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Introduação à Bioinformática Em 1988 o governo americano lançou o primeiro banco de dados público contendo sequências de DNA dos mais diversos organismos. Este repositório de seqüências recebeu o nome de Centro Nacional para Informação em Biotecnologia (NCBI-National Center for Biotechnology Information). Hoje este centro tem várias ramificações no mundo inteiro e além do banco de dados propriamente dito, o NCBI proporciona um grande número de ferramantas de informática e recursos para auxiliar o cientista na pesquisa genética. A utilização cada vez maior da informática no estudo da pesquisa biólogica e ainda mais específicamente no estudo dos genes deu origem à disciplina conhecida como bioinformática. A bioinformática é ainda considerada uma recente subdivisão da biotecnologia e representa o “casamento” da biotecnologia com a informática. De modo simples, bioinformática consiste no depósito e análise de sequências genéticas em bancos de dados e consequente manipulação e análise destas sequências com a utilização de software específicos. O estabelecimento de bancos de dados públicos possibilita que os cientistas possam ter acesso à informação proveniente de outros laboratórios e possam também trocar e compartilhar seqüências genéticas. Todos os dias novas seqüências são depositadas no banco de dados púbicos do NCBI, o chamado GenBank. A bioinformática tem revolucionado o desenvolvimento da pesquisa médico- biólogica e tem possibilitado que novas descobertas relevantes sejam realizadas quase todos os dias. Hoje a maioria dos biólogos envolvidos com a pesquisa genética não estão restritos apenas ao trabalho de laboratório devendo os mesmos dedicar grande parte do seu tempo à bioinformática. Manual Terceiro Módulo Terceiro Módulo Terceiro Módulo Terceiro Módulo Terceiro Módulo da oficina prática de Genética, Genoma e Biotecnologia www.odnavaiaescola.org Todos os direitos Todos os direitos Todos os direitos Todos os direitos Todos os direitos reservados à reservados à reservados à reservados à reservados à DNA Goes to School, Inc 2003 DNA Goes to School, Inc 2003 DNA Goes to School, Inc 2003 DNA Goes to School, Inc 2003 DNA Goes to School, Inc 2003 Conteúdo deste Módulo 1) Síntese de c-DNA 2) Genbank e banco de sequências 3) Pesquisa BLAST, 4) Comparação de sequências 4) Mapa de restrição Anotação de genomas Este texto foi escrito por Francisco Prosdocimi (transcrito com permissão do autor). Este artigo foi baseado, principalmente, no artigo da Revista Nature Reviews, volume 2, julho de 2001, páginas 493-505, Genome annotation: from sequence to biology, que foi escrito por Lincoln Stein. Por milhares de anos, rabinos têm trabalhado sobre os textos do Torah, tentando fazer com que esse livro sagrado, tão difícil de ser entendido, seja traduzido num conjunto de regras e condutas mais claras, de forma a montar uma versão compreensível desse texto, conhecida como Talmud. Com o passar do tempo, a grande quantidade de anotação contida no Talmud chegou a ultrapassar, de longe, o tamanho do texto original, o Torah. A mesma analogia pode ser feita para os genomas. A seqüência de DNA é uma fonte rica de informações sobre a biologia dos organismos, mas deve ser traduzida e anotada de forma correta para que possamos obter corretamente essas informações. A anotação genômica consiste num processo de vários passos, havendo, mais ou menos, três 1

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Introduação à Bioinformática

Em 1988 o governo americano lançou o primeiro bancode dados público contendo sequências de DNA dos maisdiversos organismos. Este repositório de seqüências recebeuo nome de Centro Nacional para Informação emBiotecnologia (NCBI-National Center for BiotechnologyInformation). Hoje este centro tem várias ramificações nomundo inteiro e além do banco de dados propriamente dito,o NCBI proporciona um grande número de ferramantas deinformática e recursos para auxiliar o cientista na pesquisagenética. A utilização cada vez maior da informática noestudo da pesquisa biólogica e ainda mais específicamenteno estudo dos genes deu origem à disciplina conhecidacomo bioinformática.

A bioinformática é ainda considerada uma recentesubdivisão da biotecnologia e representa o “casamento” dabiotecnologia com a informática. De modo simples,bioinformática consiste no depósito e análise de sequênciasgenéticas em bancos de dados e consequentemanipulação e análise destas sequências com a utilizaçãode software específicos.

