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Introdução Ao longo do período autoritário, várias agên- cias foram criadas para regular o comportamento da economia brasileira. 1 Obviamente, não só estas agências tiveram origem no poder Executivo, como também em grande parte das iniciativas, a consulta ao poder Legislativo assumiu caráter pu- ramente ritualístico. 2 A redemocratização trouxe, entre inúmeros desafios a enfrentar, o problema de como controlar o comportamento dos órgãos da burocracia pública gerados a partir de 1964, órgãos cujos dirigentes se acostumaram a conviver em am- biente de pouca transparência e grande articulação com os grupos econômicos afetados pela regula- ção. “Anéis burocráticos”, na acepção de Fernando Henrique Cardoso, proliferavam na mesma medida em que a economia se desenvolvia e se tornava mais complexa. Assim, é natural imaginar que a democracia brasileira tenha chegado, entre outras coisas, para resgatar as agências do Executivo da antiga regra autoritária, segundo a qual a aquies- cência ao regime deveria ser comprada pelo aten- dimento a interesses privados de grandes grupos econômicos e corporações. Pode-se dizer que o exemplo mais conspí- cuo de agência criada durante o regime militar e que, ao longo do tempo, desenvolveu intensa rede de interações “perigosas” com grupos priva- dos é o do Banco Central. Na mídia, assim como em conversas informais, pululam notícias de insi- MOEDA E PODER LEGISLATIVO NO BRASIL: prestação de contas de bancos centrais no presidencialismo de coalizão * Fabiano Santos Inês Patrício RBCS Vol. 17 n o 49 junho/2002 * Trabalho apresentado no XXV Encontro da Anpocs, no Seminário Temático “Controles Democráticos e Responsabilidade Pública”, Caxambu, 17 a 20 de outubro de 2001. Os autores agradecem a Cláudio Couto pelos comentários feitos quando da apresen- tação deste trabalho, cabendo-lhes, contudo, a responsabilidade exclusiva pelos erros eventual- mente cometidos.

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Introdução

Ao longo do período autoritário, várias agên-cias foram criadas para regular o comportamentoda economia brasileira.1 Obviamente, não só estasagências tiveram origem no poder Executivo,como também em grande parte das iniciativas, aconsulta ao poder Legislativo assumiu caráter pu-ramente ritualístico.2 A redemocratização trouxe,entre inúmeros desafios a enfrentar, o problema decomo controlar o comportamento dos órgãos da

burocracia pública gerados a partir de 1964, órgãoscujos dirigentes se acostumaram a conviver em am-biente de pouca transparência e grande articulaçãocom os grupos econômicos afetados pela regula-ção. “Anéis burocráticos”, na acepção de FernandoHenrique Cardoso, proliferavam na mesma medidaem que a economia se desenvolvia e se tornavamais complexa. Assim, é natural imaginar que ademocracia brasileira tenha chegado, entre outrascoisas, para resgatar as agências do Executivo daantiga regra autoritária, segundo a qual a aquies-cência ao regime deveria ser comprada pelo aten-dimento a interesses privados de grandes gruposeconômicos e corporações.

Pode-se dizer que o exemplo mais conspí-cuo de agência criada durante o regime militar eque, ao longo do tempo, desenvolveu intensarede de interações “perigosas” com grupos priva-dos é o do Banco Central. Na mídia, assim comoem conversas informais, pululam notícias de insi-

MOEDA E PODER LEGISLATIVO NO BRASIL: prestação de contas de bancos centraisno presidencialismo de coalizão*

Fabiano Santos

Inês Patrício

RBCS Vol. 17 no 49 junho/2002

* Trabalho apresentado no XXV Encontro da Anpocs,no Seminário Temático “Controles Democráticos eResponsabilidade Pública”, Caxambu, 17 a 20 deoutubro de 2001. Os autores agradecem a CláudioCouto pelos comentários feitos quando da apresen-tação deste trabalho, cabendo-lhes, contudo, aresponsabilidade exclusiva pelos erros eventual-mente cometidos.

de information, ao mesmo tempo em que é óbvioo recrutamento de dirigentes do BACEN entre exe futuros membros do setor financeiro privado.Contudo, devido ao impacto das decisões destaagência específica sobre a vida dos brasileiros, osistema político não poderia deixar de colocar naagenda a questão do controle das ações, muitasvezes discricionárias, de seus dirigentes. É assimque, no que concerne à administração da moeda,dos bancos, dos juros e do câmbio, a política bra-sileira passa a viver dilemas semelhantes àquelesdas democracias dos países plenamente desenvol-vidos, dilemas que podem ser sintetizados no con-ceito de prestação de contas dos bancos centrais.

Se examinarmos a literatura sobre a presta-ção de contas dos bancos centrais,3 constataremosuma preocupação permanente com a construçãode indicadores de tais accountability, basicamen-te, a partir de três variáveis: os objetivos do ban-co central, o grau de transparência com que suasdiretorias tomam decisões e desenvolvem outrasatividades, e a responsabilidade final de seus diri-gentes. Tal esforço, todavia, ainda que louvável,apresenta dois tipos de problemas: a) não existeneutralidade no conceito de prestação de contas deum banco central, isto é, o tipo de prestação decontas que se julga adequado depende das hipóte-ses de teoria monetária que se adotam e do que seconsidera que devam ser as relações entre políticamonetária e fiscal, ou seja, dos fundamentos eco-nômicos da análise da credibilidade; b) a prestaçãode contas dos bancos centrais, além da lei e dos es-tatutos do banco, depende também da capacidadede controle do Legislativo sobre as variáveis-chaveda prestação de contas – os objetivos do bancocentral, a transparência e a responsabilidade finaldas decisões de política monetária.

No texto que se segue, defendemos que, emcada país, sejam quais forem as concepções domi-nantes de credibilidade e a lei relativa aos proce-dimentos de prestação de contas dos bancos cen-trais, o controle das atividades por parte destes úl-timos depende da dinâmica das relações entre oLegislativo, o Executivo e o Banco Central. Valedizer, o estudo do comportamento Legislativo nocontrole do Banco Central mostra que é possívelhaver países com o mesmo nível formal de ac-

countability dos seus bancos centrais, mas comdinâmicas de prestação de contas muito diferen-tes, em função de variáveis vinculadas ao sistemapolítico, tais como, por exemplo, a organizaçãointerna do congresso e o modo pelo qual o gover-no busca sustentação no Legislativo.

A partir das objeções feitas à literatura sobreprestação de contas de centrais banco, nosso ob-jetivo, neste trabalho, é o de investigar a lógicaque rege a prestação de contas do BACEN no Bra-sil pelo poder Legislativo, de forma a ilustrar o ar-gumento de acordo com o qual o controle de ban-cos centrais seria essencialmente função de variá-veis ligadas ao funcionamento do sistema políticomais amplo. Estaria o Congresso Nacional instru-mentalizado para controlar as ações do BancoCentral? Que tipo de controle é exercido? Por quê?Teria o presidente da República poder discricioná-rio sobre a política monetária? Quais as razõesque teriam levado o congresso, após 1988, a de-legar cada vez maior autoridade ao Banco Centralpara perseguir a meta da estabilidade de preços?Estariam os congressistas contrariando a sua pró-pria “natureza”,4 ao admitir a supremacia monetá-ria sobre a fiscal, após o Plano Real? Ou seria estadelegação uma escolha racional do congresso,diante dos incentivos institucionais do sistema?

Como forma de responder às perguntas acimaformuladas, argumentamos que a prestação decontas do Banco Central depende do padrão de re-lacionamento que se estabelece entre o Legislativoe o Executivo. Em outras palavras, defendemosque a forma pela qual o Legislativo está inseridono sistema político brasileiro, por intermédio dopresidencialismo de coalizão, é a chave para o en-tendimento do padrão de prestação de contas doBanco Central. Mais especificamente, mostramosque o funcionamento do presidencialismo de coa-lizão torna a ação fiscalizadora do Congresso ob-jeto de negociações no interior da coalizão de par-tidos formada para apoiar o governo.

O estudo da prestação de contas do BancoCentral no Brasil é feito levando-se em conta porum lado, a evolução da estrutura de prestação decontas do BACEN desde sua criação, em 1964, atéa implementação do Plano Real, a partir de 1994e, por outro lado, o processo de prestação de con-

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tas por meio da CPI dos bancos, instalada em2000, com grande repercussão na imprensa faladae escrita. A estrutura da prestação de contas é oobjeto da seção 3 e o processo, da seção 4. Na se-ção 2, promovemos análise crítica da literatura re-cente sobre prestação de contas de bancos cen-trais e na seção 4 descrevemos o modelo políticobrasileiro, o presidencialismo de coalizão e seusimpactos sobre a ação fiscalizadora do congressode agências do Executivo. Na seção 5, apresenta-mos nossa conclusão a respeito dessas questões.

A prestação de contas dos bancos centrais:comentário crítico da literatura recente

Há três pressupostos teóricos na literatura arespeito de bancos centrais que merecem ser ana-lisados, pois afetam decisivamente a teoria sobrea prestação de contas.

O primeiro refere-se ao comportamento dosagentes e das variáveis econômicas. Ao construirseus modelos com base na teoria quantitativa damoeda, da neutralidade da moeda, e da hipótesede que os agentes agem segundo expectativas ra-cionais, a literatura sobre credibilidade condicio-nou a prestação de contas a uma única soluçãoinstitucional para os bancos centrais, que é a inde-pendência para buscar a estabilidade de preços.5

Em segundo lugar, ao assumir uma diferen-ça de “natureza” entre técnicos e políticos (Ro-goff, 1985; Lohman, 1992), a literatura ignora apossibilidade de barganhas entre esses agentes,os políticos preferindo soluções técnicas, movidospor incentivos institucionais, e os técnicos agindopoliticamente, cedendo aos políticos, tanto nosobjetivos quanto na transparência dos processos,mesmo que às custas de mais inflação (ou menosdesinflação), para obterem alguma outra vanta-gem de poder.

