morato, edwiges. metodologia em neurolinguística

Upload: julia-mendes

Post on 26-Feb-2018

239 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    1/28

    1

    METODOLOGIA EM NEUROLINGUSTICA

    Edwiges Maria Morato

    Todo smbolo, isolado, parece morto. O que que lhe d vida?S

    o usolhe d vida. Tem, ento, em si o sopro da vida? Ou o uso que o sopro

    da vida? (WITTGENSTEIN, Investigaes Filosficas, 1958, 432, grifos do

    autor)

    Introduo

    Este captulo pretende apresentar e discutir em termos gerais aspectos terico-metodolgicos da Neurolingustica, campo de estudos interdisciplinar dedicado s

    relaes entre linguagem, crebro e cognio. A propsito da demarcao fronteiria do

    campo, afirma Morato:

    H quem atribua o incio da Neurolingustica, como o fazemBouton (1984) ou Lecours e Lhermitte (1979), publicao, em1939, do livro Le Syndrome de Dsintgration Phontique, deAlajouanine, Ombredane (neurologistas) e Durand (foneticista).H tambm os que consideram a Neurolingustica um ramo(Luria, 1976) ou um subconjunto (Hcaen, 1972) daNeuropsicologia, o que significa circunscrev-la ao campo deestudo das perturbaes verbais decorrentes de leses cerebrais.Para autores como Whitaker e Whitaker (1976), em funo deseu complexo objeto, a Neurolingustica seria uma reafrancamente interdisciplinar que relaciona linguagem ecomunicao humana com algum aspecto do crebro ou dafuno cerebral. Por seu turno, Menn e Obler (1990) procuramdefinir a rea por meio de seu objetivo, que , segundo asautoras, teorizar sobre o como a linguagem processada nocrebro. (MORATO, 2012a, p. 168)

    Mais recentemente, em um livro de carter introdutrio, Ahlsn define a

    Neurolingustica como o estudo da relao entre diferentes aspectos da funo cerebral

    associada linguagem e comunicao. Para a autora, que no limita o campo a

    estudos em torno do contexto patolgico, cabe Neurolingustica explorar como o

    crebro compreende e produz linguagem e comunicao. (AHLSN, 2006, p. 3)

    A tendncia geral do campo revela clusters de influncia que, distintos em

    perspectiva e objetivos, tm atuado na agenda da Neurolingustica e na demarcao

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    2/28

    2

    fronteiria de seus interesses tericos e empreendimentos metodolgicos. Segundo

    Ahlsn (2006, p. 38):

    Os grupos de influncia que predominam em Neurolingustica

    durante os anos 1970 e 1980, e at os dias de hoje, combinam asseguintes partes:(a) a clssica influncia dos modelos Lichtheim-Geschwind,(b) o estruturalismo lingustico e/ou gramtica gerativa,(c) os testes de psicologia, estudos de grupo com uso daestatstica (mais recentemente, tambm estudos de caso), (d)modelagem serial e (e) terapia de tipo neoclssico, ou"neuropsicologia cognitiva" (na terminologia de Howard &Hatfield, 1987 ).Outro grupo baseia-se na tradio neuropsicolgica russa, isto, aquela ancorada nas ideias de Vygotsky e de Luria,juntamente com ideias de uma teoria geral dos sistemas(Bertalanffy, 1968).Um terceiro grupo, que tem se desenvolvido mais recentementeem Neurolingustica, baseado em ideias filosficas,antropolgicas e lingusticas no campo da Pragmtica.(traduo nossa)

    Distintas perspectivas e formas de conceber as relaes entre linguagem, crebro

    e cognio podem ser encontradas em Neurolingustica; podemos encontrar no campo

    um verdadeiro mosaico de modos de investigao, hbridos ou complementares, a elas

    associado: mtodos experimentais e observacionais, quantitativos e qualitativos,transversais e longitudinais.

    possvel tambm encontrar vrias combinaes das influncias mencionadas

    acima no campo da Neurolingustica, bem como o desenvolvimento de diversas

    interfaces permitidas pela agenda cientfica da Lingustica e das Neurocincias.

    Ao se dedicar descrio e anlise da estrutura, organizao e funcionamento

    da linguagem, a Neurolingustica tem expandido mais recentemente seus interesses

    tericos, indo alm do foco no sistema lingustico e seus diferentes nveis de

    constituio, voltando-se tambm estruturao e gesto das prticas discursivas, ao

    processamento textual, aos contextos locais e sociais de produo e interpretao do

    sentido, s semioses no verbais, aos processos cognitivos com os quais

    compreendemos e atuamos no mundo (dentre os quais a memria, a ateno, a

    percepo, a gestualidade, etc.), preocupao com a constituio do corpus e sua

    visibilidade (MORATO, 2012a).

    Disciplina hbrida, a Neurolingustica mantm relaes estreitas com as

    Neurocincias, servindo-se de uma complexa e variada metodologia desenvolvida nesse

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    3/28

    3

    campo: estudo da linguagem e da comunicao aps leses cerebrais por meio de vrios

    recursos metodolgicos, como os testes diagnsticos, a observao da linguagem e da

    comunicao em ambientes naturais de produo, as simulaes computacionais, a

    elaborao de modelos de processamento lingustico e cognitivo por meio de tcnicas

    cada vez mais sofisticadas (porque funcionais e temporais, no apenas estruturais) de

    imageamento cerebral.1

    Com relao s Neurocincias, a Neurolingustica compartilha um conjunto de

    interesses em torno do velho problema mente-crebro:

    Como o crebro reage diante das dificuldades lingusticas ecognitivas que se impem aps o dano neurolgico? Como sedesenvolve a plasticidade cerebral e como ela atua nodesenvolvimento e no declnio cognitivo? Como as crianasdesenvolvem e usam a linguagem? Qual a responsabilidade docrebro em relao aos processos cognitivos, e qual seria aresponsabilidade destes em relao ao crebro, sua estrutura eseu funcionamento? Em que medida possvel visualizarsubstratos cerebrais do processamento lingustico e cognitivo?(MORATO, 2012a, p. 171)

    Nascida no seio dos estudos naturalistas da Medicina dos sculos XVIII e XIX,

    no seria exagero considerar que uma parte expressiva da pesquisa produzida no campo,

    notadamente a que se dedica ao contexto patolgico, deriva ou caudatria do chamado

    mtodo clnico - mtodo no qual se forja como cincia na melhor tradio racional-

    empirista da poca.

    A herana naturalista e fenomenolgica, to cara s descries neurobiolgicas

    dos processos mentais e seus sintomas, encontrou no positivismo filosfico e no

    estruturalismo lingustico um ambiente intelectual capaz de promover o

    desenvolvimento da Neurolingustica no decorrer do sculo XX. Entretanto, esse

    aparato terico deixa de fornecer explicaes sobre achados empricos que foram

    tornando evidente a necessidade de superao de explicaes ad hoce de elaborao de

    construtos tericos que pudessem enfrentar os desafios colocados aos que se interessam

    pelo problema mente-corpo.

    1Ver, a propsito, uma discusso crtica de Coulson (2007) a respeito de resultados obtidos por mtodode investigao cerebral no invasiva, em especial, potenciais evocados, bem como das possibilidades deinvestigao da atividade cerebral implicada no processamento de construes lingusticas complexas(como ironia, compreenso de chistes, frames, etc.). Ver, ainda, estudos de orientao experiencialista,

    tais como os de Gallese e Lakoff (2005) e de Bergen e Chang (2005), bem como os afiliados TeoriaNeural da Linguagem (Feldman, 2006).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    4/28

    4

    Modelos ou construtos tericos mais abrangentes e consistentes do ponto de

    vista das vias explicativas encontradas para a questo cognitiva e seu oceano de

    motivaes (SALOMO, 2010)2 foram pouco a pouco superando as primeiras

    explicaes baseadas na correlao antomo-clnica e no localizacionismo estreito que

    alocava as funes mentais em sedes ou regies altamente circunscritas no crebro:

    referimo-nos s inflexes funcionalistas, interacionistas e sociocognitivistas3 admitidas

    pelo campo nas ltimas dcadas, de modo a priorizar a investigao da linguagem, do

    crebro e da cognio em uso, no contexto de prticas humanas situadas social e

    culturalmente; referimo-nos ao aumento do interesse pelo estudo da co-ocorrncia de

    processos semiticos nas atividades de significao e de comunicao, bem como pela

    integrao das dimenses biolgica e sociocultural das atividades mentais; referimo-nos

    arbitragem qualificada de metodologias variadas e preocupao com a constituio

    do corpus e com a visibilidade dos dados de pesquisa; referimo-nos introduo

    decisiva das discusses sobre tica e recepo social no tocante s relaes entre o

    normal e o patolgico e s prticas diagnsticas de patologias lingustico-cognitivas,

    como as afasias e a Doena de Alzheimer; referimo-nos integrao de instrumentos

    biotecnolgicos (como os recursos de neuroimagem, exames de potencial evocado

    relacionados a evento/ERPs, etc.) e corpora constitudos em situaes de uso nos

    estudos sobre linguagem e cognio.

