniciativa desta magnitude pressupõe um ingente trabalho
de engenharia institucional, de artesanato mesmo, para gerar
compromissos e construir pactos em torno dos quais as mudanças devem
ser operadas, numa expansão em ondas, de natureza celular, do núcleo
para a periferia do sistema.
Esta é a função da ABEMA neste momento, chamada a exercer o seu
protagonismo num tema no qual sua atuação é imprescindível. Todavia,
para que a entidade possa exercer o seu papel, correspondendo às
expectativas que nela se deposita, é fundamental que os órgãos e
entidades que a compõem se ponham de acordo em relação às estratégias
a serem seguidas.
Daí a iniciativa de fazer este texto. Seu objetivo é oferecer um conjunto de
reflexões sobre os mais variados temas que envolvem o Licenciamento
Ambiental, para que a Associação possa adotar uma agenda de mudanças.
E com uma agenda bem definida buscar a pactuação necessária com o
Governo Federal, através do Ministério do Meio Ambiente e com os
Municípios, por intermédio da ANAMA, as entidades de classe do setor
produtivo, dos trabalhadores, do movimento ambientalista, da academia
e de outros setores da sociedade interessados em requalificar o
Licenciamento Ambiental como instrumento essencial à proteção do meio
ambiente e ao desenvolvimento sustentável do País.