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INTRODUÇÃO A obra prima da literatura do movimento sapiencial é o livro de Jó. Começa com uma narração em prosa. Era uma vez um grande servo de Deus, chamado Jó, que vivia rico e feliz. Deus permitiu a Satanás prová-lo para ver se ele continuará fiel no infortúnio. Ferido primeiro nos seus bens e nos seus filhos, Jó aceita que Deus retome o que lhe havia dado. Atormentado em sua carne por doença repugnante e dolorosa, Jó se mantém conformado e censura sua mulher que o aconselha a amaldiçoar a Deus. Então, três amigos seus, Elifaz, Baldad e Sofar, chegam para compadecer-se dele (1-2). Após este prólogo, abre- se grande diálogo poético, que forma o corpo do livro. Primeiramente, é uma conversa entre quatro pessoas: em três ciclos de discursos. (3-14; 15-21; 22-27) Jó e seus amigos contrapõem suas concepções da justiça divina; as idéias progridem de modo bastante livres, principalmente intensificando-se a luz sobre os princípios postos no início. Elifaz fala com a moderação da idade e também com a severidade que longa experiência dos homens pode dar; Sofar se deixa levar 1

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Page 1: MONOGRAFIA JÓ

INTRODUÇÃO

A obra prima da literatura do movimento sapiencial é o livro de Jó.

Começa com uma narração em prosa. Era uma vez um grande servo de

Deus, chamado Jó, que vivia rico e feliz. Deus permitiu a Satanás prová-lo

para ver se ele continuará fiel no infortúnio. Ferido primeiro nos seus bens

e nos seus filhos, Jó aceita que Deus retome o que lhe havia dado.

Atormentado em sua carne por doença repugnante e dolorosa, Jó se

mantém conformado e censura sua mulher que o aconselha a amaldiçoar

a Deus. Então, três amigos seus, Elifaz, Baldad e Sofar, chegam para

compadecer-se dele (1-2). Após este prólogo, abre-se grande diálogo

poético, que forma o corpo do livro. Primeiramente, é uma conversa entre

quatro pessoas: em três ciclos de discursos. (3-14; 15-21; 22-27) Jó e

seus amigos contrapõem suas concepções da justiça divina; as idéias

progridem de modo bastante livres, principalmente intensificando-se a luz

sobre os princípios postos no início. Elifaz fala com a moderação da idade

e também com a severidade que longa experiência dos homens pode dar;

Sofar se deixa levar pelos arroubos da juventude; Baldad é homem

sentencioso que se mantém no meio termo. Mas os três defendem a tese

tradicional das retribuições terrestres: se Jó sofre é porque pecou; pode

parecer justo a seus próprios olhos, mas não o é aos olhos de Deus.

Diante dos protestos de inocência de Jó, só sabem radicalizar sua

posição. A essas considerações teóricas, Jó contrapõe sua experiência

dolorosa e s injustiças de que o mundo está cheio. Retorna ao tema sem

cessar, e sempre esbarra no mistério de um Deus justo que aflige o justo.

Não caminha, fica vagando na escuridão. Em sua aflição moral, profere

1

Page 2: MONOGRAFIA JÓ

gritos de revolta e palavras de submissão, e tem momentos de crise e de

alívio em sofrimento físico. Este movimento alternado atinge dois ápices:

o ato de fé do cap. 19 e o protesto final de inocência do cap. 31. É então

que intervém nova personagem, Eliú, que contesta Jó e seus amigos e,

com eloqüência prolixa (32-37), procura justificar a maneira de agir de

Deus. É interrompido pelo próprio Iahweh que “do meio da tempestade”,

isto é, no contexto das antigas teofanias, responde Jó; ou melhor, recusa-

se a responder, pois o homem não tem o direito de julgar Deus, que é

infinitamente sábio e todo-poderoso, e Jó reconhece que falou sem

compreender (38,1-42,6). Epílogo em prosa põe termo ao livro: Iahweh

censura os três interlocutores de Jó e devolve a estes filhos e filhas e

seus bens em dobro (42,7-17).

A personagem principal deste drama, Jó, é herói dos tempos antigos (Ez

14,14-20), que se supõe ter vivido na época patriarcal, nos confins da

Arábia e do país de Edom, numa região cujos sábios eram célebres (Jr

49,7; Br 3,22-23; Ab 8) e de onde vêm também seus três amigos. A

tradição considerava-o grande justo (cf. Ez 14) que permanecera fiel a

Deus numa provação excepcional. O autor serviu-se desta velha historia

para enquadrar seu livro e, não obstante as diferenças de estilo e de tom,

o diálogo poético não pode ter existido sem o prólogo e o epílogo em

prosa.

No diálogo, tem sido contestada a autenticidade de certos personagens.

O poema sobre a Sabedoria (28) não pode ser posto nos lábios de Jó:

contém noção de sabedoria que não é a de Jó nem de seus amigos; por

outro lado, tem afinidades com o discurso de Iahweh (38-39). Mas é obra

2

Page 3: MONOGRAFIA JÓ

que provém do mesmo ambiente e que foi composta à margem do livro;

não se sabe por que foi inserida precisamente neste lugar, onde ela não

tem ligação com o contexto. Também se tem duvidado que os discursos

de Iahweh (38-41) pertençam ao poema primitivo, mas quem assim pensa

desconhece o sentido do livro: precisamente porque não levam em conta

a discussão que precedeu nem o caso particular de Jó, porque transferem

o debate do plano humano ao puramente divino, esses discursos dão ao

problema a única solução que ou autor vislumbrava: a do mistério das

ações de Deus. No interior desta seção, alguns gostariam de descartar

pelo menos a passagem sobre o avestruz (39,13-18) e as longas

descrições de Beemot e de Leviatã (40,15-41,26). Se suprirmos as

descrições desses dois animais exóticos, quase nada resta do segundo

discurso de Iahweh: teria existido primitivamente um discurso único, que

teria sido aumentado e dividido em dois por uma primeira e breve

resposta de Jó (41,3-5). A hipótese é atraente, mas não há nenhum

argumento decisivo em seu favor e a questão é de importância

secundária. Há, enfim, no terceiro ciclo de discursos (24-27), desordem

real, que se poderia explicar por acidentes de tradição manuscrita ou por

retoques redacionais.

A autenticidade dos discursos de Eliú (32-37) está sujeita a dúvidas mais

sérias. A personagem intervém subitamente, sem ter sido comunicada, e

Iahweh, que o interrompe, não o leva em conta. Isto é mais estranho

ainda, porque Eliú antecipou em parte os discursos de Iahweh; dá

inclusive a impressão de querer completá-los. Por outro lado, repete

inutilmente o que disseram os três amigos. Enfim, o vocabulário e o estilo

3

Page 4: MONOGRAFIA JÓ

são diferentes e os aramaísmos são muito mais freqüentes que em outros

lugares. Parece, portanto, que esses capítulos foram acrescentados ao

livro, e por outro autor. Mas eles também trazem sua contribuição

doutrinária.

O autor de Jó não nos é conhecido senão pela obra prima que compôs.

Por ela reconhece-se que certamente se trata de um israelita, nutrido das

obras dos profetas e dos ensinamentos dos sábios. Vivia provavelmente

na Palestina, mas deve ter viajado ou morado no exterior, particularmente

no Egito. Sobre a data em que viveu não podemos fazer senão

conjecturas. O tom patriarcal do relato em prosa levou os antigos a crer

que o livro era como o Gênesis, obra de Moisés. Mas seja como for, o

argumento só valeria para o contexto do poema, e esse colorido se

explica suficientemente como herança da tradição ou como pasticho

literário. O livro é posterior a Jeremias e a Ezequiel, com os quais tem

contatos quanto à expressão e ao pensamento, e sua linguagem está

fortemente mesclada de aramaísmo. Isto nos situa na época posterior ao

Exílio, num momento em que a obsessão pela sorte da nação é

substituída pela preocupação com o destino dos indivíduos.

A data mais indicada – mas sem razões decisivas - é o começo do século

V antes da nossa era.