Em terceiro lugar, ao supor que os legislati-vos agem em relação aos bancos centrais de for-ma diferente do que em relação às outras agênciasdo Executivo (Lohman, 1998),6 ou que aprovam aindependência dos bancos centrais para obteremcredibilidade internacional (Maxfield, 1997)7, aomesmo tempo em que repudia, sem perceber, a

versão distributivista da teoria da inflação, e, por-tanto, a própria necessidade de bancos indepen-dentes, não discute os incentivos institucionaisque determinam os diferentes tipos de controledesses bancos centrais pelo Legislativo.

Os bancos centrais modernos descendem debancos privados que financiaram o Estado e o de-senvolvimento econômico, em troca de favoresespeciais e do monopólio da emissão. Estes ban-cos foram criados, originariamente, para dar elas-ticidade ao crédito, adquirindo graus de autono-mia diferenciados em vários períodos. É o caso,por exemplo, do Banco da Inglaterra, do FederalReserve nos Estados Unidos e do Bundesbank naAlemanha.8

Foi quando deixaram de ser privados e se tor-naram instituições públicas que esses bancos passa-ram a ser criticados pelo excesso de proximidadeem relação aos governos. Esta proximidade, segun-do os seus críticos, tornaria a moeda refém de gru-pos políticos, criando, principalmente nas democra-cias, ameaças inflacionárias permanentes.9

Como solução para os problemas decorren-tes da interferência dos políticos na gestão damoeda surgiram duas propostas principais: 1) quese criassem instituições, como bancos centrais in-dependentes, livres de interferências políticas, aosquais fossem dados mandatos diretamente ligadosà meta de “estabilidade de preços” e o controle deinstrumentos de política monetária; 2) que se es-tabelecessem metas para a atuação do banco cen-tral e determinadas recompensas ou punições deacordo com o cumprimento ou não destas metas.

A independência não significa autonomiapara realizar políticas monetárias sem a interferên-cia do governo central; significa, acima de tudo,independência para perseguir a estabilidade depreços, mesmo que isto represente o sacrifício deoutros objetivos mais importantes para as autorida-des políticas (Cukierman, 1992, p. 370). Ou seja,os bancos centrais são mais independentes se exis-tirem restrições efetivas ao financiamento do setorpúblico pelo Banco Central, quando é objetivoprioritário, definido em lei, a estabilidade de pre-ços. Dado que estes bancos centrais independen-tes têm a legitimidade assegurada, pela delegaçãodo poder decisório sobre a política monetária por

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parte de legislativos eleitos, não haverá nenhumdéficit democrático como conseqüência da inde-pendência se os bancos centrais prestarem contasregularmente ao Legislativo.10

No final da década de 1980 e início da de1990, muitos países adotaram legislação relativa àindependência do Banco Central. O Tratado deMaastricht, em 1992, exigiu que os membros daComunidade Européia dessem a independência aseus bancos centrais, como parte dos requerimen-tos da União Monetária Européia. Apesar de osmodelos de credibilidade apontarem a naturezafundamentalmente inflacionária dos políticos, es-tes aprovaram a autonomia dos bancos centraisem vários países.

Na década de 1990, países como a Nova Ze-lândia, Canadá, Reino Unido, Finlândia, Suécia,Espanha, Austrália e Brasil aderiram ao regime demetas de inflação. As evidências apontam parauma trajetória descendente de inflação nestes paí-ses. Aqueles que não adotaram o regime de me-tas, por sua vez, como Estados Unidos, Japão, No-ruega, Dinamarca, Bélgica, Áustria e Portugal,também apresentaram tendência de queda de in-flação na década de 1990 relativamente à décadade 1980. Haldane, do Banco Central da Inglaterrae um dos maiores entusiastas do novo regime,afirma que “metas de inflação têm sido propostasdurante um período em que as pressões inflacio-nárias são benignas, em comparação com os anosde 1970-1980. A melhora na performance da infla-ção nos anos de 1990 que pode ser atribuída àboa sorte [...] permanece uma questão aberta empaíses com ou sem meta de inflação”.

Testes econométricos contribuíram para acrença de que inflação baixa e independência es-tavam associadas. Estudos empíricos, como os deAlesina e Summers (1993), ao relacionarem o graude independência dos bancos centrais de catorzepaíses com a média das taxas de inflação do pe-ríodo 1955-1988, registraram um alto grau de cor-relação entre as variáveis analisadas.11

A inclusão das expectativas racionais na teo-ria monetária, em conjunto com determinadas su-posições sobre a forma e o comportamento dacurva de oferta agregada da economia, e a hipóte-se da taxa natural de desemprego (Friedman,

1962) para onde converge o sistema em equilíbrio,levam a concluir que variações esperadas da ofer-ta de moeda não têm efeitos reais na economia. Aexplicação é a de que os preços se elevariam ime-diatamente na mesma proporção do aumento daoferta de moeda, ocorrendo somente aumentosnominais de preços e salários na economia.

A maioria dos modelos de credibilidade sóconsidera a versão da escola de expectativas ra-cionais admitindo implicitamente as principaisformulações de Friedman quanto à existência deuma taxa natural de desemprego. Entretanto,apesar das duas versões terem fundamentoscoincidentes, as conclusões de Friedman quantoà autonomia dos bancos centrais são radicalmen-te diferentes das dos autores que endossam asteses de credibilidade vinculadas à idéia de ex-pectativas racionais. Além de propor regras fixascomo proposta “ótima” para a política monetária,a conclusão de Friedman é que a liberdade é in-compatível com a independência de bancos cen-trais. Assim, afirma: “o dinheiro é demasiado im-portante para ser entregue a diretores de bancoscentrais”.

Os keynesianos, por outro lado, crêem napossibilidade e na necessidade de afetar a de-manda agregada na economia por algum tipo deintervenção governamental. E não consideram aindependência do Banco Central nem eficientenem democrática, contrapondo-lhe a coordena-ção das políticas monetária e fiscal pelo Executi-vo. Para os keynesianos, o pressuposto de haveruma economia monetária em que a moeda não éapenas um meio de troca torna inconsistente a tesede moeda neutra.12 E se a política monetária podeafetar o emprego e a renda, não há razão para osbancos centrais serem isentos de responsabilidadesobre a variável “emprego”, ou outras variáveis,como “qualidade de vida” e “estabilidade social”.Para um banco central, em vez de apenas um, di-versos objetivos, assim como a dependência em re-lação ao Executivo (sem subordinação necessáriada política monetária à fiscal), seriam mais eficien-tes, e o processo seria mais democrático.13 Nestecaso, a prestação de contas é mais complicada,pois exige que os bancos justifiquem suas ativida-des em relação a uma pluralidade de objetivos.

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É possível identificar, a partir daqui, três al-ternativas de prestação de contas associadas a trêsdiferentes modelos de credibilidade, ou de políti-ca monetária:

1. No primeiro padrão, o Banco Central tem ape-nas um objetivo, que é a estabilidade de pre-ços e só presta contas deste objetivo. O BancoCentral não é responsável pela definição da es-tabilidade de preços em si, como objetivo depolítica, (este último sendo responsabilidade dogoverno), mas sim pela produção dessa estabi-lidade. O “produto” do Banco Central indepen-dente é a estabilidade de preços e ele deve serjulgado pela capacidade demonstrada de pro-duzir esse produto. Podemos tomar comoexemplo extremo deste caso o modelo do Ban-co Central Europeu.

2. Uma versão, a que chamaremos “moderada”,da credibilidade, assume que há necessidadede um grau elevado de autonomia, para levara cabo o objetivo da estabilidade de preços,mas não estabelece apenas um objetivo para osbancos centrais, nem os torna completamenteindependentes dos políticos. Um caso particu-lar deste modelo seria o do Federal Reservenos Estados Unidos.

3. Uma terceira versão seria a da completa subor-dinação do Banco Central ao Executivo, e asubmissão total da política monetária à políticafiscal. A accountability, neste caso, se daria in-diretamente, via Executivo, ao Legislativo. É ocaso do Banco da Inglaterra durante os anosde 1960 e 1970.

Estas três situações não esgotam, evidente-mente, o leque de possibilidades, mas permitemque delas se extraiam outras, intermediárias, entrea completa independência e a completa submis-são da política monetária à fiscal, em que a pres-tação de contas pode assumir diferentes formas,conforme o que se considere ser o objetivo de umbanco central.

A literatura sobre prestação de contas dosbancos centrais, ao assumir implicitamente as hipó-teses novo-clássicas da credibilidade, sugere que ograu de accountability é tanto maior 1) quanto me-

nos objetivos tiverem os bancos centrais – o idealseria apenas o objetivo estabilidade de preços; 2)quanto mais transparente for a tomada de decisõesexpressa em relatórios, atas de reuniões e relatóriosdos dirigentes aos congressos; e 3) quanto maisbem definida for a responsabilidade dos dirigentesem torno desses objetivos.

De acordo com estes indicadores, o FederalReserve – que não tem um objetivo único nos seusestatutos, mas dois, a estabilidade de preços e ocrescimento sustentado – seria menos accountable,do ponto de vista desta variável, do que o Bundes-bank ou o Banco Europeu. E metas de inflação,mesmo quando nada têm a ver com a queda (ou aalta) de preços, informam melhor os agentes eco-nômicos. Relatórios complexos, se numerosos,contam positivamente.14

Apesar de o estatuto de muitos bancos esta-belecer que seu único objetivo é a estabilizaçãode preços, na prática costuma prevalecer o prag-matismo na condução da política monetária.15 Estaliteratura não contempla situações de conflito, emque banco e controladores podem não estar deacordo quanto às variáveis da prestação de contase a forma como estes conflitos são resolvidos. Damesma maneira que para a independência, a leinão é um bom instrumento para avaliar o grau deaccountability de um banco central, uma vez queo resultado final da prestação de contas dependedos pesos dados pelo Legislativo e pelo bancocentral aos objetivos, à transparência e à respon-sabilidade final dos dirigentes, os quais, por suavez, variam de acordo com a análise da credibili-dade dos agentes e com as regras que regulam asrelações entre estes.

