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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES COMING OF AGE: NA PINTURA CONTEMPORÂNEA Cecília Andrade Corujo Dissertação de Mestrado em Pintura 2015

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

COMING OF AGE:

NA PINTURA CONTEMPORÂNEA

Cecília Andrade Corujo

Dissertação de Mestrado em Pintura

2015

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

COMING OF AGE:

NA PINTURA CONTEMPORÂNEA

Cecília Andrade Corujo

Dissertação de Mestrado orientada pela Professora Doutora Isabel Sabino

Mestrado em Pintura

2015

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Resumo

A presente investigação – Coming of age: na pintura contemporânea – começa

por, no primeiro capítulo, analisar o projeto artístico que esteve na origem deste texto.

Sobre a reflexão sobre a apropriação de referentes imagéticos de diversos media e clara

natureza transtextual do trabalho plástico apresenta-se um imaginário que se caracteriza

maioritariamente pela sua população de jovens figuras retiradas de filmes e fotografias

de músicos. Seguindo esta apresentação, analisa-se de que forma o fácil acesso a material

cultural mediático e a sua partilha influenciaram o meu crescimento e a minha imersão

nas comunidades fandom de artistas e produto artísticos. Ao longo desta espécie de

narrativa breve apresenta-se a noção de uma identidade em permanente construção

reflexiva, tal como foi proposta por Anthony Giddens (2001), Charles Taylor (1998) e

Batista Ferreira (2009). Após esta exposição temática inicia-se uma análise formal do

projeto artístico, que motiva e acompanha a presente investigação, trabalho que se

caracteriza pela construção de um organismo instalativo, pelo desenho e pintura da figura

humana e pela escrita de frases que invadem o espaço expositivo.

O segundo capítulo da dissertação trabalha o conceito de coming of age através

de uma análise do desenvolvimento histórico do género literário Bildungsroman. Este

segundo momento do texto procura compreender a forma como o crescimento e a

autoformação individual foram narrados e como o destino de um jovem protagonista se

tornou num dos grandes tópicos da literatura. Ao investigar-se o desenvolvimento deste

género literário pensa-se a transição da conceção de formação da identidade como algo

finito, estável e unidimensional, para ser vista como algo em permanente transformação,

de difícil contenção, albergue de grandes contradições.

Palavras-chave: pintura; juventude; identidade; fandom; Bildungsroman

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Abstract

The following investigation – Coming of Age: in Contemporary Painting –

initially addresses, in its first chapter, the artistic project which served as the origin point

for the ensuing text. By means of a reflection about the appropriation of the imagistic

references of different media, as well as of the artistic work’s transtextual nature, what is

demonstrated here is an imagery which is mainly characterized for its young characters

from movies and portraits of musicians. Following this presentation, an analysis is made

about how the easy access to cultural goods has influenced my growing-up and my

immersion in fandom communities of music and cinema. A notion of an everlasting

reflexive identity construction is proposed throughout this brief personal narrative, an

identity previously discussed in the works of Anthony Giddens (2001), Charles Taylor

(1998) and Batista Ferreira (2009). This thematic exposition is followed by a formal

analysis of the artistic project of this dissertation, a work that is developed as an

installation, made of drawings and paintings depicting the human figure, as well as

sentences that are written and drawn within the exhibition space.

The second chapter concerns the coming of age concept through an analysis of the

historical development of the literary genre Bildungsroman. This second moment seeks

to understand the way in which personal growth and self-formation were explored in this

type of narrative and how the destiny of a young protagonist was to become one of the

greatest themes in the literary world. Lastly, by doing this study on the development of

the aforementioned literary genre, we understand how these formation concepts have

changed with time – from being seen as something finite, stable and one-dimensional to

being perceived as something in permanent transformation, hard to be restrained, shelters

to great contractions.

Keywords: painting, youth, identity, fandom, Bildungsroman

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Agradeço à Ana Taborda por me ter introduzido à melhor banda rock do mundo e

à Carrie Brownstein, Corin Tucker e Janet Weiss por me terem proporcionado a banda

sonora e energia de que necessitava para melhorar e intensificar o meu trabalho. Agradeço

à Rafaela Nunes e à Sílvia Rodrigues pelo seu contínuo entusiasmo e incentivo. Agradeço

à Daniela Viçoso e à Cristina Ferreira por me terem acompanhado desde o primeiro dia

de faculdade, trabalhando ao meu lado, ajudando-me a crescer como artista e como

pessoa. Queria agradecer também às minhas irmãs pelo seu apoio, organização e calma!

Dedico este trabalho ao meu pai, o primeiro pintor que conheci e que sempre se

interessou pelas minhas obsessões musicais, levando-me ao Porto para ver o filme “Last

Days” e a Lisboa para um concerto do Bob Dylan. Dedico este texto à minha mãe que me

deu todos os livros que eu sempre quis e me pagou todas as explicações de que eu sempre

precisei, ajudando-me a chegar até aqui e a encontrar o meu caminho. Dedico este texto

ao meu avô que sempre acreditou no valor da educação.

Por fim agradeço à Professora Isabel Sabino por me ter acompanhado na

realização desta dissertação e por acreditar no potencial do meu trabalho plástico.

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Índice:

Introdução ............................................................................................................. 6

1. Jeunesse talking blues: a juventude entre a expectativa e a desilusão ....... 9

1.1. Um amor adolescente (a criação de um projeto artístico) ...................... 9

1.2. Um organismo instalativo (a ansiedade e a simplicidade material) ...... 20

1.3. A escrita desenhada (eu não vou mais à escola) ................................... 31

1.4. Retratos de uma adolescência (entre o secretismo e a autorrevelação) 35

2. Bildungsroman ou romance de formação ................................................. 41

2.1. Um conceito difícil de definir: Bildung ................................................ 41

2.2. O Bildungsroman clássico: casaram-se e viveram felizes para sempre.48

2.3. O Bildungsroman tardio: a fragmentação do protagonista. .................. 55

Considerações finais ........................................................................................... 71

Bibliografia / Referências ................................................................................... 77

Fonte das imagens ............................................................................................... 81

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Introdução

A presente dissertação Coming of age: na pintura contemporânea, realizada no

âmbito do Mestrado em Pintura da Faculdade de Belas-Artes de Universidade de Lisboa

e orientada pela Professora Isabel Sabino, foi realizada com o objetivo de alcançar uma

compreensão teórica das motivações e preocupações que impulsionam e guiam o meu

trabalho artístico elaborado ao longo dos últimos anos e que acompanha este texto. Esta

investigação nasceu do desejo de adquirir conhecimentos teóricos que me permitissem

agilizar o pensamento sobre as problemáticas inerentes ao meu trabalho plástico e que

habilitassem a sua contextualização estética, conceptual e temática face à produção

artística contemporânea.

A dissertação começa por, num primeiro momento, seguir o pensamento que

determinou o percurso de iluminação dos conceitos chave (pintura, juventude, identidade,

fandom, bildungsroman), ou seja, para, através da revisão do trabalho artístico realizado,

perceber transversalmente quais as ideias mais relevantes e pertinentes da própria obra.

O primeiro capítulo centra-se assim no trabalho artístico, começando por refletir sobre a

origem das imagens usadas como referentes para as pinturas e desenhos, sobre quais os

critérios usados na sua seleção e apropriação. Apresentando um imaginário característico

pela sua população de jovens figuras oriundas de filmes ou fotografias de músicos, segue-

se um pensamento sobre a transtextualidade presente no trabalho plástico, sobre a sua

influência temática e imagética de universos cinematográficos e musicais. Em forma de

esclarecimento expõe-se a forma como o desenvolvimento das novas tecnologias,

principalmente o desenvolvimento de meios virtuais de partilha e discussão de conteúdos

mediáticos e culturais, teve no meu crescimento e autoformação. Posicionando a minha

identificação enquanto fã e a atividade em comunidades de fandom na origem da minha

prática artística, procura-se perceber, a partir do pensamento de autores como Anthony

Giddens, Charles Taylor e Baptista Ferreira, como a formação da identidade do indivíduo

contemporâneo se tornou num projeto altamente reflexivo, em contínuo diálogo com

imagens, sons e narrativas culturais.

Após uma exposição temática passa-se a uma análise formal do projeto artístico

que acompanha a presente investigação, um projeto que, apesar de ter como base a

produção de desenhos e pinturas em suporte tradicional, tem como objetivo a elaboração

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de um organismo instalativo – a criação de um espaço envolvente, um quarto que retenha

o espectador. Este quarto revestido, de forma urgente, com desenhos, fotos, frases, fita-

cola, etc, tem como propósito a caracterização de uma personagem, do seu universo

emocional. Através da descrição do processo criativo é também explorado como a forma

ansiosa com que o trabalho é realizado acaba por representar um caráter juvenil e conter

um espírito punk. Esta análise é feita com a ajuda do estudo das obras de artistas como

Jean-Michel Basquiat, Raymond Pettibon, Rineke Dijkstra, Elizabeth Peyton, Ilya

Kabakov, Tracey Emin. Por fim, é descrita uma imagem representativa do trabalho

plástico: o adolescente ou jovem que realiza o seu Bildung através do consumo e produção

de material cultural mediatizado, que o ajudam a um entendimento, reconhecimento e

configuração de si próprio.

O segundo capítulo, seguindo a analogia atrás proposta, propõe uma abordagem à

noção de coming of age, da transição da infância e juventude para a vida adulta e da forma

como esta é narrada pelo género literário Bildungsroman. Este género literário é iniciado

por Johann Goethe no final do século XVIII e torna-se num dos melhores representantes

da nova cultura europeia, de uma cultura moderna que vê na juventude, no seu dinamismo

e insatisfação, o seu maior símbolo. O romance de formação surgiu como uma ficção

capaz de expressar os valores iluministas, de expor a importância da instrução escolar, da

autoformação estético-espiritual, da passagem por experiências vivenciais e, finalmente,

do desenvolvimento da identidade e personalidade do individuo.

Neste momento da dissertação, expõe-se como o desenvolvimento histórico das

narrativas centradas no crescimento e formação individual mostram as crescentes

contradições da vida moderna, a difícil (in)compatibilidade entre ideologia humanista e a

crescente realidade capitalista, entre autonomia individual e normatividade social.

Através de um breve estudo dos destinos vividos por personagens como Wilhelm Meister,

Elizabeth Bennet, Julien Sorel ou Stephen Dedalus é observado como a narrativa do

jovem que “sai de casa” e vai à procura da sua identidade e de um lugar na sociedade se

torna, com o avançar da modernidade, cada vez mais complexa, causando dúvidas sobre

a possibilidade de se chegar ou de existir uma verdadeira reconciliação entre o íntimo do

sujeito e a comunidade em que está inserido – entre o idealismo e a resignação, entre as

expectativas e as desilusões.

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Este estudo sobre a evolução histórica do romance de formação é apoiado

maioritariamente pela leitura das obras “The Way Of The World: The Bildungsroman in

European Culture” (2000) de Franco Moretti, “Jorge de Sena - Sinais de Fogo Como

Romance de Formação” (2010) de Jorge Vaz de Carvalho e “Unseasonable Youth:

Modernism, Colonialism, Fiction of Development” (2012) de Jed Esty.

No final do segundo capítulo são propostos vários pontos de comparação entre o

Bildungsroman tardio e o trabalho artístico que deu origem à presente dissertação. Nesta

analogia é apontada a presença de um discurso irónico, de pensamentos e sentimentos

contraditórios no projeto plástico.

Em modo de conclusão, pensa-se sobre o surgimento de sentimentos de

identificação entre o leitor e a obra de arte, sobre a misteriosa comunhão entre o eu e a

expressão de outrem, e a forma como se podem tornar significativas para construção e

validação identitária de um indivíduo. Por fim questiona-se o modo como o organismo

instalativo, a que é inerente uma pulsão para uma contínua transformação, procura não

um estabelecer de uma caracterização unificada de uma jovem personagem mas talvez a

identificação das suas possibilidades.

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1. Jeunesse talking blues: a juventude entre a expectativa e a desilusão

1.1. Um amor adolescente (a criação de um projeto artístico)

Iniciando esta dissertação de mestrado com uma caracterização do meu trabalho artístico,

protagonista e mote de toda a investigação, tento apresentar, antes de tudo, como, a partir

desse mesmo trabalho artístico, surgiram os conceitos centrais a estudar. Trata-se de um

percurso que indaga como, através de uma obra pessoal, que procura a sua individualidade

estética, se encontram não só imagens, mas também ideias universais, ideias possíveis de

serem apreendidas e causadoras de autoconhecimento. Trata-se de construir, assim, uma

simbiose entre teoria e prática, e de trabalhar por dentro de uma relação íntima e atuante

entre produção plástica e escrita para o seu autor.

A produção, realizada nos últimos quatro anos, começou com a necessidade de

resposta a um enunciado: a criação de um projeto de pintura individual que revelasse uma

consistência temática e estética. Para tal, podia ter sido produzida uma obra ou uma série

de obras estritamente realizada(s) para esse enunciado, que, depois da sua conclusão e

avaliação, fosse abandonada, ultrapassada ou esquecida. No entanto, ainda incapaz de

nomear uma temática ou conceito e de projetar uma estética ou registo específico para

trabalhar, comecei intuitivamente por procurar fotografias e obras de autores que, de

alguma forma, ressoassem e expressassem aquilo que era ainda inconsciente.

A seleção imagética, para possíveis referentes de pinturas ou desenhos, tornou-se num

processo contínuo que, através do seu carácter diarístico, instintivo e aparentemente

abrangente, desvendou de forma natural a estética e as preocupações particulares a serem

aprofundados pela criação artística.

As pinturas e desenhos, não sendo gerados a partir de modelos reais ou fotografias

para esse propósito capturadas, dependiam, assim, da procura e do encontro de referentes

imagéticos produzidos por outrem (anónimo ou não) para criação de um trabalho, que

devia e pretendia ser pessoal e/ou particular. Este fator criou uma necessidade constante

de questionamento e de reflexão sobre a natureza da relação do artista com os referentes

apropriados: o que é que nas imagens escolhidas provocava a sua escolha? Qual o critério

de seleção utilizado? Que pontos de ligação e particularidades impeliam a sua

apropriação? Apesar da dificuldade de verbalizar um processo essencialmente

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espontâneo, era necessário uma gradual perceção e especificação do imaginário a ser

trabalhado. Era necessário ir ao encontro do que era pessoal e interior no aparentemente

impessoal e exterior, como refere o pintor contemporâneo Peter Doig sobre o seu uso de

imagens encontradas: “Em muitos sentidos, retrospetivamente, estas referem-se a

memórias ou experiências particulares” (Doig, 2007, p.132, tradução minha). As imagens

recolhidas, apesar de se referirem, num primeiro momento, a uma personagem, pessoa

específica, não implicam a especificidade da sua história (lugar, época) que se procura

expor, mas um momento, um ambiente, uma posição ou emoção que aquela fotografia

individual expressa e com o qual o artista se identifica – como o súbito conhecimento de

uma memória ou um futuro esquecidos.1 Para concluir esta ideia, é o universal e o comum

que são procurados, o que significa que as figuras representadas nas pinturas e desenhos

ganhem estatutos de ícones, de representações gerais, simbólicas, que se pretende que

criem empatia e sejam interpretadas pelo expectador, independentemente do seu

conhecimento sobre a origem dos referentes.

É importante evidenciar o processo de apropriação de imagens que, não sendo

apenas um auxiliar prático, iniciou e estimulou constantemente o projeto artístico,

tornando-se num dos seus componentes conceptuais mais importantes.

1 Conceito amplamente analisado na relação entre leitor e obra literária, nomeado como “The finger placing

ability” na obra de Alain de Botton How Proust Can Change Your Life. London: Picador, 1998 e como

“recognicion” na obra de Rita Felski Uses of Literature. Malden, Mass: Blackwell Publishing, 2008.

Fig.1 - Imagem, usada como referêcnia para o meu trabalho artístico, que retrata

a música de Carrie Brownstein. Fotografia, de data desconhecida e

autoria anónima, retirada do website:

www.fuckyeahcarriebrownstein.tumblr.com

Fig.2 - Pormenor de um still do filme Kes (1969) realizado por

Ken Loach. Imagem usada como

referência para o meu trabalho artístico.

Fig. 3 - Capa do album punk “Steady Diet of Nothing” (1991) do grupo músical Fugazi.

Imagem usada como referência para o meu

trabalho artístico.

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Neste curto trajeto, surgiu uma serie de trabalhos em pintura e desenho que se distinguiu

pelos seus retratos de jovens (que tinham como referentes imagens de músicos, atores ou

personagens de filmes) e que eram acompanhados por frases desenhadas (de letras de

música ou de autoria pessoal). Sem um caminho traçado, foram-se desenhando várias

possibilidades temáticas dentro de um imaginário pessoal que se caracterizava pela sua

transtextualidade, influência e população de figuras de um universo cinematográfico e

musical particular. Era um universo particular porque, apesar da sua natureza abrangente

e inclusiva, todo ele parecia ser sobre e dirigir-se para a juventude e para as suas

preocupações e ansiedades.

Entre bandas e letras de música rock e filmes “adolescentes”, percebi que o

trabalho artístico, ao apropriar-se de imagens associadas a uma cultura muitas vezes

considerada menor (ou não oficial), ou seja “juvenil” ou “popular”2, tinha a intenção não

só de noticiar a importância desses produtos culturais para o processo de crescimento

individual, mas de revelar uma urgência de quebrar fronteiras entre diversas esferas

culturais. O trabalho começou assim a funcionar como um manifesto pessoal contra a

noção de “alta” cultura vs cultura “popular” ou noções de hierarquia de conhecimento.

