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Anais do III Seminário Nacional e I Seminário Internacional Movimentos Sociais Participação e Democracia 11 a 13 de agosto de 2010, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais _ NPMS 1580 Do Movimento Social à Participação Popular no Direito à Moradia para a população das Favelas: Desafio e oportunidades da trajetória brasileira - Exemplo da cidade de Piracicaba, Estado de São Paulo, Brasil Sheila Holz Universidade de Coimbra, bolsista da Fundação para a Ciência e a Tecnologia FCT/Portugal [email protected] Tatiana Villela de Andrade Monteiro Universidade de Aveiro/ Portugal [email protected] Resumo: A conquista do direito à moradia no Brasil teve como base a luta dos movimentos sociais contra uma herança histórica de descaso, ausência ou ineficiência das políticas públicas para as questões sociais, que resultaram, dentre outras coisas, no problema urbano das Favelas. Estas áreas são foco de exclusão e degradação ambiental, que, sucessivamente às mudanças internacionais, o país implementou diretrizes para enfrentar. Dentre as diretrizes destaca-se a gestão democrática das cidades que dá prioridade à participação popular como eixo de garantia dos bens que a cidade pode oferecer para todos. Nesse processo de transformação, que vai dos movimentos sociais à participação popular, juridicamente o país avançou a passos largos, porém, social e politicamente, a implementação dos direitos e conquistas mantiveram-se como um desafio por vir. No estudo de caso que aqui se realiza, em Piracicaba, SP (de caráter bibliográfico, documental e com entrevistas informais), percebe-se que as conquistas do movimento social local, expressa nas mudanças atuais realizadas com base nos avanços jurídicos, não se traduziram em conquistas sociais e políticas. Nesta vertente, o trabalho visa refletir sobre a trajetória dos movimentos sociais até a institucionalização da democracia participativa para tornar a participação popular efetiva. Palavras chaves: Movimento social, favela, direito à moradia, participação popular. INTRODUÇÃO O crescimento desordenado das cidades brasileiras fez surgir às favelas, que embora não sendo um fenômeno recente, tem seu primeiro registro histórico de surgimento em 1887, na cidade do Rio de Janeiro (Valladares, 2005), porém, a dimensão e complexidade do problema agravaram-se, principalmente após 70. Tendo-se em conta que os problemas habitacionais estavam presentes em diversos países, as questões relacionadas à cidade começaram a receber a atenção de atores de todos os tipos: intelectuais, políticos, sociedade civil, ambientalistas e outros. Organizações internacionais realizaram conferências sobre meio ambiente e assentamentos humanos, com a intervenção da ONU,

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Anais do III Seminário Nacional e I Seminário Internacional

Movimentos Sociais Participação e Democracia

11 a 13 de agosto de 2010, UFSC, Florianópolis, Brasil

Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais _ NPMS

1580

Do Movimento Social à Participação Popular no Direito à Moradia para a população das

Favelas: Desafio e oportunidades da trajetória brasileira - Exemplo da cidade de Piracicaba,

Estado de São Paulo, Brasil

Sheila Holz

Universidade de Coimbra, bolsista da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT/Portugal –

[email protected]

Tatiana Villela de Andrade Monteiro

Universidade de Aveiro/ Portugal – [email protected]

Resumo:

A conquista do direito à moradia no Brasil teve como base a luta dos movimentos sociais contra uma

herança histórica de descaso, ausência ou ineficiência das políticas públicas para as questões sociais,

que resultaram, dentre outras coisas, no problema urbano das Favelas. Estas áreas são foco de

exclusão e degradação ambiental, que, sucessivamente às mudanças internacionais, o país

implementou diretrizes para enfrentar. Dentre as diretrizes destaca-se a gestão democrática das

cidades que dá prioridade à participação popular como eixo de garantia dos bens que a cidade pode

oferecer para todos. Nesse processo de transformação, que vai dos movimentos sociais à participação

popular, juridicamente o país avançou a passos largos, porém, social e politicamente, a

implementação dos direitos e conquistas mantiveram-se como um desafio por vir. No estudo de caso

que aqui se realiza, em Piracicaba, SP (de caráter bibliográfico, documental e com entrevistas

informais), percebe-se que as conquistas do movimento social local, expressa nas mudanças atuais

realizadas com base nos avanços jurídicos, não se traduziram em conquistas sociais e políticas. Nesta

vertente, o trabalho visa refletir sobre a trajetória dos movimentos sociais até a institucionalização da

democracia participativa para tornar a participação popular efetiva.

Palavras chaves: Movimento social, favela, direito à moradia, participação popular.

INTRODUÇÃO

O crescimento desordenado das cidades brasileiras fez surgir às favelas, que embora não

sendo um fenômeno recente, tem seu primeiro registro histórico de surgimento em 1887, na cidade

do Rio de Janeiro (Valladares, 2005), porém, a dimensão e complexidade do problema agravaram-se,

principalmente após 70.

Tendo-se em conta que os problemas habitacionais estavam presentes em diversos países, as

questões relacionadas à cidade começaram a receber a atenção de atores de todos os tipos:

intelectuais, políticos, sociedade civil, ambientalistas e outros. Organizações internacionais

realizaram conferências sobre meio ambiente e assentamentos humanos, com a intervenção da ONU,

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e discutiram questões relativas ao desenvolvimento econômico, o meio ambiente, o desenvolvimento

social e os direitos humanos (Monteiro, 2009).

O Brasil, signatário dos tratados e das declarações internacionais, realizou mudanças

significativas nos padrões jurídicos, políticos e sociais de enfrentamento dos problemas relacionados

às cidades e à moradia. Os avanços, contudo, não ocorreram sem a presença, perseverança e

iniciativa dos Movimentos Sociais, tanto em âmbito nacional quanto local. Principalmente a partir de

50, como signatário da Declaração de Direitos Humanos, iniciou-se no país o movimento pelos

direitos sociais, e dentre eles, o direito à moradia. Na então capital, Rio de Janeiro, e onde se

concentrava a maior parte das favelas, os Movimentos Sociais por moradia reivindicavam,

sobretudo, a permanência da população da favela na área ocupada.

No ano de 2001 foi aprovada a Lei de Desenvolvimento Urbano, “batizada” de Estatuto da

Cidade (EC). Essa lei regulamentou o capítulo constitucional da Política Urbana e instrumentalizou

os municípios para a garantia do pleno desenvolvimento das funções sociais e ambientais da cidade e

da propriedade.

O município, enquanto ente mais próximo e com maior conhecimento dos problemas

existentes em seu território, foi o responsável por assegurar, entre outros, o uso adequado do solo, a

moradia digna, a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, a provisão de equipamentos

públicos e infra-estrutura para todos os cidadãos (Funes, 2005). Às administrações públicas

municipais couberam a elaboração de leis (Lei Orgânica Municipal, Plano Diretor e outros), a

criação de fundos de habitação e de desenvolvimento urbano, assim como a obtenção de recursos e a

promoção da participação popular.

O presente trabalho visa analisar o percurso dos movimentos sociais e a garantia do direito à

moradia e apontar as diferenças que se verificam após a institucionalização da democracia

participativa, tendo como caso de estudo o município de Piracicaba, São Paulo. Para o estudo foi

utilizada a pesquisa documental e participativa, entrevistas, (realizada na fase de pesquisa da

Dissertação de Mestrado “Contributo a Reabilitação Sócio Territorial de Favelas” do ano de 2009),

que efetuadas no ano de 2007, com os atores do poder público local (secretários, arquitetos,

engenheiros, assistentes sociais, educadores), buscaram obter informações acerca do

desenvolvimento urbano e das atividades de urbanização e regularização fundiária. No presente

trabalho foram analisadas as respostas e declarações dos responsáveis, direta ou indiretamente

envolvida com a gestão democrática urbana, e feita reflexões sobre as possibilidades para que a

participação popular legitimada seja efetiva.

