no fluir das coisas algo permanece. uma família, três gerações

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Colaboração www.fluirperene.com Fluir Perene O mês de dezembro é, em geral e também no Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia, compreensão. O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear a família. Dando cumprimento a este desiderato, procuramos materializar e corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica. (do Prefácio) J. A. SANSÃO COELHO JOSÉ RIBEIRO FERREIRA Fluir Perene Colecção NO FLUIR DAS COISAS ALGO PERMANECE Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC) Colecção Fluir Perene Volumes já publicados N.º 1 José Ribeiro Ferreira, Mitos das Origens - Rios e Raízes (2008). N.º 2 Rodolfo Pais Nunes Lopes, Batracomio- maquia: a Guerra das Rãs e dos Ratos (2008). N.º 3 Carlos A. Martins de Jesus, A Flauta e a Lira: Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia (2008). N.º 4 José Ribeiro Ferreira, Os Sons e os Silêncios – A Memória, a Culpa, a Valsa (2008). N.º 5 José Ribeiro Ferreira, Labirinto e Minotauro - Mito de Ontem e de Hoje (2008). N.º 6 José Ribeiro Ferreira, Atenta Antena - A Poesia de Sophia e o Fascínio da Grécia (2008). N.º 7 Rui Morais, A Colecção de Lucernas Romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de Sousa (2008). N.º 8 Armando Nascimento Rosa, Antígona Gelada (2008). N.º 9 José Ribeiro Ferreira, Rui Morais, A Busca da Beleza: Vol. 1 - Arquitectura Grega (2008). N.º 10 José Jorge Letria, Os Lugares Cativos (2009). N.º 11 José Ribeiro Ferreira, Três Mestres Três Lições Três Caminhos (2009). N.º 12 Carlos A. Martins de Jesus, Anacreontea. Poemas à maneira de Anacreonte (bilingue) (2009). N.º 13 José Ribeiro Ferreira, Gaivotas (2009). J. A. SANSÃO COELHO JOSÉ RIBEIRO FERREIRA No Fluir das Coisas Algo Permanece Uma Família Três Gerações

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Page 1: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

Colaboração

www.fluirperene.comFluir Perene

O mês de dezembro é, em geral e também no Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia, compreensão.O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear a família.Dando cumprimento a este desiderato, procuramos materializar e corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica.

(do Prefácio)

J. A. SAnSão CoelhoJoSé RibeiRo FeRReiRA

Fluir PereneColecção

No

Flu

ir d

as C

ois

as a

lgo

Per

ma

NeC

e

Associação Portuguesa deEstudos Clássicos (APEC)

Colecção Fluir PereneVolumes já publicados

N.º 1 José Ribeiro Ferreira, Mitos das Origens - Rios e Raízes (2008).

N.º 2 Rodolfo Pais Nunes Lopes, Batracomio-maquia: a Guerra das Rãs e dos Ratos (2008).

N.º 3 Carlos A. Martins de Jesus, A Flauta e a Lira: Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia (2008).

N.º 4 José Ribeiro Ferreira, Os Sons e os Silêncios – A Memória, a Culpa, a Valsa (2008).

N.º 5 José Ribeiro Ferreira, Labirinto e Minotauro - Mito de Ontem e de Hoje (2008).

N.º 6 José Ribeiro Ferreira, Atenta Antena - A Poesia de Sophia e o Fascínio da Grécia (2008).

N.º 7 Rui Morais, A Colecção de Lucernas Romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de Sousa (2008).

N.º 8 Armando Nascimento Rosa, Antígona Gelada (2008).

N.º 9 José Ribeiro Ferreira, Rui Morais, A Busca da Beleza: Vol. 1 - Arquitectura Grega (2008).

N.º 10 José Jorge Letria, Os Lugares Cativos (2009).

N.º 11 José Ribeiro Ferreira, Três Mestres Três Lições Três Caminhos (2009).

N.º 12 Carlos A. Martins de Jesus, Anacreontea. Poemas à maneira de Anacreonte (bilingue) (2009).

N.º 13 José Ribeiro Ferreira, Gaivotas (2009).

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No Fluir das CoisasAlgo Permanece

Uma Família Três Gerações

Page 2: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

No fluir das Coisas Algo permanece

Uma Família Três Gerações

Page 3: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações
Page 4: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

NO FLUIR DAS COISAS

ALGO PERMANECE

UMA FAMÍLIA TRÊS GERAÇÕES

COIMBRA –2009

Page 5: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

AUTOR J. A. Sansão Coelho e José Ribeiro Ferreira

TÍTULO

No Fluir das Coisas Algo permanece: Uma Família Três Gerações

EDITOR

José Ribeiro Ferreira

CONCEPÇÃO GRÁFICA Fluir Perene

IMPRESSÃO

Simões & Linhares, Lda. Av. Fernando Namora, nº 83 - Loja 4

3030-185 Coimbra

PEDIDOS Rotray Club de Coimbra

Rua Dr. Manuel Rodrigues, 1 – 3º Sala F 3000-258 COIMBRA

e Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC).

Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra Tel.: 239 859 981 / Fax: 239 836 733

3000-447 COIMBRA ISBN: 978-989-96078-5-9Depósito legal: 303877/09

Page 6: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

Rotary Club de Coimbra

e Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,

prestam Homenagem à Família

17 de dezembro de 2009

O F U T U R O D O R O TA RYESTÁ EM SUAS MÃOS

Rotary Club de Coimbra

e Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,

prestam Homenagem à Família

17 de dezembro de 2009

Page 7: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

As duas gerações.

Agosto de 2009.

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Prefácio

O mês de dezembro é, em geral e também no Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia, compreensão.

Essa compreensão e harmonia aparece simbolizada na família de Nazaré. Daí a escolha do mês de dezembro.

O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear a família. Mas alargando o seu âmbito também aos que connosco convivem e labutam por determinados objectivos e princípios, como se pode ver na mensagem de Dezembro que cada um divulgou e que a seguir se transcreve. E, de facto, além da família particular de cada um, existem as empresas ou as instituições em que cada um trabalha e procura fazer progredir. Há também, no que aos clubes rotários diz respeito, a grande Família Rotária que se alarga aos três ou quatro milhões de pessoas, se contarmos cônjuges e filhos. E todos mais ou menos empenhadamente procuram servir, seguindo o ideal de Paul Harris de se dar sem pensar em si. Procuram minorar o sofrimento e carências das crianças, através de

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campanhas de vacinação contra poliomielite, Dando cumprimento a este desiderato, procuramos

materializar e corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica.

O pequeno opúsculo que publicamos, com as biografias de pais e filhos e com uma entrevista conduzido pelo nosso Companheiro Sansão Coelho, a quem estou sinceramente reconhecido, mostra essa vida de dedicação e de doação.

A todos os contribuíram para que a publicação fosse possível nesta data endereço, em nome do Ratary Club de Coimbra e do Rotary Club de Coimbra – Santa Clara, os meus sinceros agradecimentos. Devidos em especial à Doutora Margarida Miranda que, ao coordenar a nível familiar as respostas e as biografias, quase poderia ser considerada coautora deste volume.

A todos um feliz Natal, vivido na harmonia e no calor fraterno da família.

Coimbra, dezembro de 2009

José Ribeiro Ferreira

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Presidente do Rotary Internacional Mensagem de Dezembro

Caros Rotários:

Em Dezembro celebramos o Mês da Família Rotária. Todo rotário faz parte desta família, que na realidade é muito maior que 1,2 milhão de pessoas. Esta família inclui todo homem, mulher e criança ligados ao nosso trabalho, como os cônjuges e filhos dos associados, os participantes e ex-participantes de programas da Fundação e as centenas de milhares de pessoas quem têm contacto com nossas iniciativas.

Os jovens de nossa família estão nos Interact e Rotaract Clubes, nos seminários RYLA, nas Bolsas Educacionais e no Intercâmbio de Jovens. Assim como em qualquer família, eles são a esperança de um futuro promissor. Desejo que eles se tornem rotários no futuro, mas já basta saber que hoje o Rotary faz parte da vida deles.

Estou casado com minha esposa June por mais de 40 anos, quase a mesma quantidade de tempo que sou rotário. As mulheres não podiam entrar no Rotary naquela época, entretanto, a June tem sido parte da família rotária desde o primeiro dia em que pus os pés no Rotary Club de Grangemouth. Meu trabalho no Rotary tem exigido muito de nós desde então, mas a verdade é

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que o que recebemos em troca vale muito mais do que o que demos.

Acredito que a associação a um Rotary Club pode e deve melhorar nossos lares. Conforme nos concentramos em atrair mais jovens qualificados a nossas fileiras, devemos nos lembrar que hoje em dia as pessoas estão mais e mais tendo que equilibrar trabalho e família. Assim, o Rotary deve somar à vida da pessoa, e não competir com suas outras responsabilidades. Se marcarmos reuniões rotárias que não coincidam com o trabalho das pessoas e convidar os familiares dos associados a nossas actividades sempre que possível, estaremos contribuindo para que todo núcleo familiar faça parte da grande família rotária.

Todo clube deve oferecer uma interacção equilibrada entre família, trabalho e Rotary. Somente se trabalharmos juntos, como família, é que o Rotary irá crescer e ser ainda mais forte no futuro.

John Kenny Presidente, Rotary International

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Mensagem de Dezembro do Governador

Caros(as) companheiro(as)

Em Dezembro celebramos o Mês da Família

Rotária. Somos uma família muito numerosa, pois agrega

os rotários de todo o mundo e todos aqueles que

connosco trabalham no sentido de cumprir o objectivo de

rotary, apoiar todos os que necessitam de ajuda, estejam

onde estiverem, professem que religião professarem,

sejam de que cor forem.

São também parte integrante da nossa família todos

os que já participaram em programas de rotary, os que já

se associaram a nós na implementação de projectos,

enfim, somos muitos mais do que a soma do número de

sócios dos clubes de todo o mundo.

O facto de sermos muitos, cria-nos dificuldades

pois, por vezes, não é fácil conciliar as opiniões de todos.

No entanto esta diversidade de pensamentos permite que

haja sempre algum de nós disponível para levar a cabo as

tarefas a que rotary se propôs.

É minha opinião que se os rotários tiverem uma

família bem estruturada, transportarão para o interior dos

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seus clubes o espírito de família e estes constituirão um

pólo aglutinador de todos os que o compõem incluindo os

respectivos familiares. Rotary tem que ser uma família.

Só assim conseguirá compreender os problemas de quem

não tem casa, comida, acesso à saúde, água potável,

educação e tudo o que um ser humano necessita para ter

uma vida condigna.

Desde muito jovem me habituei a ajudar os muitos

pobres que procuravam a casa de meus pais onde sempre

havia cama e comida para todos. Muitas vezes apareciam

com problemas de saúde. Nunca o apoio lhes foi negado.

Talvez por isso cultivo um espírito de família que sempre

me tem acompanhado ao longo da minha vida. Tento

passar este espírito para rotary. Peço-vos que façais o

mesmo. Todos juntos vamos dar mais força ao espírito de

família em rotary. Assim seremos mais solidários e mais

fortes. Consequentemente estaremos em melhores

condições de prestar ajuda a muitas mais pessoas.

Recebei um grande abraço do vosso amigo e

companheiro,

Manuel Cordeiro

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FAMÍLIA MIRANDA

UNIDOS PELO EXEMPLO,

SOBRIEDADE E AMOR

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A família em Janeiro 2009 (Sem o Rafael).

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Era uma vez... E assim começam as histórias de encantar.

Encantado com o “Espírito NATALÍCIO” que caracteriza

A “FAMÍLIA MIRANDA”, O ROTARY CLUB DE

COIMBRA FOI PROCURAR CONHECER A SEIVA

QUE PERCORRE ESTA ÁRVORE GENEALÓGICA

QUE TÃO BONS FRUTOS TEM DADO. QUIS O

DESTINO QUE O COMPANHEIRO ENCARREGUE

DA ENTREVISTA AOS VÁRIOS MEMBROS DO

AGREGADO, PARA FAZER A “REPORTAGEM-

FOTO DE FAMÍLIA”, FICASSE IMPEDIDO DE UM

CONTACTO PRESENCIAL QUE VEIO A SER

SUBSTITUÍDO, EM EMERGÊNCIA E URGÊNCIA,

PELA FRIEZA DE UMA ENTREVISTA COLECTIVA

FEITA PELA INTERNET. A MOBILIZAÇÃO DE

TODOS OS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”

ABRIU A PORTA AO ROTARY CLUB DE

COIMBRA E AQUECEU DE FORMA

SENSIBILIZANTE O NOSSO PROPÓSITO. CADA

UM DOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”

DEU UM PRECIOSO CONTRIBUTO. LOGO SE

PERCEBEU, PELO EXEMPLO, QUE A FAMÍLIA É

UM INDISSOCIÁVEL COLECTIVO.

QUEREM CONHECER TODA ESTA HITÓRIA DE

Page 17: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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ENCANTAR? LEIAM CONNOSCO AS RESPOSTAS

DE VÁRIOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”.

«A PALAVRA PODE ARRASTAR...O EXEMPLO

CONVERTE» - ASSEGURA A MATRIARCA MÃE-

AVÓ LISETE.

EIS A EXEMPLAR CÉLULA DAS SOCIEDADES...

...ERA UMA VEZ UMA FAMÍLIA: A “FAMÍLIA

MIRANDA”.

1. Como era o dia a dia em vossa casa?

Mãe: Dias de trabalho. Eu ia para a escola, levando os

que estavam em idade escolar. Os outros ficavam com os

meus pais, que foram viver comigo pois eu era filha única.

Ficava ainda uma afilhada, a Catarina, órfã de pai, que cresceu

com os meus filhos desde a idade dos cinco anos, e que foi

para eles uma irmãzita mais velha. Naquele tempo, não havia

fraldas descartáveis nem máquinas de lavar. Tudo era feito

manualmente, e cuidar das roupas levava muito tempo. Os

bibes eram uma boa solução para poupar as roupas.

Além da Catarina, havia ainda os dois irmãos rapazes,

o Tá e o Jorge. Ao todo eram três afilhados, a quem o pai

faltara muito cedo, e por quem eu me responsabilizei, pois me

uniam com o pai laços de grande amizade. Hoje adultos, são

ainda a nossa família, não do sangue mas do coração, e

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povoam as mais doces memórias infantis dos meus filhos,

como se fossem os seus irmãos mais velhos.

Apesar de termos muito que fazer, não faltava o tempo

para nos darmos aos outros. Ao domingo, visitávamos alguns

doentes. Uma de cada vez, as filhas eram levadas pela minha

mão, a participar daquelas visitas e a aprender a dar-se.

A uma vizinha que tinha uma perna chagada, lá ia eu

diariamente fazer o curativo, ou dar a injecção, quando

regressava da escola.

Havia um pobre doente, sem família, a cuja casa eu ia

fazer limpeza. Era o Sagradas, um bem falante, homem bem

nascido e bem criado, em boa casa, mas tinha acabado por

cair em desgraça. Já idoso, sofria de úlceras varicosas nas

pernas e ia curar-se diariamente ao Hospital de Celas, onde

fazia a barba aos doentes. De carteira debaixo do braço, lá ia

ele à boleia, de Ançã para Coimbra. Era um sem-ninguém.

Vivia numa nesga de casa, junto do Campo de Futebol. Ao

longo dos anos, as bolas foram partindo as telhas sem forro, e

já lhe chovia em casa como na rua. Fizemos por ele tudo o que

pudemos até que, tendo caído à beira do caminho, foi levado

para o Hospital de Cantanhede, onde veio a morrer

dignamente, assistido pelos Sacramentos dos doentes, bem

vestido e barbeado – já que tinha barbeado tantos doentes.

Outra família protegida, era uma família de dois

alcoólicos que tinham já quatro filhos pequenos e outro para

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nascer. Fui visitá-la a pedido de uma Assistente Social e fiquei

impressionada com a miséria em que viviam. Chão de terra

batida, sem camas para as crianças. Dias depois fomos lá

montar as duas camas de bebé que tinham sido dos meus

filhos e remediámos como pudemos a situação. Convenci o

marido a ir comigo até ao Centro de Alcoologia de Coimbra.

Como esperámos muito pela consulta, fui à praça comprar pão

e queijo e lá comemos os três, sentados no jardim da Sá da

Bandeira. Dali fomos para os Covões e lá ficou o homem

internado, para fazer a cura. Depois, foi preciso arranjar-lhe

trabalho. Apresentei-o em dois lugares diferentes, mas a

resposta era “Não; esse homem é um bêbado!”. Passei a dar-

lhe um dia por semana, a ele e à mulher, nos trabalhos da

nossa vinha. Os meus filhos tornaram-se padrinhos da bebé

que nasceu (e que veio a morrer de tenra idade) e ficámos

amigos e compadres. Os meus filhos eram conhecedores e

participavam de perto desta realidade. Nas férias escolares, o

mais velho chegou a dar serventia de pedreiro, gratuitamente,

para que fosse possível dar um pequeno arranjo na casa, com

uns dinheiritos que consegui na Assistência social. Hoje só

estão vivas duas irmãs, e a casinha já foi bem arranjada pela

Câmara.

Morávamos um pouco distantes de uma família de dois

irmãos solteiros e doentes, que viviam com grandes

dificuldades e diariamente havia sempre algo que levar à Maria

Page 20: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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ao Zé. Quando da morte deste, foi o Tiago que ficou lá em

casa a dormir, para fazer companhia à irmã, já velhinha. O

Tiago não se esquecerá das baratas que o acompanharam

durante a noite. Estes nossos amigos não tinham connosco

laços de sangue mas de verdadeira amizade. Acarinhámo-los

até à morte não guardando em troca nada do que era seu,

embora eles o quisessem. Já no final das suas vidas,

indicámos alguém que por eles se responsabilizasse, em troca

dos seus bens de outrora, mas fomos o seu suporte e o seu

carinho.

Eu fiz parte da Conferência Vicentina e o amor pelos

pobres e desprotegidos da vida ocupou sempre um lugar

importante nas nossas vidas. Os filhos acompanhavam-me

sempre, primeiro pela mão, e depois livremente. A nossa

palavra pode arrastar, mas o nosso exemplo converte.