Esta posição pessoal parecer ser o reflexo de um processo cada vez mais acelerado

de hibridização cultural. A abertura das práticas artísticas, ditas tradicionais ou belas artes,

a processos transtextuais não é recente, sendo hoje cada vez mais difícil de ignorar, como

responde Richard Shusterman quando questionado sobre a forma como a arte

contemporânea, às vezes, de forma crítica mas também com muita admiração, tem

reconhecido a importância da cultura comercial ou popular:

Autonomous art in fact realizes this, which is why much contemporary

visual art appropriates popular culture, just as the impressionists did when

they painted scenes from Parisian nightlife. (…) There is clear recognition

within the art world that energies exist in popular culture that can help fuel

fine art. So rather than seeking a precise definition of fine art that rigidly

2 Como afirma Rupa Huq ao analisar a relação entre a juventude e a criação de subculturas: “The term

[culture] is often demarcated into the high culture versus mass (or popular) culture dialectic. Needless to

say, youth culture is synonymous with the latter, which has been attacked by critics for the amounting of

Americanisation, i.e. lowbrow (…). Kellner’s (1994:2) assertion that ‘Culture in the broadest sense is a

form of highly participatory activity, in which people create their societies and identities’ recalls Williams’s

(1993) celebrated declaration that ‘culture is ordinary’. In the specific arena of youth culture, the root term

‘culture’ has given rise to numerous variants; most significantly ‘subculture’, which carries implications of

the oppositional and unofficial.” (2006, p.2)

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distinguishes it from other aesthetic practices (…) it’s more important for

me to highlight the continuities between fine art and other artistic activities.

(Shusterman, 2002, p.58)

Esta mistura de diferentes universos artísticos está presente, por exemplo, nas

fotografias Untitled Film Stills de Cindy Sherman, na múltipla mixagem de referências

culturais nas pinturas de Jean-Michel Basquiat, nos retratos de ícones da música popular

da pintora Elizabeth Peyton ou na dificuldade de incutir uma categorização ao trabalho

de Raymond Pettibon (encontrando-se entre o desenho tradicional, a banda desenhada, a

ilustração ou mesmo a literatura).

Todos os artistas mencionados anteriormente influenciaram e informam o trabalho

artístico que foi sendo desenvolvido, tanto formal como tematicamente. Mas talvez mais

relevante para compreender a motivação inicial para o trabalho realizado, importa referir

que o projeto prático que acompanha esta dissertação teve a sua origem numa vivência

dedicada a uma constante procura, investigação e troca de material cultural, amplamente

potenciada e democratizada pela internet, pela recente evolução da comunicação e

socialização virtuais. Esta inovação tecnológica teve um grande impacto no meu

crescimento pela forma como permitiu não só o fácil acesso a informação, conhecimento

e produtos mediáticos, mas também uma partilha de interesses com diferentes pessoas

que dialogavam através de Fóruns (ex:www.expectingrain.com), uma comunidade

virtual que complementava a comunidade física e social habitada. Esta forma de

comunicação e troca de material simbólico permitiram, no momento importante em que

se tomou consciência da própria natureza, da personalidade e das inclinações ideológicas,

tomar conhecimento de outros “mundos – reais ou imaginários e que permitem

contemplar as próprias vidas à luz de novas perspetivas.” (Ferreira, 2009, p.149) 3 Entre

a saída da infância e o começo da vida adulta, quando se inicia o começo da reescrita da

nossa história e a projeção de um futuro, tornou-se fulcral construir um projeto simbólico,

3 “Desta forma, o processo de formação da identidade torna-se mais reflexivo e mais aberto, na medida em

que os indivíduos beneficiam do aumento dos próprios recursos em termos de materiais simbólicos,

disponíveis para formação de identidades coerentes - no sentido de renovação e alargamento da tradição e

a sua reinserção em unidades espaciais que muitas vezes excedem os limites da interação tradicional”

(Ferreira, 2009, p.149). Apesar de este ser um processo de formação que sempre esteve presente através da

forte relação do indivíduo com o cinema e a literatura, existem neste momento condições inéditas de fluxo,

apropriação e interpretação e, apesar desta abertura das possibilidades de construção de identidades

reflexivas e de conexão fora do lugar físico serem positivas, estas acarretam um novo número de ansiedades,

que serão exploradas, mais intensivamente, no segundo capítulo da presente dissertação.

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a partir de símbolos miméticos (imagens, sons e narrativas), e encontrar uma explicação

coerente de nós próprios, uma narrativa da própria identidade. (Taylor, 1998;

Benjamin,1992)

Hoje, esta intersubjetividade está cada vez mais presente nas redes sociais como

o Pinterest ou o Tumblr onde é permitido que, através de posts e reposts de imagens,

músicas, vídeos, citações, se criem espaços de publicações pessoais. O tumblr, por

exemplo, configura-se como uma página em constante crescimento, que pode revelar a

representação de quem somos ou queremos ser, uma identidade virtual definida

maioritariamente pelos nossos interesses (musicais, cinematográficos, fotográficos…) –

uma narrativa cultural, o eu através dos outros. Através da apropriação da imagem do

outro, faz-se uma representação ideal do caráter individual.

A importância desta exposição identitária para a criação artística é exemplificada

pelo website www.kareninaeoreileao.tumblr.com (fig.4), criado em 2009 e que é

atualizado por mim quase diariamente num acumular de imagens, citações e vídeos que

muitas vezes são usados como referências para o trabalho prático.

Esta página virtual, análoga ao arquétipo de um “quarto de adolescente” ou de um

“casaco de cabedal personalizado com pins”, cresce do impulso e necessidade de

personificar um espaço, de exteriorização e partilha de um espaço interior, uma

personalidade, um estado de espírito, uma opinião – é o princípio da esteticização do

mundo e a definição de uma posição pessoal perante este. Como Charles Taylor expõe, a

atividade de apropriação e interpretação da expressão dos outros e identificação dos

próprios sentimentos e pensamentos através das suas palavras, sons e imagens “faz parte

de um processo extenso de formação pessoal, através do qual os indivíduos desenvolvem

um sentido – para eles mesmos e para os outros - da sua história, do seu lugar no mundo

e dos grupos sociais a que pertencem”. (Ferreira, 2009, p.136)

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Como é possível observar na fotografia (fig.4) tirada a um detalhe do arquivo do

Tumblr pessoal, este funciona como um diário gráfico, que mostra o confluir de vários

estados de alma, pensamentos, apreciações estéticas e interesses culturais ao longo do

tempo. No entanto, entre imagens referentes a diferentes formas artísticas (três pinturas,

dois filmes e muitos músicos) é possível atentar que existe uma preferência por um

universo musical, em parte relativo às artes plásticas. O desvelar desta preferência prende-

se com a precisão de concluir o pensamento sobre a origem da minha prática artística que,

obviamente material e visual, foi e é impelida continuamente por uma profunda

necessidade de expressar / tornar presente uma relação particular com a música popular

e o imaginário específico que a rodeia. Muitas vezes é neste exercício transtextual, na

carência pessoal por uma interceção e convivência entre diferentes formas de expressão,

que o trabalho artístico, não sonoro e não descritivo, encontra a sua motivação diária. A

influência deste imaginário (letras de música, videoclipes, documentários, material

promocional, capas de álbuns, fanzines etc. (fig.5;6;7;8;9;10) é visível tanto temática

como esteticamente, possivelmente através das diferentes intensidades gráficas que

expressam os diferentes elementos sonoros que acompanham quotidianamente a

realização plástica.

Fig. 4 - Screenshot da página de arquivo do tumblr pessoal “Land of a 1000 dances”, disponivel em:

“www.kareninaeoreileao.tumblr.com/archive”

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Fig.5 - Capa do album Dig Me Out (1997)

do grupo músical Sleater-Kinney, design

inspirado na capa do album Kontroversy (1965) do grupo músical The Kinks

Fig.6 - Capa do album London Calling (1979) do grupo músical The Clash, design

inspirado na capa do primeiro album de

Elvis Presley, Elvis Presley (1956)

Fig.7 - Capa do album GOO (1990) do grupo músical Sonic Youth, desenhada

pelo artísta visual Raymond Pettibon.

Fig.8 - Uma das capas alternativas do

album My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2000) do músico, rapper, Kanye West,

pintada pelo artísta visual George Condo.

Fig.9 - Capa do album Wolf (2013) do

músico, rapper, Tyler, The Creator,

desenhada pelo próprio.

Fig.10 - Capa do album Humbug (2009) do

grupo músical inglês Arctic Monkeys.

Importa sublinhar que é a “relação particular”, a relação subjetiva de um indivíduo

para com a música, que se transformou no mote catalisador de todo o projeto, tanto prático

como teórico, oferecendo-lhe um substrato conceptual e metafórico significativo ao qual

recorro constantemente. Este mote subjetivo e universal é, na sua essência ou numa

imagem depurada, o amor que um adolescente dedica às suas bandas/músicos preferido,

um amor que é marcado por um profundo sentido de identificação e fervilha de entusiamo

em cada nova descoberta.

Esta ligação entre público, produto artístico e autor parece ser inigualável e difícil

de encontrar em qualquer outro tipo de manifestação artística e, talvez por isso, parece

ser tão difícil descrever em linguagem académica essa mesma manifestação artística4.

4 Dificuldade que é analisada e desafiada no livro “Performing Rites: On the Value of Popular Music”

(1996) de Simon Frith. “Instead of dismissing emotional response and personal taste as inaccessible to the

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Como afirma Kim Gordon, quando entrevistada pelo artista Mike Kelley e questionada

sobre as suas primeiras referências artísticas, a propósito da razão pela qual abandonou a

sua produção plástica (à qual regressou posteriormente):

K.G.: (…) My idols were mostly male guitarists.

M.K.: Were they your sex symbols? Did you leave art to chase after rock gods?

K.G.: I didn’t really see male guitarists as sex symbols. But it was this kind of feeling

– and I guess it’s sort of a teenage thing, when you like a song – you want to play it

over and over again. That was something that I couldn’t find an equivalent to in art.

It’s very hard to get hot over a painting. You can have crushes. I definitely had

crushes on art. But, still, there’s no real equivalent in the art world for that teenage

kind of obsessiveness. Maybe I’m wrong. Is there? (Kelley; Welchman; 2005, p.67)

Poucos produtos artísticos parecem ter a habilidade de infiltrar e de mover de

forma tão possante, física e emotivamente, a sua audiência, como a música, tanto na sua

experiência auditiva individual como coletiva e de forma tão constante. Nenhuma forma

artística parece conter em si e abrir, para a sua audiência, um espaço tão amplo para a

expressão emocional (em todas as suas várias formas…) como a música. Este espaço

pode ser, tanto parte do íntimo de cada um, como um espaço físico (um concerto) que

parte do poder de agregação de pessoas e intersubjetivo desta manifestação simbólica.

A verdade é que é difícil rivalizar com o sentimento e a sensação inesperada de

nos vermos representados por uma canção (ou um livro ou um filme) e percebermos que,

afinal, não estamos sozinhos, que existe alguém “do outro lado do mundo”, de um lugar

aparentemente remoto, que nos compreende.5 Uma canção que, como o segredo oculto

nas entrelinhas, através da simplicidade de um verso/refrão/verso, se dirige a nós,

pessoalmente, e afirma, revela e oferece-nos, finalmente, uma descrição, uma forma de

expressão para aquilo que se pensava e se sentia e que, até aí, não se tinha tido a

capacidade de manifestar ou a sabedoria para exteriorizar. Esta forma de identificação

academic critic, Simon Frith takes these forms of engagement as his subject – and discloses their place at

the very center of the aesthetics that structure our culture and color our lives.” (Frith, 1996) 5 Como recorda a música e jornalista Carrie Brownstein sobre o impacto da descoberta do movimento

musical e ideológico Riot Grrrl (ou Riot Girl), durante a sua adolescência: “This is the sound my heart

would make if I could amplify it (…) Sometimes, with your family, you're like, 'How can you be so close

to me and not see me?' And then, all of a sudden you see yourself portrayed in music, and its like, 'On the

other side of the telescope is someone that sees me.” (apud Weiner, 2015)

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“Drive yourself right up the wall

No one hears and no one calls It's a boring state

It's a useless wait, I know

Brag about things you don’t understand

A girl and a woman, a boy and a man

Everything sexual vague Now you’re wondering to yourself

If you might be gay

Your age is the hardest age

Everything drags and drags

You're looking funny You ain't laughing, are you?

Sixteen blue

Sixteen blue

Drive your ma to the bank

Tell your pa you got a date You’re lying, now you’re lying on your

back

- Sixteen Blue, The Replacements

que acontece, através de diferentes materiais simbólicos, várias vezes ao longo da vida

(ao longo do ano ou mesmo ao longo de um só dia), mas que não parece ter antecedente

ou precedente no seu valor e impacto para o ser humano, como quando este atravessa a

cultural e individualmente definida faixa etária que se denomina juventude. Continuando

e concluindo com uma imagem alegórica, motriz para o meu projeto plástico e teórico,

imaginemos por exemplo um adolescente (com dezasseis anos, numa cidade suburbana,

mau aluno e de classe média) e o seu sentimento de legitimação e de apropriação

emocional ao ouvir estas três canções – “Sixteen Blue” (The Replacents, 1984), “What’s

Mine is Yours” (Sleater-Kinney, 2005) e “A Certain Romance” (Arctic Monkeys, 2006):

(…)”

A escolha particular destas letras de canções para a representação do que é ser

adolescente é, claramente, subjetiva. Outra pessoa, outro autor faria outra. Mas é esta

relação individual com as obras que interessa aqui explorar – como esta ou outra música,

este ou outro filme, que elegemos como nossos, informam a autobiografia de cada um,

refletem-na e criam-na, tanto para o eu como para Outro (que observa o eu, também

através das suas escolhas).

“Sit down, honey, let's kill some time.

Rest your head on this heart of mine Tell me, honey, cause you look so blue

Just how did they, did they get to you?

If it's all a waste of time I'm gonna spent it

Yours and mine.

Come on darling, let's hang around

Let's wreck their precious, their perfect town.

If it's all a dirty shame,

I'm gonna do it night and day (…)

Did you ever get the feeling That you don't belong

Said the teacher in the classroom

I think there's something wrong But your desks are too heavy

And your walls are too white

Your rules are all wrong And it's either run or fight

I'm still running

I'm still running (…)”

- What’s Mine Is Your’s, Sleater-Kinney

“Well oh they might wear classic Reeboks

Or knackered Converse Or tracky bottoms tucked in socks

But all of that's what the point is not

The point is that there ain't no romance around there

And there's the truth that they can't see

They'd probably like to throw a punch at me And if you could only see them, then you would agree

Agree that there ain't no romance around there

You know, oh, it's a funny thing, you know?

We'll tell them if you like

We'll tell them all tonight They'll never listen

Because their minds are made up

And course it's all OK to carry on that way

'Cause over there there's broken bones

There's only music, so that there's new ringtones And it don't take no Sherlock Holmes

To see it's a little different around here

Don't get me wrong though there's boys in bands

And kids who like to scrap with pool cues in their hands

And just 'cause he's had a couple of cans He thinks it's alright to act like a dickhead

But I said no, oh no!

Well oh, you won't get me to go (…)”

- A Certain Romance, Arctic Monkeys

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Fig. 11 - Phil Strongman, Fan dos Sex Pistols no seu quarto, 1979. retirada

do website: www.air-flows.tumblr.com

O que procuro com a prática artística realizada é aprofundar um pensamento, uma

discussão sobre como a Arte, tanto para o criador como para o espectador, tem o poder

de informar a vida, como está presente em cada particular momento, no passado que

vivemos e no futuro que queremos viver. Há um sentimento de pertença ao mundo que a

arte propicia: o(s) momento(s) em que se sente que a arte nos escolheu e nos apontou

como testemunhas, o momento em que nos tornámos fãs e depois artistas. As canções

escutadas asseguraram-nos, tal como a outros adolescentes de dezasseis anos:

(…) “Hey, you’re fine, you’re not a weirdo. You’re gonna be OK” it’s like it’s one

thing to have somebody so close to you who can see it so clearly, to tell you, but it’s

another thing to have somebody really far away actually acknowledge that you exist,

because then you feel bigger than the house you’re living in and the city you’re living

in. It’s like you belong to the world somehow. (Brownstein, 2014, p.37)

Após um início deveras caracterizado por uma certa dispersão conceptual e

indefinição temática, fui conseguindo, através da sempre contínua produção de pinturas

e de desenhos, maior autorreflexão e conhecimento sobre as problemáticas da arte

contemporânea, uma crescente aprendizagem e consciencialização sobre motivos e

objetivos particulares da criação artística aqui discutida. Hoje, penso que a variedade de

registos formais que ainda hoje caracterizam o conjunto dos trabalhos não é a expressão

de uma indecisão ou dispersão, mas sim a revelação de um projeto instalativo e a própria

expressão da temática maior de toda a obra – o retrato emocional de uma viajem – o

percurso ou percursos de um jovem enquanto procura a definição da sua identidade.

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Fig. 12 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Registo do processo de contrução da instalação realizada no

estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

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1.2. Um organismo instalativo (a ansiedade e a simplicidade material)

One of the greatest things about being a teenage girl is

that your love is so enormous. It fills up your whole body and

makes you heavy. It’s in your lungs and your blood. It fills up

every room you walk into. It’s your whole life. Nothing that

happened to me in my teenage years could be separated from my

all-encompassing love of Sleater-Kinney. (King-Miller, 2014)

O projeto prático, apresentado como parte desta dissertação de mestrado em

Pintura, é a continuação natural do trabalho artístico até aqui desenvolvido e tem como

base a pintura e o desenho em suporte tradicional, bem como a representação da figura

humana. Esse projeto traduz-se em trabalho de criação de obras singulares de pintura e

desenho que, no entanto, articulam em si uma necessidade de aproximação a outras

formas artísticas como a instalação e o seu pensamento sobre o espaço – confessadamente

marcado por uma pulsão quase incontrolável de expansão e invasão do material de ação

pictórica através do espaço de trabalho e de exposição: uma ação que, não sendo apenas

uma solução formal, é também um acréscimo à significação da obra, através da denúncia

de uma compulsão de personalização do espaço e do material envolvente.