O estabelecimento de bancos de dados públicospossibilita que os cientistas possam ter acesso à informaçãoproveniente de outros laboratórios e possam também trocare compartilhar seqüências genéticas. Todos os dias novasseqüências são depositadas no banco de dados púbicosdo NCBI, o chamado GenBank. A bioinformática temrevolucionado o desenvolvimento da pesquisa médico-biólogica e tem possibilitado que novas descobertasrelevantes sejam realizadas quase todos os dias. Hoje a maioria dos biólogos envolvidos com apesquisa genética não estão restritos apenas ao trabalho delaboratório devendo os mesmos dedicar grande parte doseu tempo à bioinformática.

ManualTerceiro MóduloTerceiro MóduloTerceiro MóduloTerceiro MóduloTerceiro Módulo

da oficina prática deGenética, Genoma e Biotecnologia

www.odnavaiaescola.org

Todos os direitos Todos os direitos Todos os direitos Todos os direitos Todos os direitos reservados à reservados à reservados à reservados à reservados à DNA Goes to School, Inc 2003DNA Goes to School, Inc 2003DNA Goes to School, Inc 2003DNA Goes to School, Inc 2003DNA Goes to School, Inc 2003

Conteúdo deste Módulo

1) Síntese de c-DNA

2) Genbank e banco de sequências

3) Pesquisa BLAST,

4) Comparação de sequências

4) Mapa de restrição

Anotação de genomas

Este texto foi escrito por Francisco Prosdocimi(transcrito com permissão do autor). Esteartigo foi baseado, principalmente, no artigoda Revista Nature Reviews, volume 2, julho de2001, páginas 493-505, Genome annotation:from sequence to biology, que foi escrito porLincoln Stein.

Por milhares de anos, rabinos têmtrabalhado sobre os textos do Torah, tentandofazer com que esse livro sagrado, tão difícil deser entendido, seja traduzido num conjunto deregras e condutas mais claras, de forma amontar uma versão compreensível desse texto,conhecida como Talmud. Com o passar dotempo, a grande quantidade de anotaçãocontida no Talmud chegou a ultrapassar, delonge, o tamanho do texto original, o Torah.A mesma analogia pode ser feita para osgenomas. A seqüência de DNA é uma fonte ricade informações sobre a biologia dosorganismos, mas deve ser traduzida e anotadade forma correta para que possamos obtercorretamente essas informações. A anotaçãogenômica consiste num processo de váriospassos, havendo, mais ou menos, três

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categorias básicas: a anotação em nível de nucleotídeos, anotação em nível de proteínas e anotação emnível de processo.

Na anotação em nível de nucleotídeos procura-se encontrar a localização física das seqüências deDNA e descobrir onde estão os genes, RNAs, elementos repetitivos, etc. Na anotação em nível protéicoprocura-se descobrir a provável função dos genes, identificando quais são aqueles que determinadoorganismo possui e quais ele não possui. Já a anotação em nível de processo procura identificar as vias eprocessos nos quais diferentes genes interagem, montando uma anotação funcional eficiente.

® Chico On Line. Prosdocimi, F. 2001-2.

Como as seqüências estão depositadas no GenBank?

Para que você possa realizar as atividades interativas você tem que entender como as seqüências deDNA e RNA estão depositadas no GenBank. As sequências estão sempre depositadas em forma de fitaúnica, mesmo que seja um fragmento de DNA. Isso porque quando o DNA é transcrito para a forma de RNAapenas uma das fitas é transcrita, a que chamamos de fita senso. A outra fita complementar à molécula deDNA, chamada de fita anti-senso não é transcrita para a forma de RNA. Deste modo, apenas a fita senso deDNA é depositada no banco de dados. É claro que isso é válido para os casos onde o gene é conhecido.Quando não se conhece o gene, qualquer uma das fitas pode ser a fita depositada. Mas não se preocupeporque só trabalharemos com genes conhecidos. Então, o primeiro ponto que você tem que ter em menteé que a fita de DNA depositada é a fita senso, que é transcrita para a forma de RNA.

