miolo correio appoa 196ª escolherá o caminho certo e o ... é inegável o efeito formativo...
TRANSCRIPT
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.1
edito
rial.
[...] em n
ome de in
contáveis con
temporân
eos seus, desejo expri-
mir a con
fiança de qu
e você nu
nca fará ou
dirá nada – apesar de
tudo, as palavras de u
m au
tor são instru
men
tos – que seja covarde
e abjeto, e que, m
esmo n
um
a época que obscu
rece os julgam
entos,
você escolherá o cam
inh
o certo e o mostrará aos ou
tros.
Carta de Freu
d a Th
omas M
ann
por ocasiãod
o sexagésimo an
iversário de Th
omas M
ann
.
A u
tilização da tortu
ra contra p
resos políticos, ou
contra qu
emqu
er que seja, con
stitui crim
e de lesa-hu
man
idade, e nesta m
edida
fere de morte o im
enso esforço civilizatório pelo qu
al a raça hu
ma-
na, através dos tem
pos, busca salvar-se das trevas da barbárie (...).
A tortu
ra visa a produção diabólica de u
m discu
rso que é o avesso
da liberdade. Ele vira o torturado pelo avesso, n
a busca de u
ma
confissão qu
e o destrói, enven
ena as fon
tes de sua vida carn
al e deseu
s valores espirituais.
Hélio Pellegrin
o
Ao con
trário da A
rgentin
a, Ch
ile e Uru
guai, o B
rasil contin
ua ten
do
apreço e d
eferência p
or seus tortu
radores e se d
estaca, no con
texto latino
american
o, como p
aís que jam
ais levou ao ban
co dos réu
s um
ún
ico tor-
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.3
An
istia
e to
rtura
.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
02.
edito
ria
l.
turad
or que atu
ou n
o períod
o da d
itadu
ra civil-militar n
o país. E
m m
aio
deste an
o, o Su
prem
o Tribu
nal Fed
eral julgou
um
a ação movid
a pela
Ord
em d
os Ad
vogados d
o Brasil (O
AB
) defen
den
do u
m n
ovo encam
i-
nh
amen
to à lei da an
istia de 1979 já qu
e a tortura, com
o todos sabem
, é
crime lesa-h
um
anid
ade n
ão send
o passível d
e prescrição e n
em d
e anis-
tia. O B
rasil é signatário d
a Declaração U
niversal d
e Direitos H
um
anos
de 1948, ratificad
a pela D
eclaração de D
ireitos Hu
man
os de V
iena d
e
1993, que p
roíbe a tortura e d
efend
e o direito u
niversal à verd
ade e à
justiça, tam
bém ratificou
a Con
venção in
ternacion
al contra a tortu
ra e
outras p
enas ou
tratamen
to cruéis, d
esum
anos e d
egradan
tes da O
NU
,
bem com
o a Con
venção am
ericana d
e Direitos H
um
anos. Porém
, de cos-
tas para a legislação in
ternacion
al, a alta corte brasileira ind
eferiu a soli-
citação, perd
end
o assim u
ma ch
ance h
istórica de ju
stiça.
Mu
itos pesqu
isadores d
emon
stram qu
e nos p
aíses ond
e hou
ve julga-
men
to de tais atos crim
inosos a tortu
ra em crim
es comu
ns d
imin
uiu
sig-
nificativam
ente. N
o Brasil, com
o sabemos, a tortu
ra insiste com
o prática
cotidian
a.
A p
sicanálise n
ão pod
e se furtar a este d
ebate pois su
a ética não é
conson
ante com
a ind
iferença aos trau
mas d
e um
a nação, a n
ossa nação.
Todos con
hecem
bem a h
istórica e contu
nd
ente lu
ta de H
élio Pellegrino,
Helen
a Besserm
an V
iana e ou
tros em relação a este ep
isódio d
a história
da p
sicanálise brasileira e à h
istória do p
aís. Ao d
enu
nciar A
mílcar Lobo,
cand
idato a an
alista pela S
PR
J (Socied
ade Psican
alítica do R
io de Jan
ei-
ro) e méd
ico atuan
te nas sessões d
e tortura e seu
analista d
idata Leão
Cabern
ite, provocaram
a expu
lsão e persegu
ição de vários m
embros d
a
SP
RJ. O
livro de H
elena B
esserman
Vian
a “Não con
te a nin
guém
” reconta
em d
etalhes esse m
omen
to da h
istória em qu
e a Psicanálise, os p
sicana-
listas e a história d
o país se en
laçaram d
e forma a relan
çar inú
meras e
fun
dam
entais p
ergun
tas para o fu
turo.
Todo p
sicanalista tem
um
comp
romisso com
seu tem
po e n
un
ca é
dem
ais lembrar a lú
cida afirm
ação de Jacqu
es Lacan n
o final d
o seu clássi-
co “Fun
ção e Cam
po d
a fala e da lin
guagem
em p
sicanálise” on
de lem
-
bra que d
eve renu
nciar a p
rática da p
sicanálise tod
o analista “qu
e não
consegu
ir alcançar em
seu h
orizonte a su
bjetiv
idad
e de su
a época.
Pois, como p
oderia fazer d
e seu ser o eixo d
e tantas vid
as quem
nad
a
soubesse d
a dialética qu
e o comp
romete com
essas vidas n
um
movi-
men
to simbólico.”
Reu
nim
os aqui algu
ns textos p
ara relançar esta im
portan
te dis-
cussão.
Ed
son S
ousa e Pau
lo En
do
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.5
notíc
ias.
Fe
sta
de
fim d
e a
no
Agen
de-se e ven
ha se d
ivertir conosco, em
dezem
bro, na n
ossa tra-
dicion
al Festa de Fim
de A
no. O
s convites estarão à d
isposição n
a secre-
taria. Em
breve mais d
etalhes.
56
ª Fe
ira d
o L
ivro
de
Po
rto A
leg
re
Cad
a um
de n
ós sabe, por exp
eriência p
rópria, qu
ão difícil é tom
ar a
palavra em
meio a vozes tão p
lurais. C
ontu
do, é in
egável o efeito formativo
prod
uzid
o pelo exercício d
e interlocu
ção com ou
tros discu
rsos. Motivo
suficien
te para a A
PP
OA
se fazer presen
te mais u
ma vez n
a Praça d
a
Alfân
dega. C
onfira p
rogramação abaixo:
Dia
: 05
de n
ov
em
bro
18h – M
esa: O P
ON
TO
DE
VIS
TA
DO
OU
TR
O
Participan
tes: Juran
dir Freire C
osta (autor)
Mario C
orso (Psicanalista/A
PP
OA
)
Robson
Pereira (Psicanalista/A
PP
OA
)
Local: Salão d
os Jacarand
ás, Mem
orial do R
S (P
ça. da A
lfand
ega)
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.7
An
istia
e to
rtura
.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
06.
notíc
ias.
Dia
: 11
de n
ov
em
bro
19h – M
esa-redon
da: E
NSA
IO S
OB
RE
A C
EG
UE
IRA
Participan
tes: Lúcia S
errano Pereira (Psican
alista/AP
PO
A)
Márcia Ivan
a de Lim
a e Silva (P
rof. de Literatu
ra/UFR
GS
)
An
a Luiza A
zevedo (cin
easta)
Lucy Lin
hares d
a Fontou
ra (Psicanalista/A
PP
OA
)
Local: Sala Leste d
o San
tand
er Cu
ltural
20h30 – S
essão de au
tógrafos da R
evista da APPO
A – C
iúm
es, Porto
Alegre, n
. 36, jul-d
ez. 2009.
Local: Pavilhão cen
tral
Dia
: 12
de n
ov
em
bro
17h30 – S
essão de au
tógrafos com M
arco An
tônio C
outin
ho Jorge.
Livro Fun
damen
tos da psicanálise – A
clínica d
a fantasia. R
io
de jan
eiro: Zah
ar, 2010. v. 2.
Local: Pavilhão cen
tral
19h30 – C
onferên
cia A clín
ica da fantasia, d
e Marco A
ntôn
io
Cou
tinh
o Jorge
Local: Sed
e da A
PP
OA
– Ru
a Faria San
tos, 258. Tel: (51) 33332140
Publicações A
PP
OA
Um
a e
sc
uta
ce
nsu
rad
a
A p
sicanalista M
aria Rita K
ehl foi afastad
a da su
a colun
a no E
stadão,
nu
ma atitu
de m
otivada p
or um
texto que d
iscordava d
a linh
a do jorn
al.
Claro qu
e o jornal d
á um
a outra versão, qu
e só aprofu
nd
a o non
sense,
pois trata-se d
o mesm
o jornal qu
e reclama estar sen
do cen
surad
o pela
justiça n
um
caso que en
volve a família S
arney. A
imp
rensa sem
pre foi
parcial, m
as desta vez ela d
escaradam
ente qu
er ser protagon
ista do m
o-
men
to político. O
jornal exigia qu
e ela se ativesse a “assun
tos psican
alíti-
cos”, abstend
o-se de qu
alquer leitu
ra da realid
ade social, fu
rtand
o-se a
fazer um
a interp
retação do m
un
do em
que ela vive, p
ediu
-lhe qu
e se res-
tringisse a u
m lim
bo teórico, provavelm
ente ocu
pan
do-se d
e assun
tos
dom
ésticos ou ín
timos. S
ó faltou d
izer que lu
gar de p
sicanalista é en
tre a
cama e a cozin
ha.
Fazia temp
o que a tem
peratu
ra política n
ão subia tan
to e nessa elei-
ção presid
encial vem
se reveland
o posições id
eológicas que estavam
aba-
fadas. A
agressividad
e reinan
te ped
e um
a explicação, ou
ao men
os um
a
hip
ótese: acreditam
os que a d
emissão d
a nossa colega e associad
a pod
e
nos forn
ecer um
a pista. P
rovavelmen
te, o motivo d
e tanta fú
ria, a mesm
a
que an
da n
a rua, n
a intern
et, na im
pren
sa, é o desassossego sobre qu
al o
lugar d
e cada u
m n
o novo m
omen
to que o p
aís vive. O crescim
ento d
o
Brasil n
os últim
os anos fez su
rgir emergen
tes vind
os da classe C
e D, e
isso mexe com
todos. E
sse era um
dos assu
ntos d
o texto que M
aria Rita
escreveu e p
rovavelmen
te por ter tocad
o no p
onto certo é qu
e provocou
tanta p
olêmica.
Existe u
ma classe m
édia qu
e se sente traíd
a, a mesm
a que on
tem
ajud
ou n
o nascim
ento d
o PT, h
oje se sente aban
don
ada. E
ssa classe tam-
bém cresceu
, mas m
enos em
comp
aração com as ou
tras. Os relu
zentes
bens d
e consu
mo qu
e ostentavam
sua p
otência, h
oje são parcelad
os em
várias vezes para qu
alquer u
m com
prar. O
s outros m
ecanism
os de reco-
nh
ecimen
to dessa classe, geralm
ente in
telectuais e cu
lturais, estão em
franco d
esuso, m
as não e só u
m caso brasileiro. Já n
ão serve ser dou
tor,
ter estud
ado m
uito, isso n
ão já garante u
m bom
emp
rego. A p
reguiçosa
classe dom
inan
te brasileira vê surgir u
m bocad
o de gen
te com m
enos
cultu
ra que ela, com
men
os berço, mas m
ais disp
osta a pegar com
as
du
as mãos as vagas d
os postos d
e trabalho. A
lém d
isso, há m
uitos n
ovos
mem
bros no já n
ada seleto gru
po d
os emergen
tes que an
gariam p
restígio
social. O im
pu
lso de crescer e sair d
um
a cond
ição social desfavorecid
a é
um
a fonte d
e energia m
uito d
iferente d
aquela n
ecessária para aqu
eles
que só qu
erem ficar on
de estão e é isso qu
e é intu
itivamen
te percebid
o e
provoca tan
ta fúria, é com
o quan
do u
m irm
ãozinh
o vem ch
egand
o. Os
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.9
temátic
a.
An
istia
Am
pla
Ge
ral e
Irrestrita
Co
mitê
Bra
sile
iro p
ela
An
istia
de
Sã
o P
au
lo - C
BA
/SP
Me
mó
ria e
frag
me
nto
s1
Maria
Auxilia
do
ra d
e A
lmeid
a C
unha A
rante
s2
Pre
mis
sa
A h
istória da lu
ta pela an
istia amp
la, geral e irrestrita não tem
um
narrad
or oficial. O p
rotagonism
o desta lu
ta foi em p
arte anôn
imo, em
parte con
hecid
o e mu
itas vezes disp
erso em tod
o o país qu
e, das m
ais
diferen
tes formas e n
os mais sin
gulares gestos, se revoltou
contra a tira-
nia qu
e se abatera sobre os brasileiros com o golp
e militar d
e 1º de abril
1 Versão condensada do artigo publicado no livro A Luta Pela Anistia, org. Haike R. Kleber da Silva, Editora UNESP: ArquivoPúblico do Estado de São Paulo: Im
prensa Oficial do estado de São Paulo, (2009) p. 488.
2 Co-fundadora e dirigente do CBA/SP (1978-1982) e da Executiva Nacional dos Movim
entos de Anistia. Psicóloga e psicana-lista. M
estre em Psicologia Clínica pela PUC/SP e doutoranda em
Ciências Sociais pela mesm
a universidade.Coordenadora-Geral de Com
bate à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
emergen
tes são como os im
igrantes, qu
e semp
re são odiad
os, pois tra-
balham
mais p
ara constru
ir seu esp
aço e com isso d
esacomod
am os
nativos.
Resta qu
estão do qu
e seria um
assun
to próp
rio para u
m p
sicanalista,
o qual d
everia ater-se a assun
tos caseiros, restritos ao ind
ivídu
o e seu
cotidian
o, sem jam
ais generalizar em
nen
hu
m asp
ecto que n
ão coubesse
nu
ma revista fem
inin
a. Esse é o lu
gar de d
omesticação qu
e querem
reser-
var aos psican
alistas na m
ídia, a d
e intérp
retes de com
portam
entos am
o-
rosos e familiares, n
o máxim
o send
o-nos p
ermitid
os vôos no qu
e diz res-
peito às id
entid
ades sexu
ais e à violência. S
em d
esprezo p
or esses temas,
que d
e fato são nosso feijão com
arroz, a imp
ossibilidad
e de tran
scend
ê-
los seria um
filtro imp
ossível, um
a surd
ez incom
patível com
a escuta.
Sabe-se, a con
dição p
ara a escuta é qu
e ela não fiqu
e restrita ao imagi-
nário d
o analista, às su
as limitações n
euróticas e p
reconceitos. N
esse sen-
tido, n
ão há com
o um
psican
alista “restringir-se à p
sicanálise”, p
ois a
escuta n
ão é restringível, ela é u
ma d
ispon
ibilidad
e a priori. Maria R
ita
escutou
algo que estava sen
do d
ito e aqueles qu
e se sentiram
interp
reta-
dos p
or isso reagiram n
egativamen
te. Isso não é n
ada qu
e qualqu
er psi-
canalista n
ão tenh
a passad
o, mas m
isturad
o com p
oder torn
a-se pu
ro
autoritarism
o, aquele qu
e julgávam
os sup
erado. D
a nossa p
arte, enqu
an-
to mem
bros da su
a associação analítica, só p
odem
os reconh
ecer a coe-
rência d
e sua p
osição. Não, sen
hores d
o Estad
ão, Maria R
ita não estava
send
o pou
co psican
alista quan
do escreveu
seu texto qu
e vocês julgaram
político, ela estava sen
do sim
, e mu
ito!
Mário e D
iana C
orso
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.11
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
010.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
de 1964. Poetas e can
tores de cord
el, artistas de ru
a e pich
adores d
e mu
-
ros, artistas plásticos e gráficos com
seu traço su
til e ferino, com
positores
e mú
sicos que esp
alharam
com a m
elodia u
m grito d
e cale-se foram u
nâ-
nim
es em exigir u
m basta e igu
almen
te un
ânim
es em p
erceber que, ao
final, a an
istia prop
osta trouxe “em
um
a das m
ãos um
ramo d
e oliveira e
na ou
tra um
a vergasta”, como n
a metáfora d
o poeta D
rum
mon
d.3
Con
tar a história d
a anistia e d
as mu
lheres e d
os hom
ens qu
e dela
particip
aram é igu
almen
te correr o risco de exclu
ir sem saber e n
ão in-
cluir p
or descon
hecer tu
do o qu
e contribu
iu p
ara que esta cam
pan
ha e
para qu
e a anistia fosse alcan
çada. O
gesto ético se sobrepôs à violên
cia e
consegu
imos en
voltos nesta ban
deira abrir a p
orta dos p
resídios p
olíti-
cos, receber nos aerop
ortos os banid
os e exilados, assistir à p
rimeira au
la
de p
rofessores cassados e abraçar a am
iga e o amigo qu
e retornavam
de
um
longo tem
po clan
destin
o, mais sérios, grisalh
os e precocem
ente taci-
turn
os. Os m
ilitantes d
a An
istia celebraram ju
nto com
os familiares as
prim
eiras hom
enagen
s aos mortos e exigiram
esclarecimen
tos sobre os
desap
arecidos.
Partind
o desta p
remissa reú
no, n
este texto, fragmen
tos e mem
ória da
luta e d
a camp
anh
a, com a in
tenção d
e articular com
mem
órias comp
le-
men
tares. Ao in
formar sobre as p
rincip
ais atividad
es que o C
BA
/SP
orga-
nizou
a partir d
e 1978, e mu
itos de seu
s protagon
istas, min
ha in
tenção é
a de p
restar hom
enagem
a estes brasileiros e a tantos ou
tros que, an
oni-
mam
ente, su
stentaram
a luta p
ela An
istia Am
pla G
eral e Irrestrita.
1964 e
1978
O golp
e militar em
1º de abril d
e 1964 institu
cionalizou
a deten
ção,
a prisão, o sequ
estro, o banim
ento, a tortu
ra, o assassinato e o d
esapareci-
men
to, deixan
do u
m legad
o sinistro: 426 m
ortos e desap
arecidos p
olíti-
cos; um
a legião incon
tável de ex-p
resos torturad
os e histórias d
e vida
trun
cadas. A
viscosidad
e da m
emória d
a tortura u
ltrapassa o tem
po, fi-
cou ad
erida n
o corpo e n
a alma d
e quem
a viveu. A
mem
ória da vid
a
cland
estina e d
o exílio é um
a lembran
ça encap
sulad
a e pu
lsante. O
golpe
de 64 e a m
emória d
os acontecim
entos qu
e devastaram
nosso p
aís, sobre-
tud
o das m
ortes, desap
arecimen
tos e os efeitos da tortu
ra tornaram
-se e
man
têm-se com
o um
a heran
ça trans-geracion
al.
O m
ovimen
to pela an
istia é fruto d
a ind
ignação e u
m basta à d
itadu
-
ra militar. O
s Com
itês Brasileiros p
ela An
istia, os CB
As su
rgiram com
o
organização in
dep
end
ente, reu
nin
do h
omen
s e mu
lheres d
ispostos a le-
var à frente u
m p
rograma p
olítico mín
imo e d
e ação para além
do esqu
e-
cimen
to. Exigia a libertação im
ediata d
e todos os p
resos políticos; volta
de tod
os os exilados, ban
idos e cassad
os; reintegração p
olítica, social e
profission
al dos fu
ncion
ários pú
blicos e privad
os dem
itidos p
or motivos
políticos e d
os efeitos dos A
tos de E
xceção; fim rad
ical e absoluto d
a tor-
tura; revogação d
a Lei de S
eguran
ça Nacion
al; desm
antelam
ento d
o apa-
rato repressivo; esclarecim
ento d
as mortes e d
os desap
arecimen
tos por
motivação p
olítica; den
ún
cia sistemática d
a tortura e d
os casos de m
uti-
lação; julgam
ento e p
un
ição dos resp
onsáveis.
Ma
io d
e 1
978
O C
BA
/SP
foi instalad
o em 12 d
e maio d
e 1978 três meses ap
ós o
CB
A/R
J. Su
a organização foi resu
ltado d
e vários esforços isolados e
disp
ersos nos an
os anteriores, em
defesa d
os persegu
idos p
olíticos pelo
regime m
ilitar. Desd
e 1973 iniciativas, ora p
essoais, ora de com
issões,
procu
ravam ch
amar a aten
ção da op
inião p
ública p
ara o avanço d
a dita-
du
ra. Nos an
os de 1976 e 1977 n
ovos acontecim
entos con
tribuíram
para
a organização d
e um
a prop
osta política m
ais amp
la de rep
úd
io à ditad
u-
ra. Um
a das p
rimeiras tarefas d
o CB
A/S
P e d
e sua E
xecutiva foi a d
iscus-
são e elaboração da “C
arta de P
rincíp
ios e Program
a Mín
imo d
e Ação”,
termin
ada em
julh
o de 1978, cu
ja redação fin
al coube a Perseu
Abram
o.3 ANDRADE. C. D, Anistia - Com
o vens, como te im
aginava. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 28/6/1979.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.13
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
012.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Nesta C
arta são reafirmad
os os prin
cípios d
e combate à d
itadu
ra bem
como u
m p
rograma p
ara a camp
anh
a, que exigia a libertação im
ediata d
e
todos os p
resos políticos; a lu
ta pelo esclarecim
ento d
as mortes e d
esapa-
recimen
tos políticos ocorrid
os e a respon
sabilização jud
icial de seu
s au-
tores; a volta imed
iata de tod
os os exilados; a rein
tegração social e políti-
ca de tod
os os beneficiad
os pela lei d
e anistia p
arcial; a revogação da Lei
de S
eguran
ça Nacion
al e de tod
o o aparato rep
ressivo.4
O C
BA
/SP
foi estrutu
rado a p
artir de rep
resentan
tes de en
tidad
es e
não exclu
sivamen
te através de filiações in
divid
uais. R
eun
iu em
seu elen
-
co executivo p
essoas já conh
ecidas p
ublicam
ente e ou
tras na qu
alidad
e
de fam
iliares dos m
ilitantes p
olíticos atingid
os. Na ép
oca em qu
e o CB
A/
SP
foi organizad
o havia u
m en
orme con
tingen
te de com
batentes clan
des-
tinos n
o Brasil: eram
militan
tes, familiares d
e militan
tes persegu
idos, bra-
sileiros determ
inad
os que, d
entro d
o país qu
e lhes era h
ostil, se consti-
tuiu
em u
ma colu
na qu
e não se cu
rvou, su
stentou
a luta d
e forma an
ôni-
ma e clan
destin
a sob a férrea vigilância d
a ditad
ura.
O C
omitê B
rasileiro pela A
nistia d
e São Pau
lo reun
iu m
ulh
eres e reu-
niu
hom
ens, tod
os, cidad
ãos brasileiros que se torn
aram p
rotagonistas d
a
luta p
ela anistia n
o Brasil. H
ouve in
tensa articu
lação com os C
BA
s no
interior d
o Estad
o de S
ão Paulo, qu
e mu
ltiplicavam
e expan
diam
a luta
pela an
istia, através de ativid
ades p
róprias p
úblicas ou
em p
arceria com
o CB
A/S
P n
as cidad
es de S
ão José dos C
amp
os, San
tos, Cam
pin
as,
Piracicaba, Lim
eira, Sorocaba, R
ibeirão Preto, Bau
ru, A
BC
, Assis, O
sasco,
Itapira, Jacareí, M
ogi das C
ruzes e G
uaratin
guetá.
No
ve
mb
ro d
e 1
978
O P
rimeiro C
ongresso p
ela An
istia, realizado d
e 2 a 4 de n
ovembro
de 1978, em
plen
a ditad
ura, foi u
m m
arco na im
plem
entação d
os comi-
tês de an
istia que ch
egaram a ser 60 organ
izações em tod
o o Brasil. O
Con
gresso, realizado em
São Pau
lo, foi anteced
ido d
e reun
iões no In
stitu-
to Sedes Sapientiae com
o aval da M
adre C
ristina, d
estacada ap
oiadora
do m
ovimen
to de resistên
cia à ditad
ura. A
abertura oficial d
o Con
gresso
foi feita no teatro d
a PU
C/S
P, o TU
CA
, du
rante a reitoria d
a professora
Nad
ir Gou
vêa Kfou
ri que u
m an
o antes, em
setembro d
e 1977, defen
dera
com altivez o cam
pu
s da P
UC
du
rante su
a invasão p
ela Polícia Militar
coman
dad
a pelo coron
el Erasm
o Dias. O
encerram
ento foi feito n
o teatro
Ru
th E
scobar.
Ju
nh
o 1
979
Em
15 de ju
nh
o de 1979 ocorreu
no R
io de Jan
eiro, o Primeiro E
ncon
-
tro das E
ntid
ades d
e An
istia, quan
do o C
BA
/RJ e a C
omissão N
acional d
e
Mortos e D
esaparecid
os divu
lgam u
ma p
ublicação d
atilografada e en
ca-
dern
ada sobre os p
resos, os mortos e d
esaparecid
os.5 A
relação dos m
or-
tos e desap
arecidos, n
o Brasil e n
o exterior,com su
as biografias e as con-
dições até ali con
hecid
as de seu
assassinato, con
stitui exten
sa lista com o
nom
e de tod
os os torturad
ores, a descrição d
os instru
men
tos de tortu
ra e
den
ún
cia da m
áquin
a de tortu
ra do E
stado.
Ju
lho
de
1979
Em
julh
o ocorre o III En
contro d
os movim
entos d
e An
istia e o docu
-
men
to final o texto, “R
eafirmação d
o Com
prom
isso Nacion
al” 6, fazia um
lúcid
a análise d
o movim
ento p
opu
lar e do p
rojeto político d
o governo d
e
tentativa d
e sua in
stitucion
alização; a den
ún
cia do p
rojeto de an
istia
hu
milh
ante e d
iscrimin
atória; e a reafirmação d
o comp
romisso n
acional
4 Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo – CBA/SP, Carta de Princípios e program
a Mínim
o de Ação, São Paulo: 1978,im
presso.
5 Comitê Brasileiro pela Anistia RJ e Com
issão Nacional de Mortos e Desaparecidos, Encontro Nacional das Entidades de
Anistia, Rio de Janeiro, 15/6/1979, mim
eo.
6 III Encontro dos Movim
entos de Anistia, Anistia ampla, geral e irrestrita – Reafirm
ação do Comprom
isso Nacional, SãoPaulo, 8/07/1979, m
imeo.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.15
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
014.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
de con
tinu
idad
e da lu
ta com a exigên
cia da libertação im
ediatad
e todos
os presos p
olíticos, a volta de tod
os os exilados, a rein
tegração de tod
os os
dem
itidos, exclu
ídos, reform
ados, cassad
os e aposen
tados, esclarecim
en-
tos das m
ortes e desap
arecimen
tos de op
ositores, a respon
-sabilização
dos qu
e praticaram
torturas e assassin
atos, a revogação da Lei d
e Segu
-
rança N
acional, o d
esman
telamen
to do ain
da im
pu
ne ap
arelho d
e repres-
são política.
