miolo direito rial contemporaneo

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  • 8/4/2019 Miolo Direito rial Contemporaneo

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    DireitoEmpresarialContemporneo

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    Direo GeralHenrique Villibor FlorySuperviso Geral de Editorao

    Benedita Aparecida CamargoDiagramaoRodrigo Silva RojasCapaRodrigo Silva RojasRevisoGelson Costa

    Conselho Editorial AcadmicoCoordenao GeralSuely Fadul Villibor Flory

    Ana Gracinda Queluz UNICSUL

    Anamaria Fadul USP/UMESP

    Antonio Celso Ferreira UNESPAntonio Hohleldt PUC-RS

    Antonio Manoel dos Santos Silva UNESP/ UNIMAR

    Arilda Ribeiro UNESP

    Benjamim Abdala Junior USP

    Jussara Suzi A. Nasser Ferreira UNIMAR

    Letizia Zini Antunes USP/UNESP

    Levino Bertan UNICAMP/UNOESTELucia Maria Gomes Corra Ferri UNESP/UNOESTE

    Maria Aparecida Brando Santilli USP/ CEE

    Maria de Ftima Ribeiro UNIMAR

    Maria do Rosrio Gomes Lima da Silva UNESP

    Raquel Lazzari Leite Barbosa UNICAMP/UNESP

    Romildo A. SantAnna UNESP/UNIMAR

    Soraya Regina Gasparetto Lunardi UNIMAR

    Sueli Cristina Marquesi PUC-SP

    Tereza Cariola Correa USP/UNESP

    Terezinha de Oliveira UNESP/UEM

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    007

    Organizadoras:

    Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

    Maria de Ftima Ribeiro

    DireitoEmpresarialContemporneo

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Accio Jos Santa Rosa (CRB - 8/157)

    D 85Direito empresarial contemporneo/ Jussara S.A. Borges Nasser Ferreira/Maria de Ftima Ribeiro,organizadoras Marlia: UNIMAR, So Paulo: Arte & Cincia, 2007p. 402, 21 cmObra coletivva

    ISBN - 978-85-61165-08-6

    1.Direito empresarial. 2. Direito civil. 3. Direito brasileiro. 4. Direito privado e funo social. 5.Globalizao. 6. Economia e blocos econmicos. 7. Estatuto da cidade, Lei n. 10.257/01. Estado dedireito. 9. Interveno do Estado Situaes econmicas. I. Ferreira, Jussara Suzi Assis BorgesNasser. II Ribeiro, Maria de Ftima.CDD - 346.065

    - 346.0664CDU - 342.9

    - 347.51

    ndices para catlogo sistemtico

    1. Administrao de empresas: Direito 346.0652. Direito Civil 346.06643. Globalizao: Argumentos legais: Direito empresarial 346.0654. Direito econmico 346.0655. Direito administrativo: 342.96. Empresas: Formas de relacionamentos: Direito 347.51

    2007 by Autor(a)

    Proibida toda e qualquer reproduo desta edio por qualquer meio ou forma, seja ela eletrnica ou mecnica, fotocpia, gravao ouqualquer meio de reproduo, sem permisso expressa do editor.

    Todos os direitos desta edio, em lngua portuguesa, reservados Editora Arte & Cincia

    Editora Arte & CinciaRua Treze de Maio, 71 Bela VistaSo Paulo SP - CEP 01327-000

    Tel.: (011) 3258-3153www.arteciencia.com.br

    Editora UNIMARAv. Higyno Muzzy Filho, 1001

    Campus Universitrio - Marlia - SPCep 17.525-902 - Fone (14) 2105-4000

    www.unimar.com.br

    Papel Reciclado: a Universidade de Marlia preservando o meio ambiente.

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    Sumrio

    Precio .........................................................................................7

    Apresentao...............................................................................

    Captulo 1A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO CIVILE A NOVA TEORIA CONTRATUALAlcides MATTIUZO JUNIORMaria Aparecida GAGLIARDI ....................................................9

    Captulo 2DIREITO CIVIL E ORDEM PBLICA NA LEGALIDADECONSTITUCIONALGustavo TEPEDINO ..................................................................

    Captulo 3CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EIMUNIDADES FISCAIS: ANLISE DOUTRINRIAE JURISPRUDENCIALJosiane de Campos Silva GIACOVONISoraya Regina Gasparetto LUNARDI ..........................................6

    Captulo 4FUNCIONALIZAO DO DIREITO PRIVADOE FUNO SOCIALJussara Suzi Assis Borges Nasser FERREIRA ................................79

    Captulo 5O BRASIL NO CONTEXTO DAS RELAES

    ECONOMICAS INTERNACIONAIS:REALIDADES E PERSPECTIVASLarcio Rodrigues de OLIVEIRA ...............................................09

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    Captulo 6

    DIREITO EMPRESARIAL, GLOBALIZAO E

    O DESAFIO DAS NOVAS RELAES DE TRABALHO

    Lourival Jos de OLIVEIRA .......................................................7

    Captulo 7

    A PROGRESSIVIDADE TEMPORAL DO IPTU NO

    ESTATUTO DA CIDADE: REFLEXOS NO

    DESENVOLVIMENTO ECONMICO

    Maria de Ftima RIBEIRO ........................................................7

    Captulo 8DEVER DE INTERVENO DO ESTADO NA ORDEMECONMICA POR MEIO DA FUNO NORMATIVAMarlene Kemper BASSOLI .......................................................09

    Captulo 9A CONFLITUOSIDADE AMBIENTAL DODESENVOLVIMENTO ECONMICOPaulo Roberto Pereira de SOUZA ..............................................9

    Captulo 10REFLEXES SOBRE A LIVRE INICIATIVA COMOUM DOS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS DA REPBLICA

    FEDERATIVA DO BRASIL E DO ESTADODEMOCRTICODE DIREITORuy de Jesus Maral CARNEIRO ..............................................07

    Captulo 11A SOBERANIA NO PROCESSO DE GLOBALIZAO:TRADICIONAIS CONCEITOS E SEUS NOVOS

    PARADIGMASWalkiria Martinez Heinrich FERRERJacqueline Dias da SILVA ..........................................................

    Sobre os autores .......................................................................99

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    PREFCIO

    As relaes sociais passam por transormaes tantas quantas aprpria sociedade. O direito, por reconhec-las, legitima ao mesmo

    tempo em que legitimado, pelo que se transorma.

    Hodiernamente, as modicaes de eixos aproximam os direitos

    pblicos e privados, reunindo os interesses cncavos e convexos

    por conta da conscincia denidora da nalidade social de todos os

    direitos. Enm, as refexes emergem para alm da legalidade, visandoa reqentar para desvendar a questo derradeira, ltima, porm pri-

    meira o m que se az princpio.

    O desenvolvimento econmico, as relaes jurdicas e mudanas

    sociais no Estado Democrtico de Direito e Social so, presentemente,

    apreendidos a partir de seus ns.

    A metodologia jurdica nalstica conduz compreenso dos

    textos jurdicos, voltados para uma interpretao possibilitadora, de

    acordo com o pensamento jurdico ps-moderno, dirigida para a

    concretizao do direito. H uma conscincia coletiva direcionada

    realizao dos princpios vitais ao equilbrio das relaes jurdicas, en-

    quanto valores, capazes de conduzir realizao de um outro valor de

    invocao permanente a justia social. Sob tal orientao, os direitos

    so, igualmente, infuenciados pela pluralidade do enmeno jurdico,

    emergindo novas possibilidades de dilogos, interpretaes renovado-

    ras do velho modelo da subsuno do azer e do aplicar o direito.

    Nesse contexto de muitos movimentos, desconsertos e consertos,

    o direito empresarial vem sendo redimensionado pelo conjunto dastransormaes havidas, determinadas pela conscientizao da necessi-

    dade da tutela dos interesses sociais.

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    Certa eita, um grupo de estudiosos sonhou desar contas. E

    desaram contas. Por m, contaram contas. Algumas colhidas nas

    ondas dos direitos individuais, dos sociais, dos coletivos, outras nas

    desigualdades sociais e algumas nas transormaes reais das relaes

    sociais. Ento, imaginaram contar um pouco do desar, indispensvel

    ao tear de novas contas.

    A obra Direito Empresarial Contemporneo rene artigos que

    tm como objeto o resgatar da evoluo, os debates recentes, os rumos

    e tendncias desse subsistema, dentre outros, proundamente enriqueci-do pelas signicativas transormaes ocorridas no universo jurdico.

    Para tratar dos relevantes e atuais pers temticos do Direito

    Empresarial Contemporneo, os autores revezam-se em abordagens

    detidas, inditas, dos muitos temas, prprios das novas concepes.

    Estilos dierentes, especialidades diversas, permitem aos articu-

    listas desarem suas contribuies, de maneira original, reunindo pelavez primeira, os prossionais de vrias reas do conhecimento jurdico,

    das cincias sociais e da economia, para analisarem, separadamente,

    mas em conjunto, as especicidades mais atuais, polmicas e relevantes

    desta seara, a um s tempo, pblica e privada.

    O moderno direito empresarial representa locusprivilegiado con-

    centrando relaes jurdicas pluridimensionais, possibilitando o desen-volvimento de um conjunto de interaes, conduzindo a perspectivas

    uncionais, acilitadoras da compreenso das complexidades prprias

    das relaes sociais no contexto atual.

    Com eeito, a conseqente projeo metodolgica caracteriza-

    dora do pensamento jurdico e absorvida pelo ambiente empresarial,

    possibilita o aastamento do ormalismo. As novas concepes aas-tam-se das texturas, exclusivamente, tcnicas na busca de resultados

    prticos dirigidos a um dado m. Assim deve ser compreendida a ree-

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    laborao do subsistema considerado, naturalmente, em sua dimenso

    constitucional para permitir realizao adequada e justa do modo de

    operar, concretizando os legtimos e plurais interesses.

    O conjunto de artigos que compem a obra tm em comum a

    abordagem crtico-refexiva do modelo metodolgico contemporneo,

    destacado nas palavras de Castanheira Neves:

    O objetivo o de convocar o pensamento jurdico (encarne ele

    no legislador, no juiz ou no jurista em geral) para a preparaoou denio, atravs do direito, das solues socialmente mais

    convenientes no as solues axiolgico-normativamente v-

    lidas e normativamente undadas e sim as solues nalsti-

    co-programaticamente mais oportunas ou teis e instrumental-

    mente adequadas ou ecazes no pressuposto de uma bsica

    preerncia pela pragmtica utilidade (e sua racional ecincia)relativamente axiolgica justia.