O autor considera o caso de um justo sofredor. Para a doutrina corrente

das retribuições terrestres, tal caso seria paradoxo irreal: o homem recebe

aqui na terra a recompensa ou o castigo de suas obras. No plano coletivo,

a norma é claramente indicada pelos grandes textos de Dt 28 e Lv 26; o

livro dos Juízes e os dos Reis mostram como o princípio se aplica no

4

Page 5: MONOGRAFIA JÓ

desenrolar da história, e a pregação profética o supõe constantemente. A

noção da responsabilidade individual, já latente e às vezes expresa (Dt

24,16; Jr 31,29-30; 2Rs 14,6), é exposta claramente por Ez 18. Mas até

mesmo Ezequiel se restringe às retribuições terrestres e assim incorre no

flagrante desmentido dos fatos. Numa perspectiva de solidariedade, pode-

se aceitar que, predominando os pecados da coletividade, os justos sejam

punidos com os maus. Mas se cada um deve ser tratado segundo as suas

obras, como um justo pode sofrer? Ora, há justos que sofrem, e

cruelmente: Jó, por exemplo. O leitor sabe, pelo prólogo, que seus males

vêm de Satã e não de Deus e que eles são uma prova de sua fidelidade.

Mas Jó não o sabe, e tampouco seus amigos. Estes dão as respostas

tradicionais: a felicidade dos maus é de curta duração (cf Sl 37 e 73), o

infortúnio dos justos prova sua virtude (cf. Gn 22,12), ou então a pena é

castigo pelas faltas cometidas por ignorância ou por fraqueza (cf Sl 19,13;

25,7). Isto, à medida que acreditam na inocência relativa de Jó, mas os

gritos que a dor lhe arranca, suas queixas contra Deus, levam-nos a

admitir nele um estado de injustiça muito mais profundo: os males que Jó

padece não se podem explicar senão como castigo de pecados graves.

Os discursos de Eliú aprofundam estas soluções: se Deus aflige os que

parecem justos, é para fazê-los expiar pecados de omissão ou faltas

inadvertidas, ou então – e esta é a contribuição mais original desses

capítulos – é para prevenir faltas mais graves e curar do orgulho. Mas Eliú

mantém como os três amigos, embora com menor rigidez, a ligação entre

o sofrimento e o pecado pessoal.

5

Page 6: MONOGRAFIA JÓ

Contra essa rigorosa correlação, Jó se levanta com toda a força de sua

inocência. Não nega a retribuição terrena; espera-a e Deus lha concederá

finalmente no epílogo.

Mas para ele é escândalo o fato de ela lhe ser negada no presente, e

busca em vão o sentido de sua provação. Luta desesperadamente par

reencontrar a Deus que se esquiva e em cuja bondade ele continua

crendo. E quando Deus intervém, é para revelar a transcendência de seu

ser e de seus desígnios e reduzir Jó ao silêncio. Esta é a mensagem

religiosa do livro: o homem deve persistir na fé até mesmo quando seu

espírito não encontra sossego. Naquela etapa da revelação, o autor do

livro de Jó não podia ir mais longe. Para aclarar o mistério da dor

inocente, era preciso aguardar que se tivesse a certeza das sanções de

além-túmulo e conhecer o valor do sofrimento dos homens unido ao

sofrimento de Cristo. À pergunta angustiante de Jó responderão dois

textos de Paulo: “Os sofrimentos do tempo presente não têm comparação

com a glória que há de revelar-se em nós” (Rm 8,18) e: “Completo em

minha carne o que falta às atribuições de Cristo em favor de seu Corpo,

que é a Igreja” (Cl 1,24).

6

Page 7: MONOGRAFIA JÓ

CAPÍTULO 1

O LIVRO DE JÓ

1.1 - A estrutura do Livro de Jó

O livro de Jó se estrutura em três partes:

I – Prólogo – Capítulos 1-2

II – Seção de diálogos – Capítulos 3-42,6

III – Epílogo – 42, 7-17

O prólogo e o epílogo foram redigidos em prosa, formando a moldura em

torno da seção de diálogos, formulada como poesia, 1 parecem formar um

todo solitário, porque a história das tribulações de Jó pede a sua

restauração e vice-versa. Pode-se admitir, é verdade, que a narração da

restauração de Jó tenha recebido alguns floreios posteriores, porque a

exigência popular reclamasse detalhes concretos sobre a felicidade

reencontrada pelo herói. Entretanto, parece que um relato de sua

reabilitação (42,7-11), mesmo que em forma breve, seria necessário à

forma primitiva da narração.

Alguns estudiosos rejeitam a originalidade das cenas da corte celeste

(1,6-12; 2,1-7 a). Eles pensam que essas passagens podem facilmente

ser supressas de seus respectivos contextos, sem que fique perturbada a

fluência da narração ou obscuridade a sua inteligibilidade. Segundo essa

conjectura, a historia original supunha que o próprio Iahweh tivesse ferido

Jó (cf. 42,11b), mas um editor ter-se-ia recusado a pensar que Iahweh

1 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger - pg. 292

7

Page 8: MONOGRAFIA JÓ

fosse o autor direto do mal. Em conseqüência disso, esse editor teria

introduzido a personagem do adversário (“o satã”), a fim de tirar da

divindade a responsabilidade por um ato imoral. Mas essa omissão

privaria a historia de sua razão de ser. A finalidade da narração em prosa

é justamente mostrar que Jó não é culpado, e isso deve ser afirmado sem

ambigüidade, como o é nas cenas da corte celeste. Mais ainda: o motivo

da aposta de Iahweh e um membro da assembléia divina têm a qualidade

de humor popular que faz pensar em mentalidade politeísta (cf, supra) e

que é estranho ao monoteísmo piedoso dos escribas da época judaica. 2

1.1.1 – O prólogo

O prólogo relata uma dupla aprovação de Jó, no sofrimento e numa

subseqüente visita de seus três amigos. Ele se subdivide numa exposição

em de cenas: 3

1,1-5: A fé e felicidade de Jó;

1, 6-12: Primeira cena celestial: depois que Satanás duvidou da fé

desinteressada de Jó, ele obtém de Javé a permissão para “tocar”

tudo o que ele possui;

1, 13-22: Primeira prova e aprovação de Jó: em quatro golpes Jó

perde seu gado e seus filhos, sem se rebelar contra Javé;

2, 1-7a: Segunda cena celestial: depois que Satanás duvidou

perante Javé de que Jó ficará firme na fé quando for atingido pela

enfermidade, ele obtém a permissão de “vitimá-lo”, respeitando,

porém, a sua vida;

2 Grande Comentário Bíblico – Jó – Samuel Terrien – pg. 193 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 292

8

Page 9: MONOGRAFIA JÓ

2, 7b-10: Segunda prova e aprovação de Jó: Jó é vitimado com

pústula, mas persiste na fé, apesar da solicitação de sua mulher,

para que amaldiçoe a Deus;

2,11-13: Os três amigos Elifaz de Teman, Bildad de Shûah e Sofar

de Naamá visitam Jó, para consolá-lo e lhe manifestar sua

simpatia.

1.1.2 – A seção de diálogos

O diálogo entre jó e seus três amigos parece formar um todo homogêneo

e podem ser agrupados em três seções:

3 - Monólogo de Jó – Lamento.

1ª Seção 2ª Seção 3ª Seção

4-5 – Elifaz 15 - Elifaz 22 – Elifaz

6-7 - Jó 16-17 - Jó 23-24 – Jó

8 - Bildad 18 - Bildad 25 – Bildad

9-10 - Jó 19 - Jó 26 – Jó

11 - Sofar 20 - Sofar - -

12 – 14 - Jó 21 - Jó 27 – 28 - Jó

29 – 31 – Monólogo de Jó – Desafio a Deus.

32 1-6 – Apresentação de Elihu.

32, 7-33, 33 – Primeiro discurso de Eliuh.

34 – Segundo discurso de Eliuh

9

Page 10: MONOGRAFIA JÓ

35 – Terceiro discurso de Eliuh

36 – 37 – Quarto discurso de Eliuh

38 – 40,2 – Primeiro discurso de Javé

40, 3-5 – Primeira resposta de Jó.

40, 6-41,26 – Segundo discurso de Javé

42, 1-6 – Segunda resposta de Jó

Foi detectada, entretanto, a mão de um editor ou de vários copistas que,

acidentalmente ou intencionalmente, introduziram no diálogo certo

números de alterações. Suspeitou-se em particular do estado de

conservação do terceiro ciclo ou terceira seção e da autenticidade do hino

sobre a sabedoria.