A evolução da estrutura de prestação decontas do Banco Central do Brasil

A crença de que os políticos, em função daseleições, sempre preferem políticas monetáriasexpansionistas (Cukierman, 1992), e a hipótese deque abdicam da política monetária, “atando aspróprias mãos”, em função da necessidade de cre-dibilidade internacional (Maxfield, 1997), se porum lado introduzem os agentes políticos na teoria

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monetária, não explicam as diferenças no tipo derelações que se estabelecem entre legislativos,executivos e bancos centrais, as quais afetam o re-sultado da prestação de contas.

Nesta seção apresentamos uma breve recapi-tulação da história do Banco Central do Brasil des-de a sua fundação, em 1964, com o objetivo deidentificar os pontos de inflexão em sua estruturae como o marco normativo de definição da auto-nomia deste Banco respondeu ao padrão de con-flito observado no sistema político, isto é, entreExecutivo e Legislativo e no interior deste último,entre os partidos que compõem a base de susten-tação do governo. A discussão sobre o processode prestação de contas do Banco Central dar-se-áde forma mais efetiva dentro da CPI dos Bancos,em 1999, e volta-se para a questão da transparên-cia e das relações entre o sistema financeiro e asdiretorias do Banco. Isto será objeto da seção 4.

O Banco Central do Brasil foi criado pela lein. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e instaladoem 1º de abril de 1965, depois de vinte anos de dis-cussão no congresso. Ao longo destes vinte anosvários projetos foram apresentados, alguns tramita-ram durante muito tempo e outros nem chegarama ser considerados. A história da SUMOC, de 1945até 1964, mostra que sempre houve divergência en-tre o congresso e a equipe fundadora do BancoCentral, que ali se fora concentrando, quanto aosobjetivos e à estrutura do futuro Banco e quanto aopapel do Banco do Brasil na política monetária. De1945 a 1964, o Legislativo consegue efetivamenteinterferir nos rumos da política monetária, barran-do a proposta de criação de um banco central in-dependente. Isto se deve, em parte, à resistênciados deputados e senadores ligados ao Banco doBrasil e, em parte, à resistência dos grupos que di-rigem a SUMOC, em criar um banco de corte “po-pulista”, preferindo esperar a ocasião adequadapara criar um banco central convencional. Quandoesta ocasião se apresenta, em 1964, com a ditadu-ra militar, a personalidade conciliadora de OctávioGouveia de Bulhões determina uma estrutura debanco central menos distante das preferências docongresso do que seria de esperar.

A partir deste momento, podemos, grossomodo, distinguir três fases na história do BancoCentral do Brasil, em termos de sua autonomia.

De 1965 a 1967, um período de autonomia mode-rada, com coordenação de políticas; de 1967 a1988, quando a autonomia do Banco é eliminada,primeiro de fato, depois de jure;16 e da Constitui-ção de 1988 em diante, quando se criam de novocondições para uma maior autonomia do Banco,configurando-se a partir de 1994, com o PlanoReal, uma supremacia efetiva da política monetáriasobre os demais objetivos de política econômica.

A primeira fase, de 1965 a 1967, correspon-de à entrada em vigor da Lei 4595 e à instalaçãoformal do Conselho Monetário Nacional, presidi-do pelo ministro da Fazenda, Octávio Gouveia deBulhões. A SUMOC17 é transformada em autarquiafederal, sob a administração de quatro diretores,um dos quais, o presidente, com funções executi-vas, passando a ser chamada Banco Central da Re-pública do Brasil.18 Na origem, a burocracia doBanco Central detém poderes amplos e o manda-to do presidente é mais longo do que o do presi-dente da República.19

Esta faceta da história monetária do Brasilmostra a importância relativa do congresso du-rante o período pré-1964, em que predominavauma coalizão de desenvolvimentistas e represen-tantes das elites agrárias, cuja resultante foi apostergação ou veto a projetos de interesse doExecutivo, sobretudo medidas ortodoxas de con-tenção de gastos. Mostra também que a restriçãoexterna e a opção pelo desenvolvimento substitu-tivo de importações eram barreiras efetivas aoprojeto liberal e, por conseguinte, impunham es-tratégias de acomodação aos economistas destacorrente, que só se torna efetivamente hegemôni-ca após 1964. A equipe de economistas lideradapor Otávio Gouveia de Bulhões, embora preferisseum Banco Central com maior autonomia, deu à ins-tituição, em 1964, forma e atribuições que fossemmais facilmente acomodadas pelos parlamentares.Isto significa que abriu mão de muitas convicçõesimportantes relativas ao que supunha ser melhorpara o bom funcionamento da instituição, de modoa incorporar preferências oriundas das correntesmajoritárias no congresso. Exemplos dessa estraté-gia foram a manutenção das prerrogativas monetá-rias do Banco do Brasil e o fato de se aceitar que oBanco Central tivesse, entre as suas atribuições, ocrédito rural.

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Na fase que se inicia no governo Costa e Sil-va, em 1967, a independência do Banco Central foiabolida de forma efetiva, primeiro na prática e de-pois legalmente, devido ao consenso entre os eco-nomistas no poder de que ela não era necessária,por razões econômicas e políticas. Este períodocorresponde não só à perda de autonomia do Ban-co Central ante o Executivo, como também à per-da total do poder do Legislativo na legislação e,por vontade de Costa e Silva e Delfim Netto, a umamudança na estrutura da tomada de decisões mo-netárias, que fortalece a Fazenda. O presidente doBanco Central, o autonomista Dênio Nogueira ésubstituído e em 29 de março de 1967, o Senadoaprovou o nome de Ruy Leme, depois de já se te-rem demitido Dênio Nogueira e toda a diretoria.Pela Lei n. 6.045 de maio de 1974, são revogadosos mandatos fixos sob o argumento correto de Má-rio Henrique Simonsen, de que a revogação dejure apenas reconhecia uma situação de facto.

Esta fase de submissão do Banco Central aoexecutivo não é interrompida durante os gover-nos Figueiredo e Sarney, apesar da mudança nasrelações entre o Banco Central e o Legislativo,este último tornando-se mais ativo na fiscalizaçãodos atos financeiros do governo, ainda no perío-do Figueiredo, devido à abertura política. A domi-nância do Executivo na definição dos objetivos depolítica econômica não impede que haja um au-mento de intensidade no controle do congressosobre os procedimentos do Banco Central, e demaior demanda por “transparência”.20

Foi durante este período que ocorreu o epi-sódio que se tornou um divisor de águas nas re-lações entre o Tesouro e o Banco Central: a unifi-cação da autoridade monetária com a extinção daconta movimento do Banco Central no Banco doBrasil em 30 de julho de 1986. Com essa medida,disciplinava-se e centralizava-se sob um comandoúnico as decisões relativas à operação de créditodo Banco do Brasil que, por não terem limites emsua maioria, rebatiam negativamente sobre ascontas públicas. Além de se retirar do Banco doBrasil, o papel de autoridade monetária, desfazen-do-se o sistema misto criado desde a década de1960, criou-se a secretaria do Tesouro, que tinhacomo finalidade administrar as contas públicas.Uma série de funções do Banco Central é transfe-

rida para o ministério da Fazenda, e a gestão dadívida mobiliária federal é subtraída ao comandodo BACEN. Em junho de 1987, o governo cria oSIAFI (Sistema Integrado de Administração Finan-ceira), para o acompanhamento das contas públi-cas federais. Em novembro de 1987, a emissão detítulos da dívida pública fica condicionada a pré-via autorização do congresso Nacional.

Qual o significado de tais decisões de ordemestrutural? Percebe-se que a redemocratizaçãopermitiu aos congressistas realocar poder sobre aadministração da moeda no país. Ademais, nota-se que a extinção da conta movimento do BancoCentral no Banco do Brasil, pelo Conselho Mone-tário Nacional, torna clara uma tendência no sen-tido de transferir efetivamente as funções da auto-ridade monetária do Banco do Brasil para o Ban-co Central, desmontando-se o sistema de duplocomando entre as autoridades monetárias. Deve-mos lembrar que este duplo comando expressavauma acomodação das preferências da coalizãomajoritária de congressistas do período pré-1964,formada por interesses da elite rural e desenvolvi-mentistas. Isto é, a reestruturação das atividadesdo BACEN em meados da década de 1980, esti-mulada pelos reclamos de transparência dos legis-ladores, já denota uma inflexão na postura ideo-lógica hegemônica no interior do congresso.

Vejamos pois o que determinou a Constitui-ção de 1988. Os constituintes decidiram, de umlado, por um aumento da autonomia do BancoCentral, e de outro lado, por um maior controledeste pelo Legislativo. Além da revogação da lei4595/64 e da extinção do Conselho Monetário Na-cional, previu-se, na Constituição, um novo arranjoinstitucional para o Banco Central e para o sistemafinanceiro, a ser regulamentado posteriormente. OBanco Central foi proibido constitucionalmente definanciar direta e indiretamente o Tesouro Nacio-nal, pelo artigo 164 da Constituição. Em segundolugar, foram aprovados dispositivos como o doexercício exclusivo da competência da União paraemitir moeda, por meio do Banco Central (art. 21 e164 inciso I) e o da necessidade de aprovação pré-via pelo Senado Federal, em votação secreta, apósargüição pública, dos designados pelo presidenteda República para os cargos de presidente e dire-tores do Banco Central (art. 52). Para o Conselho

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Monetário Nacional, pelo artigo 25 do Ato das Dis-posições Transitórias, previu-se um esvaziamentode suas atribuições.

