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NOTAÇÃO MUSICAL: UMA POSSIBILIDADE DE PREVENÇÃO DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM QUANTO A NOÇÃO DE TEMPO? RABASSI, Liliam Keidinez Bachete da Conceição PPE/GEPESP/UEM/CAPES [email protected] CALSA, Geiva Carolina PPE/GEPESP/UEM/CAPES [email protected] PEREIRA, Lilian Alves GEPESP/UEM/CAPES [email protected] Eixo Temático: Psicopedagogia Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo: Estudos científicos e a prática profissional no ensino da música sugerem a complementariedade entre o desenvolvimento psicogenético da notação rítmica e da noção de tempo. Quanto ao tempo, pesquisas evidenciam defasagem crescente entre idade cronológica e aquisição deste conceito entre crianças das primeiras séries. Em estudo realizado com 60 crianças de idade pré-escolar constatamos atraso no desenvolvimento da noção de tempo já nesta faixa etária. Conjuntamente com dados de pesquisas anteriores concluímos que a construção do conceito de tempo vem sofrendo atraso cada vez mais precoce. Em nosso estudo foram aplicados testes de avaliação do desenvolvimento psicomotor baseados nos estudos realizados anteriormente com faixas etárias superiores. Os resultados obtidos sobre a aquisição da noção temporal reforçam a necessidade de medidas preventivas na instituição escolar e, para tanto, levantamos a hipótese de que o ensino musical se constitua um dos caminhos possíveis dessa tarefa. Nesta abordagem, por mais simples que seja a enunciação musical como os movimentos sonoros retirados do próprio corpo – bater palmas -, pode servir como instrumento de aprendizagem da notação rítmica e do tempo. Assim, a música possibilitaria a aprendizagem da sucessão regular do tempo por meio das batidas e da escrita do ritmo. A partir desta abordagem, as abstrações sonoras podem tornar-se mais concretas e significativas para o desenvolvimento cognitivo e conceitual dos indivíduos, ultrapassando o uso meramente instrumental da música, para favorecer a modificação da modalidade de aprendizagem dos indivíduos em diversos campos do conhecimento. Um encaminhamento desta natureza responde as demandas da comunidade escolar ao campo da Psicopedagogia como uma área de contribuição à atuação preventiva dos educadores para o desenvolvimento infantil. Palavras – Chave: educação, construtivismo, ensino musical, noção de tempo.

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NOTAÇÃO MUSICAL: UMA POSSIBILIDADE DE PREVENÇÃO

DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM QUANTO A NOÇÃO

DE TEMPO?

RABASSI, Liliam Keidinez Bachete da Conceição PPE/GEPESP/UEM/CAPES [email protected]

CALSA, Geiva Carolina PPE/GEPESP/UEM/CAPES

[email protected]

PEREIRA, Lilian Alves GEPESP/UEM/CAPES [email protected]

Eixo Temático: Psicopedagogia

Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo: Estudos científicos e a prática profissional no ensino da música sugerem a complementariedade entre o desenvolvimento psicogenético da notação rítmica e da noção de tempo. Quanto ao tempo, pesquisas evidenciam defasagem crescente entre idade cronológica e aquisição deste conceito entre crianças das primeiras séries. Em estudo realizado com 60 crianças de idade pré-escolar constatamos atraso no desenvolvimento da noção de tempo já nesta faixa etária. Conjuntamente com dados de pesquisas anteriores concluímos que a construção do conceito de tempo vem sofrendo atraso cada vez mais precoce. Em nosso estudo foram aplicados testes de avaliação do desenvolvimento psicomotor baseados nos estudos realizados anteriormente com faixas etárias superiores. Os resultados obtidos sobre a aquisição da noção temporal reforçam a necessidade de medidas preventivas na instituição escolar e, para tanto, levantamos a hipótese de que o ensino musical se constitua um dos caminhos possíveis dessa tarefa. Nesta abordagem, por mais simples que seja a enunciação musical como os movimentos sonoros retirados do próprio corpo – bater palmas -, pode servir como instrumento de aprendizagem da notação rítmica e do tempo. Assim, a música possibilitaria a aprendizagem da sucessão regular do tempo por meio das batidas e da escrita do ritmo. A partir desta abordagem, as abstrações sonoras podem tornar-se mais concretas e significativas para o desenvolvimento cognitivo e conceitual dos indivíduos, ultrapassando o uso meramente instrumental da música, para favorecer a modificação da modalidade de aprendizagem dos indivíduos em diversos campos do conhecimento. Um encaminhamento desta natureza responde as demandas da comunidade escolar ao campo da Psicopedagogia como uma área de contribuição à atuação preventiva dos educadores para o desenvolvimento infantil. Palavras – Chave: educação, construtivismo, ensino musical, noção de tempo.

