mulheres, trabalho e polÍticas pÚblicas: relatos … · hierarquizante da sociedade, o projeto...

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X MULHERES, TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS: RELATOS E REFLEXÕES A PARTIR DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Stela Cristina de Godoi 1 Aline Telles Coelho 2 Resumo: Esse escrito parte de observações e dados coletados ao longo da execução de projeto de extensão junto a mulheres assentadas em uma ocupação urbana no município de Campinas-SP. Esse projeto de extensão vem propondo ações socioeducativas sobre o tema dos direitos sociais das mulheres e seu protagonismo no acesso às políticas públicas para a redução da pobreza e desigualdade no Brasil contemporâneo. Partindo do reconhecimento individual e coletivo da problemática do gênero como categoria hierarquizante da sociedade, o projeto busca contribuir para que as mulheres do público-alvo se reconheçam como sujeito de direito, se apropriem das políticas públicas e, neste processo, também se fortaleçam enquanto grupo de mulheres organizadas para a geração de renda através do trabalho associativo. Os dados apresentados visam contribuir para a reflexão acerca dos desafios enfrentados por mulheres populares em condições de moradia irregulares, para a universalização da cidadania e acesso às políticas públicas de combate à pobreza e desigualdade de gênero. Palavras-chave: mulheres; divisão sexual do trabalho; políticas públicas. Introdução A ocupação Joana D’Arc teve início em outubro de 2012, sob a liderança do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD), formado por pessoas de baixa renda e sem acesso ao direito básico da moradia. Atualmente, a comunidade reúne cerca de 350 famílias vivendo em casas improvisadas, em condições extremamente precárias, sob o trecho da antiga linha férrea do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que atravessa o bairro Cidade Jardim, em Campinas/S.P. A partir de agosto de 2015, um grupo de mulheres denominado Espaço das Joanas, em processo de articulação desde o início do Projeto de Extensão intitulado “Minha fé e minha luta: por uma politização das representações religiosas do gênero feminino e da experiência da intolerância religiosa” 3 , busca se organizar para a construção de espaços sociais de convivência e aprendizado, 1 Professora e extensionista da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP Brasil. 2 Estudante de graduação e bolsista de iniciação à extensão da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP, Brasil 3 O projeto de extensão, “Minha fé e minha luta: por uma politização das representações religiosas do gênero feminino e da experiência da intolerância religiosa”, foi concebido e coordenado pela professora Drª Stela Cristina de

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

MULHERES, TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS: RELATOS E REFLEXÕES A

PARTIR DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Stela Cristina de Godoi 1

Aline Telles Coelho 2

Resumo: Esse escrito parte de observações e dados coletados ao longo da execução de projeto de

extensão junto a mulheres assentadas em uma ocupação urbana no município de Campinas-SP. Esse

projeto de extensão vem propondo ações socioeducativas sobre o tema dos direitos sociais das

mulheres e seu protagonismo no acesso às políticas públicas para a redução da pobreza e

desigualdade no Brasil contemporâneo.

Partindo do reconhecimento individual e coletivo da problemática do gênero como categoria

hierarquizante da sociedade, o projeto busca contribuir para que as mulheres do público-alvo se

reconheçam como sujeito de direito, se apropriem das políticas públicas e, neste processo, também

se fortaleçam enquanto grupo de mulheres organizadas para a geração de renda através do trabalho

associativo.

Os dados apresentados visam contribuir para a reflexão acerca dos desafios enfrentados por

mulheres populares em condições de moradia irregulares, para a universalização da cidadania e

acesso às políticas públicas de combate à pobreza e desigualdade de gênero.

Palavras-chave: mulheres; divisão sexual do trabalho; políticas públicas.