O segundo ponto que você deve saber é que a molécula de RNA mensageiro, apesar de, na realidade,corresponder à fita complementar do DNA , não está depositada no Genbank desta forma. Ao invés disso, oRNA mensageiro depositado no GenBank é semelhante à fita senso de DNA. Então qual é a diferença entrea fita senso de DNA e fita de RNA mensageiro depositadas no GenBank? A diferença está no fato de que oRNA mensageiro constitui apenas os exons da molécula de DNA pois os introns são removidos durante oprocesso de edição do RNA. Deste modo o RNA mensageiro é sempre menor que a fita senso de DNA. Veja,o exemplo abaixo. As letras em maiúscula correspondem aos exons de um determinado gene e as letras emminúscula correspondem aos introns. Vamos supor que um fragmento de DNA de uma determinada fitasenso seja da seguinte forma:

ATGCGTTACCTTAGtcagtctcatcTCAGGTGTCatcttttcttaCTGATC

O RNA mensageiro correspondente à esta fita senso estará depositado no GenBank daseguinte forma:

ATGCGTTACCTTAGTCAGGTGTCCTGATC

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É importante que você faça as seguintes observações:· O RNA mensageiro constutui apenas os exons da fita original de DNA· O RNA mensageiro NÃO está na forma de fita complementar· O RNA mensageiro não está depositado com suas bases de uracil (que é o que na realidade ocorre),mas sim com as bases de timina

A explicação deste fato está na síntese de DNA complementar, ou cDNA. A maioria das seqüênciasde RNA que estão no GenBank foram obtidas através da síntese de DNA complementar. O cDNA é umamolécula similar ao DNA porém esta é sintetizada no laboratório. A síntese de cDNA é realizada com atranscriptase reversa, uma enzima de origem viral que tem a capacidade de produzir uma molécula de DNAdupla fita a partir da cópia de uma molécula de RNA. Ou seja, como o nome diz, a transcriptase reversa fazo caminho contrário daquele percorrido pela RNA polimerase, que a partir de uma molécula dupla fita deDNA produz RNA. Veja a figura abaixo.

A molécula de DNA produzida pela transcriptase reversa é chamada de DNA complementar (oucDNA) e é formada pelos mesmos compostos encontrados na molécula de DNA (açucar desoxirribose,grupos fosfato, ponte de hifdrogênio e as 4 bases nitrogenadas, adenina, timina, guanina e citosina). Adescoberta desta enzima viral e de seu mecanismo de ação abriu um importante caminho na biologiamolecular. A molécula de RNA é extremamente instável e dependendo do RNA em questão o número decópias pode estar muito reduzido. Deste modo, a possibilidade em se trabalhar com moléculas de cDNA aoinvés de RNA tem facilitado muito o trabalho do cientista no laboratório. O cDNA é uma molécula estavél, defácil manuseio e sua multiplicação é bastante simples.

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Atividade 1: Procurando um gene no GenBank- Seqüência de Imagens

Passo 1

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Passo 2

Passo 3

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Passo 4

Passo 5

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Passo 6

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Atividade: Cachorro, o melhor amigo do homem

Passo 1

Passo 2

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Passo 3

Atividade: Em buusca da mutação da anemia falciforme

Passo 1

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Passo 2

Passo 3

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Mapas de RestriçãoVeja abaixo os mapas de restrição que você irá obter no exercício Cortando com o WebcuterExercício 1: Polimorfismo do gene ALDR

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Exercício 2: Seqúência do gene VLCS (Very Long Chain Synthetase)

Após realizar a atividade no computador, tente responder às seguintes perguntas:1) O que é bioinformática?2) Se o DNA é uma fita dupla, por que as sequências aqui apresentadas só têm uma fita?3) A partir da realização da atividade “ Cachorro, o melhor amigo do homem..”, você

concluiria que o homem e os cachorros apresentam 91% de similaridade em seu DNA?4) O que é mapa de restrição e como o mesmo pode ser usado?5) O que é o GenBank?

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Tabela de Aminoácidos

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Bioinformática, a profissão do futuro Renato Sabbatini (disponível em http://www.epub.org.br/correio/cp990430.htm)

Nos últimos anos, as seções de oferta de empregos na área biomédica têm estado lotadasde anúncios à procura de um profissional ainda desconhecido da maioria das pessoas: o especialistaem bioinformática.

Esta é uma ciência novissima (existe há menos de 10 anos), que tem como objetivo desenvolvere aplicar técnicas computacionais no estudo da genética, da biologia molecular e da bioquímica.Entre outras coisas, ela é essencial para a construção de bases de dados contendo informaçõessobre os genes e proteínas dos organismos vivos, para a descoberta de novos genes, e de novosmedicamentos. Usando alta tecnologia, o bioinformata é muito valorizado pela crescente demandae pelo ainda pequeno número de pessoas capazes de preenchê-las. Os maiores empregadores sãoas universidades, empresas farmacêuticas e de informática, institutos de pesquisas privados e dogoverno. Os salários iniciais são altos, e um especialista com muitos anos de experiência pode ganharmuito dinheiro, particularmente nos grandes laboratórios multinacionais.