    Esse quadro de interesses mais recente do campo tem permitido a expanso de

    perspectivas e mtodos de investigao, de modo a colocar em xeque, entre outras

    coisas, os testes psicomtricos tradicionais - essencialmente metalingusticos -

    utilizados na avaliao da linguagem patolgica e na correlao antomo-clnica.

    A discrepncia observada entre comportamentos neuropatolgicos e

    comportamentos cotidianos (cf. LOCK, 2011), por seu turno, tem estimulado no terreno

    2 A cognio (inclusive a cognio lingustica) um conjunto de processos motivados, como lembraSalomo (2010): pela evoluo biolgica, pela neurobiologia, pela histria da lngua, pela prpria lnguacomo sistema emergente sincronicamente, pela situao discursiva, pelas intenes e restries de que

    portador o sujeito que fala (ou que interpreta). A recusa de uma mente descarnada de seus usurios,nesse sentido, no deixa de apontar distintas reflexes e mtodos no campo da Lingustica, assim comoocorre no campo da Neurolingustica. Tal percepo se torna mais forte quando levamos em conta amaneira como tratado o biolgico e o corporal na discusso da problemtica cognitiva, ou, maisespecificamente, como so estudados os processos cerebrais implicados na cognio e vice-versa.

    3O que rene essas distintas, porm assemelhadas perspectivas, em linhas gerais, a tese segundo a quala prxis social responsvel pela modulao da experincia lingustico-cognitiva, de modo tal que

    circunscreve os tipos e as possibilidades da nossa relao com o mundo. Nessa perspectiva, reconhece-seque a cognio resultado - e no um antecedente - da interao dos indivduos com o mundo.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    5/28

    5

    das prticas clnicas a criao de modelos tericos e procedimentos investigativos mais

    complexos, centrados nas aes dos indivduos e suas interaes com o mundo social.

    Com isso, procedimentos diagnsticos sumrios e dados de imageamento cerebral

    deixam de ser a (nica) fonte de informaes sobre contedos mentais, normais ou

    patolgicos.

    Influenciada pelos movimentos funcionalistas e interacionistas desenvolvidos no

    campo da Lingustica a partir de meados do sculo XX, a pesquisa neurolingustica tem

    se colocado mais recentemente o desafio de investigar aspectos formais e discursivos da

    produo e da compreenso da linguagem em circunstncias de uso e de prtica

    cotidiana.

    Nesse movimento de expanso de seu objeto, a Neurolingustica passa a

    convocar de maneira mais incisiva a presena da Lingustica Funcionalista,

    Sociocognitiva e Interacionista na investigao das relaes entre crebro, linguagem e

    cognio.

    Enfraquecido, o modelo biomdico que tradicionalmente marca o campo,

    calcado no mtodo cientfico do sculo XIX, modifica-se frente a questes postas por

    construtos tericos de base funcionalista e sociognica. Isso particularmente

    importante para as novas concepes de crebro e de mente que se foram forjando a

    partir do esgotamento de modelos neurobiolgicos fortemente modularistas e do

    surgimento de construtos tericos baseados na noo de cognio social4 que, entre

    outras coisas, defendem uma concepo de mente no descarnada de seus usurios

    (SALOMO, 1999).

    A inflexo interacionista e sociocognitiva observada no terreno da Lingustica5e

    no das Cincias da Cognio6a partir de meados do sculo XX se deixa ver na agenda

    da rea e na rediscusso de alguns de seus temas fulcrais. Assim que podemos

    observar na literatura neurolingustica a reanlise da semiologia lingustica eneuropsicolgica tradicional das patologias, o estreitamento das relaes entre o

    lingustico e o cognitivo e a discusso sobre a prtica diagnstica, no mais confinada

    4Segundo Tomasello (1999/2003), a cognio social, intersubjetiva e perspectivada, pode ser entendidacomo a [...] capacidade de cada organismo compreender os co-especficos como seres iguais a ele, comvidas mentais e intencionais iguais s dele (TOMASELLO, 2003, p. 7).

    5 Cf. SALOMO (1999), MARCUSCHI (2002), MONDADA e DUBOIS (1995/2003), MORATO(2004).

    6Cf. TOMASELLO (1999/2003), VARELA, THOMPSON e ROSCH (1992), KOCH e CUNHA-LIMA(2004), SALOMO (2010).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    6/28

    6

    esfera mdica e sim estendida a todo o corpo social (a respeito das implicaes dessas

    (re)discusses nos estudos sobre a afasia e a Doena de Alzheimer, ver, entre outros,

    MORATO, 2012a, 2010a; S, 2011; CRUZ, 2008).

    De qualquer modo, no podemos deixar de considerar que, de fato, o mtodo

    clnico ainda impregna fortemente algumas disciplinas cientficas que se firmaram

    enquanto tais ao final do sculo XIX. Assim, no deixamos de nos deparar, hora atual,

    com reflexes, impasses e dilemas prprios de dicotomias clssicas que marcam esse

    incio do campo, tais como sensrio-motor, mente-corpo, percepo-ao, conceptual-

    lingustico.

    A postulao de uma relao de dicotomia entre os termos aludidos acima, como

    muitos autores tm apontado, limita a compreenso da cognio humana e mesmo as

    torna um mistrio insondvel; tambm a relao de homologia, observe-se, impede que

    compreendamos mais especificamente a forma pela qual agimos sobre a realidade ou a

    interpretamos e compartilhamos. A equivalncia entre os elementos postos em relao,

    ou a primazia do primeiro elemento do binmio sobre o segundo ancora ainda um

    argumento nem sempre explicitado, como observa Morato (2012b): a indistino entre

    homem biolgico e homem social, a partir do que o segundo acaba, via de regra,

    subordinado ao primeiro, num processo de naturalizao da dimenso sociocultural da

    atividade cerebral. A tese de um "crebro social", na expresso de Ehrenberg (2008),

    traz de forma prioritria ou decisiva para o campo das cincias biolgicas o tratamento

    de questes classicamente abordadas pelas cincias sociais (como a empatia, a

    intersubjetividade, a cultura, a interao):

    Para uma parcela das Neurocincias, a cognio humana - e acognio socialtorna-se hoje uma questo biolgica decisiva,uma espcie de naturalismo s avessas, um naturalismo

    como idia social (EHRENBERG, 2007, 2008). Podemosapontar alguns exemplos das questes que podem serlevantadas a partir desse naturalismo. Para o que interessa reflexo sobre metaforicidade, vale dizer que uma perspectivaneurobiolgica estreita, ao aventar, por exemplo, umacorrelao direta neural para o processamento de metforasconvencionais, deixa de levar em conta, entre outras coisas, quea conveno seja na linguagem, seja em outros processoscognitivos - deriva do fato de que a conveno faz parte danatureza humana. (MORATO, 2012b, p.180)

    A questo do mtodo no campo da Neurolingustica: o nascimento da clnica

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    7/28

    7

    A Neurolingustica, como procuramos apontar na seo anterior, se desenvolve

    inicialmente no ambiente descritivista e classificatrio das cincias naturais.

    Foucault um dos autores que nos ajudam a entender as implicaes atuais

    desse legado7. Segundo o autor (1963/1977), podemos observar entre o sculo XVIII e

    o XIX uma diferena importante na formulao discursiva da doena e do mtodo para

    investig-la. Para o autor, o aparecimento da clnica, como fato histrico, deve ser

    identificado com o sistema destas reorganizaes:

    no foi, portanto, a concepo de doena que mudouprimeiramente, e em seguida a maneira de reconhec-la; nemtampouco o sistema de sinais foi modificado e, em seguida ateoria; mas todo o conjunto e, mais profundamente, a relao dadoena com este olhar a que ela se oferece e que, ao mesmotempo, ela constitui ... no h separao a fazer entre teoria eexperincia. (FOUCAULT, 1977, p.101)

    Constitudo no sculo XIX, o mtodo clnico baseia-se na relao entre signo e

    sintomaque estaria mais prximo do essencial e da inacessvel natureza da doena.

    As funes do signo, bem como da nomeao da doena, so enunciadas pelo autor da

    seguinte forma: o signo prognostica o que vai se passar; faz a anamnese do que se

    passou; diagnostica o que ocorre atualmente (...) Atravs do invisvel, o signo indica o

    mais longnquo, o que est por baixo, o mais tardio (1977, p.102).

