artigo vitimodogmatica penal contemporaneo tcc

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 ! VITIMOLOGIA: PERCEPÇÕES VITIMODOGMÁTICAS ACERCA DA CONDUTA IMPUTÁVEL DA VÍTIMA Monica Antonieta Magalhães da Silva 1  Sumário: 1.Introdução; 2. O problema criminológico. A redescoberta da vítima; 2.1 A Criminologia. 2.2 A Vitimologia. 2.2.1 A vítima. 2.2.2 Tipologias de vítimas. 2.2.3 Processos de vitimização. 3. A Vitimodogmática; 3.1 Aspectos vitimodogmáticos do Direito Penal Brasileiro. 3.2 A intervenção da vítima nos institutos penais. 3.2.1 A imputação objetiva. Imputação no âmbito de responsabilidade da vítima. 3.2.2 Heterocolocação consentida e Autocolocação em perigo. 3.2.3 O Consentimento do ofendido. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas. RESUMO Este artigo tem como objetivo principal um breve estudo acerca da vitimologia,em especial, a vítimodogmática, analisando a vítima dentro da perspectiva criminológica. Primeiramente é necessário se fazer uma abordagem acerca do problema criminológico da vítima, adentrando no conceito de vítima e processos de vitimização, dentro das várias fases de evolução social, passando pelo Direito Penal Moderno aos dias atuais, enfatizando-se, neste cenário, a evolução da criminologia, teorias criminológicas até o surgimento da vitimodogmática. Nesse sentido, aponta-se o princípio vitimodogmático da autorresponsabilidade da vítima e sua projeção nos institutos ligados à prática de crimes, para exclusão da responsabilidade do ofensor, não titular do bem jurídico tutelado. É, neste contexto, diante desta abordagem, que se apresenta o trabalho, utilizando-se do método analítico-descritivo, através de levantamentos bibliográficos, informações sobre hipóteses de incidência, legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras sobre o assunto. Palavras-chave:  vitima; vitimologia; vitimodogmática; crime; Autorrespon sabilidade. #  Mestranda em Direito Penal pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Federa da Bahia (UFBA). Advogada. Professora de Direito Penal e Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Anísio Teixeira (FAT – Feira de Santana-BA). E- mail: [email protected]

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    VITIMOLOGIA: PERCEPES VITIMODOGMTICAS ACERCA DA CONDUTA

    IMPUTVEL DA VTIMA

    Monica Antonieta Magalhes da Silva1

    Sumrio: 1.Introduo; 2. O problema criminolgico. A redescoberta da

    vtima; 2.1 A Criminologia. 2.2 A Vitimologia. 2.2.1 A vtima. 2.2.2 Tipologias de vtimas. 2.2.3 Processos de vitimizao. 3. A Vitimodogmtica; 3.1 Aspectos vitimodogmticos do Direito Penal Brasileiro. 3.2 A interveno da vtima nos institutos penais. 3.2.1 A

    imputao objetiva. Imputao no mbito de responsabilidade da vtima. 3.2.2 Heterocolocao consentida e Autocolocao em perigo. 3.2.3 O Consentimento do ofendido. 4. Concluso. 5. Referncias Bibliogrficas.

    RESUMO

    Este artigo tem como objetivo principal um breve estudo acerca da vitimologia,em especial, a vtimodogmtica, analisando a vtima dentro da perspectiva criminolgica. Primeiramente necessrio se fazer uma abordagem acerca do problema criminolgico da vtima, adentrando no conceito de vtima e processos de vitimizao, dentro das vrias fases de evoluo social, passando pelo Direito Penal Moderno aos dias atuais, enfatizando-se, neste cenrio, a evoluo da criminologia, teorias criminolgicas at o surgimento da vitimodogmtica. Nesse sentido, aponta-se o princpio vitimodogmtico da autorresponsabilidade da vtima e sua projeo nos institutos ligados prtica de crimes, para excluso da responsabilidade do ofensor, no titular do bem jurdico tutelado. , neste contexto, diante desta abordagem, que se apresenta o trabalho, utilizando-se do mtodo analtico-descritivo, atravs de levantamentos bibliogrficos, informaes sobre hipteses de incidncia, legislao, doutrina e jurisprudncia brasileiras sobre o assunto.

    Palavras-chave: vitima; vitimologia; vitimodogmtica; crime; Autorresponsabilidade. 1 Mestranda em Direito Penal pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Federa da Bahia (UFBA). Advogada. Professora de Direito Penal e Coordenadora do Ncleo de Prticas Jurdicas da Faculdade Ansio Teixeira (FAT Feira de Santana-BA). E-mail: [email protected]

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    ABSTRACT

    This monograph's main objective is a brief study of victimology, in particular, the dogmatic of the victim, analyzing the victim within the criminological perspective. Firstly it is necessary to make an approach on the victim criminological problem, starting with the concept of the victim and into the victimization processes with its various stages of social evolution, through Modern Criminal Law to the present days, emphasizing in this scenario, the evolution of criminology and the criminological theories until the emergence of the dogmatic of the victim. Accordingly, points up the principle of the self responsability of the victim and its projection in the institutes linked to crimes to exclude the responsability of the offender, not the holder of the legal ward. It is in this context on this approach which performs this monograph, using the analytical and descriptive method, through literature surveys, information on incidence assumptions, legislation, and Brazilian jurisprudence and doctrine on the subject.

    Keywords: victim; victimology, dogmatic of the victim; crimes; self responsability.

    1. Introduo

    As linhas que se seguem so tendenciosas no sentido de apresentar o estudo

    da vitimologia, em especial, da vitimodogmtica, perfazendo uma anlise

    histrica acerca do redescobrimento da vtima, em face da sua neutralizao

    perante a evoluo do Direto Penal, do fato, do autor e dos bens jurdicos.

    Primeiramente se evidencia a anlise da vtima diante do desenvolvimento das

    teorias criminolgicas e dos mtodos de investigao, passando pelo

    aparecimento da vitimodogmtica e a evoluo da vitimologia como disciplina

    da criminologia.

    Dentro desta perspectiva, apresenta-se a vitimologia, com o conceito amplo de

    vtima que ultrapassa a simples titularidade de bens jurdicos tutelados pela

    norma penal, abarcando conceitos amplos como vtima social, vtima

    encoberta, criminalidade oculta e perfazendo uma anlise das pesquisas e

    processos de vitimizao, acentuando a preocupao com a participao

    processual da vtima e a consequente pacificao social.

    Em seguida, aborda-se o princpio vitimodogmtico da autorresponsabilidade,

    notadamente as questes atinentes a autocolocao e heterocolocao em

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    perigo, bem como as concepes doutrinrias acerca do consentimento e

    imputao no mbito da vitimado.

    Isto posto, no se pretende, em poucas linhas, consubstanciar teorias ou

    sedimentar concluses, mas sim apresentar o debate e as necessidades

    cientficas da nova disciplina que se apresenta indiscutivelmente fundamental,

    muito embora pouco teorizada, para o estudo da criminalidade com vistas

    paz social.

    2. O problema criminolgico. A redescoberta da vtima

    A histria da vitimologia recente, tendo seus primeiros estudos demonstrado

    um carter puramente positivista, pois, a princpio, buscou-se apenas

    fundamentar a figura da vtima, da mesma forma como se tentou traar um

    perfil do delinquente, em concepes biolgicas, antropolgicas e sociais, sob

    uma perspectiva eminentemente determinista.

    Assim, em um primeiro momento, tem-se uma viso fulcrada em uma estreita

    relao entre delinquncia e vtima algumas pessoas j seria vtimas natas.