Na Constituinte, a subcomissão V-C do Siste-ma Financeiro teve como relator Fernando Gaspa-rian, do PMDB de São Paulo, cujo posicionamentoideológico, nacionalista, discordava da tendênciacentral do plenário, marcado pela corrente denomi-nada Centrão. Duas leis complementares foramprevistas, uma no artigo 163 (capítulo II), dispondosobre finanças públicas, dívida externa e interna,garantias das entidades públicas e fiscalização dasinstituições financeiras, emissão e resgate de títulosda dívida pública; outra, no artigo 192, (capítuloIV), dispondo sobre as normas que regem o Siste-ma Financeiro Nacional, e, mais especificamente,sobre a organização, funcionamento e atribuiçõesdo Banco Central. O debate suscitado pela regula-mentação do artigo 192 foi intenso, dentro e forado congresso. Além de críticas específicas aos inci-sos I e II do artigo 192, referindo-se à previsão deseparação das instituições bancárias das não bancá-rias, as maiores críticas, que vieram principalmentedo setor financeiro, foram direcionadas ao parágra-fo 3, que estabelece uma espécie de lei de usurapara os juros reais. Segundo o parágrafo, as taxasde juros reais, incluindo comissões e quaisquer ou-tras remunerações, direta ou indiretamente relacio-nadas à concessão de crédito, não podem ser su-periores a 12% ao ano.

Um fator a destacar é a convergência da opi-nião dos técnicos que passaram pelo Banco Central,nos anos de 1980, e o dos políticos que faziam par-te do Centrão, para a defesa de um modelo de Ban-co Central independente, com o único objetivo demanter a estabilidade de preços. Tal convergência éa chave para o entendimento das relações entre BA-CEN e Legislativo para todo o período posterior aoda Constituinte. A decisão de não regulamentar oartigo 192 é exatamente expressão dessa tensãoexistente na base de apoio ao governo Sarney, en-tre nacionalistas à esquerda do espectro ideológicoe políticos conservadores, membros do PMDB ePFL, mais simpáticos a um novo modelo de rela-ções entre Estado e economia no país. O conflitona base manifestou-se claramente na dificuldadede aprovação um único texto que tratasse de for-ma consensual todos os aspectos do sistema fi-

nanceiro e, além disso, fosse capaz de regulamen-tar o parágrafo terceiro. Ao mesmo tempo, a deci-são de não regulamentar mostra que o Centrão foibem-sucedido em sua estratégia de prorrogar me-didas consideradas muito à esquerda, mantendo ostatus quo de delegação ao Executivo e ao BancoCentral quanto à definição da política monetária.

A evolução da estrutura de prestação de con-tas do BACEN demonstra que os políticos, sejamos do Executivo ou do Legislativo, aprofundamesta tendência de delegar prerrogativas de admi-nistrar a política monetária ao Banco Central, masaprimorando os mecanismos de monitoramentodas ações de seus dirigentes pelo congresso. Após1994, a autoridade monetária passa a ser centrali-zada no Banco Central, aumentando a capacidadedo Executivo em determinar os objetivos da polí-tica monetária. Medidas de saneamento do siste-ma financeiro são tomadas também após o PlanoReal, aproveitando o amplo apoio parlamentar aogoverno do presidente Fernando Henrique Cardo-so.21 Ao mesmo tempo, a Lei 9.069 de 26 de junhode 1995, que dispõe sobre o Plano Real e o Siste-ma Monetário Nacional, estabeleceu no artigo 6do capítulo II, que o presidente do BACEN sub-meterá ao Conselho Monetário Nacional, trimes-tralmente, a programação monetária, que deveráser aprovada pelo Senado Federal, sendo que,com a mesma periodicidade, deverá enviar relató-rio sobre a execução da programação monetária,além do demonstrativo mensal das emissões dereal e das reservas internacionais.

Criam-se, desse modo, critérios para emissãode moeda, controlados pelo Legislativo. Em contra-partida, tanto o Banco Central do Brasil quanto oConselho Monetário Nacional são beneficiados porampla delegação de prerrogativas, podendo regu-lamentar, em curto espaço de tempo, um grandenúmero de transações econômicas, desde a políti-ca monetária até o funcionamento de consórcios.22

No artigo 8, a lei 9.069 altera a composiçãodo Conselho Monetário Nacional, que passa a sercomposto apenas pelas autoridades do Executivodiretamente ligadas à gestão econômica: os minis-tros da Fazenda, Planejamento e o presidente doBanco Central do Brasil23 e, em seguida, é criadoo COPOM, pela circular do Banco Central de 20de junho de 1996, à semelhança do Federal Open

Market Committee do Banco Central dos EstadosUnidos (FOMC) e do Central Bank Council doBanco Central Alemão. Composto pelos oitomembros da Diretoria Colegiada do Banco Centraldo Brasil, com direito a voto, sendo presididopelo presidente do Banco Central – que tem ovoto de qualidade –, seu objetivo seria criar paraa decisão sobre taxas de juros, um “ritual técnicotransparente, à semelhança do que é feito em todaa parte do mundo”.24 Isto é, o COPOM passa a tera responsabilidade de estabelecer os objetivos dapolítica monetária e definir a meta de taxa de ju-ros. A estrutura de prestação de contas está entãomontada, com ampla delegação de poder para au-toridades do Executivo e do Banco Central nosentido de definir a política monetária e instânciasbem definidas para que o Legislativo promova ati-vidades de prestação de contas. A próxima seçãodiscutirá as razões que levaram os legisladores aestruturarem suas relações com o Banco Centraldentro desse quadro normativo específico e asconseqüências desse modelo para o processo deprestação de contas.

Legislativo, presidencialismo de coalizãoe controle do Banco Central

Na seção anterior, lembramos que, em váriosmomentos da história do Banco Central do Brasil,as decisões relativas à sua estrutura normativa fo-ram afetadas por tensões oriundas das correntesem conflito no congresso. É chegado o momentode conhecer as características essenciais do siste-ma político brasileiro, mais especificamente, as re-lações entre os poderes Executivo e Legislativo ecomo estas influem na prestação de contas doBanco Central pelos legisladores.

As características essenciais do sistema políti-co brasileiro são a separação de poderes e o mul-tipartidarismo. Dada a baixíssima probabilidade deque o partido do presidente seja majoritário nasduas casas do congresso, nossa prática institucionaltem sido a do presidencialismo de coalizão: o pre-sidente organiza sua base de sustentação por meioda distribuição de postos na estrutura do Executivoe verbas orçamentárias aos grandes partidos, e es-

tes garantem os votos necessários à aprovação doprograma de governo. Ademais, a Constituição de1988 dotou o presidente de inúmeros instrumentosde intervenção nos trabalhos legislativos, ao passoque no âmbito interno do Legislativo os líderes par-tidários tornaram-se capazes de disciplinar o com-portamento de seus membros em plenário. Isto é,se o governo está disposto a negociar cargos e ver-bas em troca de votos no parlamento, e os partidosestão dispostos a trocar votos no parlamento porcargos e verbas, o presidente sabe que tal pactofuncionará de forma aproximada ao estabelecidoinicialmente, vale dizer, o montante de cadeiras dospartidos aliados será aproximadamente o montantede votos recebidos em favor das propostas de seuinteresse. A este modelo de relacionamento entregoverno e parlamento, a literatura tem chamado depresidencialismo de coalizão.25

Na verdade, o presidencialismo de coalizãoconsiste em um complexo sistema de interaçõespolíticas entre membros do Executivo, burocra-tas, membros do legislativo e líderes partidários.O presidente organiza sua base de apoio no-meando, para os ministérios, políticos indicadospelos líderes dos grandes partidos que, por moti-vos ideológicos ou estratégicos, aceitam fazerparte da aliança governamental. Isto gera uma sé-rie de relações de delegação, algumas delas po-tencialmente conflitivas. Por exemplo, quando opresidente nomeia determinado político para umministério, a expectativa é que este promova de-cisões de acordo com a linha definida pelo presi-dente. Todavia, seu partido possui objetivos polí-ticos próprios, nem sempre consistentes com oprograma perseguido pelo presidente. A questãoque se coloca é: a quem o ministro obedecera, aopresidente ou aos interesses de seu partido? Atéque ponto o presidente tolera divergências quan-to ao comportamento esperado de um ministroem nome da manutenção da base do apoio noLegislativo? Do ponto de vista dos partidos, oproblema se apresenta de forma semelhante: seum quadro é nomeado para o ministério, é pro-vável que líderes de seu partido cobrem atitudesque satisfaçam seus interesses eleitorais e ideoló-gicos, certamente, entretanto, este político sofre-rá pressões para que a política do presidente seja

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implementada. Estas perguntas são diretamentevividas pelos membros das coalizões presidenciaise podem ser resumidas no dilema de, um lado,existir a necessidade de cooperar para continuarfazendo parte da base de apoio, e de outro, saberque uma coalizão dilui a imagem própria da agre-miação vis-à-vis o eleitorado.26

Mas a dinâmica do presidencialismo de coa-lizão revela fontes alternativas de tensão, alterna-tivas mais diretamente ligadas ao tema do contro-le do Banco Central. Em primeiro lugar, é funda-mental lembrar que a política econômica é decisi-va para os destinos políticos de um governo. Osucesso nesta área garante boa vida com a baseparlamentar, ao passo que, em momentos de cri-se, as dissidências e posições de independênciaadquirem maior legitimidade dentro dos partidosda coalizão. Em segundo lugar, cabe lembrar que,por conta mesmo de seu caráter decisivo, políticaseconômicas e monetárias estarão sempre seguindoa orientação do presidente, o que, em alguma me-dida, gera entre alguns parceiros da coalizão a per-cepção de estarem alijados das decisões governa-mentais mais relevantes. A questão torna-se entãoa de saber como os líderes dos partidos coligadosreagem à possibilidade de que as decisões econô-micas se afastem excessivamente daquilo que seriaaceitável para os demais membros da bancada,grupos de apoio e eleitores.

