nos cruzamentos entre performance e pedagogia

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89 35(2): 89-113 maio/ago 2010 Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva Elyse Lamm Pineau RESUMO – Nos Cruzamentos entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva. Este texto é uma versão ampliada e revista de Teaching is performance, de 1994, no qual eu propunha um marco conceitual para mapear as interseções generativas entre educação libertadora e o emergente paradigma da performance crítica. Essa revisão situa aquele ensaio nas inovações teóricas e metodológicas contemporâneas em pedago- gia da performance e utiliza uma nova poética da escrita performativa como método que representa a pesquisa educacional influenciada pela performance. Palavras-chave: Ensino como performance. Educação libertadora. Escrita performativa. Investigação poética. ABSTRACT - At the Crossroads of Performance and Pedagogy: a prospective review. This text is an expanded and revised version of Teaching is performance (1994), in which I proposed a conceptual framework for mapping the generative intersections between liberatory education and the emerging critical performance paradigm. This revision resituates that essay within contemporary theoretical and methodological innovations in performative pedagogy, while deploying the new poetics of performative writing as a method representing performance-inflected educational research. Keywords: Teaching as performance. Liberatory education. Performative writing. Poetic inquiry.

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Uma perspectiva da pedagogia artistica

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    35(2): 89-113maio/ago 2010

    Nos CruzamentosEntre a Performance

    e a Pedagogia:uma revisoprospectiva

    Elyse Lamm Pineau

    RESUMO Nos Cruzamentos entre a Performance e a Pedagogia: uma revisoprospectiva. Este texto uma verso ampliada e revista de Teaching is performance, de1994, no qual eu propunha um marco conceitual para mapear as intersees generativasentre educao libertadora e o emergente paradigma da performance crtica. Essa revisositua aquele ensaio nas inovaes tericas e metodolgicas contemporneas em pedago-gia da performance e utiliza uma nova potica da escrita performativa como mtodo querepresenta a pesquisa educacional influenciada pela performance.Palavras-chave: Ensino como performance. Educao libertadora. Escritaperformativa. Investigao potica.ABSTRACT - At the Crossroads of Performance and Pedagogy: a prospectivereview. This text is an expanded and revised version of Teaching is performance(1994), in which I proposed a conceptual framework for mapping the generativeintersections between liberatory education and the emerging critical performanceparadigm. This revision resituates that essay within contemporary theoretical andmethodological innovations in performative pedagogy, while deploying the new poeticsof performative writing as a method representing performance-inflected educationalresearch.Keywords: Teaching as performance. Liberatory education. Performative writing.Poetic inquiry.

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    I am a crossroads creature.More quiver than core,articulate body listens.

    Im a builder of scaffoldsWhose weight-bearing beamsbare bones, bear fruit, bear witness.

    Im a performance teacher:work, flesh of my fleshin the service of justice.

    Passaram-se dezesseis anos desde que eu me coloquei no cruzamento daeducao libertadora e dos estudos da performance, olhando e escutando aconcatenao de conceitos nas conversaes contguas entre acadmicos demeu curso de formao e educadores crticos dos Estados Unidos que, inspira-dos pelo trabalho de Paulo Freire, estavam abrindo caminho para uma anliseperformativa da educao americana.

    Tal ato de escuta atenta interdisciplinar resultou no texto Teaching isperformance: reconceptualizing a problematic metaphor (1992), o qual setornou um dos fundamentos no desenvolvimento de uma pedagogiaperformativa crtica junto aos estudos da comunicao. Devo admitir apenasuma pequena parte do crdito pela ressonncia do artigo. Vivamos um momen-to histrico, uma encruzilhada acadmica, por assim dizer: um novo paradigmaemergia dos Estudos da Performance (Conquergood, 1986; Pelias; VanOosting,1987); educadores crticos comeavam a se indagar sobre os rituaisperformativos do processo escolar (McLaren, 1986; 1988); artistas-acadmicosde ambas disciplinas exploravam a potica e a poltica do aprendizado incorpo-rado (Greene, 1998; Fuoss; Hill, 1992). Naquele momento, eu buscava escreveruma reviso de literatura heurstica, articulando as intersees gerativas entrea performance e a pedagogia. Argumentava que a concepo corrente de pro-fessor-artista e, mais precisamente, de professor-ator, diminua a complexidadetanto dos fenmenos educativos quanto performativos. Ao deslocar o paradigmada performance artstica para a performatividade cultural, que estava trans-formando minha prpria disciplina (Conquergood, 1986; 1989;1991; Langellier,1986; Strine; Long; HopKins, 1990), eu propus um esquema alternativo para apedagogia performativa, ligado aos preceitos da educao libertadora. Por lti-mo, porquanto tenha tomado o professor de sala de aula como fundamento deminha identidade de pesquisadora, retirei exemplos do meu primeiro seminriode ps-graduao, Ensino como Performance, um foco curricular agora lugarcomum em muitos cursos de ps-graduao.

    Retorno ento quele artigo a fim de recapitular e refletir sobre algunsargumentos para esse nmero especial de Educao & Realidade. O convitepara contribuir , ao mesmo tempo, uma honra e uma oportunidade. Ns, acad-

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    micos, raramente temos a chance de revisitar nossa obra inicial com um repert-rio crtico e metodolgico mais maduro, o que Freema Elbaz (1983) chamou deconhecimento profissional pessoal, aquilo que um professor desenvolvedurante toda a sua vida no cara a cara com seus alunos na sala de aula. Oartigo, assim, retorna de maneira mais aprofundada linguagem e ao pas desua gnese conceitual, da tradio brasileira da educao emancipatria. O quesegue, portanto, uma verso retrospectiva e condensada do artigo original,retendo dele, tanto quanto possvel, conceitos e referenciais tericos chaves.Utilizo tambm ideias de um artigo posterior (Critical performative pedagogy:fleshing out the politics of liberatory education) em que operacionalizo comoa pesquisa a respeito dos corpos ideolgicos, etnogrficos e performticospode facilitar uma agenda libertadora (Pineau, 2002, p. 42). Por fim, porm nomenos importante, sobretudo para mim, utilizo meu trabalho de campo comestudantes nas performances de sala de aula como evidncia e argumento.Neste trabalho, contudo, focalizo quatro experincias fundamentais e altamen-te performativas, que dizem respeito, segundo me parece, emergncia de umanova potica dos estudos educacionais.

    Em sua atual e pertinente histria dos Estudos da Performance, ShannonJackson, na obra The Ruined University, supe uma genealogia desses estu-dos que estariam sobremaneira

    [...] relacionados pedagogia, na qual as filigranas da pedagogia, suas brevesiluminaes, suas intervenes conscientes, sua dedicao diria e seus encon-tros de momento a momento, so todos eles intensamente transformadores eresistentes documentao tradicional. A pedagogia da performance constituium repertrio como nenhum outro, um espao de responsabilizao humanaque resiste a modos profissionalizados de responsabilizar (2009, p.12).