    De acordo com Molinas (2002, p. 78), a vtima, ao longo da histria, passou por

    trs fases: o protagonismo, a neutralizao e o redescobrimento.

    Na primeira fase do Direito Penal, consubstanciada na vingana privada,

    vtima cabia o papel de fazer justia. Com o advento Modernidade, passa-se a

    outorgar ao Estado a legitimidade para se fazer justia, neutralizando-se a

    participao da vtima, fazendo surgir o pensamento voltado para o

    delinquente, desde as ideias de Beccaria, Carrara e Feuerbach, passando pela

    Escola Positiva de Lombroso, Ferri e Garofalo, at as mais recentes

    discusses acerca do bem jurdico e a nova culpabilidade.

    Observe-se que, neste cenrio, ao autor do fato, ao delinquente, dispensada

    toda a ateno. Nesse sentido, a polmica em volta da criminalidade crescente,

    aliada aos novos direitos humanos, ao estudo das funes da pena, ideia

    de preveno geral e especial, ressocializao e a proteo de bens jurdicos

    individuais e coletivos, deslocou todo o Direito Penal para uma crescente

    publicizao da vingana. Ao Estado cabe o ius puniendi, relegando a vtima a

    uma situao perifrica.

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    De acordo com Slva Snchez (2001, p. 164-165), o direito penal comeou a se

    basear exclusivamente na relao Estado-delinquente, seja no que tange s

    funes da pena, como tambm na proteo dos bens jurdicos, sem nenhuma

    preocupao com a satisfao da vtima.

    Selma Santana (2010, p. 18) chama a ateno para o fato de que a reao ao

    delito relaciona o Estado com o delinquente, resultando a vtima cair no

    esquecimento. Nesse sentido, a autora (2010, p. 18) ainda salienta que:

    Ocorreu, porm, que, com o surgimento da noo de bem jurdico, surgiu uma objetivao da figura da vtima, deixando ela de ser sujeito sobre o qual recairia a ao delitiva que sofreria a conduta delituosa, e passando a ser o sujeito portador de um valor, o bem jurdico, exatamente o que, realmente, vem a ser lesado.

    Outrossim, imperioso salientar que o problema criminolgico acerca da vtima

    ultrapassa as questes dogmticas, sendo vtima do prprio sistema.

    Meli (1998, p. 78) informam que, a partir do sculo XX, notadamente aps a II

    Guerra mundial, novas discusses se voltam para colocar a vtima em lugar de

    destaque.

    Dentro deste contexto, observa-se a importncia da Criminologia, como cincia

    integrada e integrativa, para fazer renascer a vtima, tendo-a como objeto de

    estudo, inclusive para a determinao da criminalidade, atravs dos Inquritos

    de Vitimizao2 e teorias interacionistas.

    2.1 A Criminologia

    O crime, o criminoso, a criminalidade, em si, figuraram sempre como objeto de

    estudo da cincia jurdica. Entretanto, com maestria, Jorge de Figueiredo Dias

    e Manuel da Costa Andrade (1987, p. 81-82) chama a ateno para que no se

    estude a cincia a partir do objeto, mas sim que se defina o objeto de estudo a

    partir da cincia.

    Dentro desta concepo, a criminologia no se esgota no estudo do crime ou

    do criminoso, mas faz uma viagem pela origem das leis criminais, pelas causas

    2 So inquritos sociais em que as pessoas so interrogadas sobre suas experincias como vtimas de crime. Trata-se fundamentalmente de saber se durante um determinado perodo de tempo, as pessoas foram vtimas de crimes, quantos e de que tipo. Por via de regra procuram tambm indagar-se os motivos que tero levado as vtimas a renunciar instaurao do processo atravs da participao das instncias formais. (DIAS, 1997, p. 138)

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    do comportamento criminoso, enfatizando a funo do Direito Penal e Processo

    Penal, dentro de um perspectiva de poltica criminal, bem como enfatiza o

    papel das instncias de controle e mecanismos de seleo de comportamento

    do delinquente, antes, durante e depois da violao da norma.

    Logo, a criminologia no seria uma cincia do direito, vez que esta se ocupa de

    normas e estruturas normativas. Tambm no seria puramente a expresso da

    sociologia jurdica, por esta se restringir aos modos de ao e estruturas

    sociais. Neste sentido, Alessandro Baratta (2002, p. 24)

    A sociologia criminal estuda o comportamento desviante com relevncia penal, a sua gnese, a sua funo no interior da estrutura social dada. A sociologia jurdico-penal, ao contrrio, estuda propriamente os comportamentos que representam uma reao ante o comportamento desviante, os fatores condicionantes e os efeitos desta reao, social global. A sociologia jurdico-penal estuda, pois, como se viu, tanto as reaes institucionais dos rgos oficiais de controle social do desvio (consideradas, tambm, nos seus fatores condicionantes e nos seus efeitos) quanto as reaes no-institucionais.

    O inicio da autonomia da criminologia, abarcando conceitos de sociologia

    jurdica e sociologia criminal, como um a nova disciplina cientfica, d-se com a

    Escola Positivista, que ao contrrio da Escola clssica, no considerava

    apenas o delito como objeto de estudo, mas o homem delinquente. (BARATTA,

    2002, p. 29).

    Para a Escola Clssica, o delito surgia do livre arbtrio do indivduo, em uma

    concepo metafsica. , a partir da Escola Positiva, de uma pesquisa das

    causas da criminalidade, considerando o autor de delitos como um ser

    diferente, para se chegar medida adequada da correo, que se delimita a

    sociologia criminal contempornea.

    Dentro desta seara, procurava-se encontrar as causas do delito em aspectos

    biolgicos e psicolgicos do indivduo e nos fatores sociais que o circundavam.

    Entretanto, este modelo positivista tambm foi, aos poucos, sendo substitudo,

    surgindo a nova criminologia tambm denominada de criminologia crtica.

    Esta concepo contempornea se apresenta como cincia integrada com o

    carter dogmtico da cincia jurdico-penal e a crescente politizao do

    problema criminal, ou seja, a poltica criminal transsistemtica. (DIAS;

    ANDRADE, 1997, p. 106)

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    Neste contexto, imperioso introduzir o desenvolvimento das teorias

    criminolgicas para compreender a importncia da vtima para todo o

    ordenamento jurdico-penal, inclusive alternativas para a hipertrofia da questo

    penal, inserindo tambm o processo penal como instrumento de poltica

    criminal (FERNANDES, 2001), dentro de uma concepo sistemtica de um

    todo com finalidade de combate criminalidade.

    H que se ter como verdade, entretanto, que a situao atual da criminologia

    encontra uma multiplicidade de tipologias, dentre elas, a tipologia da vtima,

    com a grande descoberta do seu papel criminolgico em face dos inquritos de

    vitimizao, para a determinabilidade de estatsticas criminais, principalmente

    no que tange confirmao das cifras ocultas.

    Entretanto, imperioso salientar que os inquritos de vitimizao, assim como

    todo mtodo emprico, dentro das cincias do esprito, possui a limitabilidade

    do carter seletivo, vez que apresentam elevados custos e dificilmente

    conseguir abarcar toda a criminalidade, principalmente diante dos crimes sem

    vtimas, dos plurivitimados e dos plurissubjetivos.

    Malgrado a importncia desses estudos, nem sempre a criminologia se

    preocupou com o estudo da vtima, ou de outros fatores seno o criminoso e as

    causas que o determinaram a agir em contrariedade com o direito. dentro

    desta variante que se percebe a classificao das teorias monofatoriais e

    multifatoriais, conforme se adote uma explicao universal para o crime em

    geral; ou se verifique um conjunto heterogneo de manifestaes para se

    justificar a criminalidade. (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 157-158).