Ag
osto
de
1979
A cam
pan
ha m
ais específica organ
izada p
elo CB
A/S
P, que an
tece-
deu
a votação da Lei d
e anistia em
agosto de 1979, foi in
tensa n
as ruas d
e
São Pau
lo. No d
ia 8 de agosto d
aquele an
o o comício n
a Praça d
a Sé foi
um
marco d
ecisivo na cam
pan
ha d
a anistia. A
té então a P
raça de S
é esta-
va proibid
a para m
anifestações e a realização d
o Ato P
úblico cercad
a
pela p
olícia militar, a p
é ou a cavalo, foi u
ma vitória n
a conqu
ista dos
espaços p
úblicos p
roibidos p
ara man
ifestação de qu
alquer n
atureza. N
o
coração da cid
ade d
e São Pau
lo, jun
to ao seu M
arco Zero, os m
ovimen
tos
tomaram
politicam
ente a p
raça que voltou
a ser do p
ovo. A C
onvocatória
para o A
to, escrita pelo C
BA
/SP
em ju
lho e assin
ada p
elo Com
and
o Geral
pela A
nistia A
mp
la Geral e Irrestrita foi d
istribuíd
a du
rante aqu
eles me-
ses à pop
ulação, d
izia:
Hoje se sabe n
o Brasil qu
e o regime m
ilitar que se im
plantou
no
país em 1964 pren
deu, tortu
rou, m
atou, ban
iu e exilou
, cassou e
demitiu
inú
meros brasileiros.(...) Fez calar a livre m
anifestação do
pensam
ento, fech
ou u
niversidades, in
vadiu sin
dicatos e deixou o
povo sem liberdade e com
fome, n
o campo e n
a cidade. Hoje os
brasileiros que qu
erem para esta n
ação a liberdade e a justiça, vêm
publicam
ente exigi-las. (...) Este m
esmo regim
e apresentou
no dia
27 de jun
ho u
m Projeto de A
nistia Parcial qu
e deixa de fora mu
ito
brasileiros atingidos du
rante estes 15 an
os. Su
bmete fu
ncion
ários
civis e militares a n
ovos condicion
amen
tos e hu
milh
ações para a
re-integração em
seus cargos. D
eixa de fora trabalhadores e estu
-
dantes atin
gidos pela CLT
e pelos Atos de Exceção. D
eixa na prisão
e no exílio m
uitos brasileiros. N
em sequ
er um
a palavra sobre os
que m
atou e fez desaparecer du
rantes estes an
os. Este projeto deve-
rá ser votado pelo Con
gresso Nacion
al em agosto. (...) N
ão pode-
mos em
nom
e da justiça e da própria gran
deza da An
istia aceitá-lo
e por isso mesm
o repudiam
os este projeto. Qu
eremos u
ma A
nistia
ampla, geral e irrestrita qu
e devolva à nação todos os brasileiros
dela afastados. (...) Qu
eremos u
ma A
nistia qu
e respeite a mem
ória
dos que foram
mortos, a resposta para os casos de desaparecim
en-
tos e a responsabilização dos qu
e os provocaram. Q
uerem
os a revo-
gação da Lei de Segu
rança N
acional e de todas as leis repressivas.
Con
clamam
os a todos, vindos das fábricas, das escolas e dos escri-
tórios, de suas casas e de seu
s empregos, das lojas e das ru
as, para
que n
a Praça da Sé, se u
nam
em A
to Público n
a exigência de u
ma
An
istia Am
pla Geral e Irrestrita para a n
ação brasileira. Vi-vem
os
um
mom
ento im
portan
te na h
istória de n
osso país. D
evemos
engran
decê-lo com a participação m
ais ampla de todo o povo. A
ss:
Com
and
o Geral p
ela An
istia Am
pla G
eral e Irrestrita, São Pau
lo,
julh
o de 1979.7
As reu
niões p
ela camp
anh
a, tentan
do qu
e a lei prom
ulgad
a fosse a
que exigia o m
ovimen
to: amp
la, geral e irrestrita, prossegu
iram. E
ntre 11
e 12 de agosto ocorreu
um
En
contro N
acional d
os Atin
gidos n
o Rio d
e
Janeiro, além
de reu
niões d
o Com
and
o Geral d
a Cam
pan
ha e u
ma reu
-
nião d
e ex-presos p
olíticos no teatro R
uth
Escobar. Para o d
ia 14 de agosto
foi organizad
a a caravana d
e militan
tes, familiares e rep
resentan
tes de
entid
ades a B
rasília para acom
pan
har o d
esenvolvim
ento d
o debate n
o
Con
gresso Nacion
al e contato com
parlam
entares, e n
o dia 21 foi realiza-
do u
m segu
nd
o Ato n
a Praça d
a Sé.
7 CBA/SP, Convocatória – Ato Público pela Anistia ampla, geral e irrestrita. São Paulo, julho /1979, m
anuscrito e mim
eo.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.17
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
016.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Destaqu
e especial se d
eve à particip
ação do S
enad
or, do en
tão parti-
do p
olítico, AR
EN
A, Teotôn
io Villela, p
residen
te da C
omissão M
ista da
Câm
ara e do S
enad
o. A p
roposta d
e amp
liação do p
rojeto da d
itadu
ra,
conform
e exigência d
os movim
entos d
e anistia foi en
camp
ada p
elo Se-
nad
or, sobretud
o a partir d
a aproxim
ação cordial com
os movim
entos d
e
anistia e com
os atingid
os.Ap
esar da an
istia alcançad
a ter sido p
arcial e
restrita, a atitud
e do sen
ador teve o recon
hecim
ento d
esses movim
entos.
Ou
tub
ro d
e 1
979
Em
outu
bro de 1979, p
or enten
der qu
e a Lei da A
nistia tin
ha sid
o
um
a agressão ao movim
ento d
e anistia e ao p
ovo brasileiro, o CB
A/S
P
elaborou textos d
e contin
uid
ade à lu
ta pela A
nistia A
mp
la Geral e
Irrestrita, prop
ond
o: luta p
elo esclarecimen
to das m
ortes e desap
areci-
men
tos políticos ocorrid
os e a respon
sabilização jud
icial de seu
s autores;
volta imed
iata de tod
os os exilados; rein
tegração social e política d
e to-
dos os ben
eficiados p
ela lei de an
istia parcial e a revogação d
a Lei de
Segu
rança N
acional e d
e todo o ap
arato repressivo. A
o lado d
estas con-
signas gerais o C
BA
/SP
acrescentou
prop
ostas específicas: con
tra a vio-
lência p
olicial; pelo ap
oio às lutas p
opu
lares, greves e camp
anh
as salari-
ais; pelo ap
rofun
dam
ento d
o apoio ju
rídico e d
e saúd
e; apoio à reorgan
i-
zação partid
ária. A qu
estão da con
vocação de u
ma A
ssembléia N
acional
Con
stituin
te, a organização e a m
anu
tenção d
a frente p
olítica passaram
a
ser discu
tidas em
novo p
atamar, já qu
e se esperava qu
e os partid
os políti-
cos re-organizad
os ou os n
ovos partid
os passassem
a cond
uzir as lu
tas
pelo p
rocesso de d
emocratização n
o país e a assu
nção p
elos órgãos de
classe de su
as reivind
icações específicas.
No
ve
mb
ro d
e 1
979
O II C
ongresso N
acional d
e An
istia ocorreu em
Salvad
or de 15 a 17
de n
ovembr. O
Con
gresso foi convocad
o pelos 17 m
ovimen
tos de an
istia
e a organização esteve sob a resp
onsabilid
ade d
os Com
itês de A
nistia d
e
São Pau
lo, do R
io de Jan
eiro e da B
ahia; d
os Movim
entos Fem
inin
os de
An
istia de S
ão Paulo e d
e Pernam
buco, e p
ela Socied
ade d
e defesa d
e
Direitos H
um
anos d
o Pará. A C
onvocatória d
o Con
gresso amp
lamen
te
distribu
ída: “E
stipu
lada sob u
m regim
e militar qu
e semp
re se caracteri-
zou com
o anti-n
acional, an
ti-pop
ular e an
ti-dem
ocrático, a Lei aprovad
a
resultou
em com
eter mais e m
aiores inju
stiças. Não esvaziou
os cárceres
políticos; n
ão facilitou a rein
tegração profission
al dos servid
ores pu
ni-
dos; n
ão abriu os qu
artéis para receber os m
ilitares cassados. O
regime
militar d
esfigurou
, pois, e até on
de p
ôde, o in
stituo u
niversal d
a An
istia.
E assim
agind
o, desafia a fibra d
o movim
ento e n
os emp
urra a p
rosseguir
a luta. (...)”.
8
No tem
ário também
constava o M
anifesto-C
onvocação p
anfletad
o
nas ru
as de S
ão Paulo qu
e apresen
tava os três eixos de con
tinu
idad
e da
luta: a lu
ta pela A
nistia e as lu
tas dem
ocráticas e pop
ulares; a d
efesa dos
atingid
os pela rep
ressão política e qu
estões político- ad
min
istrativas dos
Movim
entos d
e An
istia.
Das ativid
ades d
ecorrentes d
o II Con
gresso de S
alvador, e qu
e deram
seguim
ento às reivin
dicações d
a luta p
ela anistia, a d
eliberação tomad
a
de receber os exilad
os e banid
os que retorn
avam foi u
ma d
ecisão que
possibilitou
um
mom
ento im
par d
e seguid
as e renovad
as emoções.
1980 e
an
os s
eg
uin
tes
O C
BA
/SP
prom
oveu a p
artir dos an
os 80 os prim
eiros traslados d
e
restos mortais d
e assassinad
os pela d
itadu
ra. O re-assen
tamen
to da id
en-
tidad
e de Lu
iz Eu
rico Tejera Lisboa, alcançad
o prin
cipalm
ente p
ela de-
termin
ação de S
uzan
a Lisboa, foi o marco in
icial da bu
sca dos d
esapare-
cidos e estabeleceu
um
divisor d
e águas n
a luta d
os familiares d
e mortos
e desap
arecidos. Foram
feitos também
os traslados d
os restos mortais d
os
8 Comissão Executiva Nacional dos M
ovimentos pela Anistia, M
anifesto-Convocação, São Paulo, 7/10/1979, impresso.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.19
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
018.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
irmãos Iu
ri Xavier Pereira e A
lex de Pau
la Xavier Pereira; d
e Pedro V
entu
-
ra Pomar, d
e Carlos N
icolau D
anielli e d
e Carlos M
arighela. A
decisão d
o
Con
gresso de S
alvador d
e amp
liar a hom
enagem
aos mortos e d
esapare-
cidos in
cluiu
a prop
osta de d
ar seus n
omes a ru
as, praças, viad
utos, esco-
las e logradou
ros pú
blicos, que foi en
camin
had
o à Câm
ara de V
ereadores.
Em
1981 a Com
issão de Fam
iliares de M
ortos e Desap
arecidos d
o CB
A/S
P
particip
ou ativam
ente d
a organização d
e um
a caravana à região d
a Gu
er-
rilha d
o Aragu
aia, além d
e ped
ir esclarecimen
tos e exigir da U
nião p
rovi-
dên
cias para a localização d
os desap
arecidos n
a região.
Sen
do o m
ovimen
to de an
istia um
movim
ento essen
cialmen
te políti-
co, organizad
o em torn
o de cam
pan
has, o C
BA
/SP
tinh
a claro, já em 1979,
que h
averia um
mom
ento em
que su
a dissolu
ção ocorreria política e n
a-
turalm
ente. A
lgun
s dirigen
tes e militan
tes da an
istia passariam
a se inte-
grar na organ
ização de com
issões de d
ireitos hu
man
os, outros p
articipa-
riam d
o processo d
e reorganização p
artidária e sin
dical e d
e outras lu
tas
pela restau
ração e susten
tação da d
emocracia n
o Brasil. A
comp
reensão
dos d
irigentes d
a luta p
ela anistia era a d
e que m
uitos brasileiros, agora
reintegrad
os à luta p
olítica, reassum
iriam su
a militân
cia, até então p
roi-
bida, clan
destin
a e persegu
ida. V
ários dirigen
tes da an
istia passaram
a
novas p
ráticas políticas e se d
edicaram
à reorganização p
artidária, à con
s-
trução d
e novos p
artidos p
olíticos ou retorn
aram às su
as organizações
políticas on
de p
odiam
atuar legalm
ente. A
lgum
as prop
ostas significan
tes
da A
AG
I foram vitoriosas: a abertu
ra das p
risões, a volta dos ban
idos e
exilados, a rein
tegração profission
al dos cassad
os e o início d
as hom
ena-
gens aos m
ortos e desap
arecidos. A
conqu
ista da revogação d
a Lei de
Segu
rança N
acional, o d
esman
telamen
to do ap
arato repressivo, o escla-
recimen
to da situ
ação dos d
esaparecid
os, a extinção absolu
ta e radical
da tortu
ra, o julgam
ento e p
enalização d
os respon
sáveis pelas m
ortes,
desap
arecimen
tos e tortura n
ão foram objetivos m
inim
amen
te alcança-
dos. E
stas são exigências qu
e a sociedad
e brasileira deve assu
mir em
sua
plen
itud
e e inteireza. S
ão band
eiras mais am
plas qu
e a camp
anh
a pela
anistia, d
izem resp
eito a um
processo con
tinu
ado a ser in
stituíd
o no
legislativo ou en
tão absorvidas p
elo jud
iciário e mesm
o pelos p
oderes
executivos. A
luta p
ela anistia d
eixou u
m legad
o parcialm
ente vitorioso e
um
a prop
osta de lu
ta pela con
solidação d
a dem
ocracia, que d
everia e
deve segu
ir em m
uitas ou
tras mãos. A
camp
anh
a pela A
nistia foi esp
e-
cífica e encerrad
a, e o que alcan
çou n
ão foi o que exigira. A
anistia con
-
cedid
a pela L
ei de A
nistia aos crim
es conexos, lei ap
rovada p
elo voto
das lid
eranças d
entro d
e um
parlam
ento sob os lim
ites da d
itadu
ra, foi
imed
iatamen
te interp
retada com
o um
a anistia d
e du
pla m
ão: anistian
do
as vítimas e ao m
esmo tem
po seu
s carrascos. Essa in
terpretação d
istor-
ceu o en
tend
imen
to a pon
to de colocar a tortu
ra como crim
e conexo ao
crime p
olítico. Un
iu em
um
mesm
o laço o crime p
olítico e um
crime
imp
rescritível, a tortura. O
esclarecimen
to bem com
o o julgam
ento e
pen
alização dos resp
onsáveis é u
ma p
roposta qu
e tem se m
antid
o inso-
lúvel. A
abertura im
ediata d
e todos os arqu
ivos da d
itadu
ra é imp
eriosa;
o direito à verd
ade, à m
emória e à ju
stiça é pré-requ
isito ao processo p
le-
no d
e reconciliação n
acional.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.21
temátic
a.
Ca
ixa
-Pre
ta
Ed
so
n L
uiz A
nd
re d
e S
ousa
Ser forçado a presen
ciar o suplício, com
o espectador, destroça mais
do que o su
plício em si. D
e simples vítim
as, passamos a ser vítim
asda bru
talização das vítimas.
(Flavio Tavares, 2005, p. 73)
Não existe u
m ú
nico pen
samen
to importan
te que a estu
pidez não
saiba imediatam
ente u
tilizar. A estu
pidez de que se trata aqu
i não
é um
a doença m
ental; n
em por isso deixa de ser a m
ais perigosadas doen
ças do espírito, pois ameaça a própria vida.
(Robert M
usil, 1994, p. 31)
Stefan
Zw
eig pu
blicou u
m livro sobre n
osso país, qu
e o acolheu
em
sua fu
ga da barbárie n
azista, intitu
lado “B
rasil: país d
o futu
ro”. Era su
a
forma d
e hom
enagear n
osso país, talvez d
e forma exagerad
a, pois, n
aque-
le mom
ento, o B
rasil já trancava su
as portas aos qu
e fugiam
da E
urop
a.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.23
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
022.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Livro que, com
o mu
itos sabem, foi fru
to de u
m n
egócio com o govern
o.
Escreveria o livro em
troca de u
m visto p
erman
ente p
ara ele e sua m
u-
lher. C
omo lem
bra Alberto D
inis n
o prefácio d
e um
a das ed
ições brasilei-
ras, ele enxergou
em n
osso país u
m esp
írito de con
ciliação. Con
tud
o, bas-
ta lermos o fin
al da in
trodu
ção de Z
weig em
seu livro e lem
brar o quan
to
acabou sen
do u
m jogu
ete político n
as mãos d
a ditad
ura V
argas. Con
ci-
liação imp
ossível, quan
do n
ão há garan
tia de cu
mp
rimen
to de algu
ns
preceitos éticos qu
e possam
hon
rar a verdad
e e a justiça. A
conciliação
brasileira tem sid
o mu
ito “preju
dicial à n
ossa história já qu
e não p
er-
mitiu
rup
turas em
nosso p
rocesso histórico”, lem
bra Paulo R
ibeiro da
Cu
nh
a (2010, p. 38). Z
weig se en
gana e talvez esta d
ecepção o ten
ha leva-
do ao su
icídio. M
as é lúcid
o o suficien
te para ap
ontar, n
o final d
o seu
prefácio, o qu
e consid
era fun
dam
ental p
ara que h
aja futu
ro. “On
de qu
er
que forças éticas estejam
trabalhan
do é n
osso dever fortalecer esta von
ta-
de. A
o vislum
brar esperan
ças de u
m n
ovo futu
ro em n
ovas regiões em
um
mu
nd
o transtorn
ado, é n
osso dever ap
ontar p
ara este país e p
ara tais
possibilid
ades”
(2006, p. 23). S
ó há fu
turo se p
ud
ermos n
ão virar as cos-
tas para n
ossa história, com
o ind
ica com p
recisão cirúrgica W
alter Ben
ja-
min
em seu
ensaio “S
obre o conceito d
e história”. A
partir d
e um
quad
ro
de Pau
l Klee, A
ngelu
s Novu
s, ele ind
ica este imp
asse entre M
emória e
Esqu
ecimen
to. “O an
jo da h
istória deve ter esse asp
ecto. Seu
rosto está
dirigid
o para o p
assado. O
nd
e nós vem
os um
a cadeia d
e acontecim
entos,
ele vê um
a catástrofe ún
ica, que acu
mu
la incan
savelmen
te ruín
a sobre
ruín
a e as disp
ersa a nossos p
és. Ele gostaria d
e deter-se p
ara acordar os
mortos e ju
ntar os fragm
entos. M
as um
a temp
estade o im
pele irresistivel-
men
te para o fu
turo, ao qu
al ele vira as costas, enqu
anto o am
ontoad
o de
ruín
as cresce até o céu. E
sta temp
estade é o qu
e cham
amos p
rogresso”
(1994, p. 226). Progresso e O
rdem
/Ord
em e P
rogresso, e a insistên
cia em
man
ter os arquivos d
a história fech
ados, lacrad
os. Temos d
ireito às cai-
xas pretas qu
e registram os d
esastres do qu
al fomos vítim
as. Não p
ode-
mos ler a faixa bran
ca de n
ossa band
eira como u
ma in
terdição a verd
ade!
Fun
dam
ental lem
brar que o lem
a positivista qu
e insp
irou este escrito d
i-
zia: amor, ord
em e p
rogresso. Precisam
os recup
erar esta rasura in
sistind
o
semp
re no am
or a verdad
e, a justiça, ao resp
eito. Com
o canta Jard
es Macalé
“roubaram
o amor d
e nossa ban
deira”.
Com
o todos sabem
, os torturad
ores em n
osso país n
ão foram ju
lga-
dos, con
tinu
am im
pu
nes e a tortu
ra não é som
ente u
ma p
rática do p
as-
sado. E
stá viva hoje em
nosso cotid
iano e a p
ergun
ta fun
dam
ental é saber
o que faz com
que isto p
erdu
re. Qu
e espécie d
e espectad
ores somos p
ara
lembrar a frase d
e Tavares que abre n
osso texto? Não su
rpreen
de a d
eci-
são do S
up
remo T
ribun
al Federal d
e não acolh
er o ped
ido d
e revisão da
lei de an
istia no sen
tido d
e pod
er abrir a possibilid
ade d
e julgar os tortu
-
radores e qu
e o Estad
o Brasileiro p
ud
esse enfim
reconh
ecer as atrocida-
des qu
e cometeu
no p
eríodo d
a ditad
ura. A
li se perd
eu a ch
ance d
e um
outro fu
turo. N
ão surp
reend
e, pois, em
2008, quan
do o M
inistro d
a Jus-
tiça Tarso Gen
ro e o secretário nacion
al dos D
ireitos Hu
man
os Paulo
Van
nu
cchi en
traram com
recurso n
o Su
prem
o Tribu
nal Fed
eral para a
revisão da lei d
a An
istia de 1979, o p
residen
te do S
TF d
eclarou en
fatica-
men
te que “a revisão p
ode levar a d
esestabilização política”
1. Fantasm
a
que en
gend
ra um
med
o irracional, op
ortun
ista e que com
o sabemos n
ão
foi o caso de p
aíses como A
rgentin
a, Ch
ile, Uru
guai, Á
frica do S
ul (on
de
mesm
o que n
ão tenh
a havid
o pu
nição aos tortu
radores, estes foram
leva-
dos a con
fessar suas atrocid
ades). O
que sabem
os por vários estu
dos é
que, on
de h
ouve p
un
ição, foi significativa a d
imin
uição d
a tortura n
os
crimes com
un
s. Hoje, n
o Brasil, a tortu
ra infelizm
ente é m
oeda corren
te,
e o que é p
ior, feita de form
a escancarad
a. Com
o é possível con
viver com
a idéia d
e que m
uitos tortu
radores ain
da são vistos com
o heróis, in
clusi-
ve send
o prem
iados p
ela barbárie que com
eteram? E
isto em u
m m
omen
-
to de p
lena vid
a dem
ocrática. Vejam
os dois exem
plos estarreced
ores. Com
o
lembra Jorge Z
averuch
a, na gran
de m
aioria dos p
aíses dem
ocráticos, o
1 Ver dossier sobre o tema na Revista Caros Am
igos, Ano XII, nº 138, setembro 2008.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.25
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
024.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Sen
ado tem
o direito d
e aprovar ou
vetar a prom
oção de oficiais su
perio-
res. No B
rasil, o artigo 84-XIII estip
ula qu
e o presid
ente d
a Rep
ública é a
ún
ica autorid
ade resp
onsável p
ela prom
oção de gen
erais. Diz Z
averuch
a
que, ao receber a lista d
e prom
oções das au
toridad
es militares, é p
raxe
aprová-la. “A
s Forças Arm
adas torn
am-se u
ma exten
são do Pod
er Execu
-
tivo, em d
etrimen
to do Legislativo”
(2010, p. 63). Foi assim
que Fern
and
o
Collor p
romoveu
o Gen
eral José Luiz d
a Silva, qu
e coman
dou
a invasão
militar d
e Volta R
edon
da, qu
e resultou
na m
orte de três op
erários. Tam-
bém Itam
ar Franco p
romoveu
o coronel-m
édico R
icardo Fayad
ao posto
de gen
eral, cinco d
ias dep
ois de ele ter sid
o cond
enad
o e perd
ido su
a
licença d
e praticar m
edicin
a pelo C
onselh
o Region
al de M
edicin
a do R
io
de Jan
eiro, por in
úm
eras acusações d
e ter particip
ado d
e tortura d
uran
te
o regime m
ilitar. O G
rup
o Tortura N
un
ca Mais p
ediu
em vão qu
e passasse
este torturad
or para reserva (2010, p
. 63).
An
istia não sign
ifica um
arquivo lacrad
o, ela exige respeito aos m
or-
tos, a verdad
e sobre a história. C
omo lem
bra Jeann
e Marie G
agnebin
“anis-
tia não p
ode ser u
m obstácu
lo a busca d
a verdad
e do p
assado”
(2010, p.
181). Con
tud
o, é pon
to pacífico ju
ridicam
ente qu
e não p
ode h
aver anis-
tia a torturad
ores. Os acord
os intern
acionais qu
e o Brasil assin
ou e a
Declaração U
niversal d
e Direitos H
um
anos d
e 1948, reiterada p
ela De-
claração dos D
ireitos Hu
man
os de V
iena d
e 1993, são claras no qu
e diz
respeito à absolu
ta proibição d
a tortura, o d
ireito à verdad
e e o direito a
justiça. Flávia P
iovesan, n
o seu excelen
te texto “Direito In
ternacion
al dos
Direitos H
um
anos e Lei d
a An
istia: O caso brasileiro”, tam
bém lem
bra
que o B
rasil ratificou a con
venção con
tra a tortura d
e 1948, em 1989. D
iz
Piovesan
“A con
venção é en
fática ao determ
inar qu
e nen
hu
ma circu
ns-
tância excep
cional, seja qu
al for (ameaça, estad
o de gu
erra, instabilid
ade
política in
terna ou
qualqu
er outra em
ergência p
ública) p
ode ser in
vocada
como ju
stificativa para a tortu
ra (artigo 2º)”. Portanto, con
tinu
a a autora
“o crime d
e tortura viola a ord
em in
ternacion
al e, por su
a extrema gravi-
dad
e, é insu
scetível de an
istia ou p
rescrição. A tortu
ra é crime d
e lesa-
hu
man
idad
e, consid
erado im
prescritível p
ela ordem
intern
acional”
(2010, p. 100).
Não são p
oucas as estratégias p
olíticas e os mecan
ismos p
síquicos
sintom
áticos, inibitórios, d
enegatórios, qu
e fazem com
que m
uitos ain
da
se sintam
a vontad
e respiran
do o bafo d
o porão qu
e sai pelas frestas d
as
caixas-pretas fech
adas. V
erdad
eiras máqu
inas d
e ignorar o real, p
ara to-
mar em
prestad
o a expressão d
e Clem
ent R
osset em seu
ensaio sobre a
crueld
ade (2002, p
. 57). Temos, p
ortanto, qu
e colocar imagen
s e palavras
adorm
ecidas, recalcad
as nesta en
grenagem
diabólica e su
portar com
o tes-
temu
nh
os os gritos aind
a silenciad
os desta h
istória, como “se o in
ferno
falasse” lembra Flávio Tavares record
and
o as sessões de tortu
ra (2005, p.