2. O facto de a Mãe ser professora implicou uma maior incidência pedagógica em casa, junto dos filhos?

Mãe: No início sim. Desde pequenitos começavam a

rabiscar e a soletrar. Quando se matriculavam na 1ª classe, já

sabiam ler. O ambiente escolar era-lhes familiar. Na sua

linguagem infantil, a escola era o A-O (Também hoje, os meus

netos mais novos dizem que andam na escola da avó Lizete).

Page 21: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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O meu pai era alfaiate de profissão e servia de guarda aos mais pequenitos. Era bem disposto, homem culto, e teve na sua educação muita influência. Nunca andaram por mãos alheias, e isso foi importante.

José Carlos, Tiago, Pedro e Margarida

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VIDA SÓBRIA COM EQUILÍBRIO

SEM RECORRER A EMPRÉSTIMOS

3. Cinco filhos correspondem a um maior dispêndio financeiro num lar? Houve consciência de dificuldades? E se as houve, como foram superadas?

Mãe: Sim. Levámos sempre uma vida muito sóbria. Os

ordenados eram modestos. Eu como Professora do Ensino

Primário, e o pai como Chefe de Secretaria de uma Câmara.

Mas com algum equilíbrio, conseguimos construir a nossa casa

quando já íamos no terceiro filho, sem recorrer a empréstimos.

O meu pai deu-nos o terreno e, sem luxos, construímos uma

casa para que todos crescessem. O recheio veio aos

pouquinhos, aproveitando e reciclando tudo o que tínhamos

desde o nosso casamento, em 1959. A única coisa comprada

imediatamente para a casa nova, foi um frigorífico, que era

então uma novidade tecnológica. Os nossos passeios, que os

dávamos, eram sem compromissos de despesas. Nessa altura

não era obrigatório ter um monovolume para a família inteira,

Page 23: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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nem cintos, nem cadeirinhas, e os meninos viajavam muitas

vezes ao colo dos avós.

No Verão, sempre foram passar o mês de Julho à praia,

no mês em que as rendas eram mais baratas, pois vivemos

sempre sem prestações nem empréstimos.

Demos aos nosso filhos uma alimentação sadia. Sopinha

ao almoço e ao jantar, feita pela avó. O peixe fresco, os ovos e

a carne do galinheiro, o leitinho de duas cabrinhas – foi um

consolo – sem esquecer os seus cabritinhos, por ocasião da

Páscoa.

Não fomos frequentadores de cafés, nem de cinemas.

Os fins de semana eram para os nosso filhos. Com

sobriedade, todos tinham o seu espaço, os meus pais, os

meus filhos e afilhados e os amigos que, desde muito cedo os

filhos traziam lá para casa. Foi sempre uma casa aberta, desde

a infância até aos seus tempos universitários. Entre as muitas

visitas lá de casa, lembro-me de alguns amigos de sempre. A

Teresa Campos, a Ângela, o Nuno Braz, o Magalhães, o João

Carlos. O Magalhães era do Norte. Não podia ir sempre passar

o fim de semana a casa, e vinha com o Tiago. O João Carlos

era colega do Pedro dos tempos do Colégio. Viveu connosco

cerca de dois anos, até obter uma bolsa dos serviços sociais

para uma residência.

Page 24: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

Carlota, o quinto filho

Page 25: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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NEM SEMPRE FÁCIL MAS ACABOU POR SER POSSÍVEL O EQUILÍBRIO ENTRE A

BRANDURA DA MÃE E A DUREZA DO PAI

4. Os pais tinham um conhecimento preciso da evolução de cada filho?

Mãe: Como professora e como mulher, eu tinha mais

atenção e mais brandura para os problemas que iam surgindo

e que passaram mais pela minha mão. Ainda em solteira,

durante sete anos, fui responsável diocesana de um

movimento infantil da Acção Católica. Frequentei várias

actividades sobre psicologia infantil e atraíam-me muito esses

livros. Recordo, entre outros, A arte das artes, de educar uma

criança. Tudo isso teve em mim influência, não apenas na

relação com os meus filhos como na minha vida profissional.

Quando chegavam à pré-adolescência, punha-lhes nas mãos

uns livrinhos em voga - Já és um homenzinho / Já és uma

mulherzinha – que os ajudavam a iniciar-se nos mistérios da

vida.

Nem sempre foi fácil manter o equilíbrio entre a brandura

da mãe e a dureza do pai, mas parece que foi possível.

Page 26: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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A VIDA CRISTÃ RESULTA

INTENSAMENTE COMUNITÁRIA

“Os nossos pais tinham também um compromisso responsável e constante com

a Igreja, mais discreto quando éramos pequeninos, naturalmente, mais intenso à

medida que fomos crescendo, sobretudo a nossa mãe. O pai, antigo seminarista,

sempre foi um dos homens de confiança dos párocos, consultor, não tanto um

homem de acção. A acção desenvolveu-a mais, enquanto ainda em actividade

profissional, como político assumidamente católico, sem aspirações de poder, mas

consciente da importância de que todas as sensibilidades políticas participem do

debate democrático, para que este seja genuíno”

Page 27: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

26

5. Os filhos – tal como os Pais – tiveram um compromisso com a Igreja local colaboran-do com o serviço paroquial. Porquê? Reflexo de uma formação católica de antepassados?

Filho: A vida cristã, quando intensa, resulta

intensamente comunitária e, por isso, desde muito cedo, os

que se apresentam com dons úteis à comunidade são

espontaneamente chamados para o serviço ou oferecem-se,

mesmo. Para o coro, todos naturalmente nos oferecemos e

acabámos por vir a ter influência decisiva no desenvolvimento

da superação do desnorte instalado no gosto músico-litúrgico

do pós-concílio Vaticano II. Nele navegámos entusiasticamente

na adolescência, mas o apelo das referências mais antigas do

Colégio onde nós, os rapazes, tínhamos andado, e depois

aquele das referências do estudo musical mais sério, que

começámos ali pelos 16-17 anos, foi mais forte.

Para a catequese fui convidado, mas aceitar foi

instintivo. As referências familiares inspirariam confiança ao

pároco, e supririam a muito pouca idade. Depois, foi tomar o

gosto, sobretudo pela aventura da preparação da exposição

oral.

Naturalmente que o exemplo que se recebia da família

Page 28: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

27

fazia do serviço à comunidade algo de natural e nobre ao

mesmo tempo. Desde muito pequenos tínhamos sido

habituados a prezar e enaltecer a consagração religiosa de

duas tias, carmelitas, e a consagração missionária de um tio,

padre missionário, naquela altura em Moçambique e depois no

Brasil, onde se encontra. Os nossos pais tinham também um

compromisso responsável e constante com a Igreja, mais

discreto quando éramos pequeninos, naturalmente, mais

intenso à medida que fomos crescendo, sobretudo a nossa

mãe. O pai, antigo seminarista, sempre foi um dos homens de

confiança dos párocos, consultor, não tanto um homem de

acção. A acção desenvolveu-a mais, enquanto ainda em

actividade profissional, como político assumidamente católico,

sem aspirações de poder, mas consciente da importância de

que todas as sensibilidades políticas participem do debate

democrático, para que este seja genuíno.

Por todo este ambiente, todos crescemos envolvidos em

diversificados compromissos de participação eclesial bastante

intensos, que perduram, embora oscilando de intensidade,

consoante a fase da vida familiar em que cada um se encontra

– o que é indispensável que aconteça. Até porque a família é

agora, para os que a constituíram, a sua prioritária participação

na missão da Igreja (já se vê quem escreve: o pregador

encartado...).

Page 29: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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(A Banda de Ançã) ...”tinha um mestre de solfa, o Sr.

Artur, que tinha ficado paraplégico num acidente e

ensinava meritoriamente os rudimentos necessários aos

principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a

frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá

fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos,

na alfabetização musical”.

6. Como aparece a formação musical em todos os filhos? Quem lhes deu essa formação?

Filho(a): Foi-se bem cedo manifestando em cada um de

nós uma apetência pela formação musical, que procedia

espontaneamente do gosto de cantar. O meio em que vivíamos

e em que acedemos à alfabetização era, desse ponto de vista,

muito pobre e satisfeito. Mas não era atraso. Era decadência.

O culto divino fora para os nossos avós e ainda para os nossos

pais uma janela aberta para a Fé a para a Cultura. O nosso

avô paterno, sem descurar a habitual produção de batatas e

milho, tinha podido ensaiar polifonia de Palestrina ao coro da

sua igreja num tempo em que havia violinos! O nosso avô

materno tocava flauta na Banda e ainda tinha conhecido, no

coro alto da Igreja, um Órgão! Os últimos tubos, já nosso

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29

tempo, ainda andaram muitos domingos a elevar o espírito

religioso do povo; só que a religião era a da bola, e o coro era

a claque do rapazio. Enfim, tudo isso, evidentemente, foi antes

de se descobrir o conceito de património. Mas em casa, o

nosso pai, que tinha sido formado no seminário, debitava latim

e lia pautas. Quando cantava pelo Liber Usualis, ficávamos

orgulhosos e percebíamos que pertencíamos a um mundo

mais amplo.

Em anos de fortuna, chegava-nos a casa o tio

missionário e gravava em bobines os serões familiares. O

nosso pai comprou um gravador e instituiu esse registo, com

entrevistas, histórias dos mais velhos, orações, e muitas

canções. Lá cantávamos para o microfone tudo o que

sabíamos. E foi assim que começámos as primeiras tentativas

de cantar a vozes.

Nunca ninguém nos empurrou para estudar. Era uma

aspiração natural, vinda talvez desse sentido de pertença a

melhores tempos. Felizmente, a Banda de Ançã conseguiu

atravessar o deserto desse período e, mesmo contra a maré

da moda, nunca deixou de recrutar a juventude. Tinha um

mestre de solfa, o Sr. Artur, que tinha ficado paraplégico num

acidente e ensinava meritoriamente os rudimentos necessários

aos principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a

frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá

fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos, na

Page 31: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

30

alfabetização musical.

Depois, mesmo por pouco tempo, como ainda

apanhámos bons músicos e grandes intelectuais no Colégio de

Cernache, (Domingos Peixoto, Abílio Queirós), lá chegámos a

conhecer ao vivo a música sacra e aprendemos a distinguir o

ouro do pechisbeque. Andámos para lá uns anos a arranhar

violas, porque era o que nos pedia o vento do tempo, mas

sabíamos que queríamos mais. Tínhamos, por exemplo, uma

fixação na música coral, sobretudo na polifonia. Com o

primeiro dinheiro que ganhámos nas férias do liceu, sobretudo

com um ordenado de um mês de trolha, comprámos um

gravador de cassetes, que encostávamos ao rádio, para

recolher selectivamente os trechos corais que apareciam. De

modo que, quando veio a universidade, lá fomos todos, cada

um a seu modo, pedindo para entrar no conservatório. O

primeiro foi, salvo erro, o mais novo dos rapazes que desde o

princípio se revelou mais dotado e persistente. Aliás, foi o

único que chegou a ser músico profissional por primeira opção

pois, antes de entrar para o Seminário, tocou na Banda, fez o

curso superior de flauta e foi professor do conservatório.

Quanto aos demais, nos estudos do conservatório, fomos até

onde os nossos outros cursos e múltiplas actividades o

permitiam. Ficámos com os canudos da formação geral, todos,

e superior, dois dos mais velhos.

Não era fácil porque, quando vinham os exames, era

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31

tudo a dobrar. E se fosse só pela cenoura do sucesso juvenil,

já o tínhamos de sobejo, até na missa, com roques e

guitarradas que na altura se aprendiam com o vento, sem

dispêndio de notas musicais (nem das de escudos, que

custavam ao erário familiar…) Mas a formação a que todos

dávamos sem dúvida mais importância foi a da fé e da cultura.

E a música teve a sorte de não entrar em concorrência com

essa formação. Pelo contrário, ela faz parte da interiorização, e

também da expressão, da nossa fé e cultura católicas.

“No espírito de família, deve ter tido grande influência o facto de vivermos todos juntos,

com os avós. Estes já tinham sido muito dedicados com seus próprios pais”

7. Como define o espírito de família na vossa família?

Filho(a): Definiria o nosso espírito de família nos

seguintes termos: uma Fé a transmitir, uma memória a

perpetuar, uma festa a celebrar, uma rede natural de mútuo

auxílio, e um não, definitivo, a qualquer ressentimento. “Não se

ponha o sol sobre o vosso ressentimento” (Ef. 4. 26)

Mãe: No espírito de família, deve ter tido grande

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32

influência o facto de vivermos todos juntos, com os avós. Estes já tinham sido muito dedicados com seus próprios pais. A minha mãe era muito bondosa e dedicada. Os filhos foram crescendo e o espírito de inter-ajuda e de partilha foi-se acentuando, cada vez mais.

Duas gerações: pais, filhos, genros e noras.

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33

PALAVRAS FEIAS – PIMENTA NA LÍNGUA

8. De que forma eram ou foram corrigidos

eventuais desvios comportamentais por parte dos filhos?

Filho(a): Na mais tenra infância, a Mãezinha punha-nos

pimenta na língua quando dizíamos palavras feias ou de outro

modo prevaricávamos pela palavra. Depois havia também a

colher de pau, o castigo de não ter esta sobremesa, ou de não

dar aquele passeio. Na infância e na primeira adolescência, o

Paizinho aplicava pesadas palmadas em lugar adequado, mas

não tantas quantas as que achava necessárias, nem sempre

que achava necessário, porque a Mãezinha se opunha e a

Avozinha se interpunha.

Mais tarde, em situações de maior conflito entre a

Autoridade dos Pais (quiçá mais a da mãe, protectora e

proibitiva) e pretensões ousadas dos filhos rapazes, mormente

dos dois mais velhos, discutia-se fortemente, por vezes com

muita emoção e algum excesso nos juízos.

Um entre todos, teve adolescência mais rebelde. Sem

embargo de acesas altercações em que aquele era mais

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34

provocador e o Pai nem sempre se dominava quanto gostaria,

a memória que ficou do modo como ambos os pais lidaram

com aquela rebeldia, é a da longanimidade com que foi

tolerada a contestação e a sabedoria com que, sem

ressentimento algum, esperaram dias e atitudes mais serenas.

“ELES” NASCERAM PRIMEIRO

O QUE DIZIAM AOS RAPAZES:

“DEIXEM ISSO PARA AS MENINAS E O ISSO PODIA SER O RESTO DO

BOLO DE DOMINGO”

9. Qual é a amplitude etária entre os filhos: a diferença de idades entre o mais novo e o mais velho? Qual o papel dos mais velhos em relação aos mais novos?

Mãe: Os dois mais velhos são muito próximos. Têm 13

meses de diferença. Com estes foi preciosa a ajuda dos avós.

As noites, sobretudo, não foram fáceis. Naquele tempo não

havia 4 nem 5 meses de maternidade. Ao fim de 15 dias ia

trabalhar, mas alcofa com o bebé lá ia no carro para a escola,

Page 36: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

35

e todos foram amamentados ao peito até aos 10 meses. Até

aos 3 meses iam para a escola. “Eram mansinhos”, diziam.

Recordo o mais velho em Mondim de Basto, e o Pedro em

Tábua. Eram o bebé da festa.

Filho(a): Os rapazes nasceram primeiro. O Zé Carlos e o

Tiaguito muito próximos, pouco mais de um ano de diferença, e

depois o Pedro. Desenvolveriam, por isso, grandes

cumplicidades. As meninas, mais novas, podiam talvez irritá-

los um bocadinho. A frase: “Deixem ficar isso para as

meninas!”, vinda da Avozinha (a avó Aurora), da mãezinha ou

da Catarina, era muito, mas mesmo muito frequente. E o ‘isso’

podia ser o resto do bolo de Domingo, as primícias das

tângeras, as bananas (mais raras que hoje), as Bolas de

Berlim que vinham de Coimbra ou o ‘cavalinho’ que o avozinho

trazia da feira de Cantanhede. Apesar disso, eles ficavam-se

pelos protestos e davam a prioridade ‘às meninas’.

A Margarida, mais próxima dos rapazes pela idade,

envolvia-se nas brincadeiras deles, julgando-se, por isso,

promovida. A Carlota, naturalmente mais mimada, pedia-lhes

para ‘andar a cavalo’ (com eles ‘de gatas’ no chão), o que

faziam com paciência… se ela se magoava, eles é que ouviam

o raspanete. Mas as duas manas divertiam-se também a

brincar às casinhas e aos teatros, com as amigas da

vizinhança.

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36

Como os rapazes, a partir de certa altura, estavam

internos no CAIC em Cernache, as manas sentiam-lhes a falta.

Talvez por isso, era raro zangarem-se (as férias, e aquele fim-

de-semana por mês tinha de ser bem aproveitado). Mas o

internato foi acabando e os manos vieram estudar para o liceu

de Cantanhede. Quando elas chegaram ao mesmo liceu, já os

rapazes tinham deixado a sua marca, num tempo em que os

professores se mantinham mais tempo numa mesma escola e,

por isso, as expectativas estavam criadas e as comparações

eram inevitáveis. A influência dos mais velhos nos mais novos

ultrapassava, assim, a da convivência natural dentro da

mesma casa, passava para a escola, e também para os

ambientes que, anos depois, os mais novos também

frequentariam. Alguns interesses e gostos pessoais tiveram

ocasião de se manifestar e desenvolver, graças ao convívio

entre os irmãos.

Foi certamente por influência dos rapazes que as

raparigas passaram pelo Conservatório de Coimbra. Aliás, a

iniciação à leitura musical das meninas foi feita pelo Tiago que,

com muito pouca paciência mas bastante persistência, lhes

deu as primeiras lições. Até nas opções que viriam a permitir

determinadas escolhas profissionais, essa influência se fez

sentir. A mais nova, por exemplo, despertou para o ‘bichinho’

do Latim e do Grego graças à Margarida, que lhe ia à frente.