    As teorias criminolgicas ainda podem variar de acordo com o carter

    individual, onde se tem por objeto o homem delinquente com as expresses

    teorias Bioantropolgicas, Psicodinmicas e Psicossociais. Outrossim, de nvel

    sociolgico, tem-se as Teorias Etiolgicas, de grande relevncia, tais como a

    Ecolgica, as da Subculturas do Delinquente e da Anomia. E, ainda, as mais

    recentes Teorias Interacionistas, cuja maior expresso a Labeling Approach.

    De acordo com Figueiredo Dias e Manuel da Cosa Andrade (1997, p. 184), as

    teorias bioantropolgicas se fulcravam na negao do livre arbtrio como

    caracterstica expoente da escola positivista, passando pelo atavismo e

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    evoluindo para o estudo das anomalias genticas. J as teorias

    psicodinmicas, sustentavam-se nos nveis de sucesso e insucesso na

    aprendizagem como causas justificadoras de comportamentos delinquentes.

    Neste mesmo cenrio, imperioso frisar ainda que, dentro das teorias de nvel

    individual, surge com a criminologia psicanaltica o questionamento acerca da

    psicologia da sociedade punitiva. Esta teoria busca analisar, no apenas o

    crime como algo individual, mas tambm as razes que levaram a

    criminalizao e a punio da conduta pela sociedade. Observa-se que j se

    apresenta uma tmida preocupao com o estudo da vtima.

    Por outro lado, as teorias psicolgicas buscam explicar desvios atravs dos

    vnculos sociais, as circunstncias de resistncia ao controle, enfatizando-se as

    tcnicas de neutralizao, onde se verifica, dentro de vrias tcnicas, a

    negao da existncia da vtima, evidenciando a sua importncia para o estudo

    da criminalidade.

    Dentro da sociedade crimingena, as teorias fundamentadoras buscam a

    explicao sociolgica do crime. Para Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da

    Costa Andrade (1997, p. 243), a expresso sociedade crimingena nada

    acrescenta expresso mais tradicional qual seja sociologia criminal.

    As teorias etiolgicas, que se apresentam como ecolgicas, da subcultura e da

    anomia, justificam o crime nas estruturas sociais envolvidas. J as teorias

    interacionistas, por seu turno, buscam penetrar na racionalidade que preside a

    ordem social, como salienta Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade

    (1997, p. 244-245).

    As teorias ecolgicas surgiram a partir da Escola de Chicago, no final do

    Sculo XIX e incio do Sculo XX e vm explicar a criminalidade setorial, com

    base no conceito de desorganizao social. Nesse sentido (DIAS; ANDRADE,

    1997, p. 287), tal constatao constitui a primeira denncia da inadequao

    das respostas ao tratamento individual.

    Por outro lado, a teoria da subcultura tenta explicar a criminalidade partindo da

    fenomenologia da subcultura, orientada a padres normativos opostos ao da

    cultura dominante. Assim, os criminosos seriam as culturas e no as pessoas.

    Dentro da perspectiva da vtima, os delinquentes passariam a ser vtimas da

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    cultura dominante o que os levaria a se revoltarem, rebelarem-se contra o

    sistema cultural.

    A teoria da anomia, ou ausncia de normas, caracteriza-se pelo determinismo

    psicolgico. O crime, na viso de Durkheim (Apud DIAS; ANDRADE, 1997)

    algo normal estrutura social. Esse pensamento rebatido pela doutrina

    dominante. J para a concepo mertoniana, o grau de anomia se mede pela

    extenso em que h ausncia de consenso sobre as regras legtimas, com a

    consequente insegurana e incerteza nas relaes sociais, o que ir gerar

    inconformismo e alienao.

    Por fim, a nova criminologia tem como destaque a teoria do Labeling Approach

    e da criminologia radical, abolicionista. A Labeling, ao contrrio da criminologia

    tradicional, incide na delinquncia secundria, que resulta do processo causal

    desencadeado pela estigmatizao.

    2.2 A Vitimologia

    Como bem salienta Neuman (1994, p. 23), no 1 Simpsio Internacional de

    Vitimologia, em 1973, esta foi definida como estudo cientfico das vtimas de

    delito. Todavia, um conceito restrito ao mbito jurdico-penal. Logo, o autor

    ainda salienta que, malgrado, primeiramente, a vitimologia tenha se

    preocupado com a vtima em seu aspecto individual, h que se abarcar

    tambm, a concepo coletiva de vtima e at mesmo a vtima social.

    El marco conceptual de Le victimologa se ve influido por oro mucho ms amplio que alude a toda vctima social. All ingresa especialmente uma aparente minoria la pobreza y la marginacin social crecen a pasos agigantados al nenos em Latinoamrica -, circunstancia que necesariamennte har em el futuro evolucionar el campo nosolgico de esta disciplina. Hay mucha, muchsima gente no exitosa para la vida que parece Haber cado del Arca e No del contrato social.

    O estudo da vtima surge com a nfase dos direitos Humanos, aps a II Guerra

    Mundial, tendo como proposta, segundo Neuman (1994, p. 25):

    De tal modo se ligan a la victimologia hoy la ratificacin de ls Derechos Humanos para la no humillacin de las personas, bregar por um sistema de justicia que tenga em cuenta las necesidades de la vctima y las falncias de ls com,promisos de compensacin legalmente asumidos em sede penal y civil; la erradicacin; la prevencin de esa victimimzacin y de conductas individuales de tipo victima e, em todo momento, dar respuestas sociales vlidas a toda

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    vctima. Redes arnmicas de instituciones e indivduos para um mundo mejor que legitime a la democracia.

    A partir de ento, cada vez mais, foram se formando associaes para em

    definir, expandir-se e afirmar os direitos da vtima, o que culminou na

    aprovao, pela Assembleia Geral das Naes Unidas - ONU, em 1985, da

    Declarao Universal dos Direitos das Vtimas de Crime e de Abuso de Poder.

    Esta Declarao se consubstancia em uma Carta de Princpios, com seis

    partes, onde se define a vtima de crime e de abuso de poder, preconizando o

    acesso Justia justa. Dispe, ainda, sobre a reparao de danos devida s

    vtimas - a cargo do infrator e do Estado e, ainda, da assistncia material,

    mdica, psicolgica e social, a ser prestada s vtimas atravs de meios

    governamentais, voluntrios, comunitrios e autctones.

    Recomenda a Declarao que, para alcanar esses objetivos, sejam

    fomentados o estabelecimento, o reforo e a ampliao de fundos nacionais e,

    quando necessrio, tambm outros fundos com os mesmos propsitos,

    includos os casos de Estados da nacionalidade da vtima que no estejam em

    condies de indeniz-la pelos danos sofridos.

    Selma Santana (2010, p. 22) ainda salienta que:

    Hoje, em razo do avano da Vitimologia como disciplina, os esforos dos vitimlogos dirigem-se tambm a elaborao de programas de assistncias as vitimas, de tratamento a elas e de preveno do delito (programas direcionados a vtima em potencial), tais, como, recentemente, as propostas de programas de indenizao as vitimas, tanto a carga do infrator quanto o Estado.

    Logo, a vitimologia tem por objeto o estudo da vtima em vrias circunstncias,

    abarcando, alm do titular do bem jurdico tutelado, as pessoas passveis de

    ser vtima ou que, de qualquer forma, sejam atingidas pela criminalidade.

