dereito á moradia adequada

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DIREITO À MORADIA ADEQUADA

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Unesco apresenta o dereito a moradia adequada

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  • DIREITO MORADIA ADEQUADA

  • Por uma cultura de direitos humanos

    DIREITO MORADIA ADEQUADA

    Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica SDH/PRBraslia 2013

  • 2013 Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica SDH/PR

    dilma rousseff Presidenta da Repblica Federativa do Brasil

    michel temer Vice-Presidente da Repblica Federativa do Brasil

    maria do rosrio nunes Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Patrcia BarcelosSecretria Executiva da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Gabriel dos santos rochaSecretrio Nacional de Promoo e Defesa dos Direitos Humanos

    Redao: Alessandra Pereira Rezende TeixeiraReviso tcnica: Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica.Reviso gramatical e editorial: Unidade de Comunicao, Informao Pblica e Publicaes da Representao da UNESCO no BrasilProjeto grfico: Unidade de Comunicao, Informao Pblica e Publicaes da Representao da UNESCO no BrasilIlustrao: Joo Mendes (Joni)

    Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da RepblicaDireito moradia adequada. Braslia: Coordenao Geral de Educao

    em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoo e Defesa dos Direitos Humanos, 2013.

    76 p., il. (Por uma cultura de direitos humanos).

    Incl. Bibl.ISBN: 978-85-60877-36-2

    1. Direitos humanos 2. Direito moradia 3. Moradia 4. Brasil I. Ttulo II. Srie

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbito do Projeto 914BRA3034 Educao em Direitos Humanos, o qual tem o objetivo de contribuir para a construo de uma cultura de direitos humanos no pas e na implementao e avaliao de aes previstas no Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos (PNEDH). O autor responsvel pela escolha e pela apresentao dos fatos contidos nesta publicao, bem como pelas opinies nela expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. As ideias e opinies expressas nesta publicao so as dos autores e no refletem obrigatoriamente as da UNESCO nem comprometem a Organizao.

    Esclarecimento: a SDH/DR e a UNESCO mantm, no cerne de suas prioridades, a promoo da igualdade de gnero, em todas as suas atividades e aes. Devido especificidade da lngua portuguesa, adotam-se, nesta publicao, os termos no gnero masculino, para facilitar a leitura, considerando as inmeras menes ao longo do texto. Assim, embora alguns termos sejam grafados no masculino, eles referem-se igualmente ao gnero feminino.

    Distribuio gratuita permitida a reproduo total ou parcial

    desta obra, desde que citada a fonte.Tiragem: 1.250 exemplares

    Impresso no Brasil

    secretaria de direitos humanos da Presidncia da repblicaSCS-B - Quadra 9 - Lote C - Edifcio Parque Cidade Corporate Torre A - 10. Andar Cep: 70.308-200 - Braslia-DFFone: (61) 2025-3076 - Fax (61) 2025-3682Site: www.sdh.gov.br / [email protected] Siga-nos no Twitter: @DHumanosBrasil

  • L I S TA D E S I G L A S

    DUDH Declarao Universal dos Direitos HumanosFIFA Federao Internacional das Associaes de FutebolFNHIS Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaONU Organizao das Naes UnidasOIT Organizao Internacional do TrabalhoPNAD Pesquisa Nacional por Amostra de DomicliosPIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e PolticosPIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e CulturaisSNHIS Sistema Nacional de Habitao de Interesse SocialONU-Habitat Programa das Naes Unidas para os Assentamentos Humanos

  • S U M R I O

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    Parte 1: conceito e histrico

    1. O conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    2. Entendimentos equivocados sobre o direito moradia adequada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    3. Direito moradia adequada e discriminao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    4. O direito moradia adequada e sua aplicao a grupos vulnerveis . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    5. A internacionalizao do direito moradia adequada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    5.1. Legislao internacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    5.2. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    5.3. Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais . . . . . . . . . . . . . . 34

    5.4. Comentrio Geral n 4 do Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais . . . . . 34

    6. Marcos legais e orientadores no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

    6.1. A Constituio Federal de 1988 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

    6.2. Lei n 10.257, de 2001 Estatuto da Cidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    6.3. Lei n 11.124, de 2005 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

    6.4. Lei n 11.481, de 2007 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    Parte 2: o cenrio brasileiro

    7. Adensamento domiciliar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    8. Servios de saneamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    9. Condies habitacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

  • Parte 3: a afirmao do direito moradia adequada

    10. Direito garantido na Constituio Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

    11. O que voc precisa saber para garantir o direito moradia adequada . . . . . . . . . . . . . . . 64

    12. Consideraes finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

    Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

  • A P R E S E N TA O

    A consolidao do Estado Democrtico de Direito, com o fim da ditadura militar, no se esgotou com a normalizao da poltica partidria e da conquista de eleies livres e diretas para todos os nveis. Tendo como motor principal a adoo das pautas reivindicadas pelos diversos movimentos sociais, a continuidade das mudanas tem direcionado tanto as polticas pblicas quanto a necessria reorganizao das estruturas do Estado brasileiro.

    O Brasil, nos ltimos anos, criou uma srie de normativas e legislaes em consonncia com os tratados e convenes internacionais para garantir os direitos humanos e consolid-los como poltica pblica. No curso da histria republicana, os direitos humanos se consolidam como obrigaes do Estado brasileiro, a ser garantidas como qualquer outra poltica. Esta mudana de status significa um redesenho do funcionamento das estruturas estatais, visando a que elas possam dar respostas efetivas na garantia dos direitos humanos, conforme os compromissos assumidos em mbito internacional pelo pas.

    Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica (SDH/PR) cabe garantir institucionalmente estas conquistas e fazer repercutir as discusses, estudos e pesquisas que atualizam as temticas de direitos humanos nas suas diversas faces, privilegiando a leitura feita a partir da perspectiva daqueles e daquelas que ao longo da histria de alguma forma tiveram esses direitos universais restringidos ou negados.

    A srie de cadernos Por uma Cultura de Direitos Humanos apresenta informaes e reflexes sobre os direitos humanos ao mais alto patamar de sade, alimentao adequada, educao, moradia adequada, participao em assuntos pblicos, opinio e expresso, liberdade e segurana, a um julgamento justo, a uma vida livre de violncia, e a no ser submetido a castigos cruis, desumanos e degradantes. Esses doze direitos so reconhecidos e previstos no International Human Rights Instruments das Naes Unidas.

    Atravs da publicao da srie, a SDH/PR d continuidade no cumprimento do objetivo de estimular o acesso a um conhecimento importantssimo sobre direitos humanos s geraes que no tiveram contato direto com as lutas polticas que viabilizaram a sua conquista. Alm disso, d continuidade do amplo e rico debate democrtico acerca das conquistas sociais que seguiram Segunda Guerra Mundial na busca permanente da construo da paz.

    Maria do Rosrio Nunes Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • I N T R O D U O

    O que padro de vida adequado? Qual o padro mnimo para que um ser humano viva com

    dignidade? Existem muitas necessidades a serem preenchidas para que se tenha uma vida digna. No

    entanto, h pelo menos condies bsicas que precisam ser atendidas para que as pessoas possam

    sobreviver. So elas: alimentao adequada, sade e moradia.

    Os seres humanos so criaturas frgeis e, por questes fsicas e fisiolgicas, seus corpos precisam de

    abrigo. Os seres humanos necessitam de lugares onde possam se proteger de condies climticas

    desfavorveis: do frio e do calor excessivo, das chuvas, dos ventos e da neve. Precisam de locais onde

    possam estar resguardados dos perigos da natureza e tambm dos perigos das ruas.

    No entanto, o ser humano no s corpo fsico. Alis, o que o diferencia dos outros seres exatamente

    a sua mente, a sua intelectualidade, a sua conscincia, que tambm necessita de abrigo, necessita

    de lugar. Precisa de um local onde possa pensar sem interrupes, interagir com outros seres com

    privacidade e amar sem que seja observada, conservar suas memrias, expressar sua individualidade,

    viver sem mscaras, repousar depois de um longo dia.

    Por estas e outras razes, a moradia adequada um dos direitos humanos garantidos a todos

    pela legislao internacional e tambm pela Constituio brasileira. Esse direito fundamental foi

    reconhecido em 1948 pela Declarao Universal dos Direitos Humanos (NAES UNIDAS, 1948) como

    integrante do direito a um padro de vida adequada, e tambm em 1966 pelo Pacto Internacional

    de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (NAES UNIDAS, 1992), tornando-se um direito humano

    universal, aceito e aplicvel em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para

    a vida das pessoas.1

    Desde ento, vrios outros tratados internacionais de direitos humanos reconheceram ou se referiram

    ao direito moradia adequada, ou pelo menos a alguns dos seus elementos, tais como a proteo

    1 Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2013.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • do lar e da privacidade. Hoje, j so mais de 12 textos diferentes da ONU que reconhecem o direito

    moradia. Na Constituio brasileira, o direito moradia est reconhecido como direito fundamental

    no artigo 6o.

    Apesar do lugar de destaque que esse direito fundamental ocupa no sistema jurdico global, mais

    de um bilho de pessoas, no Brasil e ao redor do mundo, se encontram alojadas inadequadamente.

    Em diversos pases, milhes vivem em condies de risco para a sade, em favelas superlotadas e

    assentamentos informais, ou em outras condies de desrespeito aos direitos e dignidade humana.

    Outros milhes de pessoas, a cada ano, so despejadas de suas casas, ou ameaadas de serem

    foradamente removidas (OHCHR; ONU-Habitat, 2009).

    Por esta razo, maior ateno internacional tem sido dada ao direito de moradia adequada, inclusive

    por organismos da ONU, como o Conselho de Direitos Humanos, que criou o mandato de Relator

    Especial sobre moradia adequada como componente do direito a um padro de vida adequado,

    no ano 2000. Essas iniciativas tm ajudado a esclarecer o alcance e o contedo do direito moradia

    adequada (NAES UNIDAS, 2005).