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Introdução

O presente estudo tem por finalidade abordar a possível relação entre a aquisição

da notação musical e a noção de tempo buscando contribuir para a atuação preventiva

da instituição escolar. Faz parte do campo de atuação da Psicopedagogia investigar e

disseminar conhecimentos aos psicopedagogos e, em especial, aos professores sobre

intervenções pedagógicas capazes de prevenir o aparecimento e o avanço de

dificuldades de aprendizagem. Neste sentido, estudos científicos e nossa prática

profissional levam-nos a considerar a possibilidade do ensino musical oportunizar a

aprendizagem concomitante da noção de tempo. Em nossas aulas temos constatado a

influência do ensino de música sobre o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao

conceito de tempo, principalmente entre alunos com dificuldades de aprendizagem.

Durante a execução musical inicial, em geral, esses indivíduos costumam

apresentar dificuldade acentuada em manter a ordem e a seqüência do ritmo solicitado.

Entretanto, após intervenção pedagógica com ênfase na tomada de consciência da

escrita musical e da produção sonora os alunos melhoram consideravelmente o seu

desempenho e a compreensão lógica das seqüências musicais. Durante a intervenção

buscamos enfatizar a correspondência termo a termo entre nota e som musical

produzido dentro de uma determinada seqüência temporal e, mediante a compreensão e

conservação da unidade de tempo métrica, os alunos têm demonstrado melhoria na

execução das seqüências musicais e da notação correspondente.

Conforme Avancini (2008, s/p), muitas são as vantagens das atividades musicais

no currículo escolar: “diversas pesquisas comprovam que o ensino da música ajuda a

desenvolver a lógica e o raciocínio, produzindo impactos positivos na aprendizagem em

outras áreas”. Compartilhando com o ponto de vista da autora, consideramos ser

importante abordar a organização e estruturação temporal já na educação infantil, como

forma de prevenção das dificuldades de aprendizado.

Por outro lado, estudos como os de Fávero (2004), Kobayashi (2001) e Oliveira

(1992) destacando a importância da escola abordar as noções de espaço e tempo,

sobretudo no início do processo de escolarização. Essas noções têm apresentado atraso

em seu desenvolvimento por parte de crianças de escolas públicas e privadas e não têm

sido observadas na prática pedagógica. Em especial com alunos da Educação Infantil,

conforme mostra Tomazinho (2002), é extremamente preocupante sua ausência, o que

pode prejudicar o aprendizado do aluno em séries posteriores, em disciplinas que

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envolvem noções espaciais e temporais, como a matemática, a geografia, a escrita e a

leitura (PACHER, 2008).

No presente artigo, relatamos uma pesquisa sobre a aquisição da noção de tempo

em crianças em etapa pré-escolar que confirmam o atraso deste desenvolvimento em

faixa etária tão precoce e a urgência de medidas educacionais que superem as

dificuldades crescentes nesta área. Além disso, pretendemos demonstrar a hipótese

conceitual e, ainda em nível teórico, de que há uma relação positiva e complementar

entre a aprendizagem da escrita do ritmo e da noção de tempo (um elemento do ritmo).

Consideramos o levantamento desta hipótese oportuna, uma vez que a educação musical

é matéria obrigatória na educação infantil e nosso estudo, entre outros em faixas etárias

diferentes, vêm demonstrando o avanço do atraso em termos cronológicos da aquisição

do conceito de tempo por parte das crianças.