    Na virada do sculo XVIII para o XIX, essa perspectiva referencialista se

    encontra no corao do mtodo clnico: ela supostamente permite ao investigador (no

    caso, o mdico ou o neuropatologista) que nomeia uma doena conhec-la em sua

    essncia:

    No toa que o final do sculo XVIII marcou a preocupao

    com a terminologia, com o jargo tcnico, com a classificaodas doenas maneira de uma classificao de fenmenos danatureza, como o faziam os botnicos, por exemplo. (...) Vimosque, para Foucault, praticamente tudo, no mtodo clnico, estrelacionado com a doena, com o sintoma. A mudana queocorre entre os sculos XVIII e XIX est ligada emergnciado olhar do mdico no campo dos sinais e dos sintomas.(MORATO, 2010a, p. 37-38)

    7H outros autores que tambm se dedicam histria social das prticas mdicas e da constituio daclnica, como Roy Porter (1991/1994), Denis Forest (2005) ou Margaret Lock (2011).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    8/28

    8

    De forma distinta do pensamento do sculo anterior, que toma o sintoma como

    ndice da doena, agora o sintoma descrito se confunde com ela: tudo na doena

    fenmeno de si mesma (FOUCAULT, 1977, p.135). No surpreende, pois, como

    assinala Lanteri-Laura (1989), que toda a rede semiolgica das patologias de linguagem

    se ancora nessa transformao do sintoma em um significante lingustico. A linguagem

    (ou um ideal de lngua) torna-se uma mina de informaes a respeito de contedos

    mentais8.

    Como assinala Canguilhem (1995), a classificao nosogrfica encontra no

    sculo XIX um substrato nos conhecimentos adquiridos pela anatomia patolgica. Nas

    palavras do autor, que via continuidade e no mera ruptura entre o normal e o

    patolgico:

    essa evoluo resultou na formao de uma teoria das relaesentre o normal e o patolgico, segundo a qual os fenmenospatolgicos nos organismos vivos nada mais so que variaespara mais ou para menos, dos fenmenos fisiolgicoscorrespondentes. Semanticamente, o patolgico designado apartir do normal, no tanto como aou dis, mas como hiperouhipo. Essa teoria no defende absolutamente a tese de que sadee doena sejam opostos qualitativos, foras em luta, apesar deconservar a confiana tranquilizadora que a teoria ontolgicadeposita na possibilidade de vencer tecnicamente o mal. (p.53)

    A investigao das afasias, alteraes de linguagem decorrente de leses

    adquiridas no sistema nervoso central que tm ocupado um lugar de destaque entre os

    temas abordados pela Neurolingustica, constituda e fortemente marcada pela

    influncia do mtodo clnico do sculo XIX. Tanto a correlao antomo-clnica, quanto

    a psicometria so elementos que normalmente tm funcionado como mtodo de

    estabelecimento da semiologia (ou sintomatologia) da sndrome afsica, base por suavez do diagnstico e da conduta clnico-teraputica: A nomeao de doenas envolve

    classificao, promove o prognstico e indica a terapia (PORTER, 1994, p.365).

    8 Como salienta Morato (2010a, p. 27): Ao fazer referncia ao termo semiologia para se referir aossintomas e sinais de doenas, a tradio mdica tem consagrado uma relao de quase sinonmia entre

    signo e sintoma, entre semiologia e sintomatologia, entre estruturas ideolgicas e prticas de

    institucionalizao de cincias mdicas e sociais, temas profunda e criticamente estudados por Michel

    Foucault em vrios de seus livros, tais como Doena mental e psicologia (1975[1954]), O nascimento da

    clnica (1977[1963]), As palavras e as coisas (1995[1966]), A arqueologia do saber (1987[1969]) e Aordem do discurso (1995[1970]).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    9/28

    9

    Se no podemos negar que o mtodo clnico tem sofrido modificaes desde os

    meados do sculo XX, ele ainda impe implicaes e desafios aos neurolinguistas. A

    ttulo de exemplificao, podemos mencionar alguns deles:

    preservao da classificao tradicional das afasias e de outras patologias,

    ancorada nas dicotomias j aludidas na seo anterior;

    relao ainda fortemente instrumental das Cincias Mdicas e das

    Neurocincias com as teorias lingusticas;

    rigidez de estruturas diagnsticas, baseadas em modelos estritamente

    biomdicos.

    A agenda da Neurolingustica

    Atualmente, os estudos sobre a afasia e mesmo sobre o contexto patolgico no

    correspondem totalidade dos temas abarcados pela Neurolingustica. Resumidamente,

    elencamos, abaixo, os principais temas que tm integrado a agenda da Neurolingustica

    nos ltimos anos (cf. MORATO, 2012a):

    estudo do processamento normal e patolgico da linguagem, oral e escrita;

    estudo dos mecanismos cognitivos que constituem as habilidades lingusticas;

    estudo da repercusso dos estados patolgicos no funcionamento da

    linguagem;

    estudo e discusso da semiologia das afasias, da Doena de Alzheimer e de

    outros contextos neuropsicolingusticos;

    estudo das condies neurolingusticas da surdez e do bilinguismo;

    estudo (neuro)lingustico e sociocognitivo do envelhecimento normal e

    patolgico;

    estudo da relao linguagem-cognio em contextos no necessariamente

    patolgicos;

    a questo do mtodo: constituio do corpus, sistema de notao e tratamento

    dos dados;

    discusso de aspectos ticos e jurdicos relacionados ao contexto da pesquisa

    neurolingustica.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    10/28

    10

    No tocante aos mtodos empregados pela Neurolingustica, podemos pensar

    tambm em clustersde influncia. A rea tem se servido de uma complexa e variada

    metodologia, tanto quantitativa e experimental, quanto qualitativa e observacional:

    estudo da linguagem e da comunicao aps leses cerebrais por meio de vrios

    recursos analticos, como testes diagnsticos, observaes pormenorizadas realizadas

    em ambientes naturais, protocolos de estudo com foco em determinados processos e

    modelos de ao e enquadres cognitivos, simulaes computacionais e tcnicas de

    imageamento cerebral.

    Nesse cenrio, a anlise lingustica de dados obtidos no contexto patolgico,

    bem como o estudo sistemtico da relao entre linguagem, crebro e cognio em

    diferentes contextos de produo permite diferentes e prolferos movimentos tericos:

    colabora com o entendimento dos processos normais de aquisio e

    desenvolvimento da linguagem e da cognio;

    promove a construo de teorias pontes no interior da prpria Lingustica;

    atua na relao interdisciplinar entre a Lingustica e outras reas do

    Conhecimento;

    contribui para o desenvolvimento terico e prtico de atividades clnico-

    teraputicas.

    As arbitragens interdisciplinares e suas implicaes metodolgicas da

    Neurolingustica

    De maneira breve e esquemtica, e levando em conta as influncias que recebe

    de relaes interdisciplinares que mantm com outras reas do Conhecimento, podemos

    apontar certos aspectos terico-metodolgicos de algumas das tendncias observadas no

    campo da Neurolingustica.

    A pesquisa de natureza clnico-teraputica , sem dvida, a primeira tendncia a

    ser assinalada. Ligada ao prprio nascimento do campo e fundadora de sua prtica

    cientfica, ocupa parte expressiva da agenda da pesquisa neurolingustica, ainda bastante

    inspirada no mtodo clnico. Outras tendncias que destacaremos no escopo deste

    captulo so de cunho psicolingustico, de carter predominantemente experimental, e

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    11/28

    11

    de cunho sociocognitivo, de carter predominantemente observacional, cujos interesses

    principais recaem no estudo da linguagem e da cognio em situaes de uso e de

    interao. Vejamos a primeira e mais forte tendncia terico-metodolgica do campo, a

    pesquisa clnica.

    Abordagens biomdica e social na pesquisa clnica e nas prticas diagnsticas

    A Neurolingustica em muito deriva dos estudos dedicados s afasias

    (Afasiologia) desenvolvidos inicialmente por mdicos, na segunda metade do sculo

    XVIII. Apenas em meados do sculo XX, com os trabalhos de Roman Jakobson

    (1954/1981), surgem as abordagens propriamente lingusticas das alteraes de

    produo e compreenso da linguagem decorrentes de leses cerebrais adquiridas.