14). Abrir arqu
ivos é processo civilizatório, lem
bra o jurista C
élio Borja. É
neste p
onto p
reciso que p
enso a u
topia com
o constru
ção de n
ovos dis-
cursos e im
agens qu
e buscam
ir contra estas realid
ades qu
e já se grud
a-
ram em
dem
asia às nossas p
eles. A u
topia qu
e ind
ica nosso em
falta com
a história. O
discu
rso utóp
ico tem a fu
nção, p
ortanto, d
e esburacar o real,
abrir intervalos n
a contin
uid
ade d
a história e ap
ontar n
ossa incon
-
formid
ade com
o que aí está. Para Fred
ric Jameson
“a vocação da u
topia é
o fracasso, o seu valor ep
istemológico está n
as pared
es que ela n
os per-
mite p
erceber em torn
o de n
ossas men
tes, nos lim
ites invisíveis qu
e nos
perm
ite detectar p
or mera in
du
ção, no atoleiro d
as nossas im
aginações
no m
odo d
e prod
ução”
(1997, p. 85). S
abemos qu
e os resistentes à d
i-
tadu
ra lutaram
por estas cau
sas e foram m
ortos e torturad
os por serem
incap
azes de tolerar o h
orror imp
osto pela escola d
os tiranos qu
e não
reconh
ece nen
hu
m ou
tro discu
rso que n
ão o seu slogan
. Por isto, esta
fúria em
subm
eter os outros a seu
dom
ínio e con
vertê-los em objetos.
Ap
roveito esta poten
te imagem
da caixa-p
reta para lem
brar que é a
Aeron
áutica qu
e controla o esp
aço aéreo comercial, a in
speção sobre se-
guran
ça de aviões civis e realiza in
vestigações sobre aciden
tes aéreos en-
volvend
o aviões civis. É isto qu
e ind
ica Jorge Zaveru
cha n
o mesm
o artigo
que já m
encion
ei anteriorm
ente. D
iz ele: “ela fiscaliza aquilo qu
e ela mes-
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.27
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
026.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
ma con
trola”. Ele lem
bra que o in
quérito d
o aciden
te com os M
amon
as
Assassin
as respon
sabilizou ap
enas o p
iloto. Dian
te da rep
ercussão, a p
o-
licia civil abriu ou
tro inqu
érito paralelo, e tam
bém resp
onsabilizou
dois
sargentos qu
e trabalhavam
na torre d
e controle. “A
Aeron
áutica n
ão en-
tregou a caixa-p
reta aos familiares, lim
itand
o-se a transcrever trech
os da
mesm
a. Idên
tico proced
imen
to foi adotad
o com a caixa-p
reta do Fokker-
100 da T
AM
que caiu
em S
ão Paulo em
1996. Desta vez, com
a agravante
de qu
e o Su
perior T
ribun
al de Ju
stiça determ
inou
que a m
esma fosse en
-
tregue aos en
lutad
os” (2010, p. 65).
Caixas-p
retas feitas para falar e qu
e são forçadas a ficar em
silêncio.
Mas a q
uestão é sab
er como fazê-las falar, com
o bu
scar esta voz
amord
açada? O
testemu
nh
o é um
comp
romisso com
a transm
issão, e ter
a coragem d
e falar por aqu
eles que n
ão pod
em m
ais. Neste p
onto é p
reci-
osa a reflexão de M
aria Rita K
ehl em
seu texto “Tortu
ra e Sin
toma S
ocial”,
quan
do lem
bra o quan
to a tortura bu
sca separar corp
o e sujeito. “S
ob
tortura, o corp
o fica assujeitad
o ao gozo do ou
tro que é com
o se a “alma”
– isso que, n
o corpo p
ensa, sim
boliza, ultrap
assa os limites d
a carne p
ela
via das rep
resentações – ficasse a d
eriva. A fala qu
e represen
ta o sujeito
deixa d
e lhe p
ertencer, u
ma vez qu
e o torturad
or pod
e arrancar d
e sua
vitima a p
alavra que ele qu
er ouvir, e n
ão a que o su
jeito teria a dizer”
(2010, p. 131). S
ão estas imagen
s que P
rimo Levi d
escreve com tan
ta pre-
cisão em seu
s textos, corp
os desp
ossuíd
os de alm
a, entregu
es a
anim
alidad
e mais cru
a da sobrevivên
cia, do p
ragmatism
o mais im
edia-
to. Mas ain
da assim
nos p
ergun
tamos: qu
e força os perm
itia resistir? Tal-
vez a aposta qu
e algum
a voz, mesm
o dep
ois das cin
zas, viesse a lembrar
a fúria d
o carrasco e a dor d
o torturad
o. É isto qu
e lembra B
enjam
in n
o
fragmen
to que m
encion
ei acima: algu
ém ain
da acord
ará os mortos e ju
n-
tará seus fragm
entos? M
esmo qu
e seja nosso d
ever, o que vem
os com m
ais
freqüên
cia é um
a grand
e apatia. A
i o signo d
a decad
ência d
e um
a civili-
zação. Cioran
, em seu
“História e U
topia”, m
ostra que u
topia n
ão signifi-
ca esperan
ça ingên
ua, m
as ter a coragem d
e ver e den
un
ciar o med
o e as
iden
tificações incon
fessas ao carrasco, mecan
ismo este qu
e precisam
os
iden
tificar para qu
e efetivamen
te algo possa m
ud
ar. Não h
á revolta po-
tente sem
um
enten
dim
ento m
ínim
o da d
ecadên
cia cultivad
a. Diz ele:
“Nossa d
ecadên
cia é tal que aceitam
os sem en
rubescer excessos, p
rofu-
sões de ad
miração falsas e p
remed
itadas, p
ois preferim
os as cortesias da
men
tira às censu
ras do silên
cio” (1994, p
. 95). Rom
per com
este cenário
imp
lica prod
uzir atos d
e fala que ven
ham
a hon
rar nossos m
ortos e sua
história. C
omo afirm
a Keh
l “se a tortura sep
ara corpo e su
jeito, cabe a nós
assum
ir o lugar d
e sujeito em
nom
e daqu
eles que já n
ão tem d
ireito a um
a
palavra qu
e os represen
te” (2010, p
. 131).
As caixas-p
retas de Jan
ett Card
iff e George M
iller falam. E
stes dois
artistas canad
enses fazem
um
a espécie d
e escultu
ra de som
colocand
o
em cen
a um
a arquitetu
ra do m
edo. M
etáfora poten
te da tiran
ia do p
oder
que se tran
sfigura em
um
pesad
elo que con
tamin
a o espectad
or. Vi recen
-
temen
te este trabalho em
Inh
otim – M
inas G
erais. En
tro na gran
de sala
branca, m
e sento em
um
a das cad
eiras e acomp
anh
o a narração d
e um
pesad
elo vertido p
elos 98 auto-falan
tes. As vozes su
rgem d
e vários luga-
res da sala, assim
como o som
de m
áquin
as, mu
sicas e o vôo de corvos
que fu
ncion
am com
o um
a espécie d
e refrão do trabalh
o. A obra tem
como
título “O
assassinato d
os corvos” e foi insp
irada n
a famosa gravu
ra de
Goya d
e 1799 da série Los C
aprichos “O son
o da razão produz m
onstros”.
Sou
convocad
o ali a testemu
nh
ar. Testemu
nh
o requer saber esp
erar o tem-
po d
o outro, agu
ardar qu
e tud
o seja dito. Pergu
nto-m
e: ond
e estou n
este
pesad
elo que escu
to? Pesadelo d
o outro, m
as também
meu
, já que m
inh
a
emoção p
elo que escu
to mostra qu
e me sin
to também
naqu
ela voz. O
“Assassin
ato dos corvos” in
trodu
z pela p
alavra um
a fissura n
a máqu
ina
de ign
orar o real. Mostra o qu
e é o med
o, mas tam
bém com
o desm
ontar o
med
o. Em
um
mom
ento, é a voz d
e um
torturad
or sádico qu
e escutam
os:
“cortem a p
erna d
ela”. Ela grita p
ara não fazerem
isto. A am
eaça conti-
nu
a e finalm
ente o tortu
rador d
iz “Não lh
e cortamos as p
ernas d
e verda-
de, ap
enas lh
e dam
os um
susto p
avoroso”. Não lh
e cortaram as p
ernas? O
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.29
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
028.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
que foi cortad
o? Imp
ossível dorm
ir dep
ois desta cen
a. Ru
ído d
os corvos e
um
a voz irônica em
tom d
e canção d
e nin
ar “close your eyes an
d try to
sleep” (feche os olh
os e tente d
ormir). Lem
bro de u
ma p
assagem d
o livro
de Flavio Tavares “M
emórias d
o Esqu
ecimen
to”. Ele foi u
m d
os 15 presos
políticos “trocad
os” pelo em
baixador d
os Estad
os Un
idos em
1969. No
terceiro dia d
e tortura com
choqu
es elétricos, o sargento qu
e o torturava
gritou: “Fala, fala, sen
ão trago a tua filh
a, dou
choqu
e nela e d
epois fod
o,
fodo ela aqu
i na tu
a frente. E
le ameaçava tocan
do-se os testícu
los e fa-
zend
o, com as m
ãos e o ventre, aqu
ele gesto vulgar e obscen
o de qu
em
estup
ra. A caricatu
ra do gesto foi tão forte e eu
estava tão desfeito qu
e
acreditei qu
e ele cum
priria a am
eaça. O h
orror me in
vadiu
aind
a mais
forte que a d
or do ch
oque elétrico” (2005, p
. 266).” Imagem
pesad
elo que
o acomp
anh
ou p
or mu
itos anos, ao im
aginar su
a filha, d
e quatro an
os, ali
na su
a frente, com
o a ameaça d
a pern
a cortada. Im
possível d
istingu
ir
entre o qu
e é e o que n
ão é. Situ
ações que acion
am em
qualqu
er um
a
mais p
rofun
da con
fusão m
ental e in
toxica a alma d
e horror. O
próp
rio
Flavio Tavares esclarece qu
e cenas com
o esta o faziam p
ensar n
os
inqu
isidores “n
o seu d
elírio eufórico d
e vitorioso [...] tem d
ireito a tud
o
inven
tar e em tu
do sen
tir-se, irrebatível e inqu
estionável, tran
sforman
do
até a verdad
e que n
ão é na verd
ade qu
e é” (2005, p
. 249).
As caixas-p
retas contin
uam
narran
do o p
esadelo. Im
possível d
ormir.
Abu
sador qu
e não p
oup
a nin
guém
. Estarreced
or pen
sar que a d
itadu
ra
brasileira prod
uziu
mon
stros como o brigad
eiro João Paulo Pen
ido B
urn
ier,
chefe d
o gabinete d
o min
istro da A
eronáu
tica, com seu
plan
o de in
cend
i-
ar em 1968 o R
io de Jan
eiro, explod
ir o gasômetro N
ovo-Rio, p
ostos de
gasolina, E
mb
aixad
a dos E
stados U
nid
os, para, em
suas p
alavras
“incrim
inar os com
un
istas”. O cap
itão que recebeu
estas orden
s, Sérgio
Miran
da d
e Carvalh
o, coman
dan
te da trop
a de elite d
a FAB
, foi excluíd
o
das Forças A
rmad
as em 1969, e o brigad
eiro Ed
uard
o Gom
es, que
encam
pou
esta den
un
cia contra B
urn
ier, morreu
em u
m “acid
ente d
e
autom
óvel” meses d
epois e qu
e, segun
do seu
s próxim
os, foi um
claro
atentad
o por p
arte da extrem
a-direita m
ilitar.
História qu
e contin
ua qu
eiman
do d
entro d
e tantas caixas p
retas la-
cradas. A
té quan
do? N
em os corvos aban
don
am seu
s mortos. C
ardiff
intitu
lou seu
trabalho “O
Assassin
ato dos corvos” n
um
a clara evocação
do ritu
al fún
ebre destes p
ássaros. Sem
pre qu
e um
deles m
orre, os dem
ais
ficam em
revoada p
or 24 horas, em
um
a espécie d
e ato solene ao corp
o. Já
se passaram
24 horas, 24 sem
anas, 24 an
os, mas p
recisamos con
tinu
ar
em revoad
a e exigir o que está escrito n
os tratados in
ternacion
ais de d
i-
reitos hu
man
os assinad
os por n
osso pais: p
un
ição aos torturad
ores, direi-
to à verdad
e e a justiça. C
orvos como testem
un
has. C
omo lem
bra Paulo
En
do “A
aniqu
ilação do testem
un
ho n
ão é a ausên
cia do qu
e dizer, m
as
não ter qu
em escu
te o que se p
ode d
izer” (2009, p
. 55). Neste p
onto, u
m
dever d
e mem
ória a preservar. Q
uem
sabe, um
dia p
oderem
os então fe-
char os olh
os, dorm
ir e sonh
ar novam
ente.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
BENJAMIN, W
alter. Sobre o conceito de história in: Obras Escolhidas, Vol. 1, São Paulo: Brasiliense, 1994.
CIORAN, Emil. História e Utopia. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
ENDO, Paulo. A dor dos recomeços: luta pelo reconhecim
ento e pelo devir histórico no Brasil. In: Revista Anistia – política ejustiça de transição, Com
issão de Anistia do Ministério da Justiça, Brasilia, nº 2, julho/dezem
bro 2009.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. O preço de um
a reconciliação extorquida. In: SAFATLE, Vladimir; TELES, Edson. O que resta da
ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010.
JAMESON, FREDRIC. As sem
entes do tempo. São Paulo: Atica, 1997.
KEHL, Maria Rita. “Tortura e sintom
a social”. In: SAFATLE, Vladimir e TELES, Edson. O que resta da ditadura. São Paulo:
Boitempo, 2010.
MUSIL, Robert. Da Estupidez. Lisboa: Relógio D’Agua, 1994.
PIOVESAN, Flávia. Direito Internacional dos Direitos Humanos e a lei da anistia: o caso brasileiro. In: SAFATLE, Vladim
ir eTELES, Edson. O que resta da ditadura. São Paulo: Boitem
po, 2010.
RIBEIRO DA CUNHA, Paulo. Militares e Anistia no Brasil: um
dueto desarmônico. In: SAFATLE, Vladim
ir e TELES, Edson. O queresta da ditadura. São Paulo: Boitem
po, 2010, p. 38.
ROSSET, Clément. O princípio de crueldade, Rocco, Rio de Janeiro, 2002.
TAVARES, Flavio. Mem
órias do Esquecimento – os segredos dos porões da ditadura. São Paulo: Editora Record, 2005.
ZAVERUCHA, Jorge. Relações Civil-Militares: o legado autoritário da constituição brasileira de 1988. In: SAFATLE, Vladim
ir eTELES, Edson. O que resta da ditadura. São Paulo: Boitem
po, 2010.
ZWEIG, Stefan. Brasil, um
país do futuro. Porto Alegre: LPM, 2006 (1º edição 1941).
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.31
temátic
a.
Dire
itos H
um
an
os, te
rroris
mo
de
Esta
do
,re
pa
raç
õe
s...
Cecília
Maria
Bo
uças C
oim
bra
1
Escrever a história dos ven
cidos exige a aquisição de con
hecim
en-
tos que n
ão constam
nos livros da h
istória oficial (...). O h
istoriador(...) preten
de fazer emergir as esperan
ças não realizadas n
o passa-d
o e inscrever em
nosso p
resente seu
apelo p
or um
futu
ro diferen
-te. (...) O
esforço (...) é não deixar essa m
emória escapar, m
as zelarpela su
a conservação, con
tribuir n
a reapropriação desse fragmen
tode h
istória esquecido pela h
istoriografia domin
ante.
Jeann
e Marie G
agnebin
Para iniciar esta qu
estão que, em
realidad
e, refere-se a algum
as ações
do G
rup
o Tortura N
un
ca Mais/R
J seria imp
ortante ap
ontar qu
e, segun
do
1 Psicóloga, Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense, Doutora em
Psicologia pela USP, Pós-Doutora em Ciên-
cia Política pelo NEV/USP, Ex-Coordenadora da Comissão Nacional de Direitos Hum
anos do Conselho Federal de Psicologia,Fundadora e atual Presidente do Grupo Tortura Nunca M
ais/RJ, Ex-Conselheira do Conselho Regional de Psicologia/RJ.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.33
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
032.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
conceitu
ações corriqueiras, rep
aração significaria reparar o dan
o causa-
do a alguém
. Parece à prim
eira vista, um
a defin
ição simp
les e clara. En
-
tretanto, n
o território das violações d
os direitos h
um
anos o tem
a da rep
a-
ração, especialm
ente qu
and
o articulad
o ao crime d
e tortura e a ou
tras
práticas d
egradan
tes e cruéis, é u
ma qu
estão extremam
ente com
plexa.
Pela Resolu
ção 60/147 da O
rganização d
as Nações U
nid
as (ON
U) –
aprovad
a em su
a Assem
bléia Geral d
e 2005, em seu
Cap
ítulo X
Repara-
ção por Dan
o Sofrido, artigos 18 a 23 – a reparação tem
sido con
ceituad
a
como:
... as vítimas de graves violações das leis in
ternacion
ais hu
man
itá-
rias devem, de acordo e em
proporção à gravidade da violação e dascircu
nstân
cias de cada caso, receber ‘total e efetiva reparação’...,
que in
cluem
as seguin
tes modalidades: ‘restitu
ição, compen
sação,reabilitação, satisfação e garan
tias de não repetição.
Além
dessas im
portan
tes questões ético-p
olíticas, há ou
tras que as
atravessam e qu
e dizem
respeito à lógica qu
e hoje m
antém
a política m
ili-
tarizada d
e seguran
ça pú
blica em n
osso país. N
ão por acaso, o m
esmo
Cap
ítulo X
desta R
esolução d
a ON
U d
efend
e o efetivo controle civil d
as
forças militares e d
e seguran
ça nos p
aíses atingid
os por tais violações.
Ou
seja, falar de rep
aração é, prin
cipalm
ente, ap
ontar p
ara o comba-
te que se trava h
oje em torn
o de d
etermin
adas m
emórias, em
especial n
os
países qu
e passaram
por recen
tes ditad
uras. É
também
, colocar em an
áli-
se um
a certa política d
e seguran
ça pú
blica que se fortalece n
a contem
po-
raneid
ade e se ju
stifica em n
ome d
a ‘guerra con
tra os perigosos’.
Ap
esar de su
a imp
ortância p
ara o mom
ento h
istórico que, em
espe-
cial, o Brasil atravessa, em
algun
s casos citados p
or esta Resolu
ção da
ON
U p
odem
os apon
tar certas questões qu
e pod
em se torn
ar perigosas e,
mesm
o, captu
rantes. Q
uan
do em
seu artigo 20, ao tratar sobre ‘C
omp
en-
sação’, fala de ‘d
ano econ
omicam
ente m
ensu
rável’ e, logo adian
te, lista
no item
‘a) dan
os físicos e psicológicos’ e n
o ‘d) d
ano m
oral’, há qu
e se
pergu
ntar: com
o med
i-los econom
icamen
te, segun
do as leis d
e um
mer-
cado cap
italista? Em
especial, as ch
amad
as violações ‘psicológicas’: d
e que
forma essas m
arcas prod
uzid
as a ‘ferro e fogo’ e invisibilizad
as na m
aio-
ria dos casos, poderão ser levantadas e avaliadas? É possível mensurar o
imensurável? C
lassificar o inclassificável? Talvez visibilizá-los um pouco...
Assim
, segun
do esta R
esolução, a rep
aração pod
e ocorrer de m
uitas
formas d
istintas, sen
do, n
ão por acaso, a m
ais utilizad
a no m
un
do cap
i-
talista, a tradicion
al comp
ensação econ
ômica.
Dian
te do h
orror e mesm
o da com
plexid
ade qu
e é a prática d
a tortu-
ra, assim com
o a de ou
tras violações, enten
dem
os que a rep
aração, en-
quan
to comp
ensação econ
ômica é u
m d
ireito, mas só tem
sentid
o para a
afirmação d
e algo novo em
nossas vid
as se for parte in
tegrante d
e um
processo. P
rocesso que, em
nosso p
aís, aind
a está send
o iniciad
o. A rep
a-
ração, portan
to, deve in
cluir, n
ecessária e fun
dam
entalm
ente, a in
vesti-
gação e o esclarecimen
to dos fatos violad
ores, a pu
blicização e respon
sa-
bilização dos agen
tes envolvid
os nesses fatos, a garan
tia de aten
dim
ento
méd
ico-psicológico e d
e reabilitação física e social aos atingid
os, decla-
rações oficiais e decisões ju
diciais qu
e restaurem
os direitos d
esses mes-
mos atin
gidos. S
em isto, as com
pen
sações econôm
icas se transform
am –
e é o que tem
acontecid
o em m
uitos p
aíses que sistem
aticamen
te violam
os direitos h
um
anos – em
um
“cala boca”, em esp
ecial, para o atin
gido e
para a socied
ade com
o um
todo. O
u seja, os govern
os, em algu
ns casos,
pagam
pecu
niariam
ente p
elos crimes com
etidos p
or seus agen
tes e, por
isso, não se sen
tem obrigad
os a investigar e esclarecer tais violações, a
pu
blicizar e a respon
sabilizar seus agen
tes e a assum
ir pu
blicamen
te
sanções con
tra eles.
Sabem
os que, em
um
Estad
o capitalista, tu
do é tran
sformad
o em
mercad
oria, tend
o um
preço n
o mercad
o. O corp
o, o temp
o, o saber e a
vida d
os hom
ens, são sequ
estrados, d
isciplin
ados e n
ormatizad
os em/e
por d
iferentes in
stâncias e d
ispositivos, p
ara serem tam
bém tran
sforma-
dos em
mercad
orias e vend
idos n
o mercad
o (Foucau
lt, 1996).
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.35
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
034.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Dessa form
a, um
Estad
o capitalista, ao com
pen
sar econom
icamen
te
alguém
por crim
es cometid
os por seu
s agentes sem
dú
vida está recon
he-
cend
o sua resp
onsabilid
ade em
relação aos delitos com
etidos. E
ntretan
-
to, enten
dem
os que n
o Brasil tal recon
hecim
ento n
ão tem sid
o suficien
te.
Hoje, ten
ta-se através de gran
des m
is-en-scèn
es mid
iáticas, transform
ar
em m
ercadoria a d
or e o sofrimen
to daqu
eles que p
assaram p
elos horro-
res da tortu
ra, do sequ
estro, da p
risão ilegal, da m
orte de am
igos e famili-
ares, da ocu
ltação de seu
s restos mortais. Para tod
os esses que viveram
tais horrores, a rep
aração pu
ramen
te econôm
ica pod
e se transform
ar em
um
engôd
o, em u
ma p
erigosa armad
ilha, em
um
a forma d
e prod
uzir o
esquecim
ento, d
ecretand
o-se o silêncio sobre tais fatos, p
roclaman
do-se
que ‘o possível já foi feito’. D
a mesm
a forma, p
ara um
a sociedad
e em qu
e
cotidian
amen
te se utilizam
todas essas p
ráticas – que acabam
send
o aceitas
e até aplau
did
as por vastos segm
entos d
a pop
ulação – con
tra os consid
e-
rados p
erigosos, um
a comp
ensação econ
ômica p
ode n
aturalizar e ban
ali-
zar tal violência; torn
and
o-se mais u
m ‘ca
nto d
e sereia’ d
o capital
neoliberal.
O qu
e estamos afirm
and
o, em realid
ade, é qu
e, para a p
essoa atingi-
da e p
ara a sociedad
e, a reparação econ
ômica p
ode ser tran
sformad
a em
um
eficiente ‘cala boca’, fazen
do com
que acred
item qu
e ‘o possível já foi
feito’, o que p
ode trazer efeitos ain
da m
ais perversos e n
efastos. Não ocu
-
par este lu
gar – mas tam
bém n
ão fortalecer o da vítim
a que tem
direito à
vingan
ça e se alimen
ta do ód
io reativo – tem sid
o o grand
e desafio p
ara
mu
itos que foram
atingid
os pelo terrorism
o de E
stado n
o Brasil. A
o se
afirmar qu
e o “o possível já foi feito” se ten
ta esquecer o qu
e foi esse
terrorismo e m
uitos d
e seus efeitos h
oje.
O P
ND
H-3 – 3º P
lano N
acional d
e Direitos H
um
anos – p
or exemp
lo,
apresen
tado à n
ação em d
ezembro/2009, foi alterad
o por n
ovo decreto
presid
encial d
e maio d
e 2010. O D
ecreto 7.037, de 21 d
e dezem
bro de
2009, que n
ão atend
ia a mu
itos anseios ap
resentad
os pelo m
ovimen
to
social por “ju
stiça e respeito aos d
ireitos hu
man
os”, ficou ain
da p
ior. As
diretrizes e ações d
o Program
a que foram
criticadas p
elos ruralistas, m
ili-
tares, pela Igreja C
atólica, ou p
elos chefes d
a míd
ia foram m
odificad
as ou
revogadas.
O atu
al governo fed
eral, dian
te das p
ressões de setores m
ilitares, con-
servadores e retrógrad
os, recuou
. Ven
ceram as id
éias daqu
eles que en
ten-
dem
que o B
rasil deve con
tinu
ar a ser um
país d
e privilégios, d
esigual,
racista, hom
ofóbico e sexista; ond
e mu
lheres qu
e praticam
o aborto são
crimin
alizadas e m
orrem p
or falta de aten
dim
ento; on
de cam
pon
eses são
mortos n
a luta p
elo direito à terra; on
de a orien
tação sexual é d
efinid
ora
se um
a pessoa terá d
ireito a constru
ir um
a família ou
não; on
de a d
iver-
sidad
e religiosa do p
aís é oprim
ida; on
de o m
onop
ólio dos m
eios de
comu
nicação d
ita as regras e viola direitos h
um
anos em
horário n
obre
como se tu
do n
ão passasse d
e um
a peça d
e ficção.
A isto tu
do, acrescen
tamos a qu
estão da C
omissão N
acional d
a Ver-
dad
e que, com
um
a série de reform
ulações torn
ou-se, em
realidad
e, um
a
grand
e mis-en
-scène m
idiática. E
sta últim
a versão do P
ND
H-3, ap
rovada
em 12 d
e maio d
e 2010, pelo D
ecreto 7.177, apresen
ta um
a série de m
odi-
ficações. Den
tre as mais im
portan
tes pod
emos citar: seu
caráter
antid
emocrático e d
e negação à p
articipação social. D
esde o p
rojeto inici-
al de 2009, p
ropu
nh
a-se a criação de u
m gru
po d
e trabalho p
ara elaborar
o projeto d
e lei que in
stituiria a C
omissão N
acional d
a Verd
ade. D
entre os
seis mem
bros que form
ariam este gru
po d
e trabalho, cin
co são autorid
a-
des govern
amen
tais e somen
te um
“represen
tante d
a sociedad
e civil”,
escolhid
o por u
ma d
essas autorid
ades.