    Tambm no Brasil, desde os ltimos dez anos, tem havido mais ateno e maior enfoque das polticas

    pblicas na direo de implementar o direito moradia adequada, bem como grandes esforos na

    garantia dos direitos humanos das populaes de rua.

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    10

  • PA

    RT

    E 1

  • C O N C E I T O E H I S T R I C O

    1. o conceito

    Refletindo sobre o que o direito moradia adequada, podemos afirmar que uma srie de condies

    devem ser atendidas antes que formas particulares de abrigo possam ser consideradas como moradia

    adequada. Para que o direito moradia adequada seja satisfeito, h alguns critrios que devem

    ser atendidos. Tais critrios so to importantes quanto a prpria disponibilidade de habitao. O

    Comentrio n 4 do Comit sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais define o que considera

    uma moradia adequada:

    Segurana da posse: a moradia no adequada se os seus ocupantes no tm um grau de segurana de posse que garanta a proteo legal contra despejos forados, perseguio e outras ameaas.

    Disponibilidade de servios, materiais, instalaes e infraestrutura: a moradia no adequada, se os seus ocupantes no tm gua potvel, saneamento bsico, energia para cozinhar, aquecimento, iluminao, armazenamento de alimentos ou coleta de lixo.

    Economicidade: a moradia no adequada, se o seu custo ameaa ou compromete o exerccio de outros direitos humanos dos ocupantes.

    Habitabilidade: a moradia no adequada se no garantir a segurana fsica e estrutural proporcionando um espao adequado, bem como proteo contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, outras ameaas sade.

    Acessibilidade: a moradia no adequada se as necessidades especficas dos grupos desfavorecidos e marginalizados no so levados em conta.

    Localizao: a moradia no adequada se for isolada de oportunidades de emprego, servios de sade, escolas, creches e outras instalaes sociais ou, se localizados em reas poludas ou perigosas.

    Adequao cultural: a moradia no adequada se no respeitar e levar em conta a expresso da identidade cultural (UNITED NATIONS, 1991).

    As caractersticas do direito moradia adequada so esclarecidas em comentrios gerais do Comit

    das Naes Unidas sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. O Comit reforou que o direito

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    13

  • moradia adequada no deve ser interpretado de forma restritiva. Pelo contrrio, deve ser visto como

    o direito de viver em algum lugar em segurana, paz e dignidade.

    A melhor forma de entender o direito moradia adequada entender que ele composto por trs

    elementos: liberdades, garantias e protees.

    O direito moradia adequada inclui, mas no se limita, s seguintes liberdades:

    Proteo contra a remoo forada, a destruio arbitrria e a demolio da prpria casa;O direito de ser livre de interferncias na sua casa, privacidade e famlia;O direito de escolher a prpria residncia, de determinar onde viver e de ter liberdade de movimento.

    O direito moradia adequada inclui, mas no se limita, s seguintes garantias:

    Segurana da posse;Restituio da moradia, da terra e da propriedade;Acesso igualitrio e no discriminatrio moradia adequada;Participao, em nveis internacional e comunitrio, na tomada de decises referentes moradia.

    Por fim, o direito moradia adequada tambm inclui protees:

    Proteo contra remoo forada um elemento-chave do direito habitao adequada e est intimamente ligada segurana da posse.

    Remoes foradas so definidas como

    a remoo permanente ou temporria contra a vontade dos indivduos, famlias e/ou comunidades das casas e/ou terras que ocupam, sem a proviso e o acesso a, formas adequadas de proteo jurdica ou outra (UNITED NATIONS, 1997).

    De acordo com o Programa de Assentamentos Humanos das Naes Unidas (ONU-Habitat), pelo

    menos dois milhes de pessoas no mundo so despejadas a cada ano, enquanto milhes de pessoas

    esto ameaadas de remoes foradas (ONU-HABITAT, 2007).

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    14

  • As remoes foradas so realizadas em uma variedade de circunstncias e por uma variedade

    de razes como, por exemplo, para dar lugar a projetos de desenvolvimento e infraestrutura,

    desenvolvimento urbano ou embelezamento da cidade, ou prestigiados eventos internacionais,

    como a Copa do Mundo de Futebol da FIFA ou os Jogos Olmpicos. Podem tambm se dar por

    resultado de conflitos agrrios, conflitos armados ou padres sociais de discriminao. As remoes

    foradas tendem a ser violentas e afetam desproporcionalmente os mais pobres, que muitas vezes

    ainda sofrem outras violaes de direitos humanos como resultado. Em muitos casos, as remoes

    foradas agravam o problema que elas buscavam resolver.

    Independentemente de sua causa, as remoes foradas podem ser consideradas uma grave violao

    dos direitos humanos e uma violao direta ao direito moradia adequada. Despejos em grande

    escala podem, em geral, ser justificados apenas em circunstncias muito excepcionais e somente se

    sua realizao estiver em conformidade com os princpios relevantes do direito internacional e de

    acordo com a legislao brasileira.

    Se um despejo pode ser justificvel porque o inquilino no paga o aluguel ou causa danos

    propriedade sem motivo razovel, o Estado deve garantir que a remoo seja realizada de forma

    legal, razovel e proporcional. Recursos legais eficazes e remdios jurdicos devem estar disponveis

    para aqueles que esto sendo removidos, incluindo uma compensao adequada por qualquer

    propriedade real ou pessoal afetada pela remoo. As remoes no devem resultar em pessoas

    desabrigadas ou tornando-se vulnerveis a outras violaes de direitos humanos.

    Em geral, a legislao internacional dos direitos humanos exige que governos explorem todas as

    alternativas possveis antes de realizar qualquer remoo, de modo a evitar, ou pelo menos minimizar,

    a necessidade de usar a fora. Mesmo quando as remoes so realizadas como ltimo recurso, aos

    afetados devem ser oferecidas garantias processuais eficazes, com efeito de impedir os desalojamentos

    planejados. Estas protees incluem:

    Uma consulta real dos interessados;Notificao adequada e em prazo razovel;

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    15

  • Disponibilidade, em tempo razovel, de informaes sobre a remoo proposta;Presena de funcionrios do governo ou seus representantes durante uma remoo;Identificao adequada das pessoas encarregadas da remoo;Proibio de realizao de remoes em mau tempo ou noite;Disponibilidade de recursos legais;Disponibilidade de assistncia jurdica para que aqueles que necessitem sejam capazes de buscar

    reparao judicial.

    2. entendimentos equivocados soBre o direito moradia adequada

    a) o direito moradia adequada no exige que o estado construa habitao para toda a populao

    Um dos equvocos mais comuns associados ao direito moradia adequada a obrigatoriedade do

    Estado de construir habitao para toda a populao, e que as pessoas sem habitao podem exigir

    automaticamente uma casa do governo. Apesar de os governos implantarem programas habitacionais, o

    direito moradia adequada no obriga que o governo construa todo parque habitacional de uma nao.

    O direito moradia adequada abrange medidas que so necessrias para evitar a falta de moradia,

    proibir as remoes foradas e a discriminao, focar nos grupos mais vulnerveis e marginalizados,

    garantir a segurana da posse a todos, e garantir que a habitao de todos seja adequada.

    Essas medidas exigem a interveno governamental em vrios nveis: legislativo, administrativo, de

    polticas e/ou prioridades de gastos. Porm, o direito moradia adequada pode ser implementado

    atravs de uma abordagem em que o governo viabilize a habitao, ao invs de prov-la. O governo

    torna-se o facilitador das aes de todos os participantes na produo e na melhoria das habitaes.

    Polticas, estratgias e programas baseados na abordagem da viabilizao tm sido promovidos pela

    ONU desde 1988.

    No entanto, em casos especficos, o Estado pode ter que prestar assistncia direta, que pode ser

    a habitao em si ou subsdios para habitao, nos casos, por exemplo, de pessoas afetadas por

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    16

  • desastres (naturais ou artificiais) e para os grupos mais vulnerveis da sociedade. Por outro lado, vrias

    medidas necessrias para garantir o direito moradia adequada obrigam o governo apenas a se

    abster de certas prticas e aes.

    b) o direito moradia adequada no apenas um objetivo programtico a ser alcanado no longo prazo

    Outro mal-entendido que o direito moradia adequada no impe obrigaes imediatas ao Estado.

    Pelo contrrio, os Estados devem fazer todo o esforo possvel, dentro dos recursos disponveis, para

    realizar o direito moradia adequada e tomar medidas nesse sentido, sem demora. No obstante as

    limitaes de recursos, algumas obrigaes tm efeito imediato, como o compromisso de garantir o

    direito moradia adequada, de forma igualitria e no discriminatria, para desenvolver legislao e

    planos de ao especficos, impedir remoes ilegais e garantir a todos um grau mnimo de segurana

    da posse.

    c) o direito moradia adequada no probe projetos de desenvolvimento que possam remover pessoas

    Muitos acreditam, equivocadamente, que a proteo contra as remoes foradas probe o

    desenvolvimento ou a modernizao de projetos que envolvem deslocamento. H necessidades

    inevitveis para a reurbanizao de algumas reas em cidades em crescimento e tambm de os rgos

    governamentais adquirirem reas para infraestrutura e utilizao pblica. O direito moradia adequada

    no impede que esse desenvolvimento ocorra, mas impe condies e limites processuais sobre ele.

    a forma como tais projetos so concebidos, desenvolvidos e implementados que importante.

