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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DAYANE FRANCIELLY DA CUNHA ZAGUINI

Monografia O CONCEITO HISTÓRICO DA SOBERANIA:

DA VISÃO CLÁSSICA À TRANSNACIONALIDADE

ITAJAÍ 2008

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DAYANE FRANCIELLY DA CUNHA ZAGUINI

Monografia O CONCEITO HISTÓRICO DA SOBERANIA:

DA VISÃO CLÁSSICA À TRANSNACIONALIDADE

Monografia desenvolvida para o Estágio Supervisionado do Curso de Comércio Exterior do Centro de Gestão Ciências Sociais Aplicadas da Universidade do Vale do Itajaí.

Orientadora: Profª. Dr.ª Joana Stelzer

ITAJAÍ 2008

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Dedico este trabalho a minha mãe Marli pelo esforço, dedicação e compreensão, em todos os momentos desta e de outras caminhadas.

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A Joana, que atenciosamente me orientou e me inspirou, a Danielle, amiga que me deu forças muitas vezes quando quase desisti, ao meu pai,que embora não presente em minha vida, me ajudou de forma significativa.

Obrigada.

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“O poder, juntamente com a glória, permanece como a mais alta aspiração e recompensa do gênero humano“ (Bertrand Russel)

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EQUIPE TÉCNICA

a) Nome da acadêmica Dayane Francielly da Cunha Zaguini b) Área de estágio Xxxxxxxxxxxxxxxx c) Orientadora de conteúdo Profª. Drª. Joana Stelzer e) Responsável pelo Estágio Profª. Natalí Nascimento

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RESUMO

Na realidade atual, ninguém mais pode igonar que vive-se em um período de rupturas, cortes, recomposição geral do poder, das formas sociais, dos novos atores econômicos e, de forma geral, as constantes transformações na qual passa a sociedade. Este cenário de transformações de múltiplas conexões causa reflexo na estrutura, na organização e no posicionamento político do Estado. A pesquisa presente irá abordar o fundamento do Estado, sua formação e principalmente sua soberania sobre a evolução e as principais teorias acerca do assunto ocupou-se o presente estudo. A explicação da formação do Estado se torna imprescindível para a explicação de soberania, visto que ambos tem relação inseparável, a soberania nada mais é em seu fundamento do que o Estado propriamente político. A questão da soberania será examinada, sendo que é hoje inseparável de uma análise das transformações profundas que a figura do Estado sofreu nos últimos trinta anos, principalmente com a mundialização da produção capitalista, com o surgimento das empresas transnacionais, da internacionalização dos circuitos financeiros e o esboço de formação de uma sociedade civil transnacional. Todos esses fatores provocaram fortes discussões sobre a Soberania do Estado, quando confrontada com a supranacionalidade. A análise conceitual e histórica da soberania provocou ao longo da evolução do seu conceito uma mudança decisiva e trágica para a modernidade política. Embora a diversidade de conceitos de soberania seja ampla ao decorrer dos acontecimentos históricos, serão discutidos os pilares fundamentais de todo o seu conceito até os dias atuais. A pesquisa encontra-se dividida em cinco capítulos, em três partes: introdução e metodologia; a história da formação do Estado e o surgimento do conceito de soberania e a influência da globalização no estudo dela; e por fim os novos atores internacionais quando confrontado com o poder do Estado.

Palavras-chave: Estado. Soberania. Globalização.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................8 1.1 Objetivo geral ...................................................................................................9 1.2 Objetivos específicos........................................................................................9 1.3 Justificativa .......................................................................................................9 1.4 Abordagem geral do problema .......................................................................10 1.5 Questões específicas .....................................................................................11 1.6 Pressupostos..................................................................................................11 2 METODOLOGIA ................................................................................................13 2.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................13 2.2 Área de abrangência ......................................................................................13 2.3 Coleta e tratamento dos dados.......................................................................13 2.4 Apresentação e análise dos dados.................................................................14 3 A FORMAÇÃO DO ESTADO.............................................................................15 3.1 A Guerra dos Trinta Anos ...............................................................................17 3.1.1 Paz de Vestfália ...............................................................................................18 3.2 A evolução Político-jurídica do Estado ...........................................................20 3.2.2 Estado Grego ...................................................................................................23 3.2.3 Estado Romano................................................................................................24 3.2.4 Estado Medieval...............................................................................................25 3.2.5 Estado Moderno ...............................................................................................26 3.3 Obras acerca da formação do Estado, Sociedade e Soberania .....................27 3.3.1 Thomas Hobbes – “O Leviatã” (1651) – Contrato ............................................27 3.3.2 Jean Jacques Rousseau: “O contrato social” ...................................................30 3.3.3 O Príncipe – Maquiavel ....................................................................................32 3.4 Estado: sociedade política por excelência......................................................33 4 CONCEITOS ACERCA DA SOBERANIA ..........................................................36 4.1 Soberania segundo seus autores ...................................................................39 4.2 Características da soberania ..........................................................................43 4.3 Conceito de soberania: senso comum............................................................45 4.4 Soberania e Globalização...............................................................................46 5 O FIM DA SOBERANIA CLÁSSICA E O SURGIMENTO DE NOVOS PARADIGMAS ..........................................................................................................52 5.1 Interdependência global .................................................................................53 5.2 O enfraquecimento da soberania diante da supranacionalidade....................56 5.3 O Poder das Corporações Transnacionais quando confrontada com a atuação dos Estados...............................................................................................................59 5.4 A atuação das Organizações Não-governamentais nas lacunas do Estado. .62 5.5 O declínio do Estado-nação ...........................................................................64 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................68 REFERÊNCIAS.........................................................................................................70 ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS......................................................................73

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1 INTRODUÇÃO

As últimas décadas têm sido pródigas no que se refere às tentativas de

descrever e explicar as diversas transformações de conceitos de soberania. Cada

vez mais, essa questão tem sido necessária para a interação dos países no mundo

globalizado, e com a interdependência estatal quanto às questões sociais,

ecológicas entre tantos outros fatores.

A globalização – e o conseqüente desenvolvimento das telecomunicações e

dos transportes convencionais – tem, ao mesmo tempo, unido o mundo numa

economia global única e provocado a difusão de todo tipo de informação, com

rapidez simplesmente impensável há 50 anos. Esse cenário tem impacto de forma

direta na transformação do Estado e principalmente no exercício de poder.

O conceito de soberania sempre causou e ainda causa muitas divergências,

em referência aos avanços da tecnologia e das informações que ultrapassam as

fronteiras de um território, principal elemento soberano.

Os conceitos dados à soberania se encontram em fase de constantes

mudanças, visto que os paradigmas vivenciados pela sociedade têm sofrido diversas

alterações com a interação dos países e a necessidade de tratados e acordos

internacionais, em função do meio ambiente, a aceleração da economia e tantos

outros fatores que têm requerido colaboração mútua entre os Estados.

Quando se coloca em referência o Estado e suas decisões no cenário

nacional e internacional, pode-se destacar a prática de sua soberania, portanto, a

compreensão das atitudes na realidade mundial está cada vez mais necessária e,

com isso, novas questões, novos problemas, que exigem novas respostas, e

consecutivamente novos conceitos.

Diante de todos esses fatores de mutação, as nações, principalmente após a

Segunda Guerra, procuram consenso entre si, em busca da paz e do bem estar da

sociedade internacional. Essa unanimidade que se procura é gerenciada pelos

Organismos Internacionais, e em busca da unificação econômica há também o

surgimento de Blocos Econômicos, nos quais se encontra de maneira clara a

soberania estatal em processo de mutação.

Com a situação de novos paradigmas, de novos conceitos, é necessário

que a compreensão sobre a soberania esteja clara, para que se possa obter o

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entendimento da nova sociedade internacional em um mundo globalizado e que

cada vez mais procura soluções para melhor relacionar-se no cenário econômico e

social.

Para melhor entender esse conceito e as diversas formas de interpretações

em meio às inúmeras definições que estão ainda em constante transformação, é que

é abordado um estudo complexo sobre o assunto. Este trabalho não visa trazer

todas as explicações para suas diversas formas, mas compreensão de sua origem,

de seus fundamentos e do que já foi escrito acerca desse assunto.

1.1 Objetivo geral

O presente elaborado tem como objetivo geral desenvolver a evolução do

conceito de soberania, desde sua formação à contemporaneidade.

1.2 Objetivos específicos

1. Explicar a origem do conceito de soberania.

2. Demonstrar a transformação do conceito até os dias atuais.

3. Confrontar a soberania perante os fenômenos do mundo globalizado.

1.3 Justificativa

A expressão de soberania tem se misturado aos mais diversos conceitos,

sendo interpretada por muitos de forma equivocada. Há muitos especialistas que

vêm estudando os variados conceitos em referência a esse assunto.

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O avanço da tecnologia, a aceleração da economia mundial, integração

econômica dos países, a formação de blocos econômicos, entre outros, têm

distorcido o conceito de soberania, o que se entende por principal e exclusiva

qualidade do poder de Estado, e o poder sobre a qual não há nenhum outro.

Com a realidade econômica da sociedade internacional, o conceito clássico

de soberania é questionado, principalmente no que diz respeito aos conceitos de

poder, território, povo ou nação, embora todos estejam diretamente ligados.

Faz-se importante a compreensão clara desses conceitos para determinar

os limites e definições de soberania, a fim de explicar de forma objetiva os

acontecimentos mundiais, bem como a postura jurídica do Estado no âmbito

soberano confrontado com suas decisões.

Com a finalidade de compreender as diversas transformações do mundo

globalizado e os limites do Estado, quanto às suas decisões e participação no

mercado global, essa pesquisa trata do conceito de soberania, sua evolução e tudo

o que está relacionado a esse tema complexo.

1.4 Abordagem geral do problema

A luta em busca do poder caracteriza as guerras e conflitos desde o início da

humanidade, as diversas formas de governos, as transformações geográficas,

sociais e econômicas, são fatores que influenciam para que as mais diversas formas

de poder sejam exercidas no decorrer da história.

Na antiguidade, o poder era relacionado à Pessoa do papa, a soberania era

confundida com o poder, embora estejam ligadas, são distintas em seus conceitos. A

origem da soberania ocorreu paralelamente à formação do Estado e à divisão

territorial, enfatizada após a Guerra dos Trinta Anos. Foi nesse momento que a

questão de busca de conceitos jurídicos do Estado, formação e transição foram

sendo adquiridos, a princípio conceituados de maneira simples, com uma idéia

primária, porém, desenvolvida pelos especialistas mais tarde.

A soberania foi evoluindo com a transformação do Estado, que obteve a

necessidade de adaptação às diversas situações de cada época. Variadas

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discussões surgiram acerca da formação desse conceito, visto que ainda se

encontra em constante mudança, e levanta fortes contradições e divergência de

idéias entre os mais variados especialistas.

É importante compreender que o conceito de soberania estará sempre em

constante transformação, visto que a sociedade está sempre em evolução, sendo

ela ligada diretamente à adaptação do Estado e suas transformações.

1.5 Questões específicas

- Como e onde surgiu o conceito de soberania?

- Qual é a influência da globalização no conceito de soberania atual?

- Com a evolução do Estado e a integração dos blocos, é correto afirmar que

o Estado nesse novo cenário é Soberano?

1.6 Pressupostos

Muitas mudanças ocorreram na formação do conceito de soberania desde a

sua formação, porém, continua sendo a qualidade máxima do poder do Estado.

O Tratado de Vestfália, de 1648, foi assinado quando o Sacro Império

Romano-Germânico, governado pelos Habsburgos austríacos, foi derrotado, após a

Guerra dos Trinta Anos. Esse Tratado restabeleceu a paz na Europa e inaugurou

nova fase na história política daquele continente, que proporcionou uma igualdade

jurídica dos Estados, auxiliando as relações.

A igualdade jurídica conquistada elevou os Estados como únicos atores no

cenário político-internacional, eliminando a intervenção do poder da Igreja nas

relações entre eles e outorgando aos Estados o direito de escolher seu próprio

caminho econômico, político ou religioso. Dessa forma, deu-se a origem da

soberania caracterizada por nações com poder supremo dentro de suas fronteiras

territoriais.

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A nova era globalizada traz um novo paradigma, na qual é preciso a

adaptação do conceito de soberania, ligando-o à cultura, conceito de cidadania, aos

direitos fundamentais.

Não há uma unanimidade no conceito de soberania entre os especialistas da

área, porém, conforme Jean Bodin citado por Barros (2001), a soberania é o poder

do Estado sobre a qual poder nenhum outro há sobre ele, ou seja, poder

independente, supremo, inalienável e exclusivo do Estado.

Na antiguidade, os Estados eram ameaçados pela invasão e a ocupação por

envio de tropas. Hoje, de maneira mais sutil e eficaz, os Estados não são mais

necessariamente invadidos em seu território físico, mas sim, pela velocidade e

facilidade de informações através dos meios de comunicação que alçaram um

patamar de poder concorrente com o Estado, o que é preocupante. A soberania não

é ameaçada tão-somente pela invasão ou pela guerra, mas pela dominação

ideológica e econômica. Com esta situação, a Soberania vive um novo paradigma no

contexto da globalização.

O Estado moderno sofre inúmeras pressões quanto às decisões de

personalidade jurídica internacional, visto que de forma inevitável. As decisões

tomadas pelo Estado interferem de forma inexorável nas relações com os outros

Estados, podendo interferir na suas negociações e consecutivamente na economia.

A opção de um Estado se fortalecer economicamente e socialmente é a

formação de blocos, como o que aconteceu na União Européia, através de uma

formação idealista. Assim, o Estado não deixa de ser soberano, mas divide uma

parcela de sua soberania com o bloco, livrando-se das desestabilidades futura e

fortalecendo suas negociações internacionais, renunciando alguns pontos de suas

decisões, colocando em prática o Direito Comunitário.

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2 METODOLOGIA

Este capítulo tem a finalidade de apresentar a metodologia e

desenvolvimento da presente monografia.

2.1 Tipo de pesquisa

A presente monografia será realizada de forma qualitativa, que conforme

Vergara (2000 p.48) “é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material

publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao

público em geral”.

Quanto aos meios de investigação, será uma pesquisa documental e

bibliográfica. Conforme Bervian (1996), a pesquisa bibliográficas é o meio de

formação por excelência.

2.2 Área de abrangência

Esta pesquisa está relacionada na área de Comércio Exterior, no âmbito de

relações sociais internacionais.

2.3 Coleta e tratamento dos dados

Os dados coletados para a formação desta pesquisa ocorrerão via acesso à

internet, leitura ao material bibliográfico pertinente aos especialistas acerca do

assunto, bem como à coleta de dados de outras monografias no mesmo âmbito.

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2.4 Apresentação e análise dos dados

A apresentação de dados será realizada através de textos explicativos,

visando a melhor forma de explicação sobre o assunto, selecionado de forma

criteriosa.

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3 A FORMAÇÃO DO ESTADO

Os homens primitivos há mais de um milhão e meio de anos atrás, viviam de

forma diferente dos dias atuais seguindo o relato de arqueólogos e antropólogos. A

partir do XX milênio a.C, formou-se o início de uma civilização. Para garantir seu

território, os homens pré-históricos que estabeleceram as primeiras aldeias

esforçaram-se muito e evoluíram no campo das descobertas, nessa fase o homem

exercia seu direito natural, seu livre arbítrio, visto que não havia normas

institucionais para que pudessem seguir. Com o passar do tempo, os homens

obtiveram a necessidade de formação de grupos sociais, deixando de viver só para

viver em grupo, foram gerando conflitos internos e houve a quebra da imunidade.