    2.2.1 A vtima

    A vitimologia se preocupa necessariamente com o estuda da vtima de crimes,

    todavia imperioso salientar que no h sempre a coincidncia desta ltima

    com o sujeito passivo do delito, ou titular do bem jurdico protegido pela norma.

    Assim, Neuman (p. 39) traz uma proposta de um conceito amplo de vtima:

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    Em sntese: puede considerarse actualmene a la victimologia um ramal de criminologia, segn la consagra la imensa mayria de autores e investigadores. Pero cuanto amplie su campo de accion y operatividad a todas las vctimas sociales que se presentan como no exitosas para la vida y que pueden llegar por sus prprios mdios a ls mnimos goces que supone el Estado de Derecho siempre que implique igualdad de oportunidad, mas All de noria retrica. Me refiero a ls pobres y marginados, enfermos, personas provenientes de catstrofes telricas de toda ndole, incluso inundaciones, y aquellas otras catstrofes que engendra la mano del hombre como las guerras de todo tipo y de aquellas que deban huir de sistemas polticos e ideolgicos autoritrios.

    Destarte, a vtima pode ser uma testemunha, toda a famlia atingida, a

    comunidade, ou at mesmo o prprio delinquente. Neste sentido, Bustos

    Ramirez (1993, p. 12).

    Em definitiva, ls conceptos de vctima em ala vitimologa y em derecho penal no coinciden, y ms bien la victimologa cculos secantes, em que solo hay um espacio comn, cual es el referido al concepto de vctima em relacin com biens jurdicos microsociales, como las afecciones a la vida, la salud, la seguridad, la libertad, em honor o el patrimnio de uma persona. Em l dems ya no hay coincidncia, pues, por uma parte, se puede emplear um sentido muy extensivo de vctima por la victimologa, que es aquel referido a cualquier afeccin del sistema penal, dentro de l cual caben tanto la vctima de que habla el derecho penal como otras vctimas no consideradas desde um punto de vista penal, como son el testigo o el prprio delincuente y su familiares. Y em todo caso habra que sealar que la victimologa, a pesar de la gran amplitud com que puedn darse problemas em relacin sobre todo com colectivos o com asociaciones.

    Como salienta Selma Santana (2010, p. 46), fazendo aluso ao sistema

    portugus:

    O lesado pode ou no coincidir com o ofendido. Haver coincidncia quando o titular do bem jurdico sofrer igualmente as consequncias civis da conduta criminalmente relevante. J a no-coincidncia ocorrer quando o titular do bem jurdico for diferente da pessoa que sofreu as consequncias civis, (...). A interveno do lesado, na instncia penal, , normalmente apresentada, na doutrina e na lei, por referncia ao pedido de indenizao civil que, no sistema de adeso (mitigada) adotada pelo CPP portugus de 1987 (artigos 71 e ss.), deve ser deduzido no processo penal respectivo.

    Habitualmente, vtima e sujeito passivo do delito so expresses sinnimas,

    todavia, o conceito de sujeito passivo precipuamente jurdico, enquanto o de

    vtima criminolgico ou vitimolgico.

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    Uma questo interessante quando do aprofundado estudo dos envolvidos em

    uma prtica delitiva, autor e vtima, principalmente, que se torna duvidosa,

    muitas vezes, a situao daqueles que devem ser acusados pelo resultado

    tpico. comum a vtima ter alguma coisa a ver com a sua vitimizao.

    As teorias criminosas conforme acentua Larcio Pellegrino (1987, p. 7),

    introduziu, alm dos inquritos de vitimizao, tambm o conceito de

    precipitao da vtima. Neste sentido, Hans Von Heting em Algumas

    consideraes sobre a interao de criminosos e vtima, editado em 1948,

    lembrou que a vtima modela e molda o criminoso e que, em realidade, a vtima

    pode assumir um papel determinante no evento criminoso.

    O 1 Simpsio Internacional de Vitimologia, realizado em Jerusalm, entre 2 e

    6 de setembro de 1973, sob o patrocnio da Sociedade Internacional de

    Criminologia, do Governo de Israel e da Universidade Hebraica de Jerusalm,

    tinha, a princpio, que tratar dos problemas vitimolgicos e delimitar a

    concepo de vtima, como salienta Larcio Pellegrino (1987, p. 7-8)

    Ademais, alm da vtima individual, concluiu o Simpsio que um grupo,

    sociedade ou nao podem ser tidos como vtimas.

    Larcio Pellegrino tambm observa a figura da vtima encoberta, o simpsio

    tratou deste tema fazendo um paralelo com a criminalidade encoberta (cifra

    oculta), concludo pela necessidade de investigao sobre a vitimizao para a

    constatao da criminalidade. Neste contexto, pode-se ser vitimado por

    calamidades pblicas, fenmenos da natureza, entretanto, se houver conduta

    humana culposa determinante haver constatao de criminalidade.

    Alm destas questes, imperioso salientar que as falhas no sistema de

    preveno e ou tratamento causa sofrimento para o ofendido e sociedade

    como um todo. Tal concluso que desencadeou o processo de ressurgimento

    da vtima m face da preocupao com os direitos humanos, chegando-se a

    pensar tambm na reparao do dano sofrido, hoje, um dos principais objetos

    do debate vitimolgico.

    Entendeu tambm o Simpsio, de acordo com o Autor (PELLEGRINO, 1987, p.

    9):

  • 14

    Referentemente compensao das vtimas de crimes, considerou o Simpsio que se deveria recomendar a todas as naes, urgentemente, para que deem considerao ao estabelecimento de um sistema de estado de compensao para vtimas de crimes e que todas as naes deveriam procurar alcanar a eficcia e a aplicao mxima dos esquemas existentes que possam ser estabelecidos. Recomendou, tambm, que todos os mtodos disponveis de propagar informaes sobre a existncia e operao de tais esquemas sejam colocados em disponibilidade par ao pblico e que a participao de todas as agncias e organismos apropriados, governamentais e privados, seja segurada na complementao de tais esquemas. Recomendou, ainda que todos os esquemas de compensao sejam investigados e avaliados, tendo-se em vista a sua aplicao, objetivando-se as exigncias de cada uma das comunidades a que eles servem. Entendeu, finalmente, o Simpsio que todas as recomendaes fossem levadas em considerao por todas as naes com o fim de estabelecerem esquemas de compensao ou modificaes dos esquemas existentes, com as seguintes indagaes: a) Deveria haver um nvel mximo ou mnimo para a compensao? B) qual a natureza das perdas que deveria ser recompensadas, como, por exemplo, dano direto, perdas de salrio, dor e sofrimento? C) Deveria ser dada considerao conduta da vtima no momento da ofensa ou a seu carter geral, determinando a questo da compensao? D) Deveria o pagamento ser de direito ou deveria ele apenas ser negado por razes estabelecidas pela Corte? E) Deveriam os esquemas atuais ser entendidos para incluir crimes contra a propriedade?

    No que tange questo da reparao, ainda hoje, perdura o debate acerca,

    principalmente da sua natureza jurdica, dentro da instncia penal ou cvel,

    como bem salienta Sema Santana (2010, p.10), diante do Projeto Alternativo:

    O modelo para a reparao, como terceira via, contido no Projeto Alternativo, [...] publicado em 1992, busca a satisfao dos interesses da vtima, bem como, ainda, demonstrar que os meios no penais, s vezes, servem melhor a realizao dos fins das penas do que propriamente o castigo. A reparao repercute no sentido da preveno geral positiva, porque, mediante a restaurao do status que anterior, repara o dano social de forma satisfatria para a vtima e para as pessoas, de modo geral, e porque torna desnecessrio o processo cvel, dificultoso, custoso e, na maioria das vezes, estril. Pode ser necessria de um ponto de vista preventivo especial, na medida em que exige do autor do delito a confrontao com as consequncias de sua conduta e uma tarefa social construtiva, e, ademais, evita os efeitos dessocializadores comportados por outras sanes.