A terceira seção (caps. 22-27) difere dos dois primeiros em três aspectos

principais: a) nele Jó parece sustentar o ponto de vista dos amigos, aos

quais até então se opusera com veemência (24 18-24; 26 4-14; 37 13-23);

b) o terceiro discurso de Bildade é muito mais curto do que os dois

primeiros (25,1-6; cf. 8,2-22; 18 2-21); c) o “terceiro” discurso de Sofar, a

se esperar, por causa da estrutura simétrica da discussão em tríptico,

está completamente ausente. Segundo a opinião geral, um editor do livro

tentou suavizar o tom das ultimas réplicas de Jó, sem dúvida por

ofenderem elas a piedade da Sinagoga; ele suprimiu delas as frases mais

ousadas e atribuiu ao herói proclamações de ordem convencional tiradas

do terceiro discurso de Bildad (daí a brevidade excepcional deste) e do

terceiro discurso de Sofar (donde sua ausência inesperada). Outros

críticos, mais respeitosos da integridade, mas não da competência dos

10

Page 11: MONOGRAFIA JÓ

escribas da época judaica pós-exílica, apresentam a hipótese de uma

confusão acidental de duas ou três folhas de pergaminho, cujas costuras,

formando o rolo, se rasgaram com o tempo e com as intempéries. 4

Há divergências se o primeiro discurso de Jó (cap. 3) constitui a abertura

da primeira seção de discursos ou se aparece isolado, como um

monólogo. Como em Jó 3 não há nenhum tipo de referência aos três

amigos presentes, deve-se aceitar a tese do monólogo. Assim, Jó 3 e 29-

31 formam uma moldura em torno das três rodadas entre jó e seus

amigos. Em termos de conteúdo, o discurso de finalização de Jó (caps.

29-31) aponta para frente. Jó desafia Deus a dar uma resposta (31-35).

Contudo, antes disso seguem-se quatro discursos do quarto amigo, Elihu,

que até então não fora mencionado (32-37). Somente em 38-41 Javé

responde a Jó de dentro do temporal. Se deixarmos inicialmente fora de

consideração 40.1, a resposta de Javé é dada em dois grandes discursos

(38-39; 40,6-41,26), a cada um dos quais segue uma breve resposta de

Jó (40,3-5; 42,1-6). 5

1.1.3 – O Epílogo

O epílogo se desembaraça em duas seções:

42, 7-9 – O julgamento de Javé sobre os três amigos.

42, 10-17 – O restabelecimento de Jó.

4 Grande Comentário Bíblico – Jó - Samuel Terrien – Pg.27

5 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 293

11

Page 12: MONOGRAFIA JÓ

O final do Livro de Jó (42, 7-17) retorna à prosa e em certo sentido nos

recorda o prólogo (1-2), mesmo que nele notemos ausências e silêncios

significativos: nada se diz da mulher de Jó, nada de Satã, que solicitara e

provocara a prova de Jó. Assombra-nos, entretanto, as palavras que o

Senhor dirige a Elifaz, as quais contem o ditame sobre o poema inteiro:

“Estou irritado contra ti e teus dois companheiros porque não falastes

com retidão a meu respeito, como fez meu servo Jó” (42,7)

É lógico pensar que foram os amigos de Jó que falaram bem de Deus, já

que não o acusaram de nada e defenderam a justiça e a equidade; Jó,

por outro lado, não cessou em suas queixas e acusou abertamente a

Deus de ser injusto para com ele.

Não esqueçamos que a maneira de pensar do autor de Jó não é

precisamente a mesma que a dos amigos de Jó. O autor do poema e Jó

se identificam. Uma vez que Jó se reconciliou plenamente com Deus,

formal e pessoalmente (cf. 42, 1-6), Deus aprova e aceita a atitude dele

como a acertada, por ser nobre e sincero de coração. As palavras de

Deus assim o demonstram, e o final da vida de Jó o confirma:

“O Senhor abençoou a Jó muito mais ainda no fim de sua vida que no

começo” (42,12) 6

1.2 – Dos Autores

6 Sabedoria e Sábios de Israel – O livro de Jó – pgs. 164 - 165

12

Page 13: MONOGRAFIA JÓ

Certamente é preciso falar de uma pluralidade de autores originais, todos

desconhecidos.

Quando dizemos autor de Jó, o singular é coletivo, a não ser que o

reservemos para o redator final, que nos deixou o livro assim como

chegou até nós, à exceção de possíveis mudanças de lugar de algumas

passagens. Pertence aos sábios e é dos mais representativos do gênero

não só na literatura israelita, mas também na literatura internacional do

antigo Oriente Médio7.

A literatura sapiencial do Antigo Testamento em geral e o livro de Jó em

particular manifestam uma atmosfera internacional bem marcada e não

contém nenhum dos temas especificamente hebraico. 8

1.3 – Do Gênero Literário

O gênero literário, se é que podemos falar no singular, é muito variado;

em seu conjunto, não existe igual nem em Israel nem fora dali. O marco

do poema, ou seja, o prólogo e o epílogo, pertence ao gênero de contos

ou das anedotas folclóricas, também assimilados pelos sábios. O poema

em si é uma jóia da literatura sapiencial. Distingui-se dos demais livros

sapiências do Antigo Testamento por tratar fundamentalmente de um só

tema e pela forma dialogada em que o desenvolve.

A obra lírica e didática às vezes, e o gênero sapiencial não é único: há

diálogos, hinos, discursos, sentenças, processo judicial, etc.

O livro se divide em cinco partes distintas:

7 Idem pg. 138 – 2º prg.8 Grande Comentário Bíblico – Jó – Pg.11

13

Page 14: MONOGRAFIA JÓ

1. Um prólogo em prosa (1,1-2,13), que descreve herói e seus

sofrimentos;

2. Uma discussão em verso (3,1-31,40), entre Jó e três de seus

amigos, em três ciclos de seis ou sete poemas cada um;

3. Um discurso em verso (32,1-37,24), pronunciado por um quarto

amigo, Eliú;

4. Duas séries de questões em verso, propostas por Iahweh, e as

duas respostas de Jó (38,1 – 42,6);

5. Um epílogo em prosa (42, 7-17), que conta a restauração do herói

e sua morte depois de uma longa e feliz velhice. 9

1.4 – Do personagem

O livro de Jó é conhecido por seu personagem principal e, em especial,

como aparece nos dois primeiros capítulos. Jó é o tipo de homem

paciente e sofrido, que aceita calado as desgraças, como aceita as

bênçãos da parte de Deus.

“Nu saí do ventre de minha mãe, e nu a ele voltarei. O Senhor deu o

Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor”. (1,21)

Menos conhecida é a parte poética do livro em que aparece o outro Jó.

Não existe na Bíblia um personagem que mais se queixe de suas dores e

sofrimentos do que este Jó, protótipo do homem rebelde. É, pois,

necessário falar desses dois personagens cujo nome é o mesmo. Disto

falaremos no segundo capítulo.

1.5 – Contexto Histórico

9 Grande Comentário Bíblico – Jó – pg. 9

14

Page 15: MONOGRAFIA JÓ

É possível que a camada básica da narrativa de Jó tenha surgido antes

do exílio. Mais provável, porém, é um surgimento dela logo após o exílio.

O “herói” da narrativa é um não-israelita. Essa amplitude teológica, com

sua tendência implícita de monoteísmo universal, encaixa bem nas

correntes da teologia exílica e pós-exílica, tal como se evidenciam, entre

outros, nos livros de Jonas, Rute e Daniel. Indicio do tempo

imediatamente posterior ao exílio e também a ampliação da narrativa por

meio de cenas celestiais, porque nela “Satanás” (acusador), à

semelhança de Zc. 3.1s, designa um ente celeste de intenções hostis ao

seu humano, mas ainda não é utilizado, como em 1Cr 21,1, como nome

próprio10.

1.6 – Ênfases Teológicas

Ainda se admite muitas vezes que o livro de Jó considere a questão:

Porque sofrem os justos? De fato, a antiga narração folclórica como

também o poema se servem do problema do sofrimento injusto a fim de

perseguir um fim superior e mais amplo. Embora o enigma da dor tenha

sido para os antigos hebreus e, sobretudo para os judeus do séc. VI a.C.

um problema urgente, havia outro de importância crucial.