    Muitas vezes, so realizados com pouca ou nenhuma consulta s pessoas afetadas, considerao

    limitada de suas necessidades e poucas tentativas de desenvolver solues que minimizam a escala

    do despejo e os transtornos causados.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    17

  • d) o direito moradia adequada no o mesmo que o direito de propriedade

    Algumas vezes acredita-se que o direito moradia adequada o mesmo que ter direito a uma

    propriedade. Alguns tambm argumentam que o direito moradia adequada ameaa o direito de

    propriedade. O direito propriedade est consagrado na Declarao Universal dos Direitos Humanos

    e em outros tratados de direitos humanos, como a Conveno Internacional sobre a Eliminao

    de Todas as Formas de Discriminao Racial (BRASIL, 1969, artigo 5 (d) (v)) e a Conveno sobre a

    Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher (BRASIL, 2002, artigo 16 (h)).

    O direito moradia adequada mais amplo do que o direito propriedade, j que aborda direitos

    no relacionados propriedade, visando a garantir que todos tenham um lugar seguro para viver

    em paz e dignidade, incluindo os no proprietrios do imvel. Segurana da posse, um dos pilares

    do direito moradia adequada, pode tomar uma variedade de formas, incluindo alojamento de

    aluguel, cooperativa de habitao, arrendamento, ocupao pelo dono, habitao de emergncia ou

    assentamentos informais. Como tal, no se limita atribuio de ttulos formais.

    Dada a ampla proteo proporcionada pelo direito moradia adequada, o foco nico em direitos

    de propriedade pode, inclusive, levar a violaes do direito moradia adequada, por exemplo,

    removendo foradamente moradores de favelas que residem na propriedade privada. Por outro lado,

    a proteo do direito de propriedade pode ser crucial para garantir que certos grupos sejam capazes

    de desfrutar de seu direito moradia adequada. O reconhecimento da igualdade de direitos dos

    cnjuges propriedade familiar, por exemplo, muitas vezes um fator importante para garantir que

    as mulheres tenham acesso igual e no discriminatrio moradia adequada.

    e) o direito moradia adequada no o mesmo que o direito terra

    Equivocadamente, argumenta-se que o direito moradia adequada equivale ao direito terra. verdadeiro o entendimento de que o acesso terra pode constituir um elemento fundamental da

    realizao do direito moradia adequada, especialmente em reas rurais e para os povos indgenas.

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    18

  • Habitao inadequada ou a prtica de remoes foradas muitas vezes so consequncias da negao

    do acesso terra e dos recursos de propriedade comum. Como tal, o gozo do direito moradia

    adequada pode exigir, em certos casos, o acesso e controle sobre a terra. A legislao internacional

    dos direitos humanos no reconhece, atualmente, um direito autnomo terra (KOTHARI, 2005, par.

    26 e 31).

    A terra muitas vezes identificada como a base da riqueza, status social e poder. Ele a fonte primria

    para atividades de abrigo, comida e econmicas. Direito moradia no pode ser cumprido se no

    houver acesso terra. Consequentemente, a igualdade de direitos de acesso terra de fundamental

    importncia para o potencial de construo de relaes de gnero equilibradas em sociedades ps-

    conflito e integrao das mulheres sua nova realidade.

    A nvel internacional, os direitos da terra esto presentes em inmeros tratados e declaraes. De um

    modo geral, esses instrumentos de direitos humanos no se articulam diretamente com o direito

    sobre a terra e outros relacionados, mas trazem o princpio da no discriminao e da igualdade de

    todos os direitos para todas as pessoas, independentemente do sexo. Instrumentos e documentos

    da ONU interagem e se combinam para constituir uma base jurdica e poltica para a proteo e a

    observncia dos direitos das mulheres terra, que deve ser considerada holstica.

    f) o direito moradia adequada inclui a garantia de acesso a servios adequados

    J tocamos nesse ponto anteriormente, mas devido sua importncia, vamos repetir. O direito

    moradia adequada no significa apenas que a estrutura da habitao deve ser adequada. Tambm

    deve haver um acesso sustentvel e no discriminatrio s infraestruturas essenciais para a sade,

    segurana, conforto e nutrio. Por exemplo, deve haver acesso a gua potvel, energia para cozinhar,

    aquecimento, iluminao, saneamento e instalaes para lavagem, meios para o armazenamento de

    alimentos, eliminao de resduos, drenagem e servios de emergncia.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    19

  • 3. direito moradia adequada e discriminao

    Discriminao significa qualquer distino, excluso ou restrio feita com base nas caractersticas

    especficas de um indivduo, tais como raa, religio, idade ou sexo, que tenha o efeito ou propsito

    de dificultar, impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio de direitos humanos e liberdades

    fundamentais. A discriminao est ligada marginalizao de grupos populacionais especficos e

    geralmente a raiz das desigualdades estruturais dentro das sociedades.

    Em se tratando de moradia, a discriminao pode assumir a forma de leis, polticas ou

    medidas discriminatrias; desenvolvimento de polticas excludentes; excluso de benefcios

    habitacionais; insegurana da posse; a falta de acesso ao crdito; participao limitada na

    tomada de decises, ou falta de proteo contra prticas discriminatrias realizadas por

    agentes privados.

    Igualdade e no discriminao so princpios fundamentais de todos os direitos humanos e so,

    portanto, componentes crticos do direito moradia adequada. O Pacto Internacional sobre os

    Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (NAES UNIDAS, 1992), em seu Artigo 2, identifica, como

    clusulas no exaustivas, os seguintes fundamentos de discriminao: raa, cor, sexo, lngua, religio,

    opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer

    outra condio. De acordo com o Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, outra condio

    pode incluir deficincia, estado de sade (por exemplo, portadores de HIV/Aids) ou orientao

    sexual. A relatora especial sobre moradia adequada tambm enfatizou que a discriminao e a

    segregao na habitao podem resultar da pobreza e da marginalizao econmica (OHCHR;

    ONU-Habitat, 2009, p. 10).

    O impacto da discriminao agravado quando um indivduo sofre dupla ou mltipla discriminao,

    por exemplo, em funo do sexo e da raa, origem nacional combinada com deficincia. A Comisso

    sublinhou a importncia de abordar este tipo de discriminao no seu Comentrio Geral n 18, datado

    de 2005, sobre a igualdade de direitos dos homens e das mulheres a usufruir de todos os direitos

    econmicos, sociais e culturais (UNITED NATIONS, 2005, art. 13).

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    20

  • importante repetir e reforar que os Estados tm a obrigao de proibir e eliminar a discriminao

    por qualquer motivo e garantir de fato e de direito a igualdade no acesso habitao e proteo

    contra despejos forados adequados.

    4. o direito moradia adequada e sua aPlicao a GruPos vulnerveis

    Alguns grupos ou indivduos tm dificuldades particulares para exercer o seu direito moradia

    adequada. Como consequncia de quem eles so, por questes de discriminao ou estigma, ou uma

    combinao desses fatores, alguns seres humanos enfrentam desafios desproporcionais na realizao

    de seus direitos. Dessa forma, para proteger o direito moradia de forma eficaz, necessrio prestar

    ateno situao especfica de indivduos e grupos, em particular aqueles que vivem em situaes

    vulnerveis. Os Estados devem adotar medidas positivas e aes afirmativas para garantir que eles

    no sejam discriminados no propsito ou no efeito das leis. Por exemplo, os Estados devem adaptar

    suas leis e polticas de habitao aos mais necessitados, e no visando apenas grupos majoritrios.

    Os grupos especficos descritos a seguir ilustram o que as normas relativas ao direito moradia

    adequada significam na prtica.

    a) mulheres

    Embora os dados sejam escassos e os valores sejam difceis de estimar, sabido que as mulheres

    representam uma proporo importante dos que esto inadequadamente alojados. As mulheres

    enfrentam discriminao em muitos aspectos da habitao por serem mulheres, ou por causa de

    outros fatores como a pobreza, idade, classe, orientao sexual ou etnia. Em muitas partes do mundo,

    e especialmente nas reas rurais, o gozo das mulheres do direito moradia adequada muitas vezes

    depende de seu acesso e controle sobre a terra e propriedade.

    A discriminao contra as mulheres na esfera da habitao pode ser causada, por exemplo, por: leis

    estatutrias discriminatrias; leis e polticas de gnero neutro, ou seja, aquelas que no tomam em

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    21

  • considerao circunstncias especiais das mulheres (tais como a sua vulnerabilidade violncia

    sexual e violncia baseada no gnero), predominncia de leis, prticas, costumes e tradies que

    discriminam as mulheres; vis machista no judicirio e da administrao pblica; falta de acesso a

    recursos, informaes ou processos de tomada de deciso; e falta de conscincia dos direitos. Esta

    discriminao sustentada por fatores estruturais e histricos.

    As mulheres enfrentam graves discriminaes em relao segurana da posse. Independentemente

    da sua forma, a posse muitas vezes entendida, gravada ou registrada em nome dos homens,

    deixando as mulheres dependentes de seus parentes masculinos para a segurana da posse. Alm

    disso, enquanto as formas coletivas de posse podem incluir as mulheres, os processos de tomada de

    deciso so muitas vezes dominados pelos homens.

    Sem controle sobre moradia, terra ou a propriedade, as mulheres tm pouca autonomia pessoal

    ou econmica, e so mais vulnerveis a abusos no seio da famlia, comunidade e sociedade em

    geral. Quando o acesso das mulheres moradia, terra ou a propriedade depende de uma pessoa,

    seu marido, irmos, pais ou outros parentes do sexo masculino, elas se tornam vulnerveis falta de

    moradia, pobreza e misria, se esse relacionamento chega ao fim.

    b) mulheres e o direito herana

    Felizmente, no Brasil, a Constituio de 1988 reconhece a igualdade de direitos e deveres entre

    homens e mulheres, inclusive com relao aos direitos de propriedade e herana (BRASIL, 1988).

    Porm, em muitas partes do mundo, as mulheres e meninas enfrentam discriminao enraizada na

    herana, que pode afetar seriamente o seu direito moradia adequada. Essa discriminao muitas

    vezes consagrada nas leis escritas, mas tambm nas leis e prticas costumeiras que no reconhecem

    a igualdade de direitos de herana das mulheres e dos homens. Como resultado, as mulheres tm

    direito a uma parte menor do que parentes do sexo masculino, ou simplesmente so excludas de

    qualquer herana de seus falecidos maridos ou pais.