    Quero discutir a noo apresentada por Jackson de uma documentaoresistente do momento pedaggico, ou seja, aquelas experinciastransformadoras de sala de aula com as quais tenho, nos ltimos dezesseisanos, tentado desenvolver um repertrio crtico do ensino como performance.Em um esforo para capturar a metodologia do corao (Pelias, 2004) quecaracteriza a sala de aula de performance, parto de uma escrita performativacomo uma estratgia de representao potica que tem mais uma vez transfor-mado aquilo que entendemos e desenvolvemos como performance (Pollock,1998; Madison, 1999; Pelias, 2007). Nossa convergncia interdisciplinar atualtem sido a causa de uma potica nova e radical da pesquisa educacional, inclu-indo um romance metodolgico sobre um seminrio de ps-graduao ficcionalde autoetnografia (Ellis, 2004); uma etnografia crtica de estudantes apresen-tando-se como testemunhas em uma sala de aula de performance (Warren,2003); a explorao de um arquivo de performances gays no contexto daheteronormatividade (Gringrich-Philbrook, 2002); um romance de formaoepistolar de um relacionamento de orientao de doutorado (Sameshima, 2007);

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    um dilogo em texto e imagens entre professor e estudante (Quinn; Calkin,2008); e respostas poticas crticas ao engajamento corporal de estudantescom a teoria (Alexander, 1999; 2002).

    Ao preparar esse ensaio, fui atingida pelos abalos ssmicos que ocorreramno complexo, criativo e crtico diapaso a partir do qual a performance estsendo agora teorizada e praticada, em ambas as disciplinas. Incorporar a exten-so dessa virada est para alm do escopo deste ensaio; todavia, acredito queela seja visvel na justaposio do texto original com exemplos contemporne-os. Tentei preservar as projees provisrias do primeiro ensaio escrito quandoeu era uma professora jovem e iniciante, ainda sem estabilidade no emprego,quando a performance estava apenas comeando a ser incorporada no discur-so educacional , ainda que na contramo de modelos que se tornaram poss-veis e significativos e que agora contam com duas dcadas de inovao tericae prtica. Nesse sentido, minha personalidade de escritora dobrada no tempocomo copresena performativa de mim, o que, segundo Spry (2006), a defini-o do tema autoetnogrfico. Redesenho ento o ensino como performance nocruzamento de minhas personalidades passadas e presentes, desde uma peda-gogia performativa crtica e articulada na frequncia da potica performativa.

    Uma Re-Viso

    A afirmao de que ensinar uma performance nos parece de prontoautoevidente e um oxmoro. Como uma expresso coloquial, a metfora daperformance imediatamente reconhecida por educadores experientes que per-cebem que um ensino eficaz frequentemente repousa sobre tcnicas teatraisde ensaio, dramaturgia, improvisao, caracterizao, timing, presena cnicae crtica. Como alegao terica, contudo, essa afirmao problemtica, seno polmica, face s suposies institucionalizadas sobre o propsito daeducao e a funo dos educadores. A ideologia da educao americana temsido construda sobremaneira em modelos de tecnologia, indstria e burocraciacorporativa (Doyle, 1986; McLaren, 1989; Reitman, 1986; Wise, 1979). A predo-minncia das metforas do mundo do trabalho no projeto curricular e da forma-o de professores tem contribudo para uma experincia educacionaldesumanizada e de progressiva desvalorizao dos professores (Egan, 1988;Marshall, 1988). As analogias entre os contextos educacional e corporativosituam os professores como tcnicos semicapacitados cuja confiabilidade acercade sua produtividade se baseia na pontuao dos estudantes em testes deavaliao padronizados. Tal utilitarismo empobrece brutalmente a experinciaeducacional tanto para os professores quanto para os educandos, como men-ciona McLaren, e contribui para o desenvolvimento de uma classe trabalhado-ra semiformada e de uma classe de executivos com uma formao mais liberal.

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    Em geral, o novo discurso conservador da inteligncia eficiente tem encorajadoas escolas a definirem-se basicamente como instituies prestadoras de servi-os, encarregadas da tarefa de fornecer aos estudantes a competncia tcnicanecessria para que esses encontrem um lugar dentro da hierarquia das grandescorporaes (McLaren, 1989, p.5).

    No sem razo que, quando, pela primeira vez, foi cristalizada a analogiado ensino como performance, no comeo dos anos de 1980, que isso tenha tidouma difcil aceitao dentro do mainstream educacional. A maioria dos ameri-canos, incluindo a maioria dos educadores, observou Reitman, acreditamque o ensino tem fundamentalmente uma funo utilitria, e, por isso, impor-tante demais para ser entendido como uma arte (1986, p.137). A compreensoamericana corrente na linguagem ainda desconsidera o ensino teatral como umcantar e danar ou um curso popular como simplesmente um show de cachor-ros e pneis. Tais eptetos, duplamente danosos, atestam o quo profunda-mente entranhado e ferozmente mantido o preconceito antiteatral quando aperformance fora, de qualquer maneira significativa, mudanas no to srio epoltico mundo da educao.

    A performance primeiramente ganhou espao na educao, assim comonos estudos da comunicao como uma metfora de identidade para professo-res e como um mtodo de ensino participativo. Professores eram encorajados ase conceberem como atores envolvidos em dramas educacionais (Timpson;Tobin, 1982; Rubin, 1985), como artistas, operando com uma intuio criativa(Dawe, 1984; Hill, 1985; Barrell, 1991), como regentes, orquestrando experinci-as de aprendizagem (Park-Fuller, 1991) e como contadores de histrias (Cooper,1983; Egan, 1986), transmitindo narrativas folclricas e pessoais para envolveros estudantes. Em 1993, a revista Communication Education devotou umaedio especial para apresentar narrativas de quando ensinar funciona, e aEducational Forum produziu um nmero especial sobre a aprendizagemsinestsica. Alguns educadores de pensamento reformista, tais como PeterMcLaren (1986; 1988), comeavam a conceitualizar a educao como umaperformance ritual por intermdio do exame das regras, papis e ritos queconstituem formas de participao. A despeito do interesse crescente pelaperformance, pesquisadores do campo da educao, no acostumados dedi-cao diria (Jackon) de uma sala de aula de performance, tinham pouco parase basear do ponto de vista metodolgico. Em geral, a literatura igualouperformance a desempenho, utilizando-a principalmente como dicas de ensinopara energizar a personalidade dos professores em sala de aula. Esses artigospodem ser frouxamente categorizados em torno das metforas do professor-ator e do professor-artista; ambas baseadas num modelo restrito centrado noator que empobrece tanto a experincia educacional quanto a experinciaperformativa. A seguir, esboo com largas pinceladas algumas caractersticas elimitaes dessa metfora originria.

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    Professor-ator

    Ironicamente, muitos daqueles que se arraigaram mais explicitamente ter-minologia da performance so os que construram a defesa mais fraca. A met-fora do professor-ator foi baseada numa equao indistinta entre experinciaeducacional e experincia teatral e em uma concepo de performance total-mente centrada no ator. A performance foi reduzida a um estilo de desempenhode teatralidade entusiasta empregada para despertar estudantes sonolentos,para envolv-los como que magicamente nas primeiras aulas da manh. O arti-go de Timpson e Tobin, Teaching as performing: a guide to energizing yourpublic presentation (1982), representativo dessa posio. Os autores se apro-priam de exerccios de iniciao teatral tais como aquecimentos vocais e fsicos,recordaes emocionais e pantomima para realar a comunicao docente noverbal e paralingustica. Com efeito, a prescrio a de que cada um se esforcepor ensinar como um ator (1982). Tais estudos isolam o performer do contextoda performance, privilegiam comportamentos comunicativos em detrimento deevento ou da interao comunicativa, posicionam, alm do mais, os estudantescomo um corpo amorfo e no reflexivo que responde melhor a uma energiaacelerada de fato, com canes e dana. No somente essa perspectivarepousa sobre um sentido empobrecido de performance, como diminui de igualmodo a complexidade das interaes educacionais. Igualar a comunicaoeducativa ao estilo representacional desvaloriza sobremaneira o trabalho inte-lectual do ensino e comparvel, nos lembra Sprague, a substituir jornalistasintelectualmente formados por apresentadores atraentes que projetam uma ima-gem atraente dos meios de comunicao (1992, p.8).