No mundo moderno, o homem desde que nasce e durante toda a sua

existência, faz parte simultânea ou sucessivamente, de diversas instituições ou

sociedades, formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, por interesses

materiais ou por objetivos espirituais (AZAMBUJA, 1997). Sendo assim, o homem

sempre busca viver em sociedade, que pode ser definida como um grupo de

pessoas em busca de um objetivo ou bem comum, cabendo a ele escolher seu

grupo social, com exceção da família e do Estado. Porém, ao alcançar sua

maioridade de acordo com a legislação vigente do seu país, sua tutela é liberta.

Conforme Azambuja, “da Tutela do Estado o homem não se emancipa jamais,

estando sujeito às suas normas desde o seu nascimento até seu óbito” (1997, p. 4).

Rosseau, em O Contrato Social, menciona que a família é a mais antiga das

sociedades, e também a única natural, isento da obediência devida ao pai, isento

estes os cuidados que requer a infância, todos ficam independentes, se continuam a

viver unidos, não é natural, mas sim voluntariamente, e só por convenção, a própria

família se mantém (2002, p. 24).

A família, assim, é o primeiro conceito de sociedade, uma fundamentação

para a sociedade política, sendo que todos nascem iguais e livres, apenas por direito

natural alienam a sua liberdade. Porém, o indivíduo ao nascer, adquire com o

Estado um contrato social tácito, abdicando sua liberdade natural e adquirindo a

liberdade civil, transferindo ao Estado sua soberania.

Muitos confundem a formação da sociedade com a formação do Estado, o

que não deveria ocorrer. A sociedade é formada por um grupo de pessoas que

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compartilham o mesmo objetivo, constituindo uma comunidade. O Estado nasce com

um agrupamento de pessoas em território fixo, que obtendo um líder, forma um

Estado.

Quando as sociedades primitivas, compostas já de inúmeras famílias, possuindo uma autoridade própria que as dirigia, se fixaram num território determinado, passaram a constituir um Estado. Esta nasce, portanto, com o estabelecimento das relações permanentes e orgânica entre os três elementos: a população, a autoridade ou poder político e o território. (AZAMBUJA, 1997, p. 107).

Embora seja difícil determinar a data e os motivos da origem de formação do

Estado, visto que há inúmeros pensamentos sobre o assunto, pode-se considerar a

idéia de Estado político que começa a ser formada com a delimitação territorial,

enfatizado durante a Guerra dos Trinta Anos. A afirmativa anterior não quer dizer

que antes não havia Estado, mas apenas a partir da Guerra dos Trinta Anos, que

começou a ser definido seu conceito de forma expressa.

O Estado Moderno surge no final do século XVI, juntamente com o conceito

de Soberania, sendo esse decorrente da necessidade de neutralizar um contexto de

instabilidade política, econômica e social presente no final da Idade Média.

A instabilidade gerada, dentre outros fatores, pela disputa constante entre o

poder temporal, do rei e o poder espiritual, da Igreja, agravada ainda pela

descentralização do poder entre barões, condes, duques e outros. O Estado

moderno surge a partir de longo processo como uma síntese histórica que remonta

ao século XVI com a Paz de Augusburgo (1555). No entanto, conforme Reis (2000)

foi com a Paz de Vesfália (1648) que a estatalidade foi uniformizada, reconhecida e

formalizada.

Hobbes (1651) começa tratando na segunda parte do Leviatã, sobre "as

causas, geração e definição de um Estado", resumindo o que havia explicitado na

primeira parte de sua obra. Afirma que o fato de os homens quererem sair daquelas

condições precárias em que viviam em conseqüência do estado da natureza,

fugindo da guerra em busca da paz (primeira lei natural) é o que daria origem ao

Estado.

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3.1 A Guerra dos Trinta Anos

A Guerra dos Trinta Anos foi um conflito europeu do século XVII, que teve

como seu estopim o combate em duas frentes no Sacro Império Romano. Essa

guerra englobou uma sequência de conflitos, principalmente entre católicos e

protestantes, bem como assuntos constitucionais germânicos.

O Conflito compreendido entre 1618 a 1648 se refere a um levante na

Boemia (atual República Tcheca) e Áustria, onde grande parte da população era

protestante. O sacro imperador romano Ferdinando II, contudo, foi enviado, e tinha

por finalidade implantar o catolicismo, proibindo os cultos protestantes e contrariando

a vontade da população e também revoltando os nobres protestantes.

A guerra dos Trinta Anos foi desencadeada por revoltas contra o domínio habsburguês no Oeste e no Leste do Sacro Império. O conflito então se estendeu ao núcleo do Império, suas terras alemãs, onde meio século de disputa constitucional e religiosa produzira dois agrupamentos distintos. Enquanto isso, por uma combinação de razões dinásticas, estratégicas e religiosas, as grandes potências foram, uma a uma, atraídas para a luta contra os Habsburgo (LEE, 1994, p. 10).

Quando se refere às reformas religiosas neste período, é preciso afastar a fé

e focar o poder político, pois o poder da Igreja e o poder do Estado eram

concorrentes, e é exatamente o que se refere esse conflito, de poderes políticos e

não credo religioso, embora a fé tenha sido usado como ferramenta.

O acontecimento fático que ocasionou a crise foi a reforma protestante, que

instalou o conflito entre aqueles príncipes eleitores, que se tornaram protestantes e o

pretendente ao trono imperial, o qual deviam eleger, e que desejava preservar o

catolicismo.

Os príncipes católicos reagem, unindo-se na Liga Sagrada. Entre os grupos começam os embates. Em 1618, nobres protestantes invadem o castelo da capital e jogam representantes do Império pela janela – episódio conhecido como a Defenestração de Praga. Mas o grande conflito é deflagrado com a recusa da Liga Evangélica em aceitar a eleição do imperador católico radical Ferdinando II (1578-1637): em represália, faz de Frederico V (1596-1632), um protestante, rei da Boêmia. (GUERRA DOS TRINTA ANOS, 2008)

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Com a imposição dos protestantes na aceitação do catolicismo, o rei

Maximiliano I (Alemanha), intercedeu a favor da igreja católica e os protestantes

foram vencidos. Com a derrota dos protestantes, a Dinamarca e a Suíça também se

sentem ameaçados e entram no conflito, sendo vencidos e, por conseqüência,

fortalecem mais a Liga Católica.

Muitos autores têm considerado a guerra uma luta entre as potências

Imperiais, outros um confronto entre velhos e novos tipos de expansionismo. Afinal,

os conceitos, as reformas que vinham ocorrendo ao longo do tempo causariam

conflitos em algum espaço e tempo da história, caso for considerado que o Estado

estava em constante transformação de acordo com a evolução de conceitos da

sociedade.

Lee, em seu livro A Guerra dos Trinta Anos (1994, p. 28), faz uma citação de

um ponto de vista de S.H. Steiberg, ao se referir sobre o motivo da guerra:

A Guerra dos Trinta Anos, nunca foi exclusivamente, ou primordialmente, um assunto alemão, pois dizia respeito a toda Europa. Até certo ponto, foi um subproduto dos esforços da França, após o fim de suas guerras religiosas, para romper o cerco que lhe impunham as potências habsburguesas – Espanha e Áustria. O que aconteceu foi que algumas regiões da Alemanha, mas nunca todo Império, intermitentemente tomaram parte ativa ou foram envolvidos nas várias guerras frias e quentes e nos conflitos diplomáticos e ideológicos entre a Casa de Bourbon e da Áustria.

A França entre a dinastia da Áustria e Espanha entra neste conflito,

enfraquecendo a Espanha e consecutivamente a Alemanha, onde após tantas

pressões, a Alemanha se sente obrigada a assinar o tratado de Paz de Vestfália.

3.1.1 Paz de Vestfália

Durante três anos, a Paz de Vestfália foi negociada pelos representantes

católicos e protestantes, reunidos em Münster (católicos) e em Osnabrück

(protestantes), assinada no dia 24 de outubro de 1648, conhecida como os Tratados

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de Münster e Osnabrück (ambas as cidades se encontram atualmente na

Alemanha). Tratava-se do fim da Guerra dos Trinta Anos.

A paz de Vestfália deu início aos novos conceitos do cenário internacional,

ao adquirir os princípios de Estado e Soberania. Segundo Reis (2001, p.16), “os

tratados de Vestfália representaram a consolidação de uma ordem mundial

constituída exclusivamente pelos governos dos Estados, que teriam liberdade

absoluta para governar um espaço nacional”. Esse acordo foi baseado no respeito

ao equilíbrio dos poderes entre os Estados europeus que passou a imperar no

mundo desde então.

O Tratado de 1648 reconheceu o Estado como poder supremo dentro de

fronteiras estabelecidas, encerrando assim um período em que prevalecia o poder

transnacional da Igreja, inaugurando o moderno sistema internacional, ao acatar

noções e princípios tais como o de soberania estatal e o de Estado nação.

Com a assinatura deste tratado, ocorre a separação definitiva do poder civil

e do poder religioso. É importante mencionar que o Tratado de Paz de Vestfália foi

um conjunto de 11 tratados assinados em Osnabrück e Munster. Desde o Tratado de

Paz de Vestfália (1648), que pôs fim à sangrenta Guerra dos Trinta Anos – com

quase 1/5 da população européia morta (4 milhões aproximadamente) – entre

católicos e os príncipes germânicos protestantes, a soberania estatal foi reconhecida

e relacionada à integridade territorial. (LEE, 2000)

Assim, esse Tratado consagra o fundamento da razão do Estado, o que está

atrelado a Soberania. O Tratado de Vestfália acabou com toda a submissão dos

indivíduos a figura monarca na época, que então teriam liberdade para decidir sua

religião, e seriam politicamente ordenados. A idéia de um mundo dividido em

diferentes comunidades políticas representou, à época, uma inovação

revolucionária.

A formação da soberania decorre da participação de três figuras: o rei, o

Imperador e o Papa, visto que o rei tinha que lutar contra o imperador e contra o

Papa, a soberania e sua consolidação, veio através da competição do Rei e

internamente ainda lutava contra os barões feudais, não havia ainda uma idéia de

Estado, mas uma série de divisões de Poder.

O sistema internacional nem sempre foi organizado em torno da idéia de soberania. Antes do Tratado de Vestfália de 1648, a regra era a existência

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de jurisdições interpenetrantes de autoridades políticas, com ausência de hierarquia entre elas. Nesse sistema feudal, os vínculos com as autoridades eram difusos, descentralizados, e baseados em ligações pessoais, não territoriais. (REGIS, 2006)

Se o Rei organiza os barões feudais, não obedece ao papa, nem ao

imperador, assim o que difere o rei dos demais personagens é a soberania. Isso

ocorria antes de assinado a paz de Vestfália. Após o Tratado os Estados foram

delimitados e a idéia de soberania é consolidada. Essa idéia de soberania está

ligada ao monarca, e deixa de ser física para ser abstrata.

O Tratado de Vestfália, 1648, marca o inicio dos acertos entre Estados-nação na Europa. Deliberou-se o fim das guerras religiosas e a “regulação” dos Estados sobre a religião, tornado-se ele mesmo ícone do novo arranjo em que o Estado-nação assume uma soberania incontrastável e exclusiva no cenário mundial. Há um forte enfoque na centralidade de uma etnia, uma raça sobre outras. (FONSECA, 2006).

O término da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) afirmou solenemente a

paridade jurídica de todos Estados, com a assinatura do Tratado de Paz de Vestfália

e este acontecimento representa o início da moderna Sociedade Internacional

embasada num Sistema de Estados.

Assim, o entendimento da Guerra dos Trinta Anos, e a Paz de Vestfália, se

fazem primordial para compreender a evolução do conceito de soberania, visto que,

seu surgimento de forma abstrata está relacionado a estes acontecimentos.

3.2 A evolução Político-jurídica do Estado

O conceito de Estado foi firmado no fim da Guerra dos Trinta anos com o

Tratado de Vestfália, onde passou a ter importância nas questões sociais

internacionais. O Estado obteve seus inúmeros conceitos e transformações no

decorrer da história. Para muitos autores, o Estado, assim como a sociedade,

sempre existiu.

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Segundo Reis (2001, p. 16), “os tratados de Vestfália representaram a

consolidação de uma ordem mundial constituída exclusivamente pelos governos dos

Estados, que teriam liberdade absoluta para governar um espaço nacional”.

A denominação de Estado foi dada pela primeira vez no livro de Maquiavel

em 1513. Mas, independentemente de quando houve uma denominação de Estado,

ou um conceito real para o mesmo, é impossível negar que sua existência se deu na

formação de grupos e um líder que os regessem em um território fixo.

Afirma Azambuja ao se tratar do pensamento, que o Estado surge com o

vencimento de um povo pelo outro:

Ora, todo grupo social que atingiu essa fase possui já, de tempos imemoriais, uma organização própria, possui uma autoridade que o dirige, uma hierarquia complexa: é Um Estado. Quem tenha sempre a noção presente de Estado, formado pela síntise dos três elementos, território população e autoridade independente, somente poderá encontrar na sociologia, mesmo na sociologia dos adeptos a origem violenta do Estado, a confirmação evidente e refutável que esses autores tentam provar a origem de uma instituição no momento em que querem vê-la formar-se. (1997, p. 105)

Pode-se afirmar que os conceitos de Estado acompanharam os avanços da

Sociedade, formando, assim, o conceito atual, que sofreram diversas

transformações para que hoje fosse englobado em um cenário mais desenvolvido.

As fases do Estado são classificadas em: Estado Antigo, Estado Grego, Estado

Romano, Estado Medieval e Estado Moderno, o que será estudado mais adiante.

O conceito de Estado é constituído por três elementos essenciais: uma

população, um território e um governo independente.

Muitos confundem os conceitos de Estado, país, nação e povo, apesar de

distintos. Conforme Ferreira (1988) define no Dicionário Aurélio Básico da Língua

Portuguesa, os conceitos dos seguintes termos:

• Estado: Conjunto de poderes políticos de uma nação; governo. Divisão

territorial de certos países. Nação politicamente organizada.

• País: Região, território, Pátria, terra. Território habitado por uma

coletividade, com designação própria: nação.

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• Nação: Agrupamento de seres, geralmente fixos em um território,

ligados pela origem, tradições, costumes, etc., e em geral por uma língua; povo. O

povo de um território organizado politicamente sob um único governo.

• Povo: Conjunto de indivíduos que falam (em regra) a mesma língua

tem costumes e hábitos idênticos, uma história e contradições comuns. Os

habitantes de uma localidade; povoação.

O Estado não se confunde, pois, nem com as Sociedades em particular, nem com as Sociedades em geral. Os seus objetivos são de ordem e defesa social, e diferem dos objetivos de todas as demais organizações. Para atingir essa finalidade, que pode ser resumida no conceito de bem público, o Estado emprega diversos meios, que variam conforme as épocas, os povos, os costumes e a cultura. Mas o objetivo é sempre o mesmo, e não se confunde com nenhuma outra instituição. (AZAMBUJA, 1997, p. 5)

Muitos conceitos são dados a estes termos nos livros desse assunto. Dallari

(2005, p.51) diz que o Estado só pode ser aplicado com propriedade à sociedade

política dotada de certas características bem definidas. É imprescindível que se

obtenha a exata compreensão do conceito de Estado, visto que é necessário para o

entendimento do fenômeno da soberania, e não há Estado perfeito sem soberania.