    Por m, a publicao assume o compromisso com a investigao de

    temas, objeto de debates e refexes acerca das complexidades ormadas

    pelos mais diversos pers do Direito Empresarial. Busca-se desvelar ques-

    tes especcas e multidimensionais por ocuparem o centro dos principaisdebates, na atualidade, voltados a desvendar as relaes e os laos consti-

    tutivos dos novos caminhos, da uno e das realizaes desse ramo do

    direito que no se esgota nestes estudos correlacionais, os quais, bem por

    essas razes, representam exerccios de permanente interlocuo.

    Marlia, outubro, 007.Proa. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

    Organizadora

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    APRESENTAO

    O Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marilia UNIMAR lana a pblico a obra Direito Empresarial Contempo-

    rneo, que conta com a participao dos seus proessoresJussara Sui

    Assis Borges Nasser Ferreira, Lourival Jos de Oliveira, Maria de Ftima

    Ribeiro, Marlene Kemper Bassoli, Paulo Roberto Pereira de Soua, Ruy

    de Jesus Maral Carneiro, Soraya Regina Gasparetto Lunardi e Walkiria

    Martine Heinrich Ferrer.Os textos so comemorativos aos trs anos de implantao do

    Programa na rea de concentrao Empreendimentos Econmicos,

    Desenvolvimento e Mudana Social, demonstrando a disseminao

    de resultados dos projetos e dos grupos de pesquisa desenvolvidos nas

    seguintes linhas de pesquisas Relaes Empresariais, Desenvolvimento

    e Demandas Sociais e Empreendimentos Econmicos, Processualida-

    de e Relaes Jurdicas.

    Convidados, tambm participam os proessoresAlcides Mattiuo Ju

    nior, Gustavo Tepedino, Jacqueline Dias da Silva, Josiane de Campos Silva

    Giacovoni, Larcio Rodrigues de Oliveira e Maria Aparecida Gagliardi.

    A obra composta por onze captulos aborda as temticas de relevncia

    no Direito Empresarial contemporneo com destaques de autores no cen-

    rio jurdico nacional, que enrentaram os temas com propriedades peculiares

    e particulares tratamentos, conorme suas especialidades prossionais e atu-

    ao acadmica. Os textos, ora elaborados. com embasamento em doutrina

    nacional e estrangeira e anlise jurisprudencial, demonstram o resultado do

    alto nvel de elaborao cientca atingido pelo Direito Empresarial.Entre os docentes do Programa de Mestrado em Direito da UNI-

    MAR, pontua, por primeiro este Livro, a proessoraJussara Suzi Assis

    Borges Nasser Ferreira, comouma das organizadoras desta Obra. A

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    Proessora Jussara trata da Funcionaliao do Direito Privado e Funo

    Socialdestacando com propriedade, a temtica sobre a uno social e

    a constitucionalizao, a uno social do contrato, do Cdigo Civil,

    da Empresa e da propriedade com destaque para a uncionalizao do

    direito, m social e bem comum. Ela nos convida a uma refexo sobre

    a temtica, quando revela que a uno social como princpio consti-

    tucional, ao limitar institutos clssicos do direito, redireciona o concei-

    to de sujeitos do direito para ocar as muitas titularidades consideradas,

    obrigatoriamente, a partir das bases principiolgicas indispensveis eccia social da dimenso da uncionalizao, introduzindo postura

    metodolgica que conduz para uma compreenso trina, reerente ao

    contrato, empresa e a propriedade. Entre outras armativas, ressalta

    a autora que a realizao social do direito depende da realizao de seus

    prprios ns sociais, as mudanas sociais e o prprio desenvolvimento

    do direito restam comprometidos.A proessoraMarlene Kempfer Bassoli, com o tema Dever de In

    terveno do Estado na Ordem Econmica por meio da uno normativa,

    luz da atribuio constitucional, demonstra que o Estado est sujeito

    aos limites da interveno, das antijuridicidades e das sanes jurdi-

    cas. Os princpios constitucionais indicam valores e normas jurdicas

    espera do processo de positivao, para, assim, alcanar o patamar dasrelaes humanas, uma vez que esse o nvel no qual se pode constatar

    a eetividade do Direito. Adianta a autora que a interveno do Esta-

    do, por meio da uno normativa, deve ser para indicar as condutas

    permitidas, proibidas ou obrigatrias. Conclui, que somente com a

    interveno estatal ser possvel enrentar as decincias constatadas

    durante o perodo em que o modelo do liberalismo econmico se ezpresente nas relaes econmicas. Se assim , ento a interveno um

    dever e o seu descumprimento antijuridicidade, arremata a autora.

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    Reees sobre a Livre Iniciativa como um dos Princpios Fun

    damentais da Repblica Federativa do Brasil e do Estado Democrtico

    o tema abordado pelo Proessor Ruy de Jesus Maral Carneiro.

    Inicialmente, tece consideraes sobre a livre iniciativa como um dos

    princpios undamentais do Estado Democrtico. Arma que se or

    arontada, toda estrutura estatal ruir. Destaca que a livre iniciativa

    deve trazer nsita na sua ormao um valor social, pois, s assim, ela

    se dar e aparecer na sua plenitude, tal como aparece na relao ao

    trabalho, como valores sociais. Por m, no seu exerccio, na sua ope-rao e na sua aplicao, ressalta que a livre iniciativa deve respeitar

    os ditames de uma resposta social, tanto nos seus aspectos mercantis,

    quanto naqueles de contedo de ordem moral. Rearma que o objeti-

    vo da empresa no deve ser o lucro pelo lucro, mas que a empresa deve

    cumprir sua uno social, devendo o Estado scalizar os desvios que

    desbordem suas prticas mercantis honestas e corretas sob o ponto devista social e dos bons costumes.

    Por sua vez, o proessor Lourival Jos de Oliveiradesenvolve

    um estudo acerca da discusso doutrinria sobre o Direito Empresarial,

    Globaliao e o Desafo das Novas Relaes de Trabalho, iniciando pela

    anlise do Direito Empresarial no processo de globalizao e seus refe-

    xos nas relaes de trabalho. Destaca que, atualmente, empresa passapor um novo conceito, e, com ela, tambm o trabalho, o desemprego

    e a orma de o homem produzir a sua vida. Assevera que o Estado atua

    cada vez menos no trato das relaes sociais e que as competncias

    que lhe eram prprias e que so redistribudas por toda a sociedade,

    azem surgir novas ormas de relacionamento. Demonstra, tambm,

    que, com o avano tecnolgico, oram criadas ideologias mercadol-gicas como a necessidade de reduo de custos para ns de obteno

    de maior lucro. Com isso, ressalta que um dos maiores desaos da

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    atualidade o resgate do homem por meio da socializao dos meios

    de produo, da construo de um meio ambiente empresarial que

    reconstrua os valores sociais do trabalho e que conduza para o cresci-

    mento da participao coletiva, criando-se um substrato para a eetiva-

    o de um verdadeiro Estado Democrtico de Direito.

    No textoA Conituosidade Ambiental do Desenvolvimento Econ

    mico, o proessor Paulo Roberto Pereira de Souzaanalisa os confitos

    existentes entre o desenvolvimento econmico e o preceito constitu-

    cional que garante a todos o direito vida com qualidade, j que odireito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito

    undamental, diante de sua natureza e importncia para a sobrevivn-

    cia da espcie humana. A proteo do meio ambiente exige do homem

    a ormulao de novos conceitos econmicos, tecnolgicos e jurdi-

    cos, para possibilitar a continuidade da vida no planeta, especialmente

    para as geraes uturas. Isso exige das empresas uma nova postura derespeito ao meio ambiente, salienta o proessor. A nova postura leva

    internalizao do custo ambiental. Finaliza, destacando, entre outros

    aspectos, que o estabelecimento de limites ao crescimento com vistas

    obteno de sustentabilidade no oende direitos undamentais, uma

    vez que, diante do princpio da proporcionalidade, lcito e justo sa-

    cricar o interesse individual diante do interesse coletivo. E isso deveocorrer porque no h crescimento econmico que justique o com-

    prometimento da qualidade de vida.

    Por meio de anlise crtica e com undamentos doutrinrios,

    Josiane de Campos Silva Giacovonie Soraya Regina Gasparetto

    Lunardi, avaliam duas jurisprudncias do Supremo Tribunal Federal,

    no texto Controle de Constitucionalidade e Imunidades Fiscais: Anli se doutrinria e jurisprudencial. Enatizam a relao das imunidades

    scais com os direitos undamentais e as possibilidades de limitao

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    ou abolio previstas na Constituio Federal por meio de Emenda

    Constitucional. Merece destaque a discusso doutrinria eita pelas

    autoras a respeito das imunidades tributrias como clusulas ptre-

    as, principalmente em razo da matria que veiculam. Pautadas nas

    jurisprudncias, observam que necessrio um minucioso trabalho

    de interpretao constitucional, devendo considerar-se a doutrina e a

    jurisprudncia nacionais bem como as experincias no direito estran-

    geiro que podero indicar a melhor interpretao e, concretamente, a

    relao das imunidades tributrias constitucionalmente previstas comoclusulas ptreas inseridas no artigo 60 da Constituio Federal.

    Em continuao s temticas abordadas nesta obra, merecem

    destaques os escritos sobre A Soberania no Processo de Globaliao:

    Tradicionais conceitos e seus novos paradigmas, elaborados pelas autoras

    Walkiria Martinez Heinrich Ferrer e Jacqueline Dias da Silva,

    que tm como propsito apresentar estudos sobre o desenvolvimentodo conceito clssico de soberania, observado nos contextos poltico,

    econmico e social e suas caractersticas de cada momento histrico.

    Dessa orma, analisaram o conceito de soberania no perodo absolu-

    tista passando pelas teorias de Bodin e Hobbes e por autores liberais

    como Locke e Rousseau. Com a nova ordem mundial, concluem que

    necessrio reormular o conceito de soberania principalmente porcausa da transormao do papel do Estado na atualidade em razo das

    transormaes nas relaes internacionais provocadas pelo processo

    de globalizao, fexibilizando o respectivo conceito.

    Encerrando a participao docente da UNIMAR, destaca-se o

    texto sobreA Progressividade Temporal do IPTU no Estatuto da Cidade:

    Reeos no Desenvolvimento Econmico escrito por esta Organizadora,que enoca a concepo contempornea da progressividade das alquo-

    tas incidentes sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano. Tal tribu-

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    tao leva em considerao as inovaes dispostas na Lei n 0.7/0

    (Estatuto da Cidade) com vistas ao planejamento urbano para garantir

    o cumprimento da uno social da cidade diante do desenvolvimento

    econmico, com a progressividade extrascal no tempo, considerando

    a subutilizao ou no utilizao do imvel conorme dispe o Plano

    Diretor do Municpio. Ressalta a importncia das alteraes na tri-

    butao do IPTU ocorridas com a Emenda Constitucional 9/000,

    a qual possibilitou a aplicao da progressividade de alquotas em ra-

    zo da localizao ou do valor do imvel. Conclui, tambm, que aprogressividade extrascal do IPTU poder consistir em instrumento

    com a nalidade de atender ao crescimento ordenado da cidade, aten-

    dendo, ainda, aos aspectos sociais, para que o imvel urbano cumpra

    sua uno social, criando, assim, ordem no crescimento da cidade e

    melhorando a qualidade de vida dos muncipes.