    Herdeiro desse incio marcado pela emergncia e consolidao da prtica clnica

    (e do olhar clnico, nos termos de Foucault, 1977/1963), o modelo biomdico

    normalmente investiga e diagnostica a afasia

    por meio de exames de neuroimagem, consultas clnicas ebaterias especficas de testes-padro.9Por vezes, isso tambm feito com o concurso da observao rica e detalhada docomportamento geral do paciente, bem como de entrevistas comele e seus familiares e prximos. (MORATO, 2010a, p.26-7)

    Em um modelo biomdico, como afirma Cruz (2008), a questo diagnstica

    torna-se questo central por inmeras razes, dentre as quais: i) necessidade social de

    procedimentos avaliativos das competncias humanas, de condutas profilticas, de

    intervenes clnico-teraputicas, de levantamentos epidemiolgicos, etc.; ii)

    necessidade de estabelecimento de parmetros e mtodos considerados precisos de

    diagnstico diferencial e de determinao do grau de severidade das patologias

    9Vale lembrar, a propsito, que os testes diagnsticos clssicos utilizados na rea de Neuropsicologia ede Neurolingustica em geral dedicam-se a certos aspectos da linguagem, chamados metalingusticos (taiscomo nomeao, descrio ou repetio de palavras e frases), ancorados em uma forte tradio gramatical

    baseada na palavra como unidade de anlise. Em suma, so tarefas baseadas em formasdescontextualizadas e relacionadas a si mesmas (como a relao paradigmtica entre palavras, o

    processamento de proposies, a evocao de gestos articulatrios) e menos afeitas a situaes de usocotidiano, pragmtico e discursivo da linguagem. Curiosamente, os protocolos destinados investigaode estados mentais e ao diagnstico de Doena de Alzheimer se servem de tarefas lingusticas queintegram os testes de diagnstico e estudo das afasias, como o Teste de Boston (GOODGLASS eKAPLAN, 1972), o de Anne-Lise Christensen (1974), o PALPA (KAY, LESSER e COLTHEART,

    1992), o M1Alpha (NESPOLOUS, LECOURS et al., 1986), etc. Entre os que so comumente utilizadosna investigao e diagnstico de estados mentais, mencionamos o Mini-Mental State/MNS (FOLSTEIN eFOLSTEIN, 1975) e o Teste Cognitivo de Cambridge/CAMCOG (ROTH et al., 1986).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    12/28

    12

    lingusticas e cognitivas; iii) uso de metodologias e critrios admitidos como vlidos na

    investigao cientfica e na constituio de diagnsticos; iv) estabelecimento de

    bioindicadores de patologias cuja origem ainda est por ser conhecida ou confirmada; v)

    identificao social dos profissionais que atuam na orientao da conduta preventiva,

    indicao de medidas comunitrias e interveno clnico-teraputica.

    Os temas predominantes do modelo biomdico relativamente Doena de

    Alzheimer, por exemplo, como ressalta Cruz (2008), esto voltados para os riscos,

    preveno e descoberta de biomarcadores, bem como para a identificao de

    predisposies genticas. Essa agenda, ressalta a autora, define a pertinncia do que

    considerado como tema, corpuse dado na pesquisa biomdica.

    No ponto em que estamos, poderamos indagar: quais as consequncias da

    racionalizao da prtica diagnstica em termos metodolgicos, presente nas baterias de

    teste-padro e na correlao antomo-clnica? O que fazer, por outro lado, quando esses

    dispositivos metodolgicos no so tomados como fonte exclusiva ou principal das

    informaes sobre patologia e normalidade?

    Se levarmos em conta que nossos processos cognitivos foram se mostrando j

    em tempos em que sequer existia o tomgrafo - no redutveis intimidade do tecido

    neural (cf. LURIA, 1949/1973), o no organicismo se encontra hoje entre as fortes

    tendncias no campo das Neurocincias, assim como os estudos centrados no uso e nos

    contextos variados de interao se confirmam como tendncia importante no campo dos

    estudos lingusticos.

    No campo das Neurocincias convivem mtodos de investigao mais invasivos

    da atividade cerebral, por meio de estudos eletrofisiolgicos em pacientes com leses e

    tcnicas de neuroimagem que atingem no apenas camadas superiores do crtex, mas

    todo o crebro (inclusive regies mais profundas, como a regio do hipocampo, o

    sistema lmbico e a rea subcortical, como a regio de tronco cerebral), e mtodosmenos ou no invasivos, mais ou menos superficiais, que envolvem bioeletricidade e

    mobilizao hemodinmica. Estes ltimos, cumpre observar, nem sempre so

    considerados dispositivos metodolgicos confiveis para correlaes precisas entre

    processos lingusticos e cerebrais, patolgicos ou no.

    Apesar dos formidveis avanos no campo, os recursos biotecnolgicos de que

    dispomos ainda no explicam com preciso como o crebro funciona e como interage

    com processos simblicos e por eles influenciado e constitudo. Tal situao chamaainda mais a ateno para a relevncia das anlises observacionais e experimentais dos

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    13/28

    13

    processos lingusticos e cognitivos, que se constituem de fato na face terica e emprica

    mais perceptvel da colaborao da Lingustica com os estudos que envolvem

    linguagem, crebro e cognio.

    Com relao perspectiva no estruturalista no campo da Neurolingustica,

    podemos mencionar os estudos que se pautam pela anlise conversacional das prticas

    de linguagem de indivduos crebro-lesados (ULATOWSKA et al. 2010; LESSER e

    MILROY, 1993; FERGUNSON, 1996; DAMICO et al., 1999; KLIPPI, 2000;

    SCHEGLOFF, 2003; LEIBING e COHEN, 2006; GOODWIN, 2003; CHAPMAN et

    al., 1998, dentre muitos outros), bem como aqueles que, a partir de dados obtidos por

    meio de protocolos de estudo ou observao de contextos naturais de produo e

    compreenso de linguagem de indivduos com afasia e com Doena de Alzheimer

    procuram teorizar sobre processos patolgicos e no patolgicos de (re)estruturao e

    funcionamento da linguagem e da cognio de uma forma geral.

    Tanto uma, quanto outra linha de trabalho coloca em xeque a clssica definio

    estruturalista de afasia enquanto alterao essencial da capacidade de realizar operaes

    metalingusticase de Doena de Alzheimer enquanto alterao essencialmente mental

    (isto , no lingustica):

    A tese de que as afasias e as demncias afetam respectivamenteo lingustico e o cognitivo tomados como dimensesdicotmicas (e no distintas) do conhecimento dificulta umacompreenso abrangente do que se encontra preservado oualterado, e do que se reorganiza aps o comprometimentocerebral. (MORATO, 2012b, 184)

    Estudos que vimos desenvolvendo no grupo de pesquisa Cognio, Interao e

    Significao (COGITES)10sobre interpretao e produo de metforas e expresses

    formulaicas (idiomatismos e provrbios) por indivduos afsicos e com Doena deAlzheimer demonstram que sua interpretao e uso tm mais a ver com o seu contexto

    enunciativo, no qual comparecem sistemas inter-semiticos, enquadres sociocognitivos,

    relevncia contextual, etc., do que com o grau maior ou menor de metaforicidade.

    (MORATO et al., 2012a, 2012b, 2010a). Estudos de processos neurofisiolgicos da

    figuratividade chamam a ateno para os limites e os alcances da correspondncia (feita

    10http://cogites.iel.unicamp.br

    http://cogites.iel.unicamp.br/http://cogites.iel.unicamp.br/http://cogites.iel.unicamp.br/http://cogites.iel.unicamp.br/
  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    14/28

    14

    por neuroimagem e eletrofisiologia, como os potenciais evocados relacionados a

    eventos/ERPs) entre atividade cerebral e processos lingusticos complexos:

    Coulson faz aluso a modelos de compreenso de metfora

    baseados em estudos de processamento cerebral que indicamque a linguagem metafrica e a compreenso literal exibem umcurso similar em relao ao tempo gasto e recrutam umconjunto tambm similar de geradores neurais (COULSON eMATLOCK, 2001; GIBBS, 1994; GIORA, 1997;GLUCKSBERG, 1998). Mais do que uma dicotomia, taisestudos sugeririam um continuumentre o literal e o metafrico.Outros autores interessados no processamento do elementometafrico, com base em tarefas que contrasta ERPs demetforas familiares e no familiares observaram que acomplexidade da tarefa teria a ver com a relevncia do contextode produo da metfora, independentemente da familiaridadedo indivduo com ela (PYNTE et al,1996). A eletrofisiologia,por sua vez, no indicou haver diferena qualitativa na atividadecerebral associada compreenso da linguagem metafrica eliteral. Perspectivas tericas que postulam um continuum oufalam em acesso direto(GIBBS, 2002; GLUCKSBERG, 1998)apontam uma inclinao relacional e pragmtica no estudo darelao crebro-linguagem. Contudo, tais construtos nochegam a formular um modelo especfico sobre a atividadecerebral da metfora. De todo modo, os achados empricosapresentados so interessantes, como os que indicam que amaior durao do tempo de processamento neurocognitivo de

    metforas no familiares se deve integrao do sentidofigurado com o contexto de produo, e no a uma evocaoobrigatria (e posterior rejeio) do sentido literal (GIBBS,2002) (...).Futuros estudos, sobretudo aqueles que no se realizam apenasno ambiente experimental, que levem em conta unidades deanlise maiores do que a palavra (como textos e dilogos) e queconsiderem os contextos de produo e a presena de semiosescoexistentes significao, tal como a informao visual, porexemplo, podero incrementar o conhecimento sobre aatividade cerebral envolvida em construes lingusticascomplexas. (MORATO, 2012b, p. 197-8)

    Ao destacarmos nas pesquisas que temos desenvolvidos em torno de fenmenos

    como metaforicidade, atividade referencial e inferencial, processos de ordem meta e

    gesto de processos conversacionais, procuramos compreender um pouco melhor os

    aspectos lingusticos e cognitivos que marcam no apenas a carncia afsica ou

    demencial, como tambm a forma de constituio de processos no patolgicos de

    significao e de comunicao. No limite, vias explicativas para ambos os contextos

    patolgico e no patolgico - acabam por superar os modelos meramente biomdicos,

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    15/28

    15

    baseados em biomarcadores no de todo definidos ou conclusivos e em mtodos de

    investigao lingustica e cognitiva sumrios, descontextualizados, quase caricaturais.