A escrita do ritmo

De acordo com os estudos realizados por Bamberger (1990) sobre a construção

psicogenética da escrita do ritmo, as notações musicais podem ser consideradas

invenções intuitivas dos indivíduos. Ao efetuar notações musicais, é exteriorizado um

“conhecimento em ação”, mesmo antes de nenhum contato com o grafismo musical

padrão (Figura 1).

Figura 1: Tipologias de notações de crianças. Fonte: BAMBERGER, J. "As estruturações cognitivas da apreensão e notação de ritmos simples". In Hermine Sinclair (Org). A produção de notações na criança. Linguagem, número,

ritmos e melodias. São Paulo: Cortez, 1990.

Fundamentando-se nos princípios da Epistemologia e Psicologia Genética de

Jean Piaget, Bamberger (1990) analisa como crianças de diferentes idades transpõem

para o papel as estruturas rítmicas que ouvem de um trecho rítmico executado com

palmas (Figura 2). Em seu estudo, identifica seis tipologias que evidenciam duas fases

de desenvolvimento da notação musical: figural e métrica. Essas fases compreendem a

progressão de duas maneiras complementares de reconhecer o ritmo que se enriquecem

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mutuamente. A primeira fase é constituída pela tipologia (0) e (F1), enquanto a segunda

é composta pelas tipologias (M1), (F2), (M2) e (M3).

Figura 2: Trecho rítmico executado nos estudos de BAMBERGER (1990).

A primeira tipologia denominada (0) (Figura 1), apresentada por crianças entre 4

e 5 anos, compõe-se de “garatujas rítmicas”: formas primitivas que reproduzem no

papel os movimentos das mãos e dos braços que produzem as batidas. A segunda (F1)

(Figura 1), encontrada por Bamberger (1990) em crianças de 6 a 7 anos, evidencia uma

reflexão do indivíduo sobre as suas próprias ações. As notações se centram em

agrupamentos de grafismos que correspondem a duas partes do movimento contínuo de

bater palmas do entrevistador ouvido pelas crianças.

Na segunda fase desse desenvolvimento, a notação métrica (M1) (Figura 1)

também encontrada em crianças de 6 a 7 anos, apresenta-se como uma expressão

acabada do centramento do indivíduo nas unidades do som. Ele passa a coordenar a

quantidade correta de batidas do ritmo (dez batidas rítmicas iguais a dez desenhos).

Segundo a autora, manifesta assim o início da construção mental de unidades métricas e

de unidades discretas de contagem das batidas do ritmo. A notação seguinte (F2)

(Figura 1), efetuada por crianças acima de sete anos, indica uma fase que expressa o

pensamento mais do que a ação do indivíduo e pode ser considerada, portanto, mais

simbólica e complexa.

Numa etapa posterior, aparece a notação (M2) (Figura 1) que evidencia o

centramento do sujeito em uma nova característica do ritmo: a duração de cada batida.

Nesta tipologia de notação é observada a correspondência da escrita de sons curtos em

formas pequenas, e dos sons longos em formas maiores. A última tipologia, a notação

(M3) (Figura 1) mostra a duração de cada evento em relação a uma unidade de medida

estável, ou seja, uma unidade métrica. Manifesta uma expressão acabada do

centramento do indivíduo nas unidades que se anunciaram na notação (M1). Esta fase

representa o começo do uso de um sistema formal simbólico bem próximo da notação

rítmica tradicional, uma vez que como o segundo, apresenta uma unidade de tempo

estável e suas subdivisões. Compartilhando da posição da autora, consideramos que esse

progresso sugere a crescente capacidade de reflexão da criança sobre o seu fazer e a

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manifestação desta tomada de consciência no estabelecimento de um quadro fixo de

referência de medida do som e a expressão das variações de sua duração.