    Neste sentido a Autora (idem, p. 31) ainda cita a experincia Alem no que

    tange reparao do dano causado vtima:

    Na Alemanha, o atendimento a pretenses ressarcitrias tem sido, tradicionalmente, misso de um processo civil de reparao. Tal processo, contudo, tem constitudo um caminho longo, penoso e, inclusive, infrutfero, no somente porque a vtima seja constrangida a

  • 15

    um processo civil adicional, junto com o processo penal, mas tambm, porque pode nada receber se o autor do delito carece de meios para tanto, ou se haja se subtrado, por completo de uma execuo. (...) o direito alemo tem procurado ajudar a vtima de duas formas: a) possibilidade vtima ou a seus herdeiros fazer valer sua pretenso ressarcitria contra o autor do delito no prprio processo penal; b) possibilidade a indenizao da vtima por meios estatais, aberta com a Lei sobre Indenizao de Delitos Violentos (IVD) (...).

    Seguindo proposta, Selma Santana (2010, p. 33) destaca a experincia

    Portuguesa:

    No que se refere indenizao de perdas e danos emergentes de um crime, at a publicao do Cdigo Penal de 1982, ela constitua um efeito da condenao, e o seu estudo cabia doutrina das consequncias do crime.[...] Hoje, o cdigo Penal portugus estabelece que a indenizao por perdas e danos emergentes do crime regulada pela lei civil (.art. 129). A questo da indenizao de perdas e danos emergente de um crime se situa, hoje, pois, exclusivamente no Direito Civil e no Direito Processual Pena, tendo-se tornado estranha doutrina das reaes criminais.

    Isto posto, observa-se que a crescente preocupao com a vtima nos diversos

    ordenamentos, confirmando as recomendaes do Simpsio, principalmente no

    que se refere reparao do dano decorrente de delitos.

    2.2.2 Tipologias de vtimas

    H inmeras classificaes tipolgicas das vtimas que permitem esclarecer o

    papel desta na sua vitimizao.

    A classificao de vtimas foi de Binyamin Mendelsohn (Apud Neuman, 1994,

    p. 251 e ss.) que as dividias em: vtima completamente inocente ou vtima

    ideal, vtima de culpabilidade menor ou vtima por ignorncia, vtima to

    culpvel como o infrator ou vtima voluntria, vtima mais culpvel que o infrator

    a qual se divide em vtima provocadora e vtima por imprudncia, vtima mais

    culpvel ou unicamente culpvel, sub-categorizada em vtima simuladora e

    vtima imaginria. Tendo em vista a aplicao de pena, pode-se falar em trs

    grupos: vtimas inocentes as quais no tm participao alguma no delito;

    vtimas colaboradoras da ao que as lesionaram e as vtimas imaginrias,

    simuladoras que cometem por si a ao nociva, o que pressupe que ao no

    culpado deve ser excluda toda pena.

  • 16

    Outra destacada tipologia a de Hans Von Heting que estabelece pelo menos

    onze categorias de vtimas divididas em classes gerais: jovens, mulheres,

    velhos, doentes mentais, imigrantes, e, os tipos psicolgicos: deprimidos,

    ambiciosos, tarados, provocadores, solitrios e os agressivos.

    imperioso, entretanto, salientar que cada doutrinador traz uma concepo

    acerca da tipologia da vtima e, com razo, Jorge de Figueiredo Dias e Manuel

    da Costa Andrade evidenciam que uma no pode excluir a outra.

    Todavia, o que mais se deve levar em considerao no tipologia da vtima,

    mas que a anlise do comportamento da vtima na prtica do delito dever

    estar de acordo com os princpios reitores da poltica criminal.

    2.2.3 Processos de vitimizao

    Como se percebe, as questes relativas vtima tm importncia fundamental

    para a interveno do Estado na tutela de bens jurdicos e segurana da

    sociedade para a consubstanciao da paz social.

    Assim, a interferncia das instncias de controle na criao da criminalidade

    consequentemente contribui para o processo de vitimizao. De acordo com

    Bustos Ramirez (1993, p. 41), pode-se distinguir vitimizao primria,

    secundria e terciria.

    Dentro desta concepo, a insegurana configura um dos principais fatores de

    vitimizao. Bustos Ramirez diferencia a insegurana objetiva que decorre da

    definio de vtima como sujeito passivo de delito, e a insegurana subjetiva

    que decorre da interveno das instncias de controle como a mdia, que

    propaga a situao de desamparo geral e esquecimento das vtimas diretas.

    Neste sentido,(RAMREZ, 1993, p. 42),

    Ambos procesos, tanto el de victimizacin directa u objetiva como el de victimizacion indirecta o subjetiva, son procesos reales que influyen evidentemente em La seguridad ciudadana y que, por tanto, deben ser considerados por ls organismos estatales.

    Em verdade, para coibir esse processo de vitimizao, imperioso que se

    desenvolvam polticas pblicas que podem ser consubstanciadas por servios

    de ateno a vtimas de crimes, bem como informaes para se prevenir a

    situao de vtima de delitos, notadamente com aes especficas em grupos

  • 17

    de riscos, como, por exemplo, mulheres, prostitutas, menores, homossexuais,

    dentre outros, atentando-se, sempre, para no incidir, ainda mais em uma

    estigmatizao, ao invs de informao com fins de preveno.

    Deve-se, ainda, atentar para a necessidade de uma equipe multidisciplinar para

    o apoio das vtimas abarcando profissionais de diversas reas como

    psiclogos, mdicos, juristas, assistentes sociais e outros, para se atender a

    questes especficas dos casos concretos.

    Outrossim, no menos importante, a reestruturao da poltica criminal e da

    administrao da justia, bem como uma ateno legislativa em todos os

    aspectos, inclusive no que tange reparao da vtima e dos demais lesados.

    Isto posto, pesquisas de vitimizao tem, dentre outros aspectos, importante

    papel na cincia criminolgica, como bem salienta Bustos Ramirez (1993, p.

    48-49).

    Es por eso por l que ls encuestas de victimizacin no tanto han de servir para conocer la cifra oscura, esto es, qu delitos se han cometido y no llegan a ser denunciados o perseguidos, ni tampoco para la mayor eficcia de la persecucin, o para demostrar por ls mdios de comunicacin de masas que el aumento de la inseguridad ciudadana es irreal o simplesmente manipulada, cuanto para conocer la prblemtica de la vctima, sus necesidades y la forma de se da el proceso de victimizacin (primaria, secundaria y terciaria).

    Neste sentido, Larrauri (1993, p. 58-59):

    Entre ls mritos de las encuestas de victimizacin sobresale indudablemente el Haber proporcionado uma mayor informacin respecto del delito, y fundamentalmente respecto a las vctimas del delitos ausentes de las estadsticas policiales. Em este sentido las encuestas de victimizacin han ampliado nuestro conocimento del fenmeno delictivo al constatar ls seguientes datos: a) que existe mayor nmero de delitos del que se denuncia; b) que cuando se produce la denuncia ello obedece a motivos istintos del interes em conseguir el castigo del culpable; c) que el factor influyente es el estilo de vida, esto es, que la mayor probabilidad de ser vctima la tiene el jovens ale de noche; d) que las vctimas provienem de ls sectores ms pobres de la sociedad; e) que es frecuente que la vctima conozca a su agresor; f) que la percepcin de inseguridad o el miedo no est direcamente relacionado com la posibilidad matemtica de ser vctima de um delito.

