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97 ÁLBUM FOTOGRÁFICO NOTA EXPLICATIVA Selecionamos vinte e seis instantâneos que Pierre Bourdieu fez em suas pesquisas de campo entre os Cabilas, no norte da Argélia, e com os camponeses na região do Béarn, no sudoeste da França. Como o próprio esclarece na entrevista que concedeu a Franz Schultheis, em 21 de junho de 2001, no Collège de France, O mesmo olhar etnológico indulgente que eu tive sobre a Argélia, eu tive sobre mim mesmo, sobre as pessoas da minha terra, sobre meus pais, sobre o sotaque de meu pai, de minha mãe, e pude reencontrar tudo isso sem drama. Esse é um dos grandes problemas de todos os intelectuais desenraizados, presos entre duas alternativas: o populismo ou o seu oposto, que é a vergonha de si ligada ao racismo de classe. Eu tive sobre as pessoas com as quais passei minha infância, pessoas muito semelhantes aos Cabilas, o olhar essencialmente tolerante que define a etnologia. A prática fotográfica, inicialmente na Argélia e depois no Béarn, sem dúvida acompanhou e contribuiu muito para essa conversão do olhar que exigia – eu acredito que a palavra não é suficientemente forte – uma verdadeira conversão. A fotografia é assim uma manifestação da distância do observador que registra e que não perde a noção de que registra (o que não é sempre fácil em situações familiares, como no [caso do] baile [em “Lesquire”]); mas ela supõe também toda uma proximidade diante do familiar, atenta e sensível aos detalhes imperceptíveis que a familiaridade permite e obriga a perceber e a interpretar no trabalho de campo (não se diz de alguém que se porta bem, amigavelmente, que ele é ‘atencioso’?), [atenta e sensível] aos menores detalhes que escapam freqüentemente ao etnólogo mais vigilante. Ela está ligada à relação que eu nunca deixei de ter com o meu objeto. Tirando o fato de ter medo de cair no ridículo, ser afetuoso e muitas vezes comover-me, eu nunca esqueci de que se tratava de pessoas sobre as quais eu tinha um olhar que eu diria simpático [...] As fotografias que se pode rever à vontade, como as gravações que se pode escutar de novo (sem falar no vídeo), permitem descobrir detalhes imperceptíveis ao primeiro olhar e que não se pode, por discrição, observar de forma grosseira durante a pesquisa [...] de campo 1 . 1 Cf. Pierre Bourdieu, Images d’Algérie. Une affinité élective. Ouvrage conçu par Franz Schultheis et Christine Frisinghelli. Paris : Actes Sud/Camera Austria/Fondation Liber, 2003, p. Este livro foi planejado para servir como o catalogo da exposição “Pierre Bourdieu: images d’Algérie. Une affinité élective” levada no Instituto do Mundo Árabe de 23 de janeiro a 2 de março de 2003, em Paris. Ela mostrou cerca de cento e vinte das duas mil fotografias feitas por Pierre Bourdieu na Argélia, entre 1958 e 1961. Tradução: Adriano Codato. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 26, p. 97-123, jun. 2006 Recebido em 16 de novembro de 2005 Aprovado em 10 de dezembro de 2005

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 26: 97-123 JUN. 2006ÁLBUM FOTOGRÁFICO

NOTA EXPLICATIVA

Selecionamos vinte e seis instantâneos que Pierre Bourdieu fez em suas pesquisas de campo entre osCabilas, no norte da Argélia, e com os camponeses na região do Béarn, no sudoeste da França.

Como o próprio esclarece na entrevista que concedeu a Franz Schultheis, em 21 de junho de 2001,no Collège de France,

