relatos de autodeterminação
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Histórias de descoberta, dificuldades e conquistaTRANSCRIPT
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QualifiCAM – Estudo de Avaliação do Programa de Qualificação e Integração Profissional de Mães Adolescentes que tem como principal finalidade avaliar a metodologia de intervenção, na qualificação e inserção profissional das jovens grávidas e mães que se encontram em situação de risco.
Associação Humanidades [email protected] www.humanus.pt Facebook.com/humanusCAM
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A Âmbar chegou a Portugal com 9 anos de idade, veio viver com a mãe para Lisboa. Não gostava de andar na
escola, por isso interrompeu os estudos com 14 anos... Mudaram de casa e foi nessa altura que conheceu o pai
da sua filha:
O Relato da Âmbar
Conheci o pai da minha filha numa festa
(…) depois era aquela coisa, ele tinha
carro, era mais velho, era uma ilusão.
A [filha] foi por acaso, não foi uma coisa
pensada… Quando descobri que estava
grávida, estava inscrita na escola mas não
ia. (…) Quando descobri já tinha 3 meses
(…)Foi um desespero terrível. Fui falar com
o pai da minha filha e ele não queria ter
responsabilidade. Foi um azar e sorte,
porque a minha filha é linda e
maravilhosa!!!
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Quando a [filha] nasceu era tão pequenina que me fazia aflição, nem lhe conseguia pegar. Eu estava tão magoada que quando a minha filha nasceu, eu não queria aquilo, não queria ver, pegar. Estava farta daquela situação...
Custou muito, sem apoio do pai da filha, sem apoio da mãe, sem apoio de ninguém. Eu precisava muito de apoio do pai da minha filha e não tive. Quando eu ia a MAC nas consultas de mães adolescentes e via os pais a acompanharem aquelas mães, saia de lá a chorar... Fogo, não tinha o apoio de ninguém! (...) A minha mãe ficou muito chateada e tentou pôr-me fora de casa.
Pensei, então, vou ser mãe e pai da [filha].
Depois da descoberta, a Âmbar não teve muito apoio dos amigos e familiares. Quando olha para trás
reconhece uma fase muito difícil da sua vida:
Foi nessa altura que recorreu à Associação Humanidades, onde foi apoiada e teve
oportunidade de melhorar a sua vida:
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Receberam-me muito bem num momento em que eu estava mesmo a precisar. Eu tinha só 16 anos. Quando vim para aqui estava desesperada. Cheguei aqui desamparada, sem ninguém. Aqui aceitaram-me muito bem e deram-me muito carinho.
Esperava vir para aqui para conseguir ter uma vida melhor que eu tinha, para a minha filha ter orgulho em mim e conseguir atingir os meus objetivos, acabar o curso e começar a trabalhar.
Foi tanta coisa que aprendi. Eu como gostava de cozinha, fui estagiar numa cozinha de um restaurante de um hotel. Eu gostei muito. A [filha] ficou aqui [na creche HumanusCAM] e eu vinha todos os dias. Na altura tinha formação e estágio e depois no final do dia falava com as técnicas sobre o que estava mal e arranjávamos formas de resolver, como a legalização no país. Por sorte, comecei logo a trabalhar, onde estagiei.
Aqui comecei a compreender melhor como as
coisas funcionam, estudei e concluí o 9º ano (no
curso de novas oportunidades) e comecei a
trabalhar.
Sozinha não conseguia tão depressa!!!
O que mais gostei: as colegas, o convívio com as outras mães, falar sobre os
problemas. Todas as sextas organizávamos tudo e falávamos acercao está certo e do que está errado. Senti que estávamos em casa. As conversas que tínhamos com as
residentes, o convívio, as conversas com os técnicos sobre as coisas boas e as más. Era
como uma família.
Estive aqui durante um ano (...) Encontrávamo-nos todas e era uma festa. E
até hoje mantenho contacto com algumas colegas. Após sair da AH continuei a voltar
cá durante cerca de um ano...
A AH fez parte da minha adolescência.
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Aprendi a ser mulher.
...FIM
A história da Âmbar é hoje uma história feliz, construída com a sua filha:
Agora estou mesmo como eu quero, vivo
sozinha com a minha filha, com o meu marido
e com a filha dele. Trabalho na [pastelaria] e
tenho as minhas responsabilidades. (...) Agora
estou a tirar a carta, então como saio às duas
do trabalho, ainda vou a duas horas de aulas
na escola de condução, e vou para casa.
No geral, sinto que consegui organizar a minha
vida. Comecei a ter mais paciência a falar com
a minha mãe, a ser mais compreensiva, a ouvir
e acho que me aproximei mais dela. Ela viu
que comecei a mudar, a ter mais
responsabilidade... Aprendi a ser responsável,
madura, ouvir os outros, mais humilde, mais
compreensiva. Cada um aqui [na Associação
Humanidades] tem o seu problema e é
preciso compreender isso.
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O Relato da Ametista
A Ametista viveu com a mãe até esta ir para o estrangeiro ter
com o seu pai. Ficou a avó e um irmão, com quem tinha um
relacionamento muito complicado por ele ser toxicodependente…
A convivência com os familiares piorou quando descobriu que
estava grávida:
Quando descobri que estava grávida foi
péssimo, horrível. Estava de 5 ou 6
semanas…
Contei ao pai da [filha]e ele ficou com o pé
atrás. A minha avó, não sei como, deu conta
e entrou em pânico! Os meus familiares
reagiram pessimamente. Ameaçaram
expulsar-me de casa, disseram “ou tiras ou
eu faço isto e aquilo”…
Fui deixando acontecer. Acho que só tive
noção e tomei mesmo decisão nos 3 meses,
na primeira ecografia. O pai da [filha]
acompanhou-me na gravidez, apesar de não
estarmos juntos… Só nos juntámos quando a
[filha] nasceu e ficámos a morar na casa da
minha avó, depois do meu irmão sair.