Ritmo e a noção de tempo

Segundo o estudo de Jourdain (1998) a compreensão de um trecho musical está

relacionada ao tempo métrico, pois o cérebro necessita primeiramente entender uma

unidade do som emitido, para depois entender o agrupamento dessas unidades métricas

estáveis e, finalmente, compreender o ritmo melódico como um todo. Isso corresponde,

na fase de alfabetização, a aprender uma letra, posteriormente agrupá-las e entender

uma palavra, embora ainda isolada, para finalmente agrupar as palavras e compreender

uma frase. Segundo o autor, a sucessão regular métrica do tempo por meio das batidas

do ritmo estimula atenção cerebral, ajudando na compreensão da melodia executada.

Nessa relação, as abstrações sonoras tornam-se mais concretas para o indivíduo

e sua aprendizagem pode vir a alcançar um desenvolvimento cognitivo e conceitual

significativo para si. Assim, podemos afirmar que produção musical, por mais simples

que seja, como os movimentos sonoros retirados do próprio corpo – bater palmas -,

podem servir como um instrumento de intervenção no processo de aprendizagem do

ritmo musical e de outros conceitos como a seqüência temporal.

Oliveira (2008) define a noção temporal como sendo a capacidade de perceber e

de ajustar a ação aos diferentes componentes do tempo. Isso significa a capacidade de

localizar os acontecimentos passados, presentes, e de projetar-se no futuro elaborando

planos. É com a representação mental dos movimentos no tempo que a criança atinge

uma maior orientação temporal e capacidade de lidar com este conceito em um nível

simbólico.

Para Fávero (2004), a aquisição da concepção de tempo obedece à mesma

evolução da noção do espaço. Primeiramente, o indivíduo compreende o tempo de

execução de seu gesto, depois pela relação do corpo com o objeto e, por último, pelas

relações entre objetos. Nesse sentido, atividades rítmicas possuem um valor educativo

importante para a organização temporal. Essa é também a conclusão de Oliveira (2008,

p. 82) para quem “o ritmo é um elemento importante da estruturação temporal, pois

combina sucessão, duração, intervalo e rapidez”.

Nos estudos desenvolvidos pelas duas autoras são constatados atrasos

importantes dos alunos de diferentes faixas etárias em relação à construção da noção de

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tempo. Fávero (2004) constatou esse atraso entre crianças de 8 e 9 anos de idade,

enquanto Oliveira (2008) observou defasagem para menor entre idade cronológica e

conduta esperada em crianças entre 6 e 7 anos.

Piaget e Meyer (1946), em seus estudos sobre a construção da noção de tempo,

assinalam que o conceito de tempo não se encontra a priori na mente da criança e

requer uma construção psicogenética lenta e gradual. Os autores realizaram vários

experimentos sobre esse processo. No primeiro experimento, realizado com crianças na

faixa etária entre cinco e sete anos de idade confrontaram atividades executadas em

diferentes velocidades ou movimentos de velocidades distintas em relação ao

escoamento da areia de uma ampulheta marcada em três níveis sucessivos. Constataram

que as crianças confundiam suas ações com as velocidades e medidas de tempo da

ampulheta, demonstrando não conservar a igualdade de medida do tempo inicial.

Mesmo tendo os olhos fixos na ampulheta as crianças não compreendiam o isocronismo

ocorrido entre areia e suas ações e assim aceitam sem restrição os dados obtidos pela

percepção. Manifestavam, assim, um pensamento intuitivo e egocêntrico, características

da primeira etapa da noção de tempo em crianças entre cinco e seis anos.

Para confirmar estas observações um segundo experimento foi realizado por

Piaget e Meyer (1946), com crianças de 7 a 9 anos de idade, denominado isocronismo e

sincronismo1. Crianças menores situadas em uma primeira etapa de desenvolvimento

apresentaram centramento perceptivo e egocentrismo inerente ao pensamento pré-

lógico. As situadas em uma segunda etapa negavam o sincronismo, mas compreendiam

a conservação de um movimento com uma velocidade dada com a igualação de duas

durações sucessivas. Adquiriam a noção de uniformidade do movimento do relógio e do

isocronismo dos seus períodos sucessivos, mas não eram ainda capazes de apreender a

igualdade dos tempos de dois relógios diferentes (ampulheta e cronômetro2), apesar de

admiti-lo verbalmente.