De acordo com Saule Junior (2007) para que as cidades sejam mais justas, humanas,

saudáveis e democráticas, é preciso incorporar os direitos humanos no campo da governança das

cidades, para que as formas de gestão e as políticas públicas tenham como resultado de impacto a

eliminação das desigualdades sociais, das práticas de discriminação em todas as formas da

segregação de indivíduos, grupos sociais e comunidades, em razão do tipo de moradia e da

localização dos assentamentos em que vivem (Monteiro, 2009). A Gestão Democrática, ou seja, a

Participação Popular efetiva, portanto, torna-se o instrumento principal da gestão urbana para a

concretização desses direitos, no qual apenas o direito de posse ou propriedade e a urbanização das

favelas, ou seja, intervenções jurídicas e físicas, não garantem a integridade dessa população nos

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benefícios, sociais e políticos, que a cidade pode oferecer. É este processo que será aqui analisado,

no caso de estudo da cidade de Piracicaba, SP.

1. MOVIMENTOS SOCIAIS E O DIREITO À MORADIA NO BRASIL

O crescimento urbano brasileiro não foi programado e a industrialização foi um processo

repentino que atraiu milhares de pessoas às áreas urbanas. Esta forma de urbanização, combinada

com a legislação excludente adota pelos municípios e com as políticas públicas de habitação

realizadas pelo Governo, em especial no final do século XX, ocasionaram o surgimento de grandes

áreas ilegais e irregulares.

No início da década de 60, no governo de João Goulart (1961-1964), houve um estímulo às

políticas estatais que visavam à transformação estrutural da sociedade brasileira, chamadas de

“reforma de base”. O contexto histórico era de grande mobilização da sociedade civil que fomentou

debates, em temas como agricultura, saúde, educação, cultura, etc., pelas reformas sociais. Embora

apenas 50% da população fossem urbanas, as maiores cidades já apresentavam problemas

habitacionais, como as favelas e zonas periféricas (Maricato, 2003).

Já sob o governo militar, e com um retrocesso em termos democráticos, no ano de 1964

criou-se o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que objetivava a dinamização da política de

captação de recursos para financiar habitações através do Banco Nacional de Habitação (BNH).

Estima-se que naquela época havia uma carência de 8 milhões de moradias adequadas (as casas em

favelas eram contadas no déficit). Porém, este sistema não foi eficaz, embora até sua extinção, mais

de 30 anos depois, tenha financiado cerca de 6 milhões de moradias (SANTOS, 1999). O

crescimento do país continuou na década de 70, com o auge do “milagre econômico”, que, contudo,

gerou a concentração da riqueza produzida nas mãos de poucos e a reforma urbana ocorrida fez com

que a classe trabalhadora fosse cada vez mais empurrada para fora da cidade, obrigando-a a se

instalar na zona periférica.

A instauração do regime militar, que durou até 1985, gerou uma crise dos canais político-

institucionais de representação, fazendo com que o canal político da eleição não pudesse mais ser

usado. Também neste período, de supressão das liberdades, os movimentos sociais são

desencorajados e enfraquecidos, por determinações dos Atos Institucionais, em especial o AI5. A

repressão do governo militar gerou medo e terror, o que dificultou a articulação de grupos na luta

popular, como partidos, sindicatos e associações, tendo, porém, estimulado o laço primário de

solidariedade entre a população e, por consequência, fortalecer os núcleos populares (Brant, 1981,

apud Almada, 2007).

Os movimentos sociais começaram a articular-se novamente em meados da década de 70 e

ganhou força, com os movimentos contra a carestia, pela regularização de loteamentos clandestinos,

movimentos de moradores de favelas por infra-estrutura básica e regularização fundiária e também

com o Movimento pela Reforma Urbana, que surgiu de iniciativas de setores da Igreja Católica,

como a CPT – Comissão Pastoral da Terra (Maricato, 2003).

Para Maricato (2003), alguns setores da Igreja Católica, em especial os da Teologia da

Libertação, tiveram um papel fundamental para reestruturar os movimentos sociais neste período,

pois funcionaram como novo espaço coletivo de reunião e reivindicação. Em 1975 a Conferência

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Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulga um documento onde critica a especulação imobiliária

e reivindica a função social da propriedade, que foi chamado de “Uso do Solo e Ação Pastoral”.

A mais valia deste período é que, com o fim da ditadura, os movimentos populares tiveram

maior participação na formulação dos programas governamentais para a reforma urbana. A maior

conquista do movimento urbano certamente é a inserção, na Constituição Federal de 1988 (CF/88),

do capítulo que trata da política urbana. Porém, o direito à moradia só é expresso no corpo da

Constituição através de emenda, em 2000, que alterou o conteúdo do art. 6º, que trata dos direitos

sociais. Para a regulamentação deste capítulo, na década de 90 começa a tramitar o Projeto de Lei

5.788, que levou mais de dez anos a ser aprovado, tendo como resultado o Estatuto da Cidade,

instituído pela Lei 10.257/2001. Esta lei instrumentaliza os Municípios para a garantia do pleno

desenvolvimento das funções sociais e ambientais da cidade e da propriedade. Pode-se dizer que:

“(…) poucas leis na história do Brasil foram construídas com tanto esforço coletivo

e legitimidade social. A aprovação do Estatuto da Cidade é uma conquista dos

movimentos populares, que se mobilizaram por mais de uma década na luta por sua

aprovação. Esta luta foi conduzida a partir da ativa participação de entidades civis

e de movimentos sociais em defesa do direito à cidade e à habitação e de lutas

cotidianas por melhores serviços públicos e oportunidades de uma vida digna.

(Estatuto da Cidade, 2001:9)

Com a aprovação do EC, o direito à moradia passa a ser mais “palpável” para os moradores

das favelas, através do reconhecimento da política de regularização fundiária e urbanização de áreas

ocupadas pela população de baixa renda e pela previsão de novos instrumentos legais, urbanísticos e

jurídicos de regularização fundiária. No inciso II do art. 2º, que trata das diretrizes gerais, a lei prevê

a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos

vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,

programas e projetos de desenvolvimento urbano”.

Porém, após a aprovação da CF/88, que enfatiza a participação popular, foi necessário que os

movimentos sociais passassem a adotar outras estratégias de luta. Para Gohn (1997: 234) “muitos

movimentos que tiveram muito vigor nos anos 70 e 80, quando clamavam por direitos, passaram a

encontrar dificuldades para manter a mobilização após terem conquistado alguns daqueles direitos

em lei (…).”

2. A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA

Até 2002 poucos programas federais estavam direta ou indiretamente relacionados com a

questão do desenvolvimento urbano e não existia uma política nacional que os articulasse, nem que

expressasse os objetivos constitucionais. Devido ao histórico sociopolítico do país, mesmo após a

CF/88, as propostas para o problema das favelas ocorreram, com frequência, sem nenhum

compromisso com a ordem constitucional, política ou jurídica em vigor.

Assim, no ano de 2003 o Governo Federal criou o Ministério das Cidades e formulou a

Política Nacional de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável. A política orienta os programas

específicos em todas as esferas governamentais e prevê que no contexto da reforma urbana

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pretendida, os programas devem abranger um trabalho jurídico, físico, urbanístico e social, conjunto

e integrado, e deve ser conduzido em parceria entre o Poder Público e a população beneficiária. Entre

os mecanismos institucionais de participação previstos estão os orçamentos participativos, as

audiências públicas, os conselhos municipais ou estaduais e as associações de moradores.

O Ministério da Cidade torna-se um fator inovador na política urbana, pois integra os setores

da habitação, do saneamento básico, do transporte e da mobilidade e tem como base o uso e a

ocupação do solo. Visa estimular os municípios e os cidadãos a construírem novas práticas de

planejamento do território municipal através da gestão democrática, por meio de uma ação direta

traduzida em programas, ações e transferência de recursos financeiros e, uma ação indireta, de

disseminação de uma nova cultura urbana, democrática, inclusiva, redistributiva, sustentável,

traduzida em ações de sensibilização, mobilização e divulgação (Rolnik, 2002).