    Quanto aos autores convidados que integram a presente Obra, odestaque inicial a participao do proessor Gustavo Tepedino, reern-

    cia para todos ns. Deensor de idias e teses sobre o Direito Civil, enatiza

    o Direito Civil e Ordem Pblica na Legalidade Constitucional, destacando a

    intererncia da Constituio no mbito, antes reservado autonomia pri-

    vada, uma nova ordem pblica que deve ser construda, coerente com os

    undamentos e objetivos undamentais da Repblica. Finaliza seus escritosenatizando que o desao do jurista consiste, precisamente, na harmoni-

    zao das ontes normativas, a partir dos valores e princpios constitucio-

    nais, e que, o Cdigo Civil deve contribuir para tal esoro hermenutico.

    Portanto, as relaes jurdicas de direito privado devem ser interpretadas

    luz da Constituio, seja em obedincia s escolhas poltico-jurdicas do

    constituinte, seja em avor da proteo da dignidade, princpio capaz deconormar um novo conceito de ordem pblica, undado na solidariedade

    social e na plena realizao da pessoa humana.

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    Nessa mesma trilha, ao tratar sobre A Constitucionaliao do

    Direito Civil e a nova Teoria Contratual,Alcides Mattiuzo Juniore

    Maria Aparecida Gagliardiressaltam que, de todas as mudanas in-

    troduzidas no Cdigo Civil, a adoo de um sistema aberto e a ampla

    utilizao das clusulas gerais talvez tenham sido uma das mais impor-

    tantes, sobretudo diante do dinamismo a ser implementado com sua

    utilizao. Isso permitir ao hermeneuta valorar os interesses envolvi-

    dos e, portanto, compreendidos na norma jurdica, de acordo com a

    realidade contempornea. Analisando a legislao inraconstitucionalnuma perspectiva de interpretao civil-constitucional, salienta que o

    intrprete deve dar aos confitos uma soluo mais justa, sem jamais se

    olvidar da imprescindibilidade de se operar uma verdadeira releitura

    do direito privado, segundo a Constituio, para permitir a harmoni-

    zao entre os princpios aplicveis e a eventual prevalncia de alguns

    direitos sobre outros. Dessa orma, atentos aos princpios aplicveis aoscontratos (boa- objetiva, equivalncia material e uno social) e ao

    princpio undamental da dignidade da pessoa humana, concluem os

    autores que no mais se admite a mantena de contratos desprovidos

    de uma concepo social. Deve-se, armar eles, por meio da aplicao

    cientca do sistema jurdico, e, sobretudo, da sua potencializao, de

    orma a torn-lo compatvel com as exigncias econmicas e sociaishodiernas, uma conciliao entre a liberdade e a igualdade.

    Larcio Rodrigues de Oliveira destaca, em O Brasil no con

    teto das Relaes Econmicas Internacionais: Realidades e Perspectivas,

    as relaes econmicas do pas com os principais blocos econmicos

    mundiais, passando pela anlise do processo de globalizao dos ca-

    pitais produtivos e nanceiros que ocorreram na primeira e segundarevoluo industrial. Na seqncia aborda a evoluo do comrcio ex-

    terior e suas ormas de regulao internacional com enoques sobre os

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    blocos regionais econmicos destacando-se entre eles NAFTA, Pacto

    Andino, MERCOSUL e APEC. Verica as infuncias da abertura

    econmica na economia brasileira no incio dos anos 90, considerando

    a participao do Brasil nos blocos econmicos, suas diculdades em

    relao ao comrcio exterior e as perspectivas das relaes comerciais

    em relao ao mercado mundial. Demonstra, ao nal, que h neces-

    sidade de o Brasil desenvolver programas de investimentos contnuos

    em tecnologia de produtos e de gesto para melhoria da produtividade

    industrial, visando competio bem sucedida dos produtos brasilei-ros internacionalmente. Lembra, ainda, a necessidade de o governo

    brasileiro para atrair investimentos e possibilitar o retorno do capital

    investido, deixa claro para os empresrios, o rumo da poltica externa

    do pas em relao aos blocos econmicos.

    Os textos aqui produzidos mostram a interatividade entre os pro-

    essores do Programa de Mestrado em Direito da UNIMAR e con-vidados, bem como a anidade temtica, considerando, sobretudo a

    ormao jurdica, sociolgica e econmica dos autores. Evidenciam,

    tambm, a combinao equilibrada de suas experincias prossionais e

    acadmicas, notadamente com viso crtica que expem neste Livro.

    Esta obra inaugura o projeto editorial e seqencial com propostas de

    outras obras a serem produzidas, para compilar estudos sistematizados deDireito e de Empreendimentos Econmicos pelo Programa de Mestrado

    em Direito da UNIMAR, que tem como singularidade o atendimento,

    por meio da abordagem de temas polmicos e contemporneos.

    Marlia, Primavera de 007.

    Proa. Maria de Ftima Ribeiro

    Organizadora

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    9

    A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITOCIVIL E A NOVA TEORIA CONTRATUAL

    Alcides MATTIUZO JUNIOR

    Maria Aparecida GAGLIARDI

    No perodo que antecedeu Revoluo Francesa, as classes no-

    bres gozavam de privilgios institudos pelo poder unitrio e absoluto

    que se concentrava nas mos da coroa, pelo que o cidado comum sevia compelido a sucumbir perante o Estado Deus, na medida em que

    os seus direitos undamentais eram demasiadamente limitados.

    Com a queda da Bastilha e, em especial, com o advento do Cdi-

    go Civil Francs de 0 (Cdigo de Napoleo), o liberalismo adquire

    campo de atuao no cenrio poltico e legislativo, surgindo assim o

    chamado Estado de Direito, cujo poder passou a emanar ideologica-

    mente do povo, e o ordenamento jurdico, ulcrado no codexvigente,

    passou a ser dotado de completude e unicidade.

    No entanto, a partir de 0, o modelo individualista no mais se

    adequava nova realidade poltica, social e econmica, essa ltima marca-

    da pelo surgimento da indstria, transormao do comrcio dela decor-

    rente e, por conseqncia, prolierao do proletariado, acentuado ainda

    mais pelo distanciamento havido entre as classes dominantes e a operria.

    Realidade na qual a liberdade, conquistada e enaltecida num primeiro mo-

    mento, passou a se tornar alvo de exploraes, sobretudo aquelas advindas

    da predominncia dos economicamente mais ortes sobre os mais racos.

    Aliados a esse ato, os refexos ocasionados pela Primeira Guerrae tambm pela Grande Depresso de 99 infuenciaram sobrema-

    neira para o declnio do modelo liberal-individualista, o que ez com

    que o Estado passasse a adotar uma postura intervencionista, precipu-

    Captulo 1

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    0

    amente porque a igualdade prevalecente, substancialmente ormal, era

    obtida a partir da abstrao das desigualdades reais existentes entre os

    sujeitos, o que se tornou inadmissvel para a nova ideologia jurdica e

    losca que comeava a forescer.

    Dessa maneira, a partir da Revoluo Industrial e com o surgi-

    mento de novas guras contratuais, surgiu o enmeno da massica-

    o das relaes sociais, tornando o ordenamento jurdico at ento

    vigente obsoleto e inecaz diante das inovadoras espcies contratuais,

    haja vista a prevalncia do brocardopacta sunt servanda, que acabavapor transormar os contratos em negcios jurdicos intangveis.

    Anote-se, a propsito, que oi em Frana, no ano de 9 com a

    Lei Faillot, que ressurgiu a clusula rebus sic stantibus, admitindo-se a

    reviso dos contratos, haja vista a instabilidade econmica instalada a

    partir da Primeira Guerra Mundial.

    Naquela ocasio, depois de muita resistncia, buscou-se resga-tar o equilbrio econmico-nanceiro dos contratos que haviam sido

    celebrados antes da Grande Guerra, mormente levando-se em conta

    a grande incidncia de convenes de vontade que tinham por objeto

    o ornecimento de carvo, motivada ainda mais pelo crescimento da

    indstria, mas cujo preo, contratualmente imutvel, disparou subs-

    tancialmente com o nal do confito.A desproporcionalidade entre prestao e contraprestao demonstrou

    que no seria justo compelir os ento ornecedores de carvo a cumprirem

    as obrigaes que lhes cabiam, notadamente nos exatos termos que haviam

    sido estipuladas, o que, por si s, os conduziria ao empobrecimento.

    E justamente em ace de tais desequilbrios, o Estado se viu com-

    pelido a intervir nas relaes privadas, utilizando-se dos princpios dejustia social para nortear as relaes privadas e, especialmente, a legis-

    lao inraconstitucional.

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    Esse retrospecto histrico culminou na transormao da viso at

    ento liberal-individualista, para uma concepo social-humanista de

    contrato, motivada pela inltrao da justia social no modelo liberal.

    Hodiernamente, o hermeneuta deve interpretar o Cdigo Civil

    em absoluta conormidade com a Constituio Federal, revigorando

    institutos de Direito Civil que se encontram aastados da realidade, de

    orma a torn-los compatveis com as exigncias sociais e econmicas

    contemporneas.

    No entanto, tal interpretao haver de recair to-somente sobrea legislao civil que, conquanto anterior, se mostre compatvel com

    o Texto Maior, na medida em que o princpio de hermenutica cons-

    titucional deriva justamente da presuno de constitucionalidade da

    lei, sem olvidar ainda que as normas e princpios constitucionais que

    undamentam as relaes civis possuem eccia plena.

    H que promover, portanto, a uma verdadeira elevao dos princ-pios undamentais do direito civil e, no caso do tema ora enocado, dos

    contratos ao plano constitucional, mormente para condicionar a obser-

    vncia por todos e, sobretudo, a aplicao pelo juiz, da legislao inra-

    constitucional numa perspectiva de interpretao civil-constitucional.

    A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO CIVIL

    A aplicao dos princpios constitucionais aos contratos, nessa

    tica, se agura como a orma mais autntica de se promover concre-

    tamente a realizao dos direitos e garantias individuais estabelecidos

    pela Constituio Federal, a m de conduzir o juiz a uma valorao

    dos interesses envolvidos por meio da considerao da nalidade dasregras que motivaro deciso judicial, na qual se discute questes de

    relevo constitucional.