Para comprovar a entrada das crianças de aproximadamente 8 a 9 anos e meio

nesta terceira fase, Piaget e Meyer (1946, 222) recorreram a um terceiro experimento

denominado isocronismo e construção das unidades temporais. Estudaram a separação

da duração do tempo em unidades suscetíveis, tanto de repetição (isocronização) quanto

de aplicação a objetos medidos quaisquer (sincronização). As crianças que

1 Sincronismo, segundo o dicionário Aurélio (1986), é a relação entre fatos sincrônicos, este significa o que ocorre ao mesmo tempo. Para Piaget e Meyer (1946)

seria a aplicação de mensuradores a objetos medidos por sincronização de movimentos.

2 Cronômetro, segundo o dicionário Melhoramentos (1977), é um instrumento para medir o tempo; relógio de grande precisão.

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manifestavam pensamento operatório reuniam o isocronismo com o sincronismo e

conseguiam transformar as unidades espaciais do mostrador em unidades propriamente

temporais, válidos tanto para o objeto medido como para os medidores. Para os autores

a “métrica do tempo aparece então como uma síntese operatória da imbricação das

durações que asseguram o sincronismo com a igualação das durações sucessivas que

asseguram o isocronismo”.

Com base nos dados referentes ao desenvolvimento da escrita rítmica

(BAMBERGER, 1990) e da noção do tempo (PIAGET e MEYER, 1946) consideramos

que os dois processos apresentam características complementares importantes e que

justificam seu estudo e uso conjunto na instituição escolar. Na primeira etapa da

construção da noção de tempo, as crianças confundem suas ações com as velocidades e

medida do tempo, não conservando a igualdade de medida do tempo inicial, enquanto a

primeira etapa do desenvolvimento psicogenético da notação do ritmo corresponde a

não distinção entre o movimento da ação e a escrita rítmica (o som é unificado ao

gesto). Na segunda etapa da formação do conceito de tempo, as crianças passam a

conservar um dado movimento de velocidade com a igualação de duas durações

sucessivas, enquanto no que se refere à escrita rítmica ocorre o aparecimento de uma

notação com maior grau de diferenciação quanto ao ritmo, ou seja, um conceito ligado

ao grupo fixo de sons e ao número de eventos rítmicos: separação da ação e do som e

maior especificação das unidades de som. Segundo os estudos de Bamberger (1990) é

fundamental para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, pois, é nesta etapa que

acontece a compreensão da unidade, fator que desencadeia o desenvolvimento evolutivo

do ritmo. Por último, na terceira etapa ocorre a compreensão da medida do tempo

através do isocronismo e do sincronismo e identificação da unidade métrica do tempo,

enquanto a notação musical adquire proporções aritméticas, dá-se origem aos

compassos e à divisão da música em tempos métricos. Esse movimento é caracterizado

pela divisão matemática que estabelece um pulso regular em termos de duração e

intensidade que mostra o início de um sistema de notação rítmico independente. Neste

momento, se realiza a definição de um sistema simbólico formal e domínio rítmico que

compreende os diferentes níveis de estrutura temporal e unidade métrica invariante.

Metodologia do estudo

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A presente pesquisa foi realizada em uma escola pública da rede municipal de

ensino de Maringá, com 60 alunos de faixa etária entre 4 e 5 anos. Com este grupo

foram aplicados testes de organização e estruturação temporal3. Tais testes fazem parte

da bateria de testes de avaliação psicomotora organizados por Oliveira (2008), em

especial os relativos ao esquema corporal e à coordenação espaço-temporal. Segundo a

autora, são os seguintes os níveis de desenvolvimento psicomotor (Quadro 1):

I – Imagem de corpo vivido (até 3 anos);

IA – Reorganização do corpo vivido (3 a 4 anos);

IB – Indícios de presença de imagem de corpo percebido (5 a 6 anos);

II – Imagem de corpo percebido (7 anos);

II A – Reorganização do corpo percebido (8 a 9 anos);

II B – Indícios de presença de corpo representado (10 a 11 anos);

III – Imagem de corpo representado (a partir de 12 anos).