O n
ovo texto, sutil e p
erversamen
te, retira o termo “repressão políti-
ca” substitu
ind
o-o por “práticas de violações de direitos hu
man
os”. Da
mesm
a forma, a id
entificação d
os mortos e d
esaparecid
os ocorrerá so-
men
te “com base n
o acesso às inform
ações” que até h
oje contin
uam
sen-
do n
egadas.
Su
bstituiu
-se também
, o termo “regim
e de 1964-1985 e resistência
popular à repressão” p
or “graves violações de direitos hum
anos n
o perío-
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.37
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
036.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
do de 18 de setembro de 1946 até a data da prom
ulgação da C
onstitu
ição
(1988)”.
A d
etermin
ação de alterar n
omes d
e ruas, lograd
ouros e p
rédios p
ú-
blicos etc., que in
diqu
em n
omes d
e pessoas com
prom
etidas com
a dita-
du
ra foi anu
lada. Lon
ga luta d
e algum
as entid
ades d
e direitos h
um
anos,
como o G
TN
M/R
J, para d
ar nom
es a ruas, escolas, crech
es etc., aos com-
pan
heiros m
ortos e desap
arecidos p
olíticos e retirar os nom
es de m
em-
bros d
o aparato d
e repressão, q
ue con
tinu
am ex
istind
o em v
ários
logradou
ros pú
blicos de n
osso país.
Não ign
oramos qu
e a mem
ória é um
camp
o de lu
tas e que estas m
o-
dificações n
o PN
DH
-3, em esp
ecial com relação à C
omissão N
acional d
a
Verd
ade, está fortalecen
do u
ma certa h
istória oficial, pois em
mom
ento
algum
se refere à ditad
ura civil-m
ilitar e a seu p
eríodo h
istórico (1964-
1985). Ela sim
plesm
ente d
esaparece.
Fortalece-se com isso a história ú
nica e verdadeira
e as diferen
tes e
mú
ltiplas m
emórias d
aquele p
eríodo d
e terror contin
uam
em p
arte des-
conh
ecidas e, m
esmo, d
emon
izadas.
É com
o afirma o filósofo d
a Un
iversidad
e de S
ão Paulo, Pau
lo Aran
tes:
“Acresce qu
e, além d
e abrand
ada, a d
itadu
ra começa tam
bém a en
colher”
(2010, p. 209).
No B
rasil, a tortura e u
ma série d
e outras violações con
tinu
am sen
do
aplicad
as sem a m
enor cerim
ônia em
dep
end
ências p
oliciais e carcerárias
e em m
uitos ou
tros estabelecimen
tos como os u
tilizados p
ara o que ch
a-
mam
de ‘reedu
cação’ de ‘joven
s infratores’. Prin
cipalm
ente, ap
ós o 11 de
setembro, o govern
o Bu
sh vem
globalizand
o não só a ban
alização da tor-
tura, m
as fun
dam
entalm
ente su
a legalização: em algu
ns casos essa p
ráti-
ca é defen
did
a como n
ecessária, como ‘u
m m
al men
or’. Em
especial, em
países qu
e passaram
por recen
tes regimes d
e força, aind
a se sofre ‘os efei-
tos das marcas deixadas pelos lon
gos anos vividos sob a égide da Lei de
Seguran
ça Nacion
al’ (Kolker, 2001, p
. 2). Neste asp
ecto pod
emos ressal-
tar um
passo d
ado n
o estado d
o Rio d
e Janeiro qu
e, por in
iciativa do
dep
utad
o estadu
al Marcelo Freixo, ap
resentou
a Lei 5.778 de 30 d
e jun
ho
de 2010. E
sta Lei cria o Com
itê Estad
ual p
ara Preven
ção e Com
bate à
Tortura e o M
ecanism
o Estad
ual d
e Prevenção e C
ombate à Tortu
ra, ór-
gãos vincu
lados ad
min
istrativamen
te à Assem
bléia Legislativa do estad
o
do R
io de Jan
eiro, e tem a fin
alidad
e de errad
icar e preven
ir a tortura e
outros tratam
entos ou
pen
as cruéis, d
esum
anas ou
degrad
antes.
En
tretanto, d
evemos lem
brar que a p
olítica de segu
rança p
ública u
ti-
lizada p
elo atual govern
ador – qu
e sancion
ou esta Lei – tem
se pau
tado
pelo ch
amad
o “choqu
e de ord
em”. Tal p
olítica, baseada n
a Tolerância
Zero (W
acquan
t, 1992), imp
ortada d
os Estad
os Un
idos, in
stitui com
o
natu
ral, e por vezes n
ecessária, a prática d
a tortura e d
o extermín
io, em
especial n
as camad
as mais em
pobrecid
as da p
opu
lação. Com
o preven
ir
estas práticas em
um
a sociedad
e que p
ede p
or elas?
En
tretanto, p
or mais p
erigoso, delicad
o e doloroso qu
e seja o ato de
pu
blicizar as violações sofridas, ele é o in
ício fun
dam
ental d
e um
a cami-
nh
ada p
ara que p
ossamos com
estas marcas, m
uitas vezes in
visíveis, vi-
ver de ou
tra forma os terríveis efeitos p
rodu
zidos em
nós p
or essas práti-
cas. O falar, o torn
ar pú
blico, retiram-n
os do território d
o segredo, d
a
cland
estinid
ade, d
o privad
o. Com
isso, saímos d
o lugar d
e vítima
fragilizada, d
espon
tencializad
a e ocup
amos o d
a resistência, d
a luta, d
a-
quele qu
e passa a p
erceber que seu
caso não é u
m acon
tecimen
to isolado;
ele se contextu
aliza, faz parte d
e outros e su
a pu
blicização e esclareci-
men
to abrem cam
inh
o e fortalecem n
ovas falas, novas p
ublicizações,
novas m
emórias, n
ovas afirmações d
e vida. A
dim
ensão coletiva com
um
desse cam
inh
o se afirma e, com
isso, temos a p
ossibilidad
e de com
eçar a
mostrar qu
e tal quad
ro – ond
e as pu
blicizações quase n
un
ca acontecem
–
pod
e ser mu
dad
o, pod
e ser revertido e qu
e outras m
emórias, ou
tras vidas
pod
em ser afirm
adas. S
air simp
lesmen
te da p
un
ição, da reação, m
as afir-
mar com
sua d
or outros m
odos d
e poten
cializar sua vid
a.
O slogan
‘transform
e sua d
or em u
m in
strum
ento d
e luta p
olítico-
social’, utilizad
o por m
uitos atin
gidos p
ela violência d
o Estad
o, tem ap
on-
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.39
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
038.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
tado p
ara a não aceitação d
o lugar d
e vítimas qu
e lhes têm
sido reserva-
do, m
as pela afirm
ação da força qu
e esses sofrimen
tos lhes trazem
.
Publicizar, retirar d
o espaço p
rivado, coletivizar a lu
ta para qu
e os dan
os
sofridos sejam
lembrad
os e afirmad
os, pu
blicizados e rep
arados tem
sido,
portan
to, um
imp
ortante cam
inh
o para os atin
gidos d
ireta e/ou in
direta-
men
te pela violên
cia do E
stado on
tem e h
oje.
Con
cluin
do...
“É p
reciso saber, lembrar, p
ara esquecer”.
(Fala de filho de desaparecido político)
Ap
esar dessas m
arcas de d
or e sofrimen
to, no cotid
iano d
o Gru
po
Tortu
ra Nu
nca M
ais/RJ, p
or exemp
lo, temos estad
o atentos p
ara
poten
cializar e afirmar os bon
s encon
tros. Difícil tarefa, p
ois seus m
em-
bros constitu
em-se, p
rincip
almen
te, de fam
iliares de m
ortos e desap
are-
cidos p
olíticos e de m
ilitantes qu
e sofreram os h
orrores da tortu
ra, do
exílio e da clan
destin
idad
e e, aind
a, de m
uitos qu
e hoje são atin
gidos
pelas m
ais diversas violên
cias institu
cionalizad
as. Com
o transform
ar
os efeitos dessas exp
eriências p
ontu
adas p
ela dor, sofrim
ento, n
egação
e perd
as em in
strum
entos d
e luta, p
otencializan
do e in
ventan
do ou
tras
vidas?O
silenciam
ento a resp
eito de su
as histórias, o en
cobrimen
to oficial
de su
as experiên
cias, tud
o remete à fragilização, à tristeza, ao d
esânim
o e
à imp
otência.N
o entan
to, semp
re enten
dem
os que a força d
e suas lu
tas e
interven
ções no cotid
iano evid
enciam
o guerreiro, o tran
sformad
or, o
nôm
ade qu
e há em
cada u
m.
A m
ilitância, a p
articipação ativa n
os enfren
tamen
tos e na reafirm
ação
da solid
ariedad
e através das in
iciativas do gru
po, sem
pre coletivas, tem
trazido p
ara mu
itos, outras relações com
o mu
nd
o, ond
e a alegria se ex-
pressa, on
de o ven
eno se esvai, qu
and
o a vida se faz m
ais vibrante. É
como afirm
ava Mich
el Foucau
lt, em seu
prefácio ao livro d
e G. D
eleuze e
F. Gu
attari, O A
nti-É
dipo, que p
ara ser militan
te não é n
ecessário que se-
jamos sisu
dos e tristes.
Há qu
e fortalecer a luta coletiva, em
especial aqu
ela que se vin
cula a
outros p
aíses latino-am
ericanos qu
e passaram
por recen
tes ditad
uras.
Sabem
os que, n
o contexto d
e nossa A
mérica Latin
a, o Brasil é o p
aís mais
atrasado em
relação a um
efetivo processo rep
aratório pelas violações
cometid
as em n
ome d
a “seguran
ça nacion
al”. Nosso p
aís que, com
o vi-
mos, n
os anos d
e 1960 e 1970, exportou
know
-how d
e tortura p
ara as
recentes d
itadu
ras latino-am
ericanas, h
oje é o mais atrasad
o no qu
e diz
respeito às rep
arações enqu
anto u
m p
rocesso que in
vestigue, p
ublicize e
respon
sabilize essas violações e afirme ou
tras mem
órias.
En
tend
emos ser im
portan
te o debate, o in
tercâmbio en
tre os diferen
-
tes movim
entos latin
o-american
os de d
ireitos hu
man
os no sen
tido d
e
pod
ermos u
tilizar, como ferram
enta, o sistem
a de legislação in
terameri-
cano qu
e pod
e nos aju
dar a afirm
ar outras rep
arações para as violações
de on
tem e as qu
e aind
a hoje ocorrem
. Imp
ortante assin
alar que, em
maio
de 2010 – sem
anas ap
ós o Su
perior T
ribun
al Federal ter reafirm
ado a
anistia p
ara os torturad
ores – pela p
rimeira vez foi levad
o a julgam
ento
um
caso ocorrido n
o Brasil d
uran
te o períod
o da d
itadu
ra. A C
orte
Interam
ericana d
e Direitos H
um
anos d
a OE
A, em
San
José da C
osta Rica,
ouviu
testemu
nh
as de fam
iliares de d
esaparecid
os na G
uerrilh
a do
Aragu
aia. O G
TN
M/R
J foi um
dos p
eticionários d
esta ação contra o E
sta-
do brasileiro ju
nto à O
EA
, solicitand
o o esclarecimen
to das circu
nstân
ci-
as sobre o desap
arecimen
to de 60 gu
errilheiros e m
ais de 20 cam
pon
eses
da região, bem
como a localização d
e seus restos m
ortais. A G
uerrilh
a do
Aragu
aia foi um
movim
ento d
e resistência ao regim
e militar, ocorrid
o de
1966 a 1974, na região d
o Bico d
o Papagaio, en
tre os estados d
o Pará,
Maran
hão e G
oiás. Organ
izado p
elo Partido C
omu
nista d
o Brasil (P
Cd
oB)
este movim
ento foi bru
talmen
te massacrad
o por trop
as do E
xército brasi-
leiro. Esp
era-se para fin
al deste an
o a senten
ça da C
orte Interam
ericana
de D
ireitos Hu
man
os da O
EA
sobre tal questão.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
040.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.41
temátic
a.
Me
mó
ria e
resis
tên
cia
: a lu
ta p
erm
an
en
te
Davi M
am
blo
na M
arq
ues R
om
ão1
Vanessa L
op
es d
os S
anto
s P
assare
lli 2
Paulo
End
o3
Este texto p
rocura ap
resentar e d
iscutir a p
roposição e o ju
lgamen
to
da A
rguição d
e Descu
mp
rimen
to de P
receito Fun
dam
ental 153 (A
DP
F
153), trazend
o brevemen
te as nu
ances e ten
sões envolvid
as nesse p
roces-
so. Além
disso, e n
um
segun
do m
omen
to, privilegiarem
os o exercício de
remem
orar os acontecim
entos em
torno d
a aprovação d
a Lei da A
nistia
1 Mestrando do program
a de pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvim
ento Humano do Instituto de Psicologia
da USP, mem
bro da comissão organizadora da Sem
ana contra a anistia aos torturadores realizada em outubro de 2010, na
Universidade de São Paulo
2 Mestranda do program
a de pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvim
ento Humano doum
ano do Instituto dePsicologia da USP, m
embro da com
issão organizadora da Semana contra a anistia aos torturadores realizada em
outubro de2010, na Universidade de São Paulo.
3 Psicanalista, Professor Doutor do Instituto de psicologia da USP.
En
tend
emos qu
e, apesar d
e termos p
articipad
o diretam
ente com
o
testemu
nh
as dessa h
istória recente d
o Brasil, n
ão é esta marca qu
e nos
qualifica a lu
tar pelos esclarecim
entos e p
ublicizações, ap
ontan
do as tor-
turas e violações qu
e mu
itos, aind
a hoje, con
tinu
am sofren
do. E
nten
de-
mos qu
e esta luta n
ão é somen
te daqu
eles que, com
o nós, p
or suas u
topi-
as, foram exterm
inad
os e/ou m
arcados com
o a peste. E
sta é um
a luta d
e
todos, d
e todas as socied
ades. N
ão é um
a luta p
articular ou
específica; é
um
a luta geral, coletiva, p
or novas p
rodu
ções de m
un
dos e d
e vida: p
or
um
a sociedad
e sem tortu
ras.
Por isto, concord
amos com
Negri (2001) qu
e, insp
irado em
Esp
inoza,
afirma qu
e:
Ao lado do poder, h
á sempre a potên
cia. Ao lado da dom
inação, h
ásem
pre a insu
bordinação. E trata-se de cavar, de con
tinu
ar a cavar,
a partir do ponto m
ais baixo: este ponto (...) é sim
plesmen
te lá onde
estão as pessoas mais pobres e as m
ais exploradas; ali onde as lingua-
gens e os sen
tidos estão mais separados de qu
alquer p
oder d
e ação
e onde, n
o entan
to, ele existe; pois tudo isso é vida e n
ão morte.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
ARANTES, P. E. 1964, o Ano que não Terminou. In: Teles, E. & Safatle, V. (orgs.). O Que Resta da Ditadura. São Paulo: Boitem
po,2010, 205-236.
ASSEMBLÉIA LEG
ISLATIVA DO
RIO D
E JANEIRO
. Lei 5.778 de 30/06/2010. Disponível em
: <w
ww
.alerj.rj.gov.br/processos2.htm
>. Acesso em
30 de julho de 2010.
FOUCAULT, M. A Verdade e as Form
as Jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996.
GAGNEBIN, J. M. Lem
brar, escrever, esquecer. São Paulo: 2006, p.34.
KOLKER, T. Ética Profissional, Direitos Humanos e Participação dos Profissionais de Saúde na Luta pela Erradicação da
Tortura . Rio de Janeiro: Seminário de Direitos Hum
anos do Desipe e Degase, 2001, mim
eogr.
NEGRI, A. Exílio. São Paulo: Iluminuras, 2001.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Resolução 60/147. Disponível em: <
ww
w.ohchr.org/english/law
/remedy.htm
>.
Acesso em 30 de julho de 2007.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretária Especial de Direitos Humanos. Decreto 7.037 de 21/12/2009. Disponível em
: <w
ww
.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em
25/12/2009.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretária Especial de Direitos Humanos. Decreto 7.177 de 12/05/2010. Disponível em
: <w
ww
.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em
25/06/2010.
WCQUANT, L. Prisões da M
iséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.43
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
042.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
em 1979, n
o sentid
o de favorecer a reflexão crítica sobre este p
eríodo e
apresen
tar elemen
tos imp
ortantes p
ara o debate atu
al.
Le
i da
An
istia
: Atu
alid
ad
e e
Te
nsõ
es
Em
julh
o de 2008, d
uran
te a gestão de Tarso G
enro, o M
inistério d
a
Justiça realizou
um
a aud
iência p
ública sobre os lim
ites e possibilid
ades
para a resp
onsabilização ju
rídica d
e agentes p
úblicos qu
e cometeram
cri-
mes con
tra a hu
man
idad
e du
rante p
eríodos d
e exceção. Essa au
diên
cia
pú
blica gerou u
m m
ovimen
to para a con
strução d
e um
a nova cu
ltura
político-ju
rídica n
o país.
Seu
ápice, segu
nd
o Weissh
eimer (2010), foi a p
ropositu
ra da A
DP
F
153, pela O
rdem
dos A
dvogad
os do B
rasil, jun
to ao Su
prem
o Tribu
nal
Federal, com
o objetivo de in
terpretar a lei brasileira d
e anistia (6.683/79)
em com
patibilid
ade à C
arta Magn
a de 1988 e o D
ireito Intern
acional, ou
seja, contestan
do a exten
são da Lei d
a An
istia aos torturad
ores da d
itadu
-
ra militar n
o Brasil. E
m abril d
e 2010, em ju
lgamen
to histórico, sete d
os
onze m
inistros d
a mais alta corte d
o país votaram
contra a A
DP
F 153 e a
favor da an
istia aos torturad
ores.
Em
entrevista ao C
orreio da C
idad
ania, o ju
rista Dalm
o de A
breu
Dallari (2010), referên
cia da lu
ta por d
emocracia e d
ireitos hu
man
os no
Brasil, afirm
ou qu
e tal decisão d
o ST
F teria sido, obviam
ente, calcad
a
por m
otivos políticos, n
ão juríd
icos. Isso porqu
e, bastaria lembrar qu
e em
decisões d
a ON
U e d
e outros organ
ismos in
ternacion
ais, semp
re com a
particip
ação e a concord
ância d
o Brasil, a tortu
ra foi qualificad
a como
crime con
tra a hu
man
idad
e, ficand
o estabelecido in
clusive qu
e, quan
to a
crimes con
tra a hu
man
idad
e, não ocorre p
rescrição.
Hélio Pereira B
icud
o, por su
a vez outro gran
de d
efensor d
os direitos
hu
man
os no B
rasil, afirma, em
entrevista à Fu
nd
ação Perseu A
bramo,
que é in
cabível um
governo an
istiar a si próp
rio. A an
istia teria o intu
ito
de p
roteger pessoas qu
e nu
m d
ado m
omen
to, por m
otivos políticos, co-
meteram
crimes. S
egun
do ele, p
ara pacificar a socied
ade, con
sideram
-se
estes crimes in
existentes. M
as não os crim
es praticad
os pelo E
stado. E
le
afirma qu
e isso já teria se constitu
ído n
um
a jurisp
rud
ência p
acífica da
Corte In
teramerican
a de D
efesa dos D
ireitos Hu
man
os.
A su
l-africana N
avi Pillay, p
rincip
al autorid
ade d
as Nações U
nid
as
para d
ireitos hu
man
os, também
criticou a d
ecisão do S
TF e p
ediu
o fim
da im
pu
nid
ade n
o Brasil. S
egun
da ela, “essa d
ecisão é mu
ito ruim
. Não
querem
os imp
un
idad
e e semp
re lutarem
os contra leis qu
e proíbem
in-
vestigações e pu
nições”, d
isse a alta comissária d
a ON
U, su
rpresa com
o
fato do B
rasil estar seguin
do u
ma d
ireção diferen
te da ocorrid
a na A
rgen-
tina e em
outros p
aíses latino-am
ericanos em
termos d
e investigações
contra os resp
onsáveis p
or torturas d
uran
te os regimes m
ilitares. Esta
posição é com
partilh
ada com
os peritos in
dep
end
entes d
o Com
itê contra
a Tortura d
a ON
U4.
Um
Po
uc
o d
e H
istó
ria5
Os ap
elos por an
istia amp
la e irrestrita se faziam p
resentes d
uran
te o
governo m
ilitar mu
ito antes d
e 28 de agosto d
e 1979, data em
que a Lei d
a
An
istia foi prom
ulgad
a. Logo na sequ
ência d
o golpe d
e 64, com a d
ecre-
tação do A
I-1, susp
end
iam-se os d
ireitos políticos d
e qualqu
er um
que
fosse julgad
o opositor ao regim
e, instau
rand
o-se um
regime rep
ressivo,
com recu
rsos arbitrários a prisões, cen
sura e m
esmo exp
ulsão d
o país.
Em
resposta a isso, p
arte da esqu
erda se in
cum
be de organ
izar a resistên-
cia armad
a, o que alim
entou
aind
a mais o arbítrio d
o Estad
o com a ed
i-
ção do A
I-5: “Aos p
oucos, os revolu
cionários qu
e assaltavam qu
artéis e
sequestravam
embaixad
ores foram sen
do cap
turad
os, mortos ou
banid
os,
enqu
anto a tortu
ra, utilizad
a contra os p
risioneiros p
olíticos, generaliza-
va-se” (Mezarobba, 2003, p
. 13).
4 Este comitê é form
ado por juristas de reconhecimento internacional, oriundos de diferentes países.
5 Para falarmos da história da Lei de Anistia, apoiarem
o-nos principalmente no excelente trabalho de Glenda M
ezarobba(2003).
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.45
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
044.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
O E
stado brasileiro p
assaria, então, a ser alvo d
e crescentes acu
sa-
ções de d
esrespeito aos d
ireitos hu
man
os, vind
as tanto d
e den
tro do p
aís
como d
e institu
ições estrangeiras, p
rincip
almen
te norte-am
ericanas e
europ
éias. Destacaram
-se, entre as rep
ercussões in
ternacion
ais dos abu
-
sos do govern
o, artigos pu
blicados n
os jornais W
ashin
gton Post e T
he
New
York Tim
es, e a pressão d
e entid
ades com
o a Com
issão Intern
acio-
nal d
e Juristas, a O
rganização d
os Estad
os Am
ericanos (O
EA
) e a An
istia
Intern
acional. M
ais à frente, o p
róprio p
residen
te american
o, Jimm
y Carter
(1977-1980) retiraria o apoio d
os Estad
os Un
idos ao regim
e militar brasi-
leiro, devid
o às fortes críticas que o p
aís estava recebend
o por d
esrespei-
to aos direitos h
um
anos.
Já den
tro do B
rasil, começaram
a surgir corren
tes como o M
ovimen
-
to Femin
ino p
ela An
istia e, no an
o de 1977, m
anifestações estu
dan
tis que
protestavam
contra as p
risões e torturas foram
se converten
do em
defe-
sas da an
istia aos presos p
olíticos, dan
do origem
a “Dias N
acionais d
e
Protesto e Lu
ta pela A
nistia” e aos “C
omitês P
rimeiro d
e Maio p
ela
An
istia”.
Tais esforços foram gan
han
do o ap
oio de ou
tros setores da socied
ade,
como d
a parte m
ais progressista d
a Igreja Católica (e.g. C
NB
B), d
e movi-
men
tos pop
ulares com
o o “Panela V
azia” e metalú
rgicos do G
rand
e AB
C,
assim com
o de in
stituições d
e peso p
olítico como a O
rdem
dos A
dvoga-
dos d
o Brasil (O
AB
), a Associação B
rasileira de Im
pren
sa (AB
I) e a Soci-
edad
e Brasileira p
ara o Progresso d
a Ciên
cia (SB
PC
):
Em fevereiro de 1978, para coorden
ar as ações em prol da an
istia,foi fu
ndado n
o Rio de Jan
eiro por advogados, familiares e am
igos
de p
resos e exilados p
olíticos, o Com
itê Brasileiro p
ela An
istia(C
BA
). (...) Em su
a carta de princípios e em
seu program
a mín
imo
de ação, o CB
A in
sistia que a lu
ta por anistia estava in
scrita “no
quadro geral das dem
ais lutas do povo brasileiro pelas liberdades
democráticas” e defen
dia perdão imediato a todos os presos e per-
seguidos políticos (n
ão-extensivo aos “algozes de su
as vítimas”).
Também
reivindicava o fim
absoluto das tortu
ras, a libertação dospresos políticos e a volta dos cassados, ban
idos, exilados e perse-
guidos, a elu
cidação dos casos de desaparecimen
tos e a revogaçãoda Lei de S
eguran
ça Nacion
al (2003, p. 19).
No en
tanto, o govern
o seguia n
egand
o as den
ún
cias e não p
arecia
mobilizad
o por estes d
iversos focos de p
ressão.
Foi apen
as com o térm
ino d
a vigência d
o AI-5, em
1979, e o retorno
do B
rasil ao estado d
e direito, qu
e a situação com
eçaria a mu
dar. A
anis-
tia já era então tem
a largamen
te dissem
inad
o na socied
ade e p
or ela de-
fend
ido, sen
do en
viado ao C
ongresso N
acional, n
o dia 27 d
e jun
ho d
e
1979, um
projeto d
e anistia assin
ado p
elo então p
residen
te João Bap
tista
Figueired
o.
Com
o projeto d
e anistia, o p
residen
te esperava in
iciar um
processo
de p
acificação do p
aís, o qual p
ermitiria a retom
ada d
a convivên
cia de-
mocrática. S
egun
do Figu
eiredo, seu
texto teria maior am
plitu
de qu
e pro-
jetos anteriorm
ente ap
resentad
os, mas restrin
gia-se a conced
er anistia
àqueles acu
sados d
e crimes estritam
ente p
olíticos (o que n
ão inclu
ía os
então acu
sados d
e terrorismo). S
eriam an
istiados tod
os que, n
o intervalo
entre 02 d
e setembro d
e 1961 e 31 de d
ezembro d
e 1978:
cometeram
crimes políticos ou
conexos, aos qu
e tiveram seu
s di-
reitos políticos suspen
sos e aos servidores da admin
istração públi-
ca, de fu
nd
ações vincu
ladas ao p
oder p
úb
lico, aos pod
eres
Legislativo e Judiciário e aos m
ilitares, pun
idos com fu
ndam
ento
em A
tos Institu
cionais e com
plemen
tares (2003, p. 31).