    Assim, o estudo da vtima e do processo de vitimizao um importante vetor

    para a constatao e preveno da criminalidade.

  • 18

    3. A Vitimodogmtica

    Como se percebe, o estudo da vtima, que reclama autonomia cientfica, existe,

    hoje, como um ramo da criminologia e destina-se a trazer para o Sistema Penal

    formado pela poltica criminal, processo penal e direito material (FERNANDES,

    2001), a figura da vtima no como mero expectador, mas como objeto principal

    de estudo juntamente com o autor do fato.

    Destro deste diapaso, observa-se o surgimento da vitimodogmtica, que,

    como salienta Slva Snchez (2001, p.167), procura inserir a perspectiva

    vitimolgico na dogmtica penal.

    Assim, importante salientar que uma das perspectivas da doutrina da

    vitimodogmtica valorar a incidncia do comportamento da vtima para a

    prtica do delito. Trata-se do princpio da autorresponsabilidade, ou

    corresponsabilidade da vtima.

    Silva Snchez (2001, p. 170-173), aponta, ainda, a existncia de duas

    correntes dentro da vitimodogmtica. Para a primeira corrente (majoritria), o

    comportamento da vtima deve ser considerado apenas quando da

    determinao judicial da pena, podendo, no mximo, atenu-la3. Por outro lado,

    a segunda corrente considera o comportamento da vtima capaz de excluir a

    responsabilidade do autor, com base no princpio da autorresponsabilidade.

    Schunemann (2002, p. 166), como precursor da segunda corrente, assevera

    que o princpio da autorresponsabilidade deve ser utilizado, no como um

    princpio basilar da parte geral do Direito Penal, mas como uma regra

    destinada a excluir do mbito da penalizao todos os comportamentos pelos

    quais a vtima se afasta de sua necessidade de proteo. dentro desta tica

    que ele correlaciona Direito Penal e vitimologia para excluir da tutela penal a

    vtima que no necessita nem merece tal proteo.

    3 No ordenamento jurdico brasileiro tem-se um exemplo desta concepo no art. 59 do Cdigo Penal. Das circunstncias judiciais: Art. 59 - O juiz, atendendo culpabilidade, aos antecedentes, conduta social, personalidade do agente, aos motivos, s circunstncias e conseqncias do crime, bem como ao comportamento da vtima, estabelecer, conforme seja necessrio e suficiente para reprovao e preveno do crime.

  • 19

    Logo, o objetivo da vitimodogmtica seria, ento, valorar o comportamento da

    vitima e a sua contribuio para a conduta do autor, visando a excluso da

    responsabilidade ou atenuao da pena aplicada.

    Todavia, h inmeras crticas doutrina da vitimodogmtica, principalmente no

    que tange criao de espaos de liberdade para o autor do fato em face da

    conduta da vtima, como bem salienta Silva Sanchez (2001, p. 174)

    Alm disso, ainda informa o autor, o perigo do clima social de desconfiana

    face ao direito e um retorno s formas de vingana privada (Idem, p. 175).

    Isto posto, a vitimodogmtica tem por objeto principal a teoria do delito, tais

    como o consentimento e acordo em Direito Penal, autocolocao em perigo e

    heterocolocao em perigo. A vitimologia centra-se nas pesquisas de

    vitimizao, na reparao do dano s vtimas, assim como o papel das vtimas

    no fenmeno criminal e necessidade de desvitimizao decorrente das

    instncias do controle social com fins de diminuio da criminalidade e a

    pacificao social.

    3.1 Aspectos vitimodogmticos do Direito Penal Brasileiro

    Uma das questes mais reincidentes, hoje, no Direito Penal a tutela de bens

    jurdicos, ficando a vtima a mero coadjuvante, o titular do bem jurdico

    protegido pela norma.

    No Brasil, a primeira obra sobre Vitimologia se verifica em um livro intitulado

    Vtima, de Edgard de Moura Bittencourt, editado em so Paulo, em 1971.

    Nesse contexto, destaca-se, ainda a primeira normativa acerca do tema, a

    resoluo aprovada no 1 Congresso Brasileiro de Poltica Criminal e

    Penitenciria, realizado em Braslia, de 27 a 30 de setembro de 1981,

    promovido pelo Conselho Nacional de Poltica Penitenciria do Ministrio da

    Justia.4

    Outrossim, como informa PELLEGRINO (1987, p. XII), no dia 18 de abril de

    1974, realizou-se, no Brasil, o primeiro debate sobre a Vitimologia, no Clube

    dos Advogados do Rio de janeiro.

    4 Anais do 1 Congresso Brasileiro de Poltica Criminal e Penitenciria, vol. I, os. 233-235, Braslia, 1982)

  • 20

    Destaca-se ainda o linde case, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde se

    decidiu que o quesito que prope a vtima como agente de coao moral

    irresistvel no delira da lgica judiciria nem representa equao absurda em

    tese (HC n 62.982-2 RJ). Tratando-se de caso de participao determinante

    da vtima para a consubstanciao do resultado lesivo.

    Desde o Cdigo Criminal do Imprio de 1830 j havia normas prevendo a

    obrigao do autor do fato de reparar os danos causados pelo delito.

    Hodiernamente, o sistema prev a Ao Civil ex delicto e a separao de

    instncias, podendo a vtima, de forma independente, ajuizar demandas na

    esfera cvel e criminal, perante o juiz correspondente, havendo, contudo,

    influncia da coisa julgada penal sobre o juzo cvel, com exceo para os

    casos de estado necessidade onde o titular do bem jurdico sacrificado, pode

    requerer a reparao do dano, mesmo sendo reconhecida a excludente de

    ilicitude. Trata-se, neste caso de uma tmida separao entre vtima e lesado,

    prevista na legislao brasileira, que trata as duas figuras como sinnimas.

    Quanto valorao da conduta da vtima na consecuo do resultado lesivo, a

    dogmtica brasileira se direciona para a corrente majoritria, tendente

    atenuao da pena do autor, mas no a excluso da responsabilidade, como

    se percebe, timidamente com o artigo, 59, do Cdigo Penal Brasileiro, que trata

    da circunstncia favorvel, quando da cominao da pena-base, levando-se

    em conta o comportamento da vtima.

    Para alguns doutrinadores, trata-se de hiptese de vitimizao, entretanto, para

    a doutrina da vitimodogmtica, hiptese de conduta da vtima determinante

    do resultado.

    Outrossim, a Lei ainda traz como causa de privilgio, no crime de homicdio, a

    circunstncia de o autor praticar a conduta determinante do resultado ,logo em

    seguida a injusta provocao da vtima5.

    5 Art. 121 - Matar algum: Pena - recluso, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de Diminuio de Pena 1 - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domnio de violenta emoo, logo em seguida a injusta provocao da vtima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um tero.

  • 21

    Recentemente, a jurisprudncia do STJ6, em deciso polmica, abraando a

    corrente minoritria da vitimodogmtica, excluiu a responsabilidade de suposto

    autor de crime de estupro de vulnervel, com fundamento exclusivo na conduta

    das vtimas, que, ainda, eram menores de idade.observa-se que neste caso

    no se levou em conta a capacidade para consentir, mas, exclusivamente, a

    conduta das vtimas.