As semanas de Verão que os irmãos, já mais

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37

crescidinhos, faziam no ‘campismo selvagem da Praia de Mira’,

com visitas frequentes dos pais e dos avós, semanas quase

totalmente dedicadas à leitura, também estimularam

certamente as mais novas. Curiosamente, até as amizades se

partilharam nesta fratria. Desde o tempo em que no Otiarium,

vulgo ‘Ociário’, espécie de ‘santuário’ sem luz natural,

decorado com material reciclado, dedicado à leitura, à música,

ao convívio e, na época dos exames, ao estudo, os rapazes

conviviam com muitos amigos. E desde então, até aos dias de

hoje, as causas e amigos comuns geram amizades que ainda

perduram.

“Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com

as camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas

pelo avô Zé Carlos”.

10. Como era vivida a quadra do Natal nos vossos verdes anos? E actualmente?

Mãe: O Natal sempre foi uma grande festa para todos.

Dias antes, os mais velhos iam ao musgo com o pai. O

presépio estava sempre a seu cargo, não faltando a fogueirita

dos pastores, avermelhada pelo celofane. Aos poucos,

ganharam gosto e entravam em concursos de presépios da

cidade. Este era sempre feito na sala, e tínhamos que tolerar

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38

as ambições crescentes de espaço, para os bonequitos de

barro que eram acrescentados ano a ano. Na consoada, não

faltavam os filhós de abóbora e as broas feitas pela avó

Aurora. Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com as

camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas pelo

avô Zé Carlos.

Era certa a visita ao Seixo, onde não faltava o jantar em

casa da Madrinha Anita e onde convivíamos com todas as tias,

tios e primos (éramos, pelo menos, 27 a 30). Eram também

saborosos os filhós da avó Albina que, por serem lêvedos,

eram diferentes. Por influência da escola da Mãe, desde

sempre fizeram Autos de Natal, da Revista Escola Portuguesa.

Ensaiava na escola e eles aprendiam de cor e repetiam em

casa. Ensaiavam cânticos de Natal e animavam assim os

nossos serões. Temos desses serões algumas gravações

históricas, feitas por um antigo gravador de bobines que o pai

comprou, e que fazem o meu encanto.

Quando o pai passou da Câmara para o Banco Borges e

Irmão, o Natal era enriquecido com a tradicional Festa de Natal

e com os presentes do Banco. Íamos todos ao Porto, ver os

palhaços, e eles vinham encantados com os presentes que

recebiam, adequados à sua idade.

Actualmente, tudo é diferente. O presépio é sempre feito

mas já não é pelo avô. Os netos grandes já fazem engenhocas

à sua maneira. Na consoada ou no dia de Natal juntam-se

Page 40: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

39

todos cá em casa (29, a caminho dos 30, das três gerações);

por isso, na cozinha, as panelas aumentaram muito de volume.

É a avó Lizette que cozinha a ementa tradicional (as couves,

batatas e bacalhau, os obrigatórios filhós de abóbora e os “da

Serra”) e as tias fazem as outras lambarices. Ainda há galinha

da capoeira para a canja e o fricassé.

Filho(a): Na consoada havia sempre mais gente à mesa.

Cultivava-se a intimidade mas era uma intimidade aberta e

partilhada e, nesse dia, precisamente por ser esse dia, havia

convidados naturais pela proximidade à família. Essa

sensibilidade levei-a sempre comigo para os natais longe da

família. Uma vez tive de gramar muita incompreensão por

causa do espírito “comunitário”, decerto mal-entendido, que se

cultivava no colégio universitário em que eu me integrei

durante os anos da Gregoriana de Roma. Era costume que os

estudantes inscrevessem até cinco convidados por dia para

jantar. E eu tinha convidado para a consoada, um músico

brasileiro absolutamente solitário que ainda não tinha ninguém

lá em Roma. Só que, como era Natal, nesse dia não podia

haver convidados! E eu não consegui convencer a autoridade.

Lá levei o meu puxão de orelhas por rifar a comunidade, mas a

nossa consoada foi num restaurante chinês e ao meu amigo

saiu a sorte grande, porque dali fui para S. Pedro com função

de cantor e tive tal lata que ele, à minha palavra, pôde entrar e

cumprimentar o papa. Só o voltei a ver quando o Ançã-ble foi

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40

cantar a São Paulo, cinco anos mais tarde. Soube pelo jornal e

veio ao concerto com um presentinho que me deixou babado,

para a nossa filha recém-nascida.

Neta: Actualmente, vivemos o Natal em família alargada

e procuramos que ele esteja centrado no essencial daquilo que

nos une.

O local de encontro é em casa da avó Lizette, que no dia

23 já está em grande rebuliço com os preparativos. Jantamos

no salão do avô Tiago, decorado com os enfeites que a tia

Carlota fez, junto ao presépio construído pelo tio Tiago com um

resto de tempo e paciência, e com a “ajuda” dos mais

pequenos… O bacalhau com batatas, mais todas as

tradicionais iguarias que se seguem, é fruto do esmero de

todas as tias e sobretudo da avó Lizette. Há sempre um molho

exótico do tio Isaías para acompanhar, que só alguns têm

coragem de experimentar.

Estamos quase todos presentes; por vezes há algum

casal de tios que passa a consoada com o outro lado da

família e vem depois para a missa do Galo, ou só no dia 25. No

meio do corrupio de servir crianças, levantar pratos e trazer

travessas, vai-se estando e conversando, às vezes discutindo

– temas elevados e temas comezinhos – como não deixa de

acontecer sempre que nos sentamos todos à mesa. Como “a

máquina é pesada” (expressão que costumamos usar para nos

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41

recordarmos mutuamente de que somos muitos e a logística é

complicada), mal acabamos a sobremesa já são horas de ir

para a missa do Galo, onde não podemos chegar atrasados,

sob pena de ela começar sem cântico de entrada, visto que

alguns de nós constituímos uma percentagem razoável dos

elementos do Coro da paróquia…

Termina a missa da meia-noite com um cântico ao

menino Jesus que cantamos diante do presépio da igreja; um

momento que se repete todos os anos e que recordo sempre

belo e comovente. A música ajuda a parar um pouco diante do

Mistério que é afinal a razão de ser de toda a festa, e

consegue dizê-lo melhor aos nossos corações. Há um sorriso

em todas as caras, quando abandonamos a igreja com muita

vontade de continuar a fazer festa. Passamos por casa do Sr

Prior para beber com ele um porto que já não se dispensa, e

depois vamos para casa, para cumprir o muito esperado ritual

da abertura das prendas. Dado o avançado da hora, os

principais interessados estão normalmente reduzidos a

metade, pois foram sucumbindo ao sono durante a missa, mas

lá vão ressuscitando aos poucos ao som da palavra “prendas!”.

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NOVOS TEMPOS (NO NATAL)

PARA MEDITAR

SÓ UM PRESENTE PARA CADA UM, MAS

AOS MAIS PEQUENOS DÁ-SE SEMPRE O

MIMIMHO DE MAIS UM OU DOIS...

Desde há uns anos para cá, cada um recebe apenas um

presente, de uma outra pessoa da família a quem coube em

sorteio oferecer-lhe. Impôs-se adoptar este modelo, pois

oferecermos todos prendas a todos tornou-se a partir de certa

altura um verdadeiro pavor! Aos mais pequenos, porém, dá-se

sempre o miminho de mais uma ou duas. A avó Lizete não se

esquece!

Lá em casa foi sempre o Menino Jesus que trouxe as

prendas (de vez em quando pode mandar o seu “empregado”,

o Pai Natal) … Saem, pois, as crianças da sala e esperam que

o Menino Jesus venha encher o sapatinho de cada um,

colocado junto ao Presépio. E começa então a festa de

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43

descobrir, mostrar e usufruir dos presentes, que dura ainda

pela noite dentro, até o sono nos ir vencendo.

No dia 25 vamos todos à missa de manhã e almoçamos

de novo em casa da avó Lizete. A tarde é preenchida por

várias coisas: as crianças apresentam um teatrinho de Natal

que as primas mais velhas tentam organizar; abre-se a mala

das partituras e cantamos a quatro vozes cânticos ao Menino

Jesus; e faz-se por fim o tradicional jogo de distribuição das

prendas da tia Irene, que é uma amiga íntima da família que,

embora não esteja presente, compra prendas para todos e

encarrega as primas mais velhas de inventar uma maneira

divertida e formativa de as fazer chegar aos destinatários. E

assim estamos todos juntos até cair a noite. Á medida que ela

avança vai-se esvaziando a sala, vai esmorecendo a música

(há sempre muito que arrumar…). E ficou mais um Natal para

trás.

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SOLIDARIEDADE RECÍPROCA E A

MEMÓRIA DO FESTIVAL DA

CANÇÃO DO CAIC

(Colégio Apostólico da Imaculada

Conceição, de Cernache)

11. Actos positivos realizados pelos irmãos? E quais os Actos Negativos que estejam na memória?

Mãe: Actos positivos, foram tantos, Graças a Deus! A

vida de estudante, sempre certinha, as suas licenciaturas, a

sua inserção na vida da Igreja, as suas actividades musicais e

o seu Coro, a sua união familiar, a sua inter-ajuda no dia a dia

é uma bênção de Deus para mim. Graças a Deus, os

casamentos não mudaram o espírito de irmandade. As noras e

os genros foram escolhidos a dedo. Todos se inseriram e se

tornaram filhos e filhas.

Um dia, na época de Natal, estando eu professora em

Balsas (Febres), acompanhavam-me, em idade escolar, o Zé

Carlos e o Tiago. Naquele dia, o entusiasmo era maior, porque

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tínhamos acabado de fazer o presépio na escola. Por isso, os

manos decidiram que o mais novo, o Pedrito, também tinha

que ir. Sem ninguém perceber, o Pedrito foi metido no

cafarnaum do Wolksvagen (assim chamavam à mala do carro)

para poder ver o Presépio, na sala de aula. Quando estava já

perto da escola, vejo a cabeça do garoto a surgir nas traseiras

do carro! Imaginei a aflição dos avós à procura do menino, e fui

imediatamente pedir à Fábrica de Serração, próxima da escola,

para telefonar a avisá-los. Eram todos muito solidários. O

menino lá passou o dia na escola e foi uma festa para os três.

Filho(a): A memória voa logo para o Festival da canção

do CAIC, em que os “Irmãos Miranda” entravam com as suas

composições e arrancavam os 1ºs prémios. Além das

tradicionais taças e medalhas, a primeira máquina fotográfica,

a primeira cana de pesca, vieram, por este meio, diversificar os

tempos livres da garotada.

A solidariedade era recíproca. Os manos, porque cedo

queriam incluir as manas nas suas proezas. Estas, porque,

quando os mais velhos entraram para o internato do Colégio

dos Jesuítas, guardavam todos os mimos e doçuras que

recebiam, para terem alguma coisa «para levar aos manos»,

na visita que se fazia em família, ao fim de semana.

Durante os anos da Escola Secundária de Cantanhede,

sem acesso a mesada ou semanada que fosse além das

estritas despesas semanais com as senhas de almoço na

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cantina, e os bilhetes de autocarro para o regresso a casa, um

dos manos foi comprando, mês a mês, os 19 volumes da

História Universal, de Carl Grimberg (Europa-América), com

que a biblioteca da casa foi sendo alargada. Os livros

apareciam tão discreta e lentamente que ninguém

compreendia a sua proveniência. Só quando já preenchiam

demasiado espaço na estante é que o autor da proeza teve de

confessar os verdadeiros destinos do dinheiro que recebia.

Com boleias e com sandwishes nos bolsos, a livraria

“Hortícula” de Cantanhede tinha acabado por se sobrepor aos

serviços sociais da escola e aos transportes da “José Maria

dos Santos”, na captação das magras finanças do adolescente

sem cheta.

Outro episódio ‘edificante’ foi o encontro com o Bobi, um

cão rafeiro e sem dono, atropelado à porta de casa. Era este o

destino de todo os gatos que ali cresciam. Desta vez era um

cão abandonado. Ficou em tal estado que o seu ganir suscitou

a comiseração dos manos e das manas. Ninguém acreditava

que aquele ventre que expunha as entranhas pudesse

recompor-se, e que o cão voltasse à vida. Mesmo assim, o cão

vadio recebeu guarida à sombra do quintal e iniciou um

tratamento intensivo de comida, afectos e litros de água

oxigenada, que era comprada na farmácia e simplesmente

despejada sobre as suas vísceras. Apesar do cepticismo inicial

dos adultos, o certo é que o Bobi se curou e se tornou o

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companheiro inseparável de todos, até morrer de velho lá em

casa.

Actos negativos, também os havia. Afrontavam a

paciência paterna, causando a maior indignação, mas hoje

arrancam sorrisos espontâneos. Os rapazes sempre tiveram a

mania de construir barracas para as seus tempos livres - no

extremo do quintal, longe de casa, ou mesmo no pinhal do

Chão-do-Risco, onde faziam fogo de campo, como nos

Escuteiros. Nisto, tinham o auxílio cúmplice do avô Zé Carlos,

a cuja autoridade a mãe se rendia. No entanto, nem assim lhes

era permitido passar ali as noites, fosse verão ou fosse

inverno. Pois, já que lhes era proibido dormir na sua ‘barraca’,

esperavam pela noite e, à hora em que a autoridade

adormecia, atavam à varanda do quarto do 1º andar uma corda

feita com os lençóis da cama, pegavam nas almofadas e por ali

desciam. Os mais velhos ajudavam os mais novos. Nos bolsos

levavam lanternas e, nas cabeças, os livros dos Cinco, da Enid

Blyton, lidos na íntegra.

Além disso, os rapazes mais velhos gostavam de

receber os amigos com vinho do Porto, bebida que,

naturalmente, estava sujeita a um regime de restrições, se não

de proibição. Mas os jovens anfitriões não se resignavam.

Achavam piada à indignação paterna, que reparava logo no

buraco vazio da garrafeira e não poupava os sermões! Então,

serviam-se do precioso líquido e depois voltavam a encher

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cuidadosamente a respectiva garrafa com um líquido qualquer,

de transparência semelhante. À hora de servir o vinho do Porto

às visitas, o pai não tinha senão zurrapa, e ninguém por perto,

para explicar o sucedido.

12. Qual foi o momento mais difícil no seio da vossa família e como o superaram?

Mãe: Um dos momentos mais difíceis foi o

desaparecimento de uma netinha – que depois apareceu.

Temos, no Seixo de Mira, uma casa que fizemos com tudo o

que conseguimos juntar depois que todos casaram. É num

pinhal, um pouco afastada da povoação. Num certo Sábado de

Maio, ao findar do dia, a menina Guidinha, de dois anos e

meio, deixou as manas e outros amiguitos mais crescidos, que

se encontravam de visita, e saiu de casa. Os últimos a vê-la

diziam-na a brincar ali fora, com eles. Mas, à hora do jantar

ninguém sabia da Guida!

Talvez tivesse ido no carro com os avós, que já tinham

partido… Não, diziam. Talvez estivesse adormecida nalgum

canto da casa… O instinto levou então os pais a procurar de

imediato na piscina e nos poços em redor, que naquela terra

não faltam. A aflição ia crescendo. Caiu a noite. Foi a hora de

chamar a restante família, de Ançã. Os tios partiram com

lanternas, as tias ficaram a rezar e a sossegar as crianças, que

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49

choravam de medo (havia exactamente um ano que o país, e

todos eles, tinha vivido o drama da Madeleine McCan)! Quem

tinha carro entrava pelos pinhais com os faróis. Vieram os

primos e os tios do Seixo, para ajudarem; veio a freguesia

inteira; veio a Guarda, vieram os Bombeiros de Cantanhede. O

telefone não parava de tocar. Quem estava em casa,

procurava não perder a calma e tranquilizar as outras crianças,

sobretudo as da mesma idade, a quem era difícil explicar o

sucedido. A esperança ia-se consumindo, entre sentimentos de

culpa e de angústia, que cresciam com o alvoroço do povo

solidário. Era noite como breu. Entre os pinhais e os milheirais

só se ouvia silêncio. Uma pequena lomba impedia os carros de

continuarem o caminho e, do lado de lá, uma pequena vala

causava os maiores receios.

Por fim, foi a mota do Sr. Castro, o vizinho, que permitiu

encontrar qualquer coisa. Depois de muito chorar, a menina

tinha adormecido de cansaço e estava por terra, deitada num

caminho de cabras. Quando sentiu figura humana, saltou-lhe

ao peito e, de olhos fechados, apenas disse: “Pai! Eu

chamava, chamava… mas o pai nunca não vinha!”. Depois, o

Sr. Castro apressou-se a entregar a menina aos pais e foi

indescritível a alegria de todos.

Hoje, é à luz de momentos como esse que todos

olhamos as pequenas contrariedades da vida, quando

involuntariamente deixamos desfocar a realidade. No lufa-lufa

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da vida, episódios como este (ou a longa convalescença do

Pedrito, com dez anos de idade, ou a doença da mãe, durante

algum tempo sem diagnóstico), ajudam-nos a refazer a

hierarquia das coisas, a recuperar a paz e a confiar em Deus.

“Os serões das férias de Natal eram ocasiões de grande ligação familiar, em que

o nosso pai entrevistava formalmente os presentes e os punha a falar de si mesmos.

Dava especial destaque aos mais velhos que, naturalmente tinham mais para dizer, e

tinham de repetir o seu repertório de histórias e orações”.

13. Qual o momento ou momentos mais agradáveis no seio familiar?

Filho(a): Momento particular da infância, muito

emocionante mas nem por isso menos agradável, foi a visita

de homenagem a sua Alteza Real D. Duarte Nuno, um 1º de

Dezembro, no seu exílio de S. Marcos. Fomos vê-lo os dois

mais velhos com os nosso pais (andaríamos entre os seis e os

sete anos) com expectativas um tanto equívocas, pois a nossa

educação nacional era a do Estado Novo, que ensinava a

venerar os nossos reis mas sempre no passado. Quando nos

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51

dispusemos sob as arcadas e vi ao longe aquele senhor tão

humilde e delicado, lembro-me de ter ficado desconcertado,

defraudado, até. Mas quando chegou a nossa vez e o olhei de

perto, vibrei tanto por ser o Rei que se me apagou tudo à volta

e ficámos numa luz especial, como se estivesse a sonhar.