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    22

  • A violncia comum no contexto da herana. Uma mulher, muitas vezes, pode ser forada a transferir

    seus bens a seus parentes, o que geralmente envolve a violncia fsica e psicolgica, e causa traumas

    de longa durao. Parentes muitas vezes abusam de vivas impunimente, j que essas questes so

    vistas como um assunto privado.

    Se uma mulher decide lutar por sua herana, ela tambm pode enfrentar a violncia de seus sogros ou at

    mesmo da comunidade em geral. As reivindicaes das mulheres por herana podem acabar resultando

    na excluso social, no s da famlia, mas tambm da comunidade (KOTHARI, 2005, par. 59-61).

    c) crianas

    A sade das crianas, o avano educacional e seu bem-estar geral so profundamente influenciados

    pela qualidade da habitao em que vivem. A falta de moradia adequada e as remoes foradas

    tendem a ter um impacto profundo sobre as crianas devido s suas necessidades especficas. Tais

    condies afetam o crescimento, desenvolvimento e gozo de toda uma gama de direitos humanos,

    incluindo o direito educao, sade e segurana pessoal.

    Embora a existncia de crianas de rua frequentemente seja o sinal mais visvel da deficincia na

    habitao de/para crianas, outras situaes tambm tm implicaes especficas para a sua fruio

    do direito moradia adequada. Habitaes apertadas, lotadas, barulhentas ou precrias prejudicam

    gravemente o desenvolvimento e a sade das crianas, bem como a sua capacidade de aprender

    e brincar. Estudos tm destacado que a moradia inadequada aumenta as taxas de mortalidade de

    crianas menores de cinco anos. A forma mais significativa de poluentes qumicos que afetam a sade

    das crianas em pases de renda mdia a poluio interna resultante de foges de baixa qualidade

    e ventilao inadequada (UNICEF, 2002, p. 10).

    O acesso aos servios bsicos ligados casa, como gua potvel e saneamento adequado,

    fundamental para garantir a sade das crianas. Doenas diarreicas tiram a vida de cerca de dois

    milhes de crianas a cada ano, sendo que 80 a 90 por cento dos casos so o resultado de gua

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    23

  • contaminada e saneamento inadequado (OHCHR; ONU-Habitat, p. 20). Especialmente para as

    meninas, a falta de gua potvel, dentro ou perto de casa, pode significar longas viagens para coletar

    gua em pontos de gua remotos, muitas vezes em detrimento da sua educao, juntamente com o

    risco de serem vtimas de abuso sexual e outras ameaas ao longo do caminho.

    A localizao da moradia tambm fundamental para garantir o acesso das crianas a creches, escolas,

    servios de sade, entre outros. Se os assentamentos habitacionais ficam distantes de escolas, ou se o

    transporte inexistente ou muito caro, muito difcil que as crianas tenham acesso a educao ou sade.

    A falta de moradia tem efeitos particulares sobre as crianas, comprometendo seu crescimento,

    desenvolvimento e segurana. Crianas de rua podem ser vulnerveis a uma srie de problemas

    emocionais, como ansiedade, insnia e agressividade. Seu acesso aos servios bsicos, como sade

    e educao, tambm pode ser seriamente prejudicado se elas no tm endereo fixo. Crianas que

    vivem e trabalham na rua so particularmente vulnerveis s ameaas, assdio e violncia por parte

    de particulares e at mesmo da polcia.

    As remoes foradas tendem a afetar toda a famlia, mas tm um impacto ainda mais devastador

    sobre as crianas. Aps as remoes foradas, a estabilidade da famlia e seus meios de subsistncia

    so frequentemente ameaados, sendo que o impacto dos despejos no desenvolvimento da criana

    considerado semelhante ao dos conflitos armados (RAHMATULLAH, 1997).

    d) habitantes das favelas

    A ONU-Habitat observa que os residentes urbanos que mais sofrem com a falta de segurana de

    propriedade so os aproximadamente 1 bilho de pessoas pobres que vivem em favelas ao redor

    do mundo. Mais de 930 milhes de pessoas vivem em favelas nos pases em desenvolvimento,

    onde constituem 42% da populao urbana. Essa proporo particularmente elevada na frica

    Subsaariana, onde moradores de favelas compem 72% da populao urbana, e no sul da sia, onde

    representam 59% (OHCHR; ONU-Habitat, p. 21).

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    24

  • Favelas geralmente so corrodas pela falta de habitao durvel, espao insuficiente, a falta de gua

    potvel, saneamento inadequado etc. Devido natureza informal de seus assentamentos, moradores

    de favelas muitas vezes no tm segurana da posse, o que os torna vulnerveis a remoes foradas,

    ameaas e outras formas de assdio. Relatrios da ONU-Habitat apontam que cerca de 2 milhes

    de pessoas, a maioria delas moradores de favelas, so despejadas fora a cada ano2. Os efeitos de

    despejos forados em moradores de favelas so muitas vezes desastrosos, deixando-os sem-teto e

    forando-os cada vez mais baixo nos limites da pobreza.

    Em muitos lugares do mundo, autoridades nacionais ou locais relutam em estender os servios

    bsicos para as favelas, precisamente porque so informais. Como resultado, os moradores de favelas

    raramente tm acesso a gua potvel, saneamento bsico ou eletricidade, e a coleta de lixo limitada

    ou inexistente. Como, em muitos casos, as favelas no esto ligadas aos sistemas de gua canalizada,

    seus moradores, muitas vezes, acabam pagando 5 a 10 vezes mais pela gua do que os residentes de

    reas urbanizadas.

    A urbanizao das favelas reconhecida como um meio eficaz de melhorar as condies de habitao

    dos seus moradores. Urbanizao de favelas, em definio pela Aliana de Cidades aliana global de

    cidades lanadas pelo Banco Mundial e pela ONU-Habitat em 1999 um conjunto de melhorias

    fsicas, sociais, econmicas, organizacionais e ambientais desenvolvidas de forma cooperativa e

    localmente entre os cidados, grupos comunitrios, empresas e autoridades locais (WORLD BANK;

    UNCHS (Habitat), 1999, p. 2).

    Os programas de urbanizao de favelas podem contribuir para a realizao do direito moradia e, desde

    os ltimos anos, tem sido usado pelo governo brasileiro, que se tornou uma referncia neste tpico.

    2 Disponvel em: . Acesso em: 25 jul. 2013.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    25

  • e) Populaes em situao de rua

    No existe uma definio internacionalmente acordada para populao de rua. As definies vo

    desde a simples equiparao da falta de moradia, ou seja, a ausncia de um teto, s mais complexas,

    que levam em conta a adequao da habitao, o risco de se tornar sem-teto, o tempo em que a

    pessoa est sem abrigo e as possibilidades pessoais para remediar a situao da falta de habitao.

    Para fins estatsticos, a ONU definiu as famlias em situao de rua como famlias sem abrigo que se

    inserem no mbito dos alojamentos. Elas carregam suas poucas posses com elas, dormindo nas ruas, nas

    portas ou no cais, ou em qualquer outro espao, de uma forma mais ou menos aleatria (UNSTATS, 2008).

    A ONU-Habitat enfatiza que ser uma pessoa em situao de rua tem mais relao com no pertencer a

    lugar nenhum, do que simplesmente no ter onde dormir. Dada a ausncia de uma definio global de

    falta de moradia, os dados disponveis sobre a dimenso desse fenmeno so limitados, o que impede

    o desenvolvimento de estratgias e polticas coerentes para prevenir e corrigi-lo.

    Alm da violao do seu direito moradia adequada, as pessoas em situao de rua podem ser

    privadas de uma srie de outros direitos humanos. Leis que criminalizam pobreza, vagabundagem

    ou dormir ao relento, juntamente a operaes de limpeza para remover pessoas em situao de rua

    tm um impacto direto sobre a sua integridade fsica e psicolgica e, consequentemente, o grave

    desrespeito dos direitos fundamentais segurana e liberdade individual das pessoas em situao de

    rua. Simplesmente por no ter um lugar seguro para viver, nem qualquer privacidade, pessoas sem

    abrigo so muito mais vulnerveis a violncia, ameaas e explorao sexual.

    Obrigaes dos Estados-membros no sentido da plena realizao do direito moradia adequada

    incluem tomar medidas para prevenir a falta de moradia. Entre as medidas a serem tomadas de

    imediato, o Comit menciona determinar a extenso da pobreza, bem como a adoo de uma

    estratgia nacional de habitao que deve refletir uma consulta genuna e ampla aos desabrigados.

    Tambm enfatiza que as remoes foradas no devem ter como consequncia que antigos

    moradores se tornem pessoas em situao de rua (UNITED NATIONS, 1997, par. 17).

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    26

  • f) Pessoas com deficincia

    Existem mais de 650 milhes de pessoas com deficincia no mundo, das quais cerca de 80% vivem em

    pases em desenvolvimento. As pessoas com deficincia geralmente vivenciam vrias barreiras para

    a fruio do seu direito moradia adequada, incluindo a falta de acessibilidade fsica, discriminao e

    estigmatizao, obstculos institucionais, a falta de acesso ao mercado de trabalho, baixa renda e falta

    de habitao social ou o apoio da comunidade.

    Acessibilidade uma questo fundamental. Habitao, instalaes e bairros so tradicionalmente

    concebidos para pessoas sem deficincia. A frequente excluso e marginalizao das pessoas com

    deficincia muitas vezes significa que elas no so ouvidas quando novas estruturas habitacionais

    ou bairros so desenvolvidos ou quando as favelas so urbanizadas. Elas tambm so vulnerveis

    a violaes de direitos associados ao direito moradia adequada. A falta de instalaes sanitrias

    adequadas em assentamentos informais, por exemplo, pode representar srios desafios.