Habilidades psicomotoras I IA IB II IIA IIB III

Esquema corporal 2 3 a 12 13 a 18 19 20 a 24 25 a 33 34

Orientação espacial 2 3 a 9 10 a 14 15 16 a 23 24 a 33 34

Orientação temporal 1 2 a 8 9 a 14 15 16 a 25 26 a 33 34

Quadro 1: Estágios de Desenvolvimento Psicomotor – Pontuação Esperada Fonte: Oliveira (2008, p. 99).

Neste trabalho, serão relatados apenas os resultados referentes aos aspectos do

desenvolvimento da noção de tempo. Os testes referiram-se ao reconhecimento de

noções temporais por meio de perguntas sobre atividades cotidianas tarde, noite, manhã,

antes, depois, dias da semana, meses do ano e observação de relógio; seqüência lógica

do tempo utilizando cartões com figuras, noção de velocidade e ritmo ao andar e bater

palmas; reprodução de estruturas rítmicas, com batidas sobre uma mesa; reprodução de

um ditado rítmico com grafismos sonoros.

Resultados

3 Dados retirados da dissertação de mestrado de PEREIRA, Lílian Alves. Prevenção de dificuldades na construção do espaço topológico por meio de intervenção pedagógica com ênfase na área psicomotora e tomada de consciência com alunos da educação infantil. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2009.

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Para a compreensão dos dados obtidos é importante ressaltar que a idade

cronológica foi um fator relevante para identificar se o estágio em que a criança se

encontrava era ou não o esperado para determinada faixa etária. Assim, como todas as

crianças entrevistadas apresentavam idade entre 4 e 5 anos, os resultados esperados

corresponderiam aos níveis IA e IB de desenvolvimento das habilidades de orientação

temporal.

Contudo, entre as crianças situadas no nível IA (63% do total), 28%

apresentavam desenvolvimento psicomotor abaixo do esperado para sua idade

cronológica; 3% dessas crianças foram classificadas no nível I, também abaixo do

esperado; enquanto 32% (do percentual de 63%) dessas crianças mostraram-se em

acordo com o esperado para sua faixa etária. Além disso, as crianças classificadas no

estágio IB (31,7%) mostraram desenvolvimento psicomotor esperado para sua idade

cronológica. Do total de crianças entrevistadas apenas uma foi classificada no nível IIA,

portanto, em um nível superior ao esperado para sua idade cronológica.

Entre as maiores dificuldades encontradas pelas crianças consideradas com

desenvolvimento psicomotor abaixo do esperado referem-se à construção da noção

temporal, um dado relevante para o nosso estudo, pois interfere diretamente na

reprodução de estruturas rítmicas. Isso significa que para sua faixa etária os alunos

apresentaram precocemente defasagem em relação ao reconhecimento de noções

temporais (identificação do antes, depois, dias da semana, meses do ano e observação de

relógio); seqüência lógica do tempo organização de figuras e contagem de história);

noção de velocidade e ritmo (andar acompanhando o ritmo de palmas); reprodução de

estruturas rítmicas (reprodução de batidas /som produzido); simbolização de estruturas

temporais por meio de leitura (ler e dar batidas correspondentes com o lápis); ditado

(ouvir batidas e desenhar as bolinhas correspondentes).

Os resultados obtidos pelas crianças neste estudo sustentam os encontrados em

pesquisas anteriores, como a de Oliveira (1992) que identificou, dentre as dificuldades

de aprendizagem, as relacionadas ao desenvolvimento psicomotor, incluindo

especialmente o tempo; e a de Fávero (2004), na qual os alunos das escolas investigadas

(pública e particular) que apresentavam dificuldades de aprendizagem em escrita

também manifestavam desenvolvimento psicomotor (também com destaque para a

noção de tempo) abaixo do esperado para sua idade cronológica.