3.2.1 Estado Antigo

Estado Antigo designa os tipos de Estados existentes nas antigas

civilizações do Oriente (que existiam nos territórios dos países atualmente

denominados Irã, Iraque, Síria e outros) ou mediterrâneas (Egito, Creta). O Estado

Antigo é também chamado oriental ou teocrático e suas principais características

são a natureza unitária e a religiosidade. Conforme Dallari (2005, p.62), “Quanto à

presença do fato religioso, é tão marcante que muitos autores entendem que o

Estado desse período pode ser qualificado como Estado Teocrático”.

Aos povos existentes nesse período, o Estado aparece sempre como uma

unidade, não admitindo divisões, eram constituídos pela força da guerra e pelas

armas. Afirma Azambuja (2003) que o povo não tinha uma concepção do que

realmente era o Estado, pois os filósofos da época não se preocupavam com o

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aspecto de vida social. O território nesse período não era definido, visto que, o que

constituíam suas limitações eram as vitórias ou derrotas decorrentes da guerra. O

Estado nesse período também não possuía raças únicas, reuniam povos diferentes

que eram conquistados para escravidão, que também caracteriza conseqüência da

guerra.

A única forma conhecida de governo era a monarquia, e o poder era

exercido em nome dos deuses titulados pelo povo, ou seja, a sociedade e a política

eram totalmente dominadas pela religião, isso refletia na concentração de poderes

em uma única pessoa, militar, judicial e sacerdotal. “O Estado é teocrático no sentido

Religioso, o poder é Deus, e exercido por um Deus.” (AZAMBUJA, 2003, p. 138).

Conforme Menezes (1993, p. 107), “A influência dominante foi a religiosa, as

idéias que prevaleceram, foram criadas, sustentadas e destruídas pelos sacerdotes.”

Não existia assim, a separação do pensamento político e o religioso, e também a

moral, a filosofia, provinha do poder do rei e de sacerdotes.

3.2.2 Estado Grego

Estado Grego designa a reunião dos traços característicos dos Estados que

existiram nas regiões habitadas pelos povos helênicos. É considerado como fonte da

democracia, embora isso não tenha sido real e não chegou a ser um Estado

democrático nos conceitos do direito Público Moderno, visto que em Atenas mais da

metade da população era escrava, os estrangeiros não tinham direito político e as

mulheres não tinham direito ao voto. O poder do Estado Grego não era absoluto e

nem unitário, uma vez que a elite que formava a sociedade política participava das

decisões do Estado. Conforme Menezes (1993), nesse período, as autoridades não

obtinham mais o caráter divino.

A principal característica do Estado Grego é a separação entre a religião e a

política e também a existência da polis, vocábulo grego que designa a

cidade-Estado, que eram formadas por pequenos burgos, formando uma cidade

completa. A formação da polis, visava à autosuficiência, ou seja, abster-se de tudo

que o povo necessitava.

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O ideal visado era a auto-suficiência, a autarquia, dizendo Aristotoles que a sociedade constituída por diversos pequenos burgos, forma uma cidade completa, com todos os meios de se abster por si, tendo atingido por assim dizer, e foi que se propôs. (DALLARI, 2005, p. 63-64)

A visão obtida por essa formação de Estado era de auto-suficiência, e essa

situação obteve fundamental importância na característica de cidade-estado. Em

função dessa situação, Dallari (2005) afirma que, através disso, dominaram outros

povos sem precisar de extensões territoriais.

O processo de expansão territorial pelos romanos marca o período de

transição do regime republicano à formação e consolidação do Império Romano.

3.2.3 Estado Romano

Estado Romano é que expressa as várias formas de governo que existiram

em Roma, desde sua fundação (considerada como tendo ocorrido em 753 a.C.) e a

morte do Imperador Justiniano, em 565 a.C. Nessa fase, o Estado passa a

fundamentar sua personalidade legal.

Separa-se a ética da política, institui-se uma teoria abstrata de Estado, distinto da sociedade em geral, desenvolve-se a personalidade legal de Estado, em molde de soberania política, e como poder criador da lei, distingue o Estado dos indivíduos, cada um tem direitos e deveres diferentes, pois ainda que seja o Estado considerado fonte de todos os direitos, a autoridade política procede em última análise, do povo. (MENEZES, 1993, p. 115).

As principais características do Estado Romano eram: base familiar

(patrícios e clientes) da organização, sociedade política organizada, inicialmente,

segundo o modelo da cidade-Estado e o domínio sobre grande extensão territorial.

Conforme Azambuja (2005, p. 141), o Estado conquistava novas terras e

populações, Roma deixava de ser uma cidade-Estado e transformar-se-ia em um

verdadeiro Estado.

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No Estado romano, o homem era obrigado a fazer apenas o que constava e

apresentava a lei, ele obtinha uma liberdade absoluta. O Estado era uma nação

organizada e a vontade nacional era a fonte legítima do Direito.

3.2.4 Estado Medieval

Com a queda do império romano, deu-se a decadência do Estado na Europa

Ocidental. Da antiga Roma, somente o direito romano sobreviveu, tendo passado

pelos conceitos germânicos, que era baseada nos princípios do direito natural, na

dignidade do homem, na liberdade individual, na inviolabilidade da família,

desconhecendo a personalidade jurídica do Estado, e todas as decisões serem

emanadas do direito natural e da ordem individual.

Fortemente fragmentado no feudalismo, o Estado Medieval basea-se na

supremacia da lei, sendo os usos, costumes e o direito natural, fontes principais do

Direito. Essas leis eram inseridas por Deus na consciência de cada indivíduo, sendo

que um não faria a outro o que não queria para si. Fundamentava-se na

religiosidade (cristianismo) e na existência do feudalismo, que pode ser considerada

a fragmentação do poder.

Em conflitos de sociedades religiosas, bárbara e imperial (em decadência) ocorre o aparecimento do feudalismo, que, mais acercado embora nos primeiros tempos do clã pessoal do que o espaço territorial permite adiante o reaparecimento do Estado e seu triunfo definitivo. (MENEZES, 1993)

Ao se tratar do reaparecimento do Estado em um tempo futuro, é pelo

motivo de que o Estado perdeu suas características com tantas instabilidades no

início da era medieval. O Estado Medieval era fragmentado, enquanto na Igreja

existia unidade. Precisamente as idéias de unidade da Igreja, e sua aspiração à

universalidade, foram transplantadas para o plano político, buscando-se a unidade

do Império.

Conforme eram conquistados os territórios pelos reis bárbaros, assim eram

divididos aos seus chefes guerreiros, que refletiam também na divisão do poder

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dentro do Estado, em troca disto auxiliavam na preservação da fidelidade de todos

os súditos do rei.

Os reis bárbaros, uma vez completada a dominação do território, distribuía

aos seus chefes guerreiros (considerado como chefe do Estado, porém, sem

soberania), cargos e vantagens, fragmentando o poder dentro do Estado. Em troca,

os concessionários se comprometiam a defender o território, prestar ajuda militar,

pagar tributos e manter o princípio da fidelidade de todos os súditos ao rei.

A essa idéia de Estado, contida nos grandes sistemas filosóficos medievais, opunha-se a noção de Estado, a realidade. Os senhores e barões feudais não eram soberanos, nem os feudos eram Estados, tomando esses termos na acepção que hoje tem. Um contrato ligava senhores e súditos, e ambos tinham direitos e deveres tradicionais, em que última análise eram de essência patrimonial. (AZAMBUJA, 2005, p. 144)

Essas parcelas de poder que eram outorgadas aos senhores feudais

geraram múltiplas ordem jurídicas e instabilidade política, econômica e social,

encarecendo de intensa necessidade de ordem, o que daria origem à criação do

Estado Moderno.

3.2.5 Estado Moderno

As deficiências da sociedade política medieval determinaram as

características fundamentais do Estado Moderno. A necessidade de restaurar a

unidade do Estado romano fez despertar a consciência para a busca da unidade,

que afinal se concretizaria com a afirmação de um poder soberano, no sentido de

supremo, o mais alto de todos dentro de uma delimitação territorial.

As características do Estado Moderno são: povo e território (elementos

materiais), soberania (elemento formal), finalidade (regulação da vida social). O

poder político é concentrado nas mãos de um único individuo, há a ascensão da

classe burguesa e o florescer do capitalismo. Conforme Azambuja (2005), o Estado

moderno foi premiado pelo avanço da tecnologia, bem como do comércio, que foram

gradualmente absorvendo o indivíduo.

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Pode-se afirmar que esse Estado Moderno passou por várias mutações,

consoante o momento histórico em qual o mundo se encontrava. Desse modo,

podem se enquadrar dentre esse gênero Estado Moderno as espécies: Estado

Estamental, Estado Absoluto (presença da monarquia absoluta e regras apenas se

limitam pelo Direito Natural) e Estado de Direito.

Esse absolutismo monárquico, caracterizado pela concentração de poderes do Estado, na Pessoa dos soberanos, representava de qualquer sorte a conjunção das opiniões e das vontades para fins comuns, para coexistência pacífica e coletiva, pela independência e engrandecimento das nações e pela segurança universal. (MENEZES, 1993, p. 118)

Assim nasce a idéia de soberania popular, nascimento das constituições

escritas, reconhecimento dos direitos fundamentais e da separação dos poderes.

3.3 Obras acerca da formação do Estado, Sociedade e Soberania

Muitos especialistas escreveram a respeito da formação do Estado, mas

algumas obras destacaram-se, sendo considerados fundamentais para o

entendimento deste conceito.

3.3.1 Thomas Hobbes – “O Leviatã” (1651) – Contrato

Thomas Hobbes atentou-se para o comportamento do homem frente as

determinações do poder público. Hobbes foi o primeiro contratualista moderno,

observador da natureza humana. O Leviatã é o livro mais famoso do filósofo inglês

Thomas Hobbes, publicado em 1651. O seu título se deve ao monstro bíblico

Leviatã, citado por Jó nas Escrituras Sagradas. O livro, cujo título por extenso é

Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, trata da

estrutura da sociedade organizada.

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Para Hobbes, os humanos são egoístas e ruins por natureza. Com essa

natureza maléfica, todos entrariam em guerra entre si. Assim, para que a paz possa

estar sobre os indivíduos e para que não tendam ao conflito, é necessário um

superior, uma autoridade soberana para que os conduzam através de um contrato

social.

Em todas as espécies da república é da competência do poder soberano. Porque onde há república, conforme já se mostrou, há uma guerra perpétua de cada homem contra o seu semelhante, na qual por tanto cada coisa é de quem apanha e conserva pela força, qual não é propriedade, nem comunidade, mas incerteza. (HOBBES, 1651, p. 211).

A criação do Leviatã está fundamentada na natureza humana, o homem em

seu estado natural, que não é confiável e vive em insegurança e por esse motivo

trava uma guerra incessante com os demais indivíduos, ou melhor, um estado de

guerra permanente. Conforme Hobbes (1651, p. 86), “Como tendência geral de

todos os homens um perpétuo desejo de poder e mais poder, que cessa apenas

com a morte”,

Para ele, o soberano pode ser uma pessoa ou um grupo, eleito ou não.

Assim na concepção do autor a forma de melhor governar é a monarquia, obtendo

um chefe de Estado, na qual o poder estaria concentrado indivisivelmente neste.

São citadas três espécies de república (HOBBES, 1651): a Monarquia, a

Democracia e a Aristocracia, sendo a escolha por conveniência que vise à paz e à

boa ordem. O Estado é o titular final da soberania, independentemente da forma e

do regime político em questão.

O século XVII, na Inglaterra, também foi marcado por conflitos políticos e

religiosos entre a Coroa e o Parlamento, que se estendeu até 1688 com a

Revolução Gloriosa, que foi um dos eventos mais importante na longa evolução dos

poderes do parlamento e da Coroa inglesa, visto que esse acontecimento marcou a

supremacia do parlamento sobre a coroa e representou o fortalecimento do

liberalismo em detrimento ao absolutismo.

Foi ao analisar esta situação que Hobbes constatou que há uma forte

tendência dos indivíduos em se afastar das normas de convivência por naturalidade.

Há apenas um caminho para evitar as guerras e conflitos na humanidade, visto que

o homem é “lobo do próprio homem”, a aplicação do Estado Leviatã, aplicada não

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apenas às normas, mas principalmente da espada para que essas normas sejam

cumpridas.

Paupério (1958) embasado no pensamento de Hobbes menciona que, onde

se concebe a liberdade individual como direito de obedecer aos próprios instintos,

não se pode a sociedade manter a não ser através de um poder muito forte.

Na obra de Hobbes (1651, p. 146), “O acordo vigente entre essas criaturas é

natural, e dos homens se dá apenas através de um pacto artificial”, nos termos de

seu contrato, o acordo que é colocado é de submissão dos indivíduos ao Poder

Soberano, é desse pacto que se origina o Estado Leviatã, e irá forçar os homens ao

cumprimento desse contrato.

[…] De um modo que cada homem dissesse a cada homem: Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo e a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante, todas as tuas ações. (HOBBES, 1651, p. 147).

O Estado se origina com um grupo considerável de homens, visto que o

pacto não pode ser formado apenas por parte da população em função da

possibilidade de outra parte se revoltar contra o governante. Esse pacto irá ser

exercido pelo chefe de Estado e pela sociedade. A sociedade designará ao chefe do

Estado a prática de suas decisões no que se refere à paz, à segurança e o bem

comum.

Esse Estado hobsseniano é fundamentado pelo pacto social, no qual o

soberano, aquele que possui o título desse, obtém todos os poderes, sendo

fundamental à garantia da paz e direitos básicos de todos os cidadãos. Ele vê este

contrato como a solução e superação dos males da sociedade Estatal.

Conforme Reale (1984, p. 218) ao mencionar o pensamento de Hobbes,

O Estado é o ilimitado, não só o ordenador do Direito Positivo como o próprio criador da justiça. O soberano para Hobbes pode cometer uma iniqüidade, mas nunca uma injustiça, porque a justiça com o soberano se confunde, de forma que todas as leis escritas e não-escritas adquirem autoridade e força pela vontade do Estado.

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Assim, com este pacto, os súditos (como são chamados os que rodeiam seu

soberano), não têm o direito de contestação quanto aos atos de seu governante,

pois estarão, contestando seus próprios atos, visto que o pacto é firmado entre os

indivíduos e não entre o governante e seus indivíduos.

A concepção de Hobbes sobre o Estado é individualista, realista e

pessimista em relação ao homem, que não tem por natureza qualquer valor moral. A

visão do Estado de Hobbes é materialista, que visa aos interesses econômicos ou

de grupos sociais.

Assim, Hobbes considera o homem mau por natureza que, dotado de

emoções e desejos, é capaz de viver em sociedade renunciando sua liberdade e

parcela de poder em favor do titular da Soberania: o Estado Absoluto. Essa

liberdade e estado de natureza seriam moldados pelo pacto social entre aqueles que

o compõe, que traz a organização política, paz e prosperidade.

O Estado tornou-se para Hobbes a comunidade político-legal que é o

Leviatã, que representa uma comunidade que não permite nenhuma confrontação a

autoridade absoluta do Estado.