Introdução

A ocupação Joana D’Arc teve início em outubro de 2012, sob a liderança do Movimento dos

Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD), formado por pessoas de baixa renda e sem

acesso ao direito básico da moradia. Atualmente, a comunidade reúne cerca de 350 famílias vivendo

em casas improvisadas, em condições extremamente precárias, sob o trecho da antiga linha férrea

do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que atravessa o bairro Cidade Jardim, em Campinas/S.P.

A partir de agosto de 2015, um grupo de mulheres denominado Espaço das Joanas, em

processo de articulação desde o início do Projeto de Extensão intitulado “Minha fé e minha luta: por

uma politização das representações religiosas do gênero feminino e da experiência da intolerância

religiosa” 3, busca se organizar para a construção de espaços sociais de convivência e aprendizado,

1 Professora e extensionista da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de

Campinas, Campinas-SP Brasil. 2 Estudante de graduação e bolsista de iniciação à extensão da Faculdade de Ciências Sociais da

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP, Brasil 3 O projeto de extensão, “Minha fé e minha luta: por uma politização das representações religiosas do gênero feminino e da experiência da intolerância religiosa”, foi concebido e coordenado pela professora Drª Stela Cristina de

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onde podem compartilhar suas dificuldades e criar formas de enfrentá-las. No início de 2016, um

novo Projeto de Extensão, intitulado "A cidadania feminina em ocupações urbanas: mulheres em

ação politizando a cidade" 4, buscou dar sequência ao processo de articulação iniciado no ano

anterior, elaborando respostas às novas demandas derivadas das intervenções realizadas junto ao

público-alvo.

Assim, levando em consideração as experiências obtidas ao longo do desenvolvimento

desses dois projetos de extensão universitária, nesse escrito buscaremos refletir sobre a importância

da construção de espaços dialógicos, de escuta e ação, tanto para a universidade quanto para a

sociedade em seus processos de organização coletiva.

Relatos de uma intervenção: “Círculos de Trabalho” e educação popular feminista

Iniciamos o trabalho com as mulheres da ocupação Joana d’ Arc no início de 2015 com a

proposta de construir com o público-alvo uma reflexão sobre as representações religiosas do gênero

feminino e promover através dessa reflexão uma articulação de experiências que fosse uma prática

de liberdade de mulheres, em comunhão de afetos e interesses. Assim, desde esse primeiro

momento do trabalho, partimos da ideia de Paulo Freire de que “ninguém liberta ninguém ,

ninguém se liberta sozinho, porque homens e mulheres só se libertam em comunhão”.

Inspirada por essa premissa e observando a fragilidade dos vínculos dentro dessa

comunidade feminina, desenvolvemos um trabalho de mobilização e escuta dos interesses e sonhos

das mulheres da ocupação através de rodas de conversa sobre conflitos de gênero e religiosos e

através de rodas de trabalho artesanal utilizando retalhos de tecidos. Com as mãos fuxicando e

costurando, as participantes foram ao mesmo tempo revisitando suas memórias, encontrando outros

sentidos para suas experiências, se apropriando da potência e da beleza de seu trabalho pessoal e

criativo e descobrindo a possibilidade de construir coletivamente com outras mulheres uma rede de

apoio e fraternidade.

Em agosto de 2016 tivemos nosso primeiro resultado prático que foi o nascimento da ideia

de que existia no Joana d´ Arc agora um grupo de mulheres organizadas, coletivo que elas

Godoi, a partir de vínculo institucional com a Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) e com a Pós-Graduação em Ciência da Religião da mesma universidade. 4 O projeto de extensão, "A cidadania feminina em ocupações urbanas: mulheres em ação politizando a cidade, foi concebido e coordenado pela professora Drª Stela Cristina de Godoi, a partir de vínculo institucional com a Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) e com a Pós-Graduação em Educação.

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batizaram como Espaço das Joanas. Além disso, um barracão foi construído por uma das lideranças

em parceria com outros grupos de universitários que atuam na ocupação.