    3.2 A interveno da vtima nos institutos penais

    Dentro do paradigma dominante, o Direito Penal tem se mostrado,

    necessariamente, do fato, dos bens jurdicos, da nova culpabilidade. vtima

    relega-se a titularidade do bem jurdico tutelado pela norma.

    Todavia, conforme se verificou linhas atrs, a preocupao com a participao

    da vtima e a sua contribuio para a causao do resultado lesivo vm

    dispensando ateno do paradigma doutrinrio emergente.

    Neste contexto, novas concepes acerca do consentimento do ofendido como

    forma de excluso da tipicidade penal, bem como construes acerca da

    imputao objetiva, com base na doutrina de Roxin e Jakobs, tm, inclusive,

    alterado legislaes aliengenas e, nacionalmente, existe grande possibilidade

    de influncia dessa nova sistemtica na Legislao Brasileira.

    3.2.1 A imputao objetiva. Imputao no mbito de responsabilidade da vtima

    A concepo minimalista do Direito Penal faz nascer a ideia fragmentaria de

    ultima ratio, ou seja, s se intervm na esfera de liberdade dos indivduos

    quando todos os demais ramos do direito falharem. Nesse sentido, haveria

    uma seleo de bens jurdicos mais importantes, que seriam tutelados pelo

    Estado, de forma mais coercitiva, atravs de normas dotadas de

    imperatividade, obedecendo ao princpio da legalidade estrita, com

    consequncia jurdica determinada finalidades de preveno.

    Assim, primeiramente, diante da indisponibilidade do bem tutelado, o autor de

    uma conduta penalmente relevante, seria responsabilizado pela violao

    normativa de proteo daquele bem. 6BRASILSuperiorTribunaldeJustiaPresunodeviolnciacontramenorde14anosemestuprorelativa 27 de mar. 2012 Disponvel em:http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105175 Acesso em27demar.2012.

  • 22

    Observe-se que a violao ao bem s levar responsabilizao penal, se

    houver previso legislativa. Nesse sentido, a seleo prvia de condutas e de

    bens tutelados delimita o campo da imputao.

    A concepo tradicional de imputao se direciona no sentido de que, havendo

    violao da norma, haver imputao objetiva, levando-se em conta a inteno

    do agente, o conhecimento e a vontade de praticar a conduta descrita no tipo

    penal para alcanar um resultado natural ou jurdico contrrio ao direito.

    Todavia, de acordo com a concepo de Roxin (2002, p 352), a imputao

    objetiva do resultado lesivo ao agente violador da norma para se

    consubstanciar faz-se necessria a constatao de um risco proibido pelo

    direito, que se verifique, ainda, se o resultado lesivo est no mbito de proteo

    da norma e, por fim, que haja o alcance do tipo pela conduta perpetrada pelo

    autor. Assim, s responderia pelo resultado, se este estivesse dentro da

    abrangncia do tipo.

    Dentro deste contexto, o comportamento da vtima estaria dentro do terceiro

    escalo da imputao objetiva, qual seja o alcance do tipo. Analisar-se-ia,

    juntamente com a conduta do autor, a conduta da vtima, situaes de atuao

    conjunta, e, havendo violao ao bem jurdico tutelado, haveria tambm, ou

    exclusivamente, responsabilizao da vtima, com espeque no princpio da

    autorresponsabilidade.

    A imputao no mbito da responsabilidade vtima, ou imputao vtima,

    ocorre quando o titular de um bem jurdico empreende conjuntamente com

    outra pessoa uma atividade que pode produzir uma leso de seu bem jurdico.

    Nesse cenrio, a atividade geradora do risco dever ser imputada

    preferentemente no mbito de responsabilidade da vtima na medida em que

    tal comportamento permanea no mbito de organizao conjunta autor,

    independentemente de dolo ou culpa.

    Para Dlio Lins e Silva Junior (2008, p. 158) deve-se delimitar quais as

    situaes concretas que permitiriam atribuir a situao de risco ao titular, ou

    seja, ou seja, o princpio da autorresponsabilidade, observando que esta s

    pode ser constatada dentro de um sistema de imputao concreto aonde a

    autonomia da vtima conduz assuno de riscos imputveis.

  • 23

    Assim, como bem salienta Meli (1998, p. 279-280), deve-se, primeiramente

    perquirir acerca do que seja proibido ou no como uma questo de tipicidade,

    logo depois verificar se no contexto normativo esto garantidas as intromisses

    na esfera da vtima, ou seja, princpio da autorresponsabilidade, propriamente

    dito, e, por ltimo s haver consequncias jurdicas penais ao autor quando a

    atividade puder ser atribuda efetivamente vtima.

    Isto posto, quando o titular de um bem jurdico empreende conjuntamente com

    outra pessoa uma atividade que pode produzir uma leso de seu bem jurdico,

    a atividade geradora do risco dever ser imputada preferentemente no mbito

    de responsabilidade da vtima na medida em que tal comportamento

    permanea no mbito de organizao conjunta autor. Logo, a

    autorresponsabilidade o fundamento do sistema de imputao vtima,

    excluindo-se a responsabilidade do autor.

    3.2.2 Heterocolocao consentida e Autocolocao em perigo

    As construes acerca da responsabilizao da vtima para a excluso do

    juzo da imputao ao autor, a partir das concepes de autocolocao e

    heterocolocao em perigo, consoante preleciona Roxin (1999, p. 387),

    tambm decorre da imputao objetiva do resultado. So situaes de risco

    provocadas exclusivamente ou com a participao da vtima. Em algumas

    circunstncias, no se pode responsabilizar, como reclama a dogmtica

    tradicional, o autor do fato.

    Parte-se, nesse sentido, tambm, na viso de Roxin (Ibidem), do alcance da

    norma, ou seja, Com a realizao de um perigo no compreendido dentro do

    risco permitido ocorrer regra geral de imputao ao tipo objetivo,

    comportando algumas excees. So as circunstncias de cooperao em

    uma autocolocao em perigo; na heterocolocao em perigo consentido; bem

    como, tambm, em um grupo de casos onde os danos so causados pelo

    choque da notcia (esta fora do mbito de abrangncia da norma, de forma

    mais evidente).

    Neste contexto, a autocolocao em perigo, (ROXIN, 2002, p. 357), ocorre em

    casos onde o sujeito que se coloca em perigo conhece o risco e tem

    conscincia deste (conscincia e vontade), tendo como consequncia a

  • 24

    irresponsabilidade daquele que contribui para a ocorrncia do dano (autor do

    fato).

    Outrossim, se houver conhecimento do autor do fato de que a que a vtima no

    tem conscincia das consequncias de suas aes, existir a criao de um

    risco no compreendido pela vontade da vtima, o qual dever ser imputado ao

    provocador. Esta a polmica da situao perpetrada vtima menor,

    principalmente nos casos em que o consentimento integra o tipo. Se no h

    capacidade para consentir, no se pode reconhecer a conscincia do risco,

    permanecendo a responsabilidade do autor.

    Assim, a polmica deciso do STJ, acerca da excluso da responsabilidade do

    Autor, no estupro de vulnervel, cuja conduta foi perpetrada em face de

    menores de 12 anos, consoante j mencionado alhures, no estaria abarcada

    pela autocolocao em perigo, diante da incapacidade de consentir das

    vtimas.

    Neste sentido, para Roxin (2002, p. 357), se o semi-imputvel se autocoloca

    em perigo, este tem plena conscincia do risco, tendo apenas reduzida sua

    auto capacidade de determinao, excluir-se- a imputao, entretanto, se sua

    capacidade de consentir estiver afetada, no havendo conscincia plena do

    risco, o resultado dever ser imputado ao contribuidor.