    Ainda que eu no queira ignorar a eficcia de um estilo vivo de leitura oumesmo da ilustrao dos conceitos de uma aula por intermdio de narrativas deexperincias pessoais, o modelo anterior do professor-como-um-ator no temcapacidade de aproveitar a riqueza da metfora e, de fato, ameaar fechar-separa fora de um dilogo substantivo. Essa ideia permitiu que crticos comoRalph Smith projetassem que se a analogia da atuao fosse levada ao seuextremo lgico, um professor que tivesse tomado isso seriamente nunca teriaque entender nada (1979, p.33). Ou, para tomar emprestadas as palavras de umcolega: eu costumava atuar na sala de aula, mas agora eu estou mais preocu-pado com a experincia dos meus estudantes.

    Professor-artista

    A concepo de professor-artista uma resposta a John Dewey (1929),para o qual uma educao para uma cidadania comprometida e democrticaestaria enraizada em uma experincia esttica que educa a imaginao, apri-

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    mora a sensibilidade e fornece experincias plenas para os estudantes. Diver-sos pensadores da educao utilizam-se da metfora do professor-artista, de-fendendo a sensibilidade esttica e a criatividade espontnea associadas aosartistas da cena. A marca distintiva de um professor-artista, observa Barrel, sua voluntariedade para abandonar a insistncia acerca de objetivoscomportamentais claramente definidos e de resultados de aprendizagem previ-sveis em vista da liberdade para adaptar e explorar novos caminhos de resulta-dos imprevisveis (1991, p.338). Elliot Eisner e Maxine Greene (1995; 2001) soprecursores do movimento do professor-artista; a obra de ambos sobre umapotica educacional enfatiza a complexidade de populaes e ambientes deaprendizagem diversos juntamente com a centralidade da imaginao e dasartes em qualquer esforo educacional. Professores-artistas, dizem eles, culti-vam suas imaginaes educacionais ao balancearem desenvolvimento com acriatividade e estrutura com espontaneidade para atender as necessidades doseducandos e estimular reconstrues imaginativas de seus mundos.

    Ainda que a concepo de professor-artista seja filosoficamente atraenteem sua forma originria, ela no , contudo, metodologicamente educativa. Defato, uma descrio do que constituiu uma pedagogia artstica ou mesmo umsistema para avaliar o grau de arte na sala de aula pareceu ir contra a criatividadeinstintiva e aterica associada ao modelo. Esse hiato mostrou-se sobremaneiraevidente na obra The teacher as artist: the case for peripheral supervision, deJohn Hill (1995). O autor argumenta que professores-artistas operam em umnvel de competncia inconsciente por intermdio da qual a interao com osestudantes guiada pelo instinto e pela intuio. Ao formular uma distinoentre artista e arteso, Hill afirma que o professor-artista algum to e topouco autoconsciente que suas habilidades especficas acabam se perdendoentre momentos reflexivos (1995, p.184).

    Uma vez que os professores-artistas respondem, de forma instintiva, corre-tamente a seus estudantes, a racionalidade de seu comportamento escamoteiaa lgica e subestima qualquer fundamentao terica. De fato, a defesa dasuperviso perifrica de Hill foi baseada na suposio de que artistas sovisionrios no reflexivos que requerem uma viso crtica e externa para lhesdizer o que eles esto fazendo e o porqu. Em outras palavras, um professorpoderia ser um artista da cena, mas no um artista pensante ou um artista queteoriza. Professores-performers foram encorajados a estabelecer interaes cri-ativas em sala de aula, mas no pelo discurso educacional acadmico. Como eusou tanto uma acadmica quanto uma praticante da performance, que lutadedicadamente para articular as fontes e as estruturas do conhecimentoperformativo, penso que a posio de Hill , ao mesmo tempo, no sustentvelteoricamente e perigosamente equivocada. Sua viso de uma pedagogiaperformativa foi assim muito facilmente e justificadamente desconsiderada.

    Como ento a metfora do ensino como performance ganhou legitimidadejunto comunidade educacional? Nos anos de 1980, a disciplina de Estudos daPerformance passou por uma radical transformao, que abriu espao para

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    modos tericos substantivos de conceitualizao da performance como umparadigma para a experincia da comunicao humana.

    O Paradigma da Performance

    Em seu texto Between experience and meaning: performance as a paradigmfor meaningful action, o etngrafo Dwight Conquergood anunciou uma viradaparadigmtica do positivismo performance que, segundo ele, permitia osmais radicais e unificadores meios de pensar sobre as realidades humanas(1986, p.28). Mais do que qualquer outro estudioso da performance,Conquergood deu forma redefinio da performance como um paradigma,como uma metfora exploratria, como mtodo de pesquisa e como ativismo dejustia social. Em A paradigm for performance studies, de 1987, Pelias eVanOosting examinaram as renomeaes mgicas que estavam conduzindo aevoluo disciplinar da interpretao oral aos Estudos da Performance. Asse-gurar o estatuto paradigmtico da performance, eles argumentavam, significa-va entender todas as enunciaes como potencialmente estticas, todos oseventos como potencialmente teatrais e todos os pblicos como participantespotencialmente ativos, que podem autorizar a experincia esttica (1987, p.221).Embasados por uma redefinio radical e inclusiva de performers, de textos,pblicos e contextos, Pelias e VanOosting especularam que

    (...) a relao paradigmtica entre a interpretao oral e os Estudos daPerformance pode indicar a performance da literatura como o crculo centralde uma figura concntrica que se alarga para fora, incluindo dramas sociais,rituais, narrao, piadas, metforas organizacionais, conversaes cotidianas,com efeito, qualquer ato de comunicao que satisfaz os critrios de discursoesttico (1987, p.229).

    Esse impulso inclusivo abriu um espao para pensar substancialmente aeducao como sendo performativa. De que modo, precisamente, a prtica dasala de aula, e de maneira geral a cultura educacional, abrem-se para uma inves-tigao performativa? Como pode a experincia de longa data de sala de aulados professores-artistas enriquecer os usos pedaggicos da performance?Como podemos explorar ou discutir a eficcia epistemolgica da metfora doensino como performance?

    Elaborei meu esquema conceitual a partir do germinal ensaio de DwigthConquergood intitulado Poetics, play, process and Power: the performativeturn in Anthropology, de 1989. Nesse texto, Conquergood utiliza quatro pala-vras-chave para fundamentar a perspectiva da performance, dispostas notanto por parmetros de pesquisa, mas pela articulao do esprito de umasensibilidade crtica prpria da performance. Esse ensaio forneceu um firmequadro para tornar salientes as conexes entre a Pedagogia Crtica e a Teoria da

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    Performance, ao mesmo tempo em que propiciou uma considervel descrioetnogrfica de um semestre especfico de prtica. Ao retornar agora a esseesquema, encontro essas palavras-chave potica, representao, processo epoder , que permanecem como as pedras angulares de minha prtica. E euconcluo, tambm, que a prtica de sala de aula permanece como o campo e afundao de meus estudos acadmicos.