O mesmo olhar etnológico indulgente que eu tive sobre a Argélia, eu tive sobre mim mesmo, sobre aspessoas da minha terra, sobre meus pais, sobre o sotaque de meu pai, de minha mãe, e pude reencontrartudo isso sem drama. Esse é um dos grandes problemas de todos os intelectuais desenraizados, presosentre duas alternativas: o populismo ou o seu oposto, que é a vergonha de si ligada ao racismo de classe.Eu tive sobre as pessoas com as quais passei minha infância, pessoas muito semelhantes aos Cabilas, oolhar essencialmente tolerante que define a etnologia. A prática fotográfica, inicialmente na Argélia edepois no Béarn, sem dúvida acompanhou e contribuiu muito para essa conversão do olhar que exigia – euacredito que a palavra não é suficientemente forte – uma verdadeira conversão. A fotografia é assim umamanifestação da distância do observador que registra e que não perde a noção de que registra (o que nãoé sempre fácil em situações familiares, como no [caso do] baile [em “Lesquire”]); mas ela supõe tambémtoda uma proximidade diante do familiar, atenta e sensível aos detalhes imperceptíveis que a familiaridadepermite e obriga a perceber e a interpretar no trabalho de campo (não se diz de alguém que se porta bem,amigavelmente, que ele é ‘atencioso’?), [atenta e sensível] aos menores detalhes que escapam freqüentementeao etnólogo mais vigilante. Ela está ligada à relação que eu nunca deixei de ter com o meu objeto. Tirandoo fato de ter medo de cair no ridículo, ser afetuoso e muitas vezes comover-me, eu nunca esqueci de que setratava de pessoas sobre as quais eu tinha um olhar que eu diria simpático [...] As fotografias que se poderever à vontade, como as gravações que se pode escutar de novo (sem falar no vídeo), permitem descobrirdetalhes imperceptíveis ao primeiro olhar e que não se pode, por discrição, observar de forma grosseiradurante a pesquisa [...] de campo1.

1 Cf. Pierre Bourdieu, Images d’Algérie. Une affinité élective. Ouvrage conçu par Franz Schultheis et Christine Frisinghelli.Paris : Actes Sud/Camera Austria/Fondation Liber, 2003, p. Este livro foi planejado para servir como o catalogo daexposição “Pierre Bourdieu: images d’Algérie. Une affinité élective” levada no Instituto do Mundo Árabe de 23 de janeiroa 2 de março de 2003, em Paris. Ela mostrou cerca de cento e vinte das duas mil fotografias feitas por Pierre Bourdieu naArgélia, entre 1958 e 1961. Tradução: Adriano Codato.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 26, p. 97-123, jun. 2006Recebido em 16 de novembro de 2005Aprovado em 10 de dezembro de 2005

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 26: 97-123 JUN. 2006

Foto 1 Lasseube,Béarn.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 2 Collo.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 26: 97-123 JUN. 2006

Foto 3 Aïn Aghbel, Collo.© Pierre Bourdieu/FundaçãoPierre Bourdieu, Genebra.Cortesia: Camera Austria, Graz.

Foto 4 Mendigo/Beggar, Babel-Oued, Argel.© Pierre Bourdieu/FundaçãoPierre Bourdieu, Genebra.Cortesia: Camera Austria, Graz.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 26: 97-123 JUN. 2006

Foto 5 Sem título.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 6 Sulfatagemdos vinhedos,Planície da Mitidja/Fotografiapublicada na capado livro Travail ettravailleurs enAlgérie.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 7 Sem título.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 8 Cheraïa,Assentamento emconstrução.Fotografia publicadana capa do livro LeDéracinement.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 26: 97-123 JUN. 2006

Foto 9 Aïn Aghbel,Collo.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 10 Djebabra,Chélif,Assentamento.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 11 Djebabra,Chélif.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: Camera Austria,Graz.

Foto 12 Sem título.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 13 Cheraïa.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 14 Aïn Aghbel,Collo.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 15 Mercador,Bab el-Oued, Argel,abril de 1959.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 16 Djebabra,Chélif.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 17 Aïn Aghbel,Collo.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 18 Sem título.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 19 Djebabra,Chélif.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 20 Sem título.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 21 AïnAghbel, Collo.© PierreBourdieu/Fundação PierreBourdieu,Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 22Alfaiate nonovo povoadode Sangona.© PierreBourdieu/Fundação PierreBourdieu,Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

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Foto 23 Açougueiros,mercado de Warnier.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: Camera Austria,Graz.

Foto 24 Lasseube,Béarn.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: Camera Austria,Graz.

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Foto 26 Fotógrafodesconhecido, Semtítulo (à esquerda,parcialmenteencoberto: PierreBourdieu).© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.

Foto 25 Lasseube,Béarn.© Pierre Bourdieu/Fundação PierreBourdieu, Genebra.Cortesia: CameraAustria, Graz.