Propõe-se, neste quadro, uma instalação que, entre retratos desenhados/pintados,

diários gráficos, frases escritas em fita-cola ou na parede, imagens colecionadas e objetos

pessoais, configure um ambiente e crie um espaço que, envolvente para o espectador

como um quarto ou uma redoma, seja a representação e caracterização emocional de uma

personagem/pessoa. Como a leitura de um diário gráfico, a visita a uma página de Tumblr

ou a atenta audição das letras de Quadrophenia6, é pedido ao espectador que, entre

fragmentos de informação, leia e crie uma narrativa. 7

Facultando aqui uma pequena descrição da minha prática artística, oriento-me

para aprofundar e refletir sobre um processo de trabalho que se tornou particular pelo seu

6 Album de estúdio da banda The Who, composto por Pete Townshend e gravado em 1973 que, através das

letras das suas canções, retratam dois dias de uma personagem fictícia. O álbum, sendo considerado uma

ópera rock, conta a história de um rapaz chamado Jimmy que sofre de distúrbios de personalidade. 7 Esta ideia foi explicitamente trabalhada por Ilya Kabakov na sua obra “Ten Characters” (1988) em que

este cria, ou simula, dois grandes apartamentos comunitários habitados por dez pessoas, personagens que

ganham vida através da distinta decoração de cada quarto individual, decoração que exterioriza as narrativas

pessoais, os medos, sonhos, desejos etc de cada (in)visível habitante.

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caráter compulsivo, pela necessidade de uma contínua e diária produção. Esta urgência

ou desejo pelo que é imediato revela-se tanto pela simplicidade dos materiais usados

(marcadores, papel, fita cola, etc…) como pelo formato de apresentação escolhido que,

como um organismo vivo que vai crescendo, expande-se, densifica-se e complexifica-se,

idealmente, um pouco todos os dias. Apesar da recolha imagética e da definição de um

imaginário serem extremamente mediados e influenciados pelos novos meios de

comunicação, a prática artística, aquela que é fisicamente realizada no estúdio, é

executada através dos meios tradicionais - pintura, desenho e colagem sobre tela, papel

ou parede (em vez de vídeo ou fotografia). A escolha desta forma de trabalhar, que denota

uma vontade de afastamento de procedimentos técnicos ou de demoradas pré/pós

produções, manifesta uma procura de intimidade entre autor e criação objetual, uma

absorção entre artista, média e objeto, que é conseguida através do caráter direto,

espontâneo e maioritariamente solitário da prática pictórica. Recorremos, a título

comparativo, às palavras de dois artistas contemporâneos, Peter Doig e Raymond

Pettibon, sobre os seus processos de criação:

“Besides, I'd hate to have anyone else in my studio, because then I'd have to do

something like ... paint. I don't want that. I don't want to be a business. I like painting

because you can go in and out of it; the simplicity, the directness, the dabbling

quality. People always ask me when I'm going to make a film. But I've no desire to

do that.” (Doig apud Roux, 2012);

Maybe it’s like the problem with the videos. It’s just that working the way I do, doing

the drawings, just seems to be right most of the time, because it’s just me. It’s not to

do with anyone else. I’m really so, so undemanding as far as control goes, in that

way. (…) It’s just easier to do things on my own. (Pettibon apud Cooper; Storr;

Loock, 2001, p.30)

Doig e Pettibon são dois autores que têm uma estética e imaginários muito

diferentes, mas que utilizam igualmente, de forma plena, o desenho e a pintura

tradicionais como meios para uma significação, através das suas experiências individuais

e singulares, da vivência contemporânea, uma vivência embebida na expansão

incontrolável das novas formas de comunicação.

Como expõe Bernardo Pinto Almeida (2008), a revalidação da pintura/desenho

tomou forma na perceção de que esta está intrinsecamente ligada a uma forma de

expressão espontânea do indivíduo, que vê no ato pictórico uma possibilidade de

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produção e tradução de um imaginário pessoal, uma possibilidade de tornar físico, de

tornar matéria, o que antes era mental ou inconsciente.

Penso que o trabalho artístico aqui analisado deve a sua insistência a uma

execução deliberadamente manufaturada, a uma reação ou resistência face à crescente

virtualização de imagens. A prática artística parece mesmo, por vezes, encontrar o seu

deleite ao insurgir-se contra a reprodução técnica e a sofisticação formal que domina,

hoje, o material cultural. Este prazer infantil pela contradição é especialmente notado nos

desenhos que são, propositadamente, traçados agressiva e toscamente com um lápis de

cor, caneta de feltro ou pastel de óleo. Essencialmente, a criação de cada retrato, de cada

pintura ou de cada desenho, germina de uma profunda necessidade de tornar presente e

material um sentimento de identificação, encontrado pelo artista face uma imagem virtual

específica, encontro que é relatado no primeiro momento deste texto e que vê na criação

plástica a sua possibilidade de expressão. Finalmente, talvez seja a partir da dificuldade

de descrição verbal de uma relação de intimidade entre artista e retratado, uma relação

imaginada e projetada pelo autor, que surge a ansiedade pela realização matérica. Sem

lugar na vivência quotidiana, esta relação de admiração só pode ser liberta através do ato

físico de criação artística, do momento performativo em que o artista se entrega por

completo à tradução da sua paixão pela adorada imagem, o momento de fusão e de mútua

posse.

Fig. 13 - Cecília Corujo, I’ll take God when I’m ready, I choose sin till I’ll leave, 2015. Lápis de grafite s/ papel, 32 x 15 cm.

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Fig. 14 - Cecília Corujo, Conversa de Adolescente, 2015. Esferográfica s/ papel, 21 x 29 cm.

Fig. 15 - Cecília Corujo, We can drain all the power, 2015. Lápis de cor,

carvão, fita cola e spray acrilico s/ papel, 42 x 29 cm.

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A urgência que dita a realização plástica é revelada especialmente nos trabalhos sobre

papel que, pelos seus formatos de pequena dimensão, pedem ao artista serem iniciados e

terminados numa mesma sessão. Esta ansiedade, ou medo de desilusão que, de certa

forma, incute um preceito temporal e que pode ditar o sucesso ou abandono de um

empreendimento, permite, por parte do artista, um alto nível de concentração, dentro de

um curto espaço de tempo: uma brevidade que possibilita uma atitude performativa da

minha parte face ao processo criativo, uma dinâmica de tensão entre autor e obra, que é

visível formalmente através da intensidade gráfica com que o material riscador é utilizado

ou a agressividade com que o suporte é tratado, amachucado, recortado, esburacado,

colado ou reciclado (caso falhe no seu primeiro propósito) (fig.14, fig.15). Esta

amplificação do caráter gestual e manufaturado dos desenhos tem vindo a ser explorado

de forma cada vez mais consciente, sendo, por exemplo, usado como suporte, “mau”

papel (sobras de outros desenhos, o verso de fotocópias, folhas de cadernos escolares - o

que estiver disponível…). Esta escolha propicia uma maior despreocupação, um menor

receio, oferecendo assim uma liberdade de expressão e experimentação que transparece,

formal e quantitativamente, nos desenhos/pinturas.

Interessa referir que, apesar da eleição dos materiais e do formato de exposição serem

conscientes e deliberados são, certamente, também um reflexo das limitações monetárias

e espaciais que condicionam esta prática artística. No entanto, estas condições, mais do

que limitativas, tornaram-se em estímulos criativos que acabaram por galvanizar, física e

conceptualmente, o projeto artístico, mostrando, na resposta à precaridade, a sua

inevitabilidade (ou impossibilidade de não-ser). Esta urgência por uma validação do

trabalho encetado pode ser exemplificada no momento em que, como uma provação

pessoal, foi usado um bloco de folhas A3 para uma agitada expansão vertical da

instalação (ou organismo), quando poucos outros materiais e espaço/parede lateral

restavam. (fig.12 e fig.21)

É possível delinear, ao longo do texto, uma vontade de contradição inerente à

prática artística mas que deve ser, aqui, encarada como mais do que um simples instinto

individual, como uma consciente manifestação ou um comentário ciente dirigido à

produção artística contemporânea exterior. Existe na simplicidade da escolha dos

materiais e na forma orgânica como os desenhos são abordados e acumulativamente

expostos, uma qualidade não-sofisticada, não virtuosa e não-apurada, que recusa a aura

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de preciosidade ou de grande “obra de arte” que permeia tantas exposições e trabalhos

artísticos. Nesta linha, propõe-se uma obliteração do aspeto sagrado da arte através da

insistência num processo casual, na exploração de temáticas e de vivências comuns e na

exposição das vulnerabilidades do artista. Se alguma arte parece repetidamente perder a

ligação com, ou afastar-se emocionalmente do, seu público, a forma de trabalho artístico

aqui privilegiado é, de certa forma, uma tentativa de contrariar o senso comum ou ideia

pré-concebida de que a arte contemporânea deve ser algo hermético, minimal e elitista.

Como escreve Ann Temkin, ao refletir sobre os trabalhos de desenho de Raymond

Pettibon, desenhos que pela sua simplicidade gráfica aparente, despreocupação formal e

uso da palavra escrita, parecem quase extraídos de um imenso e contínuo diário gráfico:

“They refuse the aura of the masterpiece, nor do they pretend to the grand gesture, their

deliberate commonness provides remarkably open access to any potential member of their

audience”. (Pettibon, 1998, p.240)8 Existe, por exemplo, um deliberado não-

profissionalismo formal e uma exploração de temáticas, ao mesmo tempo pessoais e

comuns, nas obras de Raymond Pettibon, Tracey Emin ou Jean-Michel Basquiat, artistas

que apesar de hoje estarem claramente estabelecidos no universo tradicional da arte

contemporânea, chegaram a este através de um percurso atípico e mais ou menos

marginal. O que estes artistas conseguem é inflamar com Vida um universo que, por

vezes, tem tendência a fechar-se sobre si mesmo, autorreferencial. Recorrendo às suas

vivências e aprendizagens exteriores aos cânones da formação artística, abrem a produção

de arte visual a uma audiência maior. Como afirma Stephen Willats, em 1985, no seu

texto “Intervention and Audience” sobre o surgimento do movimento punk face a

universo artístico que se tinha tornado demasiado elitista:

(…) the artist elevated his authority through extreme abstraction, denying the values

and psychologies of other people, i.e. the audience. Originally the extreme

monumental abstraction of minimalism and the speculations of conceptual art were

a dissident avant-garde reaction to the old, formal ideas of representation in art which

had lost touch with the new 60’s social feeling. However, the more the artist

deviated, the more abstract and incredulous the works became, and the more

tolerance and conformity were required from the audience. In addition a pre-

knowledge of the artist’s own formal language was needed, for, as it became more

8 Esta abertura a uma maior audiência é confirmada pelo artista ao expressar o desejo de expor fora do

circuito de galerias: “I’d love to do more artwork that’s pasted up on telephone poles, that sort of thing.

(…) I still do book sometimes. In some ways, I did prefer those ways of showing my art to showing it in

galleries. It’s not because of the nature of the work (…) At this point; it would just mean more to me to go

outside this frenetic gallery system where you’re preaching to the converted. It’s a very small world.”

(Pettibon apud Cooper; Storr; Loock, 2001, p.13)

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abstract so it became more personalized, with less and less common points between

the artist and the others people’s realities, the resulting works becoming increasingly

self-referenced. Instead of directly addressing the world around the arts, the work

cut itself off, it became exclusive, it functioned within a club of pre-knowledge.

(2007, p.193)

Como foi mencionado anteriormente, a prática artística tem muitas vezes origem na

admiração por outros produtos artísticos, sendo possível, neste momento, reconhecer que

o trabalho e as atitudes que lhe são subjacentes gravitam em torno de um espírito,

potencialmente, punk. Esta palavra, que pode ser rapidamente associada exclusivamente

a um género musical ou uma tribo urbana, define também um movimento histórico que

teve a sua origem em meados dos anos setenta nos Estados Unidos da América e no Reino

Unido, que compreendeu e fez dialogar entre si várias expressões artísticas (a música, a

moda, as artes gráficas, as artes plásticas, a performance etc.) de autoria

caracteristicamente juvenil, urbana e marginal. A expressão punk foi protagonizada por

jovens sem perspetivas de futuro que, não se vendo representados pelas imagens

disseminadas pelas instituições e pela cultura popular, expressaram corporalmente,

visualmente e sonoramente, em modos de produção independentes, a sua revolta e

descontentamento face a sociedades cada vez mais injustas, devido às receções

económicas que se abateram sobre os dois países anglófonos na década de 70 e início da

de 80:

Britain and America were hit by recession following the oil crisis of 1973.

Thatcherism and Reaganism emerged, and social divisions became more

pronounced. Public spending suffered massive cuts. Riots erupted in Brixton, south

London, in 1981. AIDS devastated many lives and many communities. The art of

the time, on both sides of the Atlantic, echoed this sense of a society under stress.

(Sladen; Yedgar, 2007, p.7)

Penso importante esclarecer o contexto social para perceber a necessidade de

confronto que marcou sonora e visualmente as formas artísticas criadas por esta

subcultura que questionou ferozmente os poderes e normas estabelecidas.

Bandas/Músicos como The Clash, New York Dolls, Television ou Patti Smith, artistas

visuais como Nan Goldin, Jean-Michel Basquiat, Barbara Kruger, Raymond Pettibon,

Matta-Clark ou Mike Kelley exploraram, de diferentes formas, importantes temáticas

levantadas por este movimento: ideias transgressoras de sexualidade e género, violência

e abjeção, falácias publicitárias e oportunismos capitalistas, usando a colagem e a

apropriação como formas de comunicação visual e controlo do espaço público. (Sladen;

Yedgar, 2007)

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Acima de tudo, interessa expor como este movimento, ao propor uma estética

“artesanal” e ao valorizar uma predisposição “do-it-yourself”, explorou as possibilidades

de empoderamento do seu público, de um empoderamento que surge como um estímulo

pró-criativo, como um estímulo de questionamento ideológico e da posterior tomada de

ação (Marcus, 1990). Esta influência ou incentivo parece ser mais viável quando existe

uma mostra do processo, uma mostra das vulnerabilidades por parte do artista, quando é

proposto uma relativização do estatuto de público/fã e artista, quando são quebradas as

por vezes rígidas fronteiras entre espectador e performer. Esta consciência da importância

da audiência, característica do espirito Punk, espírito que se expandiu e está presente em

outros movimentos (maioritariamente) juvenis como Riot Grrrl, é testemunhado na

quantidade de fanzines, fan art, acessórios, pósteres, bandas e artistas posteriores que

foram inspirados pelos artistas e produtos mediáticos originais:

A young generation (…) asserted to anyone, including themselves, that they did

indeed exist (…). People fought back against their entrapment. (…) The punk

movement, when it first came to public notice, strongly expressed the idea of self-

organization (DIY – Do it yourself – was an important slogan to punk) and

contextual expression. The punk ideology was anti-professional, it was for complete

spontaneity, it was also aggressive and alienated; but it expressed a basic mutuality

between participants, through seeking common languages and common meaning, for

now the audience was also the creators. The fundamental message of punk that is so

culturally important for creativity, and that what is meaningful to people is relative

to the context in which it is received and made. The most well-known form of this

DIY spontaneity is through the punk bands that were formed and the DIY records

that they made, but other manifestations were equally important: fanzines, dance and

forms of dress and personal adornments. All the different manifestations of self-

creativity reinforced in various ways the sense of community for a generation that

had been made to feel so culturally isolated and created a common bond between

those that had been so alienated. (Willats, 2007 p.197)

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Fig. 19 – Tracey Emin, Nothing Touches, 2009.

Algodão bordado, 153 x 166 cm

Fig. 16 – Flyers e fanzines que fizeram parte movimento,

punk rock e feminista, Riot Grrrl. Fotografia da exposição Alien She (2013-2014) que reflectia sobre o impacto social

e artistico desse movimento americano da década de 90.

Imagem retirada do website: www.jlodomintegralparts.wordpress.com/2015/01/28/pro

gressions/

Fig. 17 – Jason Schmidt, Raymond Pettibon, 2002, Color photograph, 16 x

20 inches, Museum of Contemporary Arts of Los Angeles.

Fig. 18 – Still do Gifset criado a partir de uma entrevista de Johnny

Rotten, do grupo musical Sex Pistols. Retirado do

Tumblr.:http://shitlydonsays.tumblr.com/post/120885740625/con

certs-now-a-days-its-just-abunch-of-gits-on.

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Fig. 20 – Carrie Brownstein questionada sobre fandom e sobre o que é ser fã no Los Angeles Times. Stills capturados de um gifset

criado por um fan e publicado no seu Tumblr: www./futuristic-caskets.tumblr.com/post/121226836274/carrie-brownstein-on-

fandom-and-what-its-like-to

Em síntese, pensamos que o meu trabalho é influenciado, temática e esteticamente, tanto

pelos produtos culturais tidos como “originais”, como pela forma como estes depois são

filtrados, apropriados, comentados e individualmente relevados através das comunidades

fandom. Muitas das soluções formais (enquadramento, expressionismo, escolha do

material, mistura de frases com imagens, etc…) usadas na prática artística, consciente ou

inconscientemente, foram tanto influenciados por afamados artistas ou produtos

mediáticos mencionados ao longo deste texto, como pela forma estranhamente anónima

da comunidade de fãs como estes são recortados, editados, selecionados e interpretados.

Indivíduos que se expressavam e agregavam-se antes, em papel, e que, hoje, através dos

novos meios de comunicação, admirando, criticando e partilhando, grupos de imagens,

montagens, gif set (fig.18, fig.20), fanart, etc.: “If rock’n’roll was the amplified voice of

youth culture, then the fanzine represented this voice brought down to the level of

discussion with and amongst its fans.” (Walker, 1998, p.220)

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Fig. 21 Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da ultima instalação realizada no estudio da Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa.

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1.3. A escrita desenhada (eu não vou mais à escola)

Yes, it’s beautiful; now let’s see you live it out

(Marcus, 2007)

O trabalho plástico que se vai definindo expositivamente como uma “sempre-

crescente” instalação, tal como uma montagem de uma revista, encontra o seu equilíbrio

na relação que se estabelece formal e semanticamente entre imagem e texto, entre os

desenhos, pinturas e frases que se vão espalhando espacialmente. Numa estranha alquimia

entre os elementos escritos e as imagens, é nos momentos em que estes magneticamente

se conjugam, que a obra emerge mais energeticamente. Sem linha única de leitura, é

criada uma relação não hierárquica que desafia o espectador a tornar-se leitor, a demorar-

se e, entre fragmentos, procurar uma história entre as várias sugeridas, um narrador entre

os vários possíveis.