Argumentamos que o padrão de relaciona-mento do Legislativo com os órgãos do Executivoexpressa as tensões inerentes ao funcionamentodo presidencialismo de coalizão. Para que isto fi-que claro, é preciso considerar, em primeiro lugar,a estrutura de delegação própria a este sistema: emsua origem encontra-se o eleitorado, que delegapoderes para dois agentes distintos, o presidente eo congresso. Em seguida, o presidente delega po-deres para ministros e burocratas, tendo em vistapromover seu programa de governo. Os congres-sistas, por sua vez, delegam poderes ao presidentee a seus ministros e, internamente, às liderançaspartidárias e às comissões. Segundo Amorim Neto eTafner, este modelo institucional brasileiro é, na ver-dade, um complexo de delegações cruzadas, sendosua complexidade “dada pelos altos custos de tran-sação que o controle dessas delegações exige”(Amorim Neto e Tafner, 2001, p.14).

Amorim Neto e Tafner chamam a atençãopara o problema clássico da literatura recente sobredelegação, que é o do controle sobre as ações doagente. Por conta de eventual divergência de inte-resses entre o mandante e o agente, sempre have-rá a possibilidade de que este último tome decisõesque maximizem seus interesses, mas que divirjamdas preferências do primeiro. Por conta disso, istoé, por conta da possibilidade de incorrer em per-das de agenciamento, o mandante investe recursosem atividades de controle das ações do agente. Oscustos de controle são de duas ordens: custos deinformação e de coordenação. O primeiro tipo decusto surge porque nem sempre é possível saber seo comportamento do agente é do interesse domandante. Nestes casos, este incorre em custos deinformação na tentativa de tornar transparente seucomportamento e, dado que existe assimetria de in-formação, sendo o agente mais bem capacitadopara escamotear as informações relevantes ao man-dante, estes custos podem se tornar insuportáveis,dissipando inteiramente as vantagens da delegação.

Os custos de coordenação surgem quando oprincipal é um agente coletivo e não individual.Vários problemas daí decorrem: dificuldade paracoordenar os esforços dos participantes no senti-do de observar o comportamento do agente; in-centivos para um comportamento free rider; e di-ficuldade para o estabelecimento de propósitoscomuns aos membros da coletividade relevante.Novamente, os custos para superar os problemasde coordenação em mandantes coletivos podemse tornar proibitivos, diluindo todo e qualquer in-centivo para a delegação de tarefas.

Os meios consagrados para superar os custosde informação e coordenação são: procedimentosformais que obriguem os agentes a prestarem con-tas de suas atividades; seleção de agentes dotadosde interesses comuns aos do mandante; acionargrupos e indivíduos com incentivos para observare influenciar o comportamento dos agentes (o cha-mado alarme de incêndio). Com estes recursos, omandante estaria capacitado a controlar o agente,incorrendo em custos pelo menos aceitáveis. Pas-semos agora à adaptação dessa estrutura de aná-lise para o caso do controle do Banco Centralpelo congresso.

O controle do BACEN é caso paradigmáticode um problema de ordem mais geral: o controle daburocracia pública no presidencialismo brasileiro.Segundo a Constituição de 1988, a prerrogativa dese criar órgãos públicos, assim como de emissão dediversos tipos de projetos de lei relativos à adminis-tração pública é exclusiva do presidente da Repú-blica. Isto quer dizer que, de um ponto de vista for-mal, a burocracia do Estado brasileiro é agente deum único mandante, o presidente, o que serve decontraponto imediato à experiência norte-america-na, na qual a decisão de criar e fechar agências émonopólio do congresso. A prerrogativa, contudo,de fiscalizar as ações do Executivo é, no Brasil, ta-refa por excelência do Legislativo, sendo assim, étambém responsabilidade dos legisladores o contro-le das decisões dos membros das burocracias do Es-tado. O interessante a se notar aqui é que o fun-cionamento do presidencialismo de coalizão tornaa ação fiscalizadora do congresso objeto de nego-ciações “no seio das coalizões interpartidárias for-madas para sustentar o governo” (Amorim Neto eTafner, 2001, p. 14).

Tomemos o caso do BACEN, por exemplo. Apolítica monetária é formalmente conduzida pelopresidente do Banco Central e implementada porsua diretoria. A nomeação de seu presidente, bemcomo de seus diretores, é responsabilidade do pre-sidente da República, evidentemente, após consul-ta ao ministro da Fazenda e aprovação por maioriado Senado Federal. Obviamente, uma vez nomea-dos e aprovados presidente e diretores do BACEN,a linha mestra da política monetária passa a serobra de três atores fundamentais: Nada é feito, emtermos de moeda, juros e câmbio, sem que sejaacompanhado de perto pelo presidente da Repú-blica, pelo ministro da Fazenda e pelo presidentedo Banco Central. O governo, por sua vez, obtémapoio para suas políticas, notadamente a políticaeconômica, por meio da montagem de coalizãopartidária no congresso. Os problemas de agencia-mento advindos desta estrutura são: de que manei-ra os partidos de sustentação do governo podemcontrolar a orientação do presidente e equipe eco-nômica quando estas se afastam da preferência me-diana da coalizão de apoio? De que maneira oscongressistas podem evitar coalizões distributivasde burocratas e legisladores que impõem decisões

à revelia da tendência do plenário, mas que prote-gem os chamados vested interests?

Argumentamos que a forma pela qual o Le-gislativo está inserido no sistema político, pormeio do presidencialismo de coalizão, nos dá achave para o entendimento dessas questões. Tra-temos, inicialmente, do controle das decisões dopresidente e de sua equipe quando estas se afas-tam da preferência mediana da base de apoio.Duas questões são relevantes e merecem atençãoneste particular: em primeiro lugar, a questão dasobrecarga de demandas e a da complexidade dotema “política monetária”. Os legisladores sofremforte restrição no que concerne à quantidade detempo disponível para se dedicar às diversas tare-fas relevantes ao exercício de seu mandato. Milha-res são os temas a serem tratados, assim como osinteresses a serem levados em consideração, e otempo investido para tratar de um compete com otempo necessário para tratar dos demais. Por isso,estão sempre buscando formas para economizaresforços e recursos, e a delegação é uma soluçãoquase que natural, tendo em vista o corte nos cus-tos de decisão. Evidentemente, quanto mais com-plexo o tema sob exame, maior o custo de infor-mação e, portanto, mais tempo a ser investidopara tratar de forma adequada a matéria. A políti-ca monetária é um desses temas complexos – in-certeza e risco de impopularidade sempre rondamdecisões relativas à moeda, aos juros e ao câmbio.Trata-se, enfim, de tema em torno do qual giramfortes incentivos para a delegação de tarefas aagentes especializados.

Em segundo lugar, a questão da coalizão. Se,por um lado, os legisladores – membros dos parti-dos que formam a base de sustentação ao governo– possuem incentivos para delegar a política mone-tária ao governo, por outro, possuem também in-centivos para se diferenciarem de decisões conside-radas impopulares e conquistarem apoio políticopor meio da atividade de fiscalização de ações doBanco consideradas nocivas aos interesses da socie-dade. Isto ocorre por conta da própria lógica dopresidencialismo de coalizão. É verdade que os par-tidos precisam cooperar em tal sistema e com basenesta cooperação é que são aquinhoados com pos-tos no ministério. Entretanto, estes partidos tambémcompetem na arena eleitoral, pois quanto mais for-

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tes eleitoralmente, maiores as chances de se torna-rem hegemônicos no governo. Desta forma, o con-trole das ações do Banco Central pelo Legislativofunciona como uma espécie de rebatimento dastensões do presidencialismo de coalizão.

Tratemos agora da questão de como o Legis-lativo se organiza para controlar o Banco Central eevitar perdas dessa ação de controle. Dois desafiosapresentam-se neste contexto: em primeiro lugar,evitar que a ação de controle seja amortecida pelaarticulação entre dirigentes do Banco Central e par-lamentares. Neste particular, é importante lembrarque as decisões do Banco Central são essenciaispara os interesses de vários legisladores. Para queisto fique claro, basta lembrar que os pareceres doBACEN servem de base para a tomada de decisãoa respeito das solicitações de operação financeirade Estados e municípios. Burocratas e legisladores,membros da Comissão de Assuntos Econômicosdo Senado encontram-se em contexto privilegiadopara o estabelecimento de ganhos mútuos da tro-ca. Sendo a CAE a comissão do Senado Federalresponsável pelo exame de proposições ligadas aosistema financeiro, além da produção de pareceresrelativos à nomeação de diretores do Banco, é ób-vio o potencial para barganhas entre membros doCAE e dirigentes do BACEN. A questão é: de quemaneira a prestação de contas pode ser eficientetendo em vista a possibilidade de a comissão res-ponsável pelo exame de matéria financeira ter in-teresse em aquiescer com as preferências dos bu-rocratas do Banco Central? A resposta é uma só:transferir a prerrogativa de investigar a agênciapara instâncias alternativas ao CAE, como, porexemplo, comissões parlamentares de inquérito.

Uma segunda questão importante diz respeitoaos limites da própria prestação de contas. O con-gresso, no presidencialismo de coalizão, é organi-zado de forma a promover as políticas preferidaspelas lideranças dos grandes partidos participantesda coalizão governamental. Portanto, o controle daburocracia não pode ocorrer para o prejuízo dosmembros da base. Mais uma vez, o tênue limite en-tre tentativas de diferenciação e interesses decor-rentes da cooperação com o governo se manifestanas ações de controle da burocracia. Os legislado-res da base se esforçarão para manter a prestaçãode contas em limites toleráveis de incerteza, ao pas-

so em que membros da oposição tentarão aprovei-tar as oportunidades fornecidas pelos episódios deprestação de contas para ampliar a visibilidade doconflito e explorar as divisões na própria base go-vernista. Dado que o Legislativo funciona de acor-do com os interesses de quem tem poder deagenda, é de supor que a estrutura legislativa decontrole do BACEN obedecerá a limites estabele-cidos pela base, quando esta é capaz de se unirem torno dos incentivos postos à cooperação.