O verdadeiro oceano de dados que está sendo gerado por projetos como o Genoma Humano,e a expansão no setor de biotecnologia médica, são os principais responsáveis por esta explosão nademanda por bioinformatas. Existem hoje grandes repositórios de dados genéticos e bioquímicos,como o GenBank (que contém todas as seqüências de DNA conhecidas até hoje e que ocupa oequivalente a mais de 100 CD-ROMs). O Projeto Genoma Humano, por exemplo, tem como objetivodescobrir o código genético dos cerca de 80.000 genes humanos e utilizar esse conhecimento paratratar doenças genéticas.

Onde encontrar um bioinformático, ou como formá-lo? É uma tarefa ainda bastante difícil.Geralmente é um biólogo ou médico que tem grandes conhecimentos de informática, genética ebioquímica. Quase não existem cursos sobre esse tema, e a maioria dos profissionais da área éautodidata. Antes de tudo, é preciso ter uma cabeça interdisciplinar, ou seja, ter múltiplos talentos,tais como matemática, estatística, computação, instrumentação e bioengenharia, genética, biologia,etc.

O Brasil também se ressente da falta desses profissionais, embora já estejamos embarcadosem projetos genômicos grandes e multi-institucionais, como o Genoma da Xylella fastidiosa (ummicroorganismo que ataca os laranjais, causando a doença chamada “amarelinho”, de grandeimportância econômica para o estado de São Paulo) e o Projeto Genoma e Câncer, ambos daFAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que montou uma organizaçãopara o sequenciamento genético (ONSA).

A universidade precisa urgentemente se movimentar para formar esse profissional crucial paraa medicina do próximo século! No exterior (como na Baylor University, no Texas), já existem até cursosem nível de graduação sobre bioinformática. E aqui? Tirando uns poucos centros, como o da UNICAMP(Grupo de Biologia Computacional do Instituto de Computação, Centro de Biologia Molecular eEngenharia Genética, Núcleo de Informática Biomédica), estamos ainda no começo. Mas, semdúvida, é a profissão do futuro.

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Bioinformática: manual de utilizaçãoJoão Paulo Kitajima

“Experiência é o nome que damos a nossos erros.”Oscar Wilde

A bioinformática é uma área fascinante. Vejo nela a confluência de meus vários ideais de profissão:a multidisciplinaridade e o equilíbrio entre teoria e prática. O contato com biólogos, agrônomos,farmacêuticos e químicos me tem sido muito enriquecedor. Estudar a vida é uma experiência única eparticipar deste estudo me é muito gratificante. Além destas razões, pessoalmente, tornar-me bioinformatame possibilitou alinhar com a área de trabalho de meu velho pai, agrônomo e microscopista de longadata. Ao me envolver com biologia molecular aplicada a plantas, consigo entendê-lo melhor, comoprofissional e mesmo como pai.