Momentos muito agradáveis, que punham no ar uma

alegria especial, eram os da expectativa do regresso, de três

em três anos, do nosso tio missionário e também, noutra

medida, claro, outras visitas, sobretudo do Padre Camarinha,

primo e padrinho do nosso pai, e alguns padres do colégio,

como o Padre Jorge Oliveira e Padre Faria, que foram ficando

amigos da família e davam direito a jantar na sala.

Os serões das férias de Natal eram ocasiões de grande

ligação familiar, em que o nosso pai entrevistava formalmente

os presentes e os punha a falar de si mesmos. Dava especial

destaque aos mais velhos que, naturalmente tinham mais para

dizer, e tinham de repetir o seu repertório de histórias e

orações. Também eram de grande expectativa os dias de

férias que íamos passar a sós com a avó e as tias do Seixo.

Brincávamos na capela da Madrinha Anita, adivinhávamos as

histórias dos azulejos da sala, explorávamos uma gigantesca

moreia de milho e dávamos à bomba por gosto, no poço do

quintal. Até a visita à latrina rústica nos deixou um certo

fascínio, ao ponto de termos o cuidado de posar diante da

“casinha”, antes da triste demolição.

Page 53: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

52

Mesmo no inverno, íamos muitas vezes ao Seixo, aos

domingos, de onde regressávamos a dormir, após o que nos

parecia uma interminável viagem de carro. Do que lá mais

gostávamos, muito para além das padas e das batatas-a-

molhar, era de ver o nosso pai a pedir a bênção e beijar a mão

da Avó Albina. Enfim, eram momentos especiais.

Mas havia também uma rotina de momentos agradáveis,

sob o comando dos avós de Ançã. Gostávamos muito de

comer na casa do forno com a avó e de fazer os deveres na

oficina de alfaiate do avô, que, a seu modo, era um erudito,

pois dominava com gosto retórico a língua e tinha uma

curiosidade superior à sua formação. Recebia lá muitas

senhoras de Ançã a quem lia e escrevia a correspondência, da

guerra ou da emigração. Aliás, como o tinham por sábio, era

frequentemente requisitado por herdeiros prudentes, no

delicadíssimo momento das partilhas.

Mas a oficina de alfaiate não passava do que hoje

chamaríamos um emprego. Por dentro, os nossos avós

maternos eram agricultores. A vindima e o envasilhamento, a

apanha e limpeza da azeitona, a debulha do milho e do feijão

na eira, eram para nós outras tantas festas. No “monte”,

enquanto não fomos úteis, era brincar no pinhal todo o santo

dia. Até já grandes, aproveitávamos para brincar com o burro.

E a magia do pinhal arraigou-se tanto em nós que, já

espigadotes, fomos, os rapazes mais um amigo, com o burro

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53

carregado de mantimentos e uma mala de livros, passar uma

semana ao Pinhal do Chão do Risco a matar saudades e a ler

de manhã à noite. No “monte” da infância, dava muito gosto

também o farnel do almoço. Mesmo quando a faina metia

pouco pessoal, o Alípio, jornaleiro escriturado, acendia uma

fogueira para assar chicharro e deixava-nos beber agua-pé

pela quartola. E quando o rancho fosse maior, havia jantar na

adega. Mais com os avós, tínhamos também as festas dos

santos, os populares dos solstício e das fogueiras espontâneas

na rua, e os padroeiros das capelas, S. Sebastião, S. Tomé, S.

Bento… O arraial de S. Bento dava direito a pão benzido com

queijo, mais um chupa de açúcar queimado e um ió-ió de

serrim.

Quando a juventude nos dispersou, servia-nos

precisamente o S. Tomé, a 25 de Julho, para inaugurar o

período do reencontro. Enquanto viveram neste mundo os

avós, iam sempre connosco a passeio, quanto mais não fosse,

à Praia de Mira, com farnel na floresta. Ele pagava o melão e

ela um gelado. A propósito, também a matança do porco, dava

azo a momentos muito agradáveis, tanto mais que enquanto o

pôde criar, havia sempre umas notas da avó para os netos.

O mês de Agosto foi sempre passado em família e era

uma série quase diária de banquetes no pátio, que a nossa

mãe nunca regateou. Pode dizer-se banquetes, já que havia

sempre alguns “penduras”, isto é, amigos com quem sempre

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54

sentimos a necessidade de partilhar a nossa família. Uma vez

até veio casar a Ançã um casal de amigos italianos e a festa,

depois, foi no pátio.

Já antes, fosse pelas saudades, que costumam apertar

de antemão os que partem, fosse pelo cansaço dos pequenos

conflitos, que a partilha de espaços e de responsabilidades

sempre agudiza, o declínio do verão trazia o seu quê de

tristeza. Falava-se por graça, em tom eclesiástico, em

Septembrina depressio, um incipit que depois glosávamos a

modo de esconjuro. Hoje as moções de ânimo da septembrina

depressio são mais complicadas porque naturalmente

multiplicadas foram as relações humanas de cinco famílias

que, se cabem no pátio, já dificilmente caberiam em casa.

Mas os nossos pais levantaram, num pinhal dos nossos

avós, a casa do Seixo. Uma certa visita alcunhou-a de kibutz

Miranda, por lá caberem à sociedade os filhos de todos, sem

excluir os “penduras” de nova geração. Aí, o verão continua

ainda a oferecer-nos os “momentos mais agradáveis no seio

familiar”. Pelo menos os miúdos não duvidam. A Aurora até

compôs uma cantiga elucidativa: Para mim o verão/é

realmente uma diversão/ mas quando ele acaba/ a tristeza

reina com lágrimas/ sobre a minha face/ Ooó não, o Verão…

Mãe: Nesta caminhada de 50 anos, não faltaram

algumas amarguras, mas também houve muitas alegrias. A

última foi a celebração das nossas Bodas de Ouro.

Page 56: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

55

Celebrámos esse acontecimento no passado dia 8 de

Agosto, na companhia da família mais alargada e de

muitos velhos amigos, com seus filhos e netos. Foi uma

festa maior que a do nosso casamento. Preparada pelos

nossos filhos, nela puseram todo o seu enlevo. Desde a

Missa, aos cânticos, à parte recreativa preparada pelos

netos, à beleza que a tudo quiseram dar, foi uma grande

consolação, de tantas que Deus nos concedeu neste meio

século!

14. No campo escolar, os irmãos inter-

-ajudavam-se? Filho(a): Entre os mais novos, bastava conhecer a boa

fama dos mais velhos para despertar sentimentos de

emulação. Cada um recebia a pesada herança do irmão mais

velho, sobretudo se os professores eram os mesmos, como

acontecia na Escola Secundária de Cantanhede. Além disso,

fora do âmbito estritamente escolar, o saber dos mais velhos

era ocasião de estímulo para os mais novos: os livros que

compravam, os livros que liam, a música que ouviam e que

tocavam, as conversas que tinham. Antes mesmo de

frequentarem o Conservatório, o Pedro, que havia de ser o

nosso músico e musicólogo, chegou a dar às manas

verdadeiras aulas de História da Música, com actividades

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56

práticas de audição, por períodos artísticos. Tinha criado uma

antologia musical, gravada domesticamente a partir da Antena

2, no pequeno leitor de cassetes que tinham comprado com as

suas magras economias..

No âmbito estritamente escolar dos TPC’s, não havia

grande necessidade de inter-ajuda, a não ser para o melhor

conhecimento da biblioteca da casa. Havia uma interessante

partilha de meios, sobretudo de livros (de Direito, para uns,

para outros de História, para outros de Estudos Clássicos, para

todos, de Literatura) e do próprio espaço de estudo. O

OTIARIUM, cujo letreiro se podia ler por cima da garagem e

cujo espaço fora conquistado ano a ano, cm a cm, ao espaço

da casa, à custa de móveis, tapetes, candeeiros e tecnologia

áudio literalmente “roubados” ao pai e à mãe, dava-nos a

ilusão de afirmarmos uma gostosa independência, sem sair de

casa. Servia para receber os amigos nas horas de ócio, mas

também para praticar as artes humaniores, tal qual Cícero as

entendia.

15 Havia disciplina na realização dos trabalhos de casa e no estudo feito em casa?

Filho(a): No estudo, não era preciso, como agora, a

vigilância activa dos pais sobre os deveres de cada um. Nos

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57

trabalhos de casa, embora houvesse uma avó Aurora sempre

presente e uma Catarina que assumiam a retaguarda da vida

doméstica, as manas começaram desde cedo a ter as suas

pequenas responsabilidades. O forte não era de todo a

cozinha. Quando as manas reclamavam mais autonomia no

fogão, a mãe respondia (profeticamente!) que haveríamos de

ter tempo de nos fartarmos de panelas! E poupava-nos à

culinária do quotidiano. Sobravam apenas aquelas

experiências excepcionais para as ementas melhoradas ou as

sobremesas das ocasiões especiais. O resto era a arrumação

e as limpezas da casa, que as manas partilhavam, nem

sempre pacificamente, mas como quem não tinha alternativa.

E a casa era grande, e cheia. Os manos? Bom, para ninguém

ficar mal na fotografia, admitamos que não eram tão prontos

neste tipo de actividades que a vida agora a todos impõe (a

eles inclusivamente). Mas nem por isso ficavam alheios ao

muito que fazer. A nossa infância estava povoada de horta, de

quintal e de vinha, e era nessas actividades que eles mais

facilmente colaboravam, durante aqueles longos quatro meses

de férias, chegando mesmo a haver uma leira de morangos de

sua exclusiva propriedade. A época das vindimas e do vinho,

na adega da casa, dava trabalho para todos – os de casa e os

muitos de fora (das três gerações) que vinham ajudar, sob o

governo do avô Zé Carlos e do Alípio.

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CAMPISTAS, CANTORES E BONS LEITORES

NAS FÉRIAS GRANDES

16. Como viviam o período de férias?

Filho(a): Vivíamos quatro meses de férias (!) sem nos

apercebermos do privilégio que tínhamos. Na primeira infância,

passávamos o mês de Julho numa casa na Praia de Mira, com

os avós, enquanto os pais ainda trabalhavam. Por vezes, a

estadia prolongava-se por Agosto. A praia era aguardada com

expectativa, e desfrutada na companhia de algum primo, ou

dos filhos dos amigos dos pais, que também ali passavam a

temporada. Com eles partilhávamos brincadeiras e

travessuras. Mas ainda havia tempo para passar uma ou outra

semana no Seixo, em casa da Madrinha Anita, da avó Albina e

das tias, apreciar o leitinho fresco da vaca, apanhar as peras e

os figos mais doces e comê-los da árvore, tirar água do poço e

andar de bicicleta em liberdade, mas sobretudo ouvir as

quadras populares e o humor bizarro das histórias da avó

Albina, como a Princesa do vestido da pele de piolho… e

admirar o exemplo daquelas mulheres alegres, piedosas e

generosas, a quem todos olhavam com tanto respeito e que

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59

eram para nós o testemunho de um avô que não tínhamos

conhecido.

Quando os rapazes cresceram, os pais fizeram um acto

de confiança e deixavam ir os cinco filhos, ora sozinhos, ora na

companhia de um jovem prefeito do Colégio, muito amigo da

família (hoje, P. Jorge Oliveira S. J.), acampar, na Mata da

Praia de Mira (não sem a visita frequente da família). Nessa

altura, os hábitos já eram outros. Da bagagem, para além de

uma velha tenda, sacos cama e material de cozinha, fazia

parte indispensável uma grande mala de livros que os rapazes

escolhiam a dedo para levar e ler durante a temporada. Na

praia, só o banho de mar e uma ou outra concessão

interrompia as leituras. Acabava um livro e os rapazes

sugeriam o título do seguinte. À noite havia muita música:

viola, flauta, violino e as nossas vozes, a cantar quase todo o

Camptilena, atraindo assim, até nós, outros campistas que

acabavam por se sentar connosco. Depois, já com carta de

condução, foram os acampamentos em Rio Longo (Vieira do

Minho), já com a companhia da nossa cunhada Manela, e do

Isaías, que viria, mais tarde, a entrar para a família. Foi aí que

começámos a fazer música mais a sério.

Além dos passeios em família (que incluíam os avós), o

Paizinho organizava connosco expedições mais longas, e

assim nos mostrou o país de Norte a Sul. Cedo ganhámos o

vício de fazer turismo sério e fotografar arte e paisagem, em

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60

diapositivos que, mais tarde, contemplávamos com os amigos,

nos longos serões, debaixo da latada da casa materna, ora

calmamente, ora no meio das mais acesas discussões

histórico-filosóficas que os vizinhos sempre toleraram

admiravelmente.

As vindimas, no começo do Outono, já sabiam a

despedida de férias. Partiam os que já estavam fora, levando

também os amigos que tinham vindo ajudar, e ficavam os mais

novos a aguardar o regresso às aulas.

17. O que levou os filhos a fazerem as suas escolhas profissionais?

Filho: No meu caso, a escolha profissional resultou

simplesmente da necessidade de arranjar emprego. Fui

alguém que se deu sempre ao luxo de estudar aquilo de que

mais gostava. No momento de procurar o emprego, fui à bolsa

e tirei de lá o que podia. No entanto, posso dizer que fui mais

escolhido do que escolhi.

Hoje, vive-se no reino da flexiciência e posso dizer que

levo com muito gosto as mudanças constantes no meio

universitário.

Filho: No meu caso, optei por cursar Direito em

Coimbra, em vez do curso de Filosofia e Humanidades, da

Faculdade de Filosofia da UC em Braga. Nesta decisão fui

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condicionado pelas limitações financeiras de uma família

numerosa vivendo de dois salários médios mas, sobretudo,

influenciado por um conselho prático, se não pragmático, do

Paizinho, que já vinha de longe, logo que terminei o curso geral

dos liceus. Antes do curso mais apreciado, estava o que mais

provável e brevemente me oferecesse a autonomia social e

económica. A passagem pelo ensino superior foi breve, quer

porque, francamente, me sentia bem “pequenino” ao pé dos

companheiros de curso que começavam a mesma carreira na

Faculdade de Coimbra, quer porque a Universidade da Beira

Interior não oferecia grandes meios e futuro a um professor de

Direito, quer porque cedo acalentara a hipótese de entrar na

magistratura do Ministério Público, então no início da sua

afirmação como magistratura autónoma e pró-activa na defesa

da Res Publica, dos incapazes, dos menores etc. Por fim, a

passagem à magistratura judicial decorreu de uma

oportunidade legal que se me ofereceu, de fazer a experiência

da judicatura na área científica em que me licenciara e,

debalde, sempre almejara trabalhar: Ciências Jurídico-

políticas.

Filho: A minha primeira escolha profissional (professor

do Conservatório de Música de Coimbra) não foi minha.

Escolheram-me. E eu, que, na adolescência tinha sonhado

com aquela possibilidade mas sempre a tinha visto como

impossível, por saber ter começado a estudar tarde, não

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62

hesitei. Como vim a dar em padre, mas em qualquer caso

padre-músico, é uma história muito longa que não cabe nos

limites e no género literário destes apontamentos. Retenha-se,

no entanto, que tudo o que disse na resposta à pergunta 5 faz

parte dessa história, bem como as referências às minhas

actividades apostólicas na paróquia e na universidade.

Filha: Com uma mãe professora, desde cedo olhei para

a docência como a minha profissão. Depois, no 9ª ano, houve

uma professora de Português, cuja formação vasta e integral

me chamou a atenção. Pessoa tímida e discreta, era porém

uma das professoras mais cultas que conhecia, cujo saber e

exigência tomei como modelo. À minha apetência natural pelas

humanidades, somou-se então o interesse pelas línguas

clássicas, (este herdado do pai, que sabia latim e era homem

de muitas leituras), o interesse ‘exótico’ por um alfabeto novo e

uma civilização nos arquétipos da nossa. Sabia que os estudos

clássicos me abririam portas novas ao conhecimento da

história, da filosofia e da literatura, que eu não queria

abandonar. A opção do curso superior estava, por isso, feita

desde cedo, sem a preocupação de escolher uma profissão,

porque ela viria a dar, certamente no ensino. Arrastada

também pelo exemplo de excelentes professores que tive,

quando acabei o curso não tinha dúvidas. Nessa altura, não

era, aliás, difícil aceder a esse mundo profissional. Pude

realmente optar entre uma proposta da área científica da

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63

linguística, em Coimbra, ou da área da Cultura Clássica no

Porto, ou em Évora. Mas o amor primeiro falou mais alto e

levou-me até ao Porto.

Filha: Desde o 5º ano que, quando estudava, gostava de

imaginar que dava aulas. Voltava-me para uma turma

imaginária e explicava a matéria que estava a estudar. Talvez

porque a minha mãe era professora ou porque, na altura, tinha

uma professora de quem eu gostava muito (a D. Maria Luísa).

O certo é que depois daqueles sonhos mais infantis de querer

ser bailarina, por exemplo, foi ficando a ideia de ser professora.

No entanto, ensinar uma criança a ler parecia-me tarefa muito

difícil para mim. Ficava então de fora a hipótese de ser

professora no ensino primário.

Também desde cedo senti mais gosto pelas

Humanidades, por isso, e por influência da irmã mais velha, a

Margarida, que tinha gostado muito do Grego e do Latim, fiz

por ter colegas em nº que permitisse abrir uma turma de Grego

no liceu de Cantanhede. Quanto ao Latim, a turma era

garantida. Desde o 10º ano que ficou mais ou menos assente

para mim a escolha de uma licenciatura em Estudos Clássicos,

curso em que ganhei verdadeiro gosto pela investigação e

confirmei o gosto pelo ensino.

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“A paixão por uma interpretação histórica, ou por

uma tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a

levantar a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte

a parte. Mas nunca nos zangámos. As manas é que

sempre saíram a perder porque, em caso de berraria, a voz

feminina não se impõe da mesma maneira”.