Tínhamos agora um espaço físico e um tempo e espaço social para as mulheres se

organizarem e produzirem. Fechamos o ano com a tecelagem de uma linda bandeira costurada

coletivamente com retalhos de tecidos e fuxicos, além de um material informativo sobre

intolerância religiosa na perspectiva feminista e uma mostra das fotografias do projeto na

Universidade com a participação das mulheres artesãs do Espaço das Joanas.

Em 2016 um novo projeto de extensão foi apresentado e aprovado pela Pró-Reitoria de

Extensão da PUCC que deu continuidade ao nosso diálogo com as mulheres da ocupação Joana d

‘Arc. No início do ano percebemos que o recesso nas atividades do projeto acarretou em alguma

desarticulação do grupo que batizou o Espaço das Joanas, no entanto, notávamos que por toda parte

havia ainda uma fagulha acesa, um rastro das relações afetivas, uma memória das experiências que

elas haviam criado. Fomos nos inserindo novamente na vida da comunidade, apresentando a

proposta de que partíssemos agora para uma reflexão sobre direitos e políticas públicas para as

mulheres.

No primeiro semestre de 2016 tivemos bastante dificuldade para aproximar várias

companheiras do período anterior. Apesar disso, buscando transpor essas barreiras, realizamos

algumas dinâmicas sobre os direitos das mulheres tentando tatear qual a visão delas próprias sobre a

condição feminina. Mas o momento mais importante para a reflexão sobre as ações emancipatórias

junto às mulheres populares ainda estava por vir. Em uma reunião com a comunidade uma

companheira de 2015, afastada há algum tempo, disse: “professora, daqui um mês eu ganho meu

bebê, eu e meu marido estamos desempregados. Não tenho cabeça para participar de nada que tenha

um propósito de geração de renda.”

Essa jovem moça, na potência da geração da vida de seu menino Davi, estava grávida

também de uma ideia, de uma vontade, de uma potência crítica contra o machismo, a qual poderia

ser definida como uma força de perseverar em seu próprio ser. A universidade foi levada aos

preceitos freirianos de que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens e

mulheres se educam entre si mediatizados pelo mundo.” Será sempre o mundo, com suas condições

materiais de existência, que dialeticamente produzirá novas ideias e um novo mundo.

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O que emerge desse processo de virada epistemológica na pesquisa-intervenção junto às

mulheres assentadas na ocupação Joana d’ Arc é que o que importa quando falamos em direitos das

mulheres é o direito vivido, é o processo de apropriação de suas capacidades e forças, é a percepção

de que juntas são mais fortes.

Ou seja, a relação delas com suas paisagens internas e com o mundo exterior que habitam

está dizendo para nós da universidade, em nosso local de escuta, que nossos saberes só cumprem

sua função social se forem capazes de ouvir e dar respostas às “incertezas vivenciais” do corpo e do

espírito, ou seja, que nosso conhecimento só tem poder germinativo se traduzir-se em algum tipo de

trabalho emancipatório que não crie tão somente renda, mas que alimente esperanças, que seja não

só um fazer, mas um fazer pensando e que reconecte o sujeito ao seu tempo histórico e para além

dele.

É pautado por esse princípio que temos desenvolvido, inspirada nos Círculos de Cultura

freirianos, um método de reflexão-ação que intitulamos de “Círculos de Trabalho”, por meio do

qual apoiamos as mulheres na construção de formas de trabalho associativo utilizando retalhos de

tecidos.

Chamamos de “Círculos de Trabalho” as intervenções em que o trabalho coletivo é posto como

o centro motor das engrenagens da emancipação. Através de rodas de trabalho manual, os saberes

das mulheres são ouvidos e problematizados, ao mesmo tempo em que se empreende a tecelagem

de aspirações e projetos de vida. As temáticas teórico-práticas apresentadas pela universidade não

se colocam nessas dinâmicas como um campo fora da realidade, mas como outra leitura de mundo

possível e articulada àquelas leituras gestadas pelo próprio público-alvo.