A realização “escrita” do trabalho visual, como um poema visual, é encarada da

mesma forma que os outros desenhos, e as frases registadas com a consciência das suas

qualidades gráficas, consequentes manchas pictóricas e composição abstrata (no papel e

na parede). Apesar de uma perceção inicial que diferentes caligrafias e marcas gestuais

podiam suavizar ou intensificar (ou mesmo alterar) os seus significados em diferentes

contextos, esta dinâmica entre conteúdo e expressividade visual tem vindo a ser

progressiva e conscientemente mais explorada. Este jogo de intensidades entre perguntas,

ironias, afirmações ou reflexões é exemplificado pelas diferenças formais entre a

provocatória exclamação “I Will Not Go To School Again” e a pequena reflexão de teor

pessoal ou íntimo: “foi tanto tempo, eu gastei tanto tempo (…)”. Enquanto a primeira

interjeição, que é possível observar no canto superior direito da imagem (fig. 21), foi

composta pelo recorte torto de grandes letras de papel, delineadas agressivamente a lápis

de cor e demoradamente coladas uma a uma no topo do organismo, a segunda (fig.23)

foi, num primeiro momento, timidamente inscrita num pedaço de papel com um marcador

que se desvanece com o avançar do pensamento. Trata-se, neste caso, de uma espécie de

entrada num diário ou de uma carta que se intimida com sua conclusão para, rapidamente,

num segundo momento, ser corajosamente recuperado, aceite e “encadernado” com fita-

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cola. Consequentemente, é possível afirmar que a prática artística, de certa forma, explora

como diferentes expressões caligráficas ou marcas gestuais encerram, em si, o poder de

provocar uma variedade de reminiscências, recuperar e expressar uma multitude de

contextos, sensações e emoções, mais ou menos comuns a cada indivíduo. Uma

pluralidade de imagens tanto pode evocar inscrições “de tédio” anotadas nas margens de

uma caderno escolar como impulsos de insubordinação ou chamadas de atenção

subtendidas no ato transgressor de grafitar um espaço público. Recuperando outra vez

uma análise da obra de Raymond Pettibon, e permitindo encontrar semelhanças

estilísticas com o meu projeto artístico, convoco as palavras de Storr: “And as they

multiplied, the lettering techniques modulated so that one read them as if they were

different characters speaking in distinct registers or perhaps the same character talking

back to himself with rising and falling emotion.” (Storr; Cooper; Loock, 2001, p.60)

[Algumas das frases presentes no organismo instalativo / projeto prático]

“Eu fiz muitos amigos, Balzac, Duras e outros mas isso não me ajuda nada na

escola”, “Põe-me num pedestal e a única coisa que vou fazer é desiludir-te”, “o

trajeto da minha queda irá desenhar uma linha entre o azul do céu e o azul do mar /

Eu não sou um pássaro, eu não sou um avião / eu apanhei um táxi para a ponte / eu

vou mais à escola / quatro segundos foi a espera mais longa, quatro segundos foi a

espera mais longa, 4 segundos foi a espe….”, “Para aqueles que derrapam nas

escadas da biblioteca”, “Just because I’m loosing doesn’t mean I’m lost, doesn’t

mean I’ll stop”, “Tomorrow I’ll turn 21 we’ll script another show”, “Right now you

could care less about me but you will by the time I’m done”, “I wanna be your Joey

Ramone”, “Would you like to tempt her with your dirty rock’n’roll?”, “I poured my

aching heart into a pop song. I couldn't get the hang of poetry”, “When you’re a star

I know that you’ll fix everything”, “A casa com piscina que eu nunca vou ter”

Como Pettibon, Tracey Emin ou Jenny Holzer, e face à tradição da arte

conceptual, a linguagem utilizada caracteriza-se pela sua informalidade, sendo usada

maioritariamente a primeira e a segunda pessoa do singular. As frases utilizadas afiguram-

se a fragmentos extraídos de conversas quotidianas, confissões pessoais ou diálogos de

narrativas literárias. Mas estes vários registos, de diferentes origens e sujeitos (na sua

maioria letras de músicas populares e de filmes e algumas escritas por nós) no trabalho

artístico juntam-se para caracterizar diversas “vozes” interiores, “vozes” de uma mesma

personagem, que “fala” tanto para o espectador como para si própria. Circunscrito por

vários indícios, este sujeito é gradualmente caracterizado pelo acrescentar de fragmentos,

pensamentos que, uns mais caracteristicamente juvenis do que outros, parecem deambular

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Fig. 22 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe de

alguns desenhos presentes na instalação.

entre a expectativa e a desilusão. Sugerindo uma pequena narrativa - entre equações do

passado e do presente, a personagem, num diálogo entre os eus e o espectador, desafia-se

a projetar um futuro, vários futuros, a relatar uma passagem, uma transformação.

“Yet the drama here is less between two people than two sides of the same person,

between the first person of any pop song and what in the blues songs is called the

second mind. This is not exactly the subconscious, or the conscience cross-

examining the ego. There’s something more mocking more ironic happening when

the second mind makes itself heard. (…) «Yes, it’s beautiful; now let’s see you live

it out». The second mind is not impressed; it’s a smirk in the face of passion. (…) a

psychological detective story, in which the hero breaks down and starts talking to

herself on the street. But she’s no longer herself, she’s her selves – and so all across

the album, different voices call out to you, try to charm you, try to convince you that

one knows more than the other. (…) There are different notions of reality competing

here.” (Marcus, 2007)

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Fig. 23 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe de alguns desenhos presentes na instalação.

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1.4. Retratos de uma adolescência (entre o secretismo e a autorrevelação)

“He wants simultaneously to fit in and to set himself

apart in order to assert his unique individuality. He dresses and

behaves in particular ways to make others see him as an

intellectual; and he changes between studying hard and partying

wildly. He was, he says, «a grotesque amalgam of timidity and

arrogance, alternating between long, awkward silences and

blazing fits of rambunctiousness»” (Iversen, 2009, p. 128)

Por fim, falta-nos observar as pinturas e desenhos que acompanham o discurso

acima analisado, e perceber como estas não só oferecem uma imagem à, até agora,

incorpórea personagem, mas perceber como participam e complexificam a narrativa de

uma passagem, de uma transformação pessoal. Assim como as frases, as imagens seguem

a primeira pessoa do singular e observam o conjunto das obras realizadas até ao momento,

o que ressalta a insistência no retrato individual em individualidades que, na sua maioria,

apresentam características reconhecivelmente juvenis. Estas figuras não se submetem a

uma rígida faixa etária, vagueiam dentro de uma incerta definição de juventude - entre a

saída da infância, a confusa adolescência e a chegada assertiva da idade adulta.

Trabalhados pelos desenhos e pinturas, os retratados são isolados e transportados,

longe de um tratamento realista, para um universo pictórico específico, uma atmosfera

particular a cada um. O elemento catalisador de cada obra é, manifestamente, a figura

humana que, posicionada como elemento central de cada composição, dá significado ao

que a rodeia. Vivendo em fundos claramente abstratos, os indivíduos parecem ser autores

da sua paisagem, um mundo imaginário composto por marcas gestuais e cor. Desta forma,

quase sem elementos circunstanciais, o essencial torna-se a caracterização emocional das

personagens, dada tanto pela fictícia exteriorização de uma voz interior como pela atenção

dada à expressividade da pose, face e vestuário: elementos que, através de uma carga

simbólica, caracterizam personagens que aqui oscilam entre uma atitude tanto de desafio

e de afirmação de presença como de vulnerabilidade, introspeção e abandono do presente.

Características estas que estão também presentes nas fotografias de Rineke Dijkstra e que

são bem exemplificadas no seu retrato (fig.24) que mostra:

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“(…) two African-American youths, one tall and one short, stand on a beach on Long

Island. While the taller boy looks vulnerable and sensitive, the shorter one challenges

the camera with an aggressive stare – together, they provide the flip sides of the

adolescent equation.” (Coleman, 1998, P.32)

Fig. 24 - Rineke Dijkstra, Long Island, New York, July 1, 1993, 1993. Chromogenic print; dimenção

n/s, colecção do artista.

Fig. 25 - Elizabeth Peyton, Blue Kurt, 1995. Óleo

s/tela, 50,8 x 40,6 cm, Private collection, New

York. Coleção privada.

Fig. 26 - Larry Clark, Jonathan Velasquez,

2003. Pigment print; 107.95 x 73.98 cm,

Luhring Augustine Gallery, New York.

Fig. 27 – “She hates for things to get finally pin

down, for the possibilities to be narrowed by the

shabby impingement of facts”. Muntean & Rosenblum, Untitled, 1999. Acrylic on canvas,

115 x 85 cm. Coleção privada

.

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O trabalho plástico que acompanha esta dissertação destaca, desta forma, uma

comunidade que é construída através da junção de diversas individualidades que, como

sugere St-Gelais (2001) ao analisar o trabalho da fotógrafa holandesa, revelam na sua

reunião a vulnerabilidade caracterizante da figura do adolescente, a ambivalência

emocional que irrompe da permanência indeterminada de um indivíduo num estado

transitório. Mostrados na sua incerteza, as personagens por mim retratadas posicionam-

se perante o observador, entre um desejo de secretismo e uma vontade de autorrevelação,

entre um desconforto visível e um à vontade exagerado e desafiante. (Coleman, 1998)

O que torna especialmente interessante a representação deste estado de transição

(adolescência ou juventude) e que pode ser igualmente encontrado de modos distintos nos

trabalhos artísticos de Muntean e Rosenblum (fig. 27), Elizabeth Peyton (fig. 25), Tracey

Emin ou Larry Clark (fig. 26), é a exposição comovente de um processo em curso, a

construção e manipulação identitária de um ser, que, de forma (mais ou menos)

inconsciente, tenta acertar, equacionar, experimentar e afirmar uma forma de se

apresentar e viver.

Fig. 28 - Cecília Corujo, Seven Up, 2014. Pastel d’óleo s/ papel, 29 x 21

cm.

Fig. 29 - Cecília Corujo, Teenage Riot, 2014. Pastel d’óleo s/ papel, 42 x 29 cm.

Fig. 30 - Cecília Corujo, To be someone

must be a wonderful thing, 2014. Pastel

d’óleo s/ papel, 42 x 29 cm.

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Através da exploração de um corpo emocional, potencialmente universal, o

trabalho realizado procura estabelecer uma relação empática com o observador, um

espectador que, idealmente, se abra a uma identificação, a uma viajem mental de

inquirição sobre a origem e potencialidades futuras daquela (s) personagem(ns),

“confusamente” expostas:

“I’m trying to achieve (…) the feeling that as a viewer you can almost get inside

someone’s skin, and that you can identify with them. Without mystification, I’m

always looking for subjects that have something universal about them, certain

experiences that everyone knows well. But at a certain point in photographing or

filming, you’ve also got to be specific, to look at what distinguishes people from

each other. And that’s often small details, an attitude or a gesture.” (Dijkstra apud

Roodenburg, 1998, p. 24)

Como afirma a fotógrafa holandesa, ao mesmo tempo que se procura uma

universalidade, o comum que permite a identificação do espectador, é necessário, num

trabalho de retrato, procurar a individualidade de cada figura, o que distingue cada

retratado. Como jovens, as personagens procuram “demonstrar” as suas singularidades,

por vezes através de atitudes quase performativas, balançando os seus desejos por uma

suposta “normalidade” (ou invisibilidade).

A procura de uma expressão individualizada, encetada pelo indivíduo no seu

processo de maturação, é análoga ao pensamento gerador do trabalho artístico, que

partilha continuamente a construção identitária do seu autor. Na apropriação específica

(já comentada) de personagens e frases que indiscernivelmente refletem ou fazem parte

da minha formação, estas, no seu conjunto, não podem deixar de constituir uma

representação real ou ideal, sonhada (possíveis ou impossível) do eu. Uma característica

que é reconhecidamente parte da prática do retrato é a forma como o artista exibe uma

visão muito pessoal do retratado, representando-o, muitas vezes, por aquilo que consegue

partilhar com ele. Como afirma St-Gelais, as fotografias de Dijkstra nascem de um

sentimento de empatia que esta partilha com os adolescentes que fotografa:

“Dijkstra’s camara establishes with the model, the coming together it brings out, is

not merely desired, but is first of all sought out – even in the identity related

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Fig. 31 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da instalação realizada no estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

uneasiness that the young models exude. Thus if the teenager’s identity is still to be

constructed, Dijkstra’s own identity – or even that of any man or woman – is to that

same extent open-ended. And it is in this respect that the artist merges still more

intimately with the preoccupations of her models. Pointing in recurrent fashion to

the subject “in progress,” she reveals the élan which inhabits the emerging subject

as it emulates or challenges the norm. A circulation is necessarily established

between the subject and the others, giving rise to a movement, a propensity to

identify with so and so, or copy such and such. (St-Gelais, 2001, p.30)

Fig. 26 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da ultima instalação realizada no estúdio

da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

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Regressando à metáfora da viajem utilizada anteriormente, é possível entrever no

conjunto de toda a obra o retrato de uma transição, uma narração fragmentada que conta,

entre desenhos e frases, a história daquele que se encontra à saída da infância e à entrada

da vida adulta. Uma viagem entre expectativas e desilusões e protagonizada por aquele

que tem que dar um significado ao seu passado, realizar o seu presente, prevendo o seu

futuro: o adolescente ou jovem que realiza o seu Bildung através do consumo e produção

de material cultural mediatizado, que o ajudam a um entendimento, reconhecimento e

configuração de si próprio.

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2. Bildungsroman ou romance de formação

2.1. Um conceito difícil de definir: Bildung

Hence our more specific and special theme – the image of man

in the process of becoming in the novel. (Bakhtin, 1996, p.19)

Parte-se, agora, após uma análise do trabalho artístico, para um aprofundamento

de duas palavras-chave – coming of age e bildungsroman – que se tornaram catalisadoras

de toda investigação aqui apresentada e que estão intimamente relacionadas com a

metáfora da viagem atrás mencionada. Estes dois conceitos estão intimamente ligados à

produção literária e cinematográfica mas parecem ser poucas vezes relacionados com a

criação plástica. No desconhecimento da existência daqueles dois termos e numa fase

ainda de procura de conceitos que agilizassem a pesquisa bibliográfica aqui descrita, foi

no regresso a alguns filmes que tinham servido, repetidamente, como referências

imagéticas para o trabalho artístico, que tive contacto com o conceito de coming of age.

Este conceito aparecia na descrição e review desses filmes como coming-of-age films ou

coming-of-age story. Coming of Age significa a transição de uma jovem pessoa da

infância para a vida adulta ou para a maturidade, transição que serve de tópico a filmes

como Kes (fig. 27) de Ken Loach, The Graduate (fig. 28) de Mike Nichols, Quadrophenia

(fig. 29, 33) de Franc Roddam ou Les 400 coups (fig. 30) de François Truffaut ou Frances

Ha (fig. 32) de Noah Baumbach. Estes filmes concentram-se na narrativa de um jovem

protagonista desajustado face ao que o rodeia e que entra em conflito com o que é dele

esperado: um desajuste ideológico, social ou geracional entre o sujeito e a comunidade

circundante (família, escola, amigos, trabalho…). A narrativa fala de um embate entre o

mundo interior e o mundo exterior que desencadeia uma transformação e um crescimento

de tipo psicológico, emocional e físico da personagem principal.

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Este tópico foi originalmente retratado pelo Bildungsroman, termo alemão que

justapõe a palavra Bildung e a palavra Romance, classificando um género literário que,

em português, se qualificou como “romance de formação” ou “romance de educação”.

No entanto é interessante tentar definir Bildung, palavra que, na língua portuguesa, não

encontra correspondência singular que possa englobar todos os seus significados, porque

significa ao mesmo tempo: formação, crescimento, constituição, desenvolvimento, treino,

educação, aprendizagem escolar, cultura, educação superior, concretização,

melhoramento etc… Este conjunto de palavras revela, assim, vários componentes que

fazem parte deste tipo de romance e que compõem a viajem (metafórica ou não) de

autoformação protagonizada pelo seu herói. Mais do que uma aprendizagem escolar, o

Bildungsroman concentra-se no processo de crescimento e desenvolvimento físico,

moral, psicológico, social, cultural que leva o protagonista a uma sucedida inserção na

sociedade ou a uma rejeição dessa mesma sociedade, depois de ter enfrentado os valores

padrão com o seu idealismo e expectativas juvenis. José Vaz de Carvalho esclarece no

seu livro “Jorge de Sena: Sinais de Fogo como romance de formação”:

Fig. 33 - Still do filme The Graduate (1967) realizado por

Mike Nichols Fig. 32 - Still do filme Kes (1969) realizado por Ken Loach

Fig. 34 - Fotografia promocional do filme Quadrophenia (1979) realizado por Franc Roddam.

Fig. 35 - Still do filme Les 400 coups (1959) realizado por François Truffaut

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o romance que narra e analisa o desenvolvimento espiritual, o desabrochamento

sentimental, a aprendizagem humana e social de um herói. Este é um adolescente ou

um jovem adulto que, confrontando-se com o seu meio, vai aprendendo a conhecer-

se a si mesmo e aos outros, vai gradualmente penetrando nos segredos e problemas

da existência, haurindo nas suas experiências vitais a conformação do seu espírito e

do seu caracter (Aguiar e Silva apud Carvalho, 2010, p.133);

A narrativa segue os rituais de passagem do herói até um certo grau de maturidade,

centrada no confronto com a realidade existencial, as crises que problematizam o

processo transformador e de aperfeiçoamento da vida interior em tensão com as

forças exteriores que a influenciam e querem ordenar e dominar, processo no qual

descobertas, equívocos, erros e correções, dialeticamente indissociáveis da evolução,

conduzem o indivíduo ao conhecimento de si mesmo (que lhe permite preservar a

sua identidade na metamorfose) e do seu lugar funcional na sociedade (que lhe

permite viver com adulto no mundo de adultos), independentemente do sucesso ou

fracasso do desfecho, da realização harmónica da socialização, de uma integração

oportunista ou da distanciação crítica. (Carvalho, 2010, p.133)

Desenvolvendo a narrativa ao redor de um único protagonista e de um universo altamente

por este subjetivado, o Romance de Formação tem como predicado a construção de uma

personagem multidimensional, uma personagem que, acima das outras, numa gradual,

extensa e aprofundada caracterização, ganha perante o leitor uma vida própria, quase real,

com o qual, tradicionalmente cria uma relação de empatia9. O Bildungsroman começa por

apresentar um herói em potência, uma figura comum (sem uma situação ou qualidades

extraordinárias) que se deve mostrar apta a aprender, a adquirir qualidades e a ultrapassar

as atribulações por si causadas e a si impostas, a experienciar o mundo e a refletir sobre

a própria experiência e realidade que a envolve. O leitor segue, desta forma, atento,

esperançoso, o desenvolvimento da identidade do principiante, numa expectativa de que

este se torne num herói efetivo – que emirja positivamente das oportunidades que lhe

foram sendo apresentadas e das escolhas efetuadas.