18. Havia “sabatinas”, “debates” entre os membros da família?

Filho(a): Já de pequenos tínhamos, com muitas pessoas

que frequentavam os nossos pais, a actualidade eclesiástica à

mesa. E nós confrontávamos sempre com o nosso pai o que

nos ensinavam no colégio, não fossem por lá andar a enganar-

nos com doutrinas humanas e não divinas. Tivemos desde

sempre o gosto espontâneo da religião como fonte da

Verdade, e com a Verdade era preciso muito respeitinho. De

miúdos, além de brincar aos pais e às mães, brincávamos

também aos missionários (um fazia de bispo e os outros eram

mandados às missões) e não faltava a missa na adega,

utilizando como retábulo ad orientem o rebordo do batoque das

pipas, que sugeria um sacrário em forma de arco românico. O

Colégio dos Jesuítas prolongou esse horizonte, mas a partir de

75, no culto sobretudo, os tempos eram de grande desordem,

pois vivia-se numa atitude refundacionista, como que de

recomeço da História… Enfim, era mais ingenuidade do que

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65

qualquer outra coisa, mas não é isso que agora vem ao ponto.

O certo é que, desse confronto, resultava de facto uma espécie

de sabatina.

Nunca nos faltaram amigos no Colégio, mas nós

tínhamos justamente um ferrete, paradoxal, de livres-

pensadores. Foi muito significativo o episódio de uma

“assembleia geral” (era no rescaldo do golpe de 74 e

macaquear a democracia era uma pedagogia compulsiva) em

que protestámos contra os abusos litúrgicos insistindo que,

“mesmo nas piores condições, o sacerdote deveria usar ao

menos a estola”. Ninguém via o problema, aliás, ninguém sabia

o que era a estola, e fomos o pratinho da chacota geral, por

causa da “pistola”.

Com o tempo, as nossas leituras, primeiro de romance e

depois, sobretudo de História, a ajuntar às especializações

científicas de cada um, foram dispersando e enriquecendo os

nossos temas de interesse, de modo que as conversa post

prandium resultavam por vezes num processo, não isento de

custos emocionais e de conflito, de aprofundamento e de

conciliação de pontos de vista. Numa profética ocasião –

andávamos pelos 10 anos – fomos até ao “derramamento de

sangue”. Enquanto a nossa mãe fazia de júri do então

severíssimo exame da IV Classe, na Gala, Figueira da Foz, cá

fora, no átrio da sala, envolvemo-nos os dois mais velhos

numa causa decisiva. Um estava por D. João II, outro pela

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66

Princesa Santa Joana. E como o de D. João II falhasse de

argumentos, disse tais sarcasmos ad hominem, que o de

Santa Joana não se conteve que lhe não esmurrasse o nariz

em toda a extensão. Para os dias seguintes, a nossa mãe lá

providenciou que o marido de uma colega nos levasse à

pesca…

A paixão por uma interpretação histórica, ou por uma

tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a levantar

a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte a parte. Mas

nunca nos zangámos. As manas é que sempre saíram a

perder porque, em caso de berraria, a voz feminina não se

impõe da mesma maneira.

Depois, da dispersão fizemos uma riqueza. As noites do

pátio, para além de conversas à saciedade, deram em ocasião

de partilha dos nossos percursos e interesses artísticos,

através da projecção e comentário de diapositivos. Tivemos a

nossa fase da arte da antiguidade clássica, da arqueologia

cristã, da pintura italiana, mas o que nos cativou

duradouramente foi a paisagem e o património plástico das

igrejas e conventos arruinados de Portugal. O costume era

caro mas pegou. A fotografia electrónica trouxe uma crise mas

actualmente, com a vulgarização do video-projector,

continuamos a partilhar a vida de cada família nos serões de

verão.

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67

“A família Miranda tem este privilégio extraordinário

de ser constituída por pessoas de temperamentos e de

talentos muito diferentes, mas que têm em comum uma

vontade férrea de serem verdadeiros cristãos. É esta a

âncora que dá segurança nas pequenas borrascas do

quotidiano e também nos vendavais um pouco mais

aparatosos que, no fim de contas, nunca deixam marcas

de destruição…”

19. Como interagem hoje os irmãos e os seus cônjuges? Mantém-se o “espírito de família”? Foi interiorizado pelos que foram chegando à Família?

Nora: O casamento é uma opção de vida que implica

não só a aceitação daquele com quem decidimos partilhar a

nossa vida mas também de toda a sua história pessoal e da

sua família. Foi aos 20 dias do mês de Setembro de 1986 que

eu, Maria Manuela dos Santos Gonçalves, e Tiago Afonso

Lopes de Miranda, contraímos vínculo matrimonial e demos

início, com a graça de Deus, a uma comunidade de vida e de

amor. O nosso pequeno lar começou por ser um anexo da

casa patriarcal da família Miranda onde, com o justo equilíbrio,

tínhamos a privacidade e autonomia a que todos os jovens

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68

casais aspiram, mas também o apoio incondicional daqueles

que passaram a ser “os meus sogros” e os “meus cunhados”.

A chegada da primeira filha, que era também a primeira

neta e a primeira sobrinha, foi vivida com uma alegria imensa

(e intensa) por todos os membros da família. Hoje, decorridos

vinte e dois anos, numa altura em que todos vivemos a

expectativa da chegada do décimo nono neto dos avós

Miranda, atrevo-me a dizer que o sentimento partilhado por

todos continua a ser de grande contentamento porque, afinal

de contas, o que nos une na profundidade é a mesma Fé num

Deus que se fez Homem para nos trazer o segredo da “vida

em abundância”.

A família Miranda tem este privilégio extraordinário de

ser constituída por pessoas de temperamentos e de talentos

muito diferentes, mas que têm em comum uma vontade férrea

de serem verdadeiros cristãos. É esta a âncora que dá

segurança nas pequenas borrascas do quotidiano e também

nos vendavais um pouco mais aparatosos que, no fim de

contas, nunca deixam marcas de destruição…

20. Como é hoje o dia a dia das vossas famílias, dos membros da Família Miranda?

Filho(a): Durante a semana, o quotidiano é mais ou

menos marcado pelo ritmo escolar dos filhos que, entre as

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69

várias famílias, abrange da primária à Universidade. Os que

andam na escola primária, basta-lhes atravessar a rua ou

andar meia dúzia de metros, pois são todos vizinhos. À

excepção da família do Zé Carlos, que vive em Braga e, por

isso, tem um ritmo de vida mais ‘urbano’, todos moram perto

da escola. Ao almoço, a avó Lizete alimenta três netos que

vêm da escola, mais três que ainda estão em casa. A sua

preocupação da manhã é “ter o almoço pronto para os

meninos”, depois de ter ido ao outro lado do bairro levar a

comida às galinhas e às pombas, com mais duas netas pela

mão. À tarde, depois da escola, dá-lhes a merenda e dedica-se

às suas lições. Sim, porque depois de fazer os trabalhos da

escola, os garotos ainda têm a composição, ou a tabuada, ou

as contas de dividir ou de multiplicar, que são os ‘trabalhos da

avó Lizete’. Durante a manhã, de preferência, ou depois de

almoço, as que não andam na escola já fizeram uns

trabalhinhos, uns desenhos, ou começaram a ler umas

palavrinhas.

Os que andam no segundo ou no terceiro ciclo passam

mais tempo fora. Como os pais decidiram escolher para os

filhos escolas católicas, com cujo projecto educativo se

identificam, têm de fazer mais alguns quilómetros. Uns vão

para Cernache, para o Colégio dos Jesuítas, outros para

Mogofores, o Colégio dos salesianos. Os pais levam-nos de

manhã (às vezes roda o condutor), e assim se aproveita a

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viagem para a oração da manhã e para as recomendações

necessárias (que nunca se repetem vezes demais). À tarde,

para o regresso, pode ser de novo o pai, ou a camioneta, ou o

comboio…. Para os que dão os primeiros passos no 5º ano, há

sempre um irmão ou um primo mais velho para ajudar na

integração na escola, para ensinar onde apanhar o autocarro,

dar segurança, etc…

O fim do dia pode ser ocupado com as aulas do

Conservatório, o que significa mais uma organização de

boleias com um tio ou um avô, ou ainda um amigo. Também

em Braga assim funciona: ajudando e deixando-se ajudar,

entre família e amigos.

À sexta-feira à noite, já cheira a fim de semana, por isso

pode haver uma sessão de cinema para os mais novos em

casa da tia Margarida. Se ao Sábado cada um toca as suas

rotinas para a frente, uns dando, outros indo à catequese e aos

escuteiros (nova ronda de boleias!) ao Domingo, sempre que

possível, depois da Missa e da conversa no adro da igreja,

almoça tudo em casa da avó Lizete. Se não vem o Zé Carlos,

somos 23, se vem o Zé Carlos somos 28. O Pedro, esse, com

as obrigações da paróquia, só vem ao Domingo à noite. Os

almoços são ruidosos, mas já foram mais difíceis…. depois de

servir a criançada, almoça-se com ‘algum sossego’ e ainda se

aproveita o resto da tarde para dar um passeio com os miúdos,

ir a casa dos outros avós, a alguma pastoral, ou até mesmo, se

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71

os testes apertam, para o pai estudar com o filho, o tio com o

sobrinho ou um primo com outro primo.

Requisitado por todos, o Tio Pedro vem ao Domingo à

noite, mas já os garotos estão mais para lá que para cá, e no

dia seguinte é Segunda-feira… Por isso, à Segunda, que é o

seu dia de folga, o Tio Pedro janta alternadamente em casa de

cada irmão, para ‘ir estando’ com todos. Nem Braga fica de

fora, porque vai havendo sempre algum afazer eclesiástico na

Roma portuguesa, e, quando assim é, não se perde a

oportunidade da viagem. Vão também o avô Tiago, a avó

Lizete e as netas que não têm escola, para poderem estar,

nem que seja por umas horas, com as primas de Braga.

Filho(a): Nós, os de Braga, somos uns desgraçados

porque, como hei-de dizer… Olhe, em linguagem de Assistente

Social, diria que não temos retaguarda familiar nem rede

vicinal de apoio. Ainda por cima, no trabalho, padecemos

ambos de “isenção de horário”, e com horário lectivo dobrado

em diurno e pós-laboral, um na universidade e outro na escola

e na formação de adultos; de maneira que programar uma

semana com os horários de base dos pais mais as incógnitas

todas e os escolares das filhas, duas em escolas diferentes

mais a pequenita no “Centro de Dia”, e juntar a tudo a música

extracurricular e as catequeses… é uma autêntica batalha

naval. O que ainda nos tem valido, para além de uma

vizinhança tão aflita como nós que vai calçando alguma

Page 73: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

72

emergência, é uma associação de geração espontânea a que

chamamos ADAREB (Associação dos Ançanenses Residentes

em Braga), com uma família reencontrada em Paris e depois

em Braga, que tem uma filha da idade da nossa mais velha, a

frequentar a mesma escola e tudo. A associação não tem

personalidade jurídica, aliás, nem pode, porque os dois

associados só dão para presidente e secretário e os

candidatos a tesoureiro ainda são menores… mas mesmo sem

letra de forma tem sido providencial. Com pouco tempo no dia-

a-dia para estar com as miúdas, esforçamo-nos por pôr em

prática o conselho que a Florbela ouvia a um sábio professor,

que é aproveitar muito bem o tempo passado no carro, que é

muito! Tem que dar para rezar a oração da manhã e para os

relatos do fim da tarde. Foi no carro que elas aprenderam as

mesmas orações que aprendemos de pequenos, com as

essenciais em latim, a que aderem com muita espontaneidade.

Nas viagens longas, aproveitamos para rezar o terço, um ritual

diário que nos moldou nas nossas famílias de origem e na vida

que levamos não conseguimos integrar na vida quotidiana.

Antes da oração da noite, lá se vai arranjando tempo para uma

história. Como o repertório popular é limitado, se for o pai, que

não tem paciência para literatura infantil (que o mais das vezes

é mais imbecil do que infantil), vão indo as da Bíblia, que têm

sempre muito sucesso. Agora, a Aurora já vai ajudando nessa

função e compensa as irmãs mais novas com um pouco da

Page 74: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

73

sorte dela, que foi ter os pais todos os dias em casa, à hora de

deitar. Aos domingos, em média, tendencialmente, visitamos

as duas famílias de origem uma vez por mês; noutro, pomos

em dia alguma amizade ou, especialmente no domingo em que

canta a Capela Musical de Stª Cruz, descansamos com as

miúdas. Além dos domingos de ir a Ançã, que para as nossas

filhas são sempre um salutar banho de primos, também temos

às vezes umas Segundas de festa, quando o tio Pedro

aproveita a folga de pároco e vem a Braga tratar de tricas lá

das igrejas e capelas da sua jurisdição. Traz sempre a avó

Lizete e/ou o avô Tiago, com presentes, mais duas ou três

primitas pré-escolares, e é sempre uma noitada esfusiante

para nós e as nossas filhas. Nas férias de natal, para quebrar o

inverno, também gostamos de ir comer e seroar às rodadas,

nas casas uns dos outros. O rebuliço também deixa saudades

e a gente só não as sente na hora fugaz de apanhar cacos e

brinquedos e pôr móveis no sítio. Temos que aprender com o

avô Tiago e a avó Lizete, que têm lá todos os dias o que em

nossa casa é só de vez em quando.

Page 75: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

74

GRUPO ANÇÃ-BLE

FONOLOGIA ADEQUADA PARA

REPRODUZIR AS NOTAS

AFINADAS DO FAMILIAR SENTIDO

DE CONJUNTO

21. O que os une hoje – e sabemos que

constituíram um grupo musical? Outros exemplos?

Filho(a): O que nos une, não é propriamente o grupo

musical, que é mais efeito do que causa. Aliás, é

extremamente difícil fazer música à altura das nossas

aspirações, pois isso requereria trabalho regular, que não é

conciliável com as nossas vidas familiares nem profissionais.

Temos um repertório quantitativamente vasto porque os ançã-

ble que moram em Ançã, todos menos o maestro e um baixo,

cantam e tocam no coro paroquial e têm que alimentar a

liturgia de um ano inteiro, sem falhar, domingo após domingo.

Page 76: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

75

Se não fosse isso, dificilmente teríamos capacidade de

resposta às solicitações litúrgicas ou concertísticas que vamos

aceitando. Claro, concertos propriamente ditos não seriam

possíveis sem a semana anual dos “Encontros de Música

Antiga de Rio Longo” e a respectiva gravação. “Os Encontros”

chamam-se assim por terem começado lá para 87, nuns três

ou quatro acampamentos, em anos consecutivos, numa ilhota

rústica situada na freguesia de Rio Longo, perto de Vieira do

Minho.

Actualmente, são na casa do Seixo, e, com tanto

cachopedo à solta, só se têm aguentado graças aos avós e às

duas cunhadas não cantoras, Manuela e Florbela, que

organizam para os pequenos, com uma paciência infinita, um

programa análogo ao de um campo de férias. Nessa semana,

temos tido a tempo inteiro a Srª Beleza, uma exímia cozinheira

e esteio de apoio da família lá em Ançã, porque um rancho

diário para trinta pessoas, com todos os adultos ocupados,

requer dedicação especializada. Aí a lotação da casa fica

esgotada. Parece que em breve já não haverá beliches que

valham. Um dia surpreendemos a Ana Lizete e a Aurora a

torcer por que fosse menino o novo bebé da Tia Margarida.

Perguntámos por que estavam tão determinadas por um primo

e não por uma prima. Concluímos que era só por bater certo lá

pelas contas delas nas camaratas do Seixo.

Page 77: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

76

Enfim, não é propriamente assim que se trabalha nos

estágios na Casa da Música… Não, o que nos une, é, aos

cinco, a herança afectiva dos nossos pais e avós, e aos

nove, com os nossos cônjuges, a herança comum da fé,

da esperança e da caridade. Tivemos todos a felicidade de

encontrar para casar pessoas que acolhem a graça de ser

fiéis à Igreja Católica. E por isso, para os nossos casais,

mesmo quando as diferenças pesam e a virtude escasseia,

a Verdade e o Bem são objectivos. E isso, tanto dá

segurança como humildade.

...E SÃO UMA FAMÍLIA

FELIZ.EXEMPLAR.UMA FAMÍLIA (FAMÍLIA

MIRANDA) À QUAL O ROTARY CLUB DE

COIMBRA PRESTA HOMENAGEM.

HÁ HISTÓRIAS DE ENCANTAR QUE SABE

BEM CONTAR...

OU ANTES: ESCUTAR COM INCONTIDA

TERNURA E EMOÇÃO.

Page 78: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

AS BIOGRAFIAS

Page 79: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

Avós com 17 dos netos (2005). Baptismo da Guidinha e da Irene.

Page 80: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

79

Tiago da Rocha Miranda

Memória

A contagem dos 80 anos de vida, que já cumpri, iniciou-se no dia 21 de Maio de 1929 – gandarês, de pais gandareses, no lugar (hoje freguesia) do Seixo, no

Page 81: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

80

concelho de Mira. Foram meus pais Afonso de Miranda

Catarino e Albina de Jesus Rocha.

Tive uma infância feliz, com meus sete irmãos e,

aos 7 anos, entrei na escola primária, sorte que não era

extensiva a todas as crianças.

Brincalhão que era, certo dia, o meu

comportamento com o colega de carteira mereceu, da

parte do Professor, um pequeno tabefe, tipo “enxota-

moscas”. Foi o suficiente para me recusar a voltar à

escola. Até que, certa manhã, meu pai tomou-me pelo

braço com energia e, ignorando os meus protestos, lá me

levou; entregou-me ao Sr. Professor, Raul de seu nome,

que me acompanhou depois até à conclusão da 4ª classe.

Em Outubro de 1941, a meu pedido e por mão de

minha saudosa Tia, Maria Evangelina, dei entrada no

Seminário da Imaculada Conceição, na Figueira da Foz,

em que fiz os dois primeiros anos preparatórios,

transitando depois para o Seminário Maior de Coimbra,

onde os concluí e cursei ainda Filosofia e três anos de

Teologia.

O período de cerca de 15 anos da adolescência e

juventude foi fundamental para a minha vida. Foi no

Seminário que adquiri a minha formação moral e

intelectual, modelando a minha personalidade e carácter,

caldeados na Fé e nos valores cristãos. Embora tenha

Page 82: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

81

desistido de alcançar a meta inicial do Sacerdócio, nunca

me arrependi dos anos ali passados, e estou sumamente

grato à Providência, pelos caminhos que me levou a

percorrer.