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    Atento a tais undamentos pondera Hart que os juzes, como

    principais hermeneutas dos confitos de interesses que lhes so sus-

    citados, no esto connados s alternativas de uma escolha cega e

    arbitrria, ou deduo mecnica de regras com um sentido pr-

    determinado, especialmente porque, no raras vezes, a sua escolha

    guiada pela considerao de que a nalidade das regras que esto a

    interpretar razovel, razo pela qual no se pretende, a partir delas,

    criar injustias ou oender princpios morais assentes. Portanto, uma

    deciso judicial, sobretudo quando envolve questes constitucionaisrelevantes, pode deixar o intrprete envolto na necessidade de se proce-

    der escolha entre valores morais e no uma simples aplicao de um

    nico princpio moral proeminente.

    Assim, ao se sustentar a existncia de um Direito Civil Consti-

    tucional, estar-se- azendo aluso a uma orma diversa de releitura

    do direito civil, ulcrada em uma nova ordem de idias losocamen-te voltada aplicao cientca dos princpios constitucionais, quer

    como instrumento para pr m aos confitos sociais, quer como meio

    para preservar o Estado democrtico de direito.

    John Rawls, analisando a teoria da justia de orma unitria,

    concluiu que a sua parte ideal apresenta uma concepo de uma so-

    ciedade justa que, em sendo possvel, h que ser buscada. Associado aisso, deende a idia de que as instituies existentes devem ser julgadas

    luz dessa concepo e consideradas injustas na medida em que dela

    se aastam sem raiz justicadora. Portanto, a classicao lexical dos

    princpios especica que elementos da teoria ideal so relativamente

    mais importantes, e as regras de prioridade sugeridas por essa ordena-

    HART, Herbert L. A. O conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes, . ed.Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 99, p. 0-. RAWLS, John. Uma teoria da justia. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves.So Paulo: Martins Fontes, 997, p.69-70.

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    o tambm devem aplicar-se a casos no ideais. Desse modo, cabe

    aos juristas o dever natural de eliminar quaisquer injustias, a comear

    pelas mais cruis que so identicadas pela medida do seu desvio em

    relao justia pereita.

    Pode-se, ento, airmar que, diante da considerao de que

    os direitos undamentais so direitos prima acie, preciso esta-

    belecer-se regras a im de dirimir conlitos existentes no campo

    do direito civil e, assim, harmoniz-lo em consonncia com os

    princpios constitucionais que, inegavelmente, penetram em to-das as disciplinas, estabelecendo assim uma relao de prevalncia

    de um direito em relao a outro, notadamente quando guarda

    respeito a valores no-patrimoniais, tais como a dignidade da pes-

    soa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos

    sociais e a justia distributiva.

    Convm registrar que, com a harmonizao dos princpios e ga-rantias contidos na ordem jurdico-positiva, tornar-se- possvel vis-

    lumbrar a importncia de alguns princpios undantes, deles extraindo

    a exata noo de igualdade, de dignidade da pessoa humana, dentre

    outros valores inexorveis.

    Como observa Karl Larenz, a bssola das valoraes do juiz pode

    ser vista no ethosjurdico dominante na comunidade nas concep-es dominantes de justia. Tal autor sustentava que o ethosjurdico

    dominante no consistia apenas numa soma de processos ao nvel da

    conscincia, mas no contedo de conscincia de uma multiplicidade

    de indivduos.

    Para ele,

    LARENZ, Karl. Metodologia da cincia do Direito. Trad. Jos Lamego. . ed.Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 997, p. 7.

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    (...) as ontes de conhecimento desse ethosjurdico dominan-

    te so, antes do mais, os artigos da Constituio relativos a

    direitos undamentais, outras normas jurdicas, e ainda pro-

    posies jurdicas undamentais da actividade jurisprudencial

    e da Administrao, os usos do trego e as instituies da

    vida social; um uso tradicional, mas apenas quando consti-

    tui expresso da concepo valorativa dominante.

    A esse respeito, ensina Miguel Reale:

    Os valores so como que achos luminosos que, penetrando

    na realidade social, se reogem em um sistema dinmico de

    normas, cada uma delas correspondente a uma deciso.

    Com essa linha de raciocnio, possvel armar que os direitosconsagrados constitucionalmente inatos, indisponveis, intranser-

    veis, indispensveis e oponveis erga omnes limitam o poder estatal

    porque possuem como objeto os bens mais elevados do ser humano,

    que, indubitavelmente, o centro do Universo.

    Percebe-se, de certa orma, que a Constituio deve ser compre-

    endida como um verdadeiro contrato, spero, no qual Estado e indiv-duo esto vinculados a direitos e obrigaes. Dessa orma, hermetica-

    mente se acondicionaram na legislao inraconstitucional os direitos

    proclamados pelas normas mximas, tornando exigncia e dever do

    Estado a proteo a todo direito reconhecido por lei.

    Por isso se pode dizer, explica Hans Kelsen, que

    REALE, Miguel. Filosoia do direito. So Paulo: Saraiva, 99, p. . KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Joo Baptista Machado. So Paulo:Martins Fontes, 997, p. -.

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    (...) a alta de penetrao na construo escalonada do Di-

    reito impediu tambm o reconhecimento de que, nos die-

    rentes escales de uma e mesma ordem jurdica, podem ter

    aplicao dierentes ormas de produo jurdica, de que

    uma produo democrtica de normas jurdicas gerais pode

    estar ligada a uma produo antocrtica das normas jurdi-

    cas individuais e, inversamente, uma produo autocrtica

    das normas jurdicas gerais pode estar ligada a uma produ-

    o democrtica das normas jurdicas individuais.

    E esse processo de constitucionalizao tem por objetivo prec-

    puo submeter o direito positivo aos undamentos de validade consti-

    tucionalmente estabelecidos.

    Segundo Gustavo Tepedino, o Cdigo Civil perde, assim,denitivamente, o seu papel de Constituio do direito priva-

    do. Os textos constitucionais, paulatinamente, denem prin-

    cpios relacionados a temas antes reservados exclusivamente

    ao Cdigo Civil e ao imprio da vontade: a uno social da

    propriedade, os limites da atividade econmica, a organiza-

    o da amlia, matrias tpicas do direito privado, passam aintegrar uma nova ordem pblica constitucional. 6

    Sob a gide dessa nova tica, v-se que o elenco dos direitos da

    personalidade se modicou, e continua a se modicar, como decor-

    rncia direta da mudana das condies histricas e, em especial, das

    necessidades e dos interesses, das classes dominantes, dos meios dis-

    6 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodolgicas para a constitucionalizao do Di-reito Civil. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 999, p. 7.

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    ponveis para a sua realizao, das transormaes sociais, dos avanos

    tecnolgicos e da cincia entre outros.

    o que assinala Norberto Bobbio ao armar que os direitos

    que oram declarados absolutos no nal do sculo XVIII, como a pro-

    priedade sacre et inviolable, oram submetidos a radicais limitaes

    nas declaraes contemporneas, assim como direitos que as decla-

    raes do sculo XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos

    sociais, so agora proclamados com grande ostentao nas recentes

    declaraes. Advertindo ainda que, muito provavelmente, no uturo,podero surgir novas pretenses que na atualidade sequer podemos

    imaginar, sobretudo, se levarmos em considerao a rapidez com que

    se operam as transormaes tecnolgicas, ato que denota a inexis-

    tncia dos direitos undamentais por natureza. Tal percepo leva-nos

    a acreditar que o que parece undamental numa poca histrica e

    numa determinada civilizao no undamental em outras pocas eem outras culturas. 7

    A REPERSONALIZAO

    Como visto, o modelo liberal-burgus tinha por supedneo a

    prevalncia dos valores relativos apropriao de bens, relegando aum segundo plano o indivduo, cuja eetiva valorizao da dignidade

    humana no encontrava espao para se impor.

    Assim, com a transormao da concepo liberal-individualista,

    e partindo-se ento da premissa de que os princpios undamentais da

    dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade, por consistirem

    7 BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 6 reim-pr. Rio de Janeiro: Campos, 99, p. -9.

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    em valores existenciais, deveriam colocar a pessoa humana no centro

    do direito civil, passando o patrimnio ao papel de coadjuvante, nem

    sempre imprescindvel, emergiu o que se pode intitular de enmeno

    da repersonalizao, e que veio a romper denitivamente com a tra-

    dio patrimonialista imposta durante a vigncia do Estado Liberal,

    e que grande infuncia teve no Cdigo Civil de 96, passando o

    indivduo a ser considerado pelo que , e no mais pelo que possua

    em termos materiais.

    Sob essa perspectiva, o proessor Pietro Perlingieri, da Universi-dade de Sannio, Itlia, sustenta que o estudo do direito e, portanto,

    tambm do direito tradicionalmente denido privado no pode

    prescindir da anlise da sociedade na sua historicidade local e univer-

    sal, de maneira a permitir a individualizao do papel e do signicado

    da juridicidade na unidade e na complexidade do enmeno social.

    Para Pietro Perlingieri,

    (...) o Direito cincia social que precisa de cada vez maiores

    aberturas; necessariamente sensvel a qualquer modicao da

    realidade, entendida na sua mais ampla acepo, especialmen-

    te porque possui como centro gravitacional o ser humano na

    sua evoluo psicosica, existencial, que se torna histria nasua relao com outras pessoas. Assim, a complexidade da vida

    social nos conduz determinao da importncia e do signi-

    cado da existncia que deve ser analisada como existncia no

    mbito social, ou seja, como coexistncia.

    PERLINGIERI, Pietro. Peris do Direito Civil. Introduo ao Direito CivilConstitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. . ed. Rio de Janeiro: Renovar,00, p. .

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    Eetivamente, nenhum Direito ou ramo de Direito concebe a

    idia de paralisao no tempo, tendo em vista que ainda que as nor-

    mas no se alterem, o entendimento acerca delas pode se transormar,

    sobretudo porque os confitos de interesses a serem solucionados so

    mutveis, da mesma orma que as solues de direito tambm so,

    alm de representarem o direito em ao. Nenhum direito deniti-

    vamenteactum: sempre alguma coisa in feri. 9

    Com muita propriedade escreve Karl Engish:

    A nossa vida jurdica, globalmente apreendida, modelada

    por predisposies e impulsos individuais, enquanto par-

    te da nossa multiacetada vida espiritual. No s no plano

    da administrao e da jurisdio os homens so chamados

    enquanto personalidades a modelar e a aplicar o Direito.