No ano de 2006 foi aprovada a Lei nº 11.124 que dispôs sobre o Sistema Nacional de

Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

(FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Os pressupostos das ações previstas pelo SNHIS

incluem o respeito à autonomia municipal, a construção de parcerias locais e a participação cidadã na

concepção, execução e fiscalização das atividades desenvolvidas.

Para o UN-Habitat, a participação popular e sua mobilização social, enquanto parte de um

projeto social direcionado à população da área de favelas, é de suma importância devido à

necessidade de criar laços de cooperação, vizinhança, valores e responsabilidade quanto aos seus

direitos e deveres como cidadão. A confiança recíproca firmemente estabelecida entre vizinhos e

membros da comunidade é por si só, uma proteção eficaz contra a violência, o crime, a mobilidade

habitacional e a degradação física. O empoderamento da população acontece quando, postos em

prática mecanismos de informação e capacitação, ela percebe que, através da mobilização, da

possibilidade de decisão de suas necessidades, direitos e deveres, pode transformar em realidade seu

potencial para buscar a garantia dos direitos humanos. O processo de autoconfiança, novas

habilidades, conhecimento e compreensão do mundo, podem surgir com a aplicação de políticas de

educação, saúde, lazer e segurança.

3. CASO DE ESTUDO – PIRACICABA/SÃO PAULO

3.1. CARACTERÍSTICA POLÍTICO E SÓCIO TERRITORIAIS: AS FAVELAS

Piracicaba, cidade de porte médio do Estado de São Paulo, é reconhecida como um dos

centros agro-industriais do país, marcada por altos graus de desigualdade social e territorial. A cidade

convive com bairros formados pela pobreza, precariedade territorial, social e ambiental e concentra

grande demanda por melhores condições habitacionais, empregos, serviços e equipamentos básicos

de educação e saúde. Possui, em torno de 401 áreas de favelas formadas por, aproximadamente, 4 mil

1 Todos os entrevistados admitiram a existência de aproximadamente 40 áreas de favela na cidade de Piracicaba, mesmo

após alguns processos de urbanização e regularização fundiária. De acordo com o Engenheiro da EMDHAP (2007) essas

áreas ainda são consideradas favelas “pois não tem nenhuma regularizada totalmente. Mesmo o Algodoal (a primeira

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famílias. As favelas do Município, desde seu desenvolvimento até as iniciativas de regularização

fundiária e urbanização, tiveram como fatores determinantes o crescimento econômico, a

urbanização e a desigualdade social, associados à política de desenvolvimento urbano, a participação

do movimento social na cobrança de seus direitos e a política habitacional adotada pela Empresa

Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba – EMDHAP a partir da década de 90

(Monteiro, 2009).

Formada por cerca de 370 mil habitantes, tem um crescimento anual de 2,04%, e uma

economia historicamente vinculada à produção agrícola e industrial (IPPLAP, 2008). A economia é

muito influenciada pela cana-de-açúcar e seus derivados, possuindo como uma de suas

características a sazonalidade da produção. A instalação das usinas gerou o despejo dos pequenos

agricultores rurais e os transformou em trabalhadores assalariados, bóias-frias ou pessoas sem

emprego, direcionados ao trabalho informal (Funes, 2005). Devido à industrialização na agricultura,

a partir da década de 40, o êxodo rural na cidade começou a acontecer.

Na década de 50 a cidade cresceu cinco vezes o seu tamanho e chegou a atingir regiões

distantes da ocupação original quando da formação do Município. Na década de 70, devido à

intensificação do processo de industrialização, junto à conjuntura econômica da época, cresceu, além

do êxodo rural, a migração de pessoas de outras localidades. O rápido crescimento urbano gerou

reflexos imediatos e negativos nas condições de vida da população, principalmente com relação à

moradia. Nas décadas de 70 e 80 predominou a formação das favelas e o adensamento dessas áreas

aconteceu, de forma mais intensa, em finais dos anos de 80 e início de 90.

O histórico do desenvolvimento urbano da cidade associa-se ao contexto do desenvolvimento

urbano brasileiro. O período que se iniciou no final dos anos de 60 até os últimos anos de 70 foi

conhecido como a “década dos planos”. Nesse momento histórico foi adotada pelo Governo Federal

a política desenvolvimentista, em que o planejamento urbano apresentava-se fundamental para que

as cidades alcançassem o progresso de forma ordenada. O primeiro Plano Diretor de Piracicaba é de

1975 e, de acordo com o Diretor do IPPLAP (2007), antigamente a filosofia era diferente, pois eram

feitos de cima para baixo. A cidade deveria ser da maneira ideal, as cidades estavam erradas e

precisam ser corrigidas. Um dos Planos Diretores de Piracicaba propunha uma cidade nova do lado

da velha, ou seja, começar tudo de novo. A existência das favelas, contraditórias ao modelo da

cidade moderna, levou a administração pública, na década de 80, a dar início à política de remoção

das áreas em parceria com a política nacional e estadual da época, e a receber o apoio de programas

habitacionais elaborados pelo BNH.

A iniciativa local de remover as favelas fez surgir o movimento social da população moradora

dessas áreas para cobrar do poder público à urbanização e regularização da posse das áreas ocupadas,

formando-se assim a Associação dos Favelados de Piracicaba (ASFAP). Os programas de remoção

foram assim enfraquecidos, contudo, algumas ações foram realizadas e as famílias realojadas em

loteamentos periféricos e precários. Os programas foram realizados sem a participação da população

iniciativa de regularização do município), que teve um avanço, está cheio de problemas ainda, tem processos de

desmembramento, tem áreas erradas, tem gente que não está pagando, [está] vendendo, então ainda não é considerado

um bairro”.

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moradora das favelas, que “eram visitados pelas assistentes sociais, que apenas informavam, que

dentro de determinado período as famílias deveriam mudar-se” (Siqueira 1993:32).

A partir da década de 80, devido à luta da ASFAP e, posteriormente, com a CF/88, o

planejamento urbano e as demais políticas públicas municipais, principalmente a habitacional,

adquiriram outros rumos. O poder público deu início à regularização de favelas e ações de

urbanização dessas áreas no final dos anos de 80 e início dos anos de 90. Apesar da autonomia

municipal e dos avanços legais quanto aos direitos sociais, praticamente não ocorreu nenhuma ação

de intervenção concreta na possibilidade da garantia da moradia e melhores condições de vida.

A implantação da Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba

(EMDHAP) na década de 90, responsável pela elaboração e implementação da política habitacional

municipal e, consequentemente, pela viabilização dos programas de intervenção nas favelas, deu

início a legitimidade e obrigatoriedade da execução da política. Inicialmente, de acordo com a

postura internacional, atuou na remoção das áreas de preservação permanente e de risco, transferindo

as famílias para loteamentos, nos quais eram responsáveis pela construção da moradia. Os

loteamentos e conjuntos habitacionais produzidos pela administração, contudo, além de localizados

na periferia da cidade, e, normalmente nas áreas consideradas de risco ambiental, por vezes foram

entregues às famílias sem um mínimo de vias de circulação, escoamento de águas pluviais e outros.

Com relação às favelas localizadas em áreas seguras, públicas ou particulares, a EMDHAP

manteve a população no local e tentou regularizá-las, do ponto de vista urbanístico e jurídico,

contudo, “não obteve muito sucesso na conclusão dos processos, principalmente devido às

legislações restritivas da época, à falta de estrutura administrativa e técnica da empresa, à ausência

de coordenação, à complexidade dos processos de regularização fundiária e ao longo tempo para

sua conclusão” (Funes, 2005:130).