Em Outubro de 1953, tomei o caminho de

Salamanca, para completar os estudos de Filosofia na

Universidade Pontifícia, mas, nesse mesmo mês e ano,

declarou-se-me uma “Fiebre Tifoidea”, numa época em

que não haviam chegado ainda, a Espanha, os

antibióticos que a poderiam ter debelado. A doença

atirou-me então para o Hospital, quase até à fronteira da

Vida. Durou o internamento cerca de um mês. Regressei,

então, a Portugal para um largo período de

convalescença.

Apanhado pelo Serviço Militar, novo período de

internamento, agora no Hospital Militar em Coimbra,

onde uma inspecção médica, no dia em que completava

27 anos de idade, me declarou inapto, libertando-me,

assim, da obrigação de me incorporar no Exército.

Regressado a Salamanca, pude então concluir o

Bacharelato e, no ano seguinte, em 1958, a Licenciatura

em Filosofia. De volta a Portugal, em 1958, munido de

“Canudo”, ainda pensei em prosseguir estudos, cursando

uma licenciatura em Direito – ramo que sempre me

seduziu – mas, considerando a idade e duração dos

Page 83: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

82

estudos, pus de parte a ideia.

Obtive entretanto, do Ministério da Educação, uma

certidão de equivalência do meu curso e um Diploma

para o Ensino Particular, com competência para ensinar

Latim, Português, Filosofia e História. Tentei a carreira

do Ensino num Colégio Particular, mas ao fim de um mês

de experiência, convenci-me de que não era esse o meu

caminho, e despedi-me.

Decidi então, enveredar pela carreira da Função

Pública, como funcionário administrativo. Após sete ou

oito meses na Câmara Municipal de Mira, preparei-me

para os concursos abertos pela então Direcção Geral de

Administração Política e Civil: logo de seguida coloquei-

me como Chefe de Secretaria da Câmara Municipal de

Mondim de Basto, em 20 de Maio de 1959.

Entretanto já tinha conhecido a Mulher que Deus

colocou no meu caminho, uma simpática moça, de olhos

verdes, professora por vocação. Em Agosto de 1959

selámos, no Altar da Igreja Matriz de Ançã, o nosso

compromisso Matrimonial, cujo cinquentenário tivemos

a graça de celebrar no dia 8 de Agosto deste ano de 2009,

rodeados dos nossos 5 filhos, genros, noras e 18 netos –

Graças a Deus!

Em Mondim de Basto permaneci até 24 de Maio de

1961, já na companhia de minha Mulher, Maria Lizette,

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83

colocada na Escola de Parada, freguesia de Atei.

Como o nosso desejo era aproximarmo-nos de

Ançã, concorri para a vaga aberta na Câmara Municipal

de Tábua, onde fui colocado e permaneci até Fevereiro

de 1966, quando teve lugar a minha última transferência

na Função Pública, para a Câmara Municipal de Miranda

do Corvo. Ali permaneci até Abril do mesmo ano de

1966.

Ocorreu então uma alteração de vulto na minha

vida profissional. Eram os anos 60 do século passado. O

crescimento exponencial da economia e do Sistema

Financeiro permitiu a abertura, em Cantanhede, de uma

Agência do Banco Borges & Irmão. A minha admissão

nesta Agência proporcionou-nos, além da aproximação a

Ançã – por que tanto ansiávamos – uma notável melhoria

das condições de trabalho e estabilidade profissional.

Depois de uma permanência de 17 anos em

Cantanhede fui, a meu pedido, transferido para o mesmo

Banco em Coimbra. Na minha deslocação diária, levava

para as aulas os meus filhos, que entretanto já

frequentavam a Universidade.

Aos 63 anos de idade e com uma vida profissional

de cerca de 35 anos de trabalho, pedi e obtive a minha

Reforma.

Page 85: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

84

Olhando para trás e avaliando estes 80 anos de vida,

sinto-me feliz e realizado na companhia de minha

Mulher. Sem ela eu não teria sido o que fui – feliz!

Somos uma família alargada, em que se cultiva a

amizade, a entreajuda e a solidariedade entre as três

gerações, já com 18 netos (quase 19) que, todos na idade

infantil, passaram pela “Escola da Avó Lizette”, onde

tomaram contacto com as primeiras letras. Rendo muitas

graças a Deus pela Mulher e os filhos que nos deu. Todos

eles e seus cônjuges acolhem e guardam os valores da Fé

e moral cristãs que procurámos incutir-lhes. É essa a

maior alegria. Dela nos orgulhamos e por ela damos

imensas graças a Deus.

Resta-me agora, nos oitenta… aguardar a vinda do

Senhor.

Vigiai e orai. Não sabeis o dia nem a hora…

Ançã, 09.12.2009

Page 86: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

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Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda

Esboço Biográfico

Maria Lizette Carlos Lopes, da Rocha Miranda por casamento, nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1932, em Ançã, na Rua dos Trovões (hoje R. Dr. Lino Cardoso),

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86

filha única de José Carlos da Costa e de Maria Aurora

Lopes. O Pai era alfaiate de profissão e a mãe, doméstica,

colaborava com o marido nos pontos de mão. Nessa

primeira casa cresceu, até aos dois anos de idade, data em

que seu pai comprou outra casa, na R. do Espírito Santo.

Era oficina de seu pai uma pequena sala do rés do chão

onde, no Inverno, se juntavam os amigos a conversar. Ali

passou pois os primeiros anos da sua infância, tirando

alinhavos aos fatos e aprendendo a ler. Aos 5 anos, seu

pai deu-lhe as primeiras lições e, quando entrou na

escola, o seu livro de leitura foi o Jornal Infantil Pim,

Pam, Pum.

Era visita assídua de seu pai, um Regente escolar,

irmão da Professora local, que muito influenciou a sua

vocação. No entanto, apesar de todos exortarem seus pais

a mandá-la estudar, os rendimentos não o permitiam. Aos

10 anos fez a 4ª classe e, no ano seguinte, foi forçada a

interromper os estudos. Ia até à escola e gostava de

ajudar a professora com as meninas da 1ª classe,

enquanto acalentava, por dentro, o desejo de ser

professora.

Com um esforço suplementar de seus pais, retomou

os estudos no ano seguinte em Coimbra, no Colégio

Alexandre Herculano, como aluna externa, ficando a

residir em casa de um tio, que morava então junto à

Estação Velha. Durante os seis anos do Colégio,

Page 88: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

87

deslocava-se diariamente a pé, desde a Estação Velha até

ao Colégio, levando o cestinho com o almoço que, por

meio de um operário da Fábrica de Cerâmica, todos os

dias, a mãe lhe mandava de Ançã. Aos fins de semana, ao

sol ou à chuva, as viagens para casa dos pais eram de

bicicleta.

Em 1948 (a 2 de Fevereiro) tocou a fronteira da

Vida quando caiu à cheia do Mondego, tendo sido salva

pela coragem de um desconhecido, natural de Tentúgal,

que ali passava naquela ocasião. Todos os anos evoca

aquela memória e dá glória a Deus por essa graça.

Feito o 5º ano do Liceu, fez exame de admissão à

Escola do Magistério Primário, e foi colocada na cidade

da Guarda, para onde partiu na madrugada do dia

seguinte, como quem vai para a maior aventura,

amedrontada pelos penedos da Serra que, à medida que o

dia nascia, lhe pareciam gigantes.

Chegada à Guarda a 1 de Dezembro de 1950, foi

recebida pelo Sr. Director da Escola do Magistério (Sr.

Dr. Manuel Elísio Dias Vieira, falecido há poucos anos)

que lhe deu as primeiras informações. No mesmo dia,

cruzou-se casualmente com uma sua amiga de infância, a

quem já não via há muitos anos, a Belinha do Sr. Pires,

natural de Celorico da Beira. Foi ela que a convidou a

instalar-se numa residência dirigida por uma tia sua, o

Lar da Acção Católica, que recebia raparigas estudantes,

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88

e que haveria de marcar definitivamente a sua formação

humana e todo o seu rumo futuro. Filiou-se na J.E.C.F.

(Juventude Escolar Católica Feminina), de que foi

presidente. Era querida por todos os colegas, rapazes e

raparigas, e ali granjeou muitas amizades.

Acabou o curso em 1952 e foi sua primeira escola a

escola de Fajão, no Concelho de Pampilhosa da Serra,

onde chegou no dia 10 de Outubro. Esperavam-na 55

alunos, das quatro classes, os quais havia já um ano que

não tinham escola. Esta, era muito pequena e

desaconchegada, mas o seu sonho de professora era

maior. Terminado o ano lectivo, foi a cavalo que

acompanhou os seus alunos e os apresentou a prestar as

provas de exame da IV classe, na Vila da Pampilhosa.

Em Fajão, fundou também uma Secção da J.A.C.F.

(Juventude Agrária Católica Feminina), pois tinha

prometido a si mesma criar, para onde quer que fosse, um

grupo da Acção Católica.

Em 1953-1954, veio para Sepins, no Concelho de

Cantanhede. Nesse ano, a festa de Natal serviu para criar,

na aldeia, uma Conferência Vicentina, destinada à

assistência aos mais pobres. Apresentou, então, os seus

alunos ao exame da IV classe, em Cantanhede, para onde

se deslocou com todos, dessa vez de charrette.

Em Outubro de 1954, ao contrário do que estava

garantido, não voltou a ser lá colocada, mas sim no Seixo

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89

de Mira, e assim, sem que ela quisesse, antes bem

contrariada, a providência, pela decisão do Inspector

Neves, a foi aproximando do noivo que havia de

conhecer. No Seixo, já ela era conhecida como “Senhora

da Valeira”, pois ali participara numa actividade da A.C.

(Acção Católica), enquanto dirigente. E foi assim que

conheceu o Tiago, natural do Seixo, então estudante em

Salamanca.

Em 1955, para evitar mais uma vez o Seixo de

Mira, ao qual a prendiam razões inefáveis, efectivou em

Vidual de Cima, Pampilhosa da Serra, vindo a adoecer ao

fim de 15 dias. Depois de o Médico de Cabril

diagnosticar um problema pulmonar, teve de deixar a

escola e voltar à casa de seus pais, para ser seguida por

um especialista. Regressaria em Outubro do ano seguinte,

já totalmente recuperada, para retomar o lugar na escola e

fundar mais um grupo de A.C. Não lhe faltou então o

queijo fresco e os peixes do lago da Barragem, que o

Bernardino pescava com uma narsa

No ano seguinte, 1957/1958 até 1959, foi colocada

nas Cochadas, Concelho de Cantanhede, onde começou

também a dar catequese às crianças, para que elas não se

deslocassem à Tocha.

Sempre ligada à A.C. e fazendo parte da sua

Direcção Diocesana, frequentou numerosos cursos que

muito contribuíram para o seu enriquecimento e granjeio

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de grandes amizades, de norte a sul do país.

Constituiu família em 1959, e foi logo depois

colocada efectiva em Mondim de Basto, no lugar de

Parada de Atei, para onde se deslocava não já a cavalo

nem de charrette, mas de automóvel, depois de tirar a

carta de condução. Na vila de Mondim, dedicou-se

também aos trabalhos da L.A.C.F (Liga Agrária Católica

Feminina) e as amizades foram crescendo.

Pouco depois, acompanhou o marido, colocado na

Câmara de Tábua, e voltou ao Centro do país, para dar

aulas em Covão do Lobo, já com o primeiro filho nos

braços, seguindo-se a escola de Espadanal (Tábua). Ali

viveu com os seus três filhos mais velhos, até obter

transferência para Balsas (Febres), onde os seus filhos

fizeram a primeira escolaridade. Tendo fixado residência

em Ançã, permaneceu naquela escola ao longo de 11

anos, tendo colaborado também na docência das recém-

criadas 5ª e 6ª classes e, posteriormente, na chamada

Telescola, em que leccionou Português, Francês e

História.

Passou então para o lugar da Granja (de Ançã) até

conseguir vaga na escola da sua terra natal, situada

mesmo em frente de sua casa. Em Ançã trabalhou

durante 15 anos, até à sua aposentação, quando perfez 60

anos de idade e 40 de serviço.

Entretanto, fora inúmeras vezes solicitada para a

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realização de exames da IV classe, da 5ª e da 6ª. Foi

membro de Júri em Coimbra, Cantanhede, Figueira da

Foz, tendo também participado na elaboração das provas

de exame.

Manteve sempre boa relação com os seus colegas,

alunos e suas famílias. Foi com enorme surpresa e

consolação que recebeu, há quatro anos, a visita de um

aluno que o fora há 50 anos, na escola de Fajão, e a quem

nunca mais vira, o qual partiu de Lisboa, onde reside, a

fim de procurar a sua professora da 1ª classe.

Presentemente, aposentada há 17 anos, a sua vida

tem sido de doação aos seus cinco filhos, quatro noras e

genros e 18 netos (à espera do 19º). Muda fraldas, dá

biberons e papas, ensina as primeiras letras e acompanha

os maiorzitos na realização dos TPC’s. Por sua mão,

todos aprenderam a ler, antes de entrar na escola.

Manteve-se sempre ligada à A.C.R., movimento a

que ainda pertence, e distribui mensalmente mais de uma

centena de jornais deste movimento: o Mundo Rural.

Continua a viver para todos e afirma só se sentir bem

quando a todos vê à sua volta. Ajudam muito a manter

esta cadeia de amor, que a todos une, afirma, as refeições

em conjunto, com todos os filhos e netos, ao Domingo e

dias de festa. “Em tudo, amar e servir”. É servindo que se

sente feliz.

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Friso de sete netas.

Agosto de 2009.

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93

José Carlos Lopes de Miranda

Nasceu em Coimbra, em 1961 (3 de Junho).

Natural do Seixo de Mira por parte do pai, e de Ançã, por

parte da mãe e da pia baptismal, foi criado numa família

em que coabitaram por opção as três gerações.

Beneficiou, por isso, da dedicação dos avós e da

Catarina, jovem afilhada deles. Obteve Diploma da IV

classe, na Escola de Balsas (Freguesia de Febres), onde

era professora sua mãe, pela mão do Professor José

Manuel Barreira.

Por essa altura teve a oportunidade de uma preciosa

iniciação ao solfejo com o Maestro Artur Salguinho, que

regia do seu leito de paraplégico os aprendizes da Banda

Phylarmonica de Ançã. Entre 1971 e 1976, assentou

praça no Colégio Apostólico da Imaculada Conceição

(Cernache), da Companhia de Jesus, seguido ano após

ano, para gáudio comum, pelos dois irmãos, juntamente

com quem já se habituara, entre outras coisas, a cantar a

vozes. Além da formatação estatal obrigatória, iniciou-se

nos três primeiros anos, por mão de generosos Mestres, à

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Religião Verdadeira, à Literatura, ao Teatro, à Música, e,

posto que a contragosto, ao desporto. Nos dois últimos

anos, Calderón de la Barca deu lugar a sketches e a

Música Sacra foi trocada por rapaziadas, de sorte que

cedo se habitou à falácia do sucesso fácil da guitarra e da

pastoral de superfície (os então ditos “irmãos Miranda”

cantavam nos Festivais do Colégio e animavam o que

fosse preciso mas só fizeram algo de jeito quando

começaram a estudar e integraram as duas manas

entretanto crescidas).

Todavia, a sombra benfazeja dos mestres nunca se

dissipou. De sorte que, após os estudos secundários na

nova escola de Cantanhede - onde aprendeu finalmente

latim - e do Ano Propedêutico na RTP - entrou no

Noviciado da Companhia de Jesus, Ordem a que ficará a

dever grande parte da sua formação superior. Assim, de

1981 a 1986, licenciou-se em Filosofia e Humanidades

Clássicas, na Pontifícia Faculdade de Filosofia de Braga.

Ao mesmo tempo, por providencial impulso de um dos

seus antigos mestres de Cernache, então a lançar os

fundamentos do CCM (um Conservatório regional no

Colégio das Caldinhas) – e graciosamente preparado por

uma colega de Filosofia que aí então ensinava Solfa –

propôs-se como externo ao exame do 2º ano do

Conservatório do Porto. Pôde assim frequentar e concluir

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95

no CCM os Cursos Gerais de Canto e Composição.

Como por essa altura também os irmãos e as irmãs

estudassem música e se andassem “da lei do sucesso

libertando”, começa com eles a subir além do fado.

Datam por isso de Braga os primeiros concertos

polifónicos dos “irmãos Miranda”.

Leccionou de seguida, em Lisboa, todos os níveis

da disciplina de Religião no Colégio de S. João Brito,

concluindo paralelamente, em 1988, o Curso Superior do

Conservatório Nacional (disciplina nuclear-Canto). Em

Roma de 1988 a 1996, licenciou-se em Teologia (Univ.

Gregoriana, Roma, 1991 e Univ. Lateranense Roma,

1993) com vista à ordenação sacerdotal e concluiu o II

Ciclo em Letras e Ciências Patrísticas pelo Instituto

Patrístico Augustinianum, em 1996, com uma Tese sobre

Orósio de Braga (séc. V).

Ao mesmo tempo, leccionou sucessivamente

Literatura Portuguesa, Introdução à Política e Francês na

Escola Portuguesa de Roma, bem como um Curso

Propedêutico de Latim na Faculdade de História

Eclesiástica da Univ. Gregoriana (1993-94). Ainda em

Roma, exerceu paralelamente uma regular actividade

concertística e discográfica, quer como barítono solista

ou director de coro, quer como membro da Capela

Musical Pontifícia (Sistina, 1990 – 96).

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96

Além da assídua dedicação apostólica nos campos

de férias e em numerosas iniciativas pastorais, próprias

ou dos Superiores, as outrora longas férias de verão

permitiam, por essa época, uma plena reconstituição

familiar. O certo é que o costume de cantar juntos acabou

por ter de se ritualizar com cadência anual, até aos dias

de hoje.

De 1996 a 98, foi Assistente do Centro de Estudos

Clássicos da Faculdade de Filosofia de Braga, onde

leccionou o Curso Propedêutico de Latim e regeu a

cadeira de Latim I.

Em 1996, iniciou também uma assídua colaboração

com o Astra Opera Theater e com o University Center of

Gozo, Malta, aonde se deslocou com frequência

trimestral, quer para conferências e master classes, quer

para produções de ópera, recitais e gravações.