9 “A valorização da subjectividade leva os autores a examinarem a própria identidade e o trato com força

exteriores que tentam modelá-la coactivamente, e a repercutir nos personagens experiências de

autoconhecimento e de auto-representação, disposições autobiográficas que criam um efeito desvanecedor

da distinção entre vidas reais e escritas, entre confissão e ficção.” (Carvalho, 2010, p.42)

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Fig. 36 - Stills do primeiro documentário da série de documentários “The Up Series” / “Seven Up!” realizada por Michael Apted,

iniciada em 1964, que segue desde dessa data, de sete em sete anos, a vida dos mesmos indivíduos, permitindo ao espectador acompanhar e perceber de que forma as expectativas destes jovens se tornaram realidade ou se alteraram significativamente ao longo

da vida. Foram entrevistadas várias crianças de diferentes estratos sociais e é claramente possível observar a diferente concretização

de planos de vida.

Mas talvez a questão que importa mais aqui relevar é a forma como este

tipo/género narrativo, literário ou cinematográfico, põe em questão a identidade humana,

trabalhando-a para lá dos dados objetivos estáveis, e encarando-a como algo maleável,

múltiplo e sensível à passagem do tempo:

As opposed to a static unity, here one finds a dynamic unity in the hero's image. The

hero himself, his character, becomes a variable in the formula of this type of novel.

Changes in the hero himself acquire plot significance, and thus the entire plot of the

novel is reinterpreted and reconstructed. Time is introduced into man, enters into his

very image, changing in a fundamental way the significance of all aspects of his

destiny and life. This type of novel can be designated in the most general sense as

the novel of human emergence. (…) Emergence here is the result of the entire totality

of changing life circumstances and events, activity and work. Man's destiny is

created and he himself, his character, is created along with it. (Bakhtin, 1996, p.21)

Esta transformação intelectual pode ser causada, num curto período de tempo, por

um acontecimento específico que, de força positiva ou negativa, dita o crescimento

repentino do jovem, ou causada, num longo período de tempo, por uma série de eventos

que, de forma gradativa e num acumular de experiências, vão formando o protagonista

desde a pequena infância à “dita” maturidade. O Bildungsroman narra o percurso de

alteração de uma personagem, sendo que esta não será a mesma no início e no final da

sua narração. O herói já não é o mesmo, a viagem não se fez para comprovar um dado

adquirido, existe uma não certeza de que seja um herói, não existe certeza de triunfo e

que este seja capaz de alcançar a felicidade, a estabilidade.

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Tendo como grande linha narrativa as alterações psíquicas, a evolução e o

aperfeiçoamento do ser humano, do seu caráter, durante o crescimento, o Romance de

formação põe em ação a crença na possibilidade de transformação pessoal, nas

possibilidades inerentes ao comum dos indivíduos. Ensaiando através de variadas

personagens e variadas situações, este género literário toma como porta-estandarte a

noção de que o homem não nasce e morre o mesmo mas que, através da experiência

voluntária e involuntária, vai adquirindo e perdendo características ao longo do caminho.

Tradicionalmente, ou no Bilgunsroman clássico, esta transformação tem o seu término no

momento em que o indivíduo narrado de forma plena e aparentemente feliz, após uma

desistência dos seus defeitos, consegue inserir-se no meio ambiente circundante,

construindo solidamente uma família e um lar.

É esta inserção levada a bom porto pela personagem principal que normalmente

determina a conclusão da narrativa, o fim do próprio filme ou livro, que surge como a

estrutura “perfeita” que ainda hoje é grandemente utilizada tanto pela literatura como pela

indústria cinematográfica / televisiva e que será questionada, corrompida e recusada por

obras que, apesar de fazerem parte do género literário Bildungsroman (crescimento),

começam a duvidar da possibilidade de aperfeiçoamento individual, de uma maturidade

positiva e principalmente da possibilidade de um encontro perfeito entre indivíduo e a

sociedade, entre o plano interior e o plano exterior.

É a dúvida de que seja possível encontrar uma “concertação entre os interesses de

cada um e os do todo social [que] será o grande dilema da civilização burguesa moderna”,

(Carvalho, 2010, p.49), dilema que será o grande catalisador da evolução histórica do

romance de formação. Esta evolução irá, através da ficção, explorar a tensão entre

importantes conceitos como a felicidade e a liberdade, a família e a vocação, o

compromisso e a rejeição social, a juventude e a maturidade… Os autores que

trabalharam este género irão ensaiar diferentes balanços para palavras que alteraram o seu

valor, a sua definição perante a transformação acelerada da vida e do seu próprio valor

face às revoluções políticas, industriais, ideológicas e sociais que ocorreram desde final

do século XVIII a meados do século XX.

Importa, neste quadro, perceber de que forma através de uma breve análise da

história do Bildungsroman é possível revelar, entender e aprofundar as preocupações

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inerentes ao trabalho artístico anteriormente discutido. Seguindo agora a trajetória do

pensamento ficcional sobre o destino do indivíduo moderno será possível entender de que

forma a abertura à transformação, às novas possibilidades num mundo sem fronteiras e à

expansão infinita do tempo de experimentação (juventude) criaram, progressivamente,

não apenas problemas narrativos, mas destaparam os problemas existenciais que

chegaram com a Modernidade. Como escreve José Vaz de Carvalho:

Para Lukàcs, a autenticidade não problemática, definida como a adequação imediata

e total entre o indivíduo e o mundo, é precisamente o que falta no mundo pós-épico,

e o romance como forma literária nasceu da constatação dessa falha, como estrutura

dialética que procura responder, a partir da própria consciência problemática do

escritor, à carência de sentido unívoco, às contradições na personalidade do herói e

às gradações antinómicas entre a desilusão e a esperança, na ética dos valores cindida

entre a aspiração ao absoluto e as possibilidades reais da vida social, no espaço-

tempo cuja degradação não deixa de proporcionar o campo para acção livre do

protagonista no seu processo de formação. (Carvalho, 2010, p.102)

A mesma problemática é trabalhada no subgénero Künstlerroman ou “romance de

artista” que não só narra o caminho de um jovem artista guiado pela descoberta da sua

vocação poética como a relação complexa entre a arte e a vida e a consequente dificuldade

do artista encontrar um lugar satisfatório na sociedade moderna de que os romances Sinais

de Fogo (1979, póstumo) de Jorge de Sena, Martin Éden (1909) de Jack London e, claro,

o “Retrato do artista quando jovem” (1914) de James Joyce são exemplo. Segundo

Herbert Marcuse em Der deutsche Künsterroman: “O “romance de artista” só se torna

possível quando a unidade da arte e da vida se quebrou, quando o artista já não se realiza

nas formas da vida ambiente e desperta para a consciência particular da sua própria

natureza.” (Marcuse apud Carvalho, 2010, p.105) Mais uma vez o romance tenta erigir

“o sentido da vida” desta vez guiada pela necessidade da produção artística:

A génese do Künstlerroman [encontra-se] neste mal-estar do artista provocado pela

vida circunstante, na qual ele percebe que não pode afirmar a personalidade nem ver

cumpridas as suas aspirações, pelo que, com o sentimento de solidão face ao mundo

envolvente, proclama a sua livre subjetividade. Por outro lado, enquanto homem, o

artista não pode escapar à integração numa realidade social com que tem de se

relacionar em contínua interacção. O Kunstlerroman representa precisamente a

tentativa de resolver esta problemática dissentânea (…). (Carvalho, 2010, P.105)

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Fig. 37 - Stills do filme Frances Ha (2012) realizado por Noah Baumbach

Fig. 38 - Stills do filme Quadrophenia (1979) realizado por Franc Roddam

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2.2. O Bildungsroman clássico: casaram-se e viveram felizes para sempre.

A possibilidade de um texto ficcional se dedicar ao retrato de um jovem comum e

à problematização da sua formação individual, como um herói responsável pelo seu

destino, teve a sua génese nos ideais iluministas do final do século XVIII e a sua

realização na publicação do romance “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister”

(1795-1796) de J. W. von Goethe. O Bildungsroman foi criado como reflexo e como

disseminador das ideias humanistas que estavam então em ascensão, valores de uma

burguesia que queria ter acesso não apenas a uma estabilidade monetária mas também à

educação e à cultura, enaltecendo o homem comum face a uma sociedade ainda

extremamente estratificada e elitista onde o poder, a formação, a cultura e o próprio valor

da vida individual pertenciam apenas à classe aristocrática. O romance é em si mesmo a

forma literária que representa e nasce com a idade moderna, sendo criado pela classe

média e para a classe média, expondo pela primeira vez ficcionalmente a experiência

quotidiana:

A experiência quotidiana deixa de ser depreciada como banal repetição de ninharias

circunstanciais, ganha valor não inferior ao dos magnos feitos míticos ou sucessos

maravilhosos, porque a enriquece com meritório significado e dignidade estética o

dinamismo da personalidade humana. O romance vitaliza-se como género

expressivo de um tempo histórico em que, dilacerada a vivência cultural da épica, a

impessoalidade orgânica cede à emergência do eu individual, que ganha consciência

da própria autonomia. (Carvalho, 2010, p.33)

É a esta crença moderna num destino individual ligado a valores meritórios e não

herdado por nascimento ou traçado por entidades divinas que se deve o aparecimento do

romance (contrariamente ao poema épico), principalmente o romance de formação. O

romance de formação surge como a narrativa que experimenta e põe em ação a nova

crença positivista no potencial e na necessidade de desenvolvimento das faculdades

humanas. Esta crença, que está presente no pensamento de Schiller ou Humboldt10, viu e

incutiu nesta nova forma de expressão um dever pedagógico e ético; esta não devia apenas

servir de objeto de prazer e entretenimento, mas contribuir para a educação sentimental e

10 Shiller expõe o seu pensamento sobre o desenvolvimento humano o seu tratado “A Educação Estética do

Homem” (1795) e Wilhelm Von Humboldt argumenta em “The Theory and Practice of Self-Formation

(Bildung)” (1791-1810) a necessidade do desenvolvimento intelectual para o despertar da originalidade de

cada um, devendo ser este um exercício livre e guiado pelo próprio individuo e não meramente produto de

necessidades utilitárias ou escolares.

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elevação intelectual do leitor através de um mecanismo de identificação e empatia para

com o percurso e identidade da personagem ficcional (Blancjenburg apud Carvalho,

2010, p.33, 34)

O Bildungsroman surge como uma ficção que põe à prova a importância da

instrução escolar e a sua crítica, a autoformação estético-espiritual e a passagem por

experiências vivenciais para o revelar de uma identidade e individualidade num indivíduo

e, assim, proporcionar a sua emancipação na sociedade e, consequentemente, a

emancipação dessa mesma sociedade (Kant apud Carvalho, 2010, p.48).11 Esta projeção

ideal para uma nova juventude propõe pela primeira vez a experiência, o passar por

diversas vivências, como algo positivo e até recomendado para a formação individual. O

tempo da experiência é o tempo da abertura ao mundo, o tempo da consciencialização,

das possibilidades e das impossibilidades, das escolhas, dos erros e das descobertas – o

tempo que associamos hoje ao que é ser Jovem – um tempo personalizado e sem

delimitação certa. Se a palavra experiência foi considerada como algo negativo, sinónimo

de dor e engano, até ao século ao século XVIII, segundo Moretti,

It now refers to an acquisitive tendency. It implies growth, the expansion of self,

and even of a sort of ‘experiment’ performed with one’s self. An experiment, and

this provisional: the episode becomes an experience if the individual manages to give

it a meaning that expands and strengthens his personality… (Moretti, 2000, p.46)

De certa forma é o privilégio de realizar esta viagem de descoberta de si próprio,

a permissão de ter um tempo para deambular e cultivar, para entender a sua personalidade

que caracteriza a modernidade. Esta característica surge, contextualmente, na segunda

metade do século XVIII, devido não apenas à crescente capitalização da burguesia, mas

do seu investimento na educação, com a criação de escolas e universidades, o que

11 “É imperativo do homem reconhecer a lei moral em si disposta e, pela própria vontade consciente, usar

a razão livre para sair da menoridade culpada. Mas, se esse exercício deve ser realizado sem restrições

tutoriais, excepto as que derivam da obediência à orientação dos assuntos que dizem respeito aos interesses

da comunidade, o ser humano não vive isolado, tornando-se «dever do homem para consigo próprio ser um

elemento útil para o mundo, porque isso também faz parte do valor da humanidade na sua própria pessoa,

valor que ele não deve, pois, desdignificar» (Kant, 2005:385). O espirito de liberdade individual alarga-se

então à «liberdade do espírito do povo», pois sobre este age gradualmente a mesma natureza, tornando-o

«pouco a pouco mais apto a actuar segundo a liberdade» (Kant, 2006:17): nesta perspectiva optimista, a

emancipação de cada um permitirá, por extensão, a emancipação global de toda a humanidade.” (Carvalho,

2010, p.48)

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proporcionou o alargamento do tempo de formação e o retardamento de entrada no

mercado de trabalho, expansão que criou assim um novo grupo social: a juventude.

Mas, se existe uma crescente valorização cultural do tempo de formação a partir

do século XVIII, comprovada tanto pela ampliação de narrativas focadas em vivências

transformativas como no aumento de locais de aprendizagem e de teorias educacionais,

subsiste igualmente a demanda social para uma demarcação temporal da formação, um

objetivo a alcançar por esta e a sua subsequente completude. Tradicionalmente uma

formação só pode ser sucedida se chegar ao fim, se a metamorfose der lugar a uma

permanência, se o indivíduo alcançar a maturidade, uma posição de estabilidade: “A

bildung is truly such only if, at a certain point, it can be seen as concluded: only if youth

passes into maturity, and comes there to a stop there. And with it, time stops – narrative

time at least.”(Moretti, 2000, p.26)

E é o sucesso desta passagem, de uma juventude exploratória para uma maturidade

definitiva que caracteriza o Bildungsroman clássico e que lhe dá a sua natureza circular e

a sua conclusão conclusiva. Bakhtin alude à natureza circular do romance de formação

que, repetidamente, segue a típica desistência do protagonista dos seus ideais e fantasias

juvenis para encarnar, no fim, a sobriedade e praticalidade que caracteriza a maturidade:

This path can be complicated in the end by varying degrees of skepticism and

resignation. This kind of novel of emergence typically depicts the world and life as

experience, as a school, through which every person must pass and derive one and

the same result: one becomes more sober, experiencing some degree of resignation.

(Bakhtin, 1996, p.22)

Se por um lado os autores que iniciaram este género literário criaram personagens,

como Wilhelm Meister e Elizabeth Bennett que começam por enfrentar a estabilidade das

relações sociais através da sua modernidade, das suas aspirações juvenis e liberdade

individual, por outro estes autores acabam sempre por consciencializar os seus

protagonistas da inocência e a irrealidade das suas próprias ideias iniciais. Desenhando,

aprofundando e elevando as características individuais da personagem principal, num

contraste com o meio ambiente, o Bildungsroman clássico prepara uma iniciação repleta

de peripécias, uma deambulação temporária que, no entanto, caminha para um único

objetivo, um único fim – a tomada de consciência por parte da personagem da necessidade

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da recessão dessa mesma individualidade elaborada e da sua resignação a uma vivência

comum dentro da sociedade.

A desistência dos ideais que moviam a personagem, segundo o arquétipo do

romance de formação, para ser realizada pelo herói e aceite pelo leitor que o segue

empaticamente, não deve ser imposta por forças exteriores mas sim perspetivada pela

narrativa, como algo positivo, feito de livre e espontânea vontade. O que o Bildungsroman

clássico consegue alcançar, e aqui encontramos a sua característica mais discutida e

socialmente comprometida, é demonstrar que o regresso a casa e a aceitação da ordem

“natural das coisas” da personagem não é um retrocesso ou uma desistência paralisante,

mas a inevitabilidade de um processo de formação bem-sucedido, o encontro com a

felicidade…

Mas de que forma é realizada esta transformação, este compromisso entre o que o

sujeito deseja e o que o contexto solicita? De que forma o indivíduo narrado chega a

desejar o que anteriormente lhe parecia totalmente desconcertante, indesejado? 12

Não desvalorizando a experiência da juventude, o herói, já maduro, encara esta

fase como um momento excitante e único mas necessariamente transitório,

indispensável para o alcance do seu Eu presente, um ser pleno e melhor. É uma

maturidade que é desejada pelo individuo passado um período de tempo porque vê no

excesso da juventude, nos seus atrativos, na sua liberdade e autonomia, um caminho

demasiado arriscado, se excessivamente prolongado, um caminho de indefinição e

precaridade. Como esclarece Franco Moretti, a socialização moderna não é

necessariamente uma consequência de uma condição ontológica como nas sociedades

tradicionais – é um processo:

It encourages a dynamic, youthful, subjective moment – with its superiority to

immediately given authority – only later emphasize its irresolute wandering, its

innate risk of self-destruction. And yet, to induce the individual to renounce with

conviction the path of individuality, his access to it must not be hindered, and its

value in no way lowered. By no means must it be suggested that individuality is an

ephemeral and unappealing detour – quite the contrary: it is a journey that risks being

12 “How can the tendency towards individuality, which is the necessary fruit of a culture of self-

determination, be made to coexist with the opposing tendency to normality, the offspring, equally

inevitable, of the mechanism of socialization?” (Moretti, 2010, p.16)

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too long, too rich in attractions, too stimulating. The individual must grow weary of

individuality: only thus will his renunciation be a reliable one. (Moretti, 2000, p.59)

O que é possível agora sublinhar é que, se por um lado, o Bildungsroman clássico

se inicia irreverentemente como um prenúncio da liberdade moderna, numa exploração

da dinamização da identidade, por outro, acaba por, de certa forma, retroceder e procurar

uma recessão do caminho encetado, através de uma subjugação das vontades do indivíduo

ao corpo social que o rodeia, porque vê na liberdade algo de insuportável - um caminho

sem fim e um caminho solitário.13 Este autor demonstra que os trabalhos iniciais deste

género literário começam por mostrar o indivíduo a sair da sociedade tradicional para

acabar com este a regressar, numa consciencialização da personagem e do próprio leitor

de que a felicidade esteve sempre ali, mesmo ao lado, no âmbito do conhecido e do

familiar.