O Plano Diretor do período, revisado e atualizado com preceitos democráticos da nova

Constituição, previa indicações de estudos, metas e prazos que, contudo, não foram cumpridos. Com

relação à infra-estrutura básica para as áreas destinadas a habitação de interesse social, encontrava-se

na Lei Orgânica Municipal de 90, a função social da cidade e da propriedade e no Plano Diretor, a

previsão do planejamento e da execução, de forma programada, das obras de infra-estrutura e

equipamentos urbanos.

O não cumprimento da lei, de prazos e das metas não é uma atitude do passado na

administração pública da cidade. A pressão do movimento para a regularização das áreas públicas, de

bem comuns do povo, gerou controvérsias de que a terra era de todos, e que tinham que ser

desafetadas, sendo um dos projetos de lei elaborado pela ASFAP arquivado. Para Siqueira (1993:61)

“tal parecer foi eminentemente político, uma vez que haviam argumentos em nível da Constituição

Federal que poderiam dar uma interpretação favorável ao projeto, como ocorreu em vários outros

municípios do Estado de São Paulo, na época.” Essa briga durou até 2001 quando o Estatuto da

Cidade determinou a regularização das favelas em áreas públicas.

O Estatuto da Cidade, de acordo com o Diretor do Instituto de Pesquisa e Planejamento de

Piracicaba - IPPLAP (2007) “faz com que todos os Planos Diretores do Brasil inteiro sejam

parecidos, pois devem segui-lo, os mesmos instrumentos, etc. Baseado no Estatuto da Cidade, o

Plano tem que encarar a cidade como um desafio, ela existe, tem que enfrentar esse desafio como aí

está”. O Engenheiro da EMDHAP (2007) argumenta que “o Estatuto da Cidade é muito importante,

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mas cada Município tem que fazer o seu Plano, mas de 2001 para cá ainda não aconteceu muita

coisa, pelo menos no nosso município”. Apenas em 2003 iniciou-se a revisão do antigo Plano

Diretor da cidade para adequá-lo ao EC, e sua revisão foi aprovada em 2006.

O desafio de revisar e aprovar o Plano Diretor estiveram a cargo do IPPLAP, criado em 2003.

Seu diretor declara que “na verdade depois de comparar com outros Planos Diretores das cidades

da região, ou de outras regiões do país, vemos que o nosso Plano Diretor é um dos melhores, apesar

de cheio de pequenos erros e da necessidade de algumas correções que devem ser feitas ainda”

(2007). Para o Engenheiro da EMDHAP (2007) o Plano Diretor é, praticamente, um Plano de

Habitação, pois metade do plano trata das áreas irregulares e alertou para o fato da EMDHAP ter que

elaborar o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS). O PMHIS deve seguir as

diretrizes do governo federal, que está a realizar a maior liberação de verba da história do país para a

área de habitação e saneamento básico, que nunca houve tanto recurso.

A primeira plenária para apresentação da proposta metodológica do PMHIS pela EMDHAP

ocorreu em Agosto de 2009. De acordo com informações fornecidas pelo site da empresa,

compareceram cerca de 200 pessoas entre líderes comunitários, vereadores, representantes de

associações, Poder Público e entidades de classes. O número de pessoas presentes na plenária

representa menos de 1% da população adulta do município. Com relação ao último cadastro das

famílias sem moradia inscritas na empresa, menos de 1,7% compareceram. E, com relação à

população moradora nas favelas, aproximadamente 5%. Após a primeira plenária, foram realizadas,

ainda, mais duas, de levantamento técnico do setor habitacional e de estratégias de ação, e dois

encontros com moradores de duas áreas de favela do Município. No mês de Junho de 2010 foi

concluído o PMHIS, depois de decorrido, aproximadamente, dois anos do primeiro prazo. Sobre as

últimas plenárias não foram divulgados os números dos participantes, além de não estarem

publicadas no site as propostas discutidas nas três fases, nem mesmo o Plano completo.

De acordo com os funcionários da EMDHAP que foram entrevistados para a pesquisa, não há

um comprometimento com a transparência das informações no que compete ao levantamento técnico

do setor habitacional, determinantes para a efetividade das estratégias de ação. De acordo com o

Assistente Social da EMDHAP (2007) existe um cadastro das famílias que não possuem moradia,

porém, este não é certo, pois muitas famílias fazem mais de um cadastro com nomes diferentes.

Além disso, os levantamentos sociais não são precisos. O mesmo é relatado pelo Engenheiro da

EMDHAP (2007) que afirma o fato de os dados não serem confiáveis, principalmente pela

desarticulação dos órgãos públicos, questões institucionais, políticas e administrativas e, também,

que os mesmos não são divulgados.

O Assistente Social da EMDHAP (2007) informa que desde 2006 o Ministério da Cidade

exige, quando destina verbas para intervenção urbana, que se faça um cadastro único2 das famílias, e

mesmo que não haja os dados, estes devem ser consultados na Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social (SEMDES). Contudo, de acordo com o Secretário da SEMDES (2007) os

2 É um cadastro completo do Governo Federal para unificação dos benefícios, que é utilizado tanto pela Bolsa Família,

pela habitação, como outros. Assim, qualquer benefício que uma família receber do Governo Federal será através deste

cadastro, sendo identificados quais e quantos benefícios cada família recebe.

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dados estão a ser organizados, com base nos dados para o Bolsa Família (cadastro único), e destaca

que, ainda, falta informação e intersetorialidade entre as diversas secretarias do município.

Pelas entrevistas, nota-se que os funcionários de diversas áreas da EMDHAP e de outras

secretarias municipais demonstram que a falta de articulação entre os setores internos do município

dificulta o trabalho de cadastramento e acompanhamento das famílias que precisam de habitação.

Também destacam que a falta de profissionais e a prevalência dos interesses políticos são

desvantagem para o trabalho.

O Conselho da Cidade no município tomou posse no mês de Abril de 2010, composto por 32

membros, sendo 16 do Governo Municipal e 16 da sociedade civil. De acordo com publicação

divulgada pelo IPPLAP, entre os titulares do governo municipal, todos são secretários das

Secretarias Municipais e Diretores das autarquias, ou seja, representantes do governo ligados

politicamente ao atual prefeito e convidados a assumir cargos de confiança. Entre os representantes

da sociedade civil, 3 são empresariado, 3 do movimento social, 3 outros (de Organizações Não

Governamentais, Entidades Técnicas ou Profissionais e Instituições de Ensino ou Pesquisa) e 6 do

planejamento urbano. Nota-se que no caso das Associações de Moradores, não há nenhum membro

da ASFAP, e dos representantes das instituições de ensino, não está presente a Universidade

Metodista de Piracicaba (UNIMEP), que historicamente apoiou o movimento.

Nos dados da SEMDES, o atual crescimento populacional desordenado da área urbana

aumentou. O número total de moradores em favelas, que em 2001 era de 14.856, subiu para 16.581,

em 2005 (Santos, 2007). A continuidade do aumento do número de pessoas em favelas pode ocorrer

devido a diversos fatores: taxa de natalidade, continuidade da migração e do êxodo rural,

empobrecimento da população, impossibilidade de acesso formal ao mercado de moradia. O

principal fator constatado foi o aumento da pobreza aliada ao déficit habitacional no Município, de

cerca de 12 mil famílias, e a migração.

O Secretário da SEMDES (2007) afirma que a principal população que busca a Secretaria é a

residente nas favelas e nos conjuntos habitacionais populares, formados por famílias das áreas de

remoção. Destaca que estas famílias têm, além do problema habitacional, problemas de falta de

rendimento, sendo extremamente vulneráveis, pois não têm acesso à saúde, creche e educação.

Ressalta que as mulheres são bastante participativas, o principal membro familiar na busca de

soluções. E relaciona a problemática da gestão das políticas sociais, entre elas a habitacional e seus

reflexos, no comportamento social, tais como o fenômeno da comercialização da habitação social

sem intermédio do poder público, violência contra os bens comum do povo, familiar e pessoal.