    O enfoque na natureza sociocognitiva de fenmenos lingustico-interacionais por

    meio da observao das operaes realizadas pelos indivduos em contextos de uso abre

    possibilidades maiores de compreenso de seus enquadres cognitivos de interpretao e

    produo de sentido, bem como da atividade cerebral concernida.

    Como possvel supor, novos conhecimentos e metodologias tm questionado o

    mtodo clnico tradicional no terreno mesmo das preocupaes mdico-teraputicas.

    Modelos sociais de prticas diagnsticas tm sido reconhecidos no contexto de vrias

    reas do Conhecimento (como a Psicologia, a Sociologia, a Medicina) e tem apontado

    as consequncias dos preconceitos e injunes sofridas por indivduos com

    comprometimento neuropsicolgico/neurolingustico. De fato, a preocupao recente

    com a recepo social de patologias como as afasias e a Doena de Alzheimer, bem

    como de realidades lingusticas no patolgicas, como a surdez, revela o que muitos j

    indicam como movimentos de mudana de paradigma, pelo menos no que toca o

    enfrentamento social da questo cognitiva (GRAHAM, 2006).

    A prtica diagnstica, dessa forma, diz respeito a todo o corpo social, e no

    apenas ao mdico, ao clnico ou s pesquisas biomdicas. Duchan e Kovarsky (2005), a

    propsito, chamam a ateno para a concepo de diagnose enquanto prtica cultural e

    situada que se constitui como um processo e um produto da interao social e do

    discurso cotidiano(DUCHAN e KOVARSKY, 2005, p. 01).

    Surgindo como antagonista ou ao menos como complementar ao modelo

    biomdico, o modelo social, amparado em metodologias observacionais, qualitativas e

    heursticas (por vezes, chamadas de estudos de caso), tem se preocupado com as

    implicaes tico-discursivas da recepo social dos diagnsticos e tem rejeitado

    procedimentos supostamente objetivos do mtodo clnico tradicional, como as bateriasde teste-padro, em geral tomadas como fonte exclusiva de explicao sobre estados

    neurolingusticos patolgicos ou sadios. Alm disso, o modelo social procura salientar

    em termos tericos e metodolgicos as discrepncias encontradas entre o

    comportamento cotidiano e o comportamento neuropatolgico (LOCK, 2006) de

    indivduos crebro-lesados, bem como enfatizar as vantagens da anlise da cognio-

    em-interao para o entendimento de processos (normais ou patolgicos) do

    funcionamento cerebral.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    16/28

    16

    A partir de uma perspectiva sociologicamente interessada da prtica diagnstica,

    a determinao da Doena de Alzheimer, por exemplo, poderia ser ampliada com

    relao aos temas predominantes da pesquisa clnica, chamando a ateno para: i) as

    implicaes ticas e psicossociais da precocidade e do carter probabilstico do

    diagnstico da Doena de Alzheimer; ii) os termos da distino entre envelhecimento

    normal e senilidade; iii) as implicaes de diversas ordens do metadiscurso cientfico

    veiculado na sociedade em torno da Doena de Alzheimer e outros processes

    neurodegenerativos (LYMAN, 1989; BALLENGER, 2006; BERRIOS, 1990;

    HOLSTEIN, 1997; BEACH, 1987; CRUZ, 2008; DIAS, 2012).

    Entre os motivos das rejeies ao modelo social se encontra, alm de questes

    metodolgicas pontuais, a falta de um discurso mais consistente que possa substituir

    uma posio anti-biologista tout court difcil de ser sustentada hoje em dia, em

    funo do avano das Neurocincias e tambm de perspectivas tericas que partem da

    integrao constitutiva entre corpo e mente (VARELA, THOMPSON E ROSCH, 1991;

    LAKOFF E JOHNSON, 1999; TOMASELLO, 1999/2003; GALLESE e LAKOFF,

    2005, dentre outros).

    Em relao ao que se discute nesta seo, parece-nos que est ainda por ser

    construda uma ponte conceitual e metodolgica entre o modelo biomdico e o social:

    Ainda que notemos uma quase hegemonia do modelobiomdico em nosso meio (clnico), podemos perceber que naprtica um modelo hbrido j construdo socialmente, aindaque forma pouco prescritiva, inscrevendo-se seja nas consultasmdicas e no ensino mdico, seja no metadiscurso cientfico,sobretudo os de cunho interdisciplinar. (DIAS, 2012, p.85)

    Abordagens psiconeurolingusticas

    Vimos, na seo anterior, alguns aspectos da influncia do modelo clnico

    tradicional na pesquisa neurolingustica, ao qual se associam o estruturalismo e o

    formalismo lingustico (cf. AHLSN, 2006).

    Tanto as tcnicas de neuroimagem, quanto os protocolos de estudo, observao

    de contextos variados de produo e compreenso da linguagem e simulao

    computacional da atividade cognitiva tm constitudo recursos metodolgicos desse

    empreendimento terico mais tradicional do campo de estudos neurolingusticos.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    17/28

    17

    O princpio metodolgico dominante da tendncia clnica tradicional a

    documentao e a avaliao da condio patolgica (perda ou alterao da linguagem e

    da cognio, por exemplo), o levantamento semiolgico das patologias para efeitos de

    classificao dos quadros nosolgicos, a correlao antomo-clnica obtida pela

    comparao dos resultados de neuroimagem, demonstrao da simulao computacional

    e interpretao neurolingustica dos dados lingusticos derivados da aplicao de testes

    diagnsticos e protocolos experimentais.

    A reviso ou a revitalizao dessa abordagem, por meio de abordagens

    funcionalistas da arquitetura cerebral, acentua a interface da Neurolingustica com as

    Neurocincias, as Cincias Cognitivas (em especial, com o conexionismo) e a

    Lingustica (em especial, com perspectivas cognitivas, computacionais e

    comunicacionais). Tais influncias tm impacto no modelo biomdico tradicional e

    apontam para a necessidade de sua expanso, modificao ou superao.

    Tomemos, a ttulo de exemplificao das circunstncias desse movimento

    terico-metodolgico, um dos temas da agenda da Neurolingustica e das

    Neurocincias.

    Entre as indagaes postas por diferentes tendncias da pesquisa

    neurolingustica e neuropsicolgica est a que se volta para a atuao de ambos os

    hemisfrios cerebrais no tratamento da informao e dos processos textuais da fala e da

    escrita, na gesto da comunicao, na compreenso e produo do discurso, na

    figuratividade, nas regras pragmticas que presidem e orientam a utilizao da

    linguagem e os comportamentos humanos, no processamento de inferncias de diversas

    naturezas, na manipulao de diferentes contextos de ao, nos enquadres cognitivos

    estabelecidos pelos indivduos a fim de tornar possvel a compreenso dos objetos e

    estados de coisas do/no mundo.

    Ainda que j possamos compreender vrios aspectos da relao entre ohemisfrio cerebral direito (HD) e o esquerdo (HE) e seu papel na estrutura e no

    funcionamento da linguagem, as pesquisas sobre imagem cerebral e eletrofisiologia

    ainda investigam a identificao da responsabilidade de ambos no tratamento do

    discurso, especialmente em funo da complexidade de fenmenos que demandam

    praticamente todos os sistemas cognitivos e a ao coordenada de vrias regies

    cerebrais (portanto, de ambos os hemisfrios, que dificilmente podem ser tomados como

    isolados e em relao de dicotomia).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    18/28

    18

    Se h quem defenda a hiptese de processamento cerebral especfico ou

    especializado para componentes isolados do sistema lingustico (fontico, fonolgico,

    morfolgico, sinttico, semntico), o mesmo no se pode afirmar com relao a

    construes lingustico-cognitivas complexas, tomadas em situaes de uso. Com isso,

    evidncias que possam correlacionar de maneira direta e precisa, por meio de tcnicas

    de neuroimagem (tal como a ressonncia magntica funcional/fMRI ou a tomografia por

    emisso de psitron/PET) processamento cerebral e construes lingusticas e cognitivas

    complexas (como a ironia, a metaforicidade, a construo gramatical, a produo e

    compreenso de inferncia) ainda parecem estar no horizonte da Neurolingustica.

    Entre os achados tericos obtidos pelas abordagens funcionalistas est a

    rediscusso da velha tese da dominncia hemisfrica para o processamento da

    linguagem e de outros processos cognitivos, ora enfraquecida (MORATO, 2012b)11.

    Tambm as evidncias empricas da plasticidade cerebral (GARDNER, 1985) e da

    teoria da mente (TOMASELLO, 1999/2003) ajudam a colocar uma p de cal na velha

    tese do localizacionismo.

    Seja pela ateno dada participao integrada dos hemisfrios cerebrais no

    processamento do discurso, da aquisio de segunda lngua e da figuratividade, seja pela

    ateno dada s relaes entre conceptualizao e experincia sociocultural, os estudos

    psiconeurolingusticos tm implicado significativos avanos na compreenso de

    processos lingustico-cognitivos.