Regressado a Roma, integrou diversos complexos vocais

e instrumentais (salientando-se, além da Cappella

Sistina, o Coro e Orquestra da Accademia di Stª Cecilia)

e efectuou digressões concertísticas na Europa, nas

Américas e na Ásia.

Em 1999, alcançada do Papa João Paulo II a

dispensa das obrigações conexas com as sagradas ordens,

celebrou o sétimo sacramento com Maria Florbela da

Silva Rosa Baptista, jovem professora de Física então na

Page 98: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

97

Póvoa de Lanhoso e formadora assídua dos Jovens da

Mensagem de Fátima. Deu-lhes Deus até hoje cinco

filhos, sendo vivos três, todos meninas, baptizadas com

os nomes de Aurora, Ana Lizete e Margarida.

Em 2000, integrou, na qualidade de consultor para

os textos latinos, uma equipa de bolseiros da Comissão

Nacional dos Descobrimentos no Arquivo Secreto

Vaticano para a inventariação da documentação relativa a

Portugal e ao seu Padroado. Ainda em 2000, foi bolseiro

da FCT no Instituto Patrístico Augustinianum, onde

concluiu o Doutoramento, em 2003, com uma tese sobre

o confronto e interacção entre os modelos socio-políticos

pagão e cristão, em Tertuliano (séc. II – III).

Em Portugal desde então, leccionou, até 2007,

Canto e Classe de Conjunto no CCM das Caldas da

Saúde, onde, além de dirigir o Coro de Câmara Manuel

Faria, participou como Barítono solista nas suas

produções de Ópera.

Actualmente é docente da Faculdade de Ciências

Sociais do Centro Regional de Braga da UCP. Dirige

ainda a Capela Musical de Santa Cruz (Braga), dedicada

ao Canto Gregoriano e à liturgia dominical, no pouco

tempo que lhe sobra das gratificantes ocupações de pai e

de “marido de professora”, de cuja síndrome já padece

em grau moderado. Entre os seus mais importantes

Page 99: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

98

contributos à edificação da sociedade, gaba-se hoje de, nos longos tempos de motorista escolar, ensinar as filhas em rezar.

Page 100: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

99

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Esboço biográfico

É o segundo dos filhos de Tiago da Rocha Miranda

e de Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda, neto

paterno de Afonso de Miranda Catarino (Seixo de Mira)

e de Albina de Jesus Rocha e materno de José Carlos da

Costa e de Maria Aurora Lopes (Ançã).

Nascido a 20/8/1962, em Coimbra, Freguesia da Sé

Nova, na hoje Maternidade Bissaya Barreto, viveu a

primeira Infância na Vila de Ançã, hoje concelho de

Cantanhede, mas frequentou e completou o ensino

primário na Escola Primária de Balsas, freguesia de

Febres, concelho de Cantanhede, onde a mãe leccionava.

Em Ançã fez os primeiros estudos musicais com o

Mestre Artur Salguinho, com quem aprendeu solfejo e os

primeiros rudimentos de Violino.

Dos pais e avós e do pároco de então, Álvaro de seu

nome, mas por todos tratado por Senhor Arcipreste,

recebeu a Fé e o catecismo católicos.

Page 101: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

100

Os então chamados ciclo preparatório e curso geral

dos liceus fê-los como aluno interno do Colégio

Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC), da

Companhia de Jesus, em Cernache, Coimbra, entre 1972

e 1977. Aqui lhe foram ministradas sólidas instrução e

educação, inclusivamente, tanto quanto o permitiram

tempos conturbados do PREC e de alguma desorientação

pós conciliar, a catequese e a piedade necessárias a um

desenvolvimento humano integral. Também foi aqui que

com os dois irmãos, a estímulo de professores e colegas

mais velhos, começou a cantar polifonias clássicas

ligeiras, sacras e profanas, no grupo de rapazes cantores

do Colégio e num anual festival da canção que ali se

organizava.

O curso complementar dos liceus foi obtido na

então recentemente fundada Escola Secundária de

Cantanhede, na secção de Letras.

Em 1985 conclui a licenciatura em Direito pela

Universidade de Coimbra. Na passagem pela

Universidade, foi determinante no seu desenvolvimento

integral a frequência do Centro Universitário Manuel da

Nóbrega e a estreita convivência com jesuítas como os

Padres António Vaz Pinto, Alberto Teixeira de Brito,

Vasco Pinto de Magalhães e Luís Rocha e Melo. Com

eles aprendeu o que se pode chamar o nível universitário

Page 102: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

101

da catequese e conheceu os Exercício Espirituais de

Santo Inácio de Loiola: uma relação pessoal com Jesus

Cristo e uma visão do mundo e do nosso lugar nele,

mediante a qual todas as contradições são superadas e

descansamos, enfim, no Único Sentido que é Deus.

No verão participou e animou campos de férias para

adolescentes, ligados aos Jesuítas, inicialmente na

associação “Mocanfe”, depois na “Camptil”, de que foi

sócio fundador.

Paralelamente aos estudos universitários frequentou

o Conservatório Regional de Coimbra, onde obteve

aprovação no então quarto ano de formação musical e do

curso de violino.

Em Novembro de 1985 tomou posse como

assistente estagiário na Universidade da Beira Interior,

então Instituto Universitário da Beira interior, onde

leccionou as disciplinas de Direito do Trabalho e Direito

Fiscal.

Em Outubro de 1986 deu entrada no Centro de

Estudos Judiciários e em 1989, tendo optado pela

Magistratura do Ministério Público, tomou posse como

Procurador Adjunto, em Penacova. Em Setembro de

2002 foi promovido a Procurador da República e em

Outubro de 2008 abandonou a magistratura do

Magistério Público para ingressar, por concurso, na

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102

Magistratura Judicial dos Tribunais Administrativos e

Fiscais. Presentemente é juiz de Direito do Tribunal

Administrativo e Fiscal de Coimbra.

Em 20 de Setembro de 1986, contraiu matrimónio

com Maria Manuela dos Santos Gonçalves de Miranda,

licenciada em Filosofia e então, como hoje, professora de

religião e moral católicas na Escola Secundária de

Cantanhede, estabelecendo residência em Ançã. Foi o

matrimónio abençoado com seis filhos. Maria Cecília:

nasceu em 27/6/1987, estuda medicina dentária na

faculdade respectiva da Universidade do Porto (4º ano).

Fez também estudos musicais, tendo concluído o curso

de Formação Musical do conservatório e o 5º grau de

Piano. Dá catequese na paróquia de Ançã. Maria Beatriz:

nasceu em 6/8/1988, estuda Direito na Universidade de

Coimbra (4º ano). Obteve o 8º grau do curso de Violino

do Conservatório de Música de Coimbra. Dá catequese

na paróquia de Ançã. José Carlos: nasceu em 5/10/1990,

estuda Engenharia Informática na Universidade de

Coimbra (segundo ano). Completou o 5º grau de

formação musical e estudou violino e canto no

conservatório de Música de Coimbra. Maria Isabel:

nasceu em 25/5/1993 e, tal como os irmãos, a seu tempo,

frequenta o 11º ano no CAIC (cf. supra). Frequenta ainda

o 5º ano do curso de violoncelo do conservatório de

Page 104: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

103

música de Coimbra. Integra o Grupo de Animação

Pastoral (GRAPA) do Colégio. Dá catequese na paróquia

de Ançã. Pedro Carlos: Frequenta o 9º ano de

escolaridade no CAIC e o 5º grau do curso de Piano no

Conservatório Regional de Coimbra. Integra o Grupo de

Animação Pastoral. Maria Madalena: nasceu em

30/9/2002, frequenta a escola básica de Ançã (2º ano) e a

classe de violino da Academia de Música de Ançã.

É associado e integrou os órgãos sociais da Real

Associação de Coimbra, movimento monárquico

apartidário com sede em Coimbra. Com os quatro irmãos

e um cunhado, Isaías Hipólito, e os seus quatro filhos

mais velhos integra o grupo vocal Ançãble. Em 1998 e

em 2007 foi mandatário nacional do grupo de cidadãos

denominado “Aborto a Pedido, Não” constituído com

vista á defesa do não nos referendos sobre a legalização

do aborto. É sócio fundador e integra a direcção da

“Associação de Defesa e Apoio da Vida de Coimbra

ADAV – Coimbra”, que desde 1999 apoia grávidas e

mães e pais em dificuldade, na ordem dos mais de

trezentos casos anuais. Na paróquia de Ançã, integra o

conselho económico e o conselho pastoral e ensaia o coro

litúrgico da Igreja Matriz, fundado algures por 1980 pelo

hoje Padre Pedro Carlos Lopes de Miranda. Em 2003,

numa iniciativa partilhada por todos os irmãos e cunhado

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104

Isaías Hipólito, que o Padre Dr. Manuel de Jesus, pároco há mais de trinta anos e grande amigo, esclarecidamente apoiou e possibilitou, foi importado da Alemanha e montado no coro alto da mesma Igreja um Órgão de Tubos, instrumento de 13 registos, dois teclados e pedaleira, único no distrito de Coimbra.

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105

Pedro Carlos Lopes de Miranda

Esboço biográfico

Nasceu em 17 de Maio de 1964, terceiro filho de

Tiago da Rocha Miranda e de Maria Lizette Carlos Lopes

da Rocha Miranda. De 1970 a 1975.Fez o ensino

primário e a então 5ª classe, na Escola Primária de

Balsas, freguesia de Febres, onde a mãe leccionava.

Desde o então 2º ano do ciclo até ao 9º ano de

escolaridade, de 1975 a 1979, estudou no Colégio

Apostólico da Imaculada Conceição, da Companhia de

Jesus, em Cernache dos Alhos.

Os 10º e 11º anos, 1979-81, fê-los na Escola

Secundária de Cantanhede, na área de Humanidades, e o

12º ano, 1981-82, na Escola Secundária José Falcão, em

Coimbra.

De 1982 a 1986 frequentou e obteve a Licenciatura

em História da Arte, na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra. Ao longo destes sete anos

desenvolveu intensa actividade na paróquia de Ançã,

quer como catequista, quer como colaborador do Coro,

Page 107: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

106

sobretudo como organista, cuja habilitação tinha

desenvolvido no Colégio Apostólico da Imaculada

Conceição. Na Pastoral Universitária, conheceu e foi

colaborador próximo dos jesuítas do Centro Universitário

Pe. Manuel da Nóbrega.

Entretanto, desde 1981, desenvolvia estudos

musicais, mais especificamente o curso de Flauta

Transversal, sucessivamente no Conservatório Regional

de Coimbra, na Escola de Música de Coimbra e no

Conservatório de Música de Coimbra, onde completou o

então chamado Curso Completo de Flauta Transversal

com Bernard Ravel-Chapuis, em 1987. De 1981 a 1985

foi elemento da banda da Sociedade Filarmónica

Ançanense. Em 1986 foi convidado para leccionar Flauta

Transversal, História da Música e Classe de Conjunto, no

Conservatório de Música de Coimbra: nessa leccionação

se manteve até 1989, ao mesmo tempo que frequentava,

na nascente Escola Superior de Música de Lisboa, a nova

Licenciatura em Flauta Transversal, tendo estudado com

Carlos Franco, Ricardo Ramalho, Olga Pratz, Álvaro

Salazar, Amílcar Vasques Dias, entre outros.

Em 1988 fez também um curso de verão de

iniciação à direcção coral com José Robert.

Durante aqueles três anos de actividade como

músico profissional, foi elemento do Grupo de

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107

Instrumentos de Sopro de Coimbra, dirigido pelo Prof.

Adelino Martins, com o qual realizou numerosos

concertos em Portugal, Bélgica e Polónia. Como solista,

realizou também vários concertos, despedindo-se dessa

actividade com um concerto em Agosto de 1989, a

convite da Câmara Municipal de Coimbra, com o pianista

Jorge Ly, na Fundação Bissaia Barreto.

Em 1989 entrou para o Seminário Maior de

Coimbra e para o correspondente estudo de Teologia,

cuja licenciatura pela Universidade Católica terminou em

1996, com uma tese subordinada ao tema A problemática

teológica da religiosidade popular: um caso prático de

teologia da religião e das religiões.

Em 1995 foi ordenado presbítero e incardinado na

diocese de Coimbra. Desde então foi sucessivamente

pároco de Serpins (1995-96), Midões, Covas e Candosa

(1996-99), Pedrógão Grande, Graça e Vila Facaia (1999-

2005) e, desde 2005, de Penela, Espinhal, Podentes e

Rabaçal.

Entre 1992 e 1995, completou o I Curso Nacional

de Música Sacra, sob a presidência do Con. Ferreira dos

Santos, onde estudou direcção coral com Hubert Velten,

da Escola Superior de Musica Sacra de Regensburg.

Desde 1991, ano da fundação da Escola Diocesana

de Música Sacra de Coimbra, desenvolve actividade

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108

lectiva nas áreas de Formação Musical, Harmonia,

Direcção Coral e Canto Coral.

Desde 1989 mais sistematicamente, dirige o grupo

vocal Ançãble, com o qual tem desenvolvido uma intensa

actividade de recolha, transcrição e execução, em

primeira audição moderna, de música sacra portuguesa,

desde o séc. XVI ao XVIII, em numerosos arquivos

eclesiásticos e públicos de Portugal e Itália. Entre os

compositores beneficiários desta actividade contam-se D.

Francisco de Stª Maria (†1597), D. Pedro de Cristo

(†1618), Henrique Carlos Correia (1680- ), Carlos Seixas

(cujo catálogo acrescentou já de uma obra vocal sacra),

João Rodrigues Esteves (c. 1700- ) Francisco António de

Almeida (c. 1702- ), António Teixeira (1707- ). O mesmo

grupo vocal Ançãble permite-lhe ainda desenvolver uma

discreta mas persistente actividade de compositor, que se

pode conhecer sobretudo através da discografia do

Ançãble, mas também na Revista da Academia

Martiniana.

Em 2001 obteve o grau de Mestre em Ciências

Musicais na Faculdade de Letras da Universidade de

Coimbra com uma tese intitulada D. Francisco de Santa

Maria: Cantor-Mor de Santa Cruz de Coimbra.

Desde 2002 foi-lhe cometida a catalogação dos

manuscritos musicais do Arquivo do Seminário das

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109

Missões de Cernache do Bonjardim, trabalho que se

encontra muito próximo de terminar.

Os seus trabalhos científicos, distribuídos pelas

áreas da Teologia e Musicologia, encontram-se dispersos

pela Revista Brotéria, Estudos (CADC), Estudos

Teológicos (do Instituto Superior de Estudos Teológicos

de Coimbra), Pastoral Catequética: revista de catequese

e educação, e ainda por algumas Actas de Congressos.

Neste momento, a sua actividade, tipicamente de

padre, reparte-se entre: pároco de Penela e seu termo,

vigário episcopal da Região Pastoral Sul da Diocese de

Coimbra, professor na Escola Diocesana de Música

Sacra, professor de Arqueologia e Arte Cristã no Instituto

Superior de Estudos Teológicos, formador para a música

litúrgica do Seminário Maior de Coimbra, professor de

História das Formas Musicais Sacras no Curso Nacional

de Música Sacra e, a partir deste ano lectivo, estudante de

Direito Canónico na Universidade Pontifícia de

Salamanca, ao serviço da diocese.

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110

Maria Margarida Lopes de Miranda

Esboço Biográfico

Nasceu em 09 de Junho de 1966 e é a quarta filha

de M.ª Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda e de

Tiago da Rocha Miranda. Constituiu família a 15 de

Fevereiro de 1997 com Isaías Alfredo Fragoso dos

Santos Hipólito e hoje é mãe de 5 filhos, baptizados com

o nome de António Carlos (de 11 anos), Francisco Marto

(9 anos), Maria do Rosário (Rosarinho, de 6 anos), Maria

Irene (de 4 anos) e um Benjamim, sobre cujo nome ainda

não há acordo e cujo nascimento se aguarda para

Fevereiro próximo.

Após um período de leccionação, de cerca de três

anos, como Assistente Estagiária, na Faculdade de Letras

da Universidade do Porto, passou a residir em Ançã e

presentemente é Professora Associada da Faculdade de

Letras da Universidade de Coimbra, onde ensina há cerca

de 16 anos, na área dos Estudos Clássicos.

Fez a instrução primária na escola de Balsas

(Febres) onde a mãe, de quem também foi aluna,

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111

leccionava. Nos dois anos seguintes, já em Ançã,

frequentou o ensino particular em casa da Srª. D.ª Maria

Luísa de Matos Roseira Campos, tendo feito assim o

“Ciclo Preparatório”. Frequentou depois a Escola

Secundária de Cantanhede (do 7º ao 11º ano), onde foi

membro da Associação de Estudantes. No 12º ano

transitou para Coimbra, para a Escola Secundária José

Falcão, para poder continuar os estudos da área de

Humanidades que escolhera, ao mesmo tempo que

iniciava os estudos no Conservatório de Coimbra, na

classe da Canto, vindo a obter, em 1988, o 1º lugar

naquela classe, nas provas regionais do Concurso

Nacional da Juventude Musical Portuguesa.

Ao longo daqueles anos, frequentou ainda as

actividades oferecidas pelo Clube dos Arcos, onde não só

aprofundou a sua formação humana e cristã, como pode

viajar, alargar o número de amigos e desenvolver talentos

(ali representou Gil Vicente pela primeira vez, por

exemplo, descobriu que tinha uma voz para cantar…).

Ao mesmo tempo, colaborava na paróquia, nas

actividades de catequese, nos serviços musicais litúrgicos

e na organização de Campos de Férias.

Em 1984, ingressou na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra e em 1988 concluiu a

licenciatura em Estudos Clássicos e Portugueses, sendo

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112

distinguida com uma viagem de estudo a Roma,

oferecida pela União Latina. O Mestrado, em 1992, e o

doutoramento em Literatura Latina do Renascimento, em

2002, fê-los na mesma Universidade, sob orientação do

Senhor Professor Américo Costa Ramalho, a quem deve

o interesse pelo Humanismo português.