Apesar das mudanças ocorridas com o desenvolvimento social no país a partir de 2006, como

relatado pelo Secretário da SEMDES (2007) “hoje a Secretaria tem que exercitar o Sistema Único

da Assistência Social (SUAS). Na verdade, é o órgão executor da política pública na área da

Assistência Social com projetos para criança e adolescente, projeto de desenvolvimento de

habilidades de preparação para o trabalho, atendimento propriamente dito da família, atividades

sócio educativas, ações de integração de recursos e também, atendimento de ponta,

individualizado”. Nota-se que o trabalho não é integrado com as outras políticas municipais,

principalmente a habitacional. Essa se apresenta apenas como uma demanda e não como um meio de

promoção da inclusão social.

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3.2. MOVIMENTO SOCIAL E O DIREITO À MORADIA

As primeiras iniciativas de intervenção nas favelas pelo Município na década de 80, com os

programas de remoção, geraram a formação do Movimento Social denominado Associação dos

Favelados de Piracicaba (ASFAP). A ASFAP surgiu com o objetivo de lutar pela urbanização e

garantia da posse da terra ocupada, assim como por ações no sentido de melhorar as condições de

vida dos moradores. Entre os objetivos principais destacavam-se: ficar na terra ocupada, obter a terra

de forma gratuita, urbanizar a terra e construir moradias. Para a melhoria das condições de vida, a

ASFAP apontou a necessidade de propiciar a melhoria da habitação, da saúde, da alimentação, da

educação e do trabalho. Reivindicou e destacou a importância da implantação de programas de

geração de renda e de educação profissionalizante para a obtenção de alimentos e melhoria da

moradia (Siqueira, 1993).

As primeiras formas de resistência à remoção ocorreram por parte das mulheres, que tinham

necessidade e desejavam permanecer no local, devido a proximidade dos equipamentos

comunitários, que atendiam os filhos e proporcionavam laços de vizinhança e identidade cultural.

Inicialmente os próprios moradores das favelas tiveram resistência em apoiar as idéias e iniciativas

de um grupo de mulheres, porém, a remoção de duas áreas levou a ampliação da participação no

movimento. O preconceito social, contudo, marcou desde o início o processo de organização do

movimento, também pela sociedade (Siqueira, 1993). No ano de 1982 a ASFAP foi legalizada, com

o apoio da Igreja Católica, e foram formuladas normas e seu estatuto (Funes, 2005).

Nos anos seguintes à sua formação e com o apoio da Universidade Metodista de Piracicaba

(UNIMEP), a Associação organizou dois Congressos com temas direcionados à urbanização, posse

da terra e participação popular e realizou diversos atos públicos, passeatas e assembléias, com forte

repercussão na imprensa local. Nesse período, os moradores das favelas iniciaram de forma

autônoma a urbanização das áreas, com a medição de lotes, mudança de barracos, abertura de ruas e

vielas e ligação de redes de esgoto e água clandestinas. O movimento levantou uma questão

importante, pois através da urbanização e da construção das casas, tornou irreversível a garantia do

direito de posse (Siqueira, 1993).

As possíveis soluções apontadas pela ASFAP para as favelas foram apropriadas pelo governo

local, de forma ineficiente e parcial, com o objetivo de harmonizar a pressão popular. A

administração pública, para não agudizar os conflitos, foi orientada pelo governo estadual a dar

início às obras de urbanização das favelas, e atuou, prioritariamente, no fornecimento de água e

eletricidade. No período, a relação de confronto entre a Associação e o governo municipal, começou

a tomar um novo rumo. O governo municipal formou uma comissão paritária entre a Associação e a

Prefeitura, a fim de discutir e encaminhar as questões relativas às favelas. Porém, mesmo com a

criação da comissão, o poder público continuou a tratar as questões de forma autoritária e sem

diálogo (Siqueira, 1993:49).

Nos anos seguintes, contudo, as propostas governamentais insistiam na transferência das

famílias para áreas distantes e com infra-estrutura mínima. Contudo, frente à Associação e as

diversas instituições, políticas, religiosas, acadêmicas, locais, nacionais e internacionais que a

apoiavam, acabou por não atingir seus objetivos e ficou enfraquecido. Manteve-se, contudo, ineficaz

na intervenção urbana e social nas favelas.

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As mudanças na postura nacional e internacional com relação ao direito à moradia e a

valorização da autoconstrução das casas existentes nas favelas levaram a ASFAP a ser apoiada, no

ano de 1985, por uma agência holandesa que financia projetos. Em função do projeto foi inaugurada

uma fábrica de blocos de cimento e a construção das moradias em substituição dos barracos

(Siqueira, 1993). A Associação contou, cada vez mais, com o apoio de novas instituições e de grupos

defensores dos Direitos Humanos que apoiaram os movimentos sociais nacionais que culminaram na

elaboração da CF/88.

No momento de transição da política nacional, o governo local e o movimento social foram

envolvidos em uma campanha difamatória que envolveu a administração pública e a ASFAP na

ocupação de áreas verdes da cidade. A Associação perdeu credibilidade perante a sociedade civil e a

luta pelo direito de posse ou propriedade da terra ficou fragilizada. A difamação da Associação, além

de desmoralizá-la, construiu uma imagem da população moradora das favelas como sendo

“transgressores das leis, perturbadores da ordem e inimigos da cidade acusando-os de invasores

das áreas verdes, que são propriedade do Município” (Reboredo [1992] apud Siqueira, 1993:48).

Apesar da perda da credibilidade do movimento, a ameaça de remoção e desalojamento das famílias

tornou-se irrisória e a urbanização passou a ser a maior preocupação da Associação como uma das

maneiras de pressionar a consolidação da posse futura. Porém, as reivindicações permaneceram sem

grandes resultados.

Com base nos direitos constitucionais, a ASFAP, em 1991, realizou seu terceiro Congresso

com o tema “Pelo Direito à Vida – Uso Real da Terra, Urbanização, Saúde, Educação”, que se

baseou na recente Lei Orgânica do Município, responsável por reger os princípios estabelecidos na

Constituição. A Associação buscava, assim, retornar a questão do direito à moradia e a terra e a

credibilidade do movimento perante a sociedade civil. Porém, embora tenha feito uma rica discussão

acerca do assunto, a imprensa não fez cobertura do debate, que também não contou com a

participação dos atores políticos (Siqueira, 1993).

A Associação, contudo, foi um importante órgão de mobilização dos moradores da favela e

de luta para a garantia do direito à moradia. Através dela, foram alcançadas importantes conquistas.

Nas favelas, onde a população moradora esteve organizada, as zonas estão melhor estruturadas. O

grau de urbanização, no ano de 1995, encontrava-se tão notório que a maior reivindicação da

população era o asfalto, seguido da creche, do esgoto e do posto de saúde. Nesse período,

aproximadamente 50% das favelas tinham iluminação pública, rede elétrica e rede de água. As

favelas ainda tinham problemas com falta de asfalto, áreas de lazer e escolas (Romero, 1995).

Praticamente todas as favelas possuem 90% das residências em alvenaria; as ruas e vielas, em sua

maioria, estão definidas; os lotes praticamente demarcados por cercas e muros e tem divisas de

tamanho razoável (Funes, 2005).

3.3. URBANIZAÇÃO E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE FAVELAS E A

PARTICIPAÇÃO POPULAR

A urbanização e regularização fundiária das favelas do Município ocorreram após o advento

da CF/88 e a revisão do primeiro Plano Diretor, no ano de 1995. As atividades desenvolvidas

corresponderam à desapropriação de áreas particulares e desafetação de todas as áreas públicas de

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bem comum do povo e preservação permanente fora de risco. Ocorreram algumas intervenções

pontuais nos núcleos, levantamentos planialtimétrico cadastrais, redes de água, esgoto, energia

elétrica e iluminação pública que faltavam, pois grande parte foi realizada nos anos 80 devido à

pressão da ASFAP.