    Estudos comparativos entre indivduos com e sem comprometimento

    neurolgico so tambm outro desafio do campo, e podemos afirmar que estamos ainda

    no incio desse tipo de empreendimento terico-metodolgico. Muitos so os desafios

    que se colocam: estabelecimento de critrios tericos e metodolgicos de seleo das

    tarefas lingusticas utilizadas no estudo ou no experimento, problemas de vrias ordens

    derivados da traduo de testes e experimentos criados originalmente em outra lngua,decises relativas constituio do corpus da pesquisa e dos dados diagnsticos,

    11 Entre os autores que defendem uma forte distino entre o hemisfrio cerebral direito (HD) e o

    esquerdo (HE) podemos mencionar Springer e Deutsch (1998) e Bradshaw e Nettleton (1983). Para eles,

    o HE, associado ao saber lingustico e racional, responsvel pela organizao estrutural da linguagem,

    enquanto o HD, associado ao saber pragmtico e emocional, responsvel pelo seu carter funcional.

    Outros autores, contudo, questionam a forte distino entre os dois hemisfrios ou chamam a ateno para

    a participao qualificada do HD no processamento da linguagem (St. George et al., 1999; Robertsonet

    al., 2000; Beeman, Bowden e Gernsbacher, 2000; Rinaldi et al., 2002; Winner e Gardner, 1977).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    19/28

    19

    considerao de variveis sociolingusticas e dos quadros neuropsicolgicos

    apresentados pelos sujeitos, considerao dos diferentes graus de severidade dos

    quadros nosolgicos, documentao clnica fornecida ou disponvel para a comprovao

    de diagnsticos, estabelecimento de critrios de visibilidade e tratamento dos dados

    obtidos (sistemas de transcrio), forma de apresentao do estudo ou da testagem aos

    sujeitos da pesquisa, etc.

    A influncia mais recente da pragmtica lingustica, bem como dos estudos do

    processamento textual e da atividade discursiva tem dinamizado no apenas o

    frameworkmais tradicional da Neurolingustica, voltado para metodologias de cunho

    experimental e pautado preferencialmente pelo contexto patolgico, mas tambm a

    agenda voltada para o processamento da linguagem e da cognio em contextos

    aquisicionais (em especial, a aquisio e desenvolvimento de segunda lngua) e pelo

    interesse crescente por contextos no patolgicos (como o estudo do envelhecimento,

    dos contextos de ensino e aprendizagem da lngua de sinais, por exemplo).

    pergunta como investigar as relaes entre crebro e linguagem?, as

    tendncias afiliadas s lingusticas da significao (em contraposio s lingusticas do

    significante, cf. MARCUSCHI e SALOMO, 2004, p.24-25) tm respondido de forma

    variada. Certamente, as influncias das Neurocincias e da Lingustica acima

    mencionadas se deixam ver tambm aqui, mas se diferenciam substancialmente em

    termos da inflexo terica, de cunho mais funcionalista, interacional e sociocognitivo.

    O desenvolvimento das Neurocincias e da Lingustica observado nos estudos

    sobre a dimenso multimodal da comunicao humana, a produo e a compreenso da

    linguagem em uso, a coexistncia de semioses nos processos interativos, bem como no

    interesse mais recente por processos implicados na figuratividade, nas atividades

    inferenciais, na construo e organizao de enquadres cognitivos (como frames,

    modelos cognitivos, etc.) e na construo discursiva da referncia procura colocar emoutras bases o velho problema linguagem-mente. A anlise da corporeidade e da

    conceptualizao, por exemplo, levada a cabo pelos estudos sociocognitivos da

    metfora e da figuratividade, procura superar as dicotomias clssicas ainda presentes no

    campo, como a que envolve mente e corpo (MORATO, 212b).

    Podemos, no ponto em que estamos, levantar alguns desafios colocados para as

    abordagens de carter mais interacionista da pesquisa neurolingustica:

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    20/28

    20

    desenvolvimento de estudos mais sistemticos e constituio de corpora

    envolvendo linguagem e cognio em uso, em contexto, em interao;

    aprofundamento da preocupao com a visibilidade dos dados, algo

    importante para as teorias que imbricam atos lingusticos, cognitivos e sociais;

    desenvolvimento da investigao neurolingustica acerca da estrutura e do

    funcionamento da atividade cerebral em circunstncias e contextos naturais de uso.

    desenvolvimento de biotecnologias que investiguem a relao entre

    linguagem e crebro em uso de modo no redutvel a um comportamentalismo vulgar 12;

    aprofundamento da articulao entre mtodos qualitativos e quantitativos de

    pesquisa, de modo a enfrentar melhor, entre outras coisas, os riscos do relativismo e as

    vicissitudes de um e de outro, como o tempo dispensado coleta ou transcrio dos

    dados e a homogeneizao dos sujeitos (MORATO, 2012b).

    A contribuio dos pressupostos e mtodos da Lingustica ps-estruturalista

    Ao expandir seus interesses para alm da Afasiologia e se constituir no campo

    de estudos que hoje reconhecemos como Neurolingustica, muitas foram as arbitragens

    desenvolvidas por este domnio hbrido interessado nas relaes entre linguagem,

    crebro e cognio.

    Um dos desafios da Neurolingustica tem sido levar em conta o arcabouo

    terico-metodolgico da cincia da linguagem. Nesse sentido que a rea tem

    expandido seus interesses para alm da descrio de processos gramaticais (prosdicos,

    fonolgicos, morfolgicos, semnticos, sintticos), isto , os relativos aosistema:

    Na rea da Pragmtica e da Anlise da Conversao, a

    Neurolingustica procura sustentao para o estudo daestruturao e da gesto da interao, bem como dacompetncia lingustica e comunicativa dos falantes; para oreconhecimento e da manipulao das chamadas leisconversacionais e das intenes dos interactantes; para o

    12A respeito dessas iniciativas, ver, a propsito, Gallese e Lakoff (2005), que discutem o papel do sistemasensrio-motor no conhecimento conceptual, com base nos achados das Neurocincias; ver, ainda, umadiscusso de Coulson (2007) a respeito de resultados obtidos por mtodo de investigao cerebral noinvasiva, em especial, potenciais evocados, na investigao da atividade cerebral implicada no

    processamento de construes complexas (como ironia, compreenso de chistes, frames, etc.). Ver,tambm, estudos de orientao experiencialista, tais como os da Gramtica de Construes Corporificada

    (Bergen e Chang, 2005) e os da Teoria Neural da Linguagem (Feldman, 2006).

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    21/28

    21

    reconhecimento e da manipulao de normas pragmticas queorientam o uso social da linguagem, bem como a produo e ainterpretao de inferncias e dos vrios atos de fala presentesna comunicao.Do mesmo modo, a preocupao com a estrutura e ofuncionamento da linguagem que leva a Neurolingustica Lingustica Textual e aos estudos da textualizao e dareferenciao (Koch, 20022004; Marcuschi, 2007, 2008;Cavalcante et al., 2005; Koch, Morato e Bentes, 2005), dasrelaes formais e discursivas entre fala e escrita (Marcuschi,2001) dos diferentes aspectos do contexto que emolduram asignificao lingustica (Koch, 2002; Van Dijk, 2008; Hanks,2008) e da constituio dinmica dos gneros textuais orais eescritos (Hanks, 2008; Marcuschi, 2008; Koch e Elias, 2006;Bentes e Rezende, 2008).A Neurolingustica articula-se com as teorias sociolingusticase discursivaspara estudar a categorizao social dos falantes, a

    constituio de comunidades de fala, os enquadramentos ouframes interacionais, a dinmica de papis enunciativos nasprticas com e sobre a linguagem, as marcas de subjetividadeexibidas de forma explcita ou implcita pelos falantes, aemergncia de pressupostos culturais que constituem a rede designificaes observada em contextos enunciativos.Se as contribuies da Lingustica de Corpus referem-se importncia dos critrios utilizados na constituio do corpusesua visibilidade terica e metodolgica, o dilogo com aPsicolingustica aprofunda, por seu turno, o interesse jtradicional da Neurolingustica pela aquisio e processamentoda linguagem.

    Com a Lingustica Cognitiva a Neurolingustica mantmrelaes que se pautam, sobretudo, pela investigao deprocessos semntico-pragmticos e de aspectos figurativos oumetafricos da linguagem e de todo tipo de construolingustico-conceptual complexa (ironias, inferncias,provrbios, construes gramaticais,framesetc.), bem como desemioses verbais e no verbais co-ocorrentes nos atos decomunicao (Salomo, 1999). (MORATO, 2012a, p. 190-191)

    Todas essas interfaces, que certamente no totalizam as interaes da

    Neurolingustica com a cincia da linguagem, esto comprometidas com os

    empreendimentos analticos ou metodolgicos que so prprios s distintas reas da

    Lingustica.