3.3.2 Jean Jacques Rousseau: “O contrato social”

A obra de Jean Jacques Rousseau está baseada no cenário da Revolução

Francesa, ou seja, em um período conturbado que exerceu grande influência no

mundo político no final do século XVIII, onde sua obra mais expressiva, “O Contrato

Social”, forneceu a base metodológica para profundas transformações da França

nesse período.

Jean Jacques Rosseau é considerado representante legítimo da teoria

democrática, a concepção de democracia defendida por Rousseau, pode ser

descrita como a igualdade natural e suprema de todos os homens. “As

possibilidades de desigualdade e injustiça entre os cidadãos são evitadas mediante

a total alienação de cada associado, com todos os seu súditos, em beneficio da

Comunidade” (ROSSEAU, 2002, p. 13)

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Considerado o patrono da Revolução Francesa, a obra de Rousseau

demonstra a preocupação em destacar a importância do Estado Democrático, a

soberania popular em contraposição aos desmandos de um ou de um grupo de

governantes.

Dentre as transformações ocorridas no final do século XVIII, a Revolução

Francesa se destaca, pois representou um marco divisório entre o período dos

desmandos dos monarcas absolutistas e a instauração de um novo contexto, onde a

maioria das nações tornou-se republicana, e aquelas que permaneceram ainda

como monarquias, instituíram a monarquia parlamentar. Segundo historiadores, a

desigualdade imperava absoluta no contexto francês do final do século XVIII, os

cofres públicos encontravam-se deficitários, tendo em vista os gastos supérfluos da

nobreza na manutenção de seus dispendiosos castelos e de sua vida luxuosa.

Assim como os demais autores contratualistas tratados no presente texto, a

justificação do contrato social pode ser encontrada na natureza humana, ou seja, na

organização da vida dos homens em estado natural, período anterior à instituição do

Estado. “Violado o pacto social cada um torne a entrar em seus primitivos direito e

retorne a liberdade natural, perdendo a liberdade da convenção qual sacrificou

(ROSSEAU, 2002, p. 31).

Ao afirmar, também, no início da exposição do contrato, que não sabe

exatamente como ocorreu a mudança da liberdade à servidão, pois a história real

não nos traz elementos suficientes para tal conclusão, Rousseau constrói

hipoteticamente, embora, pautado em argumentos racionais, a passagem do estado

de liberdade, existente na origem da humanidade e a servidão ocasionada pelo

surgimento da propriedade.

Com relação à natureza humana, Rousseau discorda de Hobbes quando

esse afirmou que o homem em estado natural é mau, egoísta, vive da imaginação e

desconfiança e, em decorrência desse estado, vive em guerra constante. Para

Rousseau, nessa nova ordem, o gênero humano carece de responsabilidade e

principalmente solidariedade, pois foi corrompido pela competição entre seus

semelhantes e tornou-se vítima de uma hierarquia mal distribuída, ou seja, o homem

nasce bom, mas a sociedade o transforma, o corrompe.

Com base nessas afirmações, Rousseau desenvolve os princípios da ação

política propostos pelo ‘Contrato Social’, que constitui um pacto legítimo entre os

indivíduos, pois, por meio da celebração do pacto, todos imperam em igualdade

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absoluta, e esse processo de legitimação estende-se ao corpo político. Segundo o

pensador francês, a legitimidade deve ser mantida com a máquina política em

funcionamento e, nesse momento, propõe os princípios necessários para a obtenção

desse fim. Dentre os mecanismos necessários à legitimação do poder político

podemos citar o soberano como funcionário do povo, a contrariedade ao sistema de

representação política, pois a vontade do povo é inalienável, e a temporariedade do

exercício das funções executivas.

A riqueza da obra de Rousseau estende-se além do exposto, mas, com as

colocações acima, é possível observar a importância de suas declarações no

contexto francês pré-revolucionário, pois os princípios da soberania advinda da

vontade popular representaram a possibilidade da passagem da servidão à

liberdade por meio de um movimento revolucionário.

3.3.3 O Príncipe – Maquiavel

O Príncipe é uma obra dedicada ao livro Magnífico Lourenço, que trata dos

principiados. Em sua obra, Maquiavel considera o Estado como qualquer governo

que tem autoridade sobre os homens. Ele busca explicar o poder por linhagem

hereditária e o poder de principiado misto.

Referente ao poder por linhagem hereditária é considerada pouco concreta

e eficaz. Em referência aos principados mistos é correto afirmar que seja uma

continuidade de um Estado que já existe. Conforme Maquiavel (2002, p. 29), “Todos

os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou

principados”. Para Maquiavel o principado misto tem um ponto de controle que pode

ser complexa ou não.

Maquiavel (1532) no cap. VI do livro, O Príncipe, menciona que os

principados tem diferença em sua forma de conquista "Os principados conquistados

com as próprias armas e qualidades pessoais” e conforme o cap. VII "Os principados

conquistados com as armas e virtudes de outrem".

Em sua obra, Maquiavel (1532) menciona duas formas de principados, civil

(cap. IX) e eclesiástico (cap. XI). O principado civil é aquele em que um cidadão

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comum torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de compatrícios. Para Maquiavel, a

chegada de um cidadão comum ao Poder no principiado civil se dá em função da

conquista da simpatia do povo ou dos nobres.

Aos principados eclesiásticos ele menciona que são mantidos pelas

tradições da religião e tem uma força consideravelmente grande que mantém seu

próprio príncipe no governo, independente da sua maneira de viver ou

comportamento, mediante a situação que é oferecida pelo domínio religioso aos

príncipes neste governo ele afirma que os mesmos detêm as decisões e o poder de

Estado, mas não o defendem, uma vez que não correm o risco da perda de seu

poder, que por tradição não querem a separação de seu príncipe.

As milícias e exércitos são as bases principais de sustentação do poder, que

são constituídas também de boas leis. Maquiavel considera que a arte da guerra

deve ser sempre exercitada, tanto com ações como mentalmente, e devem estar

sempre preparados para o inesperado, para o fortalecimento do Estado e também

para confirmação do príncipe para com seus.

Os príncipes devem concentrar em absorver qualidades que lhe garantam o

fortalecimento e boa administração do Estado e deve zelar seu bom relacionamento

com seus súditos.

3.4 Estado: sociedade política por excelência

Muitas sociedades têm seu poder limitado em relação as suas áreas de

atuação e vivência, o Estado abrange todo o território limitando o poder das demais

sociedades existentes, sendo considerado assim instituído por excelência, ou seja

superior sobre as demais sociedades.

As sociedades que estão acopladas dentro de um determinado Estado

precisam seguir o ordenamento jurídico por ele constituído, sendo incontestáveis,

visto que o Estado é soberano.

Este é o momento histórico em que a nação pode ser identificada como fonte da soberania; ou seja, como conseqüência concreta do direito de uma dada comunidade e de um povo de se autodeterminar politicamente e de

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fazer valer, dentro do seu território, a universalidade de suas decisões, como resultado objetivo de uma sociedade historicamente integrada de se constituir livremente e de se organizar de modo independente. (FARIA 1999, p. 17)

O Estado, assim, é a sociedade política por excelência, pois seu poder é

soberano, sendo esse um dos seus elementos constitutivos acompanhado de outros

elementos, já vistos antes.

A soberania é um elemento fundamental para a atuação do Estado, sendo

que Estado visando ao bem comum e à organização da sociedade necessita ser

incontestável, pois contrário disso, seria atribuída um situação de caos absoluto.

A teoria do Estado afirma que o poder político estatal deve ser

necessariamente incontestável e incontrastável, mas não significa que tenha que ser

absoluto, pois o Estado não é um fim em si mesmo e sim um meio para atingir o bem

comum, ou seja, os interesses coletivos devem estar acima dos interesses

particulares.

Nesse sentido, o poder estatal está limitado pelo ordenamento jurídico, que,

ao mesmo tempo em que lhe confere legitimidade, limita sua ação. Conforme

Paupério (1987), não há ordem política sem regulamento jurídico, o Estado é a

estrutura jurídica de uma situação histórica determinada, que compreende não

apenas a ideologias, mas a economia e a sociedade.

Embora a soberania seja o Poder do Estado, imprescindível para sua

formação, todos os seus elementos são de suma importância para que o Estado seja

considerado Estado, sem um dos elementos não existe.

Como viu-se, a soberania é um dos elementos constitutivos para a formação

de Estado, porém, as constantes modificações e múltiplas conexões, têm gerado

um novo cenário na atuação estatal em nível externo com relação à soberania. Os

acontecimentos que ocorrem desde a construção de seu conceito com novos

paradigmas e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, fez com que o

Estado tenha sofrido fortes transformações no que se diz respeito as suas decisões

e ações em nível internacional e inclusive em relação à Soberania (até onde pode

ser considerada como indivisível e incontestável).

Conforme Stelzer (2004, p. 83), “Desde o fim da última Guerra Mundial,

contudo, iniciou-se um amplo processo de revisão a respeito do tema. O fim da

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Segunda Guerra Mundial anunciava o naufrágio de uma concepção mesquinha da

soberania nacional.”

Após o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por uma

transformação tecnológica, os conflitos que foram vivenciados até então, foram

conflitos armados, comandados por civis, que poderia ou não ter influências sobre a

população.

A Guerra, que embora tenha sido datada com início em 1945 e término em

1949, se estendeu em suas conseqüências em uma série de fatores, as armas se

findaram, porém, abalou e transformou a sociedade mundial, refletindo em

acontecimentos posteriores da história, e provavelmente seja a globalização uma

das maiores conseqüências da Segunda Guerra. Conforme Moreira (2002), com a

globalização os Estados se tornam “servos” dos novos “senhores do mundo”.

A formação do Estado e da Soberania foi um processo de consolidação até

então, que dividiu o mundo, e que gerou novos paradigmas, transformando os

conceitos construídos até então.

O capitalismo e o salto da economia vem confrontando o Estado e o poder

soberano. Não é mais o papado que confronta os poderes de Estado e a fonte da

soberania (antes, advinda da divindade) e sim as corporações transnacionais e a

interdependência de um mundo que confronta a excelência do Estado.

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4 CONCEITOS ACERCA DA SOBERANIA

A Paz de Vestfália trouxe à Europa harmonia e inaugurou nova fase na

história política daquele continente, proporcionando aos Estados igualdade jurídica,

com o que ficaram estabelecidas bases sólidas de uma regulamentação

internacional positiva. Essa igualdade jurídica definiu aos Estados a característica de

únicos atores nas políticas internacionais, eliminando o poder religioso entre eles e

conferindo aos mais diversos Estados a soberania e lhes outorgando o poder de

escolher sua economia, política e religião. Assim, os Estados consagraram um

modelo da soberania externa absoluta e iniciou-se uma ordem internacional

caracterizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais

estabelecidas e com independência no âmbito externo.

Um pouco mais tarde, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão trouxe alguns caracteres da soberania que foram adotados por várias

Constituições: unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. “Alguns

autores costumam ainda incluir entre os atributos da soberania a inviolabilidade,

outros ainda acrescentam a indelegabilidade” (PAUPÉRIO, p. 29, 1958).

Quanto à unicidade, a soberania não pode ser múltipla, pois se existissem

diversas soberanias, dentro de um determinado Estado, não existiria soberania

alguma.

A soberania é uma só, uma, integral e universal, não pode sofrer restrições de qualquer tipo, salvo, naturalmente as que decorrem dos imperativos da convivência pacífica das nações soberanas no plano de direito internacional. (MALUF, 1988, p. 145).

O mesmo acontece com relação à indivisibilidade, pois se a soberania fosse

dividida, deixaria também de ser uma, e não seria soberania. A inalienabilidade

significa que a soberania não pode ser transferida ou renunciada e a

imprescritibilidade traz a permanência do poder supremo, a impossibilidade de

decadência, caducidade da soberania.

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O conceito de soberania, entretanto, sempre causou polêmica, devido à falta

de unanimidade em defini-lo (e por ser tão abstrato) e à disparidade que parece

sempre ter existido entre o conceito teórico e aquilo que pode suceder na prática.

Essas disparidades parecem aumentar mediante a um mundo cada vez mais

tecnológico e globalizado. Diversos autores estudam o tema e procuram alcançar um

conceito que se adapte ao cenário atual, utilizando como base o que foi expresso no

início da formação conceitual clássica de soberania.

O termo soberania tem sido manipulado por estudiosos e governos para

determinar diferentes conceitos a depender dos interesses e dos atores envolvidos.

Conforme Branco (1988, p. 142), “A soberania é um termo que acompanha o feito do

Estado, porque esta liga a organização deste”. Assim, as mudanças ocorridas em

âmbito estatal, reflete também no conceito da soberania, e talvez por esse motivo há

tantas divergências.

Em alguns momentos o conceito de soberania é tido como absoluto, em

outros, como relativo, e, ainda, como inexistente. É uma discussão complexa,

analisando toda a transformação desde os primórdios de seu surgimento até os

tempos atuais. Esse conceito é relativamente moderno, tem o surgimento na França,

em decorrência de guerras entre o Rei da França e os barões feudais, que

buscavam internamente seus interesses territoriais confundidos então com o Estado

e consecutivamente com a soberania, e ainda buscavam o desligamento do poder

do Santo Império e do Papado.

Durante muito tempo, a soberania foi confundida com o poder, mais

precisamente com a figura do Rei, podendo ser divida em soberania senhorial e a

real, mais tarde o Rei começa a figurar a titularidade de soberano. Conforme Dallari

(2005, p. 49), “[...] o que verifica é que a noção de soberania está sempre ligada a

uma concepção de poder”. Dentre os diversos surgimentos do conceito da teoria de

soberania dentre os mais variados autores sobre o assunto, Jean Bodin foi o

primeiro autor a dar ao tema um tratamento sistematizado. Conforme Maluf (1988) e

Jean Bodin determinou que soberania do Rei é originária, ilimitada, absoluta,

perpétua em face de qualquer outro poder, temporal ou espiritual.

Com a internacionalização, a inovação e a globalização mudaram os

paradigmas de muitos conceitos e a teoria da soberania absoluta de Bodin não é

mais aceita no contexto mundial. A globalização afeta a soberania dos Estados no

sentido de ser superior internamente e independente externamente. Com a

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globalização, o poder do estado torna-se menos soberano, menos autônomo em

função da interdependência e dos novos paradigmas que a globalização trouxe à

sociedade, afetando a uniformidade e intensidade do conceito de soberania anterior.

Aceitar a soberania como poder ilimitado e absoluto do Estado no seu

território é não vislumbrar as mudanças sofridas pelo conceito para adaptar-se à

realidade jurídica e social. A soberania será um conceito contemporaneamente

válido se por ela entender-se a qualidade ou o atributo da ordem estatal, que,

embora exercida com limitações, não foi igualada a nenhuma

outra no âmbito interno e nem superada no externo.

Todavia o próprio Jean Bodin, teórico eminente, do absolutismo monárquico, como observou Touchard, não se livrou de contradições quando admitia a limitação do poder de soberania, pelos princípios inelutáveis do direito natural. (Maluf, 1988, p. 45)

O Estado é autônomo na medida em que é livre para decidir no âmbito do

seu quadro de competência; é independente, por não estar subordinado a nenhum

outro Estado. Assim, a liberdade estatal não é ilimitada para fazer o que desejar,

sem nenhuma restrição. Conforme Maluf (1988, p. 45), “a soberania é uma

autoridade que não pode ser limitada por nenhum outro poder”. A teoria da

soberania exige de um Estado que ele respeite a soberania dos demais, pois

nenhum Estado tem o direito de alargar suas competências por decisão unilateral,

sob pena de atentar contra a soberania do outro.