Síntese de uma pesquisa: divisão sexual do trabalho e acesso às políticas públicas

No segundo semestre de 2016 foi realizada uma pesquisa qualitativa com cerca de 25

mulheres de idade adulta moradoras da ocupação. O questionário desenvolvido visava identificar

questões de diversos âmbitos – idade, quantidade de filhos, ocupação profissional dos membros da

família, início da vida conjugal, acesso às políticas públicas de assistência social, saúde e educação

– como meio de subsidiar as intervenções.

Neste sentido, a pesquisa desenvolvida ao lado das intervenções da extensão universitária

apresentou alguns indicadores sobre como as mulheres populares, dentro de um contexto

habitacional precário, sentem e se apropriam dos projetos e políticas públicas do município.

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Buscaremos demonstrar brevemente os desafios para o enfrentamento da violação de direitos da

mulher e da cidadã em um contexto de desamparo e provisoriedade.

Na tabela abaixo estão sistematizados alguns resultados da pesquisa feita em domicílio:

Nome,

idade/Naturalidade/

local de moradia antes

da ocupação

Escolaridade/profissã

o

Filho

s

Idade da

união

matrimonia

l

Benefícios sociais/

agente difusor do

serviço/ território do

uso

1- Vanda, 34 anos/

Ceará/ Campos

Elíseos-Cps

Nunca

estudou/faxineira e

vendedora autônoma

3

filhos

e 2

netos

Desde os 15

anos

Bolsa Família/ agente

de saúde do Campos

Elíseos/Vila Perseu

2- Cristina, 25

anos/Ribeirão

Preto-SP

4º ano

desempregada

3

filhos

Desde os 12

anos

Bolsa

Família/familiares em

Ribeirão Preto/Vila

Rica

3- Ednalva, 26 anos/

Maranhão/ Padre

Anchieta

5º ano/doméstica-babá

desempregada

2

filhos

Desde os 17

anos

Bolsa

Famíllia/amiga/Vila

Rica

4- Sara/20

anos/Sorocaba-

SP/Vida Nova-

Cps

8º ano/auxiliar de

limpeza

desempregada

1

filho

Desde os 17

anos

Não tem benefício/

usa posto de saúde no

Vida Nova

5- Léia/ 41 anos/

Sorocaba-Sp

5º ano/faxineira 1

filho e

1 neta

Desde os 15

anos

Não tem

benefício/usa posto

de saúde no Vila Rica

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6- Clarice, 17

anos/Bahia

6º ano/sem experiência

profissional

Desde os 16

anos

Nunca utilizou

serviços públicos em

Campinas

7- Ana, 39 anos/Rio

Grande do

Norte/Sorocaba-

SP

3º ano/sem experiência

profissional

3

filhos

Desde os 30

anos

Bolsa Família/nunca

utilizou serviços

públicos em

Campinas

8- Rosa, 30

anos/Bahia/Mont

e Cristo-Cps

4º ano/sem experiência

profissional

2

filhos

Desde os 19

anos

Bolsa

Família/familiares/us

a posto de saúde no

Vila Rica e escola no

Jardim do Lago

(Brandão)

9- Donília, 23

anos/Bahia/Mont

e Cristo-Cps

5º ano/sem experiência

profissional

1 filha Desde os 19

anos

Acabou de se

cadastrar no Bolsa

Família/familiares/us

a posto de saúde no

Vila Rica

10- Jéssica, 23

anos/Valinhos-

SP/ Campos

Elíseos-Cps)