    Nesse cenrio, tais reas ou domnios da Lingustica, envolvidos de algum modo

    com a problemtica cognitiva, podem ser considerados lingusticas cognitivas no

    mesmo sentido que o de certos domnios das Cincias Cognitivas que se reuniram a

    partir de anos 1970 em torno de um compromisso (scio)cognitivista que se firmaria

    como a tentativa de observar a linguagem como situada e essencialmente ligada

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    22/28

    22

    atividade humana e seus esquemas, enquadres ou regimes de ao, como lembram

    Lakoff e Johnson (1999).

    Consideraes finais: desafios e perspectivas para a Neurolingustica

    Sendo o problema corpo-mente um tema que tem exigido uma arbitragem

    interdisciplinar, no toa que as disciplinas que se interessam pela problemtica

    cognitiva tm se constitudo como um verdadeiro mosaico de inteligibilidade frente a

    essa questo, ainda que mais recentemente uma agenda de questes tericas e

    metodolgicas esteja de alguma forma ordenando o campo.

    A ordenao de um campo interdisciplinar leva em conta, a um s tempo,

    questes comuns e questes particulares de vrios domnios do Conhecimento. Para o

    interesse da Neurolingustica, podemos mencionar, dentre outras, a centralidade da

    linguagem, o foco na dimenso multimodal da significao e da comunicao, o papel

    epistemolgico reservado interao, a integrao de sistemas cognitivos. No plano

    analtico, esse panorama chama a ateno para uma articulao de mtodos (qualitativos

    e quantitativos, observacionais e experimentais, etc.) de investigao.

    Dentre as questes que ainda merecem ser tratadas pelo campo, mencionamos as

    que nos parecem desafiadoras para as disciplinas cientficas voltadas problemtica

    cognitiva, como a Neurolingustica e a Lingustica Cognitiva (cf. SALOMO, 2010):

    a natureza da categorizao e de nossas estruturas conceituais, bem como do

    papel da experincia na construo conceitual;

    uma melhor compreenso das interaes existentes entre o sistema lingustico

    e outros sistemas cognitivos, bem como das estruturas neuronais e processos que

    subjazem linguagem;

    a constituio da cognio social;

    a sustentao emprica de uma concepo funcionalista e dinmica de

    crebro, cuja plasticidade est baseada no apenas em mecanismos antomo-fisiolgicos

    ou sensoriomotores, mas em processos de natureza sociocognitiva.

    Uma ltima palavra poderia ser dedicada ao aludido compromisso

    interdisciplinar dos estudos neurolingusticos.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    23/28

    23

    Se a interdisciplinaridade em Neurolingustica ou em Neurocincias tem sido

    vista como uma espcie de mal necessrio, ela no deixa, por outro lado, de constituir

    um domnio emprico que representa um modo peculiar de apreenso da linguagem e da

    cognio. O maior investimento terico e metodolgico que a Neurolingustica tem

    feito nos ltimos tempos tem sido precisamente aquele que merece ser por ela

    aprofundado: reconciliar linguagem, crebro e cognio com processos que lhes so

    afeitos, dentre eles, a interao humana.

    Referncias

    AHLSN, E. (2006). Introduction to neurolinguistics. Amsterdam and Philadelphia:

    John Benjamins.

    BALLENGER, J. F. (2006). The Biomedical desconstruction of senility and the

    persistent stigmatization of old age in the United States,in: LEIBING, A.e COHEN, L.

    (eds.). Thinking about dementia: culture, loss, and the antropology of senility . New

    Jersey: The State University of New Jersey.

    BEACH, T. (1987). The history of Alzheimer's disease: three debate,in:Journal of

    the History of Medicine and Allied Sciences. v. 42, n. 3, pp. 327-349.

    BEEMAN, M., BOWDEN, E. e GERNSBACHER, M. (2000). Right and left

    hemisphere cooperation for drawing predictive and coherence inferences during normal

    story comprehension, in:Brain and Language, v. 71, pp. 310-336.

    BERGEN, B.e CHANG, N. (2005). Embodied Construction Grammar in Simulation-

    Based Language Understanding,in: STMAN, J-O. e FRIED, M. (eds.).Construction

    Grammars: Cognitive grounding and theoretical extensions. John Benjamins.

    BERRIOS, G. (1990). Alzheimer's disease: a conceptual history, in:International

    Journal ofGeriatric Psychiatry. v.5, pp. 355-365.BRADSHAW J, L. e NETTLETON N, C. (1983). Humam cerebral asymmetry. New

    Jersey: Prentice-Hall.

    CANGUILHEM, G. (1995[1966]). O normal e o patolgico. Rio de Janeiro: Forense

    Universitria.

    CAPLAN, D. (1987). Neurolinguistics and linguistic aphasiology. Cambridge:

    Cambridge University Press.

    CHRISTENSEN, A.-L. (1974).Lurias neuropsychological investigation. Copenhagen:Munksgaard.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    24/28

    24

    COULSON, S. (2007). Electrifying Results: ERP Data and Cognitive Linguistics, in:

    GONZALEZ-MARQUEZ, M. et al. (eds.). Methods in Cognitive Linguistics.

    Amsterdam: John Benjamins.

    CRUZ, F. M. (2008). Linguagem, interao e cognio na doena de Alzheimer.Tese

    de Doutorado em Lingustica. Unicamp: IEL.

    DAMICO, J.S.; OELSCHLAEGER, M. e SIMMONS-MACKIE, N. (1999).

    Qualitative methods in aphasia research: conversation analysis. in: Aphasiology

    13:66779.

    DIAS, T M. (2012). Categorizao social e concepo de Doena de Alzheimer:

    Implicaes e perspectivas dos modelos biomdico e social. Pesquisa de Iniciao

    Cientfica (FAPESP). Universidade Estadual de Campinas, 104 fls.

    DUCHAN. J. F. e KOVARSKY, D. (2008). Diagnosis as cultural Practice.Mouton de

    Gruyter: Berlin.

    EHRENBERG, A. (2008). Le cerveau social: Chimre epistemologique et verit

    sociologique, in: Espirit, 341:79-103. Disponvel em: http://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-

    Ehrenberg.pdf.Acesso em: 02 jun. 2013.

    EISENBERG, L. (1995). The social construction of human brain. in: American

    Journal of Psychiatry. v.152, pp.1563-1575.

    FELDMAN, J. (2006).From Molecule to Metaphor. Cambridge, MA: The MIT Press.

    FERGUNSON, A. (1996). Describing competence in aphasic/normal conversation.

    in: Clinical Linguistics & Phonetics, 10(1) 55-63.

    FOLSTEIN, M.F.; FOLSTEIN, S.E. e MCHUGH, P.R. (1975). Mini Mental state. A

    practical method for grading thecognitive state of patients for the clinician. in:Journal

    of Psychiatric Research. 12:189-98.

    FOREST, D. (2005).Histoire des aphasies. Paris: PUF.

    FOUCAULT, M. (1977). O nascimento da clnica.Rio de Janeiro: Forense Universitria.FOX, P. (1989). From senility to Alzheimers Disease: The Rise of the Alzheimers

    Disease Movement.in:Milbank Quarterly, 67: 58-102.

    GALLESE, V.e LAKOFF, G. (2005). The Brains Concepts: The Role of the Sensory-

    Motor System in Reason and Language, in: Cognitive Neuropsychology, v. 22, pp.

    455-479. Disponvel em: http://www.unipr.it/arpa/mirror/pubs/pdffiles/Gallese-Lakoff_2005.pdf.

    Acesso em 02 jun. 2013.

    GARDNER, H. (1985). The Mind's New Science: A History of the Cognitive Revolution.New York: Basic Books.

    http://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-Ehrenberg.pdfhttp://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-Ehrenberg.pdfhttp://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-Ehrenberg.pdfhttp://www.unipr.it/arpa/mirror/pubs/pdffiles/Gallese-Lakoff_2005.pdfhttp://www.unipr.it/arpa/mirror/pubs/pdffiles/Gallese-Lakoff_2005.pdfhttp://www.unipr.it/arpa/mirror/pubs/pdffiles/Gallese-Lakoff_2005.pdfhttp://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-Ehrenberg.pdfhttp://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-Ehrenberg.pdf
  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    25/28

    25

    GOODGLASS, H. e KAPLAN, E. (1972). The assessment of aphasia and related

    disorders. Philadelphia: Lea & Febiger.

    GOODGLASS, H., KAPLAN, E. e BARRESI, B. (2001). Boston Diagnostic Aphasia

    Examination. USA: Lippincot Williams & Walkins.

    GOODWIN, C. (ed.). (2003). Conversation and brain damage. Oxford: Oxford

    University Press.

    GRAHAM, J. E. (2006). Diagnosing dementia and clinical data as cultural text, in:

    LEIBING, A.; COHEN, L. (eds). (2006). Thinking about dementia: culture, loss, and

    the Antropology of senility. Rutgers University Press.