Por todos os motivos elencados, propõe-se que a soberania não seja

absoluta, todavia não se pretende estabelecer o seu fim como um todo, mas,

apenas, a qualidade de absoluta.

Jean Bodin considera o tema como um poder perpétuo e ilimitado, que tem

como únicas limitações a lei divina e a lei natural. A soberania é, para ele, absoluta

dentro dos limites estabelecidos por essas leis, que sendo contrariadas estarão

entrando em conflito com Deus.

Conforme Dallari (2005), ao citar o pensamento de Bodin sobre as leis

divinas e naturais, todos os príncipes da terra lhes estão sujeitos e não está em seu

poder contrariá-las, do contrário farão guerra com Deus.

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O Poder absoluto está relacionado em concentrar o poder completamente

nas mãos dos governantes, a soberania só é absoluta quando o povo se despoja de

seu poder soberano e o transfere ao governante que, para Bodin, é representante da

divindade. “Molina embora reconhecendo soberania constituída, ressaltou a

existência de um poder maior exercida pelo povo que dominou soberania

constituinte.” (MALUF, 1988, p. 48)

Um terceiro critério é ainda avaliado por Bodin, é a integridade em exercer

os contratos na qual o príncipe celebra, pois ele deve respeitar seus acordos.

4.1 Soberania segundo seus autores

Thomas Hobbes (1588-1679) acredita que para obter uma convivência

pacífica, os súditos se submetem às leis, para que o Estado possa proporcionar

segurança. Todos os homens transferem o seu poder ao Estado, que pode ser

figurado como o Pacto União. Esse Pacto é realizado apenas entre os súditos e não

entre súditos e o soberano, o que não permite o soberano quebrar o pacto, já que o

soberano não existia antes do acordo e dele não faz parte. Para Hobbes, o soberano

não existiu no povo, mas na união do poder dos súditos, que antes era fragmentado

em cada um.

Reagindo contra todas as restrições que o medievalismo opunha, Hobbes estabelece o principio absolutista, onde o governo resulta do contrato da sociedade feita entre os súditos, mas não é parte contratante, não firma pacto algum com os súditos. (REALE, p. 223, 2000)

Assim, Hobbes acredita que a soberania é absoluta, uma vez que os súditos

transferiram totalmente seu poder ao soberano, sendo a soberania ilimitada e

irrevogável.

George Jellinek (1851-1911), filósofo de direito e juiz alemão, vê na

soberania a propriedade de poder de Estado, na qual ele formula as regras e às

mesmas é obrigado a se submeter, ou seja, o Estado formula o Direito e também

está subordinado a Ele. A soberania para Jellinek é uma vontade que se

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autodetermina, que estabelece a amplitude de sua ação, nenhuma vontade deve

comprometer o poder soberano que tem direito, mas, não tem obrigações, pois se

tivesse obrigações estaria subordinada a outra vontade e deixaria de ser soberano.

Conforme Maluf (1988, p. 48) “A soberania é um poder jurídico, um poder de

direito e assim como todo e qualquer direito, ela tem a sua fonte e sua justificativa na

vontade do próprio Estado”. Assim, nesse contexto, a soberania tenderia ao

absolutismo sendo ela ilimitada, e não podendo ser contrariada. Jellinek ainda afirma

que o motivo de a antiguidade não ter conseguindo um conceito de soberania seria o

confronto do Poder do Estado com outros poderes.

Qual a razão de não se ter chegado até então o conceito de soberania ou a de outro equivalente? A resposta a essa pergunta foi dada com bastante precisão por Jellinek, quando este observou que o fato de a antiguidade não ter chegado a conhecer o conceito de soberania, tem um fundamento histórico de importância a saber, faltava ao mundo antigo, o único dado capaz de trazer a consciência o conceito de soberania. A oposição entre o poder do Estado e os outros poderes. (DALLARI, 2005, p. 331)

Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (1859-1928), jurista francês, especializado

em Direto público, defensor de uma teoria negativista a respeito de soberania, nega

a existência, em relação aos seus limites, pois ou o Estado é soberano e se

determina única e exclusivamente por sua própria vontade ou o Estado está

submetido a uma norma imperativa que o limita e assim deixa de ser soberano.

Duguit também coloca que se a soberania é uma força suprema, só pode ter sido

criada por uma força divina, ou seja, Deus, tendo em vista que a soberania provém,

conforme coloca Hobbes do pacto União, que está relacionado à transferência de

cada súdito ao Estado, nada comprova que a vontade coletiva possa se sobrepor a

vontade individual, que mesmo sendo coletiva provém de vontade humana, e não

deixa claro que a vontade humana possa sobrepor a outra. Duguit considera a

soberania um princípio ao mesmo tempo indemonstrado, indemonstrável e inútil.

(MALUF, 1988).

Duguit afirma ainda que a soberania provenha do serviço público, sendo que

o poder de Estado decorre da necessidade de atividades de cunho obrigatório

(manutenção de Estado) para o Governo. Para Duguit, o Estado pode transformar e

substituir o Direito, quando julgar preciso e necessário, e assim não é

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verdadeiramente limitado pelo direito, o que contradiz a teoria de autolimitação de

Jellinek, visto que um dever que se cria e se modifica quando bem julgar

conveniente não é um dever verdadeiro.

Conforme Reale (2000), o equívoco de Duguit está em confundir Estado e

Governo e não reconhecer que o Estado tem poder de criar formalmente o seu

Direito, porque essa é uma exigência do bem comum, exigência essa posta pela

idéia de justiça.

Hans Kelsen (1881-1973), jurista austro-americano, um dos mais influentes

do século XX, coloca a soberania de direito interno e internacional, e questiona

soberania dos Estados, que, conforme Reale (2000) não é um poder, nem tão pouco

uma qualidade de poder, mas representa a unidade e a validade de um dado

sistema de normas.

Kelsen afirma que um Estado é soberano quando o conhecimento das normas jurídicas demonstra que a ordem suprema, cuja validade não é suscetível de fundamentação quando por seguinte é posto por ordem jurídica total e não parcial. (REALE, 2000)

Esse contexto coloca em questão a soberania de todos os Estados. Ora se

cada um deles é soberano, poderia realmente a soberania pertencer a vários

sujeitos? Para esclarecer essa questão, Kelsen busca dois conceitos: o monismo e

o dualismo, o dualismo explica a distinção entre o direito interno e internacional, as

normas de ambos atuam em esferas distintas, a norma externa, logo, só teria

aplicabilidade no Direito Interno caso fosse recepcionada pelo mesmo, não havendo

assim conflito. Para a teoria monista a questão resume-se a uma unidade de

ordenamentos, as ordens internacionais e internas seriam uma.

Conforme Reale (2000), sob a ótica de Kelsen, todo direito é concebido

monisticamente sob forma de pirâmide em degraus e pelo Estado Soberano, não é

outra coisa senão a ordem jurídica total. Argumentando que, no caso do Estado

obrigar-se na ordem internacional, estaria utilizando-se de sua soberania, soberania

esta reconhecida pela ordem internacional. Tal obrigação pelo Estado estender-se-ia

aos indivíduos subordinados a esse Estado, passando os mesmos a sujeitos de

direitos e obrigações internacionais.

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Para Kelsen, o sistema jurídico é único, e aceitar o dualismo seria

impossível, uma vez que se aceitar o direito internacional sobre o direito interno, logo

não existirá soberania, mas se a aceitar o direito interno sobre o direito internacional

a soberania existe, mas surgem outros pressupostos, bem como a soberania de

cada país sob sua ótica, visto que o direito interno é superior ao direito internacional,

havendo várias ordens de valores igualmente soberanas. Assim, Kelsen defendeu o

monismo, ou seja, a ordem jurídica interna e internacional não pode ser separada, e

quando houver conflitos entre normas de caráter interno e internacional, a última

deve prevalecer.

Kelsen, em verdade, admite duas hipóteses distintas, a do primado do Direito do Estado nacional e a do primado do Direito internacional. Ele prefere essa última, declarando que a primeira corresponde a idéias imperialistas de redução do sistema universal do Direito a um quadro particular de soberanos. (Reale, 2000, p. 82)

No contexto que é colocado a soberania por Kelsen, a igualdade entre os

Estados se resume pelo princípio de sua autonomia como sujeito das relações

internacionais.

Bastos (1999), com muita propriedade explica que soberania é a qualidade

que cerca o poder de Estado, que encontra na ordem interna a supremacia do

poder, e na ordem externa encontra Estados de igual poder.

É perceptível a divergência de conceitos entre os autores acerca desse

tema, em relação às características e até mesmo a existência de soberania.

Entre todos os autores há quem se refira a ela como um poder de Estado, enquanto outros preferem aceitá-las como dualidade do poder do Estado, sendo diferente a posição de Kelsen, que segundo sua concepção normativa entende soberania como expressão de unidade de uma ordem. Para Heller e Reale ela é uma qualidade essencial do Estado, enquanto Jellinek prefere qualificá-la como nota essencial do poder de Estado. Ranellete faz uma distinção entre a soberania, com o significado de poder de império, hipótese em que é elemento essencial de poder de Estado e soberania com sentindo de qualidade de Estado, sendo que essa última pode faltar sem que se desnature o Estado, o que aliás concede com a observação de Jellinek de que o Estado Medieval não apresentava essa qualidade. (DALLARI, 2005, p. 79)

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Formar um conceito independente de correntes de pensamentos já expostos

é uma tarefa árdua, ainda mais difícil é conceituar soberania no cenário atual, visto

que o conceito está sofrendo uma transformação ou apenas uma adaptação a uma

nova realidade.

4.2 Características da soberania

As reflexões em relação à soberania e suas características, a totalidade de

seus estudiosos a reconhece como inalienável, indivisível, imprescritível, perpétua e

absoluta.

Ela é uma porque não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias [...] é sempre poder superior a todos os demais que existam no Estado, não sendo concebível a existência de mais de um poder superior ao mesmo âmbito. É indivisível, porque além das razões que impõe a sua unidade, ela se aplica a universalidade dos fatos, ocorridos no Estado, sendo inadmissível, por isso mesmo a existência de várias partes separadas da mesma soberania. [...] inalienável, pois aquele que a detém desaparece se ficar sem ela, seja povo, nação ou Estado. Finalmente imprescritível, pois jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de duração. (DALLARI, 2005, p. 81)

As características citadas são polêmicas na atualidade, em função de toda

mudança do cenário internacional, e o desfio da globalização perante os conceitos

firmados sobre soberania.

Para alguns autores, a soberania tem características de alienabilidade e

divisibilidade. Num primeiro momento, a alienabilidade da soberania pode ser

compreendida como a possibilidade que o titular tem de alienar, de ceder o seu

poder soberano. Desde o tempo de Bodin, essa possibilidade já era remota, pois a

maioria dos Reis detinha a soberania como usufruto, e não como propriedade.

Os tratados internacionais e políticas comuns são exemplos de alienação de

soberania, pois os Estados concordam em criá-los e conferir lhes legitimidade,

compartilhando a sua soberania, tornando-a alienável e indivisível. Quando é

assinado um tratado internacional pelo Estado, o mesmo não está outorgando o

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poder de soberania, pois cada membro dos organismos internacionais permanece

com o tamanho igual de poder, podendo se desvincular quando julgar necessário.

Assim, mesmo organizações de caráter internacional, não formam super-

Estados, por não possuírem a características de soberania, mesmo sendo formadas

por Estados soberanos.

Para Bodin, a indivisibilidade não poderia acontecer entre o rei, os

aristocratas e o povo. Dallari (2005) explica que, hoje, compreende que o titular da

soberania é o Estado, e, mesmo assim, é inadmissível existirem partes separadas

da mesma soberania.

Perpetuidade e imprescritibilidade são qualificativos temporais da soberania.

Na análise de Rousseau, a soberania é perpétua porque pertence ao gênero do

povo, que nunca padece. Ao se tratar a imprescritibilidade, o poder soberano não se

extingue com o passar do tempo.

O adjetivo absoluto, atribuído à soberania, não é mais concebido nos moldes

pensados por Bodin e Hobbes, como o poder ilimitado, incontrolável do Estado. A

Soberania do Estado o determina de escolher seu próprio destino interna e

externamente, mas essa liberdade de escolha é limitada pelos compromissos que

são assumidos internacionalmente. Assim, a soberania ganha mais duas

características: interna e externa. A interna caracterizada por soberania nacional, e a

externa que é a soberania mediante aos demais Estados, que são todos iguais

soberanos.

Azambuja (1997), ao escrever sobre a soberania nacional do Estado, refere-

se às leis e ordens que edita para todos os indivíduos habitantes de seu território, e

sociedades formadas por esses indivíduos. Essa soberania não pode ser limitada

por nenhum outro poder. Sahid (1988), ao citar o conceito da escola clássica

referente à teoria da soberania, caracteriza-a como uma, indivisível, inalienável e

imprescritível.

A segunda expressa que, no cenário internacional, as relações recíprocas

entre os Estados são de igualdade e respeito; não há dependência, do mesmo modo

que não há elementos que identifiquem a formação de um Super-Estado.

A qualidade de soberania interna e externa torna-se imprescindível para o

cenário globalizado atual. Essas características tornam a soberania divisível, fato

esse que contraria o conceito de Dallari ao manifestar-se sobre a unicidade da

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soberania, porém, o que se pode aceitar não é uma divisão de soberania, mas uma

divisão de função soberana, uma interna e outra externa de uma única soberania.

4.3 Conceito de soberania: senso comum

A palavra soberania no século XVI qualificava a pessoa do rei, já na idade

média passa a caracterizar o Estado Moderno. O significado de soberania segundo

Paupério (1987), Sahid Maluf (1988), Oliveira e Ribeiro Júnior (1999), o termo

provém do latim medieval superamus, que significa ‘aquele que supera’. Para

Menezes(1992), vem do latim clássico super omnia. Mas, configurou-se pelo

vocábulo francês souveraineté, que, no conceito de Bodin, expressa o poder

absoluto e perpétuo de uma República.

O conceito de soberania apareceu em um momento histórico específico,

apresentando características que, com o passar dos séculos, modificaram-se

apresentando novos elementos. Sahid (1988) cita entre os escritores da teoria

negativista da soberania Ludwig Gumplowicz que conceitua a soberania como uma

idéia abstrata, ela é inexistente, existindo apenas uma crença sobre o seu conceito,

o que é real é Estado, nação, direito e governo. O estudo do conceito de soberania

deve estar ligado ao momento histórico de seu surgimento e nos fatores de sua

transformação.

O entendimento dos elementos constitutivos do Estado é imprescindível para

a compreensão do conceito tradicional de soberania, compreende em povo, território

e o poder político ou governo.

Soberania, assim, é o que qualifica o poder do Estado, que pode ser

classificada em interna e externa, a soberania interna é a força suprema dentro do

poder social dentro de seu território. Para Azambuja (1997), “o poder do Estado é o

mais alto existente dentro do seu território”.