Considerações finais

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Como procuramos destacar neste artigo consideramos a existência de

paralelismo entre os processos de construção da escrita do ritmo musical e da noção de

tempo métrico. Deste ponto de vista, consideramos possível a aprendizagem de

conceitos fundamentais à unidade métrica do tempo por meio de exercícios musicais,

como as batidas rítmicas. A partir deste tipo de abordagem da música, as abstrações

sonoras podem tornar-se mais concretas e significativas para o desenvolvimento

cognitivo e conceitual dos indivíduos. A produção musical, por mais simples que seja,

como os movimentos sonoros retirados do próprio corpo – bater palmas -, podem servir

como instrumento de aprendizagem do ritmo musical, do tempo e do número.

Além disso, em conjunto com os dados de nossa pesquisa sobre o atraso precoce

do desenvolvimento da noção de tempo, consideramos que o ensino musical pode servir

como um trabalho preventivo para o desenvolvimento dessas noções. A pesquisa

relatada neste artigo confirma estudos anteriores, realizadas com faixas etárias mais

avançadas como os de Oliveira e Fávero, que em conjunto demonstram o franco

aumento do atraso do desenvolvimento psicomotor das crianças que inclui a noção de

tempo.

Tendo em vista esses resultados importa à instituição escolar lançar mão de

meios que favoreçam a prevenção e a superação desses atrasos que podem vir se

converter em dificuldades de aprendizagem não somente na área específica da noção de

tempo, como em campos de conhecimento correlatos – matemática e alfabetização,

entre outras. Destaca-se novamente a relevância do ensino de conceitos musicais desde

a educação infantil não somente para desenvolver conceitos específicos desta área de

conhecimento, como também, para prevenir dificuldades de aprendizagem em outros

campos de conhecimento como o tempo.

De um ponto de vista psicopedagógico, isso significa ultrapassar o uso

meramente instrumental da música na escola e por seu intermédio aprender conteúdos

de outras disciplinas. Assim, além de seu caráter prazeroso e de fruição a partir do qual

o ensino da música é normalmente encarado pelos professores, este conhecimento pode

favorecer a modificação da modalidade de aprendizagem dos indivíduos em seu campo

e em outros campos do conhecimento.

REFERÊNCIAS

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AVANCINI, Marta. Avalanche disciplinar. Revista Educação, edição 138. Acesso em 30/10/2008. http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12533 BAMBERGER, Jeanne. As estruturações cognitivas da apreensão e notação de ritmos simples. In: SINCLAIR, H., org. A produção de notações na criança: linguagem, número, ritmos e melodias. São Paulo, Cortez, 1990. p.97-124. FÁVERO, Maria Tereza Martins. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem da escrita. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2004. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira, 2.ed.rev.amp.,1986. JOURDAIN, Robert. Música, cérebro e êxtase: como a música captura nossa imaginação.Rio de Janeiro:Objetiva, 1998. KOBAYASHI, Maria do Carmo Monteiro. A construção da geometria pela criança. Bauru, SP: EDUSC, 2001. OLIVEIRA, Gislene Campos de. Avaliação psicomotora a Luz da Psicologia e Psicopedagogia. São Paulo: Vozes, 2008. ____________________________. Psicomotricidade: Um estudo em escolares com dificuldades em leitura e escrita. 277 f. Dissertação (Mestrado em educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1992. PEREIRA, Lílian Alves. Prevenção de dificuldades na construção do espaço topológico por meio de intervenção pedagógica com ênfase na área psicomotora e tomada de consciência com alunos da educação infantil. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2009. PACHER, Luciana Andréia Gadotti. Lateridade e educação física. Revista Leonardo Pós-Órgão de Divulgação Científica e Cultural do Instituto catarinense de pós-Graduação (ICPG)v.1. n. 3. ago.dez. 2003. Disponível em: <http://www.icpg.com.br>. Acesso em: 14 set. 2008. PIAGET, Jean. A noção de tempo na criança. Rio de Janeiro: Record Cultural, 1946. SILVA, Adalberto Prado e; et.al. Dicionário melhoramentos da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 8.ed.1977. TOMAZINHO, Regina Célia Zanotti. As atividades e brincadeiras corporais na pré-escola: um olhar reflexivo. Dissertação (Mestrado em educação) – Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, SP, 2002.