Vimos, na seção anterior, como as tensões nointerior do Legislativo afetaram a evolução da estru-tura da prestação de contas do Banco Central. Napróxima, exploramos os efeitos do presidencialis-mo de coalizão sobre o processo prestação de con-tas, mediante a análise do caso da CPI dos Bancos.

O processo de prestação de contas: a CPIdos bancos de 1999

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Sis-tema Financeiro, ou CPI dos Bancos, instalada noSenado, em abril de 1999, foi criada, como constano relatório, publicado em novembro de 1999,com o objetivo de apurar fatos “de conhecimentodo Senado Federal, veiculados pela imprensa na-cional, envolvendo instituições financeiras, socie-dades de crédito, financiamento e investimento,que constituem o Sistema Financeiro Nacional.”27

Três pontos serão analisados neste verdadeiroprocesso de prestação de contas: a) a forma comofoi criada, a partir de fissuras na base aliada do go-verno, e a composição da CPI; b) a desativação datentativa de criar uma CPI mista, como queria oPT, e a tentativa de minimização do Relatório Mer-cadante, pela base aliada do Governo; e, final-mente, c) os outcomes (resultados) do processo.

De um ponto de vista formal, os seguintesfatos motivaram a CPI dos Bancos:

• Apurar a responsabilidade do Banco Centraldo Brasil na operação de socorro aos ban-cos Fontecindam e Marka, socorro que lhespermitiu comprar dólares abaixo da cotaçãodo dia, logo após a desvalorização de janei-ro de 1999;

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• Apurar a responsabilidade pelo vazamento deinformações que propiciaram a diversos ban-cos lucros exorbitantes, por ocasião da maxi-desvalorização do real, em janeiro de 1999;

• Apurar a responsabilidade das instituições fi-nanceiras que se colocaram a salvo da des-valorização cambial, obtendo grandes lucros,enquanto seus correntistas e aplicadoresamargaram elevados prejuízos;

• Apurar a responsabilidade pela retirada dopaís, de forma irregular e fraudulenta, decerca de 400 milhões de dólares, mediante autilização do Fiex;28

• Apurar os exorbitantes lucros obtidos porbancos estrangeiros pela aplicação majoritáriade seus recursos na aquisição de títulos públi-cos, em detrimento da concessão de créditoaos setores produtivos da vida nacional;

• Apurar as razões pelas quais persiste a fragi-lidade do sistema financeiro nacional após amaciça injeção de recursos por meio doPROER, evidenciada pela liquidação de di-versos estabelecimentos bancários.

As reais motivações para a abertura de umaCPI – iniciada por aliados do governo, contra ativi-dades do próprio governo – todavia, foram as dis-putas entre PMDB e PFL, alem do descontentamen-to de parte do PMDB com o tratamento dispensadopelo presidente da República, especificamente, coma demora em nomear algumas indicações de cargosdo partido, e com o corte no orçamento do minis-tério dos Transportes, do PMDB. Vale dizer, a CPIrevelou tensões na base de sustentação do governoao mesmo tempo em que foi organizada para nãofugir ao controle desta mesma base.

Convocada por um dos líderes da coligaçãomajoritária, Jader Barbalho, Presidente do PMDB,a CPI dos Bancos teve também maioria do gover-no na sua composição. À exceção de Eduardo Su-plicy (PT-SP), Saturnino Braga (PSB-RJ) e José deAlencar (PMDB-MG), ligado ao governador ItamarFranco, os oito restantes senadores da CPI eramdos partidos da coligação de sustentação do go-verno (PMDB, PFL e PSDB). O senador João Al-berto Souza (PMDB-MA), relator, por exemplo,era homem da confiança do senador José Sarney,

“aliado” do governo, e o vice-presidente, senadorJosé Roberto Arruda (PSDB-DF), ex-líder do go-verno no senado, trabalhou para neutralizar a co-missão antes desta ser instalada. Ficou na suplên-cia Pedro Simon (PMDB-RS), que poderia ter umapostura mais agressiva na investigação, e RobertoRequião (PMDB-PR), que teve atuação destacada naCPI dos Precatórios, não foi indicado. Em entrevis-ta, este último considerou que o fato de não ter sidoindicado prova que não havia interesse em apurarou responsabilizar efetivamente nenhum diretor doBanco Central ou de banco privado. Outros senado-res da oposição confirmaram esta impressão.29

A questão central em termos do controle daCPI referiu-se ao destino do requerimento do de-putado Aloísio Mercadante (PT-SP) tendo em vis-ta a criação de uma CPI mista. Os partidos gover-nistas contribuíram com 79 nomes para que Mer-cadante conseguisse criá-la. Entretanto, os líderesdo governo desarquivaram nove pedidos de CPIpara evitar que a Comissão proposta fosse instala-da, sob a alegação de que uma CPI desta nature-za poderia afetar a credibilidade externa do país.Obviamente, a manutenção da CPI na esfera doSenado reduziria o risco das investigações escapa-rem ao controle da base do governo. Sendo mis-ta, além dos onze senadores titulares e dos onzesuplentes, haveria mais onze titulares e onze su-plentes compondo a Comissão, sabendo-se quena câmara a representação dos partidos de oposi-ção é maior que no Senado, e sua atuação na CPIpoderia ser mais incômoda para o governo. Poroutro lado, para a abertura de uma CPI no Sena-do são necessárias 27 assinaturas e sua composi-ção é feita com onze senadores titulares e onzesuplentes, os quais podem participar das discus-sões, mas só podem votar na ausência do titular.Em suma, ao responder uma questão de ordem deAldo Rebelo (PCdoB-SP), o presidente da câmara,Michel Temer (PMDB-SP), resolveu que antigosrequerimentos para a criação de CPI podiam serdesarquivados, ainda que de legislaturas anterio-res. O pedido de Mercadante entrou na fila, atrásde outros onze.

A segunda evidência da tentativa de mem-bros do governo controlarem os destinos da CPIconsiste no tratamento dado ao relatório de Mer-cadante. Segundo este, no mercado pronto do dó-

lar, alguns bancos saíam da posição vendida paraa posição comprada, às vésperas da desvaloriza-ção do Real. Segundo o deputado, até 11 de janei-ro os bancos vinham vendendo mais dólar do quecomprando para entrega imediata, mas, no dia 12,esta tendência se inverteu, tendo-se destacadonove bancos nessa inversão: J. P Morgan, Banco deBoston, ING, Garantia, BBM, Pactual, Matrix, Citi-bank e Real. Mercadante denunciou, de um lado, apossibilidade de vazamento de informações e, deoutro, a transferência de recursos ao setor financei-ro.30 Denunciou também perdas do Tesouro nomercado futuro de câmbio. À véspera da desvalo-rização, e do dia 12 até ao final do mês, 24 bancosganharam na BM&F,31 10,101 bilhões de reais. Amaior parte do ganho saiu do Tesouro Nacional.Mas 49 bancos perderam 3 bilhões de reais. Partesignificativa do mercado financeiro não foi infor-mada da desvalorização.32 O grande perdedor naBM&F foi o Tesouro Nacional, por meio do Bancodo Brasil. Este, em nome do Banco Central, vendeuna BM&F, 7,385 bilhões de reais. Quase 70% doscontratos era o Banco do Brasil operando na Bol-sa, em nome do Banco Central, numa posição ven-dedora do dólar.

O depoimento de Mercadante foi primeiroalardeado na imprensa como detentor de informa-ções-chave para o desenlace do processo de in-vestigação. Depois, a imprensa desfez, tambémcom grande alarde, a impressão de que o relató-rio em que ele se baseara pudesse conter informa-ções importantes, acabando por esvaziar-se o con-teúdo deste relatório. Para este esvaziamento con-tribuíram, se observada a sessão que se segue aodepoimento, os líderes do governo e o próprio Ja-der Barbalho, senador responsável pelo requeri-mento da CPI. Estes alegaram que Mercadantenão trazia nada de novo e ridicularizaram as infor-mações sobre inside information, a propósito dadesvalorização, afirmando que o que teria havidoera um comportamento de “manada”.

O terceiro ponto relevante diz respeito ao re-sultado final da CPI. Ela foi encerrada após setemeses de investigação, sem provar venda de in-formações privilegiadas do Banco Central aosbancos Marka e Fontecindam. Apontou irregulari-dades no PROER, no socorro e venda de bancos.33

Quanto à Encol, apontou falsidade ideológica, trá-

fico de influência, e falso testemunho, tendo pe-dido uma auditoria interna no Banco Central paraapurar uma possível omissão da diretoria de fisca-lização.34 Foi ainda pedido o enquadramento civile criminal do ex-presidente, Francisco Lopes, e deoutros dirigentes do Banco Central, além do deSalvatore Cacciola e dos controladores do bancoFontecindam. O relator concluiu que houve res-ponsabilidade de autoridades e executivos navenda irregular de dólares pelo Banco Central àsduas instituições.35 Na sessão final da CPI, os se-nadores do governo e da oposição insistiram nafalta de transparência por parte do Banco Central,lamentando a lentidão com que eram repassadasas informações, assim como na responsabilizaçãofinal dos envolvidos com atos ilícitos. Confessa-ram também o desconforto com a fiscalização doBanco Central, pela complexidade do tema, e afragilidade de acesso a informações.