No momento em que o seu mundo acabava de ruir, eles se perguntavam

qual era o significado de sua fé. A aliança rompida, o templo arrasado, a

terra violada, a população dizimada ou no exílio, a família real

massacrada ou na prisão. 11

1.6.1 – O comportamento correto no sofrimento12

10 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 30111 Grande Comentário Bíblico – Jó – Pg. 43.12 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 302-303

15

Page 16: MONOGRAFIA JÓ

A narrativa da moldura considera como concretização da atitude humana

correta no sofrimento que Jó aceita o sofrimento como submissão a Deus.

A compreensão tradicional judaica e cristã do livro de Jó atém-se,

sobretudo à narrativa da moldura, na qual Jó, enquanto sofredor piedoso

é apresentado diante do leitor como persona imitabilis.

Na seção de diálogos essa solução é problematizada. O bloco inicia com

um grande lamento de Jó (3), que se potencia até a acusação a Deus (9,

14-35). Recorrendo à tradição sapiencial, Elifaz interpela Jó a parar com

seu lamento (5,1-2; cf. Pr 29,11). Elifaz parece recomendar a Jó que

aceite a solução do problema visada pela narrativa da moldura. Jó se

nega a assumir a atitude do sofredor submisso a Deus (6,1-13;7,11;10,1).

Como o epílogo caracteriza a “fala sobre Deus” de Jó como “reta” e

condena o discurso dos amigos (42,7s), parece que o autor de Jó está

reconhecendo como atitude humanamente legítima o lamento no

sofrimento.

Nos discursos de Deus, Jó é criticado no aspecto de que em suas

lamentações ele levantou a acusação de que o mundo seria um caos

(3;21,7-11) e estaria entregue na mão de um criminoso (9,24). Com essa

acusação ele ultrapassa sua experiência humana pessoal e se arroga um

direito quase divino. Nos discursos de Deus, indaga-se de Jó

(retoricamente) se ele de fato alguma vez desempenhou o papel do Deus

Criador e se poderá assumi-lo (40,9-14). Pergunta-se a ele se esteve

presente no ato originário da Criação (credito prima) e se conhece as leis

de sua preservação (credito continua). Corrigido pelo discurso divino, Jó

confessa que falou com ignorância sobre coisas elevadas demais e

16

Page 17: MONOGRAFIA JÓ

maravilhosas demais para ele (42,3.6). Assim, atravessando o lamento e

encontrando-se com Javé (42,5), ele reencontra a posição de aceitação

silente (40,4s), já apresentada o prólogo como exemplar.

1.6.2 – Causa e finalidade do sofrimento13

Na forma da narrativa da moldura, possivelmente a mais antiga (sem as

duas cenas no céu), não se aborda a questão do porquê e para quê do

sofrimento. Entretanto, a maneira como se descrevem os quatro casos de

desgraça, em que são adotadas metáforas do agir julgador de Deus (cf.

1,16: “fogo de Deus”), deixa entender que o infortúnio que se abate sobre

Jó provém de Deus. Em 1,21 Jó confessa sua calamidade como causada

por Javé e aceita como tal.

Na forma narrativa da moldura ampliada pelas duas cenas do céu é

refletida adiante a pergunta pela causa e finalidade do sofrimento. A

resposta desenvolvida de modo narrativo condiz plenamente com o que

afirma a tradição teológica sobre a questão (cf. Tomás de Aquino, Summa

Theologica, vol. 1, 2,3 ad 1): Deus permite o sofrimento. A permissão do

sofrimento por Deus, contudo, atende à finalidade de refutar uma

acusação levantada contra Jó, a saber, de que a religiosidade de Jó não

seria desinteressada. Assim, por mais paradoxo que possa parecer, na

narrativa da moldura a calamidade causada por Satanás ao ser humano

(Jó) é permitida por Deus “por causa da dignidade do ser humano”. Deus

não duvida da natureza desinteressada da fé de Jó, pelo contrario, aposta

nela.

13 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – Pg. 303-305

17

Page 18: MONOGRAFIA JÓ

Nos discursos dos amigos podem ser destiladas ao todo quatro respostas

à pergunta pela causa e finalidade do sofrimento:

1. Sofrimento é decorrência de culpa humana;

2. Sofrimento faz parte da natureza humana;

3. Sofrimento é uma forma de educação e disciplina por Deus;

4. O infortúnio é uma prova para o fiel.

Visto que no epílogo Javé condena a “fala sobre Deus” dos três amigos

(42,7s), o autor de Jó parece rejeitar as explicações do sofrimento

fornecidas pelos amigos. Assim, para descobrir a teologia do poeta de Jó,

somos remetidos aos discursos de Deus.

É significativo que os discursos de Deus (38,2-40,6-41,26) não abordam

de maneira alguma a teologia dos três amigos. Assim os discursos de

Deus de certa forma livram (redimem) Jó, ainda antes da sua

“restauração” explicita, de um antropocentrismo fechado em si próprio.

Desse modo correspondem, de modo previsível-imprevisível, ao seu

anseio por uma resposta do Todo – Poderoso:”Que o Todo-poderoso me

responda” (31,35). Esse é o último desafio de Jó e do homem natural.

Mas a resposta de Deus é sempre diferente do que o homem espera. 14 O

movimento aqui desenvolvido pode ser descrito como uma evolução do

antropocentrismo pelo cosmocentrismo até o teocentrismo, ao trazer à

sua presença o mistério da Criação como metáfora de seu próprio

sofrimento. Suas perguntas e queixas não são respondidas por terceiros

impassíveis, mas saciadas pelo Deus que misteriosamente está presente

na Criação e lhe dá respostas. (42,5)

14 Grande Comentário Bíblico – Jó – pg. 55

18

Page 19: MONOGRAFIA JÓ

1.7 – Relevância 15

Pelo livro de Jó se questiona toda a teologia que não é mais capaz de

admitir a dor, as questões abertas, e a queixa e acusação dirigidas a

Deus, por sentir ameaçada, por meio delas, sua doutrina sobre Deus. O

livro de Jó constitui um pleito em favor do ser humano que sofre, dirigido

contra uma teologia excessivamente afirmativa. Sob esse aspecto é uma

advertência especial para que a teologia cristã considere que a redenção

ainda não chegou á conclusão. Para os cristãos a pergunta de Jó

continua tão atual quanto antigamente.

Na crítica à atitude dos três amigos, o livro contém uma instrução implícita

para sermos solidários com os que sofrem. Não se trata de compreender

o sofrimento, e sim de ser aprovado nele.

No entanto, no livro também se articula a esperança de que Javé é um

Deus que não deixa o sofredor para sempre em desgraça. A restauração

de Jó, muitas vezes caricaturada como “happy end”, constitui uma

expressão da esperança de que Javé em última instancia se revelará para

as pessoas atormentadas até a morte.

CAPÍTULO 2

DOIS PERSONAGENS

15 Introdução ao Antigo Testamento – Ercih Zenger – pg.305

19

Page 20: MONOGRAFIA JÓ

O Livro de Jó é conhecido por seu personagem principal e, em especial,

como aparece nos dois primeiros capítulos.

Jó é o tipo do homem paciente e sofrido, que aceita calado as desgraças,

como aceita as bênçãos da parte de Deus:

“Nu saí do ventre de minha mãe, e nu a ele voltarei. O Senhor deu o

Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!” (1,21).

Menos conhecida é a parte do livro em que aparece o outro Jó. Não

existe na Bíblia um personagem que mais se queixe de suas dores e

sofrimentos do que este Jó, protótipo do homem rebelde. É, pois,

necessário falar desses dois personagens cujo nome é o mesmo.

Trataremos primeiro do Jó paciente e depois do rebelde.

2.1 – O Jó paciente

Antes de tratarmos do Jó paciente, vejamos um pouco sobre o que

significa ser paciente, o que é paciência.

A palavra paciência tem sua raiz no Latin patientia, e dentre os seus

vários significados, destaco: Conformidade em suportar os males ou

os incômodos sem se queixar.

A Bíblia define a paciência como um dos frutos do Espírito Santo

conforme Gálatas 5, e dentre as várias atribuições que lhe são propostas,

diz que deve ser exercida na tolerância do jugo (cf.Lm. 3,27), na

tribulação (cf. Lc. 21,19; Rm 12:12) e no seu exercício para com todos (cf.

1Ts. 5,14).

20

Page 21: MONOGRAFIA JÓ

“Jó é um personagem ativo. É um homem que constrói riquezas com seu

trabalho, é um homem feliz, que deseja entender a existência do mal.