Um
a vez no C
ongresso, os p
arlamen
tares tinh
am oito d
ias para su
ge-
rir emen
das a u
ma com
issão mista, a qu
al caberia analisar o p
rojeto. Tal
comissão foi form
ada p
or onze sen
adores e on
ze dep
utad
os federais, ca-
bend
o ao dep
utad
o Ern
ani S
atyro (Aren
a-PB
) a relatoria do p
rojeto. O
projeto gerou
, no en
tanto, gran
de in
satisfação por p
arte de am
plos seto-
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.47
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
046.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
res da socied
ade. U
m d
e seus p
rincip
ais problem
as foram as restrições
imp
ostas, tais como a n
ão concessão, d
ificilmen
te justificável, d
a anistia
a réus já con
den
ados. O
utro asp
ecto severamen
te recrimin
ado foi a “au
to-
anistia” (n
este caso sim, am
pla, geral e irrestrita) aos tortu
radores, cu
jos
crimes seriam
comp
reend
idos com
o crimes con
exos6.
Tais insatisfações se fizeram
presen
tes nas 305 em
end
as apresen
ta-
das ao p
rojeto no C
ongresso. N
o entan
to, o governo n
ão se incom
odou
com as críticas recebid
as e nem
com a acu
sação de qu
e a anistia seria d
e
fato restrita. Os vários su
bstitutivos e em
end
as foram rejeitad
os, send
o o
projeto reescrito p
or Satyro sem
grand
es alterações. A d
espeito d
a oposi-
ção do M
DB
, o parecer foi ap
rovado p
ela comissão m
ista, e no d
ia 21 de
agosto o substitu
tivo de S
atyro foi aprovad
o pelo C
ongresso N
acional. A
o
28 de agosto d
e 1979, Figueired
o sancion
ou a Lei d
a An
istia, que recebeu
o nú
mero 6.683.
Iniciou
-se então o trabalh
o do S
up
remo T
ribun
al Militar (S
TM
) de
analisar os p
rocessos que estavam
no tribu
nal e n
as aud
itorias. E, ao fim
da p
rimeira sem
ana, 19 p
resos foram libertad
os. Em
20 de n
ovembro,
Figueired
o conced
eu ain
da in
du
lto a 20 presos p
olíticos.
Em
1984, no en
tanto, u
m levan
tamen
to realizado p
elo Movim
ento
Femin
ino p
ela An
istia e Liberdad
e Dem
ocrática ind
icava que 11.434 p
es-
soas aind
a não h
aviam sid
o contem
plad
as com os ben
efícios da Lei d
a
An
istia. Com
o sabemos, as reivin
dicações con
tinu
ariam, algu
mas vezes
gerand
o tensões d
entro d
o “governo d
e transição” d
e José Sarn
ey, e se
estend
end
o ao longo d
os governos su
cedân
eos até os debates qu
e hoje
assistimos.
Cabe ain
da ressaltar, com
o pu
dem
os observar neste p
ercurso, qu
e a
Lei de A
nistia n
ão foi algo discu
tido e acord
ado p
or amp
los setores da
sociedad
e. Ao con
trário, ela foi claramen
te imp
osta de cim
a, tend
o por
objetivo não só p
rescrever os crimes d
os militares, m
as também
, como
apon
ta Mezarobba, in
iciar o processo d
e abertura p
olítica do p
aís, com o
qual o govern
o preten
dia d
iluir e d
esarticular a op
osição (MD
B), ao aca-
bar com o bip
artidarism
o, e aind
a lançar u
m n
ovo partid
o de situ
ação,
dissociad
o, entretan
to, da figu
ra do govern
o militar.
Con
cluin
do, gostaríam
os de ressaltar algo qu
e enten
dem
os como o
mote d
esta reflexão. Aran
tes (2008) apon
ta que, n
o cenário d
a tortura,
haveria três en
volvidos: o tortu
rado, o tortu
rador e a socied
ade qu
e a per-
mite. A
ssim, teríam
os todos u
ma resp
onsabilid
ade d
a qual n
ão devem
os
e nem
pod
emos n
os furtar, qu
e é a de d
ivulgar, p
osicionar-n
os e combater
sem exceção, e em
qualqu
er circun
stância, a tortu
ra.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
ARANTES, M. A. DE A. . Pelo fim
absoluto da tortura em qualquer circunstância.Disponível em
: <http://w
ww
.crpsp.org.br/portal/conselho/com
issoes/ver_noticias.aspx?id=53>
. Acesso em: 03 de out. 2010.
CHADE, J. ONU critica decisão do STF de manter a Lei da Anistia no Brasil. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 abr. 2010.
Disponível em: <
http://ww
w.estadao.com
.br/noticias/nacional,onu-critica-decisao-do-stf-de-manter-a-lei-da-anis-
tia-no-brasil,545225,0.htm>
. Acesso em: 05 out. 2010.
DALLARI. D. de A. É cínica e inaceitável a pretensão de dar validade jurídica à Lei de Anistia. [19 de maio, 2010]. São Paulo:
Correio da Cidadania. Entrevista concedida a Gabriel Brito. Disponível em: <
http://ww
w.correiocidadania.com
.br/content/view
/4654/9>. Acesso em
: 03 out. 2010
BICUDO, H. P. Luta contra tortura segue na OEA. [26 de maio, 2010]. Fundação Perseu Abram
o. Entrevista concedida a AnaHelena Tavares. Disponível em
: <http://w
ww
.fpabramo.org.br/artigos-e-boletins/artigos/”luta-contra-tortura-pros-
segue-na-oea”-entrevista-com-helio-bicudo>
. Acesso em: 04 out. 2010.
GENRO, T. Tarso Genro: “Decisão do STF é erro jurídico e deformação histórica”. [03 de m
aio, 2010]. Fundação PerseuAbram
o. Entrevista concedida a Marco Aurélio W
eissheimer. Disponível em
: <http://w
ww
.fpabramo.org.br/artigos-e-
boletins/artigos/tarso-genro-”decisao-do-stf-e-erro-juridico-e-deformacao-historica”>
. Acesso em: 03 out. 2010.
MEZAROBBA, G. Um
acerto de contas com o futuro: a anistia e suas consequências – um
estudo de caso brasileiro. . 206f.Dissertação (M
estrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hum
anas, Universidade deSão Paulo, São Paulo. 2003.
PINHEIRO, P. S. O STF de costas para a humanidade. Disponível em
: <http://w
ww
.fpabramo.org.br/artigos-e-boletins/arti-
gos/o-stf-de-costas-para-humanidade>
Acesso em: 05 out. 2010.
6 Crimes cujas finalidades são as m
esmas do ato principal praticado.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.49
temátic
a.
Co
rresp
on
dê
nc
ias
Lucia
na K
nijn
ik1
Vin
te e oito de m
arço, Porto Alegre, 2009
As palavras navegam
.A
na C
ristina C
esar2
Um
a constatação d
a atualid
ade: som
os imp
edid
os de con
hecer n
os-
sa próp
ria história.
A lu
ta de fam
iliares e militan
tes pelo esclarecim
ento d
os fatos ocor-
ridos n
o períod
o da d
itadu
ra civil-militar, n
o Brasil, é resu
mid
a por m
ui-
tos a revanch
ismo. “N
ão vamos m
exer em ferid
as”, dizem
os interessad
os
1 Psicóloga em form
ação no Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul, mestre em
psicologia pela Universidade FederalFlum
inense e Presidente da Comissão de Direitos Hum
anos do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul.
2 CESAR, A. C. Antigos e soltos: poemas e prosas da pasta rosa. São Paulo: Instituto M
oreira Salles, 2008.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.51
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
050.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
em m
anter soterrad
os os acontecim
entos em
que estão en
volvidos. E
m
nom
e de u
ma p
retensa p
acificação social, a história é silen
ciada.
Seria o p
resente o sen
hor d
os temp
os? O d
etentor d
o pod
er de ap
agar
rastros? A qu
em in
teressa o silêncio?
A carta d
e Man
oel Raim
un
do foi a p
rimeira qu
e li. Ele foi u
m d
os
tantos m
embros d
o Exército qu
e partiu
para a m
ilitância con
tra o regime
imp
osto. Sargen
to Man
oel Raim
un
do S
oares ficou con
hecid
o como “o
caso das m
ãos amarrad
as”, por ter sid
o encon
trado p
or um
pescad
or, boi-
and
o no R
io Jacuí, em
24 de agosto d
e 1966, com as m
ãos e os pés am
ar-
rados às costas.
Preso por 152 d
ias, na Ilh
a Presídio, em
Porto Alegre, escreve p
ara
sua esp
osa Betin
ha em
2 de m
aio de 1966:
Eis aqui m
ais um
a tentativa de te m
andar n
otícias min
has. Esta é a
5ª carta. Não sei se as ou
tras chegaram
até ai. Fui preso às 16h
sm
ais ou m
enos [do dia 11 de m
arço], em fren
te ao Au
ditório Araú
joV
iana. [...] N
o instan
te da prisão eu portava u
ma bolsa preta, n
aqu
al estavam recortes de jorn
ais com in
scrições de caráter político.Fu
i condu
zido ao Qu
artel da P.E e lá, debaixo de um
‘tratamen
to’fu
i interrogado du
rante du
as horas. A
seguir fu
i levado para a DO
PSn
a Aven
ida João Pessoa ‘tratado’ duran
te um
a seman
a. No dia se-
guin
te 19 de março fu
i condu
zido para esta ilha, on
de estou até
hoje. Eu
estava dormin
do em pen
sões e hotéis de 3ª classe. O
ún
icoam
igo que eu
tenh
o em P. A
legre, o ex-Sgt LEO
, eu n
ão sei o ende-
reço dele. Por isto, estando em
dificuldades em
matéria de din
heiro
não sei com
o vou m
e arranjar. A
té a presente data estou
sob o regi-m
e da incom
un
icabilidade e, infelizm
ente, n
ão sei o que está acon
-tecen
do aí pela ‘civilização’. Em m
eu corpo ficaram
gravadas algu-
mas das m
edalhas com
o que m
e agraciaram. A
qui estou
sem sapa-
tos, sem rou
pas de frio, sem cobertas, u
sando u
nicam
ente u
ma ca-
misa de n
ylon e u
ma calça de lã preta. N
ão há dú
vidas que o m
eupassadio por aqu
i não é n
ada comparável ao de ‘M
ar Del Plata’.
Felizmen
te já me retiraram
a barba; ela estava bonita. N
ão sei bem,
mas creio qu
e estou preso à disposição do III Exercito. Por isto, só
um
‘Habeas-C
orpus’ do S
uperior T
ribun
al Militar poderá libertar-
me. [...] S
e tiver dificuldade em
matéria de din
heiro ven
de as coi-sas. R
aciocina com
o se eu tivesse m
orrido.E aí com
o vão as coisas? Você está bem? H
ouve algu
ma n
ovidade?T
ão logo eu seja posto em
liberdade, e isto ainda vai dem
orar, ire-m
os ter um
a nova lu
a de mel em
um
a cidade que tu
ainda n
ãocon
heces apesar de ser próxim
a a tua terra n
atal. Com
o vês o papelestá acaban
do, por isto aproveito para lembrar-te qu
e meu
pensa-
men
to é só para ti; duran
te todas as horas destes ú
ltimos dias n
ãosaes do m
eu pen
samen
to O ban
quin
ho da cozin
ha, os beijos n
osolh
os, tudo aqu
ilo que liga m
eu corpo a tu
a alma (ou
espírito que é
mais certo).
Recebe m
il beijos e um
camin
hão de abraços do teu
Man
oel (Su
sel,
2008).
Vin
te e cinco d
e outu
bro, Porto Alegre, 2009
Escrever para aplacar o medo.
An
a Cristin
a César
Os d
ados coletad
os pela C
omissão E
special d
e Mortos e D
esapareci-
dos e p
elas Com
issões de R
eparação
3 apon
tam qu
e, somen
te no R
io Gran
-
de d
o Su
l, a Com
issão recebeu ap
roximad
amen
te 1.650 requerim
entos,
dos qu
ais 1.173 foram d
eferidos.
No B
rasil, 50 mil p
essoas foram p
resas somen
te nos p
rimeiros m
eses
de d
itadu
ra, 426 mortos, d
esaparecid
os e 4.862 cassados
4. Sabem
os que
mu
itos não estão n
estes registros, não en
traram com
processo, ou
seja, o
nú
mero d
e atingid
os diretam
ente p
ela ditad
ura é ain
da m
aior.
3 O resultado da luta de diversas entidades de direitos humanos, fam
iliares de mortos e desaparecidos, m
ilitantes e algunsparlam
entares foi a assinatura, em dezem
bro de 1995, da Lei n° 9.140/95. Ver mais em
Resquícios da Ditadura no Brasil deCecília M
aria Bouças Coimbra, http://w
ww
.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh/br/jglobal/jglobal2000/requiciosdaditadura.html.
4 In: Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985). São Paulo: Im
prensa Oficial, 2009.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.53
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
052.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
O qu
e é feito desta h
istória?
Não m
ontam
os um
quebra cabeças com
peças p
reviamen
te recorta-
das, p
aisagens d
efinid
as, solução ú
nica, verd
ade u
niversal. E
stamos p
or
aí a coletar retalhos, tran
çar, bordar, ju
ntar p
edaços.
Na caligrafia, n
o amarelo em
poeirad
o dos p
apéis, n
as palavras esco-
lhid
as, há u
ma p
rofusão d
e fluxos com
a potên
cia de p
rodu
zir sentid
os
inéd
itos. A p
alavra dos m
ilitantes, relatan
do seu
cotidian
o, as estratégias
de sobrevivên
cia e os efeitos da p
risão, transp
orta-me p
ara aquele cen
á-
rio. Paulo S
érgio Paranh
os, preso n
a Ilha G
rand
e, em 9 d
e novem
bro de
1971, escreve para S
onia G
oulart S
alles, presa n
o presíd
io Talavera Bru
ce,
em B
angu
, no R
io de Jan
eiro. Diz ele:
Lembro de você n
a PE, sim. Lem
bro teu sorriso alegre n
um
a caratriste, con
tradição? [...] Eu n
ão era um
cara frio, fechado, e calcu
-lista, pelo con
trário, semp
re fui extrovertid
o e alegre. A p
risãom
e mu
dou
. [...] Eu
sei que vou
ficar mu
itos anos p
reso, mas isso
é apenas u
ma fase n
a min
ha vida, ou
tras fases virão e melh
ores.En
quan
to isso, vou escreven
do, lendo, estu
dando e fazen
do tra-balh
inh
os man
uais, eu
já tô com qu
ase dois anos de cadeia
5.
Treze d
e dezem
bro, Porto Alegre, 2009
As próprias línguas escaparam
como gatos na fum
aça.A
na C
ristina C
ésar
Com
o na m
aioria das fam
ílias de trad
ição jud
aica, na m
inh
a casa
semp
re se falou sobre o h
olocausto. C
amp
os de con
centração, p
ersegui-
ções, migrações p
ovoaram m
eu esp
ectro de im
agens.
Linh
as correm em
paralelo, tocam
-se, chocam
-se e seguem
.
Na Polôn
ia, du
rante a 2ª G
uerra M
un
dial, em
janeiro d
e 1945, com a
aproxim
ação das trop
as soviéticas, os nazistas fizeram
o possível p
ara
apagar os vestígios d
e suas atrocid
ades. Q
ueim
aram d
ocum
entos, exp
lo-
diram
câmaras d
e gás e os fornos crem
atórios de A
usch
witz. N
ão pu
de-
ram, p
orém, ap
agar o testemu
nh
o dos p
oucos sobreviven
tes que carrega-
ram n
o corpo as m
arcas, as lembran
ças, os registros do qu
e viveram.
Primo Levi (1919-1987), m
embro d
e família ju
dia, fazia p
arte de u
m
grup
o de resistên
cia na Itália e foi cap
turad
o pelas m
ilícias fascistas. Em
1944, aos 24 anos, foi d
eportad
o para A
usch
witz, on
de p
erman
eceu p
or
quase u
m an
o.
Um
dos p
oucos sobreviven
tes do cam
po qu
e extermin
ou m
ilhões d
e
pessoas, grad
uad
o em qu
ímica, torn
ou-se escritor p
ela necessid
ade d
e
contar o qu
e viveu. D
entre os testem
un
hos d
e Au
schw
itz, Levi conta u
m
sonh
o em qu
e retorna p
ara casa e, ao tentar relatar o qu
e passou
, deses-
pera-se p
ois percebe qu
e nin
guém
o escuta, os ou
vintes se levan
tam e vão
ind
iferentes (G
agnebin
, 2006).
Primo Levi é con
siderad
o o autor qu
e inau
gura a ch
amad
a literatura
de testem
un
ho. E
screve com a in
tenção d
e contar o qu
e viveu. D
iferente-
men
te do qu
e ocorre nos escritos d
e Levi, as cartas dos m
ilitantes n
o Bra-
sil foram red
igidas d
uran
te o períod
o de p
risão e cland
estinid
ade. M
uitas
eram d
estinad
as aos familiares aflitos com
seus filh
os, filhas, com
pan
hei-
ros, marid
os, esposas, p
ais, irmãos, cu
nh
ados...
Cecília C
oimbra, em
22 de setem
bro de 1970, sem
pod
er receber visi-
tas, escreve para su
a mãe: “A
senh
ora não sabe com
o fiquei feliz ao ver o
retrato de m
eu filh
inh
o e saber que ele vai bem
. [...] Veja se con
segue
man
dar aqu
ele bloco de batalh
a naval, tá? N
ão sei se baralho en
tra, mas
tente, tá?”.
A escrita vai se revelan
do u
ma estratégia d
e sobrevivência. Palavras
que con
tornam
o eco do h
orror, os efeitos da tortu
ra, a vizinh
ança d
a
loucu
ra e a concretu
de d
a morte.
5 Trechos de cartas, gentilmente cedidas pelos autores, que com
puseram m
ostras nos atos Reparação e Mem
ória, ocorridona Universidade Federal do Rio de Janeiro em
junho de 2008 e no IV Seminário de Psicologia e Direitos Hum
anos, promovido
pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, em parceria com
o Programa de Pós-Graduação em
Mem
ória Socialda Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.55
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
054.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Com
o diz V
iegas, preso n
a Ilha G
rand
e, para S
onia G
oulart S
alles,
presa n
o presíd
io Talavera Bru
ce, em B
angu
, no R
io de Jan
eiro:
Não fiqu
es triste min
ha flor, p
orque já estou
recebend
o cartas e
cada um
a que só ven
do. [...] Você tem toda razão qu
ando diz qu
e
ficar sem receber cartas é doído; m
uito ch
ato mesm
o. Na verdade a
troca de idéias é um
a necessidade qu
e, se não satisfeita, n
os corrói
em dem
asia os nervos. A
gente qu
and
o só, luta e ten
ta resistir
contra a au
sência de palavras carin
hosas. N
em todos con
seguem
vencer a solid
ão. E qu
and
o isso acontece é o fim
que se aproxim
a.
É claro que, para sen
tirmos o sabor de u
ma carta e tu
do que ela traz
em su
as linh
as, não é preciso con
hecer fisicam
ente qu
em a escre-
ve. O im
portante m
esmo é existir m
otivos. E entre n
ós os motivos
são imen
sos, transbordan
tes.
Vin
te e oito de agosto, Porto A
legre, 2010
É preciso mais um
a vez uma nova geração
que saiba escutar o palrar os signos.A
na C
ristina C
ésar
Nu
ma rod
a de con
versa que organ
izei no S
emin
ário de Psicologia e
Direitos H
um
anos, M
aria Au
xiliadora levou
as cartas trocadas com
seu
marid
o. Con
tou qu
e, seguid
amen
te, trechos d
as cartas eram rasu
rados ou
recortados. N
ão eram recad
os para com
pan
heiros d
e organização, d
enú
n-
cias, segredos, trech
os belicosos ou com
prom
etedores. A
censu
ra direta,
naqu
ela circun
stância, era qu
ase desn
ecessária, na m
edid
a em qu
e, nos
mold
es do con
trole, estava em cad
a um
e em tod
os (Deleu
ze, 1992). Os
autores d
as cartas sabiam qu
e a amp
litud
e de seu
s escritos era limitad
a.
O p
apel n
ão se oferecia em bran
co.
Por que en
tão censu
rar certos trechos? M
ais do qu
e selecionar con
-
teúd
os, a censu
ra inten
cionava d
eixar marcas d
o terrorismo d
e Estad
o.
Deste m
odo, qu
alquer ilu
são de p
rivacidad
e era aniqu
ilada. A
intim
ida-
de d
os casais, a cum
plicid
ade d
os amigos, tu
do era violad
o. As p
ráticas
de violên
cia de E
stado têm
suas su
tilezas. Op
erações quase in
visíveis,
silenciosas, u
m silên
cio cortante.
O silen
ciamen
to é a declaração d
e prisão p
erpétu
a para as exp
eriên-
cias dos atin
gidos p
ela violência d
e Estad
o que, in
evitavelmen
te, trans-
mitem
o inen
arrável para as d
emais gerações. H
á de se bu
scar palavras
para d
ar passagem
aos fluxos.
“Em
meu
corpo ficaram
gravadas algu
mas d
as med
alhas com
o que
me agraciaram
”. Com
o disse M
anoel R
aimu
nd
o, a ditad
ura brasileira
marcou
no corp
o. Nazistas, p
or sua vez, gravaram
, na p
ele de ju
deu
s,
ciganos, h
omossexu
ais, a experiên
cia do terror.
Já nos corp
os prod
uzid
os em escala e p
adrão in
du
strial da geração
coca-cola, as marcas estão p
erigosamen
te invisibilizad
as. Ap
arentem
en-
te sem p
assado e d
escolados d
a próp
ria história, afirm
am qu
e tempo é
dinheiro. A
lheios ao im
ped
imen
to de bu
scar as palavras p
ara aquilo qu
e
lhes atravessa, acred
itam qu
e censu
ra é coisa do p
assado e ad
otam o slogan
está tudo dom
inado.
O d
esafio está lançad
o em n
ome d
o presen
te: romp
er a cadeia d
o
silenciam
ento. A
constatação d
e que som
os todos atin
gidos p
elo terroris-
mo d
e Estad
o nos im
pele a recolocar a lu
ta pela an
istia. A tão son
had
a
anistia am
pla, geral e irrestrita som
ente será con
quistad
a quan
do n
osso
direito d
e conh
ecer nossa p
rópria h
istória for finalm
ente garan
tido.
Em
1970, Maria d
e Azeved
o Bou
ças Coim
bra escreve para su
a filha
Cecília:
As sau
dades são mu
itas, porém a fé em
Deu
s também
é grande, e
espero ver-te breve. Pode estar tranqü
ila que o teu
filhin
ho n
ão se
esquece de você, fala de vocês, porém
não ch
ora, pois está te espe-
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.57
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
056.
tem
átic
a.
Arq
uiv
os d
a C
ida
de
Felip
e D
iniz
1
Com
um
a todos os grandes n
arradores é a facilidade com qu
e sem
ovem para cim
a e para baixo nos degrau
s de sua experiên
cia,com
o nu
ma escada. U
ma escada qu
e chega até o cen
tro da terra equ
e se perde nas n
uven
s2.
O artista brasileiro C
ildo M
eireles carimbou
notas d
e dólar d
o ano d
e1975 com
a pergu
nta: Q
uem
Matou
Herzog? U
ma alu
são ao episód
io da
morte d
o jornalista V
ladim
ir Herzog qu
e em ou
tubro d
e 1975 foi assassi-n
ado p
elos órgãos de segu
rança brasileiros em
um
dos tan
tos bárbarosep
isódios p
romovid
os pela d
itadu
ra militar n
o país. O
artista plástico
chilen
o Alfred
o Jaar reun
iu u
m m
ilhão d
e slides id
ênticos com
a imagem
dos olh
os de u
ma m
ulh
er de R
uan
da qu
e testemu
nh
ou a ch
acina d
o ma-
1 Cineasta e mestrando em
Comunicação e Inform
ação pela UFRGS.
2 Citação de Walter Benjam
in.
rando m
uito con
tente prin
cipalmen
te quan
do chego com
as tuas
cartinh
as. [...] A Fátim
a disse a ele que foste dar u
mas au
las fora e
ele está bem con
formado.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
GAGNEBIN, J. M. Lem
brar, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006.
SUSEL, Oliveira da Rosa. A escrita de si na situação de tortura e isolamento: as cartas de M
anoel Raimundo Soares. História,
imagem
e narrativas. Nº 7, ano 3, 2008.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.59
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
058.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
rido e d
e seus d
ois filhos. A
té o ano 2000 os con
flitos no p
aís, entre gru
-
pos extrem
istas, anu
nciavam
um
milh
ão de vítim
as. Essas d
uas obras
fazem p
arte da 29ª B
ienal d
e São Pau
lo, aberta recentem
ente.
A arte qu
e pergu
nta, a arte qu
e respon
de, a arte qu
e du
vida. A
arte
cortejada p
ela mem
ória que n
ão cala e que im
prim
e na im
agem su
a mar-
ca. A arte qu
e expressa através d
e suas am
bigüid
ades as p
otencialid
ades
da vida, com toda carga de crueldade e de beleza que assom
bra o cotidiano.
Em
2009 tive a oportu
nid
ade d
e dirigir u
m film
e, jun
tamen
te com
Lucian
a Kn
ijnik, qu
e docu
men
tava acontecim
entos d
e resistência à d
ita-
du
ra civil-militar brasileira. D
uran
te quatro d
ias o Teatro de A
rena d
e
Porto Alegre foi lu
gar de u
ma exp
eriência ú
nica. A
quele esp
aço, localiza-
do n
os altos da escad
aria no cen
tro da cap
ital, foi abrigo para gran
des
encon
tros.
O p
rimeiro d
eles foi o nosso en
contro com
os person
agens escolh
i-
dos p
ara contarem
suas vid
as no d
ocum
entário, tod
os diretam
ente en
-
volvidos com
a repressão p
olítica dos an
os de ch
um
bo em Porto A
legre.
A m
aioria com u
m p
assado d
e prisão, d
e tortura, d
e privação d
e liberda-
de n
os porões d
a DO
PS
da cid
ade. H
istórias pessoais qu
e não con
hecía-
mos, ou
que p
areciam estar d
iluíd
as em m
eio a tantas ou
tras que vez p
or
outra n
os surp
reend
iam em
outros film
es, em livros e em
reportagen
s
jornalísticas.
O segu
nd
o encon
tro foi o dos p
ersonagen
s com o u
niverso d
o cine-
ma. A
través do cin
ema su
as histórias se torn
ariam p
úblicas. S
uas m
emó-
rias seriam en
volvidas p
elos refletores e suas vozes cap
tadas p
elas lentes,
que rep
resentam
os olhos d
o diretor e d
e milh
ões de esp
ectadores em
poten
cial. O cin
ema seria p
ara aqueles p
ersonagen
s um
canal d
e comu
-
nicação e o Teatro d
e Aren
a seria, acima d
e tud
o, palco p
ara um
a conver-
sa com eles m
esmos. U
ma volta ao p
assado qu
e está semp
re presen
te. O
eco de u
ma h
istória que ain
da está sen
do escrita.