    Segurana da posse outro desafio para pessoas com deficincia, em particular aquelas com deficincia

    intelectual ou psicossocial. A frequente falta de reconhecimento da sua capacidade legal, muitas vezes

    juntamente com os requisitos para que os exeram pessoalmente, significa que as pessoas com tais

    deficincias raramente so capazes de entrar em qualquer tipo de contrato formal de habitao (de

    locao, propriedade etc.) e, portanto, tm que confiar em meios menos formais para garantir habitao.

    Esses arranjos, por sua vez, podem torn-los mais vulnerveis a remoes foradas.

    Em geral, quando no se d conta do problema da estigmatizao, e servios comunitrios e sociais

    no esto disponveis incluindo programas de habitao social pessoas com deficincia enfrentam

    discriminao quando procuram moradia, ou desafios mais gerais, para garantir os recursos necessrios

    para a obteno de moradia adequada. Tais desafios, inevitavelmente, os tornam mais vulnerveis a

    despejos forados, falta de moradia e condies de moradia inadequadas.

    O Comentrio Geral n 4 do Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais estabelece que s pessoas

    com deficincia deve ser concedido o acesso pleno e sustentvel de recursos adequados de moradia,

    e que a lei de habitao e as polticas devem levar em conta as suas necessidades. No seu Comentrio

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    27

  • Geral n 5, o Comit reafirmou que o direito moradia adequada inclui a acessibilidade para pessoas com

    deficincia (UNITED NATIONS, 1994). A relatora especial sobre moradia adequada tambm sublinhou no

    s que a habitao deve ser fsica e economicamente acessvel para pessoas com deficincia, mas que elas

    devem ser capazes de participar efetivamente da vida da comunidade onde vivem.

    g) deslocados e imigrantes

    Pessoas em movimento, sejam refugiados, pessoas em busca de asilo, refugiados internos ou

    imigrantes, so particularmente vulnerveis a uma srie de violaes de direitos humanos, incluindo

    violaes do direito moradia adequada. Pessoas deslocadas so tambm particularmente vulnerveis

    discriminao, racismo e xenofobia, que pode ainda interferir com a sua capacidade de garantir

    condies de vida sustentveis e adequadas. As pessoas que foram removidas fora muitas vezes

    sofreram trauma durante a fuga, e perderam familiares e estratgias e mecanismos de apoio.

    Campos de refugiados e deslocados internos em todo o mundo, particularmente quando a relocao

    demora a acontecer, muitas vezes so dilapidados e superlotados, fornecendo abrigo e servios

    inadequados. s vezes, seus habitantes no recebem nenhum servio bsico, como alimentao ou

    possibilidades de higienizao pessoal. Mulheres e meninas deslocadas que vivem em acampamentos

    podem estar sujeitas violncia sexual e de gnero, por exemplo, por no ser dada bastante ateno

    s suas necessidades e vulnerabilidades especficas na construo do acampamento.

    Frequentemente os migrantes tambm acabam vivendo em condies precrias e inseguras em

    cidades e reas urbanas. Isso acontece porque, muitas vezes, eles so incapazes de alugar uma casa

    adequada, devido a seu status legal ou por problemas de discriminao. Assim, muitos so obrigados

    a viver em condies inseguras e de superlotao.

    Tambm no so raros os casos de empregadores que obrigam os trabalhadores domsticos

    migrantes ou operrios a morarem no seu local de trabalho. Muitos acabam vivendo em dormitrios

    superlotados, dormindo em turnos e sem acesso a saneamento adequado. Trabalhadores domsticos

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    28

  • so obrigados a dormir em quartos mal ventilados, armazns ou reas de estar comum com nenhum

    respeito pela sua dignidade, privacidade ou segurana pessoal.

    Imigrantes irregulares ou no documentados3, incluindo pessoas que tiveram seu pedido de asilo recusado,

    so particularmente vulnerveis a abusos de direitos humanos, incluindo a violao do seu direito moradia

    adequada. Sua falta de personalidade jurdica impossibilita que essas pessoas sejam parte em processos legais

    ou contratos, o que, juntamente com a criminalizao da imigrao irregular em muitos pases, significa que a

    maioria ser incapaz de desafiar as prticas discriminatrias de aluguel. As estratgias nacionais de habitao

    raramente incluem os imigrantes, e praticamente nunca incluem imigrantes irregulares.

    No contexto de solues duradouras, uma nova norma sobre moradia e restituio de bens surge para

    garantir os direitos dos refugiados e deslocados internos que decidiram regressar voluntariamente s

    suas casas originais. Repatriamento voluntrio e retorno tm, nos ltimos anos, evoludo para significar,

    para os refugiados, mais do que o mero retorno ao seu pas, e para os deslocados internos, mais do que

    a volta a uma cidade ou uma regio. cada vez mais entendido como o retorno retomada do controle

    sobre a prpria a casa, terra ou propriedade de origem. Refugiados e deslocados internos que optam por

    no voltar para suas casas devem ser protegidos contra o regresso forado em todas as circunstncias,

    e devem ser habilitados para reassentar em condies de respeito ao seu direito moradia adequada.

    Essa mudana tem sido cada vez mais refletida nas leis internacionais, regionais e nacionais e outros

    instrumentos que reconhecem explicitamente habitao e restituio da propriedade como um

    direito humano. Em agosto de 2005, a Sub-Comisso das Naes para a Proteo e Promoo dos

    Direitos Humanos aprovou os princpios de habitao e restituio de bens de refugiados e pessoas

    deslocadas, tambm conhecidos como Princpios Pinheiro. Esses princpios fornecem orientao

    prtica especfica para garantir o direito moradia e restituio de bens, e para a aplicao de

    leis, programas e polticas de restituio baseados em normas internacionais de direitos humanos,

    humanitrios e direitos dos refugiados j existentes (PINHEIRO, 2005).4

    3 Imigrantes no documentados so aqueles que esto no pas sem o visto adequado para a sua permanncia ou cuja permanncia excede o prazo autorizado pelo visto.

    4 Veja tambm FAO, 2007.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • h) Povos indgenas

    Os povos indgenas so mais propensos do que outros grupos a viver em condies inadequadas

    de moradia e, muitas vezes, sofrer discriminao sistmica no mercado habitacional. Particularmente

    preocupante a situao habitacional de pobreza em que eles geralmente vivem, (especialmente em

    comparao com as populaes majoritrias), incluindo servios bsicos inadequados. Como grupo,

    igualmente preocupante sua vulnerabilidade a situaes de deslocamento, insegurana da posse

    que tm sobre suas terras tradicionais, e s propostas alternativas de habitao culturalmente muito

    inadequadas, feitas muitas vezes pelas autoridades. Os povos indgenas sofrem discriminao em

    quase todos os aspectos da habitao: leis e polticas discriminatrias contra eles, falhando em no

    levar em conta as suas circunstncias especficas; h discriminao na atribuio de recursos para

    habitao, incluindo crditos e emprstimos; os proprietrios privados os discriminam no mercado

    particular de habitao.

    Enquanto a maioria dos povos indgenas ao redor do mundo ainda vive em reas rurais, so crescentes

    os nmeros dos que se deslocam, voluntria ou involuntariamente, para as reas urbanas, deixando

    para trs suas terras, territrios e recursos, e muitas vezes enfrentando uma realidade de pobreza

    ainda maior. Como resultado, as condies de moradia de muitos povos e indivduos indgenas em

    reas urbanas so inadequadas. As mulheres indgenas muitas vezes carregam o peso de condies

    precrias de moradia. Considerando-se que, em alguns pases, mais de metade da populao indgena

    vive em cidades, o seu direito moradia adequada representa um novo desafio para os governos.

    O Artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais estabelece que o

    direito moradia adequada se estende a todos. Alm disso, o Artigo 2 prev que todos os direitos

    previstos no Pacto devem ser exercidos sem discriminao. Isso quer dizer que os povos indgenas

    tambm tm o direito de desfrutar do direito moradia adequada, sem discriminao e em p de

    igualdade com o restante da populao (NAES UNIDAS, 1992).

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    30

  • 5. a internacionalizao do direito moradia adequada

    Quando a ONU foi criada, em 1945, dois teros da populao mundial viviam na zonal rural. Assim, a

    urbanizao e seus aspectos recebiam pouca ateno da Organizao. Em 1978, aps uma reunio

    em Vancouver conhecida como Habitat I, foi criada a Habitat, agncia da ONU para assentamentos

    humanos, que tem por finalidade a promoo de cidades social e ambientalmente sustentveis e

    com o objetivo de prover abrigo adequado para todos. Foi o incio da era de luta pelos direitos de

    fraternidade, aqueles que pertencem a todos, mas ao mesmo tempo no se pode identificar um

    grupo de indivduos que possa reclam-los. So direitos de toda a humanidade, ao mesmo tempo.

    De 1978 a 1997, a Habitat lutou praticamente sozinha entre as organizaes multilaterais para

    prevenir e amenizar os problemas decorrentes do enorme crescimento urbano, especialmente entre

    as cidades dos pases em desenvolvimento. Entre os anos de 1997 a 2002, quando mais de cinquenta

    por cento da populao mundial passou a habitar as cidades, a ONU-HABITAT guiada pela Agenda

    Habitat e pela Declarao do Milnio passou por uma grande revitalizao, usando sua experincia

    para identificar as prioridades emergentes para o desenvolvimento urbano sustentvel e tomar as

    necessrias correes de percurso.