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No início tive muitas dificuldades em encontrar trabalho, porque também não tinha muita experiência …
Tinha muitos medos do que podia acontecer, medo do parto e de tudo!
Mas acabou por ser gradual e adaptei-me muito bem.
Passar a ser a mãe da [filha] não foi assim tão doloroso como eu pensava e não perdi a minha liberdade.
[QUANDO A AMETISTA DECIDE TER A FILHA
TEVE MUITOS MEDOS E DIFICULDADES:]
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Foi importante para mim, porque precisava de luzes e orientações, porque muitas vezes não sabia o que precisava e as ajudas
oferecidas sabiam direcionar melhor e encaminhar. Não era o que esperava, pensava que era mais técnico e afinal, há relação,
valorização e ligação afetiva.
O que gostei mais: da transparência nos objetivos, nas regras, na forma como nos tratam sem discriminação e muita
responsabilização da nossa parte. Já estive noutras formações com adultos em que nos tratam como crianças e aqui não, fomos
tratados com respeito e valorização.
Acho que foi o primeiro passo, o trampolim. O que aprendíamos aqui não era assim tão diferente do que dávamos na escola, como o
inglês e o português, mas naquela altura foi o certo, porque precisávamos de ganhar competências a esses níveis para nos sentirmos
mais aptas. Foi fácil assumir o papel de mãe, apesar de ser muito peso e responsabilidade. Foi muito bom.
A Ametista teve o apoio da Associação Humanidades para superar os seus
obstáculos:
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...FIM
Aprendi muita coisa. Principalmente, a autonomia. (…) Aprendi a gerir
outras coisas, a estar em grupo, a respeitar opiniões.
Hoje em dia tenho carta de condução e conduzo… Na [sítio onde
trabalha] acho que posso progredir na carreira…
No futuro a Ametista sonha poder continuar a melhorar a sua vida:
As mudanças que
aconteceram com a chegada
da filha da Ametista
trouxeram-lhe novas
conquistas e aprendizagens:
● ● ●
Os meus sonhos, os principais, são manter o que já tenho: um
trabalho estável, continuar a estudar, cuidar da minha filha e da
minha avó – tudo controlado, tudo calmo – progredir na
carreira… No futuro espero ter mais bases para estar no terreno
[com a licenciatura que está a tirar]. Gosto de dar formação!
● ● ●
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A Jade tinha uma convivência complicada
com a mãe e o padrastro… Decidiu sair de
casa e veio viver com a irmã, mas quando
engravidou do filho começaram a ter
problemas e muitos conflltos…
A Jade olha para essa fase como uma etapa
complicada, com exigências mas que foram
sendo ultrapassadas pouco a pouco:
O Relato da Jade
A minha irmã reagiu da pior maneira
possível: “Vê lá… Agora vou ter que
sustentar mais uma pessoa?! (…)”
Depois expulsou-me de casa… Pensei
que era o pior que podia acontecer na
minha vida…
Para sustentar esta criança tenho de
trabalhar 8 horas… Tivemos alguns
períodos mais complicados. Apesar
disso, nunca faltou o essencial!
Acho que fui mãe muito cedo, mas
consegui adaptar-me às exigências da
maternidade… Continuei a viver a
minha vida na mesma, gerindo-a de
uma forma diferente. Nunca perdi a
minha juventude – como dizem – para
cuidar do[ filho]. Tinha o sentido da
responsabilidade, quando ele está
comigo não há saídas, não há nada…
Mas quando ele não estava comigo eu
ia à minha vida!
Não tinha experiência nenhuma [em
cuidar de bebés], mas com o dia a dia
fui conseguindo dar a volta e tive muita
ajuda aqui [residência HumanusCAM].
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Estava de 8 meses… Foi uma entrada de urgência… Era um
mundo novo! Não tinha onde ficar na altura, estava
sozinha… Por um lado foi estranho porque não era
um espaço meu… Mas fiquei aliviada porque já
tinha onde ficar!
Foi importante. Na altura era muito reservada e também
muito explosiva. E nas conversas com as técnicas
senti que ia mudando a convivência, as atitudes,
abordagens… Aprendi a dar valor… Às pessoas, à
paciência, a ter mais paciência, a respirar fundo… a
Conviver, muito! Aprendi que existem várias
pessoas diferentes, com feitios diferentes e que a
certa altura vais ter de lidar com essas pessoas e
aprender a gerir as situações… Tanto que eu já giro
melhor, viver com a minha irmã…! Acabei por
aceitar…
Primeiro preciso de organizar melhor a minha vida,
comprar um carro – tirei a carta há 2 anos – e
depois poupar para ter a minha casa… Sonho ter
um carro, casa própria, um bom trabalho – com
contrato, numa área eu goste – e o bem-estar do
meu filho. Consigo isso com trabalho, com
dedicação, não desistindo!
...FIM
● ● ●
Para a Jade viver na residência
Humanus CAM foi uma
oportunidade para crescer e mudar
de atitude:
O futuro para a Jade é sinónimo de
ambição e empenho:
● ● ●
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Agradecimentos
CIES – IUL (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) Imagem da página inicial – Maternidade - Ilse Ana Imagens nos textos – elaboradas pelas crianças da Creche Humanus CAM