5º ano/sem experiência

profissional

2

filhos

Desde os 12

anos

Não recebe

benefício/usa posto

de saúde do Campos

Elíseos

11- Cristina, 46

anos/Alagoas/Vid

a Nova-Cps

4º ano/sem experiência

profissional

Não

tem

Aos 42 anos Não recebe

benefício/usa posto

de saúde do Vida

Nova

12- Andrieli, 23

anos/Vila

Lafaiete-Cps

8ª série/doméstica,

auxiliar administrativa,

1

filho

Desde os 18

anos

Não recebe/posto boa

esperança

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repositora

13- Maria,45

anos/Paraíba-São

Paulo-Vila

Vitória-

Montemor

6º ano/ auxiliar de

limpeza

desempregada

3

filhos

Sempre

morou

sozinha

Não recebe

benefício/agente

público/usa posto do

Vila Rica e escola do

Cidade Jardim

(Brejão)

14- Elisabete, 30

anos/Bahia

Ensino médio/auxiliar

de cozinha, limpeza e

monitora infantil

desempregada

2

filhos

Desde os 19

anos

Teve o Bolsa Família

desde fevereiro

porque estava com a

renda acima do

permitido/soube pela

TV na Bahia/ Usa

posto do Vila Rica e

escola no Jardim do

Lago (Brandão)

15- Franciele/ Ceará-

Campinas

7º ano/ doméstica 3

filhos

Desde os 18

anos

Em Bolsa

Família/assistente

social/posto Vila Rica

16- Sandra/Jardim

Santo Antônio-

Cps

8º ano/cozinheira e

monitora infantil

4

filhos

Desde os 16

anos

Bolsa Família/ utiliza

o posto do Jardim

Santo Antônio e

escola do Cidade

Jardim (Brejão)

Média de 31 anos

Origem: Bahia,

Maranhão, Paraíba,

Maior parte parou os

estudos no ensino

fundamental com

bastante dificuldade de

Média

de 2

filhos

Metade da

amostra (8)

casou-se

antes da

maioridade e

Menos da metade da

amostra recebe bolsa

família (6).

A totalidade da

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Ceará, Alagoas, Rio

Grande do Norte,

Valinhos, Sorocaba,

Ribeirão Preto,

Campinas

escrita e leitura (5) assim

que

atingiram a

maioridade,

ou seja

apenas a

minoria

casou depois

de adulta

amostra não recebe

nenhum outro

benefício.

Apenas cinco das

entrevistadas

conhecem os serviços

da Vigilância

Socioassistencial,

sendo que dessas

apenas 1 teve

atendimento no

território de

referência do Cidade

Jardim. Todas as 5

afirmaram que os

serviços públicos de

assistência social

estavam mais

presentes nos outros

bairros em que

moraram.

Notou-se, a partir dos dados coletados, que a maioria das entrevistadas não exercia trabalho

remunerado, sendo incumbidas do trabalho da esfera reprodutiva: afazeres domésticos e cuidado

dos filhos. Segundo Biroli (2014), a divisão sexual do trabalho e a entrada das mulheres no mercado

de trabalho também precisa ser discutida do ponto de vista do acesso aos recursos temporais, os

quais são muito reduzidos quando as meninas desde cedo são socializadas para a dedicação

exclusiva aos afazeres domésticos.

Dialogando com as pesquisas sobre a desigualdade de gênero no mundo do trabalho –

produtivo e reprodutivo – consideramos que este fato não ocorre por opção da mulher em

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permanecer em casa, mas que se desenrola dentro das tensões implicadas por uma cultura machista

que reproduz representações de gênero sempre desfavoráveis às mulheres, ao responsabilizá-la

ainda pelos trabalhos reprodutivos e não pagos realizados no espaço doméstico.

Uma segunda parcela das mulheres entrevistadas está inserida no mercado de trabalho

informal, frequentemente de forma precarizada e em sua maioria exercendo atividades de diarista,

manicure, vendedora ambulante, babá, ajudante de cozinha, além das ocupações exercidas em casa,

visto que a mulher é, ainda, a principal responsável pelo trabalho doméstico, tendo, desta maneira,

jornadas de trabalho extensas e invisíveis. Como observamos em Nogueira (2004):