Reduz-se Jó, em geral, a uma caricatura – por exemplo, quando se fala

da ‘paciência de Jó’. Contudo, a idéia de que Jó é um homem paciente

que sofre pacificamente é falsa. Ele está sempre em luta contra o mal, ele

o enfrenta e o combate. Por que o mal? Por que Deus permite o mal? –

essa é sua grande pergunta já que não há nada que justifique o mal”. 16

Realmente pelo lado humano se torna impossível compreender tamanha

paciência. Quase improvável é a aceitação do comportamento de Jó

diante das notícias que lhe são entregues pelos mensageiros que

sobreviveram às desgraças. Diante das circunstâncias passadas por Jó

podemos concluir que, por mais críticos os historiadores, a figura paciente

deste homem sempre estará marcada.

O que se percebe neste Jó paciente é um homem não apegado ao

material, embora este pudesse ter grande significado para ele, nem tão

pouco, por mais que pareça estranho afirmar, àqueles que faziam parte

de sua casa, de sua família.

Neste momento, para Jó, o corpo é simplesmente matéria espacial,

substância extensa, mera extensão mensurável matematicamente,

enquanto que a alma ou espírito ou consciência é uma substância

pensante. Na realidade, o corpo não passa de uma máquina que pode

funcionar independente da alma. Esta não interfere na vida biológica do

ser humano, pois sua finalidade única é precisamente pensar. Tanto o

pensamento (característica do espírito) quanto a vida biológica (a

16 Antonio Negri em entrevista ao jornalista José Castello do Jornal Valor Econômico em 9 de Julho de 2007 sobre o Livro: Jó a força do escravo.

21

Page 22: MONOGRAFIA JÓ

máquina do corpo) são substâncias radicalmente separadas que podem

subsistir uma sem a outra, mas que se encontram relacionadas no ser

humano de maneira puramente extrínsecas.

As conseqüências desta antropologia são bem conhecidas: o sujeito (a

consciência humana) está cortado da própria corporeidade e vice-versa.

Ora, se o sujeito entra em contato com os outros sujeitos mediante o

corpo, uma vez separado deste, fica igualmente isolado dos outros

sujeitos17.

O Jó paciente se encontra neste momento isolado de todos e ligado a si

mesmo e à certeza de que uma solução seria dada para aquilo que

estava passando.

O homem justo e integro agüentou até o limite de suas forças e

pacientemente suportou aquele “jogo” onde ele era a peça fundamental

para a continuidade do mesmo.

Este Jó paciente irá voltar no final do relato, mais “experiente” e

“experimentado” do que qualquer outro ser humano. Um conhecimento

maior adquirido que o levou a um auto-conhecimento e a um

conhecimento maior do Deus que o tinha como íntegro, justo e puro.

Certamente, um homem que ainda não tem mais do que o conhecimento

vulgar e imperfeito – embora não seja este o caso de Jó – deve antes de

tudo buscar formar-se uma moral que possa bastar para regrar as ações

de sua vida. 18

Estas regras farão a diferença na vida deste “segundo Jó”. O Jó rebelde.

17 Unidade na Pluralidade – O ser humano à luz da fé e das reflexões cristãs – pg. 10118 Carta-Prefácio dos Princípios da Filosofia – René Descartes – pg. 33

22

Page 23: MONOGRAFIA JÓ

2.2 – O Jó rebelde

Por que tantos sofrimentos na vida de um homem tido por Deus como

justo, bom e integro? Jó, nos quarenta e dois capítulos que formam a sua

história, vê-se cercado de interrogações, dúvidas e porquês. Ele procura,

sem medo e desesperadamente por uma resposta, a causa de tanto

sofrimento. Afinal ele era visto como um homem prestativo, ajudador,

solidário.

Jó não permite nenhuma palavra insensata contra Deus, nem por parte de

sua mulher nem por parte dos seus amigos. A primeira quando diz:

“amaldiçoa este teu Deus e morre” e o segundo quando diz: “você está

passando por isto devido ao teu pecado, este mal provém de Deus”.

Embora não conheça a razão do seu sofrimento, compreende que seus

interesses pessoais não se identificam necessariamente com os de Deus.

Ao manter a sua fé, tem a certeza que ao final de tudo, Deus irá salvá-lo.

Com efeito, diante do espírito do mal que sempre acusa os que crêem em

Deus de interesseiros e oportunistas – aproveitam a “prova” para saírem

por cima da situação – Jó demonstra que Deus sabe despertar em seus

fiéis um amor totalmente desinteressado.

Até aqui não temos nada que identifique a rebeldia deste servo de Deus.

Onde então identificá-la? A partir de qual momento na vida de Jó ela pôde

ser percebida?

É no momento da confusão que realmente vemos se a nossa fé e a nossa

perseverança estão baseadas em Deus. É neste momento que a nossa

paciência é posta em prova e percebemos até onde vai a nossa

confiança.

23

Page 24: MONOGRAFIA JÓ

O problema começa a surgir em um instante em que chamo de “crise”

quando Jó percebe que crê em um Deus que é Poderoso, Justo e Bom e

mesmo assim permite que ele sofra injustamente e ainda quando Jó O

chama, estando ele, Jó, jogado em seu sofrimento e dor, e não encontra

uma resposta, somente o silencio.

2.2.1 – A situação do Jó rebelde19

O drama apresentado pelo Livro de Jó no poema é de uma pessoa boa,

inatacável, que chega a uma situação-limite: padece toda a espécie de

sofrimento sem saber por quê. A situação é idêntica à do Jó do prólogo,

mas não a reação. No prólogo, a reação é de submissão absoluta; no

poema, de rebeldia declarada.

Jó não tem consciência de haver cometido pecado ou alguma injustiça

que o torne merecedor do castigo que padece.

Por que Deus o submete à dura prova de dor?

Enquanto não se responde a essa pergunta, subjacente a todas as suas

reflexões e razão de suas queixas, seu sofrimento e o de qualquer

inocente é, segundo sua opinião, injusta.

Jó considera-se inocente; uma e outra vez ele o repete: “Sou inocente”

(9,21). Às duras acusações de seus amigos, “consoladores importunos”

(16,2), responde resolutamente: “Sei que sou inocente” (16,2), “Longe de

mim dar razão a vocês! Até o ultimo alento manterei minha honradez,

agarrar-me-ei à minha inocência sem ceder: a consciência não reprova

nenhum de meus dias” (27,5s; cf. 6,25-30). Com a mesma convicção

dirige-se confiadamente a Deus: “Mesmo que não haja em minhas mãos

19 Sabedoria e sábios em Israel – O livro de Jó, pg. 141

24

Page 25: MONOGRAFIA JÓ

violência e seja sincera minha oração” (16,17), ouso perguntar: “Quantos

são os meus pecados e minhas culpas? Mostra-me meus delitos e

pecados”. (13,23). Jó está seguro de que nem o próprio Deus encontrará

nele algo responsável: “Já que ele conhece a minha conduta, que me

examine, e sairei como ouro” (23,10; cf. 10,7)

A situação de Jó é tão desesperadora que ele deseja se apresentar a

Deus como que diante de um tribunal a fim de ter a sua causa julgada

(23,1-3), ao menos ter a oportunidade de “defender-se”, apresentar a sua

queixa.

Com imensa nostalgia Jó recorda sua vida anterior, mais distante ainda e

idealizada por sua atual situação dolorosa: “Quem me dera voltar aos

velhos tempos, quando Deus velava sobre mim” (29,2).

Na verdade Jó é um homem justo, como demonstrou em todos os

momentos de sua vida, na prosperidade e agora na adversidade. Sua fé

em Deus é firme e inabalável; assim não fosse não teria surgido em sua

consciência conflito algum, ou não seria tão radical nem com seus amigos

nem com o próprio Deus, a quem apela tão apaixonadamente.

O fato de não ter surgido conflito em sua consciência demonstra para nós

o quanto devemos ter a certeza das coisas que fazemos, se as fazemos

da forma correta.

Homem nenhum gosta de ser acusado por algo que tem certeza que não

cometeu e Jó se encontrava nesta situação.

Injustiça ou Deus queria provar que ele tinha alguém que era

“insuperável” diante de suas limitações?