Pode-se dizer que a solução final da CPI foipositiva para o governo e para os membros desua base aliada no congresso. A CPI introduziuuma série de modificações legais, que visam so-bretudo a disciplinar ou a regulamentar as rela-ções do Banco Central com o sistema financeiro.O Executivo manteve a autonomia do Banco Cen-tral e da decisão sobre os objetivos da políticamonetária, em troca de mais procedimentos for-mais de prestação de contas, como, por exemplo,uma página de apresentação (home-page) de ex-celente qualidade técnica, mas cujo viés político édefinido pela concepção específica de credibilida-de do Banco. Enfim, o governo continuou comapoio para definir a política monetária, invariavel-mente voltada para a estabilidade da moeda, e oslegisladores criaram mais alternativas para promo-ver o fire alarm.36

Conclusão

A teoria econômica parte da hipótese de queos políticos são, por natureza, agentes distributi-vistas e, por conseguinte, inflacionários. Contudo,vimos também que o congresso brasileiro, pormotivos relativos ao funcionamento do presiden-cialismo de coalizão, não interfere diretamente napolítica econômica, delegando-a ao Executivo. No

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caso concreto do Banco Central, a independênciadeste, que existe de fato após o Plano Real, não écontestada, sendo maior por parte do congresso aexigência de transparência e responsabilidade fi-nal das decisões. Como conciliar essas duas cons-tatações? O que nossos resultados sugerem é quea prestação de contas não é um processo definidounicamente por intermédio do estatuto legal querege as atividades do Banco Central; depende tam-bém de variáveis institucionais que condicionamas estratégias dos atores políticos, os quais, de al-guma forma, têm poder de interferir no processode prestação de contas.

Nesse sentido, pode-se dizer que o relacio-namento do BACEN com o congresso durante ogoverno Fernando Henrique Cardoso expressaum “equilíbrio”, na medida em que o peso que acoalizão governista fornece à variável “objetivosda política monetária” não se afasta sobremaneirado peso dado pelos dirigentes do Banco Central àmesma variável. A tensão incide sobre as variáveis“transparência e responsabilidade final”, lugar porexcelência das atividades de fire alarm e positiontaking por parte dos congressistas. Vale dizer, aatividade de controle estrutura-se partidariamente:todos os partidos fiscalizam, sendo que os daoposição fiscalizam mais no intuito de desgastar ogoverno – lembremos que o deputado AluísioMercadante (PT-SP) apresentou à CPI um relatóriodetalhado sobre as atividades do Banco Central decompra e venda de dólares às vésperas da desva-lorização. É irônico que, na estrutura do presiden-cialismo de coalizão, a oposição cumpra o papelde terceiro agente, ou seja, aquele que é aciona-do para promover o fire alarm.

Talvez seja interessante especular sobre confi-gurações alternativas do sistema político no quetange à distribuição de força parlamentar dos parti-dos e à tendência ideológica do chefe do Executi-vo. Se, por exemplo, um presidente eleito adota umperfil keynesiano de política monetária e é apoiadopor coalizão majoritária no congresso, é de se suporque o conflito em torno da prestação de contas sejatransferido do âmbito da transparência e responsa-bilidade final para o âmbito dos objetivos da políti-ca. Em contrapartida, se um presidente é eleito como mesmo perfil, mas é minoritário no congresso,

podemos concluir que o conflito incidirá sobre a se-leção das diretorias do BACEN – “os agentes”. O de-safio, nesse contexto, é saber se o congresso de-senvolverá expertise e recursos políticos para umapolítica genuinamente independente do BACEN re-lativamente ao Executivo.

NOTAS

1 Exemplos notórios são: Conselho Monetário Nacional

(CMN), Conselho de Segurança Nacional (CSN), Con-

selho Nacional de Abastecimento (CONAB), Conse-

lho Nacional de Comércio Exterior (CONCEX). Para

uma lista completa, ver Santos, 1987, pp. 135-136.

2 Para uma análise da criação do Conselho MonetárioNacional (CMN), assim como das várias portaria quese lhe seguiram ver Werneck Vianna, 1987. Para umaanálise do padrão de produção legal durante o perío-do autoritário de 1964 a 1985, ver Pessanha, 1997.

3 Bini Smaghi, 1998; Faust e Svensson, 1999.

4 Os modelos de independência do Banco Centralpartem da hipótese de que os políticos buscam, es-sencialmente, a reeleição e, por essa razão, estãosempre dispostos a explorar a existência de um tra-de-off de curto prazo entre desemprego e inflaçãoadotando políticas monetárias expansionistas. Ver aesse respeito Cukierman, 1992.

5 Ver, por exemplo, os textos de Kydland e Prescott,1977; Alesina e Grilli, 1992; Barro e Gordon, 1983,1995; Cukierman, 1992; Goodhart, 1990; Cukierman,Webb e Neyapti, 1993, entre outros.

6 Lohman (1998), ao estudar o caso alemão, asseguraque na delegação a bancos centrais, as hipótesesdos cientistas políticos norte-americanos sobre ocontrole das agências do executivo não se verifi-cam: os legislativos, quando se trata do Banco Cen-tral, preferem abdicar do controle sobre a agência e“manietar-se”, para evitar o problema da inconsis-tência no tempo da política monetária.

7 Maxfield (1997) afirma que a aprovação da inde-pendência dos bancos centrais nos países em de-senvolvimento se deve à busca de credibilidade in-ternacional por parte desses países.

8 O Banco da Inglaterra foi fundado em 1694 por umato do parlamento para emprestar dinheiro ao gover-no, em troca de privilégios; ver Cairncross, 1988. OBundesbank descende do Reichsbank, criado em1875 e que sempre atuou de acordo com as necessi-dades do comércio e indústria; ver Holtfrerich, 1988.

MOEDA E PODER LEGISLATIVO NO BRASIL 107

9 O Federal Reserve System foi criado em 1913 porum ato do Congresso, que lhe delegou a autorida-de monetária com a intenção de torná-lo indepen-dente dos interesses financeiros privados, do gover-no e de interesses partidários; ver Sylla, 1988.

10 A hipótese de uma maioria eleitoral preferir a“coordenação” das políticas monetária e fiscal nãoé cogitada.

11 Apesar de os inúmeros estudos mostrarem correla-ção negativa entre vários proxies para bancos cen-trais independentes e inflação, não há consensoacerca do sentido da causalidade, nem evidênciapara países em desenvolvimento. Ver Cukierman,1992; Cukierman, Webb e Neyapti, 1992; Eijffinger eSchaling, 1993; Al-Marhubi e Willet, 1995; Sobresentido e causalidade, ver Posen, 1993; Goodhart etal., 1994; Sicsú, 1996. Para o caso de países em de-senvolvimento, ver Lohman, 1998 e, Rigolon, 1998.

12 Em economias com mercados de títulos bem orga-nizados e que movimentam volumes consideráveisde recursos, a moeda é um ativo que concorre comos demais pela demanda dos agentes. A políticamonetária deve visar à troca de rendimentos de ju-ros por lucros compensadores para estimular o cres-cimento econômico.

13 Ver Krugman, 1996; Rymes, 1996 e Schull, 1996.

14 Na Nova Zelândia, o Banco Central encaminha rela-tórios semestrais e outro anual, protocolados noparlamento, ao ministro das Finanças e este monito-ra o cumprimento das metas monetárias. O FED re-porta semestralmente ao Congresso. No Chile, oBCC reporta-se anualmente ao presidente da repú-blica e ao senado. Na Inglaterra, o parlamento fazargüições periódicas aos administradores do Bankof England. A independência operacional destebanco ocorreu em maio de 1997. Antes de issoacontecer, o secretário do tesouro, representando ogoverno, controlava o estabelecimento dos instru-mentos de política monetária. A partir desta data, obanco passou a ter a responsabilidade de estabele-cer a taxa de juros básica e a intervir no curto pra-zo na taxa de câmbio.

15 Em países de bancos centrais autônomos, como,por exemplo, na Alemanha, nem sempre as situa-ções de conflito entre o Banco Central e o governosão resolvidas unilateralmente pelo Banco; muitasvezes a decisão do governo prevalece.

16 Embora o arcabouço legal se mantenha até 1988, oprocesso de abertura política determinou uma novapostura do congresso ante o Banco Central, que po-demos, para facilitar a análise, estabelecer como afase que vai de 1979, quando toma posse o generalFigueiredo, até 1988.

17 A SUMOC – Superintendência da Moeda e Crédito–, autarquia federal idealizada por Octávio Gouveiade Bulhões, foi criada pelo decreto-lei 7293 de 2 defevereiro de 1945, com o objetivo de constituir umembrião do futuro Banco Central do Brasil.

18 Depois do Decreto-lei n. 278 de 28 de fevereiro de1967, este assumiu o nome de Banco Central doBrasil.

19 Segundo Bulhões “a independência poderia ser ga-rantida por meio da estabilidade dos diretores”. (verCPDOC, entrevista com Octávio Gouveia de Bu-lhões, 1989, p. 174).

20 A análise dos discursos arquivados sugere uma “col-cha de retalhos” sem padrão definido, em que osdeputados e senadores aproveitam a abertura paradar vazão a uma série de demandas represadas. Oagravamento da crise econômica após o ajuste à cri-se do petróleo, a recessão do início dos anos de1980, o desemprego e a crise da dívida externa quese segue à moratória mexicana em agosto de 1982aumentam o flanco exposto do governo à crítica doLegislativo. A série de discursos registrados na seçãohistórico de debates da câmara contém, para o pe-ríodo Figueiredo (1979-1984), inúmeros pedidos deinformação sobre remessa de lucros, sigilo, liquida-ção extrajudicial de instituições financeiras, gastoscom despesas sumptuárias, como as do edifício doBanco, e dados sobre endividamento externo. Hápoucas contestações ao domínio do executivo emmatéria monetária e financeira, mas algumas denún-cias de corrupção.