    A concepo subjectiva do que recto no apenas umresduo que preciso suportar penosamente, logo, algo que

    inelizmente no pode (pelo menos quando haja que azer

    valoraes) ser completamente excludo mas e antes um

    elemento positivo, e que como tal deve ser armado, da cul-

    tura jurdica. Assim como, no plano superior, no temos de

    representar o poder legislativo como um aparelho racionalque, segundo princpios abstractos, produz leis que so as

    nicas justas, mas como um processo orgnico integrado

    por mltiplas componentes pessoais que em grande parte

    so mundividencial e politicamente propelidas, como

    um processo no qual se luta vivamente pelo justo (recto)

    assim tambm no nos lcito, no plano inerior da apli-

    9 CARVALHO, Orlando. Para uma teoria geral da relao jurdica. . ed. Coim-bra: Centelha, 9, p. 0-, v. .

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    dispensar propriedade uma garantia praticamente absoluta, alando

    o indivduo para a rbita do ordenamento jurdico.

    No entanto, diante do quadro histrico traado inicialmente e,

    principalmente, como conseqncia das proundas alteraes ocorri-

    das no seio da sociedade, num primeiro momento, mostrou-se ne-

    cessria, em carter emergencial, a criao de leis excepcionais para

    regular setores no disciplinados pelo Cdigo.

    Posteriormente, com o crescente aumento das lacunas do direi-

    to, advieram leis especiais que tiveram por to disciplinar, de ormaespecializada e ampla, determinados temas de natureza civil, o que ez

    com que o Cdigo Civil perdesse seu carter de estatuto exclusivo das

    relaes patrimoniais privadas.

    Por derradeiro, o legislador se viu obrigado a ormular leis ainda

    mais abrangentes, tratando de maneira aproundada certos assuntos que,

    paulatinamente, oram sendo subtrados do Cdigo Civil, como a Conso-lidao das Leis do Trabalho, a Lei do Inquilinato, o Cdigo de Deesa e

    Proteo do Consumidor, o Estatuto da Criana e do Adolescente etc.

    A esse respeito pondera Luiz Edson Fachin que a ormao de

    microssistemas baseada em expressivo nmero de leis especiais e a

    constitucionalizao de suas categorias principais selam um tempo

    diverso daquele que ligou a codicao ao absolutismo e ao positivis-mo cientco, dando azo uma nova densidade da civilstica.

    Hoje em dia, admitida a existncia de microssistemas, denomi-

    nao atribuda pela doutrina s leis especiais mais abrangentes, de

    notar que o Cdigo Civil, em algumas matrias e diante do estrei-

    tamento do seu campo de abrangncia, oi reduzido categoria de

    onte residual. E assim o por uma ordem de razo, devido insero

    FACHIN, Luiz Edson. Elementos crticos de Direito de Famlia. Rio de Janeiro:Renovar, 000, p. 0.

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    nas grandes Constituies de princpios e normas que limitam a au-

    tonomia privada e estabelecem deveres sociais no desenvolvimento da

    atividade econmica privada.

    O que se vislumbra uma ampliao da attispecie, espraiada

    nas clusulas constitucionais que passaram a abordar temas antes ex-

    clusivos do Cdigo Civil, tais como a uno social da propriedade e a

    organizao da amlia.

    Canotilho nos d uma ampla viso acerca dos atores que ense-

    jaram a substituio de certos direitos, tradicionalmente patrimonia-listas, na busca pela coexistncia integrada dos direitos liberais e dos

    direitos sociais, econmicos e culturais, conquanto o entendimento de

    que a orma como os estados, na prtica, asseguram essa imbricao, se

    mostre proundamente desigual, armando que

    (...) se o capitalismo mercantil e a luta pela emancipaoda sociedade burguesa so inseparveis da conscientiza-

    o dos direitos do homem, de eio individualista, a luta

    das classes trabalhadoras e as teorias socialistas (sobretudo

    Marx, em AQuesto Judaica) pem em relevo a unidimen-

    sionalizao dos direitos do homem egosta e a necessi-

    dade de completar (ou substituir) os tradicionais direitosdo cidado burgus pelos direitos do homem total, o que

    s seria possvel numa nova sociedade. Independentemen-

    te da adeso aos postulados marxistas, a radicao da idia

    da necessidade de garantir o homem no plano econmico,

    social e cultural, de orma a alcanar um undamento exis-

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    tencial-material, humanamente digno, passou a azer parte

    do patrimnio da humanidade.

    O enmeno da descodicao, ao ragmentar o sistema unitrio

    do Cdigo Civil, opera uma inverso hermenutica, na medida em

    que transere as regras de interpretao para o mbito dos chamados

    microssistemas jurdicos.

    A DICOTOMIA ENTRE PRINCPIOS

    E CLUSULAS GERAIS

    Por primeiro, em matria contratual, devemos entender os prin-

    cpios como as normas elementares ou os requisitos primordiais insti-

    tudos como alicerces das relaes jurdicas edicadas a partir da auto-

    nomia de vontade.

    Na lio de Larenz

    , os princpios jurdicos so idias jurdicasgerais que permitem considerar uma regulamentao normativa como

    conveniente ou bem undada, por reerncia idia de Direito ou a va-

    lores jurdicos reconhecidos. Assim, os princpios revelam o conjunto

    de regras ou preceitos xados para servir de norma a toda espcie de ao

    jurdica, convertendo as operaes jurdicas em pereitos axiomas.

    Os princpios, segundo a tcnica legislativa moderna, tm a suaaplicao viabilizada por meio das clusulas gerais que, para Judith

    Martins-Costa, atuam instrumentalmente como meios para esta con-

    creo, porquanto so elas elaboradas atravs da ormulao de hipte-

    GOMES CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional e Teoria da Constituio.. ed. Coimbra: Almedina, 99, p. 6-6. LARENZ, op. cit. p. 69.

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    se legal, que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a

    tratamento jurdico todo um domnio de casos.

    Para Esser, as clusulas gerais podem ser identicadas como

    sendo starting points ou pontos de apoio para a ormao judicial da

    norma no caso concreto, que permitem a constante atualizao do di-

    reito posto, pois, diante de sua vagueza semntica6, se tornam parti-

    cularmente adequadas para a apaziguao de questes sociais instveis.

    As clusulas gerais uncionam como liames que conectam os valores

    reivindicados com o sistema normativo, permitindo o seu ingresso naordem jurdica e, com isso, acilitando o trabalho do hermeneuta.

    Nesse diapaso, Martins-Costa ensina:

    Na verdade, por nada regulamentarem de modo completo e

    exaustivo, atuam tecnicamente como metanormas, cujo ob-

    jetivo enviar o juiz para critrios aplicativos determinveisou para outros espaos do sistema ou atravs de variveis

    tipologias sociais, dos usos e costumes objetivamente em

    determinada ambincia social. 7

    No entanto, h quem aponte para a possvel insegurana que

    possa vir a ser gerada em ace da m-ormao tcnica, ou ainda pelaexistncia de preconceitos ideolgicos dos operadores do direito.

    Humberto Theodoro Jr., por exemplo, acentua:

    MARTINS-COSTA, Judith H. As clusulas gerais como atores de mobilidade dosistema jurdico. In:In: Revista dos Tribunais, v. 60, jun./99, p. 0. Apud LARENZ, op. cit., p.66.6 A expresso de Martins-Costa, O direito privado como um sistema em cons-truo As clusulas gerais no projeto do Cdigo Civil brasileiro. In: Revista dosTribunais, v. 7, jul./99, p. .7 Idem, ibidem, p. 9.

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    O grande risco, nesse momento de aplicao do conceito

    genrico da lei, est na viso sectria do operador, que, por

    m-ormao tcnica ou por preconceito ideolgico, esco-

    lhe, dentro do arsenal da ordem constitucional apenas um

    de seus mltiplos e interdependentes princpios, ou seja,

    aquele que lhe mais simptico s convices pessoais.

    Para o citado mestre,

    (...) o valor eleito se torna muito superior aos demais ormado-

    res da principiologia constitucional. Toda a ordem inracons-

    titucional, graas superideologizao do operador, passa a se

    alimentar apenas e to somente de orma sectria, unilateral

    e pessoal, muito embora aparentando respaldo em princpio

    tico prestigiado pela Constituio.

    O problema da distino entre princpios e clusulas gerais en-

    contra sustentculo na prpria denio dos dois institutos. Assim o

    porque o princpio pode ser considerado como uma norma expressa

    ou no, que servir como undamento para outra; enquanto a clusula

    geral, sempre expressa, e conquanto possa exprimir um princpio, no um princpio, especialmente porque, diante da sua vagueza, exige do

    intrprete uma atuao especial, mais criadora, porm no arbitrria.

    Nessa linha de raciocnio, Ruy Rosado de Aguiar Jr. sublinha que

    (...) do emprego da clusula geral decorre o abandono do

    princpio da tipicidade e ca reorado o poder revisionista do

    THEODORO JR., Humberto. O contrato e sua uno social. Rio de Janeiro:Forense, 00,p. .

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    Juiz, a exigir uma magistratura preparada para o desempenho

    da uno, que tambm deve estar atenta, mais do que antes,

    aos usos e costumes locais. 9

    Destarte, endossando as mais balizadas opinies, pode-se ar-

    mar que a uno principal das clusulas gerais a de permitir, num

    sistema jurdico positivado, a criao de normas jurdicas com alcance

    geral pelo hermeneuta.

    Para Neves

    0

    , inegvel o ato de que a renovao e a uncio-nalizao do Direito Civil no prescindem da teoria dos princpios

    como marco terico, nem da Constituio como onte direta destes

    princpios, notadamente porque em uma ordem constitucional que

    admita uma interpretao pluralista e aberta, como a nossa, o conhe-

    cimento do papel dos princpios por parte dos operadores do direito

    imprescindvel.Ronald Dworkin, ao analisar a dicotomia entre regra e prin-

    cpio, aduz que em muitos casos a distino dicil de estabelecer

    possvel que se tenha estabelecido de que maneira o padro deve

    uncionar; esse ponto pode ser ele prprio o oco da controvrsia. E

    mais adiante, ao se contrapor ao posicionamento adotado por Hart,

    aponta que:

    9 AGUIAR JR., Ruy Rosado. Projeto do Cdigo Civil: as obrigaes e os contratos.Revista dos Tribunais, ano 9, v. 77, p. 0, maio/000.0 NEVES, Gustavo Kloh Muller. Os princpios entre a teoria geral do Direito e oDireito Civil Constitucional. In: RAMOS, Carmem Lcia Silveira et al. (org.). Dilo-

    gos sobre Direito Civil: construindo a racionalidade contempornea. Rio de Janeiro:Renovar, 00, p. 6. DWORKIN, Ronald. Levando o direito a srio. So Paulo: Martins Fontes,

    00, p. -. Ibdem, p. 9-9.