Talvez o mais sign
ificativo encon
tro tenh
a sido o d
e todos n
ós – per-
sonagen
s e equip
e de cin
ema – com
a cidad
e. Um
a cidad
e que abriga
um
a história em
eterno p
onto d
e ebulição, esp
erand
o ser desm
ascarada,
violada. U
ma cid
ade su
rpreen
den
temen
te revelada aos p
oucos, sem
pie-
dad
e, dem
onstran
do m
arcas de u
m p
assado/p
resente qu
e estamp
am os
mu
ros, os rios, os rostos, as ruas. N
os quatro d
ias de gravação fom
os to-
dos tocad
os por u
ma cid
ade qu
e não con
hecíam
os. Ao ap
agar das lu
zes o
Teatro não foi m
ais o mesm
o, o centro n
ão foi mais o m
esmo, e n
ós, mora-
dores d
a urbe e fan
toches d
o un
iverso cinem
atográfico, não h
abitávamos
mais a m
esma cid
ade.
A m
emória d
a cidad
e se confu
nd
iu com
a mem
ória dos p
ersonagen
s.
O qu
e assistimos n
o filme são versões n
arradas, cap
turad
as de u
ma m
e-
mória su
bvertida, com
partilh
ada. H
istórias ind
ividu
ais amarrad
as um
as
às outras, tecen
do u
m fio qu
e perten
ce a todos n
ós e que p
aradoxalm
ente
está marcad
o na sin
gularid
ade d
e cada corp
o.
Ed
uard
o Cou
tinh
o, um
dos m
estres do d
ocum
entário con
temp
orâ-
neo brasileiro, afirm
a que o qu
e ele objetiva ao realizar um
filme, m
ais do
que film
ar a verdad
e, é registrar a verdad
e da film
agem. C
om isso, o d
ire-
tor abarca a imp
ortância d
o instan
te, do m
omen
to. Mais d
o que d
ocu-
men
tar mu
nd
os, Cou
tinh
o docu
men
ta acontecim
entos cin
ematográficos
e aposta n
a potên
cia do en
contro. O
que se exp
erimen
tou n
aqueles d
ias
de ou
tono foi a m
ais pu
ra tradu
ção desta lógica. O
s person
agens e a equ
i-
pe d
o filme se en
tregaram à força d
o instan
te e, na su
tileza da n
arração, o
cinem
a foi pon
te para a re-sign
ificação de u
ma m
emória escon
did
a.
Assu
mim
os o comp
romisso d
e conceber u
ma obra. N
o que toca a
arte, embalad
a por am
bivalências e atravessad
a por su
bjetividad
es e in-
tenções n
ada n
eutras. O
filme abre arqu
ivos, vasculh
and
o o baú d
as me-
mórias m
uitas vezes silen
ciadas p
elas versões oficiais de u
m E
stado qu
e
man
tém, in
tocadas, in
formações qu
e dizem
respeito a tod
os nós.
En
fatizand
o as dim
ensões p
olíticas da arte, p
ropom
os um
a versão
alternativa p
ara a abertura d
os arquivos d
a ditad
ura m
ilitar, dan
do vozes
aos protagon
istas destes m
ovimen
tos para qu
e essa história n
ão morra e,
como coloca B
enjam
in, “atin
ja as nu
vens”, gan
han
do o statu
s de u
ma
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.61
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
060.
tem
átic
a.
história coletiva. A
narração, com
o escada p
ara a libertação de h
istórias.
Lembran
ças mu
itas vezes dolorosas, gu
ardan
do im
agens qu
e o Estad
o
prop
õe que esqu
eçamos. N
ós pen
samos o con
trário. Acred
itamos qu
e re-
alizar um
filme qu
e recup
era essas cenas n
ão é apen
as remexer em
um
passad
o de im
agens esp
etaculares, m
as se torna u
ma m
aneira d
e refletir
sobre as contrad
ições do tem
po p
resente.
A tortu
ra aind
a é um
a prática d
e coerção aplicad
a nas d
elegacias
hoje, as táticas d
e repressão im
postas p
elo Estad
o aind
a são estrutu
radas
pela violên
cia, descrim
inação, abu
so de au
toridad
e e imp
un
idad
e. Esti-
mu
lar a narração d
e fatos ocorridos em
um
passad
o recente p
ara repen
-
sar a questão d
os direitos h
um
anos h
oje também
sublin
hou
nossos objeti-
vos.Em
maio d
e 2009, na gravação d
o docu
men
tário, conh
ecemos seis
person
agens qu
e doaram
seus tem
pos, seu
s plan
os, seus afetos, su
a força
para escrever a h
istória de u
m p
aís. Mu
itos de seu
s comp
anh
eiros morre-
ram ou
enlou
queceram
. O film
e apresen
ta essas histórias, m
as também
traz à tona ep
isódios belíssim
os de u
ma ép
oca em qu
e as causas coletivas
pareciam
represen
tar um
espaço fu
nd
amen
tal nas relações sociais.
Sem
pre qu
e o filme é exibid
o, outras h
istórias são conh
ecidas. N
os
debates qu
e seguem
as projeções, n
os dep
aramos com
outras vozes qu
e
reverberam m
emórias in
divid
uais qu
e no sobe e d
esce das escad
as da
narrativa são d
espejad
as para o m
un
do. M
uitas vezes h
istórias guard
a-
das p
or mais d
e vinte an
os, descon
hecid
as até por p
arentes p
róximos,
são reveladas n
o embalo d
a emoção qu
e o filme p
rovoca.
O film
e Arqu
ivos da Cidade
3 foi lançad
o em u
ma sessão lotad
a. O
espaço escolh
ido foi a S
ala de C
inem
a P.F Gastal, n
a Usin
a do G
asômetro,
cenário em
blemático, tam
bém p
ovoado p
or inú
meras m
emórias d
a cida-
de. O
dia escolh
ido foi 29 d
e agosto de 2009, d
ata que m
arcava os 30 anos
da p
romu
lgação da Lei d
e An
istia no B
rasil.
3 O filme Arquivos da Cidade (2009, 29 m
in) foi dirigido por Felipe Diniz e Luciana Knijnik, produzido pela Modus Produtora de
Imagens e financiado pelo Fum
prorate ( Prefeitura de Porto Alegre).
Ve
rgo
nh
a1
Paulo
End
o2
Primo Levi atribu
íra a si mesm
o e a algun
s dos qu
e sobreviveram às
atrocidad
es nos cam
pos o sen
timen
to escuro d
a vergonh
a. Mais d
e um
a
vez disse-n
os que a vergon
ha d
os que sobreviveram
se devia à exp
eriên-
cia de ter testem
un
had
o um
tipo d
e imp
licação imp
ressionan
te de algu
ns
dian
te das am
eaças de m
orte, da h
um
ilhação e d
a ind
ignid
ade im
inen
te.
Em
fun
ção disso n
ão cansou
de rep
etir que os sobreviven
tes do h
olocausto
não eram
as autên
ticas testemu
nh
as da Shoah. Fazen
do assim
men
ção
direta àqu
eles que m
orreram corajosam
ente n
os camp
os.
Cito Prim
o Levi sobre esses, as verdad
eiras testemu
nh
as:
1 Este texto é uma versão com
pactada do trabalho apresentado no Seminário Nacional sobre Tortura organizado pela Secre-
taria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e realizado em
maio de 2010, em
Brasília.
2 Psicanalista, professor Doutor do instituto de Psicologia da USP.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.63
An
istia
e to
rtura
.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
062.
debate
s.
Morreu
Ch
aim, relojoeiro da C
racóvia, judeu
piedoso, que a des-
peito d
as dificu
ldad
es de lin
guagem
se esforçara por m
e enten
der
e por se fazer enten
der, explicando a m
im, estran
geiro, as regras
essenciais de sobrevivên
cia nos prim
eiros dias cruciais de en
car-
ceramen
to; morreu
Szabó, o tacitu
rno cam
ponês h
ún
garo, que, ten
-
do quase dois m
etros de altura, tin
ha m
ais fome do qu
e todos, mas
que, en
quan
to teve forças, não h
esitou em
ajudar os com
panh
eiros
mais fracos a se ergu
erem e segu
irem adian
te; e Robert professor de
Sorbon
ne, qu
e irradiava coragem e con
fiança ao redor de si, falava
cinco lín
guas, se con
sum
ia em registrar tu
do em su
a mem
ória pro-
digiosa, e, caso vivesse, teria respondido aos porqu
ês que eu
não
sei responder; m
orreu B
aruch
, estivador do porto de Livorno, im
e-
diatamen
te, no prim
eiro dia, porque respon
deu com
socos ao pri-
meiro soco qu
e recebera, e foi massacrad
o por três K
apos ju
ntos.
Estes, e inú
meros ou
tros, morreram
não apesar de seu
valor, mas
por causa de seu
valor (p. 47).
O sen
timen
to de d
esvalor encon
tra aqui, im
pression
antem
ente, su
a
vocação mem
orial e política. D
oravante C
haim
, Szabó, R
obert e Baru
ch
serão lembrad
os de form
a envergon
had
a, como tribu
to a ser pago p
elo
seu n
ão apagam
ento e p
ersistência n
o rol dos exem
plos h
um
anos, qu
e
só pod
em ser tran
smitid
os quan
do en
ovelados n
a trama absu
rda on
de
nasceram
.
Para Primo Levi essa reação im
ediata, sem
hesitação, d
iante d
as atro-
cidad
es e cuja con
seqüên
cia fora a aniqu
ilação e a morte, d
eixava os que
sobreviveram n
os camp
os um
a rusga en
vergonh
ada e u
ma m
ácula qu
e se
sup
erpu
nh
a em cam
adas a tod
as as outras atrocid
ades lá vivid
as.
Dessa vergon
ha in
sup
ortável brotava, parad
oxalmen
te e às acotove-
ladas, u
ma n
ova ética, recém in
ventad
a, e que P
rimo Levi d
eu relevo e
tornou
visível. Tratava-se d
a ética da su
stentação d
a mem
ória da vid
a
daqu
eles que se foram
, psiqu
icamen
te destru
ídos e fisicam
ente an
iquila-
dos n
os camp
os, como con
seqüên
cia de su
as ações, atitud
es ou p
alavras
inqu
ebrantáveis. A
mem
ória destes, esqu
ecida e d
estruíd
a pela m
áquin
a
nazista, sobrevivia agora, u
nicam
ente, n
o sentim
ento d
e vergonh
a e ad-
miração rad
ical naqu
eles que sobreviveram
, adm
irand
o-os e, de algu
m
mod
o, desp
rezand
o-se dian
te do qu
e lhes p
arecera tão adm
irável quan
to
inatin
gível.
A d
or da vergon
ha faria existir en
tão os que n
ão estão mais aqu
i, ao
mesm
o temp
o como in
scrição psíqu
ica e histórica p
enosa, fazen
do-se
marca viva e p
aradoxal n
o corpo e n
o psiqu
ismo d
os que sobreviveram
e
que, com
Prim
o Levi, vieram d
epois a testem
un
har seja p
or dever, cu
lpa
ou cren
ça no p
orvir da lin
guagem
.
É verd
ade, p
odem
os nos sen
tir profu
nd
a e inexoravelm
ente en
vergo-
nh
ados d
iante d
aqueles qu
e levaram ao m
ais alto a dign
idad
e do con
cei-
to de vid
a hu
man
a, morren
do em
seu n
ome e p
rodu
zind
o hu
man
idad
e lá
ond
e ela era contin
ua e vorazm
ente an
iquilad
a, porém
, mesm
o aí, a ver-
gonh
a exerce um
a tarefa e se prop
õe como veícu
lo de p
reservação histó-
rica de vid
as que se foram
, e retroage reprod
uzin
do sofrim
ento, m
as tam-
bém d
ignid
ade e m
emória. Foi u
ma, en
tre tantas ou
tras coisas, que com
-
preen
dem
os melh
or com os testem
un
hos sobre a Shoah e os cam
pos d
e
concen
tração e extermín
io. Se n
ão tivermos n
ada m
ais a dar ou
a fazer
dian
te do atroz, n
os resta aind
a nos en
vergonh
ar dian
te daqu
eles que o
fizeram.
A vergon
ha en
tão, nesse caso, seria u
m sen
timen
to decorren
te da
reconstru
ção de u
ma ética forjad
a das ru
ínas d
as experiên
cias limin
ares,
ond
e quase tu
do soçobra n
o sem sen
tido e on
de tod
o sentid
o é absorvido
pela p
ulsão d
e sobrevivência e os im
perativos d
a necessid
ade. A
vergo-
nh
a sentid
a por P
rimo Levi é, p
ortanto, ressu
rgência d
a ética em m
eio ao
esvaziamen
to ativo e à nad
ificação.
Vergon
ha con
fessa, ímp
ar, e que an
seia escand
alosamen
te pelo n
ão
esquecim
ento d
aqueles qu
e não aceitaram
, nem
por u
m in
stante, con
vi-
ver com o aviltam
ento im
posto.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.65
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
064.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
***
Em
maio d
e 2010 assistimos n
o Brasil o ju
lgamen
to, pelo S
up
remo
Tribu
nal Fed
eral, da A
DP
F153 (argüição d
e descu
mp
rimen
to de p
receito
fun
dam
ental 153). N
ovamen
te era a vergonh
a que sen
tíamos en
quan
to
observávamos voto p
or voto a confirm
ação da an
istia aos torturad
ores,
aos assassinos e aos estu
prad
ores por crim
es cometid
os du
rante o p
erío-
do d
a ditad
ura m
ilitar no p
aís.
En
quan
to um
a oportu
nid
ade h
istórica esvaia-se, sentíam
os um
a ou-
tra vergonh
a, pior e estéril, e n
as antíp
odas d
a vergonh
a a que Prim
o Levi
se refere.
Era u
ma vergon
ha in
feliz, em algu
ns m
omen
tos, talvez, auto-p
iedo-
sa (coitado d
e nós e d
os brasileiros) que se arrastava n
a tentativa d
e
recolocar em p
é tud
o o que ru
ía a cada frase, a cad
a argum
ento lógico em
favor do absu
rdo, em
favor de atrocid
ades com
etidas e ain
da p
resentes.
A n
ossa vergonh
a naqu
ele episód
io não cu
mp
ria o pap
el histórico d
e
resgatar em n
ós os desap
arecidos, com
o a vergonh
a a que P
rimo Levi se
referiu; n
em alu
dia a u
m p
ossível orgulh
o recém p
erdid
o dian
te de u
m
novo golp
e em n
ossos anseios d
e justiça.
Nossa vergon
ha su
rgia dian
te da argú
cia, da eloqü
ência e d
a convic-
ção discu
rsiva e legal que torn
ava possível su
gerir de form
a magn
ânim
a
o esquecim
ento d
e atrocidad
es, infâm
ias e destru
ição. Aqu
ilo que já h
a-
víamos visto d
e mod
o fragmen
tário em d
iscursos m
ilitares: ‘não h
ouve
tortura n
o Brasil’, ‘vam
os esquecer o p
assado’, ‘n
ão vamos abrir as feri-
das’, estávam
os testemu
nh
and
o ao vivo e a cores, em red
e nacion
al e em
longo e p
ond
erado d
iscurso ju
rídico em
situação d
e norm
alidad
e dem
o-
crática, amp
arado p
ela mesm
a lógica ded
utiva qu
e parecia se esgotar n
a
mera obed
iência a u
ma lei qu
e, por su
a vez, não aceita ser in
terpretad
a.
Imp
ossível não lem
brar a frase corriqueira qu
e quer im
pu
tar à lei um
caráter iman
ente: ‘E
stamos ap
enas cu
mp
rind
o orden
s.’
Dian
te da ord
em e d
a lei não h
averia o que p
ensar.
Foi certamen
te vergonh
a o que n
os afligia porqu
e desejaríam
os ver-
mo-n
os represen
tados ali p
elos egrégios e sup
remos rep
resentan
tes da
lei, desejaríam
os, também
nós, sairm
os para jan
tar3, e celebrar u
ma in
flexão
histórica em
nosso p
aís que d
aria início a u
m n
ovo marco legal, con
ceitual,
político e su
bjetivo inéd
ito no B
rasil, capaz d
e ilum
inar o p
orvir dos fa-
miliares, d
os desap
arecidos, d
os torturad
os, estup
rados, am
eaçados, p
er-
seguid
os, exilados, m
achu
cados e d
e parte d
a sociedad
e brasileira que
sequer sabe qu
e a ditad
ura m
ilitar existiu n
o Brasil.
Mas n
ão foi assim. Previsível, d
iríamos, m
as também
assustad
or. Sem
surp
resas, mas tam
bém escatológico. C
onsu
mad
o, mas tam
bém lastim
á-
vel. E d
esse teor brotou a n
ossa vergonh
a feita de lástim
a, infâm
ia e
escatologia.
Dian
te da exp
eriência d
o absurd
o, o grand
e, tenaz e u
rgente esforço
era, de n
ovo, discrim
inar-se. D
iferenciar-se d
a ond
a grand
e e pod
erosa
que p
õe fim a tu
do afogan
do a vid
a que, su
bmersa, ain
da existe em
seu
interior. N
ovamen
te era preciso olh
ar no esp
elho e n
ão vermos en
tre os
julgad
ores e nós p
arecença e sem
elhan
ça algum
a, era preciso, p
aradoxal-
men
te, não n
os sentirm
os tão brasileiros e, outra vez, p
rodu
zir heteron
omia
dian
te de u
ma h
egemon
ia vigente e tard
ia que já n
ão dá con
ta de ju
stifi-
car-se e nem
pod
erá du
rar. Assim
como já acon
teceu com
o fim d
o pró-
prio E
stado M
ilitar no B
rasil, pelo trabalh
o de m
uitos qu
e hoje lu
tam p
ela
dem
ocratização tardia d
o país, e d
e outros tan
tos que se foram
sem ja-
mais tê-la exp
erimen
tado.
Tud
o para qu
e tal vergonh
a seja passageira-rú
tila constatação d
e um
a
repetição qu
e oprim
e e que clam
a por seu
s intérp
retes - porqu
e doravan
te
será, como an
tes, a ind
ignação o qu
e contin
uará p
autan
do a agen
da d
o,
3 Em entrevista a Globo New
s, logo após o julgamento da ADPF153, Fábio Konder Com
parato, que advogou contra a extensãoda anistia aos crim
es comuns, portanto contra a anistia aos torturadores, assassinos e estupradores revela que, na noite
imediatam
ente anterior à votação dos ministros do Suprem
o, o Presidente da República convidara todos os ministros do
Supremo para um
jantar em Brasília. Disponível no site: http://video.globo.com
/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1255642-7823-
STF+DECIDE+
QUE+LEI+
DA+ANISTIA+
PERDOA+CRIM
ES+POLITICOS+
DA+DITADURA,00.htm
l
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.67
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
066.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
aind
a hegem
ônico, d
esejo de oblívio e d
a aposta n
as estratégias de esqu
e-
cimen
to no B
rasil.
A vergon
ha p
or aqueles qu
e tinh
am tu
do n
as mãos p
ara elevar ao
mais alto os id
eários da h
um
anid
ade d
os hom
ens e op
taram p
or não fazê-
lo, que se n
egaram a assu
mir su
a posição p
aradigm
ática na frágil m
anu
-
tenção d
e ideais d
e eu vin
dou
ros, nu
ma d
emocracia h
esitante, con
trasta
com a vergon
ha d
iante d
aqueles qu
e sem ter coisa algu
ma n
as mãos bar-
ganh
aram a p
rópria vid
a em troca d
e min
utos, segu
nd
os de exp
eriência
saborosa e eterna d
e dign
idad
e e decên
cia ond
e o pen
samen
to e a ação
revelam-se com
o intérp
retes do p
orvir.
A razão p
ela qual n
os opom
os contra a su
bmissão violen
ta e atroz se
enraíza n
um
sentim
ento ético e p
olítico apren
did
o no con
vívio e pau
tado
pela con
vicção de qu
e não p
odem
os aceitar, de m
odo algu
m, con
viver
com assassin
os, ou com
o assassino em
nós, com
o já observara Han
nah
Aren
dt. A
ética que p
ode ser su
stentad
a e que é in
ibidora d
o ato assassino
não se am
para ap
enas n
as leis, hábitos e costu
mes, m
as nu
ma m
atriz
iden
titária que a p
rodu
z e reprod
uz afirm
and
o o que é fu
nd
amen
tal para
que seja p
ossível e desejável viverm
os jun
tos.
Cito H
ann
ah A
rend
t a respeito d
aqueles qu
e decid
iram n
ão partici-
par d
a matan
ça nazista:
O seu
critério, na m
inh
a opinião, era diferen
te: eles se pergun
ta-
vam em
que m
edida ainda seriam
capazes de viver em paz con
sigo
mesm
os dep
ois de terem
cometid
o certos atos; e decid
iram qu
e se-
ria melh
or não fazer n
ada, não porqu
e o mu
ndo en
tão mu
daria
para melh
or, mas sim
plesmen
te porque apen
as nessa con
dição po-
deriam con
tinu
ar a viver consigo m
esmos. A
ssim eles tam
bém op-
tavam por m
orrer quan
do eram obrigados a participar. Em
termos
francos, recu
savam-se a assassin
ar, não tan
to porque ain
da se man
-
tinh
am fiéis ao com
ando ‘n
ão matarás’, m
as porque n
ão estavam
dispostos a viver com assassin
os-eles próprios (p. 107).
A im
pu
nid
ade d
eixa um
rastro de in
decên
cia e um
afeto intran
s-
pon
ível, revelado p
ela ignorân
cia imp
osta pelo recalqu
e. A gravid
ade d
o
esquecim
ento d
a autoria d
o assassinato d
o pai é aqu
ela que faz p
revale-
cer a possibilid
ade d
e assassinatos sem
assassinos. E
, se não h
á assas-
sinos, en
tão não h
ouve assassin
ato, tornan
do, d
esse mod
o, imp
ossível
comp
reend
er o que e com
o nos torn
amos o qu
e somos. E
la se reflete
também
na im
possibilid
ade d
e significar u
ma ação a p
artir de su
a inci-
dên
cia nu
m cam
po e n
um
a conju
ntu
ra política qu
e a defin
e, e a singu
la-
rizar a ação do h
omem
como m
anifestação p
olítica por excelên
cia.
A im
pu
nid
ade p
reserva a atmosfera tu
rva que p
ermite afirm
ar que
todos som
os culp
ados, qu
e significa o m
esmo qu
e afirmar qu
e nin
guém
é
culp
ado. (A
rend
t, p.83).
A p
roximid
ade d
a senten
ça da C
orte Interam
ericana d
e Direitos H
u-
man
os, sobre o desap
arecimen
to forçado d
e dezen
as de m
ilitantes p
olíti-
cos du
rante o regim
e militar, p
oderá trazer d
e volta um
instru
men
to jurí-
dico qu
e reabra o debate sobre a n
ecessidad
e de d
iferenciar, d
iscrimin
ar
e apresen
tar, claramen
te e sem véu
s, aqueles qu
e protagon
izaram u
m d
os
períod
os mais vexam
inosos d
a história d
o país.
A an
istia amp
la, geral e irrestrita jamais p
ode ser in
discrim
inad
a,
ind
iferenciad
a e totalitária e ela só será um
instru
men
to pod
eroso na con
-
solidação d
a dem
ocracia se contribu
ir para d
etermin
ar e defin
ir culp
as e
respon
sabilidad
es aos que im
aginaram
pod
er usu
fruir d
os benefícios d
a
dem
ocracia enqu
anto d
edicavam
suas vid
as a atentar barbaram
ente con
-
tra ela.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
ARENDT, H. Julgamento e Responsabilidade. São Paulo: Com
panhia das Letras, 2004.
LEVI, P. Afogados e Sobreviventes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.69
temátic
a.
En
trevis
ta c
om
Alfre
do
Je
rusa
linsk
y:D
oze
pe
rgu
nta
s s
ob
re o
infe
rno
1
Po
r: Márc
ia J
ung
es e
Mario
Co
rso
IHU
On
-Lin
e –
Do p
onto d
e vista da p
sicanálise, d
e que form
a pod
e-
mos com
preen
der o lad
o oculto d
o ser hu
man
o, o mal qu
e é contid
o a
du
ras pen
as e que floresce em
ocasiões como o H
olocausto e n
as ditad
u-
ras sangren
tas da A
mérica Latin
a, por exem
plo?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – A
civilização nasce p
or um
pacto d
e não agres-
são entre os irm
ãos que assassin
aram o p
ai da h
orda p
rimitiva, estabele-
cend
o regras para a circu
lação das fêm
eas. Se, a p
artir desse ato, a vigília
da fratria p
assou a ser u
m p
ouco m
ais tranqu
ila, doravan
te os sonh
os
daqu
eles hom
ens p
rimitivos ficaram
bem m
ais agitados: o p
ai morto, ora
transform
ado n
um
agressor intan
gível, retornava n
aqueles d
esde as som
-
1 Publicada na IHU (Instituto Humanitas Unisinos) on-line em
29/03/2010, n. 323, Ano X e na seção notícias do mesm
operiódico em
30/03/2010.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.71
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
070.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
bras imagin
árias. Hom
enagen
s, rituais, sacrifícios, au
toflagelações, cerimô-
nias e oferen
das foram
inven
tadas p
ara apazigu
ar sua fú
ria e acalmar su
as
vingan
ças. Em
todas as religiões, os d
euses, em
algum
mom
ento, sofrem
um
a ofensa, e os h
omen
s, causad
ores dela, torn
am-se cu
lpad
os e mere-
cedores d
e castigo e constran
gimen
to. Perdas, p
rivações e sofrimen
tos re-
presen
tam o p
oder d
esses deu
ses assim com
o suas d
ádivas e p
remiações.