    Poticas Educacionais

    A potica de uma pesquisa centrada na performance, afirma Conquergood,

    (...) apresenta a natureza fabricada, inventada, imaginada, construda das rea-lidades humanas. Culturas e individualidades no so dadas, so construdas;mesmo como fices, so ainda construdas, pois [...] elas mantm presentesa promessa de re-imaginar e remodelar o mundo (1989, p.83).

    A potica da performance educacional privilegia do mesmo modo as dimen-ses criativas e construdas da prtica pedaggica. Ela reconhece que educado-res e educandos no esto engajados na busca por verdades, mas sim em ficescolaborativas continuamente criando e recriando vises de mundo e suas po-sies contingentes dentro delas. Uma potica educacional privilegia as mlti-plas histrias e os mltiplos narradores no processo em que as narrativas daexperincia humana so modeladas e compartilhadas por todos os participantesem um coletivo de performance. A pedagogia performativa suplanta o depsitode informaes tal como aparece no modelo de educao bancria de PauloFreire em prol da negociao e da encenao de novas formas de conhecimen-to. De acordo com McLaren, o educador centrado na performance compreendeo ensino basicamente como um drama improvisado que ocorre dentro de umanarrativa curricular (1988, p.174). Com efeito, a performance reenquadra todo oempreendimento educacional como um conjunto mutvel e contnuo de narrado-res, histrias e performances, mais do que a simples e linear acumulao decompetncias disciplinares especficas e isoladas.

    Os estudos baseados em narrativas no planejamento curricular, assim comoo estudo das metforas nas falas dos professores, foram particularmente ade-quados articulao da performance educacional. Em seu texto Teaching asstorytelling, Kieran Egan afirma que a forma narrativa reflete mais precisa-mente a predisposio para compreender o mundo de maneira afetivamenteengajada (1986, p. 79). Egan desenvolveu uma abordagem baseada em estri-as para a elaborao do planejamento de uma disciplina (1988) de modo a tornaro material mais acessvel, relevante e de engajamento afetivo para alunos daescola fundamental com os quais ele trabalhava. Estudos das falas dos profes-sores enfatizaram as metforas utilizadas pelos professores na conceitualizaode si mesmos dentro e fora da sala de aula. Os estudos etnogrficos de Clandinin

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    (1986) e Munby utilizaram observao participante e entrevistas para capturaro pensamento dos professores em sua prpria linguagem (Munby, 1986, p.86)e observar como seus insights experimentais influenciam as interaes cotidi-anas na sala de aula.

    A potica da performance educacional salienta as dimenses estticas doensinar e do aprender, o contnuo fazer e refazer de ideias e identidades noespao compartilhado da sala de aula. Que narradores so hoje privilegiados?Quais so as consequncias de tomar os estudantes antes como personagensem uma estria formativa que como agentes narrativos em seu prprio proces-so de aprendizagem? Como pode ser utilizada a competncia interpessoal coma qual os estudantes contam estrias para facilitar sua articulao com estriastericas dentro de sala de aula? O que significaria estetizar o espao da sala deaula em um comentrio crtico e deliberado sobre a partilha entre arte einstitucionalizao? Por fim, como as observaes detalhadas da etnografiapedaggica poderiam ser proveitosamente combinadas com a evocao vividade lugares e pessoas das narrativas ficcionais?

    Mural

    Comeou de forma inocente. Apenas um exerccio de fazer a sala habitvel.Expulsos da sala de aula em que sempre fazamos as nossas performances porfora de um erro burocrtico, ns colocamos nosso seminrio de potica edu-cacional na estrada, movendo-o, escada abaixo, para uma sala no outro lado dadiviso entre arte e educao. Ao trocar a atmosfera iluminada, com tapetemacio, de nosso santurio, por mesas apertadas em fileiras apertadas, sobre umpiso frio, dezoito de ns tomaram a questo da potica educacional como umprincpio (Greene, 1995), uma prtica (Jagodzinski, 1992), uma poltica (Gitlin;Peck, 2005) e um processo de regozijo (Sameshima, 2007). Fomos comprimidosem uma estreita alcova na qual quatro turmas de cursos diferentes circulavam,e nossa sala acumulou os detritos de muitas disciplinas. Escaninhos azuiscobriam uma parede, com ganchos de metal para roupas altura baixa para oalcance das mos de crianas, uma lembrana de metal para deixar o seu eu naporta ao entrar na sala de aula. Um amontoado de mesas extras, que excediams retas filas, empilhadas em um canto, sua superfcie de madeira e estrutura demetal abertas feito os maxilares de um grande tubaro a arrebatar acima umcorpo. Contornada por quadros-negros tal qual um navio de batalha, uma mesade professor, acorrentada a um antigo retroprojetor, acorrentado a um carrinhocom algumas rodas faltando, destacava-se. Um sof velho de couro surrado,com trs lugares ou quatro, caso voc seja descolado e no se importe de sesentar em cima do brao do sof no costado da parede do fundo. Estvamospresos por todos os lados por quadros-negros sem giz, luzes fosforescentesque nunca diminuam, dilogos rabiscados em corredores e muros de blocos de

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    cimento verde e plido que so padro nas salas de aula de todo o pas. desnecesrio dizer que no nos sentamos em casa.

    E assim comeou, de maneira inocente, um esforo para honrar o lar daperformance no exlio. Penso que Jagodzinski tenha nos despertado para opapel: um pedao de papel de aougue em branco, de dois metros por doismetros (apenas um corpo esquadrinhado), colado na parede com um convitepara pintar sobre nossas impresses sobre a educao. Foi um resumocorporificado de uma pesquisa de grupo intitulada Curriculum as felt throughsix layers of an aesthethetically embodied skin: arch-writing on the body, de1992, e, respondendo provocao de Jagodzinski de tomar a sala de aulacomo um envelope que simboliza a mitologia de uma cultura (1992, p.175), ogrupo nos ofereceu tempo e ferramentas para confeccionarmos um mural queexporia nossas experincias de educao.

    Primeiro vieram as prototpicas fileiras de mesas marcadas em preto; a se-guir, a silhueta meio tracejada de estudantes com os rostos emburrados,apequenados por um professor inexpressivo cujo corpo dividido pela fita pretatrazia a legenda O grande e malvado assessor com estabilidade no emprego,posto no centro, em uma macabra variao do jogo da velha, na qual o X marcao vencedor. Uma margem quadriculada alinha uma face do papel como umcalendrio de parede de algum em priso perptua. Ao trabalhar coletivamentecom lpis crayon e fita isolante, ns depositamos nossas impresses: rabiscostransformavam-se em pssaros, em arco-ris, em comentrios sobre o que eramuralizado dentro e fora desse simulacro que no pode ser padronizado.

    Ns deixamos o papel ficar. Ao menos por um momento, pensamos. Ne-nhum mal em reivindicar um espao na parede apenas um corpo esquadrinha-do no qual expnhamos figurativamente questes sobre arte e educao.

    Como uma cortina cnica, nosso mural permaneceu na parede por toda adurao do semestre, pintado periodicamente na medida em que nossas aulasavanavam. Eu no saberia dizer quem pintou o que e quando, ou que indica-es provocaram adies ou revises ao mural que agora dominava a sala. Euno falo; eu no posso falar; eu no falarei conjugado em francs com legen-das em alemo, em algum ponto atravessado por uma linha vertical em lnguainglesa. Quando no pergunte; no diga apareceu em uma cruz de fita preta,ningum sabia dizer ao certo o que esse silncio significava, ou que bocasforam tapadas feito um envelope sendo selado na mitologia de nossa cultura.No importa, pensamos. Um mural uma propriedade comunitria, umaperformance pblica, o que significa que desde sempre um lugar de luta noqual interesses contrrios se intersecionam e no qual diferentes pontos devista e vozes so articulados (Conquergood, 1986, p.84).