Quanto à soberania externa, caracteriza a igualdade entre os Estados,

podendo ser chamado de independência entre os Estados. Quanto às

características, tem-se o conceito de diversos autores, Dallari conforme a maioria

dos estudiosos apresenta as características da soberania como [...] “ una, indivisível,

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inalienável e imprescritível”. É una, pois dentro do Estado só vigora um poder

soberano, sobreposto aos demais poderes. É indivisível, pois é o mesmo poder que

se aplica a todos os fatos ocorridos dentro do Estado. É inalienável, uma vez que

desaparece aquele que a detém quando fica sem ela. E, finalmente, é imprescritível,

pois um poder superior não seria superior se tivesse prazo certo de duração.

4.4 Soberania e Globalização

A expressão globalização adquiriu suma importância nas últimas décadas,

seu início foi com as grandes navegações européias dos séculos XV e XVI. O

segundo estágio da globalização ocorreu com a Revolução Industrial no século XIX,

período marcado pelo desenvolvimento das telecomunicações, por investimentos no

exterior, pela colonização da África, da Ásia e do extremo Oriente. As décadas do

pós-guerra abrigaram o terceiro estágio da globalização.

Não há uma data certa para informar a chegada da globalização, alguns

acreditam que foi no início dos anos 80, no entanto, outros defendem a idéia de que

surgiu com a queda das barreiras comerciais. Vive-se em uma era onde a sociedade

é determinada por processos globais. Conforme Faria (1996), entre a década de 80

e 90, tem-se visto uma mudança profunda na configuração da política mundial.

A Segunda Guerra Mundial, talvez tenha sido o acontecimento crucial para a

conseqüência da globalização, que começou quando a tecnologia alcançou o mundo

de forma impactante e que gerou também a queda de barreiras comerciais.

Conceituar globalização é uma tarefa difícil, pois embora o tema seja fortemente

discutido, assim como soberania, os autores não chegam a um conceito comum. A

globalização trouxe ao mundo uma revolução de conceitos, de situações. O

vocábulo globalização surge do radical global, que significa integral, inteiro, total.

Conforme Beck (1999), globalidade denomina o fato de que, daqui para frente nada

que venha a acontecer em nosso planeta será um fenômeno espacialmente

delimitado, mas que todos os acontecimentos ocorrerão em torno do eixo global.

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Stelzer (1998), ao citar os aspectos da globalização no livro Relações

Internacionais e Globalização, menciona as dimensões que a globalização alcança,

a exclusão de fronteiras, a força do capital e a área tecnológica.

A globalização trouxe à sociedade um forte impacto a todos os conceitos

adquiridos, em um espaço de tempo relativamente curto, o mundo deu um pulo

tecnológico, em relação a toda evolução da humanidade conhecida, que até então

caminhava a passos lentos. Conforme Ianni (1999, p. 89), “aos poucos, ou de

repente, o mundo se torna grande e pequeno, homogêneo à globalização,

dispersam-se os pontos de referência, dando a impressão de que se deslocam,

flutuam, perdem.”

Embora a globalização seja discutida todos os dias, nos jornais, nas

universidades, por teóricos, não se encontra ainda consolidada, ainda trará ao

mundo inovações, pois se encontra em desenvolvimento. “No âmbito da economia,

com suas implicações sociais, políticas e culturais, o processo de globalização

continua a se desenvolver, ainda que intensificando-se, arrefecendo ou mesmo

distorcendo-se." ( IANNI, 1999, p. 90)

O entendimento do conceito de globalização tem importância perante o

estudo do conceito de soberania, pois para alguns estudiosos, a soberania se

encontra em extinção mediante o mundo globalizado, porém, buscar um conceito de

globalização é tão difícil como tentar encontrar um conceito de soberania. Essa

situação se dá pelo fato de surgir novos autores e sistemas internacionais no cenário

internacional que ameaçam a soberania do Estado, cujas fronteiras originárias são

ultrapassadas, e em até certo ponto ignoradas. Quanto mais velozes e acentuadas

são as mudanças ocorridas, mais profundos são os impactos sofridos nos elementos

estruturais políticos, econômicos e jurídicos de uma nação.

A questão apresentada pela globalização aos Estados é se eles realmente

se manterão independentes mediante ao cenário interdependente. Para muitos

autores estudiosos e entusiastas a globalização colocaria a soberania no passado.

Ainda outros contribuem para o conceito de que o sistema de direito internacional

apenas fortaleceu a soberania dos Estados. Além da globalização Beck refere-se à

globalidade:

A globalidade significa o desmanche da unidade de Estado e da sociedade nacional, novas relações de poder e de concorrência, novos conflitos e

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incompatibilidades entre atores e unidades do Estado nacional por um lado, e pelo outro, atores, identidades, espaços sociais e processos sociais, transacionais. (Beck,1999, p. 49)

A globalização trouxe algumas conseqüências ruins para o mundo atual.

Conforme destaca Beck (1999), há 08 motivos que tornam a globalidade irreversível,

entre eles estão as múltiplas conexões do mercado financeiro, a ampliação

geográfica, a interação do comércio internacional, a ininterrupta revolução dos meios

tecnológicos de comunicação, a exigência universal imposta por direitos humanos, a

questão da pobreza, a destruição ao meio ambiente, aos conflitos culturais entre

outros inúmero motivos que poderiam ser citados.

As conseqüências da globalização estão em um ponto incontrolável, o

mundo não vive mais sem a internet, sem os jornais, sem os incontáveis produtos

que a era tecnológica traz à sociedade todos os dias. O mundo tornou-se escravo da

globalização, do capitalismo. Para tanto Beck ainda traz o conceito de globalismo:

Globalismo, designa a concepção de que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo, a ação política, trata-se portanto da ideologia do império do mercado mundial, da ideologia do neoliberalismo. O procedimento é monocausal, restrito ao aspecto econômico, e reduz a pluridimensionalidade da globalização a uma única dimensão – a economia -, que, por sua vez, ainda é pensada de forma linear e deixa todas as outras dimensões – relativas à ecologia, à cultura, à política e à sociedade civil – sob o domínio subordinador do mercado mundial. (Beck, p. 27, 1999)

São evidentes as mudanças no fundamento de soberania até então

conhecida. A teoria clássica, que defende a soberania outorgada a apenas um

sujeito, o Estado que possui todo poder independente e supremo sobre seus súditos

perde essas características confrontado com o novo cenário interdependente.

É inaceitável que, com tantas mudanças de conceito político, econômico,

social e transformação tecnológica, um Estado tenha seu poder soberano

enfraquecido por se vincular a um organismo internacional. Aceitar a soberania

como poder ilimitado e absoluto do Estado no seu território é não ver as mudanças

sofridas pelo conceito para adaptar-se à realidade jurídica e social. O Estado, para

responder aos novos padrões mundialmente implantados, abdica de algumas

funções e avoca outras, consolidando a sua autoridade e seu poder soberano.

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Mediante a um cenário global que traz novos desafios às sociedades e aos

Estados nacionais, não seria novidade dizer que o mundo está numa fase de

reorganização em todo o seu sistema, econômico, político, tecnológico e cultural.

Conforme Ianni (1999), a partir da eletrônica, compreendendo a

telecomunicação, o computador, o fax e os outros meios, o mundo dos negócios

ganhou uma escala desconhecida anteriormente, desterritorializando coisas, gentes

e idéias. Não apenas o mundo dos negócios, mas todo esse contexto trouxe novos

paradigmas, de soberania, e até onde um Estado seria soberano de impedir que as

informações através dos meios de comunicação entrem nas fronteiras de seu

território. A conseqüência desse fenômeno impõe a reorganização dos Estados

nacionais, para que possam a se adaptar mediante essas múltiplas transformações.

O poder soberano do Estado está sendo questionado em decorrência da

necessidade de adequação do seu arcabouço ao processo de globalização. O

conceito de soberania sempre causou muita polêmica, hoje, com a globalização, a

discussão de seu conceito e de suas características se intensifica.

Se é verdade que a globalização do mundo está em marcha, e tudo indica que sim. Então começou o réquiem pelo estado-nação. Ele está em declínio, sendo definido, obrigado a rearticular-se com as forças que predominam o capitalismo global, evidentemente forçado a reorganizar-se internamente, em conformidade com as injunções dessas forças. (IANNI, 1999, p. 95)

Com todas as mudanças ocorridas na sociedade global, com a

transformação do Estado como sujeito nas relações internacionais, com o

aceleração do capital e o impacto da globalização, seria ultrapassado continuar

utilizado os velhos conceitos de soberania adquiridos na antiguidade. Conforme

Bigal (2007), há os que afirmem que o significado moderno de soberania diz respeito

a um "poder independente, supremo, alienável e exclusivo”. Outros afirmam que a

soberania é um "poder originário, exclusivo, incondicionado e coativo.

A maioria dos autores atuais já fala abertamente sobre a necessidade de se

reformular o conceito de soberania, para adaptá-lo à realidade atual, ou, no mínimo,

reinterpretá-lo. A soberania sempre esteve relacionada na idéia de territorialidade, já

que é o território um dos elementos formadores do Estado. Os limites de uma

soberania freqüentemente têm sido definidos por fronteiras geográficas; o controle

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do território é, ainda hoje, um dos mais importantes elementos da soberania. Porém,

com a força da globalização em sobrepor os limites territoriais, até que ponto a

soberania do Estado nacional, poderia exercer sua função, caso ela não sofra

modificações?

O Estado poderia talvez fechar-se para todo esse cenário, proibir os meios

de telecomunicações, produzir apenas para se manter, mas então, seria apagado

por essa força da globalização e sucumbiria.

Entretanto, mediante a uma revolução da informação torna o controle

territorial mais difícil sob certos aspectos, e uma revolução tecnológica a soberania

parece estar a caminho de sofrer modificações.

Visto que a velocidade das informações ultrapassa os limites territoriais,

essa situação traz outra questão, a imposição da soberania sobre as informações,

porque ela própria e os caminhos pelos quais ela viaja, inclusive o próprio céu, são

comumente compartilhados. Um Estado, soberano, não pode se fechar ou até

mesmo bloquear seu território para as informações, pois quando isso acontecer, o

país será pobre e inexpressivo.

O Estado soberano nesse contexto deve cada vez mais satisfações não só

à sua população, mas também a outros Estados soberanos e a órgãos

internacionais. Trata-se de um cenário interdependente, no qual os Estados poderão

sucumbir se não seguirem o fluxo internacional, principalmente quando se tratar de

um país em desenvolvimento.

Na sociedade global do conhecimento está sendo criado, fora do sistema estatal internacional, um espaço público transnacional com base na defesa nacional, como questão planetária. Em outras palavras, os governos nacionais, não têm condições para enfrentar sozinhos os problemas globais referente à biosfera, demografia e esgotamento do recurso energéticos não renováveis, saúde entre outras situações. Sendo, portanto necessário uma ação conjunta de todos nesse sentido. (KLAES, 1998, p. 183)

As relações estreitas a que a globalização obriga, trazem como

conseqüência a perda da essência da soberania nacional, e parece que a

preservação dessas soberanias – mesmo que o conceito de soberania seja

modificado – depende da garantia, pelos Estados, de seu crescimento e

fortalecimento político e, sobretudo, econômico.

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A integração parece ser uma saída que, na prática, realmente protege os

Estados, que, juntos, têm mais poder econômico, militar e político. Porém, ao

integrar-se como é o caso da União Européia, os Estados se vêem obrigados a

fragmentar parte de sua soberania, e então, mais uma vez o conceito de soberania

tem a necessidade de readequação para um mundo altamente globalizado e

interdependente.

Embora os acontecimentos pereçam ameaçar a soberania dos Estados,

para Santos (2000, p. 76), “com a globalização, o que temos é um território nacional

de economia internacional, isto é, o território continua existindo, as normas públicas

que o regem são da alçada nacional, ainda que as forças mais ativas do seu

dinamismo atual tenham origem externa”.

A Soberania, mediante todas essas transformações, é classificada como a

autoridade que o Estado tem de comandar a sua sociedade política. O conceito de

soberania vem sendo coberta pela consolidação do capitalismo.

O Estado não consegue mais dar respostas minimamente consistentes às

sociedades atuais. Nos países desenvolvidos está sendo substituído por

conglomerados financeiros e industriais ou dominado por seus tentáculos. O Leviatã,

que é representado por uma só figura chamada Estado mencionado por Hobbes

começa a entrar em uma nova fase, que talvez seja a última.

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5 O FIM DA SOBERANIA CLÁSSICA E O SURGIMENTO DE NOVOS PARADIGMAS

O mundo se encontra em um constante processo de transformação, no que

se refere ao Estado. A globalização traz o enfraquecimento relativo do poder

soberano. Surgem atores que estão ofuscando o poder do Estado, atores não

governamentais, corporações transnacionais e outros que são trazidos no contexto

global.

O Estado não pode mais ser explicado pelas teorias clássicas, é preciso

buscar um conceito para ser adaptado a um novo paradigma para explicar os

acontecimentos da globalização quando confrontado com a soberania.

A mundialização deturpa o conceito clássico de soberania, ainda que seja

característico do atual processo de superação do Estado Constitucional Moderno, o

enfraquecimento ou ainda o desaparecimento de algumas de suas funções

tradicionais, seja a favor de órgãos supranacionais, seja em favor dos poderes

privados, existe uma área na qual o processo parece haver se invertido.

Dadas as transformações geo-históricas em curso no século XX, são bastante evidentes os processos de transnacionalização, mundialização ou, mais propriamente, globalização. São transformações que não só atravessam a nação e a região, como conformam uma realidade geo-histórica de envergadura global. Uma realidade emergente, mas já bastante evidente e, simultaneamente carente de categorias interpretativas. (IANNI, 1998, p. 17)

Em face da economia mundial, do fenômeno das comunicações velozes, a

soberania estatal perde sua substância. A mundialização da economia gerou

relações de interdependência, na quais os Estados têm sido, no mínimo, obrigados a

se unirem para derrubar as fronteiras comerciais e tornar a moeda nacional, pouco a

pouco, um instrumento comum de troca e de compra e venda.

Dessa maneira, o Estado acaba subordinado a globalização mercantil, não

dirigido a controlar os poderes, mas sim a liberá-los. A realidade do mundo, bem

como as modificações havidas na trajetória histórica do Estado, levam à verificação

de que houve uma mudança estratégica na sua postura, tanto no plano internacional

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como no interno, buscando um novo conceito, uma superação, que não seja apenas

nacional, territorial e soberano.

O conceito clássico de Estado não se adapta à nova sociedade global. A

soberania do Estado se afasta cada vez mais de um conceito sólido, pode estar

vivendo uma transição entre o clássico e um novo paradigma que consistirá em uma

Soberania moderna e que se encaixe dentro do contexto da sociedade nacional e

internacional.

As questões globais já não são mais sustendas pelo Estado nacional, há

uma necessidade de cooperação entra a sociedade internacional moderna.

Conforme Bonavides (2000), na unidimensionalidade da globalização estão em risco

os fundamentos do sistema, as estruturas democráticas do poder, as bases

constitucionais da organização do Estado. Há decisões que precisam ser tomadas

que não envolvem apenas um Estado, pois há fatores há serem considerados, como

por exemplo, as questões ambientais e econômicas.