    A heterocolocao em perigo consentida (ROXIN, 2002, p. 361), por outro lado,

    inclui casos nos quais a vtima, tendo conscincia do risco, no se coloca

    dolosamente em perigo, deixando, contudo, colocar-se em perigo por outrem.

    Para tanto, o Autor traz a exemplo o caso do condutor de uma embarcao

    onde, a pedido do passageiro cede sua insistncia, para atravessar o rio

    Memel em plena tempestade. Na situao, o barqueiro aceita correr o risco,

    perde o controle do barco que afunda resultando na morte do passageiro. Em

    uma outra situao, um passageiro ordena ao motorista que ultrapasse a

    velocidade mxima permitida, em virtude disto ocorre um acidente onde o

    passageiro no sobrevive. Outro exemplo demonstrado informando que o

    dono de um carro, incapaz de dirigir por estar alcoolizado, permite que outro,

    tambm alcoolizado, dirija seu carro e em virtude de um acidente causado pela

    alcoolizao do motorista o passageiro morre.

  • 25

    As situaes perpetradas foram julgadas pelo Tribunal Superior Alemo e este

    interpretou que no deveria ser imputada responsabilidade ao autor quando a

    vtima, de forma consciente, aceita correr certo perigo. Logo, s foi excluda a

    responsabilidade do autor no primeiro exemplo, com base na violao do dever

    objetivo de cuidado do Autor.

    Malgrado a deciso do Tribunal Superior Alemo, este no o posicionamento

    defendido por Roxin, defendendo que em todos os casos, haveria excluso da

    responsabilidade, pois a vtima criou a situao de perigo que a atingiu. Assim,

    existem situaes as quais o fim de proteo do tipo compreende a

    heterocolocao em perigo consentida, afirmando que, nestas circunstncias, o

    dano deve ser consequncia do risco ocorrido, e no de outros erros

    adicionais.

    3.2.3 O Consentimento do ofendido

    Dentro da tentativa de excluso da tipicidade da conduta, tem-se, ainda, as

    questes acerca do consentimento do ofendido, consoante se adote uma teoria

    monista ou dualista acerca do tema, com base na disponibilidade e

    indisponibilidade de bens jurdicos tutelados pelo direito penal.

    Atentando-se, apenas para os aspectos relevantes para a caracterizao do

    princpio vitimodogmtico da autorresponsabilidade da vtima, diante da

    densidade do tema consentimento e acordo, observa-se que a disponibilidade

    do bem jurdico encontra fundamento e limite no princpio da dignidade da

    pessoa humana.

    Assim, fazendo este corte, deve-se, entretanto, salientar que, a legislao

    brasileira no reconhece eficcia ao consentimento do ofendido, salvo em

    raras excees, permitindo que este seja empregado como causa supralegal

    de excluso do ilcito, ou, excludo a tipicidade quando elementar ao tipo.

    Malgrado, no plano ftico no exista diferena entre acordo e consentimento,

    Manuel da Costa Andrade (1991, p. 142-147), cita que a doutrina distingue a

    aquiescncia que exclui a tipicidade (acordo) e a que afasta a ilicitude

    (consentimento), trazendo, esta distino, profundas consequncias diferentes

    no mbito jurdico-penal. No plano ftico no existe diferenciao alguma entre

    acordo e consentimento.

  • 26

    Destarte, (PIERANGELI, 2001, p. 97) haver o acordo quando o tipo legal

    expressa ou implicitamente prev que o agente atue contra ou sem a vontade

    da vtima. J, no consentimento, para que haja excluso do ilcito, causa

    justificante, deve se obedecer a capacidade, liberdade, e autenticidade, ou

    seja, o princpio da autonomia.

    No acordo, a conduta ser atpica e no haver crime. Quando esta situao

    ocorrer, como por exemplo, na invaso de domiclio (art. 150 do CP), no

    haver ilcito. Haver consentimento que exclui a atipicidade (acordo) quando

    no tipo penal figurar como elemento da estrutura tpica, isto elemento

    essencial do tipo ou quando o dissenso da vtima constituir elemento do tipo.

    imperioso salientar que o consentimento s ser levado a cabo se aquele

    que consentir for o nico titular do bem jurdico lesado.

    O estudo do consentimento e acordo ganha bastante evidncia quando do

    estudo das situaes perpetradas acerca de bens jurdicos, tradicionalmente,

    tidos como indisponveis, como e o caso da vida, em situaes conhecidas

    como as de eutansia.

    Para esses casos, evidente o confronto entre bens jurdicos: de uma lado a

    autonomia, com base na dignidade da pessoa humana; de outro a vida, bem

    jurdico indisponvel, por excelncia.

    Outrossim, a questo ainda se torna controvertida, tambm, quando se verifica

    as intervenes mdicas-cirrgicas. Todavia, foge-se um pouco da temtica do

    princpio dogmtico da autorresponsabilidade da vtima.

    4. Concluso

    O estudo da vtima dentro da Criminologia desponta para a disciplina autnoma

    da vitimologia, que, a princpio tratou dos aspectos vitimodogmticos evoluindo

    para questes outras como a reparao do dano e polticas pblicas voltadas

    para a preveno, informao e proteo da vitimizao.

    Dentro desta perspectiva, observa-se a importncia do 1 Simpsio de

    Vitimologia e a Declarao dos Princpios Bsicos de Justia Relativos s

    Vtimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, bem como da evoluo das

  • 27

    correntes criminolgicas que abarcaram o estudo da vtima dentre os fatores

    tambm determinantes da criminalidade.

    Como se percebe, a concepo criminolgica de vtima vai alm do conceito de

    lesado, sujeito passivo do delito ou titular do bem jurdico tutelado pela norma

    penal, trata-se de conceito vitimolgico, criminolgico, dentro de uma tendncia

    de poltica criminal.

    A evoluo dos ordenamentos jurdicos, notadamente criminal, tem

    demonstrado uma tendncia proteo da vtima, com fins de diminuio da

    vitimizao primria, secundria e, at mesmo, terciria.

    As tipologias de vtimas, apresentadas pela doutrina, no tm importncia para

    a determinabilidade da criminalidade, vez que diferentemente da

    vitimodogmtica, o estudo da vitimologia no se restringe s questes da

    conduta da vtima para a responsabilizao criminal.

    Um ponto fundamental no que tange ao estudo da vtima, dentro do sistema

    criminal, o princpio da autorresponsabilidade, que se apresenta como

    princpio vitimodogmtico, demonstrando a possibilidade de excluso da

    responsabilidade do autor em face da conduta perpetrada pela vtima.

    Os ordenamentos, timidamente, vm reconhecendo a relevncia da

    participao da vtima na causao do resultado, conforme se depreendeu a

    casustica e jurisprudncia emergentes.

    Entretanto, consoante se depreende da doutrina da heterocolocao

    consentida e da autocolocao em perigo, existem vrias questes ainda

    passveis de debate, no estando o tema consolidado, diante da consequente

    liberdade que se deposita na conduta do autor legitimamente tipificada pelo

    direito penal.

    Isto posto, delimitar a contribuio da vtima para violao de seus bens

    jurdicos evidencia a sua atualidade e importncia, diante das questes ora

    apontadas, vez que a dogmtica emergente caminha no sentido de privilegiar,

    cada vez mais, princpios fulcrada na autonomia do indivduo, diante da

    clusula geral da dignidade da pessoa humana.

  • 28

    5. Referncias Bibliogrficas

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