A administração pública elaborou Leis Específicas, porém as ações não foram transformadas

em programas, sendo apenas realizadas em projetos individualizados. Os levantamentos

planialtimétricos cadastrais, necessários a retratação da situação real do local, com definição de

arruamentos, lotes e outros, para instituir a lei e prosseguir com a regularização, não foram

concluídos. O processo de desafetação das áreas públicas, devido a vários motivos, entre eles, a má

elaboração do contrato para desafetação e as características físicas da área que seria afetada, levaram

ao retrocesso da ação.

Após o advento do Estatuto da Cidade e, embora presente no plano de trabalho da política

habitacional dos anos de 2001 a 2004: diretrizes que previam a resolução dos problemas das favelas

de forma integral, regularização das áreas consolidadas e a remoção das áreas de risco e preservação

permanente, ação preventiva de atendimento a demanda habitacional e reconhecimento da

necessidade de uma ampla e profunda interação entre as Secretarias; o governo municipal não

evoluiu na elaboração de programas e ações concretas.

No período, a administração pública desapropriou uma área para a implantação de

empreendimento habitacional para atendimento da população de baixa renda e estabeleceu parceria

com o governo estadual para a construção de 600 moradias. No empreendimento, aproximadamente

150 habitações foram destinadas às famílias de área de risco e preservação permanente3. No ano de

2003 iniciou-se um processo de regularização fundiária de favelas pela Concessão de Uso Especial

para Fins de Moradia, com a elaboração de leis e decretos pelo Poder Executivo sobre esse

instrumento. Foram entregues títulos de concessão à população moradora localizadas em algumas

áreas públicas, porém os títulos não foram registrados no Cartório de Registro de Imóveis, devido a

irregularidades, e os lotes não foram individualizados e cadastrados na Prefeitura Municipal,

inviabilizando o direito de posse ou propriedade.

Sobre este fato, de acordo com Funes (2005), o fracasso dessa ação deveu-se a falta de

conhecimento do processo pela Diretoria da EMDHAP, de equipe técnica especializada no assunto e

da entrega de título sem individualização dos lotes. A contratação de assessoria não integrada aos

problemas do Município, a não elaboração de programas e projetos de regularização, a dificuldade na

obtenção de dados e levantamento confiáveis, a gestão dos processos de maneira não participativa,

sem envolver os órgãos necessários à conclusão dos processos, cartório de registro, órgãos públicos,

entre outros, geraram ações desencontradas e a insuficiente organização dos processos em face da

complexidade do assunto.

Devido à nova postura do Governo Federal, a criação do Ministério da Cidade, da Política e

do Programa Nacional de Regularização Fundiária Sustentável, direcionados a orientação e

destinação de recursos, e o processo de revisão do Plano Diretor Municipal, no ano de 2004, foram

solicitados recursos federais para a urbanização de duas áreas de favelas, as mais antigas da cidade.

3 Observa-se que o conjunto habitacional e as remoções estavam a ser realizados, de acordo com o site da EMDHAP,

ainda no ano de 2009.

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O processo será destacado, devido a ser a primeira iniciativa completa de regularização fundiária do

Município.

Para a solicitação do recurso, a EMDHAP contratou uma sociedade sem fins lucrativos para a

elaboração do Plano de Urbanização, que propôs intervenções seguras e viáveis e atenderam as

normas mínimas de salubridade, segurança e habitabilidade para as áreas, prevendo a continuação do

processo de regularização jurídica. Os custos das intervenções propostas, porém, tornaram inviável a

sua realização pela administração, que não investiu na melhoria dos recursos administrativos e

humanos. Foram, assim, priorizadas as obras de drenagem e pavimentação, que tiveram início antes

da definição de um projeto, o que “pode causar gastos públicos desnecessários, por falta de

planejamento” (Funes, 2005:216).

Dentre as áreas, devido à pressão do movimento social local, em 1999 já havia sido elaborada

uma lei específica para a regularização fundiária, que foi alterada em 2003, devido a não efetivação

do processo e as mudanças legais e territoriais. As duas leis, iniciais e atuais, não têm importantes

definições para a regularização. A Lei e o Plano de Urbanização, que deveriam ser complementares,

foram realizados em momentos distintos e sem integração, o que mostra gasto de recursos públicos

repetitivos e sem cumprimentos das ações.

No final do ano de 2004 tiveram início as atividades do Trabalho Social planejados sem o

conhecimento das necessidades dos moradores, devido à pressão política num ano de eleições e

ausência de recursos humanos. A elaboração das propostas de mobilização, capacitação profissional,

geração de trabalho e renda, educação sanitária e ambiental, exigidos pelo Ministério da Cidade,

foram baseados na pesquisa realizada nas áreas, junto à população que procurava o posto de

atendimento da SEMDES. O Assistente Social da SEMDES entrevistado destaca que “Para saber a

necessidade desses cursos foi realizado um estudo empírico através do atendimento social, mas de

forma rápida, não havia tempo para aprofundá-lo. Era assim: tem tal curso, você quer?”. As

atividades de geração de trabalho e renda foram, praticamente, as mesmas dos programas previstos

pela SEMDES à comunidade, que foram implantados e/ou ampliados na área através de recurso

federal. A Secretária, apesar de atuar nas favelas, não possui programas destinados às necessidades

específicas dessa população (Monteiro, 2009).

O Trabalho Social, para realizar o diagnóstico e a avaliação das famílias, é previsto para

iniciar seis meses antes e terminar seis meses após as obras de urbanização, no total de um ano e

meio, contudo teve início com as obras e até o ano de 2007 ainda não havia terminado. As atividades

foram interrompidas durante todo o ano de 2005, devido à mudança da administração pública, e da

prioridade ter sido direcionada ao cadastro das famílias para formulação dos contratos de compra e

venda dos lotes.

O denominado Projeto Municipal de Regularização Fundiária dessas áreas que teve início no

fim dos anos 90, porém com ações pontuais e fragmentadas ao longo de aproximadamente 10 anos,

acarretaram no fato do projeto ainda estar em andamento no ano de 2007, com problemas referentes

à regularização jurídica, moradias em área de preservação permanente e de risco, obras de drenagem

inacabadas, áreas de lazer e institucionais abandonadas, ausência de equipamentos públicos e outros.

O cadastro sócio econômico realizado pelo setor de serviço social da EMDHAP não

objetivou a mobilização e participação comunitária. O mesmo foi utilizado para a elaboração do

contrato de compra e venda com a empresa e financiamento dos lotes, além de ter sido apresentado à

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população moradora apenas para a assinatura. A Assistente Social da EMDHAP (2007) demonstra

que

“(...) na regularização jurídica não houve estudo e nem trabalho social, somente um

trabalho de campo para o levantamento das famílias e execução de contratos de

compra e venda, foi um trabalho mais imediatista, visando a arrecadação por parte

da população. Nem quando o serviço social fez o trabalho de campo tinha as

informações necessárias para passar à comunidade. Não sabia como seria o

financiamento, como eles iriam pagar”.

Em todo o processo de urbanização e regularização fundiária dessas áreas, a participação da

população foi reduzida, embora tenham ocorrido algumas reuniões para discussão, e o poder público

acabou por apresentar e executar idéias e pré-projetos prontos. De acordo com a Assistente Social da

EMDHAP (2007) sobre a participação popular

“(…) [existiu] na urbanização, mas na regularização jurídica não. Nem quando o

serviço social fez o trabalho de campo tinha as informações necessárias para

passar a comunidade. O que existia era apenas a definição do valor do metro

quadrado do terreno que havia sido determinado entre a associação de moradores e

o antigo prefeito há alguns anos atrás na lei específica, pois era uma comunidade

antiga com mais de 20 anos de luta e reivindicações”.