    Em 1996, as Naes Unidas realizaram uma segunda conferncia sobre cidades, a Habitat II, em Istambul,

    na Turquia, para avaliar duas dcadas de progresso desde a Habitat I em Vancouver e definir novas metas

    para o novo milnio. Adotado por 171 pases, o documento poltico gerado a partir desta conferncia

    conhecido como Agenda Habitat, e contm mais de 100 compromissos e 600 recomendaes.5

    No dia 1 de janeiro de 2002, o mandato da agncia foi reforado, e seu status elevado para o de um

    programa de pleno direito do Sistema da ONU.6 A revitalizao colocou a ONU-HABITAT diretamente

    no centro da agenda de desenvolvimento das Naes Unidas para a reduo da pobreza.

    por meio dessa agenda que a ONU-HABITAT contribui para o objetivo global do Sistema das Naes

    Unidas de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentvel, exercendo uma grande

    5 Disponvel em: . Acesso em: 30 ago. 2013..

    6 Resoluo A/56/206 Assembleia Geral da ONU.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • influncia e um grande impacto sobre os temas relacionados ao direito moradia adequada. Os

    seus parceiros vo de governos e autoridades locais a uma seo transversal de organizaes no

    governamentais e grupos da sociedade civil ampla internacional.

    Depois destas modificaes de foco, apesar de ainda haver muito a ser feito, alcanou-se um

    entendimento mais avanado sobre o direito moradia adequada como um dos elementos do direito

    a um padro de vida adequado e tambm sobre os demais direitos que intimamente se relacionam

    a ele. O entendimento profundo que se tem sobre esse direito hoje auxilia nas polticas pblicas para

    garantir acesso e proteo ao direito moradia adequada.

    5.1. legislao internacional

    O direito moradia adequada um direito humano reconhecido na legislao internacional dos

    direitos humanos, como componente do direito a um padro de vida adequado.

    Uma de suas primeiras referncias est no Artigo 25 (1) da Declarao Universal dos Direitos Humanos

    (DUDH), que diz, textualmente:

    Toda pessoa tem direito a um padro de vida capaz de assegurar a si e a sua famlia sade e bem-estar, inclusive alimentao, vesturio, habitao, cuidados mdicos e os servios sociais indispensveis, e direito segurana em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistncia fora de seu controle (NAES UNIDAS, 1948).

    O Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (PIDESC), amplamente

    considerado como o instrumento central para a proteo do direito moradia adequada, nos

    mesmos moldes da DUDH, refere-se ao direito de todos a um padro de vida adequado para si e sua

    famlia, incluindo alimentao, vesturio e habitao, e com a melhoria contnua das condies de

    vida (NAES UNIDAS, 1992, art. 11).

    O Comit para os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais adotou vrios comentrios gerais sobre o

    direito moradia adequada. Os Comentrios Gerais n 4, 7 e 16, em especial, trazem luz s questes

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    32

  • relacionadas com a habitao e fornecem uma orientao confivel sobre as disposies do PIDESC

    (UNITED NATIONS, 1991, 1997,1988).

    Outros tratados internacionais de direitos humanos tm abordado o direito moradia adequada de

    diferentes maneiras. Alguns so de aplicao geral, enquanto outros cobrem os direitos humanos de

    grupos especficos, como mulheres, crianas, povos indgenas, trabalhadores imigrantes e membros

    das suas famlias, ou pessoas com deficincia.

    Vrias orientaes e princpios internacionais tambm estabelecem disposies especficas

    relativas ao direito moradia adequada. Apesar de no serem juridicamente vinculativos, ou

    seja, no terem fora legal, eles fornecem orientaes teis sobre a implementao do direito

    moradia adequada, especialmente para grupos especficos, como trabalhadores, refugiados

    e pessoas internamente deslocadas, idosos e povos indgenas. De particular relevncia so os

    princpios bsicos e as diretrizes sobre despejos e deslocamentos por consequncia de programas

    de desenvolvimento. Esses princpios e diretrizes foram desenvolvidos pela Relatoria Especial

    sobre Moradia Adequada e descrevem as obrigaes dos Estados de proteger seus cidados

    contra as remoes foradas, e lana outras obrigaes especficas que devem ser observadas

    antes, durante e aps os despejos.

    Vrias conferncias, declaraes e planos de ao, como a Declarao de Vancouver sobre

    Assentamentos Humanos (1976), a Agenda 21 (1992), a Declarao de Istambul sobre Assentamentos

    Humanos (1996), a Agenda Habitat (1996) e a Declarao do Milnio e de Desenvolvimento do Milnio

    (2000) tambm ajudaram a esclarecer vrios aspectos do direito moradia adequada e reafirmaram

    os compromissos dos Estados-membros da ONU para a sua realizao.

    O direito humanitrio internacional, o direito da guerra, tambm estabelece proteo especfica do

    direito moradia adequada tanto durante os conflitos armados internos, quanto durante os conflitos

    armados internacionais. Em seu Artigo 8, O Estatuto do Tribunal Penal Internacional reconhece como

    crime de guerra a extensa destruio e apropriao de bens que no seja justificada por necessidade

    militar e que seja executada de forma ilegal e arbitrria.

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    33

  • 5.2. Pacto internacional sobre direitos civis e Polticos

    Artigo 17 1. Ningum poder ser objeto de ingerncias arbitrrias ou ilegais em sua vida privada, em sua famlia, em seu domiclio ou em sua correspondncia, nem de ofensas ilegais sua honra e reputao. 2. Toda pessoa ter direito proteo da lei contra essas ingerncias ou ofensas (NAES UNIDAS, 2009).

    5.3. Pacto internacional sobre direitos econmicos, sociais e culturais

    Artigo 11 1. Os Estados-parte no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nvel de vida adequado para si prprio e para sua famlia, inclusive alimentao, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contnua de suas condies de vida. Os Estados-parte tomaro medidas apropriadas para assegurar a consecuo desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importncia essencial da cooperao internacional fundada no livre consentimento (BRASIL, 1992).

    5.4. comentrio Geral n 4 do comit de direitos econmicos, sociais e culturais

    Destacam-se os seguintes pontos de interpretao do Artigo 11 do PIDESC:

    6. O direito habitao adequada aplica-se a todas as pessoas. Enquanto a referncia a si prprio e sua famlia reflete a crena a respeito dos papis desempenhados pelo gnero de atividade econmica comumente aceitos em 1966, quando a Conveno foi adotada, a expresso no pode ser lida hoje implicando quaisquer limitaes sobre a aplicabilidade do direito aos indivduos ou a domiclios chefiados por mulheres ou outros grupos. Assim, a concepo de famlia deve ser entendida em sentido amplo. Alm disso, os indivduos, assim como as famlias, tm o reconhecimento de seu direito habitao adequada independentemente de idade, condio econmica, grupo ou outra pertinncia a um grupo ou quaisquer outros fatores como tais. Em particular, o gozo deste direito no deve, de acordo com o artigo 2(2) da Conveno, ser sujeito a qualquer forma de discriminao.

    7. Segundo o ponto de vista do Comit, o direito habitao no deveria ser interpretado em um sentido estreito ou restrito que o equipara com, por exemplo, o abrigo provido meramente de um teto sobre a cabea dos indivduos, ou julga o abrigo exclusivamente como uma mercadoria. Diferentemente, isso deveria ser visto mais propriamente como um direito a viver, onde quer que seja, com segurana, paz e dignidade. Isto apropriado por,

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

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  • pelo menos, duas razes. Em primeiro lugar, o direito habitao integralmente vinculado a outros direitos humanos e a princpios fundamentais sobre os quais a Conveno baseada. Esta inerente dignidade da pessoa humana, de que os direitos na Conveno so ditos derivar, exige que o termo habitao seja interpretado de forma que leve em conta uma variedade de outras consideraes, fundamentalmente que o direito habitao deveria ser assegurado a todas as pessoas independentemente da renda ou acesso a recursos econmicos. Segundamente, a referncia no artigo 11(1) deve ser lida referindo-se no apenas habitao, mas habitao adequada. Como a Comisso sobre Assentamentos Humanos e a Estratgia Global para Habitao para o ano 2000 afirmaram, habitao adequada significa privacidade adequada, espao adequado, segurana, iluminao e ventilao adequadas, infraestrutura bsica adequada e localizao adequada em relao ao trabalho e facilidades bsicas, tudo a um custo razovel.

    8. Assim, a concepo de adequao particularmente significante em relao ao direito habitao, desde que serve para realar um nmero de fatores que devem ser levados em considerao para constituir habitao adequada, pelos propsitos da Conveno. Enquanto a adequao determinada em parte por fatores sociais, econmicos, culturais, climticos, ecolgicos e outros fatores, o Comit acredita, contudo, que possvel identificar certos aspectos do direito que devem ser levados em considerao para este propsito em qualquer contexto particular. Eles incluem os seguintes:

    a. Segurana legal de posse. A posse toma uma variedade de formas, incluindo locao (pblica e privada), acomodao, habitao cooperativa, arrendamento, uso pelo prprio proprietrio, habitao de emergncia e assentamentos informais, incluindo ocupao de terreno ou propriedade. Independentemente do tipo de posse, todas as pessoas deveriam possuir um grau de sua segurana, o qual garanta proteo legal contra despejos forados, presses incmodas e outras ameaas. Estados-partes deveriam, consequentemente, tomar medidas imediatas com o objetivo de conferir segurana jurdica de posse sobre pessoas e domiclios em que falta proteo, em consulta real com pessoas e grupos afetados.

    b. Disponibilidade de servios, materiais, facilidades e infraestrutura. Uma casa adequada deve conter certas facilidades essenciais para sade, segurana, conforto e nutrio. Todos os beneficirios do direito habitao adequada deveriam ter acesso sustentvel a recursos naturais e comuns, gua apropriada para beber, energia para cozinhar, aquecimento e iluminao, facilidades sanitrias, meios de armazenagem de comida, depsito dos resduos e de lixo, drenagem do ambiente e servios de emergncia.

    c. Custo acessvel. Os custos financeiros de um domiclio associados habitao deveriam ser a um nvel tal que a obteno e satisfao de outras necessidades bsicas no sejam ameaadas ou comprometidas. Passos deveriam ser tomados pelos Estados-partes