Havendo conflito de interesses, surge à necessidade de solucionarem tais

conflitos. Embora se constate tal necessidade, somente um órgão com jurisdição

sobre ambos os Estados poderia ofertar soluções a tais controvérsias. Essa

necessidade de submeter-se à decisão de um organismo com jurisdição sobre o

próprio Estado fez com que surgisse o conceito de supranacionalidade, tornando

mais flexível os aspectos que até então integravam o conceito de soberania dos

Estados-Membros.

A transformação do conceito de Soberania, tornou-se cada vez mais

evidente, principalmente por conta desse fenômeno chamado de integração em

comunidades supraestatais – ou supranacionais – que afeta muitos países,

principalmente os europeus ocidentais.

5.1 Interdependência global

Aceleram-se, por volta da década de 80, as transformações e

conseqüências oriundas da Segunda Guerra Mundial, a tecnologia que serviu para a

guerra toma outras proporções, como a intensificação da logística e o

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desenvolvimento do turismo, que é a segunda indústria do mundo. Oliveira(1999)

cita a tese de McLuhan ao sustentar que os meios de transportes e de comunicação

de massa vieram transformar o mundo em uma imensa aldeia global. O paradigma

da interdependência está totalmente ligado a globalização e ao enfraquecimento da

delimitação territorial e a esta ‘grande aldeia’ citada por Oliveira (1999).

O surgir de novos sujeitos na sociedade global que enfraquecem o poder do

Estado, bem como as corporações transnacionais, organizações internacionais,

organizações não-governamentais, trazem um novo paradigma, paradigma este,

distante da Guerra embora seja conseqüência dela, e são muito próximos do

surgimento de empresas mais poderosas do que os Estados, como por exemplo a

Shell, que possui influência no preço do petróleo, quando confrontado com um

Estado como Bankladesh, o país mais pobre do mundo.

As novas relações entre atores estatais e não estatais criaram uma teia complexa de interdependência e de interconexões globais e mesmo se considerando o Estado-nação como um elemento central de análise, não é possível explicá-los através das teorias clássicas das relações internacionais: idealismo, realismo ou marxismo. (SANTOS, 1999, p. 68)

No paradigma interdependente também se tem constatado as questões

ecológicas, a sociedade vislumbra que a natureza é findável e, assim, se formam as

organizações não-governamentais, surgem também as preocupações de ordem

econômicas. As corporações são cada vez mais fortes e maiores e a monopolização

do mercado está cada vez mais evidente.

Para Beck (1999), foi a tecnologia que reforçou a interdependência entre

comunidades locais, nacionais e internacionais, numa medida que não foi

experimentada por nenhum outro período na história.

Com o risco de confronto de civilizações surge a idéia da interdependência

como chave para enfrentar o grande desafio imposto pela sociedade global de

cooperação, de renuncia recíproca.

Presentemente, a proposta de um novo paradigma contra a violência estrutural do homem sobre o homem, voltado em busca do desenvolvimento da paz do mundo, vem conquistando espaço e exigindo a adoção de importantes medidas, entre outras a projeção dos direitos humanos e dos

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direitos internacionais do meio ambiente, o combate às injustiças sociais e o aprendizado de uma convivência pacífica. (STELZER, 2007, p. 106)

A interdependência global trata-se de um instrumento teórico que procura

encontrar respostas hábeis às constantes transformações e conexões diante a um

planeta globalizado. Também considerada uma das características mais marcantes

do período iniciado com a Guerra Fria, trazendo conseqüências como

transnacionalização financeira e econômica. Gradativamente, as fornteiras nacionais

encontram-se mais fracas, o surgimento de sociedade global, terceiras culturas,

multilateralismo, entre outros fatores, indica a constituição de novas realidade sociais

como política, social e econômica, cujas dimensões estão cada vez mais

interligadas, tanto externamente como internamente.

O modelo da interdependência, reconhecendo outros atores globais além

dos Estados, e dando maior importância ao direito internacional, implica uma atitude

otimista, baseada na possibilidade da negociação democrática e cooperação. Já na

visão de Stelzer (1999) embora muitos autores vêem na interdependência um

advento de um período de cooperação entre atores estatais e não estatais declara

que se está longe de alcançar um ponto de equilíbrio. A cooperação é proposta

entre pessoas, povos e Estados por um futuro de paz, diálogo, justiça social e

fraternidade universal.

A globalização do Estado regida pelo modelo da interdependência envolve

entidades estatais supranacionais, que, através de suas funções de legitimação e de

acumulação, e mesmo fiscal e monetária, tenta conciliar os objetivos de países mais

e menos desenvolvidos no bloco ou no mundo, o que se pode chamar de um Estado

supranacional interagindo com empresas e com a sociedade organizada.

A interdependência crescente dos países, desde o ponto de vista econômico, financeiro, assim com a complexidade dos problemas novos (meio-ambiente) e a rapidez das mudanças do transtorno, levaram quer à impossibilidade a seqüência desse modo de produção e da aplicação de regras jurídicas, quer a uma crise do direito. (FARIA, 1996, p. 21)

Dentro desse contexto de múltiplas conexões a soberania dos Estados

renuncia voluntariamente suas competências e delega a um órgão superior aos

Estados-membros, autônomo e perfeitamente competente, supranacional. Para

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Santos (1999), entre as causas que levaria o declínio do Estado dominante são: o

consumismo maior do que o investimento dos Estados hegemônicos; o crescimento

dos excedentes econômicos menos que os gastos militares e a transferência a

outros Estado de processos tecnológicos.

A interdependência entre os diferentes Estados, fez com que suas decisões

fossem baseadas na preocupação da opinião de uma comunidade transnacional. O

desenvolvimento de organizações transnacionais influenciou os Estados à renúncia

de sua independência de ação em muitas áreas, em favor de outros países, no caso

de alianças militares com países mais fortes – ou em favor de organizações de

Estados, cujo exemplo real é o da União Européia.

5.2 O enfraquecimento da soberania diante da supranacionalidade

O conceito de supranacional traz o significado de uma autoridade superior à

nação (ou Estado a rigor). Trata-se de um poder que consiste na transferência dos

poderes soberanos que exerce o poder legislativo por interesse comum e no

interesse de cada Estado-membro.

O significado do termo supranacional expressa um poder de mando superior aos Estados, resultando da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em benefício da organização comunitária, permitindo-lhe a orientação e a regulação de certas matérias, sempre tendo em vista anseios integracionais. (STELZER, 2000, p. 69)

Esta delegação de poderes implica, conforme Oliveira (2003, p. 68), “na

criação de um poder efetivo, em virtude da força jurídica de suas decisões [...]”

sendo este poder independente e autônomo e suas decisões de caráter imediato no

ordenamento interno de cada um de seus membros.

O termo supranacional é mencionado , por volta da segunda metade do

século XX, no art. 9º, do Tratado da Comunidade Européia do Carvão e do Aço

(CECA), citado por Oliveira (2003, p. 67), o qual conferia aos funcionários

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comunitários da Comissão, a chamada Alta Autoridade, um caráter supranacional

nas suas funções, frente aos governos dos Estados-membros.

[...] três são os pilares de sustentação da vertente supranacional assim evidenciado: transferência da soberania dos Estados para a organização comunitária (em caráter definitivo), poder normativo ao direito comunitário em relação aos direitos pátrios (com o sacrifício destes se consolidarem com os interesses da UE) e dimensão teológica de integração (a supranacionalidade como condição ontológica para alcançar os fins integracionais).” (STELZER, 2000, p. 70)

O processo de integração dos Estados europeus encontrou esse conceito

para solucionar controvérsias surgidas do processo de integração. A característica

supranacional é encontrada na comunidade européia, visto que é o único exemplo

que tem-se de delegação de soberanias. Formou-se uma Comunidade de Estados,

em prol da qual os Estados renunciaram a sua competência sobre determinadas

matérias, que passaram a ser reguladas pelo órgão comum.

A União Européia exerceu especial papel na revolução do conceito de

soberania ao subordinar todos os Estados-Membros a um ordenamento jurídico

comum, no que se refere as determinadas questões igualmente de interesse

comum.

Os efeitos produzidos pelos atos oriundos desta Comunidade operam-se de

imediato, sem a necessidade de nenhum ato instituidor por parte de cada um dos

Estados-membros.

A questão da soberania no âmbito supranacional é apontada não como

extinta, pois uma vez que a mesma deixasse de existir, extinguiria também a figura

do Estado.

A origem da supranacionalidade encontra-se na transferência de parcelas soberanas por parte dos Estados-nacionais em benefício de um organismo que, ao fusionar as partes recebidas, avoca-se desse poder e opera acima das unidades que o compõem, na qualidade de titular absoluto. (STELZER, 2000, p. 71)

O Estado transfere parte de sua soberania em função da integração, nas

questões de interesse da comunidade. Como cita Stelzer (2000, p. 83) ao lembrar

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Henri Lefbre, o “Estado não é um fim, mas um campo de luta e desaparecerá.” Para

Stelzer (2000), o Estado é um produto histórico podendo desaparecer e reaparecer

transformando-se à margem do tempo.

A característica supranacional visa atingir aos objetivos tanto de países

desenvolvidos como de países em desenvolvimento e também aos objetivos das

empresas e das sociedades locais. Esse cenário caracteriza um modelo de

interdependência, auxilia o crescimento nos países em desenvolvimento, através de

investimento de capital originados nos países desenvolvidos, resultando em uma

balança comercial financeira equilibrada.

Diante de um mundo multicultural no qual as questões atingem escala

planetária, não se pode esperar que o Estado readquira suas funções tradicionais. É

nesse sentido que em uma sociedade pós-nacional, também as soluções parecem

apontar para a esfera supranacional.

O Estado não vai desaparecer na transição histórica atualmente em curso, e

sim transformado. O destino da forma atual do Estado-nação está em adaptação a

mesma disputa que se trava em torno da globalização.

A globalização traz consigo uma nova ordem de princípios, o que no novo sistema é uma economia global, onde as economias adquirem capacidade e importância somente quando inseridas em um contexto de macroarticulação internacional (afasta-se a territorialidade, em nome do global; a soberania, a autonomia e legalidade são postas em plano secundário, uma vez que o mercado globalizado é que irá regular as ações do Estado e fará a “lei” das relações). (MOREIRA, 2002, p. 98)

A supranacionalidade surge dentro da necessidade dos Estado de se

protegerem contra agressões externa, conforme coloca Stelzer (2000). A

globalização não é um movimento contra o Estado nacional. Ocorre que a mudança

social em curso no mundo tem se dado, pelo menos até agora, em âmbito

supranacional.

As instituições supranacionais, agora, afirmam seu direito de julgar e de

impor limitações ao que os Estados fazem em seus próprios territórios. Em alguns

casos, sobretudo na Europa, as instituições supranacionais assumiram funções

importantes que anteriormente eram desempenhadas pelos Estados, e foram

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criadas poderosas burocracias que operam diretamente sobre os cidadãos num

plano individual.

O Estado Nacional, embora esteja em um processo de transformação

vinculada totalmente à globalização, ainda é o principal ator das relações

internacionais, e começa a sofrer limitações no que diz respeito à soberania.

5.3 O Poder das Corporações Transnacionais quando confrontada com a atuação dos Estados.

As corporações transnacionais são entidades que sobrepõe as fronteiras dos

Estados e estão em busca de mercados atraentes e melhores condições de

investimento não se submetendo às razões do Estado.

As corporações transnacionais tratam-se de empresas que já não pertencem

a esse ou àquele país, mas em jargão popular, pertencem ao dinheiro. Procuram

lucros e se instalam visando a mais capital, não respeitando as fronteiras políticas,

instalando-se em qualquer lugar do mundo. Conforme Stelzer (2007, p. 86),

empresas transnacionais consistem, em geral, em sociedades anônimas que

exercem sua atividade mercantil em mais de um país.

Praticamente é a mesma coisa de multinacional, mas é mais conveniente

prefixá-las de ‘trans’, devido ao fato de que uma multinacional deixa a entender que

pertence a muitos países. São transnacionais porque saem pelo mundo buscando

um lucro que tem destino específico: o país de origem da empresa. Conforme

Stelzer (2007), “cabe observar que se prefere a denominação ‘transnacional’ ao

termo já em desuso ‘multinacional’. A idéia que pretende se passar com essa

mudança é de evitar as vinculações da empresa a uma ou mais bandeiras.”

As empresas transnacionais seriam entidades autônomas que fixam suas

estratégias e organizam sua produção em bases internacionais, ou seja, sem vínculo

direto com as fronteiras nacionais, sendo acusadas por alguns, por este motivo, de

não serem vinculadas a qualquer país, mesmo àquele no qual se originou.

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Pode-se então afirmar: a questão da globalização na virada para o século XXI representa, para as empresas que fazem negócios transnacionais, o mesmo que a questão das classes sociais representava para o movimento dos trabalhadores atuava como poder de oposição, as empresas globais atuam até este momento sem oposição (transnacional). (BECK, 1999, p. 14)

O fato é que participar das cadeias produtivas não é mais uma opção, passa

a ser uma obrigação imposta pela lógica global e ficar fora delas é ainda pior.

Os Estados dentro desse contexto são obrigados a partilhar com os atores

econômicos as antigas soberanias. Conforme Stelzer (1999), [...] “ experimentam um

relativo enfraquecimento de seu poder soberano e as CTNs mostram-se cada vez

mais dispostas a derrubar barreiras para o caminho do livre mercado”. As

corporações transnacionais, bem como os novos atores da sociedade global

conduzem muitos Estados inexoravelmente a se aproximarem cada vez mais dos

interesses do regime neoliberal, assim as empresas transnacionais passam a ter

influências econômicas e políticas, os governos e a opinião pública se transformam

em espectadores e a legitimação democrática vai se enfraquecendo.

Nesse ritmo, a interdependência estampada atualmente no quadro externo entre as CTNs e os Estados-nações aponta, cada vez mais, para o gradual enfraquecimento do poder soberano. Considerando que as vantagens econômicas interferem, mais e mais na organização de planos e estratégias nacionais, toda uma gama de poderes políticos começa a ser severamente questionado, em virtude de moldar-se aos ditames das megas-empresas. (STELZER, 1999, p. 115)

As corporações transnacionais são poderosas estruturas mundiais de poder,

desafiam os Estados nacionais, sobrepondo-os, são estruturas de poder econômico

político, que tem influências sociais e culturais.

Um exemplo de uma empresa transnacional seria o da propaganda e

publicidade, muitos acontecimentos mundiais sejam na China, na Rússia ou

qualquer outro lugar do mundo, é divulgado através da mídia, a indústria da

comunicação traz a qualquer lugar do mundo agindo com muita força sobre a

opinião pública. A partir da eletrônica compreendendo a telecomunicação, o

computador, o fax, e outros meios, o mundo dos negócios agilizou-se em uma

escala desconhecida anteriormente, desterritorializando, coisas, gentes e idéias.

(IANNI, 1999, p. 14).

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Conforme a sociedade nacional torna-se influenciada ou porque não

dependente da sociedade global, é evidenciado o enfraquecimento da qualidade de

poder de Estado, talvez tenham transformado em ficções jurídicas. Nesse ritmo de

interdependência estampada atualmente no quadro externo entre as Corporações

Transnacionais e os Estados-Nações apontam, cada vez mais para o gradual

enfraquecimento do poder soberano. (STELZER, 1999, p. 111).

Com o advento da globalização econômica, constata-se a crise do Estado

decorrente de novos autores das relações internacionais, como a da

transnacionalização, do enfraquecimento das fronteiras do Estado e de sua

soberania.