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    (...) no posso realmente querer armar a existncia de um

    sistema jurdico que no tenha um teste undamental para

    identicar as regras e os princpios do direito. Faz parte do

    meu argumento que alguns princpios devem ser conside-

    rados como direito e, portanto, estejam presentes em argu-

    mentos judiciais, enquanto outros no. Se isso verdade,

    deve haver alguma espcie de teste que possa ser usado para

    distinguir entre uns e outros. Assim, preciso entender mi-

    nha declarao de que no existe tal regra undamental quesignique simplesmente que o teste undamental deve ser

    demasiadamente complexo para que se possa enunci-lo na

    orma de uma simples regra.

    No menos dierente o entendimento de Canotilho que,

    diante de tal diculdade, leciona: Saber como distinguir, no mbitodo superconceito norma, entre regras e princpios, uma tarea parti-

    cularmente complexa. Vrios so os critrios sugeridos.

    Para Robert Alexy, La distincin entre reglas y principios no es

    nueva. A pesar de su antigedad y de su recuente utiliacin, impera al

    respecto conusin y polmica. Eiste una desconcertante variedad de cri

    terios de distincin.Conclui-se, portanto, que a considerao do princpio como

    um instituto contemplador de valores socialmente amadurecidos

    e que conclama no s reconhecimento, mas, sobretudo, eetiva-

    o na ordem social, dentro de um ordenamento jurdico dotado

    CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituio dirigente e vinculao do legislador.Contributo para compreenso das normas constitucionais programticas, Coimbra:

    Almedina, 99, p. . ALEXY, Robert. Teora de los derechos undamentales. Madrid: Centro de Es-tudios Polticos y Constitucionales, 00, p. -.

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    de normas pontuais, az emergir um impasse ace estruturao

    das normas jurdicas que, sob o prisma rgido da reserva legal, no

    contempla a possibilidade de aplicao de valores-princpios, des-

    prendidos nos anseios da sociedade.

    Por essa razo, az-se necessria a presena das chamadas clu-

    sulas gerais, como verdadeiros elementos de conexo entre os valores

    reclamados e o sistema codicado, propondo-se a eetuar o elo de liga-

    o para a introduo desses valores no ordenamento, sem ruptura da

    ordem positivada, sem quebra do sistema.

    OS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS E A

    NOVA TEORIA CONTRATUAL

    A partir desta anlise, o princpio da autonomia privada, visto

    como enmeno que permite que as pessoas concluam negcios jurdi-cos bilaterais, relativizado em prol da justia substancial que, ulcrada

    na idia de uno social do contrato, impe ao intrprete a imprescin-

    dibilidade de se observar a relevncia desse para toda a sociedade, e no

    apenas como algo que interessa somente s partes.

    O princpio uno social, no entanto, no se agura como ne-

    cessariamente novo no direito privado brasileiro. A Lei de Introduoao Cdigo Civil j o previa da seguinte orma: Na aplicao da lei,

    o juiz atender aos ns sociais a que se dirige e s exigncias do bem

    comum (art. ). Dessa orma, desde 9, o judicirio brasileiro, ao

    aplicar a lei, obrigado a observar o m social a que ela se destina.

    No obstante, o Cdigo Civil determina, no artigo , que a

    liberdade de contratar ser exercida em razo e nos limites da uno

    JORGE JR., Alberto Gosson. Clusulas gerais no Novo Cdigo Civil. So Pau-lo: Saraiva, 00, p. 0.

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    social do contrato, pelo que se perceber que, alm da ordem pblica

    e dos bons costumes, a liberdade de contratar tambm dever ter em

    mira a uno social do contrato.

    Num certo sentido, pode-se entender que essa uno li-

    mitadora expressa a imperatividade de se obedecer ao mandamento

    constitucional azendo com que o contrato cumpra a sua uno so-

    cial, como concepo de justia que deve orientar a ordem econmica

    hoje disseminada em vrios ramos do direito.

    Por isso bom que se lembre que na aplicao da lei o intrpreteno poder se dissociar jamais do critrio teleolgico, buscando, sempre

    que possvel, o m social colimado para tornar possvel a sociabilidade

    humana, especialmente porque o direito se encontra em constante mu-

    tao, absorvendo os refexos gerados pelos novos atos e valores.

    Outrossim, com base na noo de boa- objetiva6, cobra-se

    transparncia do contrato, desde a oerta, proibe-se, por exemplo, apublicidade enganosa ou abusiva, constri-se o dever de inormar (ao

    qual se ligam o dever de condencialidade sobre as inormaes ob-

    tidas e o direito de acesso s inormaes e sua reticao, se ne-

    cessrio), veda-se a abusividade de modo geral e se arma o dever de

    cooperao entre as partes.

    Pode-se dizer que o princpio da boa- consiste no reconheci-mento de deveres secundrios, conexos e independentes da vontade

    maniestada pelas partes, a serem observados nas ases pr-contratual,

    contratual e ps-contratual.

    Ensina Claudia Lima Marques:

    6 A Boa- objetiva reconhecida como um princpio jurdico pela doutrina e pelajurisprudncia brasileiras, como registrou Teresa Paiva de Abreu Trigo de Negreiros,Fundamentos para uma interpretao constitucional do princpio da boa-. Riode Janeiro: Renovar, 99, p. .

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    Como novo paradigma para as relaes contratuais (...) pro-

    pe a cincia do direito o renascimento ou a revitalizao

    de um dos princpios gerais do direito h muito conhecido

    e sempre presente desde o movimento do direito natural: o

    princpio geral da Boa-. Este princpio ou novo manda-

    mento (Gebot), obrigatrio a todas as relaes contratuais

    da sociedade moderna e no s s relaes de consumo, ser

    aqui denominado de Princpio da Boa- Objetiva para des-

    tacar a sua nova interpretao e uno.

    7

    Eetivamente o princpio da Boa-F Objetiva, na ormao e na

    execuo das obrigaes, possui uma dupla uno na nova teoria con-

    tratual:

    ) como onte de novos deveres especiais de conduta duran-te o vnculo contratual, os chamados deveres anexos, e

    ) como causa limitadora, antes lcito, hoje abusivo, dos

    direitos subjetivos.

    Boa- objetiva signica, portanto, uma atuao refetida, uma

    atuao refetindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respei-tando-o, respeitando seus interesses legtimos, suas expectativas razo-

    veis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstruo,

    sem causar leso ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir

    o bom m das obrigaes: o cumprimento do objetivo contratual e a

    realizao dos interesses das partes.

    Vale dizer, como averbado por Judith Martins-Costa que

    7 MARQUES, Cludia Lima. Contratos no Cdigo de Deesa do Consumidor.. ed. So Paulo: RT, 999, p. 7-79.

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    (...) a expresso boa- subjetiva denota estado de conscin-

    cia, ou convencimento individual de obrar (a parte) em con-

    ormidade ao direito (sendo) aplicvel, em regra, ao campo

    dos direitos reais, especialmente em matria possessria. Diz-

    se subjetiva justamente porque, para a sua aplicao, deve o

    intrprete considerar a inteno do sujeito da relao jurdica,

    o seu estado psicolgico ou ntima convico. Antittica boa-

    subjetiva est a m-, tambm vista subjetivamente como ainteno de lesar a outrem.

    De outra parte,

    (...) j por boa- objetiva se quer signicar segunda a co-

    notao que adveio da interpretao conerida ao doCdigo Civil alemo, de larga ora expansionista em ou-

    tros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe atribu-

    da nos pases da common law modelo de conduta social,

    arqutipo ou standardjurdico, segundo o qual cada pessoa

    deve ajustar a prpria conduta a esse arqutipo, obrando

    como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade,probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se

    em considerao os atores concretos do caso, tais como o

    status pessoal e cultural dos envolvidos, no se admitindo

    uma aplicao mecnica do standard, de tipo meramente

    subsuntivo.9

    MARTINS-COSTA, Judith.A Boa- no direito privado. So Paulo: Revistados Tribunais, 999, p. .9 MARTINS-COSTA, op. cit., p. , nota .

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    Finalmente, o princpio da equivalncia material visa a buscar e

    a garantir o equilbrio real entre direitos e obrigaes decorrentes dos

    contratos, ou seja, o justo equilbrio contratual e, conseqntemente,

    a abrandar sensivelmente o brocardopacta sunt servanda e aastando a

    idia at ento predominante de que os contratos so intangveis.

    Sob a tica do Direito Civil Constitucional, e luz do

    contido nos artigos na , 70, e , XXXV, CF, no mais se pode

    conceber a idia de um contrato em que impere o desequilbrio, aausncia de boa e da eqidade.

    CONSIDERAES FINAIS

    O surgimento do Direito Civil Constitucional reala o dinamis-

    mo com que se transormam as relaes sociais e torna imperioso oreconhecimento da Constituio Federal como diploma sistematiza-

    dor de toda a ordem jurdica vigente, impondo-nos a adoo imediata

    dos princpios nela contidos a m de solucionar os confitos existentes,

    quer adequando a legislao inraconstitucional atravs de uma relei-

    tura dos preceitos positivados, porm, levado a cabo com supedneo

    num conjunto de idias extrado dos campos poltico, cientco e lo-sco, quer aplicando os princpios constitucionais calcado na conju-

    gao de raciocnios lgico-valorativos entre as normas constitucionais

    e as normas privadas.

    Dessa orma, atento aos princpios sociais aplicveis aos contratos

    boa- objetiva, equivalncia material e uno social e ao princpio

    undamental da dignidade da pessoa humana no mais se admite amantena de contratos desprovidos de uma concepo social, deven-

    do-se buscar, atravs da aplicao cientca do sistema jurdico e, so-

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    bretudo, da sua repotencializao, de orma a torn-lo compatvel com

    as exigncias econmicas e scias hodiernas, uma conciliao entre a

    liberdade e a igualdade.

    Esta concepo social dos contratos, somada aos novos ditames

    de eticidade e socialidade que infuenciaram notadamente os ideali-

    zadores do projeto do atual Cdigo Civil, levo-nos a um rompimen-

    to com seu o tradicional conceito que, dada a infuncia sorida pelo

    ento Estado Liberal, rmava-se inarredavelmente na autonomia da

    vontade e na ora obrigatria.

    REFERNCIAS

    AGUIAR JR., Ruy Rosado. Projeto do Cdigo Civil: as obrigaes e os con-tratos. Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 9, v. 77 - maio/000.