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • para assegurar que a porcentagem dos custos relacionados habitao seja, em geral, mensurada de acordo com os nveis de renda. Estados-partes deveriam estabelecer subsdios habitacionais para aqueles incapazes de arcar com os custos da habitao, tais como formas e nveis de financiamento habitacional que adequadamente refletem necessidades de habitao. De acordo com o princpio dos custos acessveis, os possuidores deveriam ser protegidos por meios apropriados contra nveis de aluguel ou aumentos de aluguel no razoveis. Em sociedades em que materiais naturais constituem as principais fontes de materiais para construo, passos deveriam ser tomados pelos Estados-partes para assegurar a disponibilidade desses materiais.

    d. Habitabilidade. A habitao adequada deve ser habitvel, em termos de prover os habitantes com espao adequado e proteg-los do frio, umidade, calor, chuva, vento ou outras ameaas sade, riscos estruturais e riscos de doena. A segurana fsica dos ocupantes deve ser garantida. O Comit estimula os Estados-partes a, de modo abrangente, aplicar os Princpios de Sade na Habitao, preparados pela OMS, que veem a habitao como o fator ambiental mais frequentemente associado a condies para doenas em anlises epidemiolgicas, isto , condies de habitao e de vida inadequadas e deficientes so invariavelmente associadas com as mais altas taxas de mortalidade e morbidade.

    e. Acessibilidade. Habitaes adequadas devem ser acessveis queles com titularidade a elas. A grupos desfavorecidos deve ser concedido acesso total e sustentvel a recursos de habitao adequada. Assim, a grupos desfavorecidos como idosos, crianas, deficientes fsicos, os doentes terminais, os portadores de HIV, pessoas com problemas crnicos de sade, os doentes mentais, vtimas de desastres naturais, pessoas vivendo em reas propensas a desastres, e outros deveriam ser assegurados um patamar de considerao prioritria na esfera habitacional. Leis e polticas habitacionais deveriam levar em conta as necessidades especiais de habitao desses grupos. Internamente, muitos Estados-partes, aumentando o acesso a terra queles que no a possuem ou a segmentos empobrecidos da sociedade, deveriam constituir uma meta central de polticas. Obrigaes governamentais precisam ser desenvolvidas, objetivando substanciar o direito de todos a um lugar seguro para viver com paz e dignidade, incluindo o acesso ao terreno como um direito reconhecido.

    f. Localizao. A habitao adequada deve estar em uma localizao que permita acesso a opes de trabalho, servios de sade, escolas, creches e outras facilidades sociais. Isso vlido para grandes cidades, como tambm para as reas rurais, em que os custos para chegar ao local de trabalho podem gerar gastos excessivos sobre o oramento dos lares pobres. Similarmente, habitaes no deveriam ser construdas em locais poludos nem nas proximidades de fontes de poluio que ameacem o direito sade dos habitantes.

    g. Adequao cultural. A maneira como a habitao construda, os materiais de

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

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  • construo usados e as polticas em que se baseiam devem possibilitar apropriadamente a expresso da identidade e diversidade cultural da habitao. Atividades tomadas a fim do desenvolvimento ou modernizao na esfera habitacional deveriam assegurar que as dimenses culturais da habitao no fossem sacrificadas, e que, entre outras, facilidades tecnolgicas modernas sejam tambm asseguradas.

    9. Como se notou acima, o direito habitao adequada no pode ser visto isoladamente de outros direitos humanos contidos nos dois Pactos Internacionais e outros instrumentos internacionais aplicveis. Aluso j foi feita nesta considerao para a concepo da dignidade humana e do princpio da no discriminao. Alm disso, o pleno gozo dos outros direitos tanto o direito de liberdade de expresso, o direito de liberdade de associao (tal como associaes de locatrios e outras associaes comunitrias), o direito de liberdade de residncia e o direito de participar na tomada das decises pblicas indispensvel se o direito habitao adequada para ser realizado e mantido por todos os grupos da sociedade. Do mesmo modo, o direito de no ser sujeito interferncia arbitrria ou ilegal em sua privacidade, famlia, lar ou correspondncia constitui uma dimenso muito importante na definio do direito a uma habitao adequada.

    10. Independentemente do estado de desenvolvimento de qualquer pas, h alguns passos que devem ser tomados imediatamente. Como reconhecido na Estratgia Global para Habitao e em outras anlises internacionais, muitas das medidas requeridas para promover o direito habitao exigiriam apenas a absteno pelo governo de certas prticas e o comprometimento a facilitar a autoajuda pelos grupos afetados. Para que tais passos sejam considerados alm do mximo de recursos disponveis para um Estado-parte, apropriado que uma solicitao seja feita assim que possvel de cooperao internacional de acordo com os Artigos 11(1), 22 e 23 do Pacto, e que o Comit seja informado disto.

    11. Estados-partes devem dar prioridade devida queles grupos sociais que vivem em condies desfavorveis, dando-lhes particular considerao. Polticas e legislao no deveriam ser criadas para beneficiar grupos sociais j favorecidos, em detrimento de outros. O Comit ciente de que fatores externos podem afetar o direito a uma melhoria contnua das condies de vida, e que em muitos Estados-partes as condies de vida em geral declinaram durante a dcada de 80. Entretanto, como foi percebido pelo Comit no Comentrio Geral 2 (1990) (E/1990/23, anexo III), apesar de problemas causados externamente, as obrigaes do Pacto continuam a aplicar-se e so talvez at mais pertinentes durante tempos de contrao econmica. Assim, pareceria para o Comit que o declnio geral nas condies de vida e habitao, diretamente atribuveis a decises polticas e legislativas pelos Estados-partes e falta de medidas compensatrias que se faam acompanhar, seria inconsistente com as obrigaes assumidas no Pacto (NAES UNIDAS, 1992).

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • 6. marcos leGais e orientadores no Brasil

    O Estado tem trs tipos de obrigaes com relao ao direito moradia adequada: a obrigao de se

    abster de atos que ofendam tal direito, de proteger a moradia contra a interveno de terceiros e de

    atuar para sua realizao. A moradia integra o direito a um mnimo existencial.

    H vasta legislao voltada proteo da moradia e da posse sobre bens imveis, amparada na Constituio Federal de 1988, que assegura como princpios fundamentais a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1, incisos II e III). Est previsto no Ttulo II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, o direito propriedade, a subordinao desta ao cumprimento de sua funo social, e a possibilidade de desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou por interesse social, mediante justa e prvia indenizao em dinheiro (art. 5, incisos XXII, XXIII e XXIV). H proteo constitucional especificamente voltada para indgenas (art. 231) e quilombolas. O captulo sobre poltica urbana da Constituio Federal dispe sobre a funo social da propriedade urbana (art. 182 e 183) (ROLNIK, s.d.).

    A Constituio inclui ainda a moradia entre as necessidades vitais bsicas a serem atendidas pelo

    salrio-mnimo; fixa as competncias das entidades federativas no mbito da poltica habitacional e

    da poltica urbana; cria o fundo para combate e erradicao da pobreza; declara os direitos dos ndios

    e dos remanescentes dos quilombos.

    Em nvel infraconstitucional, so importantes instrumentos de atuao do Estado na moradia: o Estatuto da Cidade, com o estabelecimento de diretrizes gerais da poltica do desenvolvimento urbano a serem seguidas por todas as entidades federativas, o Sistema Financeiro de Habitao, os programas habitacionais do Ministrio da Cidade e o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social (GOMES, 2005).

    6.1. a constituio Federal de 1988

    Tratando-se especificamente sobre a questo do direito moradia, consta na Constituio Federal que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza [...] nos termos seguintes:

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

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  • [...] XI a casa asilo inviolvel do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinao judicial; [...]

    XXII garantido o direito de propriedade;

    XXIII a propriedade atender a sua funo social;

    XXIV a lei estabelecer o procedimento para desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou por interesse social, mediante justa e prvia indenizao em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituio;

    XXV no caso de iminente perigo pblico, a autoridade competente poder usar de propriedade particular, assegurada ao proprietrio indenizao ulterior, se houver dano;

    XXVI a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela famlia, no ser objeto de penhora para pagamento de dbitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; [...] (BRASIL, 1988, art. 5).

    No artigo 6, a Constituio afirma que so direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o

    trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados E no artigo 182 consta que a poltica de desenvolvimento urbano tem

    por objetivo ordernar [...] as funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, e a

    propriedade urbana cumpre esta funo quando atende s exigncias fundamentais de ordenao

    da cidade expressas no plano diretor (BRASIL, 1998, art 182, par. 2).

    A Constituio Federal tambm trata do direito de propriedade imobiliria:

    Art. 183. Aquele que possuir como sua rea urbana de at duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural.

    1 O ttulo de domnio e a concesso de uso sero conferidos ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

    2 Esse direito no ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

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  • 3 Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio [...]

    Art. 191. Aquele que, no sendo proprietrio de imvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra, em zona rural, no superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe- a propriedade.

    Pargrafo nico. Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio. (BRASIL, 1988).

    Quanto habitao rural, no artigo 184, consta na Constituio as questes sobre desapropriao de

    imveis rurais:

    Compete Unio desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrria, o imvel rural que no esteja cumprindo sua funo social, mediante prvia e justa indenizao em ttulos da dvida agrria, com clusula de preservao do valor real, resgatveis no prazo de at vinte anos, a partir do segundo ano de sua emisso, e cuja utilizao ser definida em lei [...] (BRASIL, 1988).

    A habitao rural cumpre uma de suas funes sociais quando sua explorao favorecer o bem-estar

    dos proprietrios e dos trabalhadores (BRASIL, 1988, art. 186, par. 4).