    Ao fim do semestre, o mural j tinha se tornado propriedade comunitria:uma rea de papel em branco, feito um corpo esquadrinhado, no cruzamento dequatro disciplinas nas quais quatro turmas passavam umas pelas outras incog-nitamente, feito estranhos no exlio. Exlio, tanto fsico quanto psicolgico,Jagodzinski afirma que talvez esse seja a barreira mais difcil de ser cruzada,

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    porque demanda que lutemos com o paradoxo de ter de rejeitar uma tradiointeira que nos permeia, mas ao mesmo tempo perceber que um novo espaoprecisa ser construdo (1992, p.176). O impulso para resistir e reconstruir oespao da sala de aula no era limitado aos participantes do seminrio, e namedida em que o tempo passava, outros seres no identificveis sentiam-secompelidos a deixar sua marca na parede.

    Certo dia, uma goma de mascar endurecida foi grudada e um corpo mortocom a seguinte legenda sobre a configurao da palavra cruzada trilngue:Algum pode me ouvir? Esses enfeites trazidos por outros, frequentemente poroutros que no do nosso grupo, tornaram-se uma pequena, mas subversivacamada de nosso mural na medida em que as semanas passavam. Paulatina-mente, o mural acumulou traos de muitas mos e de muitos cursos, sobrepos-tas umas s outras, como resposta ao nosso convite de fazer arte e teoria naparede partilhada de nossa sala de aula, que foi preenchida e desenvolvida poroutros annimos que tambm se sentiam, presumimos, exilados de sua casanaquele lugar.

    Quando o curso chegou ao seu fim, ns deixamos o mural permanecer, talcomo um epitfio que marca o lugar onde nossos corpos costumavam estar.Por quanto tempo ele l ficar?, nos perguntvamos: esse registro pictrico,esse ensaio artstico sobre o que pode significar e como pode soar escrever nasparedes da sala de aula feito um artista de grafite educacional.

    No outono, claro, o mural j tinha se ido e a sala retornava sua plidacolorao verde. No nos surpreendemos. O que excesso excede a avaliao.O que est fora do lugar deve ser limpo. Todos sabem que os produtos depintura infantis, tais como os lpis crayon, no tm lugar na sala de aula dauniversidade. O apagamento um procedimento-padro de manuteno dolimite entre a arte e a educao.

    Jogo Educacional

    A natureza ldica da performance, diz Conquergood, est relacionada improvisao, inovao, experimentao, ao contexto, reflexo, agitao, ironia, pardia, ao sarro, ao cmico e carnavalizao (1989, p.83). Comoum ato performativo, o jogo permite uma compreenso cintica e sinestsicadas experincias vividas reais e imaginadas, a despeito das responsabilidadese culpabilidades que em geral atendem a tal experimentao. Conquergoodexplica: O sinal metacomunicativo isto um jogo nos libera temporariamente,mas no nos desconecta, da realidade cotidiana e das responsabilidades, abrin-do um espao privilegiado para a desconstruo e a reconstruo (1989, p.83).Como mtodo pedaggico, o jogo performativo privilegia o envolvimento ple-no do corpo combinado a uma espcie de autorreflexo precisa da natureza edas implicaes da ao de cada um. O curso interdisciplinar de Harrison-

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    Pepper (1991) sobre ritual, jogo e comportamento expressivo integra aperformance metodologicamente ao utilizar a improvisao, o jogo e as repre-sentaes rituais para explorar as leituras do curso. Nesse sentido, Harrison-Pepper reflete: Estudantes usavam a si mesmos e seus prprios comportamen-tos como uma ferramenta primria interdisciplinar do curso (1991, p.127).

    O jogo performativo alinha-se com o poder e a poltica, continuaConquergood:

    [...] assim que uma viso de mundo tenha sido fabricada, linhas so destaca-das, categorias definidas, hierarquias erigidas, um personagem arquetpicoaparece, o trickster . Movendo-se no rompimento das normas, na violao dostabus, o trickster vira tudo de cabea para baixo. Ao jogar com a ordem social,desalojando certezas, ele acaba por intensificar a conscincia da vulnerabilidadede nossas instituies. O impulso brincalho do trickster promove um crticoe radical autoquestionamento que leva a um conhecimento de si mais profun-do, o primeiro passo para a transformao (1989, p.83).

    O trickster pedagogo joga com a destruio de padres entranhados,desestabilizando relaes de poder e abrindo um espao para uma genunapedagogia revolucionria. Tal trickster poderia perguntar: sob que condiesesto os participantes autorizados a quebrar as normas? No h nunca umaao culpvel? a subverso na sala de aula genuinamente revolucionria ou um acontecimento isolado rapidamente contido e controlado pela institui-o? Como ns enquadramos a resistncia ou a licena para a transgressoface aos comportamentos entranhados e s expectativas?

    Pedagogia da Instalao: uma prtica de primeiro dia

    Primeiro dia. Primeira vez. Recordo-o to vivamente...Primeiro dia. Primeira vez. Orientando. Procurando uma direo.Primeiro dia. Primeira vez. Estes momentos, eu aprenderia, so lendas (Warren,2007, p.1).

    Cada primeiro dia, um novo imaginar ensina-me o poder do primeiro momentodo contato. Eu conheo o poder do primeiro dia, da primeira vez. Disso eu seiporque ela me ensinou o que uma primeira impresso pode significar, usadocomo um molde para pensar sobre a pedagogia performativa na universidade(Warren, 2007, p.4).

    Eu amo o primeiro dia da escola.Amo os cadernos novos, os lpis afiados, os rostos ansiosos.De estudantes-performando-estudantes como esperado, como previsto h anospelas regras de como agir no primeiro dia:uma lista de chamada, um plano de estudos, um sair mais cedo.

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    Eu amo at o modo como as fisionomias caem quando os minutostiquetaqueiam,indicando que o tempo demasiado precioso para ser desperdiado.Mesmo no primeiro dia, nossa primeira vez de conjuno.H tanto para acertar no primeiro dia de aula e talvez essa tenha se tornadominha marca pedaggica:uma orientao desconstrutiva,uma instalao de performance,marcando ou mascarando a entrada da sala em que nos encontramos.No h nenhuma tbula rasa, salvo cadernos em branco.H apenas folhas de almao com espao nas margens para rabisco.

    Primeiro dia. Primeira vez. Ensino como Performance 2004:de minha vantajosa posio, no canto escondida, eu podia v-los ajuntando-se.A porta para nossa sala de aula de performance estava fechada e ningumtentou abri-la.Isso era de se esperar em uma classe de performancena qual o protocolo demanda que se espere pelo aplauso antes de interrom-per o espao.Alm do mais, era o primeiro dia de aula e aqueles que estavam por dentrosabiam do folclore em torno do primeiro dia de prtica, a pedagogia dainstalao.Coisas subversivas eram colocadas em marcha [...] a subverso sempre logoali na esquina pregando peas nas expectativas (Warren, 2007, p.4).Um pequeno sino de mo permanecia silencioso sobre um banquinho frenteda porta.Tal como em um altar ou um avatar guardando um condomnio fechado, umcoletivo de universitrios. Afixado na porta um cartaz para ser lido:Comportamento ritual de Estudos da Performance.Vocs sabem como funciona.A aula inicia quando o sino bate.