Destacam-se, também durante esse processo, iniciativas políticas e não técnicas ou

participativas pela sociedade civil. Na opinião do Diretor da IPPLAP (2007) sobre quando refere à

revisão do Plano Diretor, aprovado em 2006, e a participação da população:

“Nos fizemos muitas audiências, talvez centenas de 2001 até aqui, o Estatuto pede

maior participação da população, maior autonomia do município. Porque

autonomia? Pois o município vai passar a ter instrumentos como o IPTU

progressivo, consórcio imobiliário, mas a população não participa. Eles vêm, mas

não é significativo, consegue-se grande participação dando um almoço, um

lanche, conjunto musical. Do contrário, se for uma reunião noturna, eles não vem.

Eles não entendem a linguagem técnica do Plano, eu critico muito meus colegas,

pois deve-se usar uma linguagem didática, explicativa, se não eles não entendem.”

O Engenheiro da EMDHAP (2007) diz que:

“A regularização pecou muito, pois não foi feito o levantamento correto, a

topografia correta, ficou coisa para trás devido ao curto prazo das ações, do

imediatismo para mostrar que estava sendo feito, em um ano desse atual governo, o

que tecnicamente não dava para fazer. Acho que os objetivos ainda não foram

alcançados, porque ainda não terminou o projeto, nem na parte de urbanização e

social. Tem um problema, a população é muito sem instrução, para ela está tudo

certo, ela vai para o cartório resolver os papéis do terreno, não consegue fazer, ai

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volta na EMDHAP, que põe a culpa no cartório. Não assume os problemas que a

empresa ainda não resolveu, Problemas de relação com a população, com o

levantamento topográfico. E problemas administrativos. Porém, acredito que toda

regularização que não for bem feita, gera mais problema”.

A partir de 2007 ocorreram outras ações nas demais favelas do Município, com recursos do

governo federal. No mesmo ano, 21 favelas foram beneficiadas, na maioria com urbanização, e essas

ações se encontram em andamento até os dias atuais, de acordo com o site da EMDHAP.

O Engenheiro da EMDHAP (2007), sobre a solicitação dos recursos, definição das

prioridades e planejamento das ações, refere que nos últimos anos foi realizado um programa de

regularização jurídica das habitações para nove favelas, beneficiando cerca de setecentas famílias,

porém, na época da entrevista (meados de 2007) referiu que estava parado desde janeiro de 2007.

Ainda refere que há outros programas, de iniciativa do Governo Federal, para habitação de interesse

social (50 casas), mais um programa de urbanização de sete núcleos de favelas. Ressalta que há

muitos recursos financeiros sendo disponibilizados, e que o recurso é a fundo perdido, porém, não

tem nenhuma regularização concluída.

Sobre os recursos já adquiridos e a participação popular na elaboração do trabalho social, o

Assistente Social entrevistado refere que a participação não está acontecendo na elaboração do

trabalho social, sendo o mesmo fato confirmado pelo Engenheiro da EMDHAP (2007), que diz que

“Nunca vi tanta falta de participação como agora. Acho que ainda teve, nos outros governos, com a

associação dos favelados, associação de moradores, vereadores. Agora, nunca mais vi essa

participação, antes essas pessoas eram ouvidas, mesmo que às vezes não fizessem o que elas

reivindicavam, eles ouviam o que elas tinham para dizer”.

Preocupante torna-se a situação da falta de participação popular quando se verifica que ela

também ocorre nos demais setores de intervenção pública. Nos argumentos do Diretor do IPPLAP

(2007) percebe-se um interesse econômico na urbanização e regularização fundiária das favelas,

sendo as leis específicas e os projetos de urbanização de interesse político:

“O Plano Diretor atual pede a Regularização de Favelas e o Prefeito atual já fez,

talvez sete ou oito, com luz, asfalto, todo o melhoramento possível. Primeiramente,

se faz o levantamento topográfico, estão lá terrenos quadrados, retangulares,

exagonais, porque foram feitos “a olho”. Então estamos regularizando favelas,

obedecendo ao EC que é enfrentar o problema que existe e regularizar, pois

estamos lidando com pessoas, seres humanos e esse é o espírito. O importante é

legalizar e recolher, dar o orgulho de recolher o IPTU. Depois de regularizada

aquela favela, ele paga a prefeitura em suaves prestações. É isso que está

acontecendo, para cada caso, para cada área específica, para ser aprovado aquele

loteamento naquelas condições que eles estão, com cada característica, são

enviados para a Câmara o projeto de lei para o loteamento ser aprovado como está,

e os vereadores, por causa de voto, vê isso com bons olhos, tem interesse, e é bom,

pois acabam ajudando essas famílias carentes, eles não vão contra essas coisas

nunca”.

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Contudo, o Engenheiro da EMDHAP (2007) alerta para a inexistência de projetos de acordo

com a realidade de cada área e que garantem requisitos básicos como mobilidade e acessibilidade,

destacando também que não há um trabalho em conjunto dentro da EMDHAP. E o Assistente Social

(2007) destaca as questões de habitabilidade dizendo que “Muitas vezes há a regularização fundiária

e urbanística, mas há a necessidade de melhorar a moradia que não apresenta condições dignas.

Questão da segurança, higiene, etc”.

Percebe-se que, na efetivação das ações, há a ineficiência ou ausência do desenvolvimento

dos programas direcionados a atender as questões socioeconômicas e culturais, eles não são voltados

à integralidade da cidade de forma que garantam a sustentabilidade urbana e, assim são favoráveis à

reprodução da desigualdade social. Este fato é claramente demonstrado pelo Secretário da SEMDES

(2007):

“(…) a periferia é formada por pessoas que sempre tiveram uma condição inferior

em termos habitacionais e mesmo que hoje essa moradia seja reconhecida como

propriedade, conjuntos habitacionais de baixa renda, muitas situações permanecem

de pobreza, ausência de emprego, baixa escolaridade. Então, assim, precisaria um

trabalho diferenciado nesse pós-desfavelamento, pós-regularização fundiária, para

que se trabalhasse isso. O que nós podemos fazer é alguma coisa no trabalho mais

de ponta (plantão), e nos projetos que promovem as atividades sócio-educativas. Eu

não tenho dados. No olhar a gente tem visto, porque também a gente observou que o

modelo novo da assistência tem correspondido mais. A secretaria teve que

trabalhar com o território, teve que priorizar aquele que precisa mais, identificar

onde esta a condição de vulnerabilidade. Não é parcerizado o trabalho de

urbanização, até acho que a EMDHAP tem que dar esse suporte, a Secretaria não

tem trabalho específico nessa área. A urbanização tem impacto maior na saúde e

também no acesso, transporte, mas na vida em si do indivíduo é muito pequena.

Muda o padrão, mas não muda a questão de renda, escolaridade etc”.

O mesmo profissional relata a dificuldade das famílias para pagar os impostos municipais

(água, luz, imóvel, etc) advindos do processo de regularização fundiária, pois não há incremento na

geração de trabalho e renda, nem na educação. Salienta que os moradores não dão prioridade ao

pagamento destas despesas, por falta de hábito e/ou de dinheiro e que, por outro lado, mantém um

elevado consumo. Além do que, a prioridade política é pela regularização fundiária através da

compra e venda o que gera mais um custo para as famílias.

De acordo o Assistente Social da SEMDES (2007), que atuava em uma área próxima a favela

mais antiga da cidade, uma das maiores demandas dessa área é o pagamento de água, luz e por cesta

básica. Explica que o objetivo do atendimento é “desenvolver toda aquela região, trabalhar com

recurso de parceria, trazer uma melhoria, fazer com que o povo participe fazer com que eles

percebessem, se apoderassem dos direitos”, porém, ao descrever o que ocorre na área, deixa claro

que há uma ineficiência no alcance do mesmo.