    HOWARD, D. e HATFIELD, F. M. (1987). Aphasia therapy: Historical and

    contemporary issues. London: Lawrence Erlbaum Associates.

    HOLSTEIN, M. (1997). Alzheimer's disease and senile dementia, 18851920: An

    interpretive history of disease negotiation,in:Journal of Aging Studies, 11:113..

    JAKOBSON, R. (1981). Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia, in:

    Lingustica e comunicao. So Paulo: Cultrix, 1981. p. 34-62.

    JOHNSON, M. (1987). The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning,

    Imagination, and Reason. Chicago: Chicago University Press.

    KAPLAN, E.; GOODGLASS, H. e WEINTRAUB, S. (1983). The Boston naming test.

    Philadelphia: Lea & Febiger.

    KAY, J.; LESSER, R. e COLTHEART, M. (1992). Psycholinguistic assessment of

    language processing (PALPA). Hove, Lawrence Erlbaum.

    KITA, S. e OEZYUEREK, A. (2003). What does cross-linguistic variation in semantic

    coordination of speech and gesture reveal: evidence for an interface representation of

    spatial thinking and speaking,in:Journal of Memory and Language, 48:1632.

    KLIPPI, A. (2003). Collaborating in aphasic group conversation: striving for mutual

    understanding, in:GOODWIN, C. (Ed.) Conversation and Brain Damage.New York:Oxford University Press. pp.117-143.

    KOCH, I. G. V. e CUNHA-LIMA, M.L. (2004). Do Cognitivismo ao

    Sociocognitivismo, in: MUSSALIM, F. e BENTES, A. C. (org.). Introduo

    Lingustica: Fundamentos epistemolgicos. Vol. 3. So Paulo: Cortez. pp. 251-300.

    LAKOFF, G. e JOHNSON, M. (1999). Philosophy in the Flesh. New York: Basic

    Books.

    LANTERI-LAURA, G. (1989). O empirismo e a semiologia psiquitrica: in:LACAN, J. et al.A querela dos diagnsticos. Rio de Janeiro: Zahar. pp.84-98.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    26/28

    26

    LEIBING, A. (2001). O homem sozinho numa estao: a doena de Alzheimer e as

    prticas do esquecimento. in:LEIBING, A. e BENNINGLOFF-LHL, S. Devorando

    o tempo. Brasil, o pas sem memria. So Paulo:Ed. Mandarim.

    ______. (2006). Memria, Velhice e Sociedade. in:FREITAS, E. V. et al. Tratado de

    Geriatria e Gerontologia. 2. ed. Rio de JaneiroRJ: Editora Guanabara Koogan.

    ______. e COHEN, L. (2006). Thinking about dementia: culture, loss, and antropology of

    senility, Rutgers University Press.

    LESSER, R. e MILROY. L. (1993). Linguistics and aphasia: Psycholinguistic and

    pragmatic aspects of intervention. London: Longman.

    LOCK, M. (2011). Seduced by plaques and tangles: Alzheimer's disease and the

    cerebral subject, in: ORTEGA, F. e VIDAL, F. (eds.), Neurocultures: Glimpses into

    and Expanding Universe. Frankfurt am Main: Peter Lang. p. 201-216.

    LURIA, A. R. (1973). The working brain: An introduction to neuropsychology. Hove:

    Basil Haigh.

    LYMAN, K. A. (1989). Bringing the social back: A critique of the biomedicalization

    of dementia, in: Gerontologist, vol. 29, n. 5, pp. 597-605.

    MARCUSCHI, L.A. (2002). Do cdigo para a cognio: o processo referencial como atividade

    cognitiva, in: Veredas, vol. 13, pp. 43-62.

    ______. (2007). Cognio, Linguagem e prticas interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna.______.; SALOMO, M.M. (2004). Introduo, in: MUSSALIM, F. e BENTES, A.C.

    (orgs.).Introduo Lingusticafundamentos epistemolgicos.So Paulo: Cortez, 2004. pp.

    13-26.

    MONDADA, L. e DUBOIS, D. (2003). Construo dos objetos de discurso e

    categorizao: uma abordagem dos processos de referenciao, in: CAVALCANTE,

    M. M.; RODRIGUES, B. B. e CIULA, A. (orgs). Referenciao. Clssicos da

    Lingustica 1. So Paulo: Contexto. pp. 17-52.

    MORATO, E.M. (2004). O Interacionismo no campo lingustico,in: MUSSALIM, F.

    e BENTES, A.C. (orgs.).Introduo Lingustica fundamentos epistemolgicos.So

    Paulo: Cortez. pp. 311-351.

    ______. (2010a). As querelas da semiologia, in: ______. (org.). A semiologia das

    afasias: perspectivas lingusticas. So Paulo: Cortez, 2010a. p. 23-47.

    ______. (2010b). A noo deframeno contexto neurolingustico: o que ela capaz de

    explicar?. in:Cadernos de Letras da UFF Dossi: Letras e Cognio, n.41, pp.93-

    113.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    27/28

    27

    ______. (2012a). Neurolingustica, in: MUSSALIM, F. e BENTES, A.C. (orgs.).

    Introduo Lingustica: Domnios e fronteiras.8a. ed. So Paulo: Cortez, pp. 167-200.

    ______. (2012b). O estudo da metaforicidade no campo da Neurolingustica: velhas

    questes, novos desafios, in: MOURA, H. e GABREL, R. (Orgs). Cognio na

    Linguagem. Florianpolis: Insular. pp.177-218

    ______. et al.(2012c). Processos implcitos, contextuais e multimodais na construo

    referencial em conversaes entre afsicos e no afsicos: relato de pesquisa, in:

    Linguagem em Dis(curso), 12(3):711-742.

    NESPOULOUS, J.-L. et al. (1986). Protocole Montral-Toulouse dexamen

    linguistique de laphasie. Isbergues: Ortho Edition, 1986.

    PORTER, R. (1994). Expressando sua enfermidade: a linguagem da doena na

    Inglaterra georgiana, in:BURKE, P.; PORTER, R.Linguagem, indivduo e sociedade:

    histria social da linguagem. So Paulo: Ed. Unesp. pp.365-394.

    RINALDI, M. C.; MARANGOLO, P. e BALDASSARRI, F. (2002). Metaphor comprehension

    in right brain-damaged subjects with visuo-verbal and verbal material: a dissociation

    (re)considered, in: Cortex, n. 38 (5), pp. 903-907.

    ROTH, M.T. et al. (1986). CAMDEX: A standardised instrument for the diagnosis of

    mental disorder in the elderly with special reference to the early detection of dementia,

    in:British Journal of Psychiatry, vol. 149, pp. 698-709.SALOMO, M.M. (1999). A questo da construo do sentido e a reviso da agenda

    dos estudos da linguagem. Veredas,vol. 4, pp. 61-79.

    ______. LEITE, J.E.R. e FALCONE, K .(2010). Entrevista com Margarida Salomo, in:

    Revista Investigaes, vol.23 (2), pp.193-203.

    SCHEGLOFF, E. (2003). Conversation Analysis and communication disorders, in:

    GOODWIN, C. (ed.). Conversation Analysis and Communications Disorders. Oxford: Oxford

    Press.

    S, E.V.G. (2011).Interpretao de provrbios por sujeitos com Doena de Alzheimer.

    Tese de Doutorado. Campinas: Unicamp.

    SMITH, A. (1996). Cross-cultural research on Alzheimer's disease: a critical review,

    in:Transcultural Psychiatry, vol. 33, pp. 247-276.

    SPRINGER, S.P. e DEUTSCH G. (1998). Crebro Esquerdo, crebro direito. 2a. ed.

    So Paulo: Summus.

    St. GEORGE, M. et al. (1999). Semantic integration in reading: engagement of the

    right hemisphere during discourse processing, in:Brain, vol.122, pp. 1317-1325.

  • 7/25/2019 MORATO, Edwiges. Metodologia em Neurolingustica

    28/28

    28

    TOMASELLO, M. (2003). Origens culturais da aquisio do conhecimento humano.

    So Paulo: Martins Fontes.

    ULATOWSKA, H.K.; REYES, B.A. e SANTOS, T.O. (2010). Stroke narratives in

    aphasia: The role of reported speech,in:Aphasiology, vol. 25, pp.93-105.

    VAN DIJK, T. (2008). Discourse and Context: a sociocognitive approach. Cambridge:

    Cambridge University Press.

    VARELA, F.J.; THOMPSON, E. e ROSCH, E. (1991). The Embodied Mind: Cognitive

    Science and Human Experience. Cambridge, MA: The MIT Press.

    VYGOTSKY, L. (1978). Mind in Society. Harvard: The President and Fellows of

    Harvard College.

    _____. (1987). Thinking and Speech, in: RIEBER, R. e CARTON, A. (eds.). The

    collected works of L. S. Vygotsky. Vol.I. Nova Iorque: Plenun Press.

    WINNER, E.; GARDNER, H. (1977). The comprehension of metaphor in brain

    damaged patients, in:Brain, vol. 100 (4), pp.717-729.