    L ficaram por muito tempo, balindo feito ovelhas frente da porteira, de umbanquinho, de um sino e de uma regra.Eles esperavam por instrues.Eles esperavam por permisso.Eles esperaram para ver quem iria dar o primeiro passo a frente para pertur-bar as regras que governam o primeiro dia de seu primeiro semestre comoalunos de formao de professores na ps-graduao.Eles esperaram um longo tempo, at que o evidente se tornasse bvio.

    Ento algum levantou o sino e o tocou.E como ovelhas eles se moveram em uma fila para dentro da sala.O primeiro dia da reeducao havia comeado.

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    Processo Educacional

    A terceira palavra-chave de Conquergood para a pesquisa performativa processo: o emergente, temporal, contingente, provisrio, indeterminado, di-nmico, desestabilizando [...] mudana do produto produtividade (1989, p.83).A performance privilegia as fluidas, contnuas e frequentemente contraditriasrepresentaes da experincia humana que resistem reificao e ao fechamen-to. A performance reconhece que as identidades so sempre mltiplas, sobre-pondo-se a um conjunto de seres reais e possveis que encenam a si mesmoscontextualmente e em comunidade. A fluidez da performance reverbera com apesquisa que examina a multiplicidade de papis e de responsabilidades queprofessores assumem no curso de sua vida pessoal e profissional. Por exemplo,Madeleine Grumet afirma, em seu texto Bitter Milk: women and teaching, de1988, que o processo de se reproduzir biolgica, ideolgica e criticamente uma experincia humana fundamental que pode ser vantajosamente utilizadaem vista de associar fins familiares, educacionais e sociais. Grumet advoga umapedagogia feminista que interrompe o discurso masculino [da educao] legi-timado pela epistemologia e por uma grade curricular de reproduo edomesticidade (1988, p. xix). Ela discute, ainda, que as esferas interagentes daexperincia pessoal e profissional enriquecem a pedagogia ao permitir que osprofessores afirmem essa mesma multiplicidade no desenvolvimento de si e deseus prprios estudantes.

    A performance demanda um deslocamento do produto produtividade e,de igual modo, da metfora metodologia. No coincidncia, pois, que amaioria das inovaes materiais e significativas na pedagogia performativatenha vindo de educadores da comunicao e da performance para os quaisencarnar no nenhuma abstrao terica; o corao de nossa prtica emsala de aula (Bowman; Bowman, 2002; Fasset; Warren, 2006; Pineau, 2002;Stucky, 1995). A metodologia da performance um comprometimento ntimo,somtico, uma maneira de sentir o pulso, os ritmos, as nuanas e asidiossincrasias sinestsicas do comportamento humano comunicativo. Em ter-mos disciplinares, trata-se de uma rigorosa e sistemtica explorao-por-meio-da-encenao de experincias humanas reais e possveis. Os mtodos daperformance constituem-se de diversas maneiras; ainda assim, cada um deman-da um comprometimento, um completo engajamento do corpo associado re-flexo crtica. A metodologia da performance uma encenao reflexiva: aomesmo tempo uma imerso e uma reflexo feita possvel pela copresena do euque atua. Como diz Spry: no conhecimento que vivenciamos a experinciade forma direta, mas o estudamos performativamente (2006, p.344); s assim aincorporao pode alcanar o estatuto de metodologia. Por fim, o processodialtico de experimentar e interpretar que distingue a metodologia daperformance do mero atuar.

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    Utilizar a performance metodologicamente na sala de aula significa mais doque pedir aos estudantes para demonstrar fisicamente o que eles aprenderam.Existe uma longa histria de utilizao da performance como demonstrao daculminncia de realizao de uma tarefa, apresentaes e exames orais porintermdio dos quais os estudantes so convocados a colocar seus corpos emevidncia para apreciao, avaliao ou entretenimento do outro. Embora te-nha isso seu valor, essa no a pedagogia performativa que advogo. Eu querochamar a ateno para como a performance afina e atenua nossos sentidoscinticos e sinestsicos em relao s nossas fisicalidades habituais e tambms dos outros. Ao prestar ateno no apenas ao que o corpo faz em sala deaula, mas a que significados e valores sociais responde esse corpo, a pedago-gia performativa pode intervir nos rituais da escolarizao sobre os quais nopensamos. A sala de aula pode se transformar naquilo que Ernst Boyer chamoude cenrio de renovao do eu e do social (1994), de tal forma que professorese estudantes possam ensaiar modos mais equitativos, envolvidos e passionaisde ser e comportar-se. Alm do mais, uma vez que a performance sempreincompleta, contingente, permevel e reativa aos momentos vividos, uma vezque se desdobra na companhia dos outros, ela nos permite atravessar e prabaixo iluses acerca da aprendizagem como algo isolado, linear, cumulativo edisponvel avaliao emprica.

    Exame Final

    Era uma sexta-feira antes dos exames finais, o comeo do crescendo para ofim do semestre.Na semana seguinte, muitos estudantes fariam seus exames, o mais burocrti-co crescendo da educao, ritual do espeto da avaliao de Scantron, dasfinas habilidades motoras e da competio compulsria, dos ndices de inte-ligncia sobre as cabeas;das cabeas dobradas sobre as mesas, silncio:olhos sobre seu prprio trabalho, ns dizemos:trabalhem.Trabalho, diz o poeta libans Kahlil Gibran, o amor tornado visvel. Ese voc no pode trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhorque voc se sente defronte as portas do templo e esmole daqueles que traba-lham com alegria (2001, p.28).Em minha disciplina de Narrao e Tradio Oral, de livre acesso, com jo-vens em torno dos vinte anos, muitos se deparavam seriamente com estriaspela primeira vez, tentando a performance seriamente pela primeira vez, con-siderando a comunidade seriamente pela primeira vez, talvez porque poruma combinao de sala de aula se possa ter a oportunidade e o desafio detrabalhar um pouco diferentemente.