Cap
azes de im
por as d
ores mais atrozes e os p
razeres mais alm
ejados, é, n
o
mín
imo, cu
rioso o quan
to os deu
ses das m
ais diversas cu
lturas p
ossuem
as mesm
as paixões qu
e caracterizam os h
um
anos. Por isso, sem
pre ficou
tão fácil estabelecer represen
tantes d
os deu
ses na Terra, e ju
stificar os atos
desses rep
resentan
tes como in
termed
iários das von
tades d
e Deu
s. O E
sta-
do n
asce como rep
resentan
te desse G
rand
e Ou
tro, Pai onírico p
leno d
e au-
toridad
e porqu
e lhe d
evemos a vid
a. Não a n
ossa, mas a d
ele (leve-se em
conta qu
e qualqu
er Estad
o se consid
era no d
ireito de exigir d
e seus cid
a-
dãos qu
e defen
dam
sua existên
cia aind
a ao custo d
e suas vid
as). Esta
estrutu
ra incon
sciente d
e características paran
óicas que d
efine o m
odo d
o
laço social civilizado facilita, n
aqueles qu
e acedem
a posições d
e pod
er, o
desd
obramen
to de d
elírios messiân
icos e a obediên
cia cega de seu
s co-
man
dad
os. A p
osição messiân
ica torna o su
jeito em qu
estão represen
tante
da ú
nica versão p
ossível do bem
. Portanto, p
ara ele, toda e qu
alquer d
ife-
rença qu
e seja meram
ente en
un
ciada con
stitui u
m m
al radical qu
e deve
ser extirpad
o. Tal a posição d
o Füh
rer Ad
olf Hitler n
a Alem
anh
a, e do Pre-
siden
te Gen
eral Rafael V
idela n
a Argen
tina, ou
de P
inoch
et no C
hile.
IHU
On
-Lin
e – Por que o ser humano faz o M
al, se é capaz de fazer o bem?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – S
ua p
ergun
ta sup
õe que saibam
os o que é o
Bem
para o ou
tro quan
do, em
verdad
e, talvez sejamos ap
enas cap
azes de
intu
ir o que p
oderia ser o M
al para ele. Q
uan
do u
m su
jeito não se faz
respon
sável das con
sequên
cias que seu
s atos têm p
ara seus sem
elhan
tes,
está aband
onan
do o terren
o da ética. Q
uan
do aban
don
a esse terreno, ele
se transform
a nu
m “an
alfabeto radical”. N
ão se trata de n
ão saber ler os
grafismos d
e um
a escrita, mas d
e não saber ler as d
iferentes sign
ificações
das letras qu
e marcam
os corpos e as vid
as de cad
a um
. O totalitarism
o lê
as ideias, os sen
timen
tos e as histórias d
e cada u
m com
o se fossem tod
os
iguais ou
, se assim n
ão fossem, d
evessem sê-lo. O
s tiranos, em
verdad
e,
não leem
, eles repetem
semp
re o mesm
o texto, fingin
do qu
e estão lend
o.
Essa é a form
a mais rad
ical, extensa e p
rofun
da d
e fazer o Mal.
IHU
On
-Lin
e – Com
o é possível lid
ar com a m
emória sem
que essa se
converta em
vingan
ça ou revan
chism
o?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – Q
uan
do, n
o século X
IX, a R
ainh
a Vitória d
e
Inglaterra d
obrou o valor p
ago pela colh
eita aos latifun
diários d
a Irland
a,
provocou
três consequ
ências: a p
rimeira foi a alian
ça da aristocracia ir-
land
esa com os in
teresses da coroa sobre as Ilh
as Britân
icas, a segun
da
foi a morte p
or fome d
e mais d
e dois m
ilhões d
e irland
eses porqu
e todos
os alimen
tos foram ven
did
os à Inglaterra d
evido às van
tagens n
os preços,
e a terceira foi o nascim
ento d
o IRA
(o Exército R
evolucion
ário Irland
ês).
Será qu
e a Rain
ha V
itória pen
sou qu
e estava apen
as fazend
o um
bom
negócio? Q
uan
do o p
ovo alemão viu
desap
arecer de su
as cidad
es três
milh
ões de ju
deu
s, suas lojas d
evastadas, su
as casas saquead
as, seu d
i-
nh
eiro confiscad
o, seu alim
ento su
cateado, arriad
os como gad
o pelas ru
as,
discrim
inad
os com a m
arca visível que os id
entificava com
o um
a classe
sem d
ireitos, aqueles qu
e até meia h
ora atrás eram seu
s vizinh
os, o povo
alemão p
ensou
que esses, seu
s vizinh
os, estavam p
artind
o para u
ma via-
gem d
e férias? Qu
and
o os povos qu
e se enriqu
eceram com
a exploração
dos escravos african
os declararam
a abolição, deixan
do a p
opu
lação ne-
gra em liberd
ade d
e gozar plen
amen
te de seu
desem
prego, d
a falta de
morad
ia, da d
ispersão d
e suas fam
ílias, de seu
analfabetism
o longam
ente
cultivad
o pelos seu
s patrões, d
a degrad
ação de su
a cultu
ra originária, d
o
apagam
ento d
e suas raízes, d
a cond
ição de cid
adãos d
e segun
da classe,
esses povos p
ensaram
que estavam
fazend
o justiça e qu
e tud
o se resum
ia
em qu
e prevalecessem
os bons sen
timen
tos?
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.73
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
072.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
IHU
On
-Lin
e – Q
uan
do a m
emória im
plica carregar u
ma série d
e
lugares vazios a seu
lado d
uran
te a vida tod
a, exigir o castigo dos au
tores
desses vazios sign
ifica vingan
ça ou revan
chism
o?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – O
ún
ico mod
o de ap
agar o desejo d
e vingan
ça
é que d
esapareça p
or comp
leto qualqu
er vestígio do sistem
a de p
oder qu
e
causou
e legitimou
esses crimes, qu
e o povo qu
e foi cúm
plice castigu
e e
repu
die d
efinitivam
ente seu
s autores, e n
ão mais os m
anten
ha sob u
ma
auréola d
e heróis in
justiçad
os, acaçapad
os na esp
era de u
ma brech
a para
ocup
ar novam
ente algu
m lu
gar na h
istória.
IHU
On
-Lin
e – A
vingan
ça é reden
tora? Por que razão o ser h
um
ano
se vinga?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – A
meu
ver, defin
ir o que é red
entor a p
riori
equivale a garan
tir que seu
crime será p
erdoad
o. Dito d
e outro m
odo, é
um
a figura cín
ica. Nem
a vingan
ça nem
o perd
ão, portan
to, são, a priori,
reden
tores. As razões d
a vingan
ça são variadas (p
agar a dívid
a com a
vítima am
ada, m
edir forças com
o agressor, devolver o m
al para qu
em o
causou
etc.), mas, d
e um
mod
o geral, toda vin
gança obed
ece ao desejo d
e
escapar d
a angú
stia de im
potên
cia que a con
dição d
e vítima im
põe. A
s-
sim são atores d
a vingan
ça não som
ente aqu
eles que ficaram
como víti-
mas reais, m
as também
os que se id
entificam
com elas.
IHU
On
-Lin
e – O
recente film
e Bastard
os Inglórios abord
a o nazism
o
por u
m ân
gulo ím
par, afin
al, trata-se de u
ma fan
tasia de vin
gança, ou
pelo m
enos d
e um
a revanch
e. Com
o o senh
or acredita qu
e esse filme p
ode
ajud
ar quem
foi vítima d
a barbárie nazista? N
ão seria simp
lesmen
te estar
do ou
tro lado d
a violência, id
entificad
o com os agressores?
Alfre
do
Jeru
salin
sky
– Os livros n
os perm
item viven
ciar situações
que n
un
ca vivemos e qu
e, bem p
rovavelmen
te, nu
nca viverem
os. Eles
nos p
oup
am d
e cometer certos atos p
orque n
os oferecem o gozo d
e
imagin
á-los. Os film
es são um
a forma atu
alizada d
e volum
osos livros
belamen
te ilustrad
os. É a d
iferença en
tre a fantasia e o ato, en
tre o real
e a ficção. Os film
es, como os livros, p
odem
mostrar a realid
ade sem
realizá-la. Por meio d
a ficção, elaboramos o ód
io e o amor qu
e as coisas
nos cau
sam, an
tecipam
os as consequ
ências d
e nossos atos. B
astardos
inglórios é u
m film
e, e não u
ma vin
gança. Por ou
tro lado, esse film
e não
prop
õe um
a iden
tificação com o agressor: em
nen
hu
ma exp
ressão desse
filme se vislu
mbra qu
alquer p
roposta d
e extermín
io em m
assa do p
ovo
alemão.
IHU
On
-Lin
e – Esse film
e faz parte d
e um
a série, afinal são in
úm
eras
prod
uções recen
tes sobre o nazism
o, como, p
or exemp
lo, O M
enin
o do
Pijam
a Listado, O
Leitor, A O
nd
a, Um
Hom
em B
om. O
nazism
o não teria
se tornad
o um
parad
igma d
o Mal, com
isso ind
o além d
os povos en
volvi-
dos, e talvez p
or isso haja tan
tos filmes, com
o um
a man
eira de cu
rar o
traum
a de u
ma ferid
a de tod
o o Ocid
ente?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – S
e há algo qu
e a Mod
ernid
ade n
ão esperava
do p
rogresso burgu
ês era precisam
ente o efeito n
azi-fascista da rivalid
a-
de cap
italista. Poderíam
os dizer qu
e o mu
nd
o todo se su
rpreen
deu
com
isso, embora K
arl Marx já o tivesse an
tecipad
o de algu
m m
odo em
O C
a-
pital acerca d
os efeitos racistas da op
osição comp
etitiva entre cap
itais
iden
tificados com
as fronteiras n
acionais. D
esde esse p
onto d
e vista, po-
deríam
os dizer qu
e se fosse situad
a hoje a S
egun
da G
uerra M
un
dial, ela
seria um
anacron
ismo. A
ferida cau
sada p
ela barbárie nazi-fascista (n
ão
devem
os esquecer o exterm
ínio d
a esquerd
a e da in
telectualid
ade esp
a-
nh
ola e italiana) n
ão é somen
te um
a ferida n
os sentim
entos h
um
anísticos,
mas u
ma p
rofun
da ferid
a na con
fiança d
a hu
man
idad
e nos id
eais da
mod
ernid
ade qu
e nos d
eixa comp
letamen
te insegu
ros no qu
e se refere a
nosso fu
turo m
ais próxim
o. Todos esses film
es que você m
encion
a têm
um
a particu
laridad
e: mostram
-nos qu
e o pior p
ode se d
esenvolver bem
ao nosso lad
o, e nós, em
bora o vejamos, fazem
os um
tremen
do esforço
para im
postar o p
apel d
e cegos.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.75
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
074.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
IHU
On
-Lin
e – E
ssa profu
são de film
es não reforçaria a id
entid
ade
de vítim
a de qu
em sofreu
com o H
olocausto ou
a guerra?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – A
s vítimas d
as quais estam
os faland
o, ou seja,
as que o foram
ou ain
da o são, d
e atos de barbárie p
olítica, preferem
, é
claro, que seu
calvário não seja esqu
ecido, p
orque se o fosse, seu
sofri-
men
to teria sido em
vão: a hu
man
idad
e não teria ap
rend
ido n
ada com
isso. Esse seria seu
pior d
estino. O
s filmes qu
e contribu
em a lem
brar es-
ses calvários mostram
para essas vítim
as que os sofrim
entos e m
aus tra-
tos que p
adeceram
desp
ertaram m
aiores desejos d
e justiça, e isso lh
es
devolve algo d
a dign
idad
e que seu
s carrascos lhes arran
caram. Por ou
tro
lado, algu
ém qu
e estabelece um
a iden
tidad
e de vítim
a, ou bem
vive in-
cessantem
ente su
a tragédia sem
consegu
ir desp
rend
er-se dela, ou
bem se
transform
a nu
m farsan
te queixoso qu
e tenta obter p
rivilégios em fu
nção
da tragéd
ia que o vitim
ou. E
m qu
alquer u
m d
esses dois casos, trata-se d
e
um
a cond
ição psíqu
ica doen
te.
IHU
On
-Lin
e – N
o caso da d
itadu
ra na A
rgentin
a, como p
oderíam
os
relacionar o m
al, a vingan
ça e a mem
ória?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – N
em D
eus con
segue p
erdoar o d
iabo.
IHU
On
-Lin
e – O sen
hor faz p
arte de u
ma geração qu
e, em seu
país,
foi mu
tilada, qu
and
o a maior p
arte da in
telectualid
ade argen
tina foi su
-
prim
ida. Pessoalm
ente, com
o se sente em
relação a essas perd
as? E com
o
o país reagiu
a esses fatos?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – Q
uan
do p
asso por u
m café d
e Bu
enos A
ires,
vejo meu
s amigos qu
e não estão sen
tados aí. Q
uan
do m
e convid
am a d
ar
um
a aula n
a Un
iversidad
e de B
uen
os Aires, d
e repen
te, encon
tro-me com
um
sobrevivente ou
com u
m exilad
o que retorn
ou, n
os abraçamos, olh
a-
mos em
volta e vemos qu
e os jovens estão esp
erand
o que com
ecemos a
dar n
ossa aula. C
omeçam
os a falar para os joven
s, e, sem qu
e eles o sai-
bam, tam
bém falam
os para essa geração (a n
ossa) ausen
te e congelad
a no
meio d
a sala como u
m p
uro fan
tasma. O
país p
erdeu
o ritmo d
e seu d
e-
senvolvim
ento, o fio d
e sua p
rodu
ção científica e cu
ltural d
uran
te du
as
décad
as, embora a extraord
inária coragem
e tenacid
ade d
a intelectu
a-
lidad
e argentin
a consegu
iu m
anter ocu
ltas e protegid
as as bases e fun
da-
men
tos de su
a prod
ução qu
e, ao términ
o da d
itadu
ra, soube u
nir os m
ais
jovens, gestan
do u
m verd
adeiro ren
ascimen
to. Isso se percebe n
a ciência,
na literatu
ra, no teatro e n
o cinem
a argentin
o, nas su
as expressões m
ais
recentes.
IHU
On
-Lin
e – Com
o é possível m
anter a m
emória viva d
e fatos trau-
máticos com
o esse sem p
erpetu
ar um
sofrimen
to nos qu
e sobreviveram?
Nesses casos, o qu
e não d
eve ser esquecid
o?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – M
anter viva a m
emória d
os que su
cum
biram
sob a brutalid
ade d
a ditad
ura é o m
ínim
o que lh
es devem
os. Não d
eve ser
esquecid
a a dign
idad
e com qu
e lutaram
por u
m id
eal de ju
stiça e liberda-
de, e tam
pou
co deve ser esqu
ecido qu
em fez d
e cada cid
adão u
m in
imigo.
IHU
On
-Lin
e – A
credita qu
e existe perd
ão, nu
m sen
tido d
e reconcili-
ação nacion
al, ou o q
ue acon
tece apen
as é um
esfriamen
to, um
distan
ciamen
to dos fatos?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – É
possível se recon
ciliar com u
m tortu
rador?
Em
que con
sistiria um
a reconciliação n
acional com
aquele qu
e vend
eu
literalmen
te a nação, com
o Carlos M
enem
, por exem
plo, ou
Martín
ez de
Hoz qu
e destru
iu su
a econom
ia? Pode se p
erdoar algu
ém com
o o Alm
i-
rante M
assera – integran
te da Ju
nta M
ilitar com R
afael Vid
ela e Agosti –
que tran
sformou
a Escu
ela de M
ecánica d
e La Arm
ada n
um
camp
o de
concen
tração e tortura, qu
e criou o en
genh
oso métod
o de soltar p
risio-
neiros vivos sobre o ocean
o desd
e aviões e helicóp
teros e que sequ
estrou
e orden
ou sequ
estrar dezen
as de crian
ças, filhos d
e prision
eiros, privan
-
do-os d
e suas relações e d
e suas id
entid
ades fam
iliares? Con
fesso que
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.77
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
076.
tem
átic
a.
não con
sigo imagin
ar em qu
e consistiria tal p
erdão, tais recon
ciliações.
Tenh
o certeza de qu
e comp
artilho com
a imen
sa maior p
arte do p
ovo
argentin
o essa dificu
ldad
e. Sim
, um
esfriamen
to. O qu
e ocorre é que as
pessoas qu
e passam
por isso, e sobrevivem
, inevitavelm
ente m
orrerão. E,
sem d
úvid
a, os sentim
entos d
os mortos são bem
mais frios qu
e os dos
vivos.IHU
On
-Lin
e – Q
uan
do as p
essoas, especialm
ente os fam
iliares dos
mortos e d
esaparecid
os, ped
em esclarecim
entos, m
ais inform
ações, mo-
vem p
rocessos e clamam
por ju
stiça, às vezes, isso é interp
retado com
o
revanch
ismo, com
o um
a forma d
e vingan
ça. Qu
al é a sua p
ercepção so-
bre isso?
Alfre
do
Jeru
salin
sky – N
un
ca se viu u
ma “M
adre d
e Plaza d
e Mayo”
ou u
ma “A
buela”, ou
aind
a qualqu
er familiar d
e desap
arecido exigir qu
e
raptassem
ou fizessem
desap
arecer o filho, n
eto ou p
arente d
e qualqu
er
delin
quen
te das forças p
oliciais, nem
tamp
ouco qu
e torturassem
um
torturad
or. Isso eviden
cia que n
ão se trata nem
de vin
gança, n
em d
e
revanch
ismo. T
rata-se, sim, d
a imp
eriosa necessid
ade d
e preen
cher em
parte o cru
el vazio que, d
uran
te décad
as, deixou
o familiar d
esaparecid
o,
com o agravan
te de qu
e se sabia que algu
ém sabia on
de estava, ou
qual
tinh
a sido seu
destin
o. A n
egativa a fornecer essa in
formação n
ão protege
nen
hu
ma segu
rança d
e Estad
o (que am
eaça pod
e represen
tar um
a mãe
desesp
erada ou
um
a ossada in
erte?), mas con
siste nu
ma estratégia d
e
terror e esmagam
ento em
ocional d
a pop
ulação op
osta à ditad
ura p
or
meio d
e táticas de cru
eldad
e psicológica. Q
ue se in
forme sobre o d
estino
dos cid
adãos, qu
e a lei se apliqu
e sobre o delin
quen
te qualqu
er que seja
sua con
dição ou
classe, que os d
ireitos hu
man
os sejam resp
eitados, é o
mín
imo qu
e qualqu
er habitan
te de u
m p
aís civilizado n
ão somen
te pod
e
ped
ir, mas qu
e deve exigir.
To
rtura
e s
into
ma
so
cia
l1
Maria
Rita
Kehl
Em
um
livro escrito em 2004, eu
me referi ao ressen
timen
to como
um
dos sin
tomas m
ais represen
tativos da relação am
bivalente d
a socie-
dad
e brasileira com os p
oderes qu
e, em tese, d
everiam rep
resentar e d
e-
fend
er interesses coletivos. Fru
to dos abu
sos históricos qu
e aparen
temen
-
te “perd
oamos” sem
exigir que op
ressores e agressores ped
issem p
erdão e
reparassem
os dan
os causad
os, o ressentim
ento in
stalou-se n
a sociedad
e
brasileira como form
a de “revolta p
assiva” (Bou
rdieu
) ou “vin
gança ad
ia-
da” (N
ietzsche), a sin
alizar um
a covarde cu
mp
licidad
e dos ofen
did
os e
oprim
idos com
seus ofen
sores/opressores. A
mágoa “irrep
arável” do res-
sentid
o ind
ica que ele sabe, m
as não qu
er saber, que aceitou
se colocar
em u
ma con
dição p
assiva dian
te dos abu
sos do m
ais forte; por covard
ia,
1 Texto publicado no livro organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle. O que resta da ditadura, Editora Boitem
po, SãoPaulo, 2010.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.79
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
078.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
por cálcu
lo (“mais tard
e ele há d
e reconh
ecer e prem
iar meu
sacrifício”)
ou p
or imp
otência au
to-imp
osta, o ressentid
o acaba por se revelar cú
m-
plice d
o agravo que o vitim
ou.
É im
portan
te ressaltar, entretan
to, que o ressen
timen
to não abate
aqueles qu
e foram d
errotados n
a luta e n
o enfren
tamen
to com o op
ressor,
e sim os qu
e recuaram
sem lu
tar e perd
oaram sem
exigir reparação. O
exped
iente corriqu
eiro – por m
á fé ou m
al enten
did
o? – de ch
amar d
e
“ressentid
os” aqueles qu
e não d
esistiram d
e lutar p
or seus d
ireitos, e pela
reparação d
e inju
stiças sofridas, n
ão passa d
e um
a forma d
e desqu
alifi-
car a luta p
olítica em n
ome d
e um
a paz social im
posta d
e cima p
ara
baixo. Nossa trad
icional cord
ialidad
e, no sen
tido qu
e Sérgio B
uarqu
e de
Hollan
da tom
ou em
prestad
o de R
ibeiro Cou
to, obscurece a lu
ta de clas-
ses e desvirtu
a a gravidad
e dos con
flitos desd
e o períod
o colonial.
No qu
e toca à relação do ressen
timen
to com o tem
a deste sim
pósio,
vale lembrar qu
e, no fin
al da d
écada d
e 1970, o Brasil foi o ú
nico p
aís da
Am
érica Latina qu
e “perd
oou” os m
ilitares sem exigir p
or parte d
eles nem
reconh
ecimen
to dos crim
es cometid
os nem
ped
ido d
e perd
ão. Não m
e
prop
onh
o aqui a d
iscutir as con
dições d
a anistia “am
pla, geral e irrestrita”
articulad
a pelos m
ilitares antes d
e deixar o p
oder – d
eixo essa tarefa para
palestran
tes mais com
peten
tes no assu
nto. M
as me esp
anta qu
e na atu
a-
lidad
e, quan
do o M
inistro Tarso G
enro e o S
ecretário de D
ireitos Hu
ma-
nos Pau
lo Van
nu
cchi p
ropõem
a reabertura d
o debate sobre a tortu
ra
no p
eríodo m
ilitar, o engajam
ento d
a sociedad
e no d
ebate me p
areça
tíbio – sobretud
o em com
paração com
a violenta reação d
e algun
s seto-
res militares.
O “esqu
ecimen
to” da tortu
ra prod
uz, a m
eu ver, a n
aturalização d
a
violência com
o grave sintom
a social, no B
rasil. Sou
be pelo p
rofessor Pau-
lo Aran
tes, aqui p
resente, qu
e a polícia brasileira é a ú
nica n
a Am
érica
Latina qu
e comete m
ais assassinatos e crim
es de tortu
ra na atu
alidad
e do
que d
uran
te o períod
o da d
itadu
ra militar. A
imp
un
idad
e não p
rodu
z
apen
as a repetição d
a barbárie: tend
e a provocar u
ma sin
istra escalada d
e
práticas abu
sivas por p
arte dos p
oderes p
úblicos qu
e deveriam
proteger
os cidad
ãos e garantir a p
az.
Para a psican
álise, o esquecim
ento qu
e prod
uz sin
toma n
ão é da
mesm
a ordem
de u
ma p
erda circu
nstan
cial da m
emória p
ré-conscien
te:
é da ord
em d
o recalque. S
omos en
tão obrigados a n
os ind
agar se é possí-
vel se falar em u
m in
conscien
te social cujas rep
resentações recalcad
as
prod
uzem
man
ifestações sintom
áticas.
A id
éia de sin
toma social é con
troversa na p
sicanálise. A
sociedad
e
não p
ode ser an
alisada d
o mesm
o mod
o que u
m su
jeito; por ou
tro lado, o
sintom
a social não tem
outra exp
ressão senão aqu
ela dos su
jeitos que
sofrem e m
anifestam
, singu
larmen
te ou em
grup
o, os efeitos do d
esco-
nh
ecimen
to da cau
sa de seu
sofrimen
to. O sin
toma social se m
anifesta
através de p
ráticas e discu
rsos que se au
tomatizam
, ind
epen
den
tes das
estrutu
ras psíqu
icas singu
lares de cad
a um
de seu
s agentes. A
ssim com
o
ocorre quan
do o sin
toma in
divid
ual se cron
ifica sem tratam
ento, tam
-
bém o sin
toma social ten
de a se agravar com
o passar d
o temp
o.
É p
ossível afirmar qu
e todo agru
pam
ento social p
adece, d
e algum
a
forma, d
os efeitos de su
a próp
ria incon
sciência. S
ão “incon
scientes”, em
um
a sociedad
e, tanto as p
assagens d
e sua h
istória relegadas ao esqu
eci-
men
to – por efeito d
e proibições exp
lícitas ou d
e jogos de con
veniên
cia
não d
eclarados – qu
anto as d
eman
das silen
ciadas d
e min
orias, cujos
anseios n
ão encon
tram m
eios de se exp
ressar. Exclu
ído d
as possibilid
a-
des d
e simbolização, o m
al estar silenciad
o acaba por se m
anifestar em
atos que d
evem ser d
ecifrados d
e man
eira análoga aos sin
tomas d
os que
buscam
a clínica p
sicanalítica. M
as mesm
o os sintom
as relatados u
m a
um
nos con
sultórios d
os psican
alistas são mu
ito men
os ind
ividu
ais do
que se p
ode su
por. Lacan
, em “Fu
nção e cam
po d
a palavra...” escreve qu
e
a originalid
ade d
o métod
o psican
alítico está em abord
ar não o in
divíd
uo,
mas o “cam
po d
a realidade transin
dividual do su
jeito” (...) “O in
cons-
ciente é aqu
ela parte d
o discu
rso concreto en
quan
to transin
divid
ual qu
e
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.81
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
080.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
não está à d
isposição d
o sujeito p
ara restabelecer a contin
uid
ade d
e seu
discu
rso conscien
te2.”
Por que as form
ações do in
conscien
te ultrap
assam a exp
eriência d
ita
ind
ividu
al do su
jeito? Porque o su
jeito não é u
m in
divíd
uo, n
o sentid
o
radical d
a palav
ra; é div
idid
o desd
e sua origem
a partir d
e seu
perten
cimen
to a um
camp
o simbólico, cu
ja susten
tação é necessariam
ente
coletiva. As form
ações do in
conscien
te, como fen
ômen
os de lin
guagem
,
são tributárias d
a estrutu
ra deste órgão coletivo, p
úblico e sim
bólico que
é a língu
a em su
as diferen
tes formas d
e uso. “N
a persp
ectiva analítica”,
escreve Marie-H
élène B
rousse
3, “a oposição in
divid
ual/coletivo n
ão é vá-
lida, e o d
esejo que o su
jeito visa a decifrar é sem
pre o d
esejo do O
utro
”.
No Sem
inário 14 (A
lógica do fantasm
a), Lacan rad
icalizou esta relação
ao prop
or a fórmu
la “o incon
sciente é a p
olítica4”.