O fato é que, inegavelmente, atores como as empresas transnacionais são capazes de transformar a realidade internacional, seja por sua dimensão e poder, seja por deterem tecnologias absolutamente necessárias para a consecução dos objetivos dos Estados nacionais. (ROCHA; AIDA, 1995)

No âmbito das configurações e dos movimentos da sociedade global, tanto

se abrem novas perspectivas como se criam impasses insuspeitados sobre as

condições e as possibilidades de construção da hegemonia, seja da nação, da

classe social ou do bloco de poder.

Em um mundo no qual as corporações transnacionais e as organizações

multilaterais descolam-se dos territórios e fronteiras, navegando através e por sobre

o mapa do mundo, criam-se desafios insuspeitados para a construção, o

desenvolvimento ou a realização da soberania. Muito do que parecia natural e

evidente, ou possível e desejável, no âmbito da sociedade nacional, pode tornar-se

difícil, ou impossível no âmbito da sociedade global e da soberania estatal interna e

externa.

Todos esses acontecimentos são conseqüências da globalização, alguns

autores tratam a questão do enfraquecimento do poder do Estado, a soberania, de

uma forma pessimista, sendo contrários à globalização e aos seus efeitos.

Com efeito, a globalização de mercados, nervo do capitalismo contemporâneo, conferiu, sem disputa, supremacia a um único pólo de poder, que dita ao mundo universo a tirania tecnológica do desemprego e da exclusão, declarando a liberdade que tem forma mas não tem conteúdo

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nem substância, por ser abstrata, metafísica e inconsistente, e subscrevendo a igualdade que não vai além da demagogia dos textos e que logo se curva ao império e ascensão de desigualdades mais e mais atrozes e profundas. O capitalismo financeiro, na versão globalizadora, é o caos, a insensibilidade, a especulação, é a queda das bolsas e as oscilações dos mercados, é a ruína das economias nacionais e a ampliação das desigualdades a limites insuportáveis. (BONAVIDES, 2000)

As empresas transnacionais confrontam a soberania estatal. Entre tantas

empresas, cita-se o MC Donald’s que influencia a sociedade na era global, não

obedecendo fronteiras, em uma sociedade massificada, há, naturalmente, a pressão

da padronização e poder-se-ia dizer que não há liberdade de escolha, pois os

padrões vêm impingidos de fora.

Entre as características mais marcantes da nova configuração político-

-econômica internacional, merece destaque, entre outras, a integração acelerada

dos mercados financeiros nacionais e internacionais, ligados por redes de

comunicação via satélite e apoiados por poderosos sistemas informatizados, que

permitem a perfeita mobilidade do capital em suas operações num espaço-mercado

global e a formação de consórcios e de joint-ventures entre corporações

transnacionais, de bases territoriais-nacionais diferentes.

Os Estados transnacionais deveriam ser entendidos no caráter simultâneo

da centralização e da descentralização. Não só se reconheceria a pluralidade de

atores transnacionais, mas também que a eles se reconheceria uma

responsabilidade política. Por isso, assistir-se-ia à formação de sobreposição parcial

transnacional junto com a delegação de poder e responsabilidade na Sociedade Civil

Transnacional.

5.4 A atuação das Organizações Não-Governamentais nas lacunas do Estado.

ONG significa uma Organização Não-Governamental, que auxilia o Estado na

consecução de seus objetivos e, não raras vezes, serve para fazer o papel do

Estado.

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Para corrigir os efeitos periféricos do sistema produtivo, instituições ou pessoas sensibilizadas com os efeitos perversos da lógica do mercado, procuram implementar políticas sociais com a finalidade de tornar a vida tolerável para milhões de pessoas que não preenchem as condições mínimas para participar do direitos inerentes à cidadania. O número de pessoas excluídas na participação da riqueza é tão alto que extrapola a capacidade do Estado modernos de cumprir as suas funções básicas.(VIEIRA,1999, p. 154)

O Estado não tem tempo hábil para resolver todos os problemas e suprir todas

as necessidades dos administrados, é nesse contexto que entra a atuação das

organizações não-governamentais. Surgiram com o objetivo de solucionar os

problemas trazidos pela globalização. Essas organizações estão incumbidas de

zelar questões sociais, bem como o meio ambiente, educação, da cultura entre

outras questões, “[...] e o trabalho das Organizações Não-Governamentais, que,

espalhadas por todos os continentes, desenvolvem uma diplomacia invisível,

procurando encontrar soluções para as mazelas do sistema”. (VIEIRA, 1999, p. 154)

As ONGs são fruto direto do sistema de cooperação internacional criado no

pós Guerra Mundial. Portanto, é neste cenário de incertezas e de transição que as

ONGs disputam os recursos que lhes garantem a existência. É por este motivo,

inclusive, que se torna cada vez mais premente a necessidade das ONGs

questionarem e pressionarem os países doadores no sentido de uma completa

revisão das políticas de cooperação internacional, pois até o momento as ONGs não

têm focalizado uma crítica à lógica global.

O caráter intrinsecamente internacionalizado das ONGs não advém apenas

do fato de terem assegurada a sua existência pela cooperação internacional. O

próprio termo ONG nasceu de terminologia cunhada pela ONU (Organização das

Nações Unidas) no pós Guerra, que desde a sua criação definiu um estatuto

específico para estas organizações como observadoras.

Pela definição das Nações Unidas, pode-se tomar por ONG tudo o que não

é governamental, ou seja organizações privadas e profissionais sem fins lucrativos.

Porém, afirmar que as ONGs não visam ao lucro, não significa que não possuam

dinheiro. Algumas movimentam somas superiores ao produto nacional bruto de

muitos Estados para atingir seus objetivos. (STELZER, 2007, p. 88)

A única positividade que se tem conseguido formular na definição do ator

ONG é que se trata de organizações a favor da transformação social, no entanto,

isso também é muito pouco, visto que a transformação social pode ser interpretada

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de inúmeras maneiras. É claro que tal indefinição foi, até o momento, útil à

consolidação e visibilidade das ONGs, pois possibilitou abarcar uma ampla

diversidade de organizações e iniciativas sob esta designação.

A dificuldade de compreender esse fenômeno através dos velhos “slogans”, das velhas categorias, da política moderna, reside no fato de que o trabalho das organizações sem fins lucrativos, ora se apresenta como um fator político relevante, ora como fator anti-politico. Essa situação deixa atônitos os teóricos da dicotomias, do maniqueísmo esquerda-direita, que não sabem como enquadrar esse “furacão” que avança aceleradamente nos espaços abandonados pelo mercado e pelo Estado, por causa da baixa rentabilidade ou da falta de recursos financeiros. (VIEIRA, 1999, p. 171)

Entre as ONGs que atuam pela transformação social de caráter democrático

é cada vez mais forte a intenção de se buscar uma definição de identidade mais

precisa, pela positividade, o que tem sido compreendido como um passo importante

inclusive na consolidação de institucionalidade democrática.

5.5 O declínio do Estado-nação

Um dos autores mais polêmicos sobre o assunto do Estado-nação é Kenichi

Ohmae, que faz no livro “O fim do Estado Nação” uma análise, argumentando que

os Estados-nações já perderam a sua principal característica como participantes da

economia global, e que quatro grandes forças (o capital, as corporações, os

consumidores e as comunicações) combinaram-se para usurpar o poder econômico.

Comparados a gigantes esperando a morte, os Estados-nações tornaram-se

ineficientes na distribuição de riquezas e são substituídos pelos novos mecanismos

da prosperidade, que Ohmae denomina de Estados-regiões.

Conforme Santos (1999), “A concepção do fim do Estado-nação procura a

estruturação do sistema global. A idéia é que alguns elementos dinâmicos e

revolucionários têm alterado completamente a estrutura do conceito estatal”.

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Mas, na verdade, o Estado não enfrenta o seu fim, e sim uma transformação

de poderes, um novo paradigma mediante a globalização e os novos sujeitos das

relações internacionais no contexto mundial.

[...] com a globalização da economia é possível observar, que o ordenamento jurídico-positivo do Estado deixou de ser o sistema jurídico central, concorrendo uma pluralidade de normas determinadas a partir das grandes corporações internacionais e de organismos intergovernamentais ou supranacionais, criando uma nova versão para o pluralismo jurídico e sua demanda judicial. (KLAES, 1999, p. 198)

O estudo do conceito de soberania ganha importância perante à

globalização, visto que, para alguns estudiosos aquela já está em via de extinção. A

fundamentação está na mudança do paradigma de Estado adotado pelo

constitucionalismo, pois as fontes de produção normativa, cujo controle sempre foi

visto como primordial para a existência de uma nação soberana, não mais

pertencem ao Estado, mas a organismos internacionais.

Globalidade irreversível significa que há muito já vivemos em uma sociedade mundial, o que implica em duas constatações fundamentais: de um lado a totalidade das relações sociais e de poder politicamente organizados e desvinculados dos Estados nacionais, do outro, a experiência da ação e da convivência acima das fronteiras. A unidade entre Estado, sociedade e individuo pressuposta pela primeira modernidade, está se desmanchando. Sociedade mundial, não quer dizer sociedade mundial estatal ou sociedade mundial econômica, e sim sociedade não estatal, isto é, um agregado de sociedades para qual as garantias de ordem territorial do Estado e também as regras da política publicamente legitimada, perderam sua obrigatoriedade. (BECK, 1999, p. 181)

O Estado, sob esse ângulo, perde sua autonomia e sua independência.

Todavia, alguns teóricos, acreditam que a organização política dos Estados é

favorecida pela existência de um sistema mundial de direitos, ou seja, a globalização

amplia e aperfeiçoa a cooperação entre os Estados soberanos sem inviabilizar a

independência das nações.

Conforme Beck (1999, p. 182), a “ausência de Estado” significa a existência

de uma relação concorrencial entre Estados e sociedades nacionais de um lado e de

outros a complexidade instável das conexões, dos atores e dos espaços de

interação da sociedade mundial.

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A globalização não é somente o novo dogma dos economistas, mas é

principalmente a nova racionalidade das instituições internacionais e multilaterais e

dos Estados nacionais; tudo acontece ou deve acontecer de uma determinada forma

em função e como conseqüência inexorável da globalização.

O significado do Estado-Nação tem sido alterado drasticamente, pois as características clássicas modificaram-se significativamente. As condições e as possibilidades de soberania, projeto nacional, emancipação nacional, reforma institucional, liberalização das políticas econômicas ou revolução social, entre outras mudanças, passam a estar determinadas por exigências de instituições, organizações e corporações multilaterais, transnacionais ou propriamente mundiais, que pairam acima das nações. Neste contexto o aparelho estatal é levado a reorganizar-se ou "modernizar-se" segundo as exigências do funcionamento mundial dos mercados, dos fluxos dos fatores da produção, das alianças estratégicas entre corporações. Daí a internacionalização das diretrizes relativas à desestatização, desregulamentação, privatização e abertura de fronteiras. (IANNI, 1998, p. 49).

Antes de afirmar se a globalização extingue ou não a soberania, qualidade

de poder de Estado, é imperioso verificar se esse processo é realmente vislumbrado.

A palavra globalização tornou-se comum no vocabulário dos cientistas

sociais, uma máxima central nas prescrições dos economistas, um slogan para

jornalistas e políticos.

A era atual é caracterizada por uma vida de processos globais, em que

culturas, economias e fronteiras nacionais estão se dissolvendo.

Embora as várias controvérsias quanto ao grau em que o processo de

globalização afetaria o Estado-nação, existe um conjunto de elementos limitadores

da liberdade de ação de governos e Estados. Isto se deve ao fato de que fronteiras

não são mais nítidas, os processos decisórios são influenciados por diversos

elementos que não os próprios interesses e valores daqueles neles envolvidos de

modo mais direto, verificam modificações na comunidade internacional, com o

surgimento de novos atores.

Vale, para a sociedade global, a seguinte definição: Os Estados nacionais

não podem existir sem as sociedades mundiais, e as sociedades mundiais, não

podem existir sem as sociedades nacionais. (BECK, 1999, p. 184)

Desse modo, os Estados-nação têm sua autonomia limitada e sua soberania

afetada. Talvez seja mais adequado pensar que o Estado divide com outros atores

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parcelas de soberania, tendo a sua própria soberania limitada nesse contexto plural

e diverso.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A soberania sofreu inúmeras transformações desde o surgimento de seu

conceito, a partir da Guerra dos Trinta Anos, quando as limitações territoriais

começam a ser definidas. Explicar a evolução desse conceito foi uma das tarefas do

presente trabalho.

A noção de soberania encontra-se fundamentalmente ligada na conformação

do Estado moderno. Há séculos, essa forma de organização política vem

participando de forma fundamental nas práticas sociais e nas relações

internacionais. Essas práticas apresentam-se em crise, mediante transformações

científicas e tecnológicas, passando a exigir novas formas de organização e

conceitos.

Estado, com todos os seus elementos constitutivos, é a sociedade

necessária, caracterizado por governos dotado de soberania. Exerce seu poder

sobre uma população, num determinado território, onde cria, executa e aplica seu

ordenamento jurídico, visando ao bem comum.

O Estado, entendido, portanto como uma forma específica da sociedade

política, é o resultado de uma longa evolução na maneira de organização do poder.

Com a evolução do Estado, encontra-se também a evolução da soberania,

inteiramente interligados.

O conceito clássico de soberania e do Estado sofrem alterações, no atual

cenário mundial. O Estado além de buscar a preservação do seu poder soberano,

procura também a adequação da realidade global, com o surgimento de blocos

regionais, organizações e empresas internacionais que muitas vezes atuam

ofuscando o tal poder, mas que são fundamentais ao novo paradigma e em relação

às questões globais, envolvendo aspectos sociais, políticos e econômicos.

A soberania clássica do Estado está ameaçada pelo fortalecimento das

empresas e instituições internacionais, das organizações supranacionais e daquelas

de caráter de integração regional, bem como através do surgir contínuo e sucessivo

de regramentos como tratados, convenções, acordos e instrumentos jurídicos

internacionais em geral. Há a necessidade de um novo conceito para essas

transformações gigantescas que a globalização trouxe, não apenas para o conceito

de soberania, mas para a sociedade global e todas as suas formas de poder.

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Os Estados não estão mais submetidos às conquistas pela força física da

guerra para a delimitação de seu território e para a busca de seus interesses, mas

estão submetidos e vulneráveis, à força do capital, com a imposição dos novos

sujeitos das relações internacionais,

A soberania, desde seu surgimento até aos dias de hoje, teve uma evolução

impulsionada por fatores externos da conjuntura internacional. A soberania evoluiu

paralelamente com o evoluir do Estado, já que ambos estão intimamente

interligados, interdependentes e complementam-se mutuamente.

Afirmar que a era da globalização traz o fim do Estado como colocou o autor

Ohmae, seria ignorar o passado e não vislumbrar os acontecimentos da realidade. É

nítido que o Estado está condicionado à globalização fragmentando sua soberania e

deturpando o conceito clássico do termo, mas ainda cabe ao Estado as decisões

políticas, econômicas e sociais, mesmo que submetido à força do capital.

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ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS

Nome da acadêmica Dayane F. C. Zaguini

Orientadora de conteúdo Profª. Drª. Joana Stelzer

Responsável pelo Estágio Prof�. Natalí Nascimento