O início da actividade profissional na Faculdade de

Letras do Porto, em 1989 (após três meses de aulas de

Português na Escola Secundária Jaime Cortesão, em

Coimbra), fê-la cruzar-se de perto com homens de valor

como o Padre João Abranches S. J. (†2000) e o Padre

João Cabral S. J., cujo encontro foi fundamental para

abrir horizontes ao seu desenvolvimento integral. Com

este último (o P. João Cabral), acompanhou a fundação e

os primeiros anos de actividades do CREU no Porto.

Em 1996-1997 e 1998-1999 foi bolseira da

Fundação Calouste Gulbenkian e permaneceu em Roma

onde, acolhida pelo Instituto Português de Santo António,

desenvolveu a sua investigação com vista ao

doutoramento e aperfeiçoou estudos vocais com o

Maestro Marcos Pavan, tendo também tido oportunidade

de participar, como solista, em diversos recitais de

música barroca.

É membro do Grupo Vocal Ançã-ble, que há cerca

de 20 anos se tem dedicado regularmente à polifonia

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113

clássica portuguesa do período áureo, tendo já publicado

diversos CD’s e realizado inúmeros recitais, em Portugal,

Espanha, Itália, e Brasil.

É sócia da Real Associação de Coimbra

(movimento monárquico apartidário), da “Associação de

Defesa e Apoio da Vida” de Coimbra (ADAV) e do

C.A.D.C., de cuja Direcção fez parte em 2007-2009.

Na FLUC, foi secretária e presidente da Comissão

Científica de Grupo de Estudos Clássicos, secretária do

Instituto de Estudos Clássicos e membro da Comissão

Coordenadora do Conselho Científico. Actualmente,

pertence à Direcção da Associação Portuguesa de

Estudos Clássicos e é membro do Centro de Estudos

Clássicos e Humanísticos.

A sua investigação, em áreas que vão desde a

Antiguidade Clássica até ao Humanismo Renascentista

em Portugal, tem conduzido à apresentação de numerosas

conferências e publicações. Além de diversos títulos

publicados em revistas nacionais e internacionais, em

Actas de Congressos, bem como em livros de autoria

colectiva, publicou ainda alguns livros, de que se

salientam os seguintes títulos: Teatro nos Colégios dos

Jesuítas. Lisboa: FCG, 2006; Latineuropa. Latim e

cultura neolatina no processo de construção da

identidade europeia. (Coord. Nair Castro Soares,

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Margarida Miranda e Carlota M. Urbano), Coimbra,

2008; Código Pedagógico dos Jesuítas. Ratio Studiorum

da Companhia de Jesus – Regime escolar e Curriculum

de estudos. Edição bilingue latim-português. Versão

portuguesa de Margarida Miranda. Lisboa, Esfera do

Caos, 2009, pp. 290.

Page 116: No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações

115

Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano

Esboço biográfico

A mais nova dos cinco irmãos, Carlota Maria Lopes

de Miranda, Urbano por casamento, nasceu no dia 12 de

Agosto de 1969, em Coimbra, e foi baptizada na Igreja

Matriz de Ançã no dia 22 desse mês. Foram seus

padrinhos Maria Irene Corregedor Abegão e José Carlos

Travassos Relva. Desde a alcofa acompanhou a mãe para

a escola de Balsas (Febres), por isso aí fez parte da

instrução primária, que concluiu na escola de Ançã, com

a professora D.ª Maria Luísa de Matos Roseira Campos.

Foi com a mesma professora que fez o 5º e 6º ano de

escolaridade antes de entrar na Escola Secundária de

Cantanhede, onde estudaria do 7º ao 11º ano.

Na adolescência, pela mão da madrinha, começou a

frequentar campos de férias e actividades formativas da

ACR (Acção Católica Rural), actividades que depois

passou a animar, especialmente com jovens e pré-jovens,

assumindo mais tarde responsabilidades a nível

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116

diocesano e nacional. Também na adolescência,

frequentou o Clube dos Arcos, um centro feminino de

formação humana e espiritual e de ocupação de tempos

livres, do Opus Dei, junto aos Arcos do Jardim em

Coimbra, casa onde muito recebeu. Nessa altura

participava anualmente no Festival da Canção ‘Darca’,

em que vários clubes e colégios ligados àquela obra,

apresentavam as suas canções inéditas e originais para

que a canção vencedora representasse Portugal num

Festival similar em Barcelona.

Para fazer as disciplinas de Literatura Portuguesa,

Latim e Grego, a fim de ter acesso ao Curso de Estudos

Clássicos, fez o 12º ano em Coimbra, no Liceu José

Falcão, onde teve como mestres de Latim o Prof. Veiga e

Moura e de Grego, o Prof. Margarido. Nesta altura

começou a frequentar o CUMN (Centro Universitário

Manuel da Nóbrega) casa da Companhia de Jesus, à

altura, na Couraça de Lisboa, onde viria a passar grande

parte do seu tempo de estudante na Universidade. Desses

anos datam a entrada nas CVX (Comunidades de Vida

Cristã, a que pertence até hoje), de que foi animadora e

membro da equipa regional; e as primeiras experiências

de EE (Exercícios Espirituais de St. Inácio). Foi também

animadora do CUMN, serviço em que muito recebeu, no

contacto com variadíssimos estudantes e com pessoas da

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117

casa como a doroteia Ir. Bourbon ou os jesuítas Irmãos

Adão e Zé Ribeiro e os padres José Craveiro, Vasco

Magalhães, Alberto Brito, António Amaral, Luís Rocha e

Melo e Dário Pedroso.

Enquanto estudante na Universidade, frequentou o

Conservatório de Música de Coimbra, onde fez estudos

de Formação Musical e de Canto.

Em 1985, na Festa da Senhora das Dores de Vale

de Estêvão (Anadia) conheceu o Miguel (Fernando

Miguel Vidal Urbano), natural de Coimbra, um rapaz de

19 anos, irmão do Tó Zé Urbano, por sua vez grande

amigo do seu irmão Tiago. O Miguel estudava Gestão de

empresas no Porto, fazia EE e também pertencia a uma

CVX.

Em 1991 terminou a licenciatura em Línguas e

Literaturas Clássicas e Portuguesa e começou a trabalhar

como professora de Português na Escola Secundária de

Tábua. Ao mesmo tempo, começou a frequentar o Curso

de Mestrado em Línguas e Literaturas Clássicas. Em

Setembro de 1992, casou com o Miguel Urbano e fixou

residência em Vale de Estêvão. Em Março de 1993,

começou a ensinar na Faculdade de Letras da

Universidade do Porto como assistente estagiária, função

que desempenhou até Abril de 1995. Nesta altura veio

ensinar para Coimbra, como assistente estagiária do

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118

Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras.

No dia 17 de Abril de 1996, veio ao mundo o primeiro

filho vivo, José Miguel de Miranda Urbano, baptizado

com o nome de José Miguel da Anunciação de Miranda

Urbano, na Basílica de N. Srª Auxiliadora de Mogofores,

no dia 18 de Maio do mesmo ano. Desta altura data o

início da colaboração do casal com a pastoral familiar, na

paróquia de Mogofores e, mais tarde, no Centro de

Preparação para o Matrimónio do arciprestado da Curia,

equipa em que ainda hoje trabalha.

Ainda em Junho de 1996, defendeu a tese de

Mestrado em Literatura Latina, com a dissertação “ A

oração de Sapiência do Padre Francisco Machado SJ.

1629”, sob a orientação do grande Mestre do Humanismo

Português, o Prof. Doutor Américo Costa Ramalho.

No dia 17 de Abril de 1998, vieram ao mundo o

segundo e terceiro filhos, David Gabriel de Miranda

Urbano e Alberto Rafael de Miranda Urbano, que foram

baptizados na igreja matriz de Ançã no dia 25 de Junho,

dia de S. Tiago e S. Tomé. Entretanto preparava o

doutoramento em Literatura Neolatina, sob orientação do

Prof. Costa Ramalho, com uma dissertação sobre Épica

hagiográfica neolatina no Humanismo Português.

Defendeu a sua dissertação em Julho de 2004 e nesse

mesmo ano viu a luz a sua primeira filha, a 24 de

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119

Novembro, Maria de Nazaré Miranda Urbano, que foi

baptizada na igreja matriz de Ançã a 19 de Dezembro.

Desde então mudou residência para Ançã, onde vive

ainda hoje.

No dia de Natal de 2008, nasceu a sua segunda

filha, Maria do Carmo de Miranda Urbano, baptizada na

igreja matriz de Ançã no dia 30 de Janeiro de 2009 com o

nome de Maria do Carmo da Natividade de Miranda

Urbano.

Para além do gratificante serviço do ensino na

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,

desenvolve a sua investigação no âmbito do Centro de

Estudos Clássicos e Humanísticos, sobretudo na Linha de

Estudos Medievais e Renascentistas. Os seus trabalhos e

publicações têm por objecto principal a literatura

neolatina da Companhia de Jesus em Portugal nos séc.

XVI e XVII, com especial relevo para a poesia

hagiográfica, mas também para a oratória, textos que têm

levado o seu estudo a campos como o perfil literário do

herói no séc. XVII, a recepção da cultura clássica, cultura

clássica e cristianismo, espiritualidade inaciana, missões

jesuítas no Japão, martírio e identidade, pedagogia

inaciana, etc…

Conta, ao momento, 40 anos e o seu tempo reparte-

se entre os deveres profissionais e a difícil missão de,

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120

com o Miguel, acompanhar o crescimento dos filhos com os risos e lágrimas que lhe são naturais, e sobretudo na fé e esperança de lhes deixar o bem essencial. Nesta missão educativa incluem também a participação de ambos na sociedade, quando os movem causas de bem maior e por elas lutam em família, seja na igreja seja no mundo.

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Os Avós e os 19 netos.

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Ançã-ble versão inicial.

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Grupo Vocal Ançã-ble

Apresentação

O Grupo Vocal Ançã-ble, constituído por uma

família de Ançã, (de onde retira o nome pelo qual se

designa, num jogo de palavras que dispensa explicações),

é um conjunto vocal que se tem dedicado à música sacra

portuguesa, com natural incidência sobre o período áureo

da música vocal em Portugal (séculos XVI-XVII,

segundo uma classificação comummente aceite). Tem-se

apresentado em público com uma frequência regular em

Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Para além dos seus

regulares encontros com o público, iniciativas o mais das

vezes, de paróquias e autarquias (Coimbra, Braga,

Aveiro, Esposende, Póvoa do Varzim, Monção, Trofa,

Matosinhos, Alcobaça, Ourém, Lisboa, Fátima, Porto, Stª

Marta de Penaguião, Vila Real, Vilar Formoso,

Cantanhede, Barcelos, Chaves, Anadia, Mondim de

Basto), são também de referir, em particular, duas

antologias de polifonia portuguesa nas Catedrais de Tuy

(1999 e 2000) e Aprilia (Itália, 2005), bem como uma

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série de concertos temáticos – acompanhados por vezes

das respectivas comunicações científicas – em várias

ocasiões académicas: Edição do Livro Preto do Arquivo

da Universidade de Coimbra (1977), III Centenário da

morte do Pe António Vieira (1998), o duplo congresso

sobre Anchieta (em Coimbra e em S. Paulo, Brasil,

1999), Congresso Internacional sobre Damião de Góis,

com a execução integral da sua obra (Coimbra, 2002),

Sessão Solene de Apresentação da miscelânea de estudos

de homenagem ao Cardeal Saraiva Martins (Roma,

2004), Congresso Internacional sobre o “O órgão e a

Liturgia” (Fátima 2005), Congresso Internacional sobre

“Retórica e Teatro” (Porto, 2007). No Congresso

Internacional sobre “Teatro Jesuítico” (Lisboa, 2004), o

Ançã-ble assumiu ainda a reconstituição, com base numa

parte do cantus (MM 70 da BGUC) da música de cena,

composta com toda a probabilidade por D. Francisco de

Santa Maria, para a tragédia Sedecias, do P. Luís da

Cruz, e para a Tragédia de Acab, de Miguel Venegas

(séc. XVI), bem como a respectiva execução no âmbito

do mesmo Congresso.

Mais fecunda e exigente tem sido, porém, a

actividade desenvolvida pelo Ançã-ble em colaboração

com o Instituto Português de S. António em Roma, onde,

a partir de 1995, tem apresentado, em primeira audição

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contemporânea, um número conspícuo de composições

inéditas, recolhidas e transcritas pelo seu Director

artístico em arquivos musicais significativos, tais como a

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca

Nacional, Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa, Arquivo

Capitular de Viseu, Arquivo do Seminário da Missões de

Cernache de Bonjardim, Arquivo do Instituto de Stº.

António dos Portugueses em Roma, Arquivo Capitular de

Ciudad Rodrigo, Biblioteca Vaticana, Arquivo do Cabido

de S. João de Latrão e Biblioteca do Conservatório de Stª

Cecília, em Roma. Também a divulgação dos actuais e

principais compositores de música sacra portugueses lhe

tem merecido atenção, fazendo parte do seu repertório

obras a si dedicadas pelo compositor bracarense Joaquim

dos Santos.

Da sobredita actividade resultam numerosas

gravações e publicações discográficas: Erreffe, (Roma,

1996), Public-art (Coimbra, 2000 e 2002), a banda

sonora para o CD ROM das Crónicas de D. Manuel e do

Príncipe D. João, de Damião de Góis (edição da

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Fundação

Gulbenkian e Comissão do Congresso Damião de Góis e

o Humanismo Europeu, (1502 – 2002), Lisboa, 2002),

bem como a gravação do concerto que realizou naquele

Congresso, a pretexto da execução integral da obra

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musical deixada por aquele humanista e músico português. Também o seu contributo para o Congresso sobre “Retórica e Teatro” foi gravado com a Public-art (Coimbra, 2009), constituindo um anexo musical das respectivas Actas. Mas é sobretudo graças ao mecenato do Instituto Português de S. António em Roma, que o Ançã-ble tem podido contar com o registo e publicação sistemáticos do seu labor musical (IPSAR, Roma, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2009). A Direcção é de Pedro Miranda.

Ançã-ble. Versão actual.

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CERTÍSSIMO

Testemunho do Pároco Sendo-me pedida, pelo Rotary Club de Coimbra,

uma opinião sobre a homenagem que esta Associação deseja prestar à "Familia Miranda", de Ançã, a primeira palavra que saltou, à nossa língua, foi esta: certíssimo, à qual se podem juntar muitas outras, como justíssimo, muito bem, etc.

Num tempo de tanta injustiça e num tempo em que a própria justiça parece não se entender, é lindo que uma associação, como o Rotary de Coimbra, cumprindo os seus objectivos, tenha decidido homenagear uma família que, logicamente, possa servir de estímulo para tantas outras que, também, não se querem deixar arrastar por "modelos" que, no nosso entender, corroem e destroem a Família.

Sem querer canonizar ninguém, em vida, nós que temos o privilégio de conhecer esta Família, há 33 anos, sabemos parte do caudal de bem que tem construído nesta bonita terra de Ançã e não só.

Porque ninguém dá o que não tem, a Família Miranda procurou, sempre fazer a sua vida sob a orientação dos princípios cristãos e humanos que, nem modas novas, nem correntes novas, conseguem abalar.

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São cabeça de Casal os Srs. Dr. Tiago da Rocha Miranda e D. Maria Lisette Carlos Lopes da Rocha Miranda. Do seu amor, nasceram três rapazes e duas raparigas; tendo uma vida económica a que poderíamos chamar de muito razoável, sensibilizou-nos, à partida, a forma simples como os filhos, então muito jovens, vestiam, não porque os meios económicos não existissem, mas porque parte dos mesmos era investida na formação extra escolar dos filhos! Todos eles são excelentes músicos, bons cristãos, abertos à solidariedade e líderes, na prossecução do bem comum.

Beberam estes princípios no ambiente familiar, mas não só; quantos cursos, retiros, horas e horas passadas em encontros de formação crista, em casas da especialidade, ainda hoje existentes, em Coimbra. Como é evidente, estas coisas custam dinheiro, mas o Senhor Dr. Tiago e D. Lisete, sua esposa preferiram investir na formação dos filhos, de preferência a luxos que, muitas vezes denunciam pobreza interior.

Como é normal a Família Miranda cresceu e multiplicou-se: quatro casaram, trazendo para a Família dois genros e duas noras, também eles e elas gente de princípios cristãos e de grande humanidade. Amantes da beleza duma família numerosa, deram à família 18 netos e véspera de 19. Mas falta um filho! Este, Pe. Dr. Pedro Miranda, entregou a sua vida a Deus e aos irmãos, no serviço do Sacerdócio.

Como Pároco de Ançã, tive e tenho a sua melhor colaboração; por isso os encontro no Conselho de Pastoral, no Conselho Económico, na Catequese, no

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Coro, nas Equipas de Casais e, até, quando fui presidente do Ançã Futebol Clube, tive o Senhor Dr. Tiago como Presidente da Assembleia Geral.

Embora correndo o risco de alongar estas simples, mas verdadeiras palavras, não posso deixar de dizer que D. Lisette, quando sai à rua, é uma verdadeira conselheira para as inúmeras mulheres que, no cominho, a interpelam, procurando um conselho, fazendo um desabafo e, também, dando uma boa notícia.

A sua presença é notável na Acção Católica Rural (A.C.R.), orientando e apoiando as Militantes.

Só me resta dizer: obrigado Senhor por esta Família pertencer à minha Paróquia.

Pe. Manuel de Jesus

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ÍNDICE Pág. Prefácio ………………………………...... 7 Mensagem do Presidente do RI (Dezembro) 9 Mensagem do Governador (Dezembro)….. 11 A família Miranda: unidos pelo exemplo, sobriedade e amor (entrevista) ……...... 13 Biografias ................................................... 77

Tiago da Rocha Miranda ....................... 79 Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda ............................................. 85 José Carlos Lopes de Miranda ............... 93 Tiago Afonso Lopes de Miranda ........... 99 Pedro Carlos Lopes de Miranda ............. 105 Maria Margarida Lopes de Miranda ....... 110 Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano 115

Grupo vocal Ançã-ble ................................. 123 Certíssimo (testemunho do Pároco) ............ 127