    ALEXY, Robert.. Teora de los derechos undamentales. Madrid: Centro

    de Estudios Polticos y Constitucionales, 00.BOBBIO, Norberto.A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho,6. reimpr. Rio de Janeiro: Campos, 99.CARVALHO, Orlando. Para uma teoria geral da relao jurdica. .ed. Coimbra: Centelha, 9.v. I.DWORKIN, Ronald. Levando o direito a srio. So Paulo: MartinsFontes, 00.ENGISCH, Karl. Introduo ao pensamento jurdico. Trad. J. Baptista

    Machado, 7. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 996.GOMES CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional e teoria da Cons-tituio. . ed. Coimbra: Almedina, 99.______. Constituio dirigente e vinculao do legislador. Contributopara compreenso das normas constitucionais programticas. Coimbra:

    Almedina, 99, p. .JORGE JR., Alberto Gosson. Clusulas gerais no Novo Cdigo Civil.So Paulo: Saraiva, 00.

    KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Joo Baptista Machado.So Paulo: Martins Fontes, 997.HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes, .ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 99.

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    LARENZ, Karl. Metodologia da cincia do direito. Trad. Jos Lamego,. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 997.MARTINS-COSTA, Judith H. As clusulas gerais como atores de mobi-

    lidade do sistema jurdico. In: Revista dos Tribunais, v. 60, jun./99.______. O direito privado como um sistema em construo As clu-sulas gerais no projeto do Cdigo Civil brasileiro. In Revista dos Tribu-nais, v. 7, jul./99.______.A Boa- no Direito Privado. So Paulo: Revista dos Tribunais,999.MARQUES, Cludia Lima. Contratos no Cdigo de Deesa do Consu-midor. . ed. So Paulo: RT, 999.

    NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretao constitu-cional do princpio da boa-. Rio de Janeiro: Renovar, 99.NEVES, Gustavo Kloh Muller. Os princpios entre a teoria geral do Di-reito e o Direito Civil Constitucional. In: RAMOS, Carmem Lcia Silvei-ra et al. (org.). Dilogos sobre Direito Civil: construindo a racionalidadecontempornea. Rio de Janeiro: Renovar, 00.PERLINGIERI, Pietro. Peris do Direito Civil. Introduo ao DireitoCivil Constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. . ed. Rio de Ja-

    neiro: Renovar, 00.RAWLS, John. Uma teoria da justia. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. So Paulo: Martins Fontes, 997.REALE, Miguel. Filosoia do direito. So Paulo: Saraiva, 99.TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodolgicas para a constitucionali-zao do Direito Civil. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Re-novar, 999.THEODORO JR., Humberto. O contrato e sua uno social. Rio de

    Janeiro: Forense, 00.

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    DIREITO CIVIL E ORDEM PBLICA NALEGALIDADE CONSTITUCIONAL

    Gustavo TEPEDINO

    Qual o objetivo do Direito? O que seria de ns

    se no ssemos obcecados pela pessoa humana?

    Se no tivssemos uma preocupao constante,

    todos os dias de nossas vidas, pelo homem, por

    sua elicidade, pela sua dignidade, pela satis-ao de suas necessidades, pela superao dos

    obstculos de direito e de ato que impedem o

    pleno desenvolvimento da pessoa humana? O

    que seria de ns, juristas? Haveramos perdido

    nossa razo de ser, a razo de nossa existncia! JorgeMosset Iturraspe

    A relao entre direito civil e ordem pblica, noes tradicional-

    mente to dspares, que apenas se tangenciavam nos limites de seus

    campos de atuao, revela a irradiao dos princpios constitucionais

    nos espaos de liberdade individual. Com eeito, a partir da interern-

    cia da Constituio no mbito antes reservado autonomia privada,

    uma nova ordem pblica h de ser construda, coerente com os unda-

    mentos e objetivos undamentais da Repblica.

    Em rigor, desde os anos oitenta os civilistas sustentam, no Direito

    brasileiro, a imprescindibilidade da aplicao direta das normas consti-

    tucionais nas relaes jurdicas de direito privado. Contra tal corrente

    congurou-se, com a promulgao da Constituio brasileira de 9,

    O Pro. Iturraspe deiniu a Constituio Brasileira de 9 como moderna e pro-gressista, pois produziu o que hoje se chama a constitucionalizao do Direito Civil.Incorporou carta undamental direitos da personalidade, direitos humanos, direitos

    Captulo 2

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    ou acol. Parece, ao revs, imprescindvel e urgente uma

    releitura do Cdigo Civil e das leis especiais luz da Cons-

    tituio.

    Mais de uma dcada depois, diante do Cdigo Civil de 00,

    impe-se uma refexo acerca dos paradigmas axiolgicos que devem

    nortear o intrprete na reconstruo dos institutos de direito privado.

    Deve-se observar, primeiramente, que os critrios interpretativos do

    Direito Civil no mais se encontram no Cdigo Civil. Conorme sedestacou, a Constituio da Repblica promoveu uma alterao quali-

    tativa nos institutos civilsticos, uncionalizando-os aos valores consti-

    tucionais, no mais havendo setores imunes a tal incidncia axiolgica,

    isto , espcies de zonasrancaspara a atuao da autonomia privada.

    A autonomia privada deixa de congurar um valor em si mesma, e ser

    merecedora de tutela somente se representar, em concreto, a realizaode um valor constitucional.

    Entretanto, no obstante tenha se diundindo, nesses quinze

    anos, a armao da importncia cada vez maior da Constituio para

    o Direito Civil, percebe-se uma postura cultural um tanto quanto bi-

    zarra, uma certa arrogncia de alguns juristas, que pretendem adaptar

    o Texto Constitucional ao Novo Cdigo Civil e que julgam, a partirdele, ser desnecessria a metodologia do direito civil constitucional,

    uncionando novamente o Cdigo Civil como uma sntese constitu-

    cional das relaes privadas. Daqui decorre um reconhecimento ape-

    nas retrico da aplicao direta da Constituio nas relaes privadas.

    Seja consentida a reerncia aula inaugural do ano acadmico de 99, por mimproerida na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, con-tida no texto intitulado Premissas Metodolgicas para a Constitucionalizao do Di-reito Civil. In: Temas de Direito Civil. . ed. Rio de Janeiro: Renovar, 00, p. .

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    Ou seja, reconhecendo embora a ora normativa dos princpios cons-

    titucionais, retira-se sua eccia prtica.

    Tal construo pretende encontrar justicativa em duas ordens de

    argumentao. A primeira delas no sentido de que, com a reduo do

    papel do Estado assistencialista, teria m o intervencionismo pretendido

    pelo constituinte, tornando desnecessria e a at indesejada ou superada

    a discusso quanto aplicao direta do texto constitucional.

    O argumento no colhe. Ao propsito, basta sublinhar a abso-

    luta atualidade da discusso acerca da ora normativa dos princpiosconstitucionais e de sua aplicao direta nas relaes jurdicas de direi-

    to privado, a despeito das tendncias neoliberais. A tormentosa proble-

    mtica, suscitada pelos civilistas italianos a partir do nal dos anos 60,

    e pelo civilistas brasileiros desde os anos 0, ganhou renovado lego

    com o debate em torno da unicao da Europa, sendo o jurista con-

    clamado a ponderar e harmonizar as diretivas transnacionais na ordemconstitucional interna de cada Estado-membro.

    De outra parte, e ao mesmo tempo, o arreecimento do papel as-

    sistencialista do Estado, aqui e alhures, em nada reduz o debate quanto

    constitucionalizao do direito civil, sendo tal metodologia decor-

    rncia imperativa no do tamanho que se pretenda atribuir ao Estado,

    mas tambm da concepo unitria e hierarquicamente centralizadado ordenamento jurdico.

    Vale dizer, a alterao da orma de interveno estatal no su-

    bleva a imprescindibilidade da submisso da autonomia privada aos

    princpios normativos que, inseridos no vrtice da hierarquia man-

    damental plasmam, uncionalizam e asseguram o valor social da livre

    iniciativa. A ateno, portanto, se volta para a indispensvel unidadeinterpretativa exigida no cenrio de pluralidade de ontes normativas,

    a partir dos valores constitucionais, cuja utilizao direta na soluo

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    das controvrsias do direito privado assegura, a um s tempo, a aber-

    tura do sistema e a sua unidade.

    A segunda ordem de argumentos, compressora da ora norma-

    tiva dos princpios constitucionais, parte da equivocada premissa de

    que esses, por serem menos detalhados e muito abrangentes, seriam

    dotados de menor ora prescritiva. Tal circunstncia autorizaria o le-

    gislador, e especialmente o codicador, a decir-los, reduzindo sua

    amplitude normativa ao angusto espectro das regras. Em conseqn-

    cia, segundo tal raciocnio, a regra deveria prevalecer sobre o princpio,pois indicaria uma opo poltica indiscutvel quanto a certo padro

    de comportamento. Tratar-se-ia de uma verso remodelada no vetusto

    brocardo in claris no ft interpretatio. Na esteira de tal entendimento,

    acaba-se por subverter a hierarquia do ordenamento, aplicando-se os

    princpios constitucionais luz de regras inraconstitucionais.

    Todavia, se a ora normativa dos princpios constitucionaisdecorre da concepo unitria do ordenamento jurdico, no qual a

    Constituio ocupa posio hierrquica suprema, nem o tamanho

    do Estado, nem a renovao do Cdigo h o alterar a normatividade

    constitucional ainda que as normas constitucionais sejam dotadas

    de menor racionalidade normativa (mais mal acabadas, dir-se-ia com

    certo desdm).Ao revs, como antes demonstrado, as normas constitucionais agu-

    ram-se parte integrante da dogmtica do direito civil, remodelando e revi-

    talizando seus institutos, em torno de sua ora reunicadora do sistema.

    Se assim no osse, o ordenamento restaria ragmentado, decompondo-se

    Sobre o vetusto adgio latino, leciona Pietro Perlingieri que o brocardo in clarisnon it interpretatio relaciona-se enunciao da norma como juzo lgico, enquantoque, a rigor, ela instrumento modelado para disciplinar a vida de relao (Peris deDireito Civil, cit., p. 7).

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    o sistema por ora da pluralidade de ncleos legislativos que substitui, no

    curso do tempo, o sistema monoltico da codicao oitocentista.

    Se so verdadeiras, como parecem, tais observaes, pode-se adu-

    zir que a aplicao direta dos princpios constitucionais constitui res-

    posta hermenutica a duas caractersticas essenciais da prpria noo

    de ordenamento: unidade e complexidade. O conceito de ordenamen-

    to pressupe um conjunto de normas destinadas a ordenar a sociedade

    segundo um determinado modo de vida historicamente determinado.

    Daqui decorrem duas conseqncias undamentais:

    ) o ordenamento no se resume ao direito positivo; e

    ) para que possa ser designado como tal, o ordenamento

    h de ser sistemtico, orgnico, lgico, axiolgico, prescriti-

    vo, uno, monoltico, centralizado.