Esta é afinal a solução narrativa mais utilizada para dar um sentimento de finitude

a uma história encetada – um esquema que tem a sua conclusão estilizada na célebre frase

final “casaram-se e viveram felizes para sempre”. Esse final não deixa de ser, pela sua

demasiada perfeição, reminiscente dos contos-de-fadas, propondo a maturidade da

personagem como algo de fatalmente ideal (irreal) e que, pela sua sintetização – uma frase

– face a todas as páginas dedicadas às peripécias e aprendizagens da juventude – sem

nada para contar14:

The ‘ring’ is complete; life has found its meaning: having reached its goal, time

continues to flow, in a circle, free from jerks and changes. The ring, the circle –

images of the abolition of time: Wilhelm – ‘a happiness which I do not deserve and

that I would exchange for nothing in physically the world’ – hopes for its

disappearance with childish ingenuousness. Perplexing conclusion: that maturity

speaks the language of fairy-tales. (Moretti, 2000, p.19)

Em síntese, o Bildungsroman clássico finda, na sua estrutura perfeita, com a

maturidade, com o oferecer da felicidade e estabilidade em troca do ideal da liberdade e

mobilidade. Recorrendo de novo ao pensamento de Franco Moretti, a conclusão é que o

13 “(…) in short, why not admit that freedom – in the only social formation that chose it as its highest

principle – is first and foremost solitude, and therefore wearisome and painful?” (Moretti, 2000, p.66) 14 Como Tolstoi afirma, antes de dar inicio à narração da história de Anna Karenina, a felicidade ao

contrário da infelicidade, não tem nada a observar “Todas as famílias felizes são parecidas, cada família

infeliz é-o à sua maneira” (Tolstoi, 2014, p.17).

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herói desvanece-se enquanto tal, quando aceita o “conforto da civilização” (2010), a paz

oferecida pela desistência do ideal que movia, exaltava e, finalmente, dava existência ao

protagonista e a toda a narrativa.

Historicamente, pensadores como Goethe, Schiller e Humboldt viram no

Bildungsroman um dispositivo que permitia um experienciar personalizado das ideias que

premiavam o iluminismo do final do século XVIII. O romance sobre o destino individual

ajudou a disseminar as ideias do movimento junto da juventude burguesa que procurava

novos modos de vida e importância social perante as oportunidades que surgiram com o

crescimento do capitalismo global e os progressos científicos e a gradual destruição da

sociedade europeia fechada e intolerante. O que este género literário começou por tentar

foi, sem recorrer a dogmas religiosos, encontrar um sentido para a vida do indivíduo

comum, um sentido imbuído de um espírito positivo, racional e responsável. Ensaiando

um compromisso satisfatório entre os dois planos do indivíduo, entre as vontades

individuais e as demandas da socialização, o romance de formação compõe, na sua ficção,

o ideal burguês. Esse ideal rege-se pela noção de troca e satisfação mútua entre as partes

interessadas, uma troca que neste caso está entre o momento de formação e o

reconhecimento da personalidade/interioridade e a responsabilidade e constância

necessária aos indivíduos para o bom funcionamento cíclico da sociedade. Sintetizando:

o Bildungsroman clássico propõe, na sua forma mais utópica, que a aprendizagem

intelectual e o desenvolvimento da personalidade culminam na consciencialização

natural, por parte da personagem da importância do bem comum, da ordem e da lei e, por

isso, do seu feliz afastamento dos meros prazeres e satisfações individuais. Referenciando

novamente o pensamento positivo de Emanuel Kant: “O espírito de liberdade individual

alarga-se então à «liberdade do espírito do povo», (…) a emancipação de cada um

permitirá, por extensão, a emancipação global de toda a humanidade.” (Kant apud

Carvalho, 2010, p.48)

De forma controversa, o que escritores como Jed Esty (2012) e Moretti (2000)

enunciam é que o romance de formação inicial, notavelmente o inglês15, expõe na sua

sempre conclusão harmónica um receio do futuro, um receio da metrópole, um medo de

15 Romances ingleses como “David Copperfield” (1850) de Charles Dickens ou “Jane Eyre” (1847) de

Charlotte Brontë que contrastam, claramente, no seu final harmónico com romances franceses como “Le

Rouge et Le Noir” (1830) de Stendhal ou “Madame Bovary” (1856) de Gustave Flaubert.

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uma modernidade desmesurada que prometia corromper os papéis sociais estabelecidos.

Este futuro ameaçador foi representado pela revolução francesa e pela revolução

industrial que carregavam em si, no seu desenvolvimento sem fronteiras, efeitos

imprevisíveis, consequências desconhecidas, tanto para economia europeia como para a

própria consciência do lugar do indivíduo num seu, cada vez mais indefinido, estado

nação.

A negação das novas forças globais foi possível apenas durante um curto período de

tempo16. Se por um lado a instabilidade sentida pela juventude representada pelo romance

anglófono foi apaziguada com um voltar da personagem já madura a uma sociedade

secular, voltando as costas aos vícios dos centros urbanos, a industrialização rapidamente

se expandirá:

The French revolution may be ‘disavowed’ – or, more realistically, that the

irreversibility of its effects may be denied. When it became clear that this was not

be, a world which had opened itself to a ceaseless clash of values and an erratic

development with no end in sight could no longer recognize its own feature in the

bright normality of Wilhelm Meister (…). The definitive stabilization of the

individual and of his relationship with the world – ‘maturity as the story’s final stage

– is therefore fully possible only in the pre capitalist world. Only in the world of

‘closed social forms’ (…) only far from the metropolis, as in the conclusive places

of Wilhelm Meister and Pride and Prejudice, can the restless impermanence of youth

be appeased: only there does the ‘journey’ reveal itself to have a clear and

insuperable goal. (Morreti, 2010, p.27)

16 “The attempt was bold and ambitious, but also ephemeral: just ten years later, with Elective Affinities,

Goethe will show that marriage is no happy ending, no lasting conclusion to modern life; while in Faust,

the connection between happiness and the acceptance of limits will be more problematic still.” (Moretti,

2010, p.28)

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2.3. O Bildungsroman tardio: a fragmentação do protagonista.

Apesar de um começo caracterizado por uma visão positiva, claramente idealista,

da relação do indivíduo com a sociedade, a narrativa do Bildungsroman vai-se alterar e

diversificar com o avançar da modernidade. O arquétipo de narrativa do jovem que sai de

casa e vai à procura da sua identidade e de um lugar na sociedade e que, no fim, acaba

sempre por encontrar e conciliar esses dois elementos (casa-se e vive feliz para sempre)

vai-se problematizar, por causa de e causando dúvidas sobre a possibilidade de chegar a

uma verdadeira reconciliação entre o íntimo do sujeito e a comunidade em que está

inserido – entre o idealismo e a resignação, entre as expectativas e as desilusões. De

diferentes modos, Julian Sorel, protagonista de “O vermelho e o negro” de Stendhal ou

Stephen Dedalus, protagonista de “Retrato do artista quando jovem” de James Joyce, são

dois exemplos de protagonistas incompatíveis com as suas realidades. Foram os autores

franceses do século XIX como Stendhal e Flaubert que deram início, de forma mais

veemente, a uma nova fase do romance de formação, retratando de forma impiedosa a

crescente “desproporção entre a subjetividade interior extremamente rica e intensa e o

mundo exterior limitativo e decrépito”. (Carvalho, 2010, p.112)

Decisivamente o que irá marcar o desenvolvimento do Bildungsroman é o seu fim

irresoluto, o seu fim sem significado, sem a felicidade trazida pela maturidade, uma

maturidade que chega apenas para corromper as ideias que dão sentido à personagem

descrita. Encontramos aqui um paradoxo, um Bildungsroman que vê a juventude como

um estado desejável para sempre que não cresce. Como afirmado anteriormente, a

formação, assim como uma história de crescimento, só é reconhecida como tal se for

concluída, se chegar a um ponto final.

O que o romance francês nos vai mostrar é que segundo o princípio de

transformação que Goethe descreveu17 é o dinamismo que tem que prevalecer, sendo que

se o herói se acomodar a uma conclusão, a uma estabilidade fácil, é uma traição aos seus

17 Se considerarmos todas as formas, em particular as orgânicas, descobrimos que não existe nenhuma coisa

subsistente, nenhuma coisa parada, nenhuma coisa acabada, antes que tudo oscila num movimento

incessante. A nossa língua costuma servir-se, e com razão, da palavra «formação» [Bildung] para designar

tanto o que é produzido como o que está em vias de o ser. […] O que está formado transforma-se de novo

imediatamente e nós temos, se quisermos de algum modo chegar à intuição viva da natureza, de nos

mantermos tão móveis e plásticos como o exemplo que ela nos propõe (Goethe apud Carvalho, 2010, p.53)

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ideias, o ideal de liberdade custe o que custar, e um retirar de sentido a tudo o que foi

vivido:

Where the classification principle prevails – where it is emphasized, as in Goethe

and in the English novelists, that youth ‘must come to an end’ – youth is subordinated

to the idea of ‘maturity’: like the story, it has meaning only in so far as it leads to a

stable ‘final’ identity. Where transformation principle prevails and youthful

dynamism is emphasized, as in the French novelists, youth cannot or does not want

to give way to maturity: the young hero senses in fact in such a ‘conclusion’ a sort

of betrayal, which would deprive his youth of its meaning rather than enrich it.

(Moretti, 2000, p.8)

É possível afirmar que, de certa forma, o Bildungsroman se iniciou com a

finalidade de guiar tanto a personagem como o leitor a uma aceitação da realidade natural,

dando significado e importância às aspirações modernas da sua juventude como pontos

de transição necessária para um aceitar não-arbitrário do sistema social. Mas ao contrário

e conforme o espirito do tempo, o romance de formação evoluirá para uma representação

de um eterno conflito entre aspiração e concretização possível, o que surgirá é um

acentuar do absurdo da vida moderna. O absurdo da modernidade é a deposição de grande

parte da sua espiritualidade / interioridade nos ideais humanistas nos ideais de igualdade,

fraternidade e liberdade, ideias que formam a juventude burguesa ao mesmo tempo que

enfatizam a força desumana do capital.

Qual será então o destino destes novos heróis que insistem em não se silenciar?

Sem nunca encontrarem a paz, as personagens vivem e morrem em conflito, sem nunca

conseguirem alcançaram aquilo a que um dia aspiraram. Saindo de casa e perdendo a

ingenuidade da sua infância, personagens como Fabrice del Dongo, protagonista de “A

Cartuxa de Parma”, irão apenas encontrar desilusões em todo o seu percurso, tornando-

se duplos, eternamente divididos entre uma vida privada e uma vida pública. Nunca

encontrando ou construindo uma casa, um lugar onde possam viver como unos, estes

jovens irão transformar-se num fascinante jogo de aparências que os irá levar a agir de

forma inconsistente com o seu interior. Importa referir que se o herói francês reconhece

a inutilidade das suas ações, não desiste dos seus ideais, antes aprende a reprimi-los,

repressão que os torna ainda mais fortes, representando a verdadeira identidade, aquela

que está escondida. A perfeita imagem deste recalcamento é o retrato de Napoleão que

Julien Sorel guarda debaixo da sua cama, lembrança dos seus sonhos heróicos, enquanto

sobe na escala social:

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But with Stendhal’s heroes betrayal only goes halfway; rather than forgetting their

political ideals for good, they conceal them. (…) one’s public identity there lies

another one, hidden and unavowable. (…) Being forced to hide certain values,

therefore, does not mean silencing them: their confinement seems in fact to make

them more vehement. It is the paradox of ‘homo clausus’, this typical product of

modern socialization, whose most intense ‘self-perception’ lies precisely in the

perception of those impulses he is forced to repress: to the point that they ‘appear in

self-perception as what is opposite hidden anxious from all others, and often as the

true self, the core of individuality. (Moretti, 2000, p.85)

A duplicidade e a inconsistência da personagem principal que persiste durante

quase toda a narração tornam a relação tão apreciada pelo Bildungsroman clássico, entre

leitor e herói, mais complexa e imprevisível. Esta é uma relação ambígua porque existe

simultaneamente uma empatia e uma desconfiança por parte do leitor face a um jovem

que esconde o melhor de si, agindo de forma contrária àquilo que tanto parecia desprezar.

18 E poderão estes protagonistas que se mostram infiéis a ambas as suas realidades ser

considerados heróis? Importa sublinhar que esta não definição-identitária que conjuga em

si várias hipóteses, que permite vários pontos de vista, marca a era moderna que originou

nas suas famosas personagens tantas dúvidas como certezas, onde o bem e o mal

coexistem sem um nunca eliminar completamente o outro.

Os autores parecem impor ou tornar inevitável a vivência de trágicos destinos aos

seus heróis, porque prosseguindo muitas vezes num combate infindável entre correntes

morais. Vêm na morte prematura a única paz possível, uma morte que afinal lhes trará a

juventude eterna, preservando o idealismo por já não terem de se render à cruel realidade.

A outra opção é um final indiferente, onde se encontra a personagem madura, numa

maturidade repentina, mas esta é um sinal de entorpecimento, de alienação, onde o

próprio indivíduo desacreditou do mundo e o seu próprio lugar/papel dentro dele.

O romance de formação violou o seu próprio princípio, tornando-se numa ficção

que não relata um crescimento e uma aprendizagem, uma constituição de um sentido de

18 “«Só um pateta – pensava – é que se zanga com os outros. Acaso uma pedra cai por outra razão que não

seja a do seu peso? Nunca mais deixarei de ser criança? Quando é que me habituei a trocar com esta gente

a minha alma por dinheiro? Se quero ser estimado por eles e por mim próprio, tenho de mostrar-lhes que a

minha pobreza está relacionada com a sua riqueza, mas que o coração se encontra a mil léguas da sua

insolência, numa esfera demasiado elevada para que o possam atingir os seus pequeninos gestos de desdém

ou de favor.»” (Stendhal, 2010, p.65)

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si, mas antes a degradação da identidade juvenil pela realidade social, pela sociedade

capitalista, que degrada o seu próprio idealismo, idealismo requerido pela modernidade.

Inevitavelmente é necessário concluir que o género Bildungsroman, após um curto

período de tempo, entra em declínio com o romantismo e segue numa crescente

fragmentação do seu arquétipo inicial até ao modernismo, período literário que, segundo

Franco Moretti (2010), não contem nenhum verdadeiro Romance de Formação. Jed Esty

afirma que:

What we conventionally understand as the transformation of the bildungsroman into

the naturalist fiction of disillusionment (with its logic of fixed social hierarchies,

broken destinies, and compensatory but socially eccentric artistic visions) (…). The

imagined harmony between culture and the state, taken as a way to manage and to

narrate the uneven development of capitalism, came under pressure as a new phase

of empire-building revealed modernization to be unpredictable and unending.