25

Page 26: MONOGRAFIA JÓ

Neste ponto cito uma parte da resposta de um diálogo entre Trasímaco e

Sócrates em a primeira parte da República de Platão20:

“Embora tão avançado no conhecimento de justo e da justiça, do injusto e

da injustiça, você ainda ignora que a justiça e o justo na realidade não nos

pertencem porque constituem o interesse do mais forte que comanda

enquanto quem obedece e serve só leva prejuízo, e a injustiça, pelo

contrário, se impõe a quem é verdadeiramente ingênuo e justo”.

Uma conseqüência lógica do que foi dito até agora é que Jó experimenta

sua situação como algo injusto, que não deveria ter sofrido. Por isso

protesta e dirige-se à instância mais alta, ao próprio Deus: “Hoje também

me queixo e me rebelo, porque sua mão aumenta meus gemidos” (2,2);

“Queixo-me de algum homem ou perco a paciência sem razão”? (21,4).

Deus é o único e último responsável pelo que acontece no mundo, por

sua ordem ou sua desordem. De que se queixa Jó? Melhor seria

perguntar de que ele não se queixa.

Certamente o que mais interessaria para Jó era saber a natureza da

justiça e da injustiça, bem como os seus efeitos sobre a alma, além das

vantagens e conseqüências que delas derivam.

Jó não é de pedra, sente-se abandonado de tudo e de todos (cf. 6,12-15).

Seus pesares não podem ser medidos nem comparados a nada. Vemos o

limite da resistência humana: “Se pudesse pesar minha aflição e juntar

numa balança minhas desgraças, seriam mais pesadas que a areia; é por

isso que minhas palavras desvariam” (6,2s).

O que se percebe é um homem gravemente ferido no corpo e no espírito.

A sua imagem desolada, ferido dos pés a cabeça, é assustadora (cf.

20 Platão – A República – Parte 1

26

Page 27: MONOGRAFIA JÓ

2,7s); suas palavras cheias de aflição descrevem um quadro pavoroso,

que nenhum artista plástico foi capaz de levar à tela:

“Meus ossos grudam-se na pele, só fiquei com a pele de meus dentes.

Piedade, piedade de mim, amigos meus, que a mão de Deus me feriu!”

(19,20s).

Um pedido de socorro de um homem que, além de ter a sua moral, o seu

psicológico e o seu espiritual abalados, sofria na pele – sem nenhum

jargão- a dor. O pedido de piedade vai para os amigos e não para Deus,

pois Este o feriu.

“Vermes e crostas cobrem-me, a pele rasga-se e converte-se em pus”

(7,5).“Chamo a podridão de mãe, aos vermes, pai e irmãos” (17,14).

“A noite martela-me até os ossos, pois não dormem as chagas que me

roem, [...] confundo-me com o barro e a cinza” (30,17.19)

Só o pensar já passa uma idéia de repugnância e nojo. A realidade é algo

que não tem ao que se comparar.

Até durante o sono, os sonhos eram motivo de desespero para aquele

homem.

Como dito antes, às dores do corpo somam-se as da alma, porque Jó é

objeto de humilhação e desprezo: “Dedicam-me cantigas de gozação; sou

eu tema de suas zombarias, [...] e ainda por cima me cospem na cara”

(30,9s;cf. 30,26-31). Se a doença do corpo não provoca na alma a doença

da alma, não devemos em absoluto pensar que a alma deva perecer por

27

Page 28: MONOGRAFIA JÓ

um mal estranho, se não tiver um próprio, e que essa venha a perece pelo

mal do outro.

Alguém precisava demonstrar para Jó se ele estava realmente errado!

Este era o seu maior desejo.

Logo, ou alguém demonstra que estamos errados ou, até enquanto isso

for impossível, devemos afirmar que nem a febre ou qualquer outra

doença, nem a morte, nem se o corpo fosse retelhado em pedaços

minúsculos, enfim, nada disso pode provar o aniquilamento da alma,

porque antes seria necessário demonstrar que esses sofrimentos físicos

tornam a própria alma mais injusta e mais ímpia. E não toleraremos a

afirmação que a alma ou qualquer outra coisa perece pela intervenção de

um mal estranho ao seu, se não concorrer o mal que lhe é próprio. 21

Jó é vitima de uma desordem radical que causa estragos na sociedade,

onde tudo ao revés: “Por que continuam vivos os maus e ao envelhecer

tornam-se ainda mais ricos?” (21,7). Uns poucos vivem pomposamente à

custa de numerosos pobres e infelizes e, no fim, “este chega à morte sem

nenhuma doença, tranqüilo e em paz; [...] aquele que morre cheio de

amargura; os dois jazem juntos no pó, cobertos de vermes” (21,23-26; cf.

21,8-22; 24, 2-17). Este é o lamento das vítimas da injustiça, cujo eco

repete-se inutilmente ao longo do tempo (cf. Ecl 2,14-16; 3,19s).

Quem é o responsável por tanta irracionalidade e tanto absurdo? Não é

por acaso Deus.

2.2.2 – A Atitude de Jó diante de Deus22

21 Platão – A República – Parte II22 Jó – Grande Comentário Bíblico – pgs. 54-55

28

Page 29: MONOGRAFIA JÓ

“Que o todo poderoso me responda” (31,35). Esse é o ultimo desafio de

Jó e do homem natural. Mas a resposta de Deus é sempre diferente do

que o homem espera. Do meio da tempestade, Iahweh não responde às

questões; ele põe outras (38,3ss). Como ele não explica o mistério da

providencia, não resolve filosoficamente o problema do mal nem declara

publicamente justiça de seu servo, muitos estudiosos, especialmente

desde a metade do séc. XVIII, mostraram-se desapontados. Alguns foram

mais longe. Com efeito, eles condenaram a ironia divina e a chamaram de

demonstração de crueza refinada, mas conforme à de um diabo do que a

de um deus. Aparentemente não é o que Jó mesmo sentiu ou pensou

(42,5).

Dando com audácia termos humanos à divindade transcendente, o poeta

consegue realizar a tarefa mais delicada: mostrar que Jó descobre ao

mesmo tempo a santidade e o amor de Deus, isto é, os dois pólos da

divindade. O herói aprende que o Deus que é verdadeiramente Deus não

só ordena o cosmo, mas também conscente em inclinar-se para sua

criatura. Aquele que enviou a chuva sobre as estepes, onde “não há

homem” (38,26), oferece a Jó a intimidade de um diálogo. Comunica-lhe

suas preocupações com o cosmo e ensina-o a sair da prisão do eu e a

contemplar o universo. É nesse momento preciso que o poeta, com a

maestria do teólogo honesta e do psicólogo lúcido, põe na boca de

Iahweh a questão fundamental:

29

Page 30: MONOGRAFIA JÓ

“Cinge agora teus rins como um homem valente! Interrogar-te-ei, e tu me

instruirás. Quererias realmente anular meus julgamentos e condenar-me,

a fim de te justificares?” (40,7-8).

Aqui está a chave de todo o livro!

Jó pôs realmente a injustiça de Deus em dúvida. Então a ironia de Iahweh

se carrega de profunda melancolia. Deus não condena o homem, mas o

poeta dá claramente a entender o caráter estritamente teológico do

pecado do homem. O esforço para justificar a sua conduta leva o homem

a condenar a de Deus. Todas as vezes que pronuncia um julgamento

sobre o caráter da divindade, ele transgride os limites de sua

humanidade.

Deus não condena o homem nem pelos crimes de moralidade que ele

não cometeu, nem pela ofensa teológica da qual ele, de fato, foi culpado.

Mas o que agora está no espírito do poeta é o desafio titânico. Jó cedeu a

um acesso de hybris metafísica. Duvidou da justiça do Criador, embora,

ao mesmo tempo, a reconhece, uma vez que esperava dela a sua

quitação. Exigindo de Deus a proclamação de sua justiça, na verdade ele

negou a liberdade de Deus. Tentando justificar-se, reduziu Deus à

finitude. Entendeu a justiça divina não em relação com o macrocosmo

teocêntrico, mas em função de um microcosmo antropocêntrico. Vivendo

em sua egocentricidade, ignorou a teocentricidade da vida.

Se Jó tivesse o poder de Deus, poderia salvar a si mesmo, e Deus não

hesitaria em oferecer-lhe os ritos na adoração cultual (40,14)! Mas o

poder do homem, por mais vasto que ele seja nos limites de sua

30

Page 31: MONOGRAFIA JÓ

mortalidade, está cercado pelo nada. Exerça Jó o seu poder dentro e fora

do seu eu, e descobrirá logo sua fraqueza existencial!