    Se o ordenamento pudesse se reduzir a normas de um mesmo

    nvel hierrquico, seria echado e homogneo. Sendo, ao contrrio,

    a realidade atual ormada por uma pluralidade de ontes normativas,

    o ordenamento se torna necessariamente aberto e heterogneo, da a

    sua complexidade que, s alcanar a unidade, caso seja assegurada a

    centralidade da Constituio, que contm a tbua de valores que ca-racterizam a identidade cultural da sociedade.

    Pietro Perlingieri. Peris de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 00, p. . Como observa Maria Celina Bodin de Moraes, so os valores expressos pelo le-gislador constituinte que devem inormar o sistema como um todo. Tais valores,extrados da cultura, isto , da conscincia social, do ideal tico, da noo de justiapresentes na sociedade, so, portanto, os valores atravs dos quais aquela comunidade

    se organizou e se organiza. neste sentido que se deve entender o real e mais proundosigniicado, marcadamente axiolgico, da chamada constitucionalizao ao direito ci-vil (O conceito de dignidade humana: substrato axiolgico e contedo normativo,In: Constituio, direitos undamentais e Direito Privado, Ingo Sarlet (org.), Porto

    Alegre: Livraria dos Advogados, 00, p. 07).

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    Da o equvoco de se conceber o sistema jurdico mediante mo-

    delos binrios, dividindo-se ora os destinatrios das normas jurdicas

    (legislador e sujeitos de direito); ora a produo jurdica (legislativa

    e jurisdicional); ora os campos de conhecimento (direito pblico e

    direito privado); ora os setores da sociedade (que consagrariam micros-

    sistemas), e assim por diante. Ou bem o ordenamento uno ou no

    ordenamento jurdico. 6

    Na mesma linha crtica, mostra-se igualmente equivocado imagi-

    nar uma linha divisria entre normas valorativas (oriundas da Consti-tuio) e normas prescritivas (legislao inraconstitucional); ou entre,

    de um lado, regras gerais e abstratas (premissa maior), e, de outro, a

    actualidade (premissa menor), sendo o papel do juiz limitado a uma -

    nalidade complementar em relao ao legislador, valorando standardsde

    comportamento nos espaos em que no h regulamentao especca.

    O sistema jurdico, bem ao contrrio, h de azer convergir a ati-vidade interpretativa e legislativa na aplicao do direito, sendo aberto

    justamente para que se possa nele incluir todos os vetores condicionan-

    tes da sociedade, inclusive aqueles que atuam na cultura dos magistra-

    dos, na construo da soluo para o caso concreto. A pluralidade de

    ontes normativas, pois, no pode signicar perda do undamento uni-

    trio do ordenamento, devendo sua harmonizao se operar de acordocom a Constituio, que o recompe, conerindo-lhe, assim, a natureza

    6 Na lio de Pietro Perlingieri, a unidade interna no um dado contingente, mas,ao contrrio, essencial ao ordenamento, sendo representado pelo complexo de rela-es e de ligaes eetivas e potenciais entre as normas singulares e entre os institutos.

    Airma o mesmo autor, ainda, que um ordenamento a-sistemtico, isto , eito denormas que no exprimem relaes internas, no encontrou at hoje uma veriicao

    histrica (...). Se o critrio de undao do sistema privilegia o contedo sobre a orma(contenutistico), sendo, portanto, ruto de elaborao, das correlaes entre um e outroinstituto, o sentido do sistema se deduz no no esplndido isolamento da relao dointrprete com o contedo de cada norma, mas sempre conrontando cada normacom todas as outras, veriicando a sua coerncia constitucional (Op. cit., p. 77-7).

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    de sistema. Ou seja, a pluralidade de ncleos legislativos deve conviver

    harmonicamente com a noo de unidade do ordenamento. 7

    Na esteira de tal entendimento, chega-se noo de ordenamen-

    to no mais como um conjunto estanque de normas jurdicas, mas

    como uma srie de ordenamentos de casos concretos, para cuja cons-

    truo o intrprete levar em conta os atores condicionantes dos atos

    e das normas jurdicas conjuntamente interpretadas em cada confito

    de interesses. Da a importncia atual da argumentao, a qual no se

    repete entre dois casos concretos, sendo sempre singular e indispens-vel para a legitimidade desta uso de culturas e de compreenses de

    mundo operada pelo magistrado na deciso judicial.

    Tendo em vista a unidade indispensvel prpria existncia do

    ordenamento, a interpretao desse processo complexo h de ser eita

    luz dos princpios emanados pela Constituio da Repblica, que

    centraliza hierarquicamente os valores prevalentes no sistema jurdico,devendo suas normas, por isso mesmo, incidir diretamente nas rela-

    es privadas.

    Todavia, mesmo admitindo-se diusamente a ora normativa

    da Constituio, a aplicao direta dos princpios constitucionais nas

    relaes de direito privado tem encontrado, na doutrina e jurisprudn-

    cia, crticas injusticadas, que podem ser agrupadas em quatro obje-es centrais:

    I) os princpios constitucionais, mesmo tomados como pre-

    ceitos normativos, constituem-se em normas de organizao

    poltica e social de modo que, valer-se deles para a regula-

    mentao das relaes jurdicas interindividuais, traduziria

    7 Ao propsito, destaca Pietro Perlingieri: a unidade do ordenamento no exclui apluralidade e a heterogeneidade das ontes (Op. cit, p. 7-).

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    verdadeiro salto sobre o legislador ordinrio, ao qual dado

    disciplinar o direito privado;

    II) a baixa concretude dos princpios constitucionais, sus-

    citaria exagerada e por vezes perigosa subjetividade dos ju-

    zes;

    III) as normas constitucionais sujeitam-se a reormas, com-

    promissos e contingncias polticas, ao contrrio das nor-

    mas do direito privado, muito mais aeitas estabilidade

    prpria da sua dogmtica, em grande parte herdada, quasede orma intacta, desde o direito romano; e

    V) o controle de merecimento de tutela imposto pela apli-

    cao automtica das normas constitucionais, para alm do

    juzo de ilicitude dos atos em geral, representaria uma inge-

    rncia valorativa indevida nos espaos privados, reduzindo

    o campo das escolhas e liberdades individuais.

    Todas as quatro crticas, embora respeitveis, mostram-se descon-

    textualizadas, relacionando-se com uma realidade inteiramente obsole-

    ta, por pressupor o cenrio caracterstico da codicao do sculo XIX,

    quando se delineava, ento, uma clara dicotomia entre o direito pblico

    e o direito privado, destinado sublimao da autonomia privada.O Cdigo Civil de 00, embora desenhado sob a gide do para-

    digma patrimonialista, imaginando ciosamente um mundo privado que

    devesse se resguardar de ingerncias estatais, azendo por isso mesmo,

    concesses por meio de restries pontuais em clusulas gerais, desponta

    em contexto axiolgico que altera radicalmente o sentido emprestado

    para autonomia privada e para a aquisio e utilizao dos bens.Com eeito, vive-se hoje cenrio bem distinto: a dignidade da

    pessoa humana impe transormao radical na dogmtica do direito

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    civil, estabelecendo uma dicotomia essencial entre as relaes jurdi-

    cas existenciais e as relaes jurdicas patrimoniais. Torna-se obsoleta

    a summa divisio que estremava, no passado, direito pblico e direito

    privado bem como ociosa a partio entre direitos reais e direitos obri-

    gacionais, ou entre direito comercial e direito civil.

    Tal advertncia ganha importncia especial no momento em

    que, com o Cdigo Civil de 00, propaga-se a chamada unicao do

    direito privado. O relevante ressalte-se, no consiste na topograa da

    disciplina da empresa na normativa codicada seno a distino axio-lgica que deve presidir a dogmtica da pessoa humana e a da pessoa

    jurdica. Ou seja, a proposta unicante do direito privado, concebido

    em seu aspecto estrutural, s por si nada representa.

    luz do princpio undamental da dignidade humana tm-se, de

    um lado, a tcnica das relaes jurdicas existenciais, que inormam di-

    retamente os chamados direitos da personalidade e, mais amplamente, atutela da pessoa nas comunidades intermedirias, nas entidades amiliares,

    na empresa, nas relaes de consumo e na atividade econmica privada,

    particularmente no momento da preveno da leso, defagrando, a partir

    da, uma mudana prounda na dogmtica da responsabilidade civil.

    A dignidade da pessoa humana, como valor e princpio, com-

    pe-se dos princpios da liberdade privada, da integridade psicosica,da igualdade substancial (art. , III, CF) e da solidariedade social

    (art. , I, CF). Tais princpios conerem undamento de legitimidade

    ao valor social da livre iniciativa (art. , IV, CF), moldam a atividade

    Sobre o tema, v. Maria Celina Bodin de Moraes, para quem, o substrato materialda dignidade assim entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: I) o sujeito

    moral (tico) reconhece a existncia dos outros como sujeitos iguais a ele, II) mere-cedores do mesmo respeito integridade psicosica de que titular; III) dotado devontade livre, de autodeterminao; IV) parte do grupo social, em relao ao qualtem a garantia de no vir a ser marginalizado. So corolrios desta elaborao os prin-cpios jurdicos da igualdade, da integridade sica e moral psicosica , da liberdade

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    econmica privada (art. 70, CF) e, em ltima anlise, os prprios prin-

    cpios undamentais do regime contratual regulados pelo Cdigo Civil.

    De outra parte, h as relaes jurdicas patrimoniais e a autono-

    mia privada. A noo de autonomia da vontade, como concebida nas

    codicaes do sculo XIX, d lugar autonomia privada, alterada

    substancialmente nos aspectos subjetivo, objetivo e ormal. No que se

    reere ao aspecto subjetivo, observa-se a passagem do sujeito abstrato

    pessoa concretamente considerada.

    O ordenamento jurdico, que desde a Revoluo Francesa, graasao princpio da igualdade ormal, pde assegurar a todos tratamento

    indistinto, passa a preocupar-se, no direito contemporneo, com as

    dierenas que ineriorizam a pessoa, tornando-a vulnervel. Para o

    hipossuciente, com eeito, a igualdade ormal mostra-se insuciente,

    sendo-lhe motivo de submisso ao domnio da parte hegemonicamen-

    te preponderante. Da voltar-se a ordem jurdica para a investigaodas singularidades da pessoa humana. O alvo de ateno do legislador

    no mais o sujeito de direito, mas os consumidores, a mulher, as

    crianas e adolescentes, e assim por diante.

    O ser humano em seu prprio contexto ir avocar e determinar

    a normativa mais condizente com suas necessidades existenciais. Na

    mesma esteira, a dierena entre pessoas jurdicas e pessoas sicas ga-nha singular importncia, impondo-s