Colonial modernity unsettled the progressive and stabilizing discourse of national

culture by breaking up cherished continuities between a people and its language,

territory, and polity. (Esty, 2012, p.6)

É verdade que se olharmos para as personagens exploradas pela obra

“Unseasonable youth: Modernism, colonialism, and the fiction of development” (2012) é

possível perceber que nenhuma encontra uma maturidade feliz, como a de Jane Eyre ou

Jane Austen. Como observa Jed Esty, a quebra da narrativa linear pela ficção modernista

expõe a impossibilidade destes autores acreditarem na real possibilidade de criarem uma

linha estável de eventos consecutivos que caracterizem e completem a passagem de uma

infância inocente para uma cidadania adulta, segura e feliz. O que estes escritores

representam são formas de adiar a chegada à maturidade, através tanto de uma contínua

dinâmica de transformações ou, sinonimamente, de uma estagnação – nos dois casos estão

perante “uma adolescência eterna”.19

Iniciei este segundo capítulo da dissertação com a evocação de uma analogia entre

o meu trabalho artístico e o Bildungsroman, por isso importa, neste momento, sintetizar

as preocupações que unem estes dois elementos, semelhança que se baseia na consciência

da problemática inerente à crescente extensão do período da adolescência e ao seu

intrínseco idealismo. Tendo explorado a evolução das narrativas sobre a juventude e o

19 “Subject formation is simultaneously more and less free than ever before—beholden at once to a

Proustian logic of deep interiority and a Kafkaesque logic of cold objectivity.” (Esty, 2012, p.29)

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seu destino e tendo procurado apresentar como estas representaram a vida moderna como

algo profundamente contraditório, carregada tanto de oportunidades como de indecisões,

finalizo com o sublinhar do paradoxo que caracteriza a adolescência, paradoxo que foi

claramente exposto pelo romance de formação modernista e que estimula a minha

produção artística. O projeto plástico que serviu de mote à reflexão aqui desenvolvida

intitulou-se “Jeunesse talking blues: a juventude entre a espectativa e a desilusão” e

encontra na citação a seguir apresentada, sobre a ascensão de duas forças opostas e

correlacionárias no processo de bildung pessoal, um claro enunciado: “the selfmade

process gives rise to unexpected hopes, thereby generating an interiority not only fuller

than before, but also – as Hegel clearly saw, even thougt he deplored it – perennially

dissatisfied and restless.” (Moretti, 2010, p.4)

Segundo o psicólogo Erik Erikson a adolescência é um período de espera, um período de

ensaio que apelidou de moratória psicossocial20 onde é frequente o jovem, cedo ou tarde,

entrar em conflito com o seu meio ambiente, com as regras de conduta a si impostas ou

com as ideias dos outros importantes que o rodeiam. Segundo o investigador alemão esta

é uma crise identitária, uma crise que, não obstante, se torna necessária para a perceção

do jovem da sua própria individualidade, das suas qualidades, capacidades e defeitos, uma

perceção que o ajuda a diferenciar-se face aos outros e a construir a sua narrativa de vida,

tanto passada como futura. (Cf. Eriskon,1972)

A formação da individualidade, no entanto, não é completamente autónoma e depende de

narrativas, produtos culturais e modelos ideais que permitem ao jovem criar

identificações com tal ou tal pessoa, grupo ou movimento. Estas figuras, e as narrativas

que as compreendem, são paradoxalmente proporcionadas pela própria cultura, heróis

que habitam o imaginário juvenil e que pertencem à grande narrativa da sociedade

ocidental, mas que se destacaram pelo seu comportamento conflituoso com a ordem

estabelecida – que criaram ruturas com modelos anteriores e violentamente criaram novos

parâmetros no domínio artístico ou político onde se destacaram. Estes ícones são, de certa

forma, apelativos para o adolescente porque as suas preocupações encontram-se “less in

20 “Because successful identity formation requires an active effort to examine types of work, friends,

potential mates, and philosophies of life carefully before choosing among them, young people typically

vacillate for a time in what they like to do and with whom” ( Kimmel; Weiner apud Iversen, 2009, p.128)

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what the young person actually ‘is’, than in what he would or would like to be”. (Erikson

apud Moretti, 2010, p.107)

Esta distância entre a realidade factual e a visão do indivíduo dos seus futuros

ideais torna-se num espaço amplo e demasiado ambivalente, gerador tanto de esperança

e de expectativas como de inúmeras dúvidas, ansiedades e desilusões. Perante esta

extensão dicotómica, o trabalho do jovem consiste em aprender de alguma maneira a

relacionar os seus dois extremos: o presente que é e o futuro que deseja ser. Indicia-se,

desta forma, uma fissura, uma ferida que é inflamada quando o idealismo, a grandeza do

mundo interior ou ambição do sonho do protagonista não correspondem às possibilidades

reais que se lhe apresentam. É uma discrepância tolerada socialmente durante um período

de tempo, como parte de um exercício de reajustamento, mas que, se for prolongada, se

torna motivo de paródia e de desconforto social. O indivíduo sujeita-se ao ridículo perante

o Outro quando vive para um ideal e se torna intransigente perante a realidade, o senso

comum e a tradição. Como foi exemplificado por Stendhal: o protagonista de “O

vermelho e o Negro” para suceder económica e socialmente na sua realidade deve

aprender a reprimir os seus sonhos heróicos - a esconder o seu retrato de Napoleão. Este

recalcamento, proveniente da autoconsciência de uma possível ridicularização por parte

do Outro, provoca o uso de uma linguagem irónica, possibilitando ao autor o uso de duas

perspetivas, duas opiniões contraditórias, distanciando-se de um compromisso para com

uma delas. (Cf, Moretti, 2010).

A ironia é claramente um dos dispositivos linguísticos mais característicos do

discurso contemporâneo, dispositivo que se tornou num dos originadores da presente

cultura virtual e que é grandemente utilizado pelo trabalho plástico aqui analisado. Esta

figura retórica é usada pontualmente como um mecanismo de defesa do próprio projeto,

permitindo a este, ou à personagem por ele criada, duvidar do seu próprio imaginário e

ridicularizar o idealismo que lhe está subjacente. Como uma segunda voz, a voz de um

antagonista, a ironia infiltra-se no organismo instalativo, como a representação da

consciência da pura realidade, para pôr em causa e satirizar o quarto adolescente, um

quarto revestido de heróis ou figuras modelos: “Eu fiz muitos amigos, vários amigos,

Balzac, Duras e outros mas isso não me ajuda nada na escola”; “Eu não vou a lado

nenhum”; “When you’re a star I know that you’ll fix everything”; “a casa com piscina

que eu nunca vou ter”; “Did you leave art to chase after the rock gods?”.

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É possível observar através dos exemplos citados que o “romance de formação”

exposto pelo projeto artístico provoca uma leitura ambivalente, sendo fabricado num

movimento pendular entre sentimentos de dúvida e de desejo de afirmação. Este

movimento oscilante provoca, de certa forma, a produção de um organismo em contínua

transformação, permanentemente insatisfeito, criando deste forma uma narrativa que não

encontra ou não aceita um fim único, uma completude decisiva. Ao contrário da visão

linear do percurso de formação proposta pelo Bildungsroman clássico, a instalação de

imagens e fragmentos líricos apropriados representa um percurso que se expande e se

multiplica nas suas possíveis existências. Esta expansão ou impossibilidade de contenção

acaba por questionar a possibilidade de atingir um entendimento definitivo ou

configuração da identidade da personagem exposta pelo projeto instalativo.

No final do primeiro capítulo foi formulada uma imagem representativa da ideia

que gerou, tanto o trabalho plástico como este texto: “o adolescente ou o jovem que

realiza o seu Bildung através do consumo e produção de material cultural mediatizado”.

O que é possível afirmar neste momento é que, se a contemporaneidade permitiu e criou

novas formas de reconhecimento através da oferta ilimitada de material cultural,

permitindo a crescente subjetivação do mundo por parte de cada individuo, também

propiciou o aparecimento do problema da indecisão, da dificuldade de escolher e

permanecer satisfeito com a escolha formulada:

If in this world to desire has become all too easy, to choose on the contrary, has

become extremely difficult. (…) The limitless offer of ‘cultural contents’ typical of

the capitalist metropolis presents the individual with a paradox: to realize a

determined identity, thereby fatally renouncing, however, the ever new and varied

products of modernity – or to plunge into the great adventure of ‘self-estrangement’,

but at the risk of psychic and spiritual disintegration. (Moretti, 2010, p.174)

O que o estudo do desenvolvimento do romance de formação informou e reafirma

no trabalho plástico aqui analisado foi que este se tornou num dispositivo, num

instrumento que possibilita, através da representação simultânea de múltiplas narrativas

e (auto) retratos, de adiamento, de retardamento da chegada do momento em que o

indivíduo é subjugado à realidade constrangedora: em que é obrigado a escolher, a

reduzir-se a Um, reduzindo ou desistindo das suas existências (im)possíveis, do seu

imaginário. Tornando a caracterização da juventude exposta pela minha prática artística

análoga à do bildungsroman modernista, estudado pela obra de Jed Esty “Unseasonable

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Youth: Modernism, Colonialism, and Fiction of Development” (2012): uma juventude

que não consegue ou não deseja crescer e que dilata indefinitivamente o seu estado de

indefinição, de irresolução. (não é este este o epitáfio da sociedade pós-moderna /

contemporânea?).

Este romance de não escolhas ou de preservação de potencialidades é claramente

exposto na obra “O retrato do artista quanto jovem” (1916) de James Joyce, que narra o

percurso do protagonista Stephen Dedalus desde a sua infância à descoberta ou tomada

de consciência da sua vocação poética. Joyce expõe não apenas uma reflexão sobre a crise

identitária de um jovem irlandês mas, transversalmente, a própria crise identitária que

marca e aflige o seu país, a língua e a cultura irlandesas.

Mas tentando sintetizar e correlacionar este romance com o meu trabalho artístico,

importa expor como este é elaborado, segundo Esty (2012) e Boes (2009), como um

prelúdio – um infinito prelúdio. O crescimento e a definição de Dedalus é composto por

sucessivas rejeições das imagens ou narrativas futuras que lhe são propostas (a

confraternização universitária projetada pelo seu pai, a vocação religiosa proposta pelo

diretor do seu colégio, o nacionalismo heroico proposto pelos seus colegas). A

personagem, marcada por um, cada vez maior, instinto de rebeldia adolescente, liberta-se

sucessivamente de todos os compromissos exteriores para manter-se fiel à sua alta

subjetivação do mundo, aos seus sonhos heróicos influenciados por histórias que

contrastam claramente com a sua realidade quotidiana, com o seu tempo e espaço

presentes. O autor cria, num movimento ondulatório, momentos em que Dedalus se deixa

abandonar por visões grandiosas de potenciais eus, mas que são rapidamente desfeitas

por um assolamento de dúvidas, pensamentos auto depreciativos e pelo seu espírito

cético:

The language of Stephen’s grandiosity is the same language that records for the

reader the danger of formlessness: if Stephen’s horizons are ever-enlarging and ever-

receding, no lines can finally be crossed, no act fully realized. His own experience

stands and remains as an “elfin prelude” to some larger achievement. By this light,

the novel itself comes to seem an elfin prelude (…) in which moments—however

epiphany—keep melting into their own failed immanence, paling before the vast

potentialities that extend out of them, and beyond them. (Esty, 2012, p.159)

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Sem uma resolução, a personagem chega ao fim da narrativa sem uma nenhuma

realização, sem um destino vivido, quando decide partir e seguir a sua vocação poética.21

Mais uma vez a definição é adiada, espalha-se no infinito da promessa desta

viagem onde todos os caminhos são possíveis. Por fim, talvez a única afirmação, a única

configuração que é exteriorizada por Stephen seja a sua vocação poética, seja a sua

autoidentificação como criador, como artista – afinal a única posição que lhe permite a

expressão da sua indecisão, a expressão das suas contradições e a composição simultânea

dos seus vários destinos.

21 A mãe está a pôr em ordem as minhas roupas novas em segunda mão. Agora, só pede a Deus, diz ela,

que eu aprenda, através da minha vida e longe da minha casa e dos meus amigos, o que é o coração e o que

ele sente. Ámen. Assim seja. Sê bem-vinda, ó vida! Vou, pela milionésima vez, ao encontro da realidade

da experiência, para moldar na forja da minha alma a consciência incriada da minha raça. (Joyce, 2003,

p.254)

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Fig. 39 – Cecília Corujo, Eu não vou mais à escola, 2015. Caneta de feltro sobre papel, 29 x

21 cm. Coleção privada da artista.

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Fig. 40 – Cecília Corujo, Eu não vou a lado nenhum, 2015. Caneta de feltro sobre papel, 29 x 21 cm. Coleção privada da artista.

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Fig. 41 – Cecília Corujo, A queda, 2015. Caneta de feltro, óleo e pastel d’óleo sobre papel, dimensões variáveis.

Coleção privada da artista.

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Fig. 42 – Cecília Corujo, Tudo isto aconteceu, mais ou menos., 2015. Detalhe da instalação realizada no espaço expositivo Casa Bernardo nas

Caldas da Rainha. Coleção privada da artista.

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Fig.43 – Cecília Corujo, Estranho Futuro, 2014. Óleo s/papel, 100 x 70 cm. Coleção privada.

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Fig. 44 – Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da instalação realizada no estúdio da Faculdade de

Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Colecção privada da artista

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Fig. 45 – Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da instalação realizada no estúdio da Faculdade de

Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Coleção privada da artista

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Considerações finais

“Parecia-me que cada ser tinha direito a outras vidas”

(Rimbaud apud Zambrano, 1993, p.132)

A presente investigação depara-se neste momento com a necessidade de formular

uma conclusão mas de forma análoga ao problema diagnosticado à narrativa desenvolvida

pelo Bildungsroman, é difícil encontrar um fim plenamente satisfatório para um processo

(prático e teórico) ainda em formação. Tomando esta admissão como ponto de partida,

importa então perceber quais as imagens e ideias que ganharam mais relevância ao longo

deste texto, quais os pontos que, através desta exploração teórica, se tornaram mais

significativos na e para a minha prática artística. Penso ser importante afirmar que a

realização desta dissertação me permitiu pensar e de forma reveladora nomear e apreender

as motivações que jazem no fundo do meu projeto plástico, as dúvidas, afirmações,

objetivos, insatisfações que estiveram na origem da sua criação e que perpetuam a sua

continuação. Por tanto, entendo o presente texto, mais do que um trabalho teórico

definitivo sobre um conjunto de obras concluídas, como um documento que regista o que

foi realizado nos últimos dois anos e que o está potencialmente ainda por realizar. Parece-

me ser um registo que funciona como um dispositivo de iluminação dos caminhos

possíveis a seguir, de quais os objetivos a almejar com minha prática artística - um

documento que, como o jovem indivíduo anteriormente analisado, tenta equacionar o seu

passado e presente para prever o seu futuro.

Iniciei esta exploração teórica com um pequeno relato sobre a minha formação,

sobre a forma como os meios de comunicação participaram na construção da minha

identidade, uma identidade reflexiva que, tal como apontado por Anthony Giddens

(2001), procura estabelecer-se face a uma vastidão de informação, selecionando e

percebendo o que deve apropriar, num diálogo permanente entre o individual e o global,

entre o íntimo e o Outro. Esta exposição pessoal tenta transmitir como o fácil acesso e o

interminável consumo de produtos culturais – narrativas e estéticas criadas por outros –

propulsionaram a formação de um o trabalho claramente transtextual, transtextualidade

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que se tornou, como exercício, num estímulo galvanizante para a contínua produção de

desenhos e pinturas.

Talvez mais revelador e mais condizente com o organismo instalativo aqui

proposto, seja afirmar que o motor criativo que a dissertação começou por tentar

descrever, provém da minha particular admiração por algo ou por alguém – da minha

vivência e identificação como Fã, de um artista ou produto artístico. Apesar da dificuldade

inerente à tradução desta relação de admiração, ou paixão, que claramente peca pelo seu

alto grau de subjetividade e emotividade, penso ser importante enaltecer esta ligação

como uma forma de experienciar o mundo, de criar relações de navegar entre narrativas

e estéticas, possibilitando ao indivíduo conhecer, compreender e emergir-se no outro e,

simultaneamente, conhecer-se a si próprio. Esta contínua viajem cultural é largamente

responsável pela minha prática artística, que se formulou em primeiro lugar como a

expressão do entusiasmo e do desejo de participação, inserção e submersão em conteúdos

simbólicos e da sua ressignificação e criação. Como define Carrie Brownstein esta relação

entre o fã e produto artístico é uma relação simbiótica que surge da abertura, do desejo de

criar uma ligação, de ser participante: “To participate is to grant yourself permission to

immerse, gladly (…) subsume yourself for the sake of larger meaning but also to provide

meaning. (…) This is what it is to be a fan: (…) to feel like art has chosen you, claimed

you as its witness. (2015, pp.4, 5)

A presente investigação possibilitou não só a clarificação da importância que os

conceitos de fã e fandom detêm no meu trabalho plástico, mas também a perceção do

modo como estas noções são representativas de uma forma de viver, de uma forma como

certos indivíduos se relacionam e individualizam através dos seus interesses artísticos

específicos.

Esta formulação identitária que advém da relação subjetiva entre indivíduo e

produto (s) artístico(s), como já foi afirmado, parece ter mais impacto durante o período

da adolescência, período em que o jovem procura avidamente reconhecer-se em

formulações exteriores, uma procura, entre material simbólico, de uma validação para a

sua individualidade, da sua formulação de si. Sendo o reconhecimento um das ideias mais

presentes no meu trabalho, encontramos na obra de Rita Felski “Uses Of Literature”

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(2008) um esclarecer conclusivo do pensamento iniciado sobre esse misterioso e

inesperado momento de identificação:

Under what conditions does literature come to play a mediating role in this drama of

self-formation? Often, it seems, when other forms of acknowledgment are felt to be

lacking, when one feels estranged from or at odds with one’s immediate milieu.

Reflecting on her own passion for fiction, feminist critic Suzanne Juhasz writes: “I

am lonelier in the real world situation . . . when no one seems to understand who I

am – than by myself reading, when I feel that the book recognizes me, and I

recognize myself because of the book.” Reading may offer a solace and relief not to

be found elsewhere, confirming that I am not entirely alone, that there are others who

think or feel like me. Through this experience of affiliation, I feel myself

acknowledged; I am rescued from the fear of invisibility (…). Moments of

recognition, moreover, are not restricted to private or solitary reading; they resonate

with special force when individuals come together to form a collective audience for

a play or a film. Aesthetic experience crystallizes an awareness of forming part of a

broader community. (Felski, 2008, p.33).

E é esta sensação de visibilidade e de pertença a uma larga comunidade, fugindo

a restrições físicas e sociais, que validam profundamente as noções atrás enunciadas de

fã e fandom - ideias que ganham cada vez mais relevância numa cultura virtual, baseada

no espaço de diálogo e partilha, cultura que redefine o crescimento e a vivência na era

contemporânea, no momento presente. Seguindo esta consciencialização, torna-se

importante reafirmar que este texto tentou não apenas compreender o trabalho plástico

aqui analisado mas também formular teoricamente a importância que reveste o encontro

de sentimento de reconhecimento ou identificação, encontro que é, por vezes, fulcral para

o indivíduo, para a conquista, mesmo que entre sentimentos de incerteza e insegurança,

de um sentimento de si – de um mapa de referências que o ajudam a discernir quem é e

quem quer ser,

Here was a narrative that I could place myself inside, that I could share with other

people to help explain how I felt (…). I could turn the volume up on their songs and

that loudness matched all my panic and fear, anger and emotions that seemed up

until that point to be uncontrollable (…). Bikini Kill’s music really gave a form, a

home, a physicality to my teenage turmoil. (…) It’s hard to express how profound it

is to have your experience broadcast back to you for the first time, how shocking it

feels to be acknowledged, as if your own sense of realness had only existed before

as a concept. (Brownstein, 2015, p.55)

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Através deste testemunho e da anterior correlação dos conceitos de identidade

reflexiva, fandom e reconhecimento, é possível sintetizar a grande temática e lógica que

veio a definir a prática artística aqui analisada - prática que representa a tomada de ação

após a experiência acima citada, que representa a tentativa de expressar, a dificuldade de

formular a enigmática e íntima comunhão que, por vezes, surge entre a nossa própria vida

e as obras de arte que amamos.