A questão que se mantém é de como compatibilizar o acesso ao trabalho

pelas mulheres, que por certo faz parte do processo de emancipação

feminina, com a eliminação das desigualdades existentes na divisão sexual

do trabalho, já que essa situação de desigualdade entre trabalhadores e

trabalhadoras atende aos interesses do capital. Isso se verifica, por

exemplo, ao constatarmos que a tendência do trabalho em tempo parcial

está reservada mais para a mulher trabalhadora. E isso ocorre porque o

capital, além de reduzir ao limite o salário feminino, ele também necessita

do tempo de trabalho das mulheres na esfera reprodutiva, o que é

imprescindível para o seu processo de valorização, uma vez que seria

impossível para o capital realizar seu ciclo produtivo, sem o trabalho

feminino realizado na esfera reprodutiva.

A precarização global do trabalho feminino, através das jornadas parciais e acúmulo de

funções, podem ser observados ainda em Hirata (1999: 08):

(...) é possível porque há uma legitimação social para o emprego das

mulheres por durações mais curtas de trabalho: é em nome da conciliação

entre a vida familiar e a vida profissional que tais empregos são oferecidos,

e se pressupõe que essa conciliação é de responsabilidade exclusiva do

sexo feminino.

Ao longo do processo, contabilizamos ausências e afastamentos de algumas mulheres e, ao

indagá-las sobre o motivo de tais faltas, percebemos que, na verdade, elas haviam sido proibidas por

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seus maridos, por razão de “ciúmes” ou pelo atraso dos afazeres domésticos devido à dedicação às

oficinas do projeto.

No que diz respeito à permanência de padrões rígidos e desfavoráveis às mulheres na

divisão sexual no trabalho, dentro e fora do espaço doméstico, a pesquisa qualitativa apenas

reforçou as observações etnográficas que já estavam sendo colhidas no próprio processo de

intervenção. Todavia, os resultados reunidos na tabela acima também trouxeram elementos

importantes para a reflexão e promoção de ações sobre o acesso das mulheres de ocupações urbanas

aos direitos e políticas públicas.

Analisando alguns dados obtidos na pesquisa em domicílio e nas intervenções da extensão,

podemos observar que paira sobre a comunidade um sentimento e vivência de desamparo. Tendo

deixado para trás alguns de seus vínculos familiares, vicinais e sociais durante as sucessivas

migrações até chegar na ocupação, elas chegam bastante dependentes da relação com seu cônjuge o

que as torna mais suscetíveis à violência doméstica. Chegam também absolutamente deslocadas no

território geográfico e institucional que dificulta descoberta dos caminhos para acessar direitos e

serviços públicos. Na ocupação mergulham num tempo de espera sem margens, pela casa própria,

pelo trabalho, pela escola, pela creche. Mas chegam também movidas pela esperança de condições

melhores de vida aqui na nossa região.

Das 16 mulheres que se aproximaram das nossas oficinas, apenas cinco delas conhecem os

serviços da assistência social do município, sendo que dessas 5 apenas 1 teve atendimento nos

aparelhos públicos (DAS Sul e Cras Vila Rica) do Cidade Jardim. Todas as cinco afirmaram que os

serviços públicos de assistência social estavam mais presentes nos outros bairros em que moraram

em casas de aluguel. O único benefício social presente dentro da ocupação é o Bolsa Família, ainda

que não chegue a todas.

Esses dados parecem mostrar que a violação dos direitos sociais tem algum tipo de força

centrífuga que empurra o sujeito que está marginalizado de algum direito para um buraco mais

profundo de exclusão à cidadania. Ou seja, não ter casa, implica não ter comprovante de endereço,

não ter comprovante dificulta abrir crediário, matricular-se no EJA, contratar serviços, receber

correspondências. Esse é só um exemplo, mas o mesmo raciocínio poderia ser feito a partir da

exclusão digital, que também gera e alimenta outras cadeias de marginalização.