A ironia divina deve ser retomada, porque Jó está reduzido ao silencio,

mas não ainda à rendição final de suas pretensões. Beemot e Leviatã

(40,15-41,26) são criaturas do abismo. Diferentes do hipopótamo e do

crocodilo egípcios, embora tirem deles sua enormidade física, eles

representam o mal cósmico, cujo mistério é resolutamente enfrentado

pelo poeta. O que o homem denomina mal – tal parece ser a implicação

do poeta – torna-se o símbolo da liberdade de Deus. A afirmação

teológica da transcendência não permite o homem identificar Deus com a

noção humana do bem. A moral não pode, em nenhum caso, ser

empregada como a avenida epistemológica da teologia. O homem se faz

de Deus. Deus não é criado à imagem do homem, fosse até do homem

de bem.

2.2.3 – O alvo de Deus23

Esperando a morte, Jó exige desse Deus atormentador um instante de

trégua. Geralmente se reconhece nesses versículos uma parodia do Sl 8.

Enquanto o Salmista se surpreende com o Criador dando ao homem a

soberania sobre a natureza, Jó admira, com ironia, que o Senhor do

universo faça de um simples mortal o centro de suas atenções. Como Jó,

ele liga o motivo da brevidade da existência ao da importância ridícula

que o pecado parece assumir aos olhos da divindade. É talvez como

recordação inconsciente da piedade formal que o poeta faz seu herói

23 Jó – Grande comentário Bíblico – pgs. 102-103

31

Page 32: MONOGRAFIA JÓ

passar da invectiva à oração, mesmo quando esta se torna uma série de

questões sarcásticas.

Jó não percebe nenhuma presença ou não favorável de Deus, mas sabe

que esse Deus o olha constantemente. A sua fé está profundamente

ancorada no fundo mais intimo do seu ser. Deus pode odiá-lo, mas não

permanece indiferente.

Jó não tem consciência de ter cometido nenhum pecado. Ele pode ter

errado quando atribuiu a seus amigos intenções más a seu respeito, mas

não reconhece em si mesmo o sentimento do pecado.

O herói parece desenvolver gradualmente uma consciência de titã. A

divindade, sem dúvida, não tem outra coisa a fazer senão exercitar-se no

tiro com o arco! Ou para Deus o caso de Jó é tão embaraçador como um

fardo a carregar? Ironicamente, o tema do perdão divino pode ser

compatível com o deísmo: “Deus me perdoará; é o seu ofício”. Jó retorna

à idéia de seu extermínio próximo, e a usa para importunar uma vez mais

a divindade. “Tu me procurarás!” O paradoxo da fé é habilmente

apresentado sob o pretexto da grosseria blasfematória. Jó sabe que,

apesar das aparências, Deus não o abandonaria jamais; por isso, mostra

aqui, implicitamente, que compreende o que pode ser uma noção

pervertida do amor divino. Ele imagina esse Deus, caminhando às

apalpadelas nas profundezas do Xeol, como um pastor que procura suas

ovelhas no meio da tempestade ou da noite brumosa (Ez 34,12), e

encontrando sua última frustração no “não ser” de Jó! Assim o poeta

transforma em gracejo lúgubre o apego desesperado do homem a um

Deus que ama ainda, mas tarde demais!

32

Page 33: MONOGRAFIA JÓ

Ao chegar ao final desta história algumas perguntas ecoam em nossos

ouvidos:

É possível confrontar estes personagens vivenciados em um só? Como

aplicá-los à vida do homem e da mulher que servem a Deus nos dias de

hoje?

A igreja está repleta de “Jós”. Rebeldes e pacientes, tolerantes e

afrontadores. Certamente procurando absorver o que há de melhor nos

dois, vivenciá-los e aplicá-los em sua vida diária.

CAPÍTULO 3

A VIDA DE JÓ APLICADA À VIDA DA IGREJA

ATUAL

Jó. Um homem de tolerância heróica. 24

Chega-se ao fim da história e neste momento pesa-se tudo o que se teve

durante ela.

24 Jó – Um homem de tolerância heróica – Charles R. Swindoll – Ed. Mundo Cristão – SP. 2004.

33

Page 34: MONOGRAFIA JÓ

A declaração de Jó remete bem a situação de um homem que pôde

aprender a suportar tudo o que foi “imposto” à sua vida.

“Reconheço que tudo podes, e que nenhum desígnio te é inacessível.

Quem é aquele que obscurece o conselho [divino], sendo desprovido de

conhecimento?

Por isso falei, sem compreendê-las, de maravilhas que me ultrapassam.

Escuta-me, eu te peço, e deixa-me falar: interrogar-te-ei, e tu me

instruirás! Outrora meus ouvidos ouviam falar de ti, mas agora são meus

olhos que te vêem! Por isso eu me abismo e sofro no pó e na cinza! “Jó

42:1-5”.

Jó ensina coisas relevantes e mui importantes que, se não estão,

precisam ser aplicadas à vida da Igreja dos dias de hoje e ainda à vida

pessoal de cada um dos que a compõe.

Em primeiro lugar aprende-se sobre Deus, o nosso Deus único e

verdadeiro que sonda e conhece o coração do homem, suas forças e

limitações.

Nunca sabemos os planos que Deus tem para nós. O plano de nosso Pai

Celestial se desenrola em separado de nossa percepção. Andamos pela

fé e não pelo que vemos como confiança e não pelo toque, nos apoiando

confiantes e não fugindo.

Ninguém sabe antecipadamente o que o plano do Pai inclui. É melhor

assim. Pode ser uma benção maravilhosa ou um teste que nos faz cair de

34

Page 35: MONOGRAFIA JÓ

joelhos. Ele sabe antes de nós, mas não é obrigado a nos advertir a

respeito ou a nos lembrar do que nos aguarda no horizonte. Podemos

estar certos de uma coisa: nosso Deus sabe o que é melhor.

Não há nada que Deus não possa fazer. É impossível frustrar os

Seus propósitos;

Os planos de Deus estão além da nossa compreensão e são muito

profundos para serem explicados. Só mediante a instrução de Deus

podemos humilhar-nos e descansar na sua vontade.

Quando chega o dia certo, Deus é sempre justo. Ele não vai falhar com

aqueles que Lhe são fiéis, independente das circunstâncias. E ainda:

Ninguém se compara a Deus quando se trata de bênçãos.

Para Deus não existe diferenças entre Bênçãos – pequenas ou grandes –

elas nos são dadas de acordo com o tamanho de nossa fé.

“Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de

mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará.

Nada vos será impossível”. Mt. 17:20b

Só Deus pode preencher nossos últimos anos com música divina

que nos permite viver a cima de nossas circunstâncias.

35

Page 36: MONOGRAFIA JÓ

“O coração do homem traça o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os

passos” Pv. 16.9

Não há nada melhor do que um coração contrito e quebrantado diante de

Deus. Um coração onde prevalece única e de maneira soberana a

vontade do Deus dos deuses, do Senhor dos senhores.

No caso de Jó, este exemplo se mostra de forma ainda mais latente nos

últimos momentos de sua “prova”.

“Nu saí do ventre de minha mãe, nu a ele voltarei”. O que quis dizer: os

meus planos eram de uma vida tranqüila, cuidando dos meus filhos, dos

meus negócios. Uma vida sossegada. Deus, porém, tinha outros planos e

os colocou em prática. Bendito seja o Senhor!

Uma perspectiva vertical impedirá nosso pânico horizontal.

“... Jó prostrou-se de joelhos e adorou”.

Sua perspectiva vertical é clara e corajosa. É como se Jó estivesse

dizendo: “Eu tive. Eu gozei. Fui abençoado. Estou agora sem esses

benefícios. Eles não fazem mais parte do meu mundo. Mas o mesmo

Deus que deu tudo isso de graça é o Deus que, em sua vontade soberana

decidiu tirar tudo. Dou-lhe glória e louvor. Que o Seu nome seja sempre

exaltado!

Esta falta de perspectiva vertical - o olhar para cima, para o Autor e

consumador de nossa fé – é que leva ao chão muitas vidas e ministérios:

Em um instante possuem tudo e em outro já não tem mais nada.

36

Page 37: MONOGRAFIA JÓ

O desespero toma conta e, ao invés de glorificarem, questionam,

resmungam e procuram de todas as formas “colocar Deus na parede”,

exigindo que Ele “restitua” tudo o que possuíam.