    6.2. lei n 10.257, de 2001 estatuto da cidade

    A Lei denominada Estatuto da Cidade estabelece normas que regulam o uso da propriedade urbana

    em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos cidados, bem como do equilbrio

    ambiental e refora, nos artigos 9o e 10, o contedo do artigo 183 da Constituio Federal sobre a

    questo do direito de propriedade imobiliria:

    Art. 9 Aquele que possuir como sua rea ou edificao urbana de at duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural. 1o O ttulo de domnio ser conferido ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 2o O direito de que trata este artigo no ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 3o Para os efeitos deste

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    41

  • artigo, o herdeiro legtimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que j resida no imvel por ocasio da abertura da sucesso.

    Art. 10 As reas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por populao de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, onde no for possvel identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, so suscetveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores no sejam proprietrios de outro imvel urbano ou rural (BRASIL, 2001).

    6.3. lei n 11.124, de 2005

    Esta Lei dispe sobre o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo

    Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS para garantir

    o direito habitao para a populao de baixa renda:

    Art. 2o Fica institudo o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social SNHIS, com o objetivo de:

    I viabilizar para a populao de menor renda o acesso terra urbanizada e habitao digna e sustentvel;

    II implementar polticas e programas de investimentos e subsdios, promovendo e viabilizando o acesso habitao voltada populao de menor renda; e

    III articular, compatibilizar, acompanhar e apoiar a atuao das instituies e rgos que desempenham funes no setor da habitao (BRASIL, 2005).

    No artigo 5o dessa Lei constam os rgos e entidades que integram o Sistema Nacional de Habitao

    de Interesse Social (SNHIS):

    I Ministrio das Cidades, rgo central do SNHIS;

    II Conselho Gestor do FNHIS;

    III Caixa Econmica Federal CEF, agente operador do FNHIS;

    IV Conselho das Cidades;

    V conselhos no mbito dos Estados, Distrito Federal e Municpios, com atribuies especficas relativas s questes urbanas e habitacionais;

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

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  • VI rgos e as instituies integrantes da administrao pblica, direta ou indireta, das esferas federal, estadual, do Distrito Federal e municipal, e instituies regionais ou metropolitanas que desempenhem funes complementares ou afins com a habitao;

    VII fundaes, sociedades, sindicatos, associaes comunitrias, cooperativas habitacionais e quaisquer outras entidades privadas que desempenhem atividades na rea habitacional, afins ou complementares, todos na condio de agentes promotores das aes no mbito do SNHIS; e

    VIII agentes financeiros autorizados pelo Conselho Monetrio Nacional a atuar no Sistema Financeiro da Habitao SFH.

    O Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS) foi criado com o objetivo de centralizar e

    gerenciar recursos oramentrios para os programas estruturados no mbito do SNHIS, destinados a

    implementar polticas habitacionais direcionadas populao de menor renda (BRASIL, 2005, art. 7).

    O FNHIS gerido por um Conselho Gestor, um rgo de carter deliberativo e composto de forma

    paritria por rgos e entidades do Poder Executivo e representantes da sociedade civil, e compete

    ao Ministrio das Cidades proporcionar ao Conselho Gestor os meios necessrios ao exerccio de suas

    competncias (BRASIL, 2005, art. 9-10).

    Alm disso, conforme o artigo 14 da Lei, compete ao Ministrio das Cidades:

    I coordenar as aes do SNHIS;

    II estabelecer, ouvido o Conselho das Cidades, as diretrizes, prioridades, estratgias e instrumentos para a implementao da Poltica Nacional de Habitao de Interesse Social e os Programas de Habitao de Interesse Social;

    III elaborar e definir, ouvido o Conselho das Cidades, o Plano Nacional de Habitao de Interesse Social, em conformidade com as diretrizes de desenvolvimento urbano e em articulao com os planos estaduais, regionais e municipais de habitao; [...]

    V monitorar a implementao da Poltica Nacional de Habitao de Interesse Social, observadas as diretrizes de atuao do SNHIS. (BRASIL, 2005). [...]

    Art. 17. Os Estados que aderirem ao SNHIS devero atuar como articuladores das aes do setor habitacional no mbito do seu territrio, promovendo a integrao dos planos habitacionais dos Municpios aos planos de desenvolvimento regional, coordenando

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    43

  • atuaes integradas que exijam intervenes intermunicipais, em especial nas reas complementares habitao, e dando apoio aos Municpios para a implantao dos seus programas habitacionais e das suas polticas de subsdios. [...]

    Art. 22. O acesso moradia deve ser assegurado aos beneficirios do SNHIS, de forma articulada entre as 3 (trs) esferas de Governo, garantindo o atendimento prioritrio s famlias de menor renda e adotando polticas de subsdios implementadas com recursos do FNHIS.

    Quanto aos interesses do cidado comum em relao moradia, o artigo 23 da Lei trata dos benefcios

    concedidos no mbito do SNHIS, que podero ser representados por:

    I subsdios financeiros, suportados pelo FNHIS, destinados a complementar a capacidade de pagamento das famlias beneficirias, respeitados os limites financeiros e oramentrios federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais; [...]

    IV outros benefcios no caracterizados como subsdios financeiros, destinados a reduzir ou cobrir o custo de construo ou aquisio de moradias, decorrentes ou no de convnios firmados entre o poder pblico local e a iniciativa privada.

    1o Para concesso dos benefcios de que trata este artigo sero observadas as seguintes diretrizes: [...]

    IV concepo do subsdio como benefcio pessoal e intransfervel, concedido com a finalidade de complementar a capacidade de pagamento do beneficirio para o acesso moradia, ajustando-a ao valor de venda do imvel ou ao custo do servio de moradia, compreendido como retribuio de uso, aluguel, arrendamento ou outra forma de pagamento pelo direito de acesso habitao;

    V impedimento de concesso de benefcios de que trata este artigo a proprietrios, promitentes compradores, arrendatrios ou cessionrios de imvel residencial. (BRASIL, 2005).

    6.4. lei n 11.481, de 2007

    Esta Lei prev medidas voltadas regularizao fundiria de interesse social em imveis da Unio. A

    Secretaria do Patrimnio da Unio do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto o rgo do

    Poder Executivo que est autorizado a executar aes de identificao, demarcao, cadastramento,

    registro e fiscalizao dos bens imveis da Unio, bem como a regularizao das ocupaes nesses

    D i r e i t o m o r a d i a a d e q u a d a

    44

  • imveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, podendo, para tanto, firmar convnios

    com os estados, Distrito Federal e municpios (BRASIL, 2007).

    Especificamente sobre assentamentos de populao de baixa renda em imveis da Unio, a Lei

    determina que:

    1o Nas reas urbanas, em imveis possudos por populao carente ou de baixa renda para sua moradia, onde no for possvel individualizar as posses, poder ser feita a demarcao da rea a ser regularizada, cadastrando-se o assentamento, para posterior outorga de ttulo de forma individual ou coletiva [...].

    Art. 6-A No caso de cadastramento de ocupaes para fins de moradia cujo ocupante seja considerado carente ou de baixa renda, na forma do 2o do art. 1o do Decreto-Lei no 1.876, de 15 de julho de 1981, a Unio poder proceder regularizao fundiria da rea, utilizando, entre outros, os instrumentos previstos no art. 18, no inciso VI do art. 19 e nos arts. 22-A e 31 desta Lei. [...]

    Art. 22-A A concesso de uso especial para fins de moradia aplica-se s reas de propriedade da Unio, inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos, e ser conferida aos possuidores ou ocupantes que preencham os requisitos legais estabelecidos na Medida Provisria no 2.220, de 4 de setembro de 2001.

    1o O direito de que trata o caput deste artigo no se aplica a imveis funcionais.

    2o Os imveis sob administrao do Ministrio da Defesa ou dos Comandos da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica so considerados de interesse da defesa nacional para efeito do disposto no inciso III do caput do art. 5o da Medida Provisria no 2.220, de 4 de setembro de 2001, sem prejuzo do estabelecido no 1o deste artigo.

    Art. 13 A concesso de uso especial para fins de moradia, a concesso de direito real de uso e o direito de superfcie podem ser objeto de garantia real, assegurada sua aceitao pelos agentes financeiros no mbito do Sistema Financeiro da Habitao SFH (BRASIL, 2007).

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    45

  • PA

    RT

    E 2

  • O C E N R I O B R A S I L E I R O

    7. adensamento domiciliar

    Dados do IBGE apontam uma mdia de 1,7 morador por dormitrio em 2009 (IBGE, 2010, p. 80). O

    acmulo de pessoas em um domiclio avaliado pelo nmero de cmodos servindo de dormitrio,

    conforme preconizam as recomendaes internacionais.

    No grfico abaixo apresentado o nmero mdio de pessoas por dormitrio segundo as regies do pas:

    Grfico 1Nmero mdio de pessoas por cmodo servindo de dormitrio, segundo as grandes regies do Brasil

    Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 1999/2009.* Exclusive a populao rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

    8. servios de saneamento

    Os servios de saneamento constituem a representao bsica de uma moradia digna. Domiclios

    com condies de abastecimento de gua por rede geral, esgotamento sanitrio e lixo coletado

    2,5

    2

    1,5

    1

    0,5

    0Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

    1999* 2009

    P o r u m a c u l t u r a d e d i r e i t o s h u m a n o s

    47

  • diretamente apresentam uma aproximao bastante razovel dessa realidade. Em 2010, somente

    62,6% dos domiclios urbanos brasileiros encontravam-se nessa condio especfica. Na regio Norte,

    apenas 13,7% do total dos domiclios tinha acesso aos servios simultneos de saneamento. Na regio

    Sudeste, verificou-se as melhores condies do pas, com 85,1% dos domiclios nessas condies

    (IBGE, 2010, p. 82).

    Grfico 2Proporo de domiclios particulares permanentes urbanos com servios de saneamento, segundo as grandes regies Brasil, 1999/2009

    Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 1999/2009.Nota: Domiclios com condies simultneas de abastecimento de gua por rede geral, esgotamento sanitrio por rede geral e lixo coletado diretament