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    Como exame final, ns realizamos conjuntamente uma performance orgni-ca, cuja durao era de noventa minutos, sem interrupo, inspirada no Hip-Hop, Jazz-ritmada, dialogicamente estruturada, com cada membro da turmaenvolvido em todos os momentos dela, ou seja, de uma performance emergen-te, improvisada e multi-autoetnogrfica. Ha!Sim, tal como evidenciado nos dados, avalia-se o alcance dos objetivos e arealizao das tarefas por parte dos estudantes em uma escala de valor mon-tada durante dezesseis semanas, replicada em duas sees demograficamentediversas e correlacionadas aos indicadores de comportamento dos objetivosgerais do curso: [...] aprofundar o sentido de si e do outro como um desdo-bramento performativo dado por meio da partilha de histrias de nossasvidas (Pineau, Plano de ensino da disciplina Narrao e Tradio Oral,2008).Eu ofereo, ademais, a seguinte narrativa da avaliao:Tnhamos passado o semestre gerando histrias, tematizando conexes, iden-tificando onde e como narrativas pessoais se aninhariam dentro dos contex-tos culturais e folclricos. Em um gesto para a sntese e a totalizao, eu pedi turma para considerar como seus enredos tinham se cruzado, tranado-seou colidido com o enredo dos outros durante o perodo que passamos juntos.Perguntei: como aquele tempo junto remodelou e recriou sua pessoalidadepor meio da performance coletiva?Esboamos uma rvore de estrias no quadro-negro, no qual inseramosnossos eus nos laos e nas linhas em torno de cada um de modo a ser maisassociativo que linear. Falamos e andamos e falamos sobre mais algumascoisas at que padres se formassem em torno de tpicos como educao,gnero, amor e perda, laos familiares, meios de comunicao, mscaras eautenticidade. Cada estudante apontou para uma ou duas histrias, algunsas situavam em vista da progresso do quadro-negro em que suas histriaspareciam importar, mais a eles que a ns. E cada pessoa prometeu vir no diado exame final para deixar essa histria florescer como um ensaio sobre simesmo no qual cada passo para fora da multido apresenta-se como umespetculo deles mesmos para apreciao e enriquecimento do coletivo. Nsmanteremos o passo, prometemos um ao outro: ns manteremos o crculo,seremos uma testemunha, um suporte, seu coro neste crescendo da resposta convocao. Este exame final.Deixe a performance comear, eu convidava, no momento em que voc cruzara soleira da porta a cruzar junto pela ltima vez. Pense caleidoscopicamente,pense Jazz, eu dizia. Pense jammin, eles diziam. [Ah, sim! Um quickstep, umHip-Hop mais alto na escala de composio; a potica sincopada da poesiada palavra falada, talvez a modalidade narrativa que define sua gerao].Isso! Vamos! Vamos deixar nosso roteiro nos dar uma direo, mas no umadurao. Sejam felizes! Sintam dentro do momento. Voc saber quando semover. Seja com e para o outro. Escute, realmente escute ao outro e voc

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    sentir quando sua vez de falar, de tomar parte na cena, de deixar-se levarna mistura e na melodia desta comunidade de narradores.Coletivamente, colaborativamente.Trabalhando com alegria em vista do crescendo.Quando o dia veio para testemunhar o que haviam aprendido naquele semes-tre.Quando o dia veio para incorporar o esprito e a estratgia da performancecultural.Quando o dia veio para que eles entrassem em nossa sala de aula para otempo final.Eles estavam preparados, de prontido, profundamente atentos, conectados,em sintonia, corporalmente vontade. Eles estavam prontos. E no curso denoventa minutos, sem intervalo ou disperso, criaram um conto processualcontnuo de quem eles eram em relao aos outros, dando espao, dandotempo para escutar com cuidado e agenciamento articulado numa rede ticade subjetividade. Ha!

    Poder Educacional

    Conquergood conclui seu ensaio dizendo que o paradigma da performanceest fundamentalmente relacionado s questes de poder e autoridade. Ostermos associativos que invoca so poltica, histria, ideologia, dominao,resistncia, apropriao, luta, conflito, acomodao, subverso e contestao(1986, p.84). Performances estticas, culturais e cotidianas esto sempre polti-ca e historicamente situadas, ele observa, e, por serem eventos pblicos, asperformances sempre so um espao de luta no qual interesses contrrios secruzam e diferentes vises de mundo e vozes so articuladas (1986, p.84). Aperformance vive nas encruzilhadas entre a tradio e a transgresso, entre acontinuidade e a possibilidade, e desde esse ponto de vista privilegiado,conclui Conquergood, que a pesquisa em performance levanta as perguntasmais significativas.

    Como a performance reproduz, legitima, confirma ou desafia, critica ou sub-verte a ideologia? [...] Como as performances so situadas entre as foras deacomodao e resistncia? O que elas simultaneamente reproduzem e de quemaneira se contrapem hegemonia? Quais so os recursos performativospara interromper os scripts oficiais? (Conquergood, 1986, p.84).

    O compromisso com a justia social por meio do questionamento e da aocrticos sedimenta a relao entre a performance e a educao libertadora. Aestudiosa da comunicao, Jo Sprague, pontua essa ideia em seu ensaiointitulado Expanding the research agenda for instructional communication:raising some unasked questions, de 1992, no qual ela desafia seus colegas a

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    empregar princpios da teoria crtica em relao a uma pedagogia da comunica-o. Tais preceitos de fundamento so sumarizados por McLaren:

    [...] compreende-se que as prticas pedaggicas relacionam-se a uma ideologiadominante que define o que aceito como conhecimento legtimo, que constrirelaes sociais em torno de interesses especficos os quais estabelecem estru-turas especficas de desigualdade e de relaes assimtricas de poder e privil-gio (1988, p.170).

    Ao estender a convocao de John Dewey (1929), para quem as escolas ame-ricanas deveriam ser arenas pblicas para a democratizao de seus cidados,McLaren chama os educadores a criar uma cidadania politizada capaz de lutar porformas variadas de vida pblica, e baseada na busca da igualdade e da justiasocial (1989, p.158). Da mesma forma, Giroux (1989) desafiava os educadores a secolocarem como intelectuais transformadores, trabalhando para conectar as habi-lidades dos estudantes ao pensamento e ao crtica, para utilizar suas habilida-des para a transformao e a integrao social (1989, p.137-9).

    O inovador estudo de McLaren, Schooling as a ritual performance: towarda political economy of educational symbols and gestures, de 1986 (publicadono Brasil como Rituais na Escola pela Editora Vozes, em 1992), preparou oterreno para a pedagogia crtica performativa contempornea. Ao descreverseu trabalho como uma antropologia da educao, McLaren encontra avan-os tericos nos estudos da performance e do ritual, situando-os na prticajunto ao encontro pedaggico entre professor e estudante (1986, p.165). Ba-seado no trabalho de campo em salas de aulas urbanas, McLaren filtrou aagenda social da teoria crtica por intermdio da epistemologia das performancesrituais de Victor Turner como um meio de oferecer ao educador de espritoreformador uma larga construo para deslindar e decodificar os obstculosenfrentados pelos estudantes da classe trabalhadora em buscarem sua educa-o (1986, p.164). Vale ressaltar, ainda, que McLaren embasou sua viso crticaem uma poltica do corpo, afirmando que a maioria dos educadores crticos temignorado os meios por intermdio dos quais a ideologia performativamenteconstituda, (...) discurso que ganha sentido (1989, p.191). Ele ofereceu o se-guinte corretivo:

    A hegemonia ideolgica no concretizada somente por intermdio de media-es discursivas da ordem sociocultural, mas por meio da incorporao derelaes de poder desiguais. A ideologia manifesta intercorporalmente pormeio da realizao da carne e incorporada em experincia encarnada (1988,p.169).

    McLaren anteviu na performance tanto um modelo quanto um mtodo dedesmitologizao da cultura dominante, dada pelas etnografias performativasdas experincias dos estudantes.

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    Foi nos anos de 1990 que vimos uma exploso de um trabalho pedaggicocrtico, corpo-centrado, como uma forma de passagem da pedagogia informa-tiva pedagogia performativa (Conquergood, 1993, p.338). Em meu ensaioCritical Performative Pedagogy: Fleshing out the politics of liberatoryeducation, examinei escritas representativas que tomavam a educao do cor-po como ponto de partida conceitual. Identifiquei ali trs meios conectadosentre si de tematizao do corpo que, coletivamente documentados, constitu-am o topoi somtico em torno do qual essa segunda onda da pesquisa seconcentrou. De maneira especfica, teorizar o corpo ideolgico coloca a inves-tigao dentro da questo de como tanto o corpo dos professores quanto dosestudantes tornam-se institucionalizados por meio de um currculo oculto quemantm desigualdades raciais, de gnero, lingusticas e de classe social. Umaanlise detalhada do corpo etnogrfico pode identificar como o poder quecircula nas disposies educacionais e nos mtodos pedaggicos fundadossobre a ideia do corpo atuante ativa a dimenso potica, processual e partici-pante da ao educativa. Tomados em conjunto, esses tropeos e relaeseducativas que esses autores apontam tm desenvolvido argumentos persu-asivos de que o conhecimento pedaggico est baseado na incorporao eque as ideologias curriculares cobram o preo em carne viva.