Para o mesmo profissional, apesar de visarem uma parceria com a associação de moradores

“há muito problema entre a Associação de Moradores e os órgãos públicos”. Quanto à existência de

estudo para elaboração e implementação de projetos sociais no local, diz que não sabe se existe, mas

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acredita que não, porém, considera que é uma necessidade, salientando que nem mesmo a

Associação de Moradores sabe dizer quais são as necessidades do bairro. Para o Secretário SEMDES

(2007) a relação com a Associação de Moradores “no geral é boa” e que existe um trabalho para dar

autonomia às associações, inclusive com a participação da OAB, Cartório de Registro de Imóveis e

Receita Federal.

Sobre a situação social na área da favela, o Assistente Social da SEMDES (2007) aponta

problemas relacionados à educação, saúde, renda, relações familiares, gênero, violência doméstica,

entre outros.

Portanto, durante todo o processo de urbanização e regularização fundiária das áreas

estudadas, percebe-se que a participação popular apenas esteve presente pela pressão do movimento

social ou pela obrigatoriedade imposta pelo Governo Federal. Sabe-se que a efetividade desse

instrumento depende também da integralidade das políticas públicas com objetivos de transparência,

consulta e responsabilidade, o que não é percebido de forma clara no município estudado.

4. DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Depois de um histórico em que a luta dos movimentos sociais por moradia garantiu melhorias

nas condições de vida dos moradores de áreas de favelas, o estudo de caso no Município de

Piracicaba demonstra claramente que houve dificuldade do movimento social em manter-se ativo

depois que o direito à moradia e à participação popular foi garantido na Constituição Federal de

1988.

A participação popular foi reconhecida em nível nacional e em âmbito jurídico, como uma

alternativa da gestão pública municipal para reduzir a pobreza urbana e a degradação ambiental.

Porém, quando institucionalizado, este processo passou a ocorrer de cima para baixo, ou seja, a ser

programado e executado pelo poder público, através de seus técnicos. Assim, a população passou a

ser convidada a participar na elaboração de diversos programas, dentre os quais os que dizem

respeito à habitação. Contudo, nem sempre os técnicos estão dispostos e preparados para trabalhar

com a população, ou seja, para pôr em prática a participação popular.

Um dos argumentos utilizados pelos técnicos é a dificuldade em atrair a população para as

atividades promovidas pelo Município pela falta de interesse destes em participar e também pela

falta de conhecimento sobre o que é participar. Porém, por outro lado, nota-se que não há relatos de

atividades da EMDHAP no sentido de demonstrar aos moradores que suas opiniões são importantes

para a realização das regularizações, ficando claro que os programas são feitos pelos técnicos e

comunicados à população.

O problema que se põe é que a obrigatoriedade da participação pode ter como ponto fraco a

possibilidade de sua manipulação, ou seja, tenha se tornado uma mera etapa de um processo maior.

Fica evidente que a abertura democrática ocorrida na CF/88 depende também da abertura

democrática dentro das instituições, depende que os técnicos realmente a ponham em prática, e não

apenas cumpram uma determinação legal. No estudo de caso, percebe-se que a intervenção social

nos programas habitacionais se deu apenas pela imposição do Governo Federal quando da

disponibilização das verbas, e que estas tinham um caráter muito mais informativo do que consultivo

ou deliberativo.

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Nos dados obtidos demonstra-se que há predominância do interesse político nas ações,

aprovações de leis e outros, e assim a possibilidade da ação tornar-se objeto de campanha eleitoral.

Além dos relatos, nota-se que em todas as publicações feitas pelo site da EMDHAP sobre as

atividades de informação e/ou consulta à população, é destacada a frase “conforme determinação do

Governo Federal”. Apesar do site da empresa informar a existência de eventos ou atividades, essas se

apresentam como publicidade, sem dados e informações completas sobre as ações, os custos, as

avaliações e os resultados. Outro fator relevante é que não há no Conselho das Cidades a presença de

membros do Movimento da ASFAP, e que este é composto por um grande número de políticos que

ocupam cargos comissionados no Município.

Para Santos (2003) os conselhos estaduais e municipais e os orçamentos participativos são

exemplos de democracia de alta intensidade, pois permitem a participação direta da comunidade nas

decisões do governo, enquanto a democracia representativa é considerada de baixa intensidade, pois,

como se sabe, exercida sem qualquer consulta pública. Porém, o exemplo que aqui se põe demonstra

que não é apenas a existência destes canais que os tornam mais democráticos, e que, quando a

população não tem a oportunidade de participar, podem-se reproduzir os problemas que existem na

democracia representativa, e, em última análise, de forma tirana, pois figuram para legitimar a

vontade do Estado mascarada de decisão popular. Por isso, ressalta-se a importância de

“democratizar a democracia” (Santos, 2003), e a importância de que as próprias instituições sejam

abertas ao diálogo.

No estudo de caso, o governo local não demonstrada interesse pela transparência das

informações, responsabilidade quanto ao cumprimento de prazos e metas, nem pelas demandas da

população. Também não existe articulação entre os órgãos, nem para facilitar o trabalho, nem para

favorecer a população pobre do Município. Do relato obtido da SEMDES, percebeu-se que a pobreza

e a vulnerabilidade dos cidadãos são fatores presentes e crescentes, apesar da implantação das novas

políticas e legislações habitacionais, e que estão concentradas nas áreas de favelas. Há um

descompasso entre as políticas sociais, tais como habitacional, de assistência social, de saúde e de

educação. Não há integração entre as políticas públicas, sendo cada problema tratado como demanda

a ser atendidas por cada setor e não como meios de empoderamento, rede e atuação em parcerias.

Destaca-se a predominância da regularização através de contrato de compra e venda e, assim, a visão

pública de arrecadar recursos com as regularizações, uma forma de descaso com os problemas

sociais, vez que não existe uma política efetiva de geração de renda e desta forma corre-se o risco de

perpetuar os problemas.

O movimento social dos favelados de Piracicaba foi o responsável pela conquista da moradia

e outros benefícios referentes à infra-estrutura no município através da pressão popular. O Governo

atuou nessas áreas visando harmonizar os conflitos, e não realmente resolver o problema, o que

resultaram em ações não planejadas e ineficazes, nomeadamente nas questões referentes às

condições de vida. Assim como nas questões ambientais atuou de forma paliativa, pela pressão

legislativa e internacional, removendo a população das áreas de preservação permanente e de risco,

para áreas impróprias e inadequadas, e não atuou no reflorestamento ou controle do acesso aos

mesmos, sendo reocupadas e novamente em processo de remoção. O histórico é fruto de uma gestão

da política habitacional ineficiente, e que trás como consequência a política de regularização e os

diversos problemas sociais presentes na realidade Brasileira.

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Porém, atuar na presente política com a mesma postura anterior, sem alterar o modelo de

gestão e paradigma do desenvolvimento, continuará a manter a não credibilidade com relação à ação

do poder público, que pode ser apontada como um dos fatores de desrespeito aos bens públicos, o

não reconhecimento enquanto cidadão, analfabetismo, desemprego e outros.

Portanto, acredita-se que o objetivo da participação deve ser o empoderamento da população

e deve acontecer de forma articulada entre os diversos órgãos municipais de intervenção. A

regularização fundiária não deve acontecer sem que haja também trabalho de capacitação

profissional, sem que haja educação, sem que as condições de vida dos moradores mudem para

melhor. Em um país com histórico de pobreza e ausência ou ineficiência de educação e gestão

política transparente, a alternativa para uma participação popular legítima e efetiva, pode estar na

prioridade da capacitação dos técnicos do poder público, assim como na inserção de práticas de

participação popular nas escolas, universidades, setores privados, atividades de lazer e outros. O

desenvolvimento de parcerias e do diálogo entre a diversidade tem que ser reconhecida como prática

diária, na presença de instituições democráticas, ou seja, na família, no bairro, na escola, no trabalho,

na cidade. Porém interdependentes, cabendo, inicialmente, a política pública, atuar como meio de

criação dessa arena.

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