O trabalho plástico ergue-se como um espaço que (na sua liberdade de ser aquilo

que eu quiser que seja) me possibilita a exteriorização da apropriação realizada enquanto

leitor, ouvinte ou espectador, é a exposição da minha viajem cultural, a concretização

material de um universo interior, de um imaginário que dialoga entre a ficção e a

realidade. O organismo instalativo, analisado ao longo desta dissertação, é um

instrumento que, fugindo à vida quotidiana, permite a criação de um microcosmos

multidimensional, que permite projetar uma ou várias personagens, um ou vários

passados, um ou vários futuros.

Elaborando-se como o “arquétipo” de quarto adolescente, coberto de pósteres de

bandas e letras de canções, a instalação funciona como um puzzle, uma composição de

imagens e frases que produz indícios de quem é o protagonista e do que este quer ser,

qual o caminho que percorreu e o que sonha percorrer. Mas o puzzle ou o enigma está

permanente incompleto, composto por fragmentos e, por isso, por potenciais soluções -

as dúvidas que atormentam a invisível personagem são oferecidas ao visitante, para que

este, com a sua sabedoria, interprete e crie uma previsão, a sua própria solução.

Robert Storr no seu ensaio “You are what you read: words and pictures by

Raymond Pettibon” (Cooper; Storr; Loock, 2001), ao deparar-se com uma odisseia de

personagens e transcrições, pergunta-se qual ou quem será o verdadeiro Pettibon, qual

dos múltiplos (e contraditórios) “eus” representa a genuína voz do artista. Sem encontrar

uma resposta definitiva, Storr acaba por concluir, assim como Temkin22, que o artista é

22 “From a repeating network of borrowings and quotations, a “me” has been created, an artist who has been

given the name Raymond Pettibon. The drawings have written Pettibon into existence and are his life

support. They are self-conscious about their creation, evidenced in many sheets that take as their subject

the condition of being an artist or an author. Some as their questions outright (“And what is drawing for?

And why write well?”), but less overtly, his entire body of work plots out a journey in search of an artist,

and offers a multitude of available selves.” (Temkin, 1998, p.240)

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“aquele que decide quem é” (Cooper; Storr; Loock, 2001), é aquele que viu na sua infinita

produção de desenhos a oportunidade de ser alguém – um alguém que tem a liberdade da

contínua reinvenção, da contínua procura de quem é ou quer ser. Identificando-se também

como leitor, o artista americano procura a sua resposta nas narrativas, frases, ideias,

personagens, que assimila e que retira de romances, jornais ou bandas desenhadas para as

suas obras. Afinal é esta a procura - a contínua e indefinida viagem de ser - que Raymond

Pettibon apresenta ao público, ao leitor dos seus trabalhos que pode conjurar uma resposta

(Será Pettibon um adolescente, um punk, um fã de baseball, um aficionado por

mecanismos de comboios, um potencial suicida ou um cínico? Será o seu trabalho

highbrow ou lowbrow, será banda desenhada, ilustração ou desenho contemporâneo?).

Como afirma Robert Storr esta liberdade de conjurar diversas personalidades e de

trabalhar numa indefinição de género é uma das marcas do universo das artes plásticas

contemporâneo, uma característica que se intensificou com o pós modernismo mas que

pode ser encontrada por exemplo na obra de Duchamp quando este cria o seu pseudónimo

Rrose Sélavy. De forma interessante Storr sugere que artistas como Pettibon, Ilya

Kabakov ou Cindy Sherman podem ser considerados artistas literários mesmo que

utilizando meios visuais para trabalharem:

“Directing, staging and acting diverse parts in his Theather of hypothetical beings,

Kabakov like Sherman is a multimedia conjuror if identities. Both are in a sense

literary artists working with primarily visual means, and both would concur with

Oscar Wilde’s answer to the formal and psychological essentialists of his day: ‘Man

is least himself when he talks in his own person. Give him a mask, and he will tell

you the truth. (Cooper; Storr; Loock, 2001, p.67)

Talvez esta urgência de criar, de atuar e ser múltiplos, tenha a sua origem na

distância apontada por Erik Erikson no seu estudo “A juventude: crise e identidade”

(1972) entre o que o individuo é o que este quer ser ou sonhava ser. Esta abertura torna-

se acutilante com a tomada de consciência por parte do jovem ou adolescente de que a

infância terminou e de que ele é agora responsável pelas suas decisões, decisões que

desenham a singularidade da sua vida adulta – é necessário escolher, eliminar

possibilidades, definir um caminho e, desta forma, iniciar o seu conhecimento daquilo

que nunca será – são as expectativas a minguar face às crescentes desilusões. Segundo

Victor Serge esta é simplesmente a consciência de que o tempo está a passar e que

escrever é uma forma de escapar a essa crescente restrição:

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Com o enriquecimento da personalidade, descobrimos os seus limites, a pobreza e

os grilhões do eu, descobrimos que temos apenas uma vida, uma individualidade

para sempre circunscrita, mas que contém muitos destinos possíveis, e que (…)

convive (…) com outras existências humanas, com a terra, as criaturas, com tudo.

Escrever torna-se então uma buscar de uma polipersonalidade, uma maneira de viver

diversos destinos, de penetrar noutros, de comunicar com eles (…) de escapar dos

ordinários limites do eu (...) (apud Sontag, 2011, pp. 95, 96).

A arte é, então, a forma que o ser humano tem de se agilizar através das forças

repressivas da sociedade e da própria passagem do tempo. É através da criação artística,

das possibilidades que esta dá, que o indivíduo consegue expressar as multiplicidades do

próprio eu, as suas fragmentações, que contrastam com a unidade que é pedida pelo social.

A criação artística é a possibilidade de fixar o simultaneamente diverso de cada ser que é

silenciado pela realidade visível, pela injustiça do momento presente – é a criação de um

espaço e tempo mais humanos e menos biológicos.

O projeto artístico que deu origem a esta dissertação traduz-se na procura de traçar

e de tornar visível o invisível, de tornar material um mundo interior, um universo

imaginário repleto de personagens, imagens e narrativas. É um imaginário que nasce da

minha imersão enquanto espectadora, leitora e ouvinte de produtos artísticos, da minha

posição enquanto fã e da minha procura por um sentimento de identificação e validação

na expressão de outros. A realização matérica é talvez a procura de registar, de

salvaguardar aquilo que não teve ou terá tempo de existir na realidade quotidiana, aquilo

que não teve ou terá espaço para ser expressado socialmente. A prática artística é talvez

a oportunidade de representar – aquilo que eu nunca serei – de o tornar presente, de lhe

dar existência. Por fim é a oportunidade de, livremente, ser.

Fig. 46 – Cecília Corujo e Daniela Viçoso, What I’ll Never Be, 2011. Caneta acrílica e spray acríico sobre fita-cola de papel. Frase

escrita, em 2011, como título da serie de trabalhos exposos no estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

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(102 min.)

RODDAM, Franc – Quadrophenia [Registo Vídeo]. Universal, 1979. 1 disco ótico (DVD)

(117 min.)

TRUFFAUT, François – Os Quatrocentos Golpes [Registo Vídeo]. Mpa, 1959. 1 disco ótico

(DVD)

(94 min.)

BAUMBACH, Noah – Frances Ha [Registo Vídeo]. Vendetta, 2013. 1 disco ótico (DVD)

(86 min.)

APTED, Michael – 7-49 Up [Registo Vídeo]. Network, 1964-2005. 6 discos óticos (DVD)

(716 min.)

VERHEYDE, Sylvie – Stella [Registo Vídeo]. Diaphana, 2009. 1 disco ótico (DVD)

(99 min.)

LOACH, Kenneth – KES [Registo Vídeo]. MGM, 1969. 1 disco ótico (DVD)

Álbuns musicais:

Arctic Monkeys – Whatever People Say I’m Am That’s What I’m Not [Registo áudio]. Domino,

2006. 1 disco ótico (CD)

(40 min)

Fauve – Vieux Frères, Pt.1 [Registo áudio]. Fauve, 2014. 1 disco ótico (CD)

(40 min)

Sleater-Kinney – The Woods [Registo áudio]. Sub Pop, 2005. 1 disco ótico (CD)

(48 min)

The Replacements – Let It Be [Registo áudio]. Twin/Tone, 1984. 1 disco ótico (CD)

(32 min)

The Who – Quadrophenia [Registo áudio]. Polydor, 1973. 2 discos óticos (CD)

(81 min)

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Fonte das imagens

Fig.1 - Imagem, usada como referência para o meu trabalho artístico, que retrata a música de Carrie

Brownstein. Fotografia, de data desconhecida e autoria anónima [citada a 2015-10-19] disponível em

http://fyeahcarriebrownstein.tumblr.com/post/99068185485/velourian-happy-40th-carrie-september-27

Fig.2 - Pormenor de um still do filme Kes (1969) realizado por Ken Loach. Imagem usada como referência

para o meu trabalho artístico. [citada a 2015-10-19] disponível em

http://intheframefilmreviews.blogspot.pt/2012/02/100-movies-no-48-kes.html

Fig. 3 - Capa do album punk Steady Diet of Nothing (1991) do grupo músical Fugazi. Imagem usada como

referência para o meu trabalho artístico. [citada a 2015-10-19] disponível em

http://currentlylistening.tumblr.com/post/2908669821/fugazi-steady-diet-of-nothing-for-being-my

Fig. 4 - Screenshot da página de arquivo do tumblr pessoal Land of a 1000 dances, [citada a 2015-10-19]

disponivel em www.kareninaeoreileao.tumblr.com/archive

Fig.5 - Capa do album Dig Me Out (1997) do grupo músical Sleater-Kinney, design inspirado na capa do

album Kontroversy (1965) do grupo músical The Kinks [citada a 2015-10-19] disponível em

http://www.stereogum.com/1245802/sleater-kinney-albums-from-worst-to-best/franchises/counting-

down/attachment/thewoods/

Fig.6 - Capa do album London Calling (1979) do grupo músical The Clash, design inspirado na capa do

primeiro album de Elvis Presley, Elvis Presley (1956) [citada a 2015-10-19] disponível em

https://silvanoromairone.wordpress.com/page/26/

Fig.7 - Capa do album GOO (1990) do grupo músical Sonic Youth, desenhada pelo artísta visual Raymond

Pettibon [citada a 2015-10-19] disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Goo_(album)

Fig.8 - Uma das capas alternativas do album My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2000) do músico, rapper,

Kanye West, pintada pelo artísta visual George Condo. [citada a 2015-10-19] disponível em

http://beforebigs.com/2010/11/kanye-west-%E2%80%93-see-me-now-f-beyonce-charlie-wilson-big-

sean.html

Fig.9 - Capa do album Wolf (2013) do músico, rapper, Tyler, The Creator, desenhada pelo próprio. [citada

a 2015-10-19] disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Wolf (Tyler,_The_Creator_album)

Fig.10 - Capa do album Humbug (2009) do grupo músical inglês Arctic Monkeys. [citada a 2015-10-19]

disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Humbug

Fig. 11 - Fan dos Sex Pistols no seu quarto, 1979. Foto, de autor desconhecido [citada a 2015-10-19]

disponível em http://www.sexpistolsofficial.com/sex-pistols-memorabilia-girl/

Fig. 12 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Registo do processo de construção da

instalação realizada no estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Arquivo pessoal

da artista

Fig. 13 - Cecília Corujo, I’ll take God when I’m ready, I choose sin till I’ll leave, 2015. Lápis s/ papel, 32

x 15 cm. Arquivo pessoal da artista

Fig. 14 - Cecília Corujo, Conversa de Adolescente, 2015. Esferográfica s/ papel, 21 x 29 cm. Arquivo

pessoal da artista

Fig. 15 - Cecília Corujo, We can drain all the power, 2015. Lápis de cor, carvão, fita-cola e spray acrílico

s/ papel, 42 x 29 cm. Arquivo pessoal da artista

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Fig. 16 – Flyers e fanzines que fizeram parte movimento, punk rock e feminista, Riot Grrrl. Fotografia da

exposição Alien She (2013-2014) que reflectia sobre o impacto social e artistico des movimento, americano

da decada de 90. [citada a 2015-10-19] disponível em

www.jlodomintegralparts.wordpress.com/2015/01/28/progressions/

Fig. 17 – Jason Schmidt, Raymond Pettibon, 2002, Color photograph, 16 x 20 inches, Museum of

Contemporary Arts of Los Angeles. [citada a 2015-10-19] disponível em

https://www.pinterest.com/pin/132856257731964051/

Fig. 18 – Still do Gifset criado a partir de uma entrevista de Johnny Rotten, do grupo musical Sex Pistols.

[citada a 2015-10-19] disponível em http://shitlydonsays.tumblr.com/post/120885740625/concerts-now-a-

days-its-just-abunch-of-gits-on.

Fig. 19 – Tracey Emin, Nothing Touches, 2009. Algodão bordado, 153 x 166 cm [citada a 2015-10-19]

disponível em http://somethingaboutmagazine.com/best-artist-quotes/2015/

Fig. 20 – Carrie Brownstein questionada sobre fandom e sobre o que é ser fã no Los Angeles Times. Stills

capturados de um gifset criado por um fan e publicado no seu Tumblr. [citada a 2015-10-19] disponível em

www./futuristic-caskets.tumblr.com/post/121226836274/carrie-brownstein-on-fandom-and-what-its-like-

to

Fig. 21 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da última instalação realizada

no estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Arquivo pessoal da artista.

Fig. 22 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe de alguns desenhos presentes

na instalação. Arquivo pessoal da artista

Fig. 23 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe de alguns desenhos presentes

na instalação. Arquivo pessoal da artista

Fig. 24 - Rineke Dijkstra, Long Island, New York, July 1, 1993, 1993. Chromogenic print; dimenção n/s,

colecção do artista. [citada a 2015-10-19] disponível em http://wow.sportmax.com/en/?p=2213

Fig. 25 - Elizabeth Peyton, Blue Kurt, 1995. Óleo s/tela, 50,8 x 40,6 cm, Private collection, New York.

[citada a 2015-10-19] disponível em https://www.pinterest.com/jackberkeley/elizabeth-peyton/

Fig. 26 - Larry Clark, Jonathan Velasquez, 2003. Pigment print; 107.95 x 73.98 cm, Luhring Augustine

Gallery, New York. [citada a 2015-10-19] disponível em http://www.simonleegallery.com/shop

Fig. 27 - Muntean & Rosenblum, Untitled, 1999. Acrylic on canvas, 115 x 85 cm. Coleção privada. [citada

a 2015-10-19] disponível em http://www.secession.at/art/2000_muntean_e.html

Fig. 28 - Cecília Corujo, Seven Up, 2014. Pastel d’óleo s/ papel, 29 x 21 cm. Arquivo pessoal da artista

Fig. 29 - Cecília Corujo, Teenage Riot, 2014. Pastel d’óleo s/ papel, 42 x 29 cm. Arquivo pessoal da artista

Fig. 30 - Cecília Corujo, To be someone must be a wonderful thing, 2014. Pastel d’óleo s/ papel, 42 x 29

cm. Arquivo pessoal da artista

Fig. 31 - Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da última instalação realizada

no estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Arquivo pessoal da artista

Fig. 32 - Still do filme Kes (1969) realizado por Ken Loach [citada a 2015-10-19] Arquivo pessoal da artista

Fig. 33 - Still do filme The Graduate (1967) realizado por Mike Nichols [citada a 2015-10-19] disponível

em https://www.pinterest.com/pin/201887995768151856/

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Fig. 34 - Fotografia promocional do filme Quadrophenia (1979) realizado por Franc Roddam. [citada a

2015-10-19] disponível em

https://40.media.tumblr.com/f82a1d0d3c226a5f786f05eca1a313bc/tumblr_mwygpqaFEb1reao5fo1_1280

.jpg

Fig. 35 - Still do filme Les 400 coups (1959) realizado por François Truffaut [citada a 2015-10-19]

disponível em http://www.dvdbeaver.com/film/Reviews/400_blows.htm

Fig. 36 - Stills do primeiro documentário da série de documentários The Up Series / Seven Up! realizada

por Michael Apted. Arquivo pessoal da artista

Fig. 37 - Stills do filme Frances Ha (2012) realizado por Noah Baumbach [citada a 2015-10-19] disponível

em https://www.belelu.com/2014/09/lo-que-frances-ha-me-enseno-en-la-vida/

Fig. 38 - Stills do filme Quadrophenia (1979) realizado por Franc Roddam. Arquivo pessoal da artista

Fig. 39 – Cecília Corujo, Eu não vou mais à escola, 2015. Caneta de feltro sobre papel, 29 x 21 cm. Coleção

privada da artista. Arquivo pessoal da artista

Fig. 40 – Cecília Corujo, Eu não vou a lado nenhum, 2015. Caneta de feltro sobre papel, 29 x 21 cm.

Coleção privada da artista. Arquivo pessoal da artista

Fig. 41 – Cecília Corujo, A queda, 2015. Caneta de feltro, óleo e pastel d’óleo sobre papel, dimensões

variáveis. Coleção privada da artista. Arquivo pessoal da artista

Fig. 42 – Cecília Corujo, Tudo isto aconteceu, mais ou menos., 2015. Detalhe da instalação realizada no

espaço expositivo Casa Bernardo nas Caldas da Rainha. Coleção privada da artista. Arquivo pessoal da

artista

Fig. 43 – Cecília Corujo, Estranho Futuro, 2014. Óleo s/papel, 100 x 70 cm. Coleção privada do artista.

Arquivo pessoal da artista

Fig. 44 – Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da instalação realizada no

estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Colecção privada do artista. Arquivo

pessoal da artista

Fig. 45 – Cecília Corujo, Let’s destroy a room with this love, 2015. Detalhe da instalação realizada no

estúdio da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Coleção privada do artista. Arquivo

pessoal da artista

Fig. 46 – Cecília Corujo e Daniela Viçoso, What I’ll Never Be, 2011. Caneta e spray acrílico sobre fita-

cola de papel. Frase escrita, em 2011, como título da serie de trabalhos expostos no estúdio da Faculdade

de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Arquivo pessoal da artista

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