Discernimento.

“Mas ele lhe respondeu: ‘Falas como qualquer doida; temos recebido o

bem de Deus, e não receberíamos também o mal? ’ Em tudo isto não

pecou Jó com seus lábios”. Jó 2.10

O discernimento é necessário para detectar o conselho errado de

pessoas “bem intencionadas”.

Deus não é o nosso Deus apenas quando tudo vai bem. Nossa fé Nele

não fica ou não deveria ficar limitada aos dias em que Ele nos abençoa.

Quando as coisas vão de mal a pior, a teologia correta nos ajuda a

permanecer fortes e estáveis.

O homem não aceitou sugestões da esposa nem por um momento: “Você

fala como doida”. Jó sabia evidentemente que os seus lábios não podiam

amaldiçoar a Deus.

A morte pertence a Ele e não a mim. Quando estiver pronto para levar-

me, Ele o fará.

Ele estava seguro em seu conhecimento de Deus.

Em crises desse tipo, a teologia sólida é de valor incalculável.

Os amigos atenciosos e sensíveis sabem quando nos procurar,

como reagir e o que fazer.

No caso dos amigos de Jó o que vimos foi:

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Censura; dúvidas; falaram demais; sondaram os pecados ocultos;

Os danos foram enormes!

Alguma coisa aplicada às nossas igrejas? Às nossas vidas?

Bom será se não!

Afinal o que a palavra de Deus nos ensina é sobre o Amor genuíno, a

sinceridade no falar, o olhar para si mesmo em primeiro lugar antes de

apontar os outros; dentre outros preceitos fundamentais.

É fácil ocupar a posição de jogadores do nosso time preferido. O

problema é o dia seguinte após o jogo quando ouvimos: “Se fosse eu não

teria feito esta jogada”.

“Eu nunca diria estas palavras para Deus!” “Como ele pode afirmar ser

cristão e agir desta forma?”.

“Se fosse o Senhor, eu o disciplinaria por isto!”.

Como amigos nós precisamos tomar cuidado com as palavras ou até

mesmo com a falta delas.

Os amigos de Jó tinham falado muitas coisas certíssimas sobre Deus,

inclusive algumas das mais inspiradas exortações sobre a conversão a

Deus, e Jó havia tomado algumas atitudes erradas em querer entrar em

contenda com Deus. Mas há uma grande distinção: Jó estava buscando

sinceramente a verdade sobre a justiça divina, e sobre a razão dos seus

sofrimentos físicos e morais, enquanto seus amigos, sem ter o coração

aberto para Deus, simplesmente quiseram forçar Jó a ingerir suas teorias

pré-frabricadas. Jó glorificara ao Senhor no sentido de buscar a

incontestável verdade em Deus, os amigos estavam errados justamente

no assunto básico do teste em que Satanás submetia a Jó: o que é que o

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homem pode falar sobre a providência divina e o significado dos

sofrimentos, na hora da tragédia?

Cultivar a perseverança obediente é um sinal supremo de

maturidade.

Quando as dificuldades chegam, temos duas opções: Podemos vê-las

como um ultraje ou como uma oportunidade para responder em

obediência específica à vontade de Deus.

A perseverança não é uma resignação de dentes cerrados nem uma

aquiescência passiva. É uma longa obediência na mesma direção.

“Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes,

porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares”. Js 1:9

A história de Josué e da Promessa de uma nova Terra para o Povo de

Deus se passou bem antes da que foi relatada neste estudo, porém, as

palavras poderiam ser muito bem aplicadas à vida de Jó. Se ele foi

conhecedor da história dos patriarcas, certamente, em algum momento,

deve ter se recordado destas palavras vindas da parte de Deus: “Sê forte

e corajoso...”, ou seja, “persevere, não desista, esta situação vai passar!”.

Deus, mais do que ninguém, sabia até onde Jó agüentaria e por isto o fez

perseverante.

Deus o fez perseverante! Se não fosse o Senhor do que adiantaria todo o

esforço de Jó? Ele sozinho não suportaria tal pressão.

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Da mesma forma somos nós quando, passando por alguma situação que

foge às nossas forças, buscamos em Deus o ultimo suspiro para

continuar.

Tolerância, aprendizado, discernimento, perseverança, atenção aos

conselhos, olhos fitos no alvo e verticalmente apontados para o horizonte,

o futuro, foram fatores fundamentais na vida de Jó e podem ser também

aplicados a vida atual daqueles que pretendem servir a Deus de todo o

seu coração, de toda a sua alma.

Jó teve de volta tudo àquilo que havia perdido e, de uma forma tremenda

e mais virtuosa.

“Mudou o Senhor a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos;

e deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuía”. Jó 42.10

Um último ato.

Aqueles amigos que tentaram ajudar e que de certa forma só jogaram

mais para baixo a vida de Jó, foram apresentados a Deus pelo seu servo

fiel, justo e íntegro e neste momento “mudou o Senhor a sorte de Jó”.

Deus, mais uma vez, está atento à oração do seu servo.

Os familiares, todos eles se apresentaram diante de Jó com presentes e:

“Assim abençoou o Senhor o último estado de Jó mais do que o

primeiro...” Jó 42:12a.

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Uma nova família, novos bens, respeito e dignidade foram restituídos.

Jó conheceu ao Senhor!

Jó, possuindo uma experiência com Deus, reconhece que as perguntas e

respostas levantadas por ele não têm importância comparadas com a

sublime bênção da verdadeira comunhão com Deus.

Não recebeu todas as respostas: sabe que Deus é justo, que ele tem sido

fiel a Deus, e não entende o porquê de seu sofrimento em tais

circunstâncias; mas agora atingiu um ponto de espiritualidade que lhe

basta para, mesmo em meio àqueles sofrimentos, saber que pode confiar

em Deus, aceitando qualquer quinhão que Deus tenha decretado para a

sua vida.

“Depois disto viveu Jó cento e quarenta anos; e viu a seus filhos, e aos

filhos de seus filhos, até à quarta geração. Então morreu Jó, velho e farto

de dias” Jó 42:16.17

CONCLUSÃO

O fio condutor do livro de Jó que foi tirado dele mesmo e foi perseguido

para ter acesso à sua compreensão, deu frutos de verdade!

A intuição que se teve do papel da trama narrativa para a dinâmica global

do livro de Jó consolidou-se no decorrer desta obra tão marcada pelos

maiores enigmas da existência humana.

É um longo suspense, que começa com a aposta de Satã, colocando em

dúvida a famosa integridade desinteressada do servo de Deus, da qual

ele podia tanto se gloriar, já que era de fato um homem reto e íntegro, que

temia a Deus e se afastava do mal.

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A mola-mestra da trama da narrativa esteve concentrada na própria

evolução do protagonista da obra. Jó resistiu até o fim, e com uma

persistência impressionante, ao círculo vicioso no qual os seus amigos

insistiam em fazê-lo entrar.

Para piorar tudo, o silencio de Deus veio reforçar o seu estado de

perplexidade: ele não compreendia porque estava sendo submetido a tal

provação e aflição! Jó não cessou de queixar-se, de clamar por justiça, de

encontrar um modo de manter viva a relação que podia uni-lo de uma

forma ou de outra ao Deus da Vida. Ele nunca perdeu a esperança. Foi

esta busca desesperada de Deus que o preparou para o maravilhoso

encontro final, que o levou para a grande amplitude de novos espaços.

Ao concluir este estudo chego ao momento de reflexão do quanto um

homem pode suportar por amor e por fé a um Deus que o gerou, mas

também o torna como um “verme”!

Quantos “Jós” estão espalhados no meio da Igreja dos nossos dias!

Homens e mulheres que têm aprendido, por meio da dor da provação,

conhecer o Deus que servem, não apenas de ouvir falar, mas, por poder

ver.

Tão pacientes e ao mesmo tempo com rompantes de rebeldia, calados e

ao mesmo tempo questionadores, quebrados, mas sem perder a certeza

da restauração.

Bom será se, ao lerem esta explanação, àqueles que ainda não

conseguiram enxergar verdadeiramente o Deus que servem, passem a

vê-Lo, não apenas com interesses, mas com o desejo genuíno de serem

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também chamados de homens íntegros e retos, tementes a Deus, e que

se desviam do mal e assim encerrarem suas vidas velhos e fartos de dias.

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