Tenho trabalhado como bioinformata desde 1999, quando deixei para trás uma carreira promissoracomo professor adjunto no Departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de MinasGerais. Cansado de empregar o dinheiro público em projetos sem retorno mais imediato para a sociedade,decidi mudar para uma área de trabalho mais aplicada. Cheguei mesmo a prestar vestibular paraagronomia e economia, mas a necessidade de um salário falou mais alto e consegui uma bolsa de pós-doutorado da Fapesp no Laboratório de Bioinformática (LBI) do Instituto de Computação da Unicamp,então coordenado por João Carlos Setubal e João Meidanis. No início tudo era muito estranho, afinal decontas meu último contato com DNA havia sido no segundo grau. Mal me lembrava do que era o dogmacentral da biologia molecular, proteínas, enzimas e ribossomos. E, de repente, estava eu lá, fazendoinformática para biólogos, envolto por uma atmosfera efervescente de desafio. Afinal de contas, abioinformática do primeiro projeto genoma do Brasil estava acontecendo ali, ao meu lado. E depois dogenoma da Xylella fastidiosa, outros vieram. Em meados de 2001, o destino me chamava para novosdesafios. João Meidanis já havia mudado de rumo ao partir, alguns meses antes, para a iniciativa privadana área de software e serviços de bioinformática. João Setubal alçava vôos mais altos também, trabalhandoe realizando contatos acadêmicos no exterior.A ironia do destino me fez bater, em dezembro de 2001, nas portas da Votorantim Ventures (VV). Naquelamesma época, a Votorantim havia decidido investir em empreendimentos de risco e, na área debiotecnologia, as propostas de investimento estavam sendo analisadas por um grupo chefiado porFernando Reinach, um dos big boss da ciência no país. Na verdade, eu o havia procurado para meorientar sobre como submeter um projeto para a VV. Mas, nem tive tempo de expor os meus planos.Fernando já havia uma contraproposta: juntar-se, como sócio e diretor, a um novo grande empreendimentoque estava surgindo na área de genômica aplicada a plantas - a Alellyx. Chamo isto tudo de “ironia dodestino” porque, alguns meses antes desta proposta, ir para a iniciativa privada era para mim algo totalmentefora de cogitação. Eu sentia mesmo ojeriza a esta possibilidade. Mas eu estava vendo as pessoas a meuredor tomarem novos rumos e eu precisava encontrar o meu. Voltar para a universidade também estavafora de cogitação. O triângulo ensino-pesquisa-extensão era pesado demais para mim. Eu precisava dealgo com mais foco. Confesso que o projeto Alellyx era tentador. Impus algumas condições e declareiminha completa inexeperiência em assuntos empresariais. Condições aceitas e inexeperiência tolerada,levamos, eu e mais 4 sócios, 3 meses para finalizar o projeto. Começamos a operar em março de 2002.Durante aquele ano, compartilhei a coordenação da bioinformática com João Setubal. Em 2003, com avolta de Setubal para a academia, assumi sozinho esta área na empresa. Atualmente, conto com umaequipe de primeira linha, entre bioinformatas, analistas de sistemas e de suporte e me considero privilegiadoem estar onde estou.Vivi, nestes últimos 4 anos, então, diferentes experiências na área de bioinformática, do aprendizado àgerência, do público para o privado. Apesar do pouco tempo, esta heterogeneidade de situações mepermitiu chegar a algumas conclusões que podem servir de orientação para quem pretende trabalhar na

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área. Assim, como outras áreas emergentes de trabalho, a bioinformática se enquadra em um contextoonde o problema “não é hardware, nem software, mas peopleware”, como dizem por aí. Não consideroa bioinformática a profissão do futuro, mas penso que ela exige profissionais do futuro.Um profissional de bioinformática bem colocado precisa:

-Ter um bom conhecimento em ciência da computação: isto significa basicamente possuir umaboa capacidade de abstração algorítmica (isto é, saber traduzir a solução de um problema em umconjunto de programas eficazes e eficientes). Familiaridade e gosto por computação são condiçõesobrigatórias para o sucesso na área;

-Conhecer os príncipios da biologia molecular e as diferentes técnicas de bancada nos diferentesdomínios onde a bioinformática se faz necessária (as “ômicas” principalmente: genoma, transcriptoma,proteoma e metaboloma). Gostar de biologia é essencial.

Parece óbvio que um bioinformata qualificado precise preencher as duas condições acima. Masexiste uma condição adicional que, em várias situações, eu prezo muito mais do que a capacidadetécnica e que muitas vezes não vem explicitada nos currículos dos profissionais: a capacidade decompreender o que os usuários ou clientes necessitam para resolver os problemas. Esta condição é vitalpara qualquer contexto de análise de sistemas, mas, em bioinformática, ela é mais dramática. Osbioinformatas atendem um público que está envolvido com um negócio bastante complexo: ciência.Biólogos são cientistas e muitas vezes a solução bioinformática que necessitam faz parte do processoda descoberta. Ou seja, nem mesmo os usuários sabem exatamente o que querem e onde queremchegar. O bom bioinformata deve estar ciente deste fato e sintonizado com o usuário. O bioinformatadeve ser parte da definição da solução, antes mesmo da implementação dela. Visto de outro ângulo,um bioinformata deve, antes de tudo, saber se relacionar com pessoas e saber se colocar no lugar doscientistas. Em geral, profissionais de computação que trabalham em ambientes de P&D devem possuiresta característica. Na formação da minha equipe na Alellyx, eu valorizo muito mais um profissionalmediano entrosado e com foco do que um aluno nota 10 na faculdade, mas anti-social e disperso.

Enfim, a bioinformática é uma área de trabalho que exige um profissional multidisciplinar. Istoimplica obrigatoriamente na facilidade em se relacionar com diferentes tipos de profissionais (aqui,informatas se relacionando com outros informatas e com biólogos). Além do mais, deve possuir boacapacidade de abstração pois os problemas não são claros e as soluções menos ainda.

João Paulo Kitajima é diretor de Bioinformática/Alellyx Applied Genomics. Texto tirado de http://www.comciencia.br/reportagens/bioinformatica/12.htm

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