21 Em agosto de 1994, em consonância com o Acordode Basiléia, o Banco Central editou a Resolução2.099, estabelecendo limites mínimos de capitalpara a constituição de um banco, além de limitesadicionais que variavam de acordo com o grau derisco dos ativos. Em novembro de 1995, devido aoagravamento da crise bancária, por meio da medidaprovisória 1.179 foram criados incentivos fiscaispara a incorporação de instituições financeiras, per-mitindo que a instituição incorporadora contabili-zasse como perda os créditos de difícil recuperaçãoda instituição adquirida.

22 Ver Jean Paul Cabral da Rocha, 1999.

23 Franco, no discurso de posse, diz que o Banco dei-xou de ser “uma câmara setorial da moeda” : o CMNera, como se sabe, integrado por todos os ministrosda área econômica, vários da área social, todos ospresidentes de bancos oficiais, cinco membros dainiciativa privada, um representante dos sindicatos,outro, o presidente da FEBRABAN, os quais, segun-do a medida provisória n. 542 de 1º de julho de1994 e a medida provisória do Plano Real, eram par-tes interessadas nas decisões, onde deveria prevale-

108 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 49

cer apenas o interesse público e o compromissocom a estabilidade da moeda. Uma interpretação al-ternativa seria que, ao contrário, se concentrou opoder nas mãos de um pequeno grupo.

24 Franco, 1998.

25 O trabalho seminal é de Abranches, 1988. Recente-mente, um número cada vez maior de estudos temse dedicado ao tema, nem sempre chegando àsmesmas conclusões. Ver Santos, 1997; Figueiredo eLimongi, 1999; Amorim Neto, 2000; e Pereira 2000.

26 Este argumento encontra-se muito bem exposto emAmorim Neto, 2001.

27 Criada por meio do requerimento n. 127 de 1999 dosenado federal, a CPI teve os poderes que estãoprevistos no artigo 58, parágrafo terceiro da Consti-tuição de 1988 : “as comissões parlamentares de in-quérito, que terão poderes de investigação própriosdas autoridades judiciais, além de outros previstosnos regimentos das respectivas Casas, serão criadaspela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal,em conjunto ou separadamente, mediante requeri-mento de um terço dos seus membros, para apura-ção de um fato determinado e por prazo certo, sen-do suas conclusões, se for o caso, encaminhadas aoMinistério Público, para que promova a responsabi-lidade civil ou criminal dos infratores”.

28 A CPI concluiu que a evasão fiscal por meio do sis-tema bancário e das facilidades concedidas a insti-tuições financeiras é um dos maiores sintomas dafragilidade do setor público diante do setor privado.Dados apresentados por Everardo Maciel da receitafederal mostraram que metade das 530 maiores em-presas do país, e 42% dos 66 maiores bancos nãopagam imposto de renda. A isenção de taxação dasremessas de juros para pagamentos de empréstimosde empresas brasileiras no exterior foi consideradaabsurda por Everardo Maciel.

29 Requião é também suplente na CAE.

30 O BBM havia vendido nos dias 5, 6, 7, 8, 9, 11. Nodia 12 comprou 26,2 milhões de dólares. O ING feza mesma coisa. Às vésperas da desvalorização, com-prou 57, 9 milhões de dólares. Saiu de uma posiçãovendedora para uma compradora, alterando sua po-sição em quase 80 milhões de dólares de um diapara o outro. O Morgan comprou 13, 9 milhões dedólares no dia 12.

31 A BM&F é uma instituição de hedge, de defesa domercado, seja em dólar, juros seja em commodities.

32 O que Mercadante quer refutar é a tese comum na-quele momento de que teria havido um comporta-mento de “manada”, em que todos, prevendo a des-valorização, teriam corrido ao dólar para proteger-se.

33 Foi pedido ao ministério público que investigasse edenunciasse à justiça duas administrações do BancoCentral por socorro a bancos: a de Gustavo Loyola ea de Francisco Lopes. Nas informações encaminha-das à CPI pelo Banco Central esconderam-se dadosreferentes aos saldos a descoberto do PROER. No ro-dapé da página do documento com letras miúdas,havia uma informação de que foram usados 12,96 bi-lhões das reservas bancárias depositadas no BancoCentral para cobrir rombos do Nacional, do Mercan-til, do Econômico e do Bamerindus. Segundo JaderBarbalho, em O Globo, 26 de novembro de 1999, “éuma baita irregularidade do BC, porque liberar recur-sos com juros fortemente subsidiados do PROER éuma irresponsabilidade. As explicações do diretor deFiscalização do BC complicaram ainda mais a res-ponsabilidade da diretoria”. Mas João Alberto concor-dou em retirar do seu parecer acusação de que oBanco Central sonegara informação à CPI, pois Alva-rez confirmou o envio de ofício em 15 de junho.

34 Uma das conclusões principais da CPI foi que hou-ve falhas de fiscalização do sistema financeiro porparte do setor público. Isto ficou evidente nos em-préstimos do Banco do Brasil à Encol.

35 Em relação aos dirigentes do Banco Central, pediu-se ao ministério público que abrisse inquérito parainvestigar crimes de peculato, falsidade ideológica,tráfico de influência e falso testemunho. Segundo orelatório da CPI, teriam sido forjados os documen-tos referentes à compra de dólar futuro aos doisbancos, simulando pedido da BM&F. Os funcioná-rios que já estariam sendo alvo de duas ações deimprobidade administrativa na quarta vara da seçãojudiciária do Distrito Federal são Francisco Lopes,Cláudio Mauch, Demóstenes Madureira de Pinho,Alexandre Pundek, Maria do Socorro Costa Carva-lho e Tereza Grossi. Pediu-se ainda o ressarcimentodos prejuízos com as operações, calculado em 2 bi-lhões de reais. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO),responsável pelo relatório no que se refere a dadosprotegidos por sigilo, afirmou que não se constatounenhuma venda de informação por funcionários doBanco Central a pessoas do mercado financeiro.

36 A expressão foi utilizada pela primeira vez porMcCubbins e Schwartz (1984) para denotar o tipode fiscalização de agências do Executivo predomi-nante no Legislativo. Em vez de promover o moni-toramento sistemático da burocracia (o chamadopolice patrol), os congressistas preferem economizarseus esforços de fiscalização e atuar somente quan-do acionados por grupos de interesse e eleitores.Estes, ao se verem ameaçados por políticas imple-mentadas pelo Executivo, reclamam junto a seus re-presentantes no congresso, por meio de recursossemelhantes ao acionar de um alarme de incêndio.

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RESUMOS/ABSTRACTS/RÉSUMÉS 171

MOEDA E PODER LEGISLATIVONO BRASIL: PRESTAÇÃO DECONTAS DE BANCOS CEN-TRAIS NO PRESIDENCIALISMODE COALIZÃO

Fabiano Santos e Inês Patrício

Palavras-chaveComportamento legislativo; Bancoscentrais; Relações executivo-legisla-tivo; Presidencialismo de coalizão;Comissão Parlamentar de Inquérito

O artigo analisa as relações entre oCongresso Nacional e o Banco Cen-tral do Brasil através do conceito“presidencialismo de coalizão”. Esteé utilizado para descrever de formamais geral o modo pelo qual opera osistema político brasileiro. Após umaavaliação crítica da literatura contem-porânea sobre prestação de contasde bancos centrais, segue-se umadiscussão a respeito da evolução daestrutura do Banco Central do Brasil,com ênfase na legislação produzidapara regular suas atividades. Final-mente, discute-se a Comissão Parla-mentar de Inquérito que investigou osistema financeiro, mostrando comoos conflitos e as decisões da CPI ex-pressaram a lógica de relacionamen-to entre os partidos governistas e opresidente em nosso modelo políticopresidencialista e multipartidário.

MONETARY CURRENCY ANDLEGISLATIVE POWER IN BRA-ZIL: CONTROL OF CENTRALBANKS IN COALITIONAL PRES-IDENTIALISM

Fabiano Santos e Inês Patrício

KeywordsLegislative Behavior, Central Banks,Executive-Legislative Relations, Coa-litional Presidentialism, ParliamentaryCommittee of Inquiry

This article analyzes the relationshipbetween the national congress andthe central bank of Brazil through theconcept of coalitional presidentia-lism. The concept is used as a meanto describe the more general func-tioning of the Brazilian political sys-tem. After a critical assessment of theliterature on accountability of centralbanks, attention is given to the evo-lution of the Brazilian central bank’sstructure, with special concern to thelegal output aiming at the regulationof its activities. Finally, the discussingon the Comissão Parlamentar deInquérito, created in order to investi-gate the country’s financial system,shows that the conflicts and the out-comes of the CPI could be explainedby the logic of interaction betweengoverning parties in the parliamentand the president in the context ofour political model which combinesa presidential system of governmentand multipartism.

MONNAIE ET POUVOIR LÉ-GISLATIF AU BRÉSIL: LA PRES-TATION DE COMPTES DE BAN-QUES CENTRALES AU PRÉSI-DENTIALISME DE COALITION

Fabiano Santos e Inês Patrício

Mots-clésComportement Législatif; BanquesCentrales; Relations Exécutif-Législa-tif; Présidentialisme de Coalition;Commission Parlementaire d'Enquête.

L’article analyse les rapports entre leCongrès National et la BanqueCentrale du Brésil à partir du conceptde “présidentialisme de coalition”. Cedernier est employé pour décrire demanière générale le fonctionnementdu système politique brésilien. Aprèsune évaluation critique de la littéra-ture contemporaine sur la prestationde comptes de banques centrales,nous développons une discussion àpropos de l’évolution de la structurede la Banque Centrale du Brésil, enmettant l’accent sur la législation pro-duite pour réglementer ses activités.Finalement, nous abordons la ques-tion de la Commission Parlementaired’Enquê-te qui a enquêté sur le sys-tème financier, indiquant de quellefaçon les conflits et les décisions decette Commission ont démontré lalogique des relations entre les partisdu gouvernement et le présidentdans notre modèle politique prési-dentialiste et pluraliste.