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Assim, ao que tudo indica, a precariedade de seus vínculos sociais e familiares e a

provisoriedade de suas condições de vida e habitação no município aprofunda sua marginalidade,

tornando-as algum tipo de sujeito social invisível. Neste sentido, parece que o desafio para o

enfrentamento da violação de direitos seja pensar em políticas públicas não como serviços, mas sim

como redes de apoio que tenham ações coordenadas e ativas de aproximação com aqueles que de

algum modo não detém o capital cultural, econômico e social mínimo para encontrar e caminhar

pelas vias institucionais.

Neste sentido, além dos “Círculos de Trabalho”, as intervenções do projeto estão

construindo rotas de acesso das mulheres aos aparelhos públicos ligados à Rede da Mulher de

Campinas, tais como o CEAMO e o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, por meio de

realização de dias de vivências e o estabelecimento de parcerias.

A rede de apoio, da qual a universidade pode participar, não é de oferta de serviços, mas um

processo de construção dialógica do direito vivido, porque deve ser apropriado pelo sujeito. Assim,

essa pesquisa-intervenção vem pensando nos desafios da ciência e da política feminista como um

trabalho de tecelagem de uma rede de fios partidos.

Considerações finais

Durante este último trimestre do projeto foi possível observar que um dos maiores

obstáculos a ser enfrentado é o fortalecimento de vínculos entre as mulheres, uma espécie de

aproximação intersubjetiva que se mostrou urgente para que quaisquer outros objetivos pudessem

ser alcançados.

Neste sentido, buscou-se despertar nas participantes, através das oficinas de reflexão e

trabalhos manuais o interesse, a curiosidade e a percepção sobre suas próprias capacidades. Aos

poucos sua auto-organização vem começando a florescer como uma oportunidade real de

desenvolvimento de um ofício. Pensando nisso o projeto tem buscado apoiar o grupo do Espaço das

Joanas na criação de espaços para exposição e venda de seus produtos, além de, planejar, para o

próximo ano, oficinas, místicas e rituais que possam estreitar laços de solidariedade e sororidade

entre elas.

Assim, a despeito do caráter sempre inconcluso e incerto de um projeto de extensão que visa

contribuir para o empoderamento e autonomia do público-alvo, o projeto, através do sentimento de

que são capazes de transformar algo com suas próprias mãos, vem despertando uma percepção nas

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mulheres de que elas são cidadãs portadoras de direitos e trabalhadoras capazes de reinventar a

própria história.

Referências

BIROLI, Flávia. “Autonomia, dominação e opressão”. In: MIGUEL, Luis F. Feminismo e política:

uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

HIRATA, H. Flexibilidade, Trabalho e Gênero. GEDISST/CNRS, Santiago, 1999, (Mímeo).

MARTINS, José de S. Uma sociologia da vida cotidiana: ensaios na perspectiva de Florestan

Fernandes, de Wright Mills e de Henri Lefebvre. São Paulo: Comtexto, 2014.

NOGUEIRA, Cláudia Mazzei. “A feminização do trabalho no Brasil e suas principais tendências”.

In: NOGUEIRA, Cláudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho. Campinas, SP: Autores

Associados, 2004, Cap. 4, p. 65-84.

Women, labor and public policies: stories and reflections from university extension

Astract: This paper is based on observations and data collected during the execution of an

extension project with women settled in an urban occupation in the city of Campinas-SP. This

extension project has been proposing socio-educational actions on the theme of women's social

rights and their role in the access to public policies for the reduction of poverty and inequality in

contemporary Brazil.

Based on the individual and collective recognition of gender issues as a hierarchical

category of society, the project seeks to contribute to the recognition of women as the subject of the

law, to appropriate public policies and, in this process, to strengthen themselves as a group Of

women organized to generate income through associative work.

The data presented aim to contribute to the reflection about the challenges faced by popular

women in irregular housing conditions, for the universalization of citizenship and access to public

policies to combat poverty and gender inequality.

Keywords: Women; Sexual division of labor; public politics.