    Tornou-se aparente, depois de duas dcadas, que a pedagogia centrada naperformance , ao mesmo tempo, inerente e ironicamente contracultural, sejaem relao teoria, seja em relao prtica. As prticas mundanas das salas deaulas dos Estudos da Performance so frequentemente exemplos de uma peda-gogia crtica transformadora. Como observa Shannon Jackson,

    (...) a rede em grande parte no-catalogada de prticas e do pensar junto central a uma pedagogia da e por meio da performance que procura mover-sedentro e abaixo do radar de qualquer universidade (da Razo, da Cultura ou daExcelncia) onde est (2009, p.16).

    No esprito de catalogao dos modos de como pensamos juntos no cres-cente borrar dos limites de nossa sala de aula, eu ofereo a seguinte narrativade uma estudante como um exemplo pedaggico final da performance comoforma de empoderamento. certo que um estudante tenha a ltima palavrasobre os objetivos e os desafios da pedagogia performativa, pois em seucorpo vivo que essa promessa se realiza. Como uma estudante negra no tradi-cional, Charlie Hope Dorsey retornou faculdade tal como sua mentora intelec-tual, bell hooks: pensando em mim mesma antes e, sobretudo, como uma artis-ta (uma poetisa, uma pintora, uma escritora) eu busquei a carreira docentecomo uma vocao. Meu desejo era o de criar arte, eu buscava caminhos quepudessem nutrir e sustentar esse chamado. Charlie rapidamente se tornou umaparticipante fundamental de nosso programa de Estudos da Performance, umapoetisa da palavra falada bem conhecida na comunidade, uma ativista socialcomprometida em favor dos estudantes negros. O seguinte texto um e-mail

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    que ela me enviou narrando um encontro transformador com uma colega declasse. Escrito no calor do momento e com tom oral prprio do tempo potico,Charlie testifica o poder da performance numa recproca transformao de vida.Eu incluo a carta na ntegra tal como foi redigida, com a autorizao da autora.

    O bater do corao em minhas mos

    Eu tive um dia estranho ontem na escola, eu estava j na rua depois da aulaquando uma jovem colega que sentava perto de mim durante todo o semestreveio a mim e me disse que havia me visto recitando poesia em um bar numaoutra noite. Ela dizia o quanto havia gostado do poema, e como eu era corajosaa ponto de recitar pensamentos suicidas e compartilhar isso com os demaiscom uma corda enrolada no pescoo. Ela ento muito tranquilamente me per-guntou se eu tinha algum tempo para ler um poema que ela recm havia escrito.Ao que eu disse a ela: no, mas voc pode l-lo para mim. Com um sorriso, elacomeou a me dizer que aquele era seu primeiro poema e que ela ficarianervosa ao l-lo. Disse a ela para se sentar, que eu a escutaria; ela replicoudizendo que o poema falava do xtase, no do sentimento, mas da droga. Elame disse: no posso ler aqui onde algum possa nos ouvir. Eu digo, sim,exatamente. Ela ento l, discretamente, um poema de quatro pginas nuncaolhando para mim, cabea baixa, mos trmulas, voz fremente durante todo otempo. Estvamos sentadas debaixo de uma rvore, sobre pernas cruzadas,como usualmente fazemos. E eu atenta. Sua voz torna-se mais alta quando ofim de seu poema se aproxima, como se ela achasse o ritmo de suas palavras,como se encontrasse sua voz. E eu nada posso fazer seno sentir um arrebatadororgulho e alegria, vocs sabem, h felicidade nesse momento. Ela finaliza e eua agradeo por partilhar aquilo comigo. Ela sorri e diz: no, eu que agradeoa voc, talvez um dia eu crie coragem suficiente para ler isso em um microfone.E eu disse a ela: voc no precisa de um microfone, voc acaba de me ler seupoema. Ento ela levanta, olha para mim sorrindo to enfaticamente que rubo-riza e me abraa. E to rpido quanto ela chegou ela se foi. Eu suponho que eusenti tudo isso tal como voc sentiria, foi algo estranho, irnico, pelo menos.Eu estava pensando sobre o que foi esse sentimento, esse sentimento deorgulho, de felicidade, amor. Sim, voc est certa, eu segurei esta batida docorao nas minhas mos, ela encontrou o poder de exprimir a sua voz. Alegro-me intensamente por l estar, por testemunhar, escutar, estar presente nomomento em que o outro pari a si mesmo.

    No decurso de minha carreira profissional, tenho trabalhado para integrarmeu compromisso com a educao libertadora com minha convico de que aperformance fornece tanto uma metfora quanto um mtodo para levar a termoa mudana social por meio do microcosmo da educao. Eu creio que a pesqui-sa e os mtodos educacionais precisam ser motivados por uma contnua ero-so das desigualdades que assolam nossa sociedade, fundada por uma pro-funda compaixo por aqueles que se situam s margens dos crculos de poder crculos que se nutrem de minha prpria cumplicidade, que de algum modo os

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    perpetua , orientada por uma viso de que o mundo pode ser muito diferentedeste que se nos apresenta. Como uma professora de Estudos da Performance,tenho tido o privilgio de observar, cotidianamente, o que acontece quando omeu corpo e o corpo dos meus alunos so criticamente conectados ao ensinoe aprendizagem da transgresso (hooks, 1994). Tericos e praticantes daeducao encontram-se mais uma vez numa articulao crtica. Ainda nos en-contramos sitiados por uma condenao populista da escola pblica e conde-nados, por fora de uma poltica conservadora, a nos encerrarmos de formacada vez mais acentuada dentro de uma ideologia tecnocrtica, enquanto so-mos cada vez mais exigidos pelas estruturas de nossas instituies. Ao mesmotempo, a emergncia da performance como um paradigma para a experinciaeducacional tem modificado radicalmente as bases sobre as quais conduzimosns mesmos e nosso trabalho. Quando o texto Teaching as performance foipublicado pela primeira vez, ele foi baseado em noes, intuies e projeesprimrias sobre o que poderia significar educar a ns mesmos desde o ponto devista de um corpo performtico crtico e articulado. Hoje, h uma infinidade deestudos sobre isso, assim como inovaes nas formas e funes da educaoque so tomadas muito seriamente como a arte do ensinar e do aprender. Jun-tos, ns criamos um corpo de trabalho que permitir que nossos alunos cons-truam significados a partir do que vivem no corpo, do que sentem no osso,situados dentro de um corpo poltico maior.

    Recebido em janeiro de 2010 e aceito em fevereiro de 2010.

    Referncias

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    Elyse Lamm Pineau professora de Comunicao na Southern Illinois University,onde d aulas e conduz pesquisas sobre as intersees de metodologias daperformance, pedagogia crtica e narrativa autoetnogrficas.Email: [email protected]

    Traduo: Marcelo de Andrade PereiraReviso da traduo: Lus Armando Gandin

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