Toda “realid
ade” (social) p
rodu
z, autom
aticamen
te, um
a espécie d
e
“un
iverso paralelo”: o acervo d
e experiên
cias não in
cluíd
as nas p
ráticas
falantes. E
xperiên
cias loucas, d
esviantes, p
roscritas ou sim
plesm
ente
doen
tias. Pois mesm
o aquilo qu
e temos d
e mais sin
gular, o m
odo d
e cada
um
pad
ecer e adoecer, n
em sem
pre p
ertence exclu
sivamen
te a nós. Por
vezes a doen
ça, sobretud
o a cham
ada d
oença m
ental, n
ão passa d
e um
fragmen
to do R
eal, um
ped
aço excluíd
o da cu
ltura – e o d
oente é seu
“ca-
valo”, como se d
iz no can
dom
blé. O d
oente é o lu
gar (social) ond
e a doen
ça
encon
trou u
ma brech
a para se m
anifestar. N
ietzsche acertou
ao afirmar
que a d
oença in
stitui u
m p
onto d
e vista privilegiad
o sobre a realidad
e.
Neste “u
niverso p
aralelo” das exp
eriências n
ão comp
artilhad
as pela
coletividad
e, experiên
cias excluíd
as das p
ráticas falantes e (con
sequen
-
temen
te) da m
emória, vivem
também
, pelo m
enos p
arcialmen
te, os que
tiveram seu
s corpos tortu
rados n
os subterrân
eos da ord
em sim
bólica ou
sofreram a p
erda d
e amigos e p
arentes d
esaparecid
os, vítimas d
e assassi-
natos n
un
ca reconh
ecidos com
o tais por agen
tes de regim
es autoritários.
No B
rasil, os opositores d
o regime m
ilitar que sobreviveram
à tortura,
embora circu
lem n
ormalm
ente en
tre nós, vivem
em u
m u
niverso à p
arte
não ap
enas em
fun
ção da rad
icalidad
e da d
or e da d
esperson
alização que
experim
entaram
, mas tam
bém p
orque as p
ráticas infam
es dos tortu
rado-
res nu
nca foram
reconh
ecidas e rep
aradas p
ublicam
ente. A
sensação d
e
irrealidade que acom
ete aqueles qu
e passaram
por form
as extremas d
e
sofrimen
to – como n
o caso dos egressos d
e camp
os de con
centração –
fica então com
o que con
firmada p
ela ind
iferença d
os que se recu
sam a
testemu
nh
ar o traum
a.
Sabem
os que n
em tu
do d
o Real p
ode ser d
ito; o que a lin
guagem
diz,
defin
e necessariam
ente u
m resto qu
e ela deixa d
e dizer. O
recorte que a
lingu
agem op
era sobre o Real, p
ela próp
ria defin
ição de recorte, d
eixa um
resto – resto de gozo, resto d
e pu
lsão – semp
re por sim
bolizar. Nisto con
-
siste o caráter irredu
tível do qu
e a psican
álise cham
a de p
ulsão d
e morte.
Não h
á reação mais n
efasta dian
te de u
m trau
ma social d
o que a p
olítica
do silên
cio e do esqu
ecimen
to, que em
pu
rra para fora d
os limites d
a
simbolização as p
iores passagen
s da h
istória de u
ma socied
ade. S
e o trau-
ma, p
or sua p
rópria d
efinição d
e Real n
ão simbolizad
o, prod
uz efeitos
sintom
áticos de rep
etição, as tentativas d
e esquecer os even
tos traum
áti-
cos coletivos resultam
em sin
toma social. Q
uan
do u
ma socied
ade n
ão
consegu
e elaborar os efeitos de u
m trau
ma e op
ta por ten
tar apagar a
mem
ória do even
to traum
ático, este simu
lacro de recalqu
e coletivo tend
e
a prod
uzir rep
etições sinistras.
Silê
nc
io, e
sq
ue
cim
en
to e
rep
etiç
ão
O qu
e acontece qu
and
o um
a sociedad
e adm
ite, na p
rática, formas
atrozes de u
m gozo qu
e não p
ode ser n
omead
o, reconh
ecido e barrad
o
pela Lei qu
e rege a vida p
ública? Q
uais os efeitos d
os restos desse gozo e
2 Jaques Lacan, “Função e campo da palavra e da linguagem
em psicanálise” (1953) em
: Escritos vol.1. Madri/M
éxico, SigloVeintiuno, 1994, tradução de Tom
ás Segovia, pp.227-310, à p. 248.
3 Marie Hélène Brousse, O inconsciente é a política. Sem
inário Internacional da Escola Brasileira de Psicanálise – SP, 2003.Conferência 1, “O analista e o político”, p. 17.
4 Jacques Lacan, O seminário n. 14, A lógica do fantasm
a.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.83
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
082.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
do torm
ento qu
e a ele correspon
de, qu
and
o ambos são con
den
ados a p
er-
man
ecer como d
ejetos do sim
bólico?
Em
prim
eiro lugar, é im
portan
te observar que as vítim
as dos abu
sos
da d
itadu
ra militar n
o Brasil n
un
ca se recusaram
a elaborar pu
blicamen
-
te seu trau
ma. N
os últim
os trinta an
os, não faltaram
iniciativas d
e deba-
ter o períod
o 1964-1979 nas u
niversid
ades e em
outros esp
aços pú
blicos,
assim com
o não faltaram
textos de reflexão, d
enú
ncia e/ou
resgate da
mem
ória, de au
toria de sobreviven
tes da lu
ta armad
a, de p
arentes d
e de-
saparecid
os e das p
róprias vítim
as de abu
sos sofridos n
os porões d
o regi-
me. N
o cinem
a, a décad
a de 1980 viu
surgir os p
rimeiros film
es de crítica
ao períod
o militar, com
o o corajoso Prá frente, B
rasil, de M
iguel Farias Jr.,
ou a atu
alização cinem
atográfica da p
eça de G
uarn
ieri, Eles n
ão usam
black-tie, a fim d
e termin
ar com o assassin
ato do op
erário San
to Dias em
SP. N
os últim
os vinte an
os, tivemos u
ma p
rodu
ção expressiva d
e filmes
que levaram
para u
m p
úblico m
ais nu
meroso d
o que o d
os leitores de
livros e frequen
tadores d
e debates, h
istórias de joven
s que resistiram
à
ditad
ura, d
e suas (p
oucas) vitórias e m
uitas d
errotas, com cen
as violen-
tas retratand
o a tortura e o assassin
ato de m
uitos h
eróis brasileiros da-
quele p
eríodo.
Ou
seja: os opositores d
a ditad
ura m
ilitar, vitimad
os ou n
ão pela
prática corren
te da tortu
ra, não d
eixaram d
e elaborar pu
blicamen
te sua
experiên
cia, suas d
errotas, seu sofrim
ento. N
ão deixaram
de sim
bolizar,
na m
edid
a do p
ossível, o traum
a provocad
o pelo en
contro com
a atroz
crueld
ade d
e que u
m h
omem
é capaz qu
and
o a próp
ria força governan
te
(no caso, tam
bém ela fora d
a lei) o autoriza a isso.
Em
1994, ano em
que o govern
o Fernan
do H
enriqu
e Card
oso insti-
tuiu
ind
enizações p
agas pelo E
stado às fam
ílias dos d
esaparecid
os du
-
rante o regim
e militar, a p
rofessora Maria Lígia Q
uartim
de M
oraes, da
Un
icamp
, viúva d
e um
militan
te desap
arecido, organ
izou n
aquela U
ni-
versidad
e um
debate sobre a tortu
ra e os assassinatos p
olíticos da d
itadu
-
ra. Na m
esa redon
da sobre testem
un
hos d
e mu
lheres tortu
radas, d
a qual
tive a hon
ra de p
articipar, p
ud
e observar que o ato d
e tornar p
úblico o
sofrimen
to e os agravos infligid
os ao corpo (p
rivado) d
e cada u
ma d
aque-
las mu
lheres, p
oderia p
or fim à im
possibilid
ade d
e esquecer o trau
ma. D
a
mesm
a forma, os/as com
pan
heiros/as e filh
os/as de d
esaparecid
os/as po-
líticos, na au
sência d
e um
corpo d
iante d
o qual p
restar as hom
enagen
s
fún
ebres, só pu
deram
enterrar sim
bolicamen
te seus m
ortos ao velar, em
um
espaço p
úblico, a m
emória d
eles e comp
artilhar com
um
a assembléia
solidária a in
dign
ação pelo ato bárbaro qu
e causou
seu d
esaparecim
ento.
O film
e docu
men
tário 15 filhos, de M
artha N
ehrin
g, veio se somar a essas
iniciativas.
O legad
o da clín
ica psican
alítica alcança aqu
i o sintom
a social: as-
sim com
o o end
ereçamen
to que o n
eurótico faz, d
e suas qu
estões mais
íntim
as, a um
estranh
o – o analista – é o p
rimeiro p
asso nu
m p
rocesso de
cura, o ato d
e tornar p
úblicas as exp
eriências e as lu
tas que a h
istória es-
queceu
e/ou recalcou
é fun
dam
ental n
a elaboração dos trau
mas sociais.
Mas ap
esar do sim
pósio n
a Un
icamp
e de m
uitos ou
tros eventos iso-
lados (h
avia pou
ca gente n
a US
P, em 2004, n
os debates a resp
eito dos 40
anos d
o golpe d
e 64), não levam
os nossa von
tade d
e reparação até o fim
.
Foi espan
tosa a disp
licência, d
iria mesm
o a frivolidad
e que caracterizou
a maior p
arte do am
biente crítico d
os anos 1980: com
o se a ditad
ura p
or
aqui tivesse term
inad
o não com
um
estrond
o, mas com
um
susp
iro – já
que os estron
dos foram
inau
díveis p
ara os ouvid
os dos qu
e nad
a queriam
escutar. C
omo se p
ud
éssemos con
viver tranqu
ilamen
te com o esqu
eci-
men
to dos d
esaparecid
os. Com
o se nosso con
ceito de h
um
anid
ade p
u-
desse in
cluir tran
quilam
ente o corp
o torturad
o do ou
tro, tornad
o – a par-
tir de u
ma rad
ical desid
entificação – n
osso dessem
elhan
te absoluto. A
quele
com qu
em n
ão temos n
ada a ver.
Mas se vítim
as dos tortu
radores, ap
esar da resistên
cia geral, não se
recusaram
a elaborar pu
blicamen
te sua exp
eriência, d
e que lad
o está o
apagam
ento d
a mem
ória que p
rodu
z a repetição sin
tomática d
a violên-
cia institu
cional brasileira?
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.85
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
084.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
A resp
osta é imed
iata: do lad
o dos rem
anescen
tes do p
róprio regim
e
militar, seja qu
al for a posição d
e pod
er que ain
da ocu
pam
. São estes os
que se recu
sam a en
frentar o d
ebate pú
blico – com a esp
antosa con
ivên-
cia da m
aioria silenciosa, a m
esma qu
e escolheu
perm
anecer alh
eia aos
abusos com
etidos n
o país, sobretu
do n
o períod
o pós-A
I-5. Mu
ita gente
aind
a insiste em
pen
sar que a p
rática da tortu
ra teria sido (ou
aind
a é)
um
a espécie d
e mal n
ecessário imp
osto pelas con
dições excep
cionais d
e
regimes au
tocráticos, e que sob u
m regim
e dem
ocrático não p
recisamos
mais n
os ocup
ar daqu
eles deslizes d
o passad
o.
A resp
eito do caráter su
postam
ente excep
cional d
a tortura, o cien
-
tista político R
enato L
essa esclarece, em artigo p
ublicad
o na revista
“Ciên
cia hoje”:
Qu
ando p
ensam
os no m
odo con
creto e material d
e operação de
um
regime au
tocrático, é necessário u
ltrapassar um
a percepçãodifu
sa que diz qu
e nele as liberdades pú
blicas são suprim
idas. Écerto qu
e o são: é esta, mesm
o, um
a condição n
ecessária para sua
afirmação com
o forma política. N
o entan
to, para que as liberdades
sejam su
primidas deve operar u
ma exigên
cia material precisa: é
necessário qu
e o regime au
tocrático tenh
a a capacidade efetiva decau
sar sofrimen
tos físicos aos que a ele se op
õem. (...)
A tortu
ra não seria, segu
nd
o Lessa, um
a prática excep
cional tolerad
a
em con
dições extrem
as, mas o p
róprio fu
nd
amen
to do regim
e autocráti-
co. Este, d
e forma n
ão declarad
a, assenta-se exatam
ente n
a “relação entre
o torturad
o e o torturad
or: lugar d
e um
a crueld
ade e d
e um
sofrimen
to
que u
ltrapassam propósitos pragm
áticos de extração de inform
ação”.5
Nesse caso, tod
o cidad
ão está poten
cialmen
te sujeito à tortu
ra, send
o tal
dessim
etria aterrorizante en
tre dom
inad
ores e dom
inad
os a próp
ria base
dos regim
es de exceção. E
m ou
tro artigo, pu
blicado n
o jornal E
stado d
e
São Pau
lo, Lessa comp
lemen
ta o raciocínio an
terior ao lembrar...
...a vuln
erabilidade de imen
sos contin
gentes da popu
lação brasi-
leira à violência policial. S
e somarm
os a isto a desproteção desses
mesm
os segmen
tos diante do dom
ínio de gru
pos paramilitares, n
os
quais a presen
ça de “agentes da ordem
” não é in
freqüen
te, temos
um
cenário de baixa con
cretização de direitos fun
damen
tais. A
cultu
ra policial no país (...) é n
o mín
imo porosa a h
ábitos de pilha-
gem e de cru
eldade (...) que abran
gem tan
to a pequen
a extorsão de
infratores com
o a prática de chacin
as e assassinatos ju
stificados
por ‘autos de resistên
cia’. (...) É o tema da tortu
ra que segu
e vigen-
te. A presen
ça reniten
te da tortura e da cru
eldade física como práti-
ca das forças da ordem, apesar da con
stituição qu
e temos, resu
lta
de seu caráter ‘an
istiável.6
Dep
ois de algu
mas con
siderações sobre o caráter sofístico “d
e quin
ta
categoria” que estabeleceu
a mesm
a lei de an
istia para tortu
radores e m
i-
litantes d
e esquerd
a, Lessa conclu
i: “a pseu
do-an
istia a torturad
ores re-
vela um
a dificu
ldad
e básica em lid
ar com os efeitos d
a crueld
ade p
rodu
-
zidos p
elo sistema d
e pod
er, em qu
alquer tem
po”.
O tra
um
a ta
mb
ém
tem
efe
itos s
ob
re o
tortu
rad
or
A afirm
ação que se segu
e pod
e parecer h
ipócrita ou
dem
agógica a
algun
s ouvid
os, mas in
sisto em colocá-la à p
rova dian
te desse p
lenário: a
reabertura d
o debate sobre a tortu
ra no B
rasil, com o even
tual ju
lgamen
to
e a pu
nição d
e algun
s torturad
ores comp
rovados, n
ão curaria som
ente a
sociedad
e civil dos efeitos d
a violência gen
eralizada n
o país. C
uraria tam
-
bém as p
róprias in
stituições p
oliciais. Não p
elo simp
les expu
rgo dos “m
aus
elemen
tos”: décad
as de p
ráticas abusivas im
pu
nes fizeram
das p
olícias
brasileiras um
verdad
eiro edu
cand
ário a reprod
uzir in
defin
idam
ente a
formação d
e “mau
s elemen
tos”.
5 Grifo do autor.6 Renato Lessa: “Sobre a tortura”. Artigo publicado no caderno Aliás do Estado de São Paulo.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.87
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
086.
tem
átic
a.
An
istia
e to
rtura
.
Ocorre q
ue a licen
ça para ab
usar, tortu
rar e matar, acab
a por
traum
atizar também
7 os agentes d
a barbárie. Não se u
ltrapassa certos li-
mites im
postos ao gozo im
pu
nem
ente. A
ssim com
o certas experiên
cias
extremas com
a droga e com
o álcool traum
atizam o p
siquism
o pelo en
-
contro qu
e prom
ovem com
o gozo da p
ulsão d
e morte, o con
vívio “nor-
mal” com
a crueld
ade trau
matiza o su
jeito que se au
torizou a ser cru
el e
imagin
a beneficiar-se d
isso. O sen
timen
to de realid
ade – qu
e para o h
o-
mem
é semp
re um
a constru
ção social – se desorgan
iza, assim com
o o
sentim
ento d
e iden
tidad
e do su
jeito. Não é fácil efetivar a p
assagem d
o
“sou u
m h
omem
” para “sou
um
assassino d
e outros h
omen
s” – ela tem
um
preço alto. O
efeito, para o p
róprio su
jeito, é tão aterrorizante qu
e ele
se vê imp
elido a rep
etir seu ato m
ortífero até assimilar d
e vez sua n
ova
hed
iond
a iden
tidad
e.
Não p
or acaso, somen
te algum
as adesões fan
áticas a crenças e ri-
tuais religiosos são cap
azes de red
imir algu
ns assassin
os cruéis, sejam
eles policiais ou
band
idos com
un
s: só a fé em u
ma in
stância on
ipoten
te é
capaz d
e ressignificar a Lei, qu
and
o esta foi desqu
alificada em
sua fu
n-
ção de barrar o gozo e organ
izar o gozo dos corp
os ind
ividu
ais nos term
os
perm
itidos p
elo corpo social.
Sejam
os sensatos: se a p
ossibilidad
e de gozar com
a dor d
o outro
está aberta para tod
o hu
man
o, por ou
tro lado a tortu
ra só existe porqu
e a
sociedad
e, explícita ou
imp
licitamen
te, a adm
ite. Por isso mesm
o, por-
que se in
screve no laço social, n
ão se pod
e consid
erar a tortura d
esu-
man
a. Ela é h
um
ana: n
ão conh
ecemos n
enh
um
a espécie an
imal cap
az de
instru
men
talizar o corpo d
e um
ind
ivídu
o da m
esma esp
écie, e além d
o
mais gozar com
isso, a pretexto d
e certo amor à “verd
ade”. S
abemos qu
e
combater o terrorism
o com p
ráticas de tortu
ra já é adotar o terrorism
o;
terrorismo d
e Estad
o, que su
spen
de os d
ireitos e liberdad
es que garan
tem
a relação livre e respon
sável pelos cid
adãos, p
erante a Lei. Q
ue verd
ade
se pod
e obter através de u
ma p
rática que d
estrói as cond
ições de existên
-
cia social da verd
ade?
Qu
and
o não é m
eio de gozo, a d
or infligid
a ao outro d
everia nos p
ro-
vocar dor p
síquica. U
m d
os traços que d
istingu
e o hu
man
o de ou
tros
anim
ais é a capacid
ade d
e iden
tificação com a d
or do ou
tro. Por que,
então, p
arece que o corp
o torturad
o não d
iz respeito à m
aioria de n
ós?
Um
corpo tortu
rado é u
m corp
o roubad
o ao seu p
róprio con
trole;
corpo d
issociado d
e um
sujeito, tran
sformad
o em objeto n
as mãos p
ode-
rosas do ou
tro – seja o Estad
o ou o crim
inoso com
um
. A tortu
ra refaz o
du
alismo corp
o/men
te, ou corp
o/espírito, p
orque a con
dição d
o corpo
entregu
e ao arbítrio e à crueld
ade d
o outro separa o corpo e o su
jeito. Sob
tortura, o corp
o fica tão assujeitad
o ao gozo do ou
tro que é com
o se a
“alma” – isso qu
e, no corp
o, pen
sa, simboliza, u
ltrapassa os lim
ites da
carne p
ela via das rep
resentações – ficasse à d
eriva. A fala qu
e represen
ta
o sujeito d
eixa de lh
e perten
cer, um
a vez que o tortu
rador p
ode arran
car
de su
a vítima a p
alavra que ele qu
er ouvir, e n
ão a que o su
jeito teria a
dizer. R
esta ao sujeito p
reso ao corpo qu
e sofre nas m
ãos do ou
tro, o si-
lêncio, com
o últim
a forma d
o dom
ínio d
e si, até o limite d
a morte. E
resta o grito involu
ntário, o u
rro de d
or que o sen
so comu
m ch
ama d
e
“anim
alesco”.
Por que an
imalesco, se é u
m h
omem
que u
rra? Talvez porqu
e o grito
de d
or não rep
resente m
ais o sujeito/h
omem
, mas ap
enas o qu
e agora
nele é carn
e em sofrim
ento. O
urro d
e dor n
ão é mais exp
ressão do su
jei-
to – assim com
o a palavra extorqu
ida p
elo torturad
or também
não. M
as
talvez seja um
mero p
reconceito ch
amar d
e anim
alesca a expressão ex-
trema d
este hom
em-corp
o. Talvez ele evoque o terror a tal p
onto qu
e seja
conven
iente con
siderá-lo an
imalesco p
ara não correrm
os o risco de n
os
iden
tificar com ele.
Qu
and
o se trata de exp
eriências-lim
ite, é preciso escu
tar os poetas.
Torquato N
eto, por exem
plo: “Leve u
m h
omem
e um
boi ao matad
ouro;
aquele qu
e berrar é o hom
em. M
esmo qu
e seja o boi”.7 Grifo do autor.
no
ve
mb
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.89
agenda.
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
088.
tem
átic
a.
Por fim: h
oje nin
guém
descon
hece a existên
cia da tortu
ra no B
rasil –
nem
do p
assado, n
em d
o presen
te. Não p
odem
os assimilar n
ossa ind
ul-
gência p
ara com os tortu
radores d
e ontem
e de h
oje como se fosse efeito
de d
esconh
ecimen
to do fato. M
as se nós aceitam
os com certa tran
qüili-
dad
e a existência d
a tortura e a im
pu
nid
ade d
os torturad
ores, o que é qu
e
teria ficado recalcad
o, silenciad
o, dep
ois da n
ossa pseu
do-an
istia, e que
aind
a hoje p
rodu
z sintom
as sociais de violên
cia policial com
frequên
cia
aind
a maior n
o presen
te do qu
e du
rante a d
itadu
ra? Não é o fato d
e ter
havid
o e haver tortu
ra que ficou
recalcado, e sim
a convicção de qu
e ela
é intolerável. O
argum
ento d
a tortura com
o mal n
ecessário parece con
-
vincen
te aind
a a grand
es parcelas d
a pop
ulação brasileira. N
ós nos es-
quecem
os que o ou
tro torturad
o nos d
iz respeito; qu
e se a tortura sep
ara
corpo e su
jeito, cabe a nós assu
mir o lu
gar de su
jeito em n
ome d
aqueles
que já n
ão têm d
ireito a um
a palavra qu
e os represen
te. Com
o na can
ção
de M
ilton N
ascimen
to: “morte bela, sen
tinela sou
do corp
o desse m
eu
irmão, qu
e passou
...”
Não n
os esquecem
os nem
por u
m d
ia de n
ossa violência social, p
as-
sada e p
resente. C
onvivem
os com ela o tem
po tod
o, preocu
pam
o-nos com
ela e a temem
os. O qu
e ficou recalcad
o na socied
ade brasileira, d
esde a
tal pseu
do-an
istia, é que som
os nós os agen
tes sociais a quem
cabe exter-
min
ar a tortura. E
squecem
os de qu
e é possível viver sem
ela. Só qu
e esta
mu
dan
ça não se d
ará sem en
frentam
ento, sem
conflito. A
tortura resiste
como sin
toma social d
e nossa d
isplicên
cia histórica.
O qu
e não p
odem
os esquecer está exp
resso no p
oema in
trodu
tório ao
livro Réqu
iem, p
oemas d
e An
na A
khm
átova sobre o períod
o dos exp
urgos
e das p
risões na R
ússia sob a d
itadu
ra stalinista:
Não, n
ão foi sob um
céu estran
geiroN
em ao abrigo de asas estran
geiras.
Eu estava vem
no m
eio do meu
povoLá on
de meu
povo em desven
tura estava.
ag
en
da
no
vem
bro
. 2010
dia
ho
raa
tivid
ad
e
pró
xim
o n
úm
ero
Joyce e
a P
sic
anális
e
eve
nto
s d
o a
no
2010
da
ta lo
ca
le
ve
nto
6 e 7/11P
laza São R
afael Jornad
a Clín
ica – Dizer e fazer em
análise
05, 12,19, 2614h
Reu
nião da C
omissão da R
evista
05 e 1915h
Reu
nião da C
omissão de A
periódicos
08 e 2220h
30min
Reu
nião da C
omissão do C
orreio
04, 11, 18 e 2519h
30min
Reu
nião da C
omissão de Even
tos
1121h
Reu
nião da M
esa Diretiva
2519h
30min
Reu
nião da C
omissão da B
iblioteca
2521h
Reu
nião da M
esa Diretiva aberta
aos Mem
bros
co
rre
io A
PP
OA
l no
ve
mb
ro 2
01
090.
norm
as e
dito
ria
is d
o C
orreio
da A
PP
OA
O C
orreio
da A
PP
OA
é um
a p
ublic
ação m
ensa
l, o q
ue p
ressup
õe u
m tra
ba-
lho d
e seleção tem
átic
a –
orien
tad
o ta
nto
pelo
s even
tos p
rom
ovid
os p
ela A
sso-
cia
ção, c
om
o p
elas q
uestõ
es qu
e con
stan
temen
te se ap
resenta
m n
a c
línic
a –
,
bem
com
o d
e obten
ção d
os tex
tos a
serem p
ublic
ad
os, a
lém d
a ta
refa d
e pro
gra
-
mação
edito
rial.
Tem
sido n
osso
objetiv
o a
presen
tar a
cad
a m
ês um
Correio
mais ela
bora
do,
qu
er seja p
ela a
presen
tação d
e texto
s qu
e pro
porc
ion
em u
ma leitu
ra in
teressan
-
te e possib
ilitem u
ma in
terlocu
ção; q
uer p
ela p
reocu
pação c
om
os a
spec
tos
edito
riais, c
om
o a
remessa
no in
ício
do m
ês e a c
om
posiç
ão v
isual.
Frente à
nec
essidad
e de u
ma p
rogra
mação ed
itoria
l, solic
itam
os q
ue seja
m
respeita
das a
s segu
intes n
orm
as:
1) o
s texto
s para
pu
blic
ação n
a S
eção T
emátic
a, S
eção D
ebates, S
eção E
n-
saio
e Resen
ha d
everã
o ser en
via
dos p
or e-m
ail p
ara
a sec
retaria
da A
PP
OA
(ap
poa@
ap
poa.c
om
.br);
2) a
form
ata
ção d
os tex
tos d
everá
obed
ecer à
s segu
intes m
edid
as:
- Fon
te tam
an
ho 1
2
- O tex
to d
eve c
on
ter, em m
édia
, 12000 c
ara
cteres c
om
espaço
- Nota
s de ro
dap
é em fo
nte ta
man
ho 1
0
3) a
s nota
s dev
erão ser in
clu
ídas sem
pre c
om
o n
ota
s de ro
dap
é;
4) a
s referência
s bib
liográ
ficas d
everã
o in
form
ar o
(s) au
tor(es), títu
lo d
a
obra
, au
tor(es) e títu
lo d
o c
ap
ítulo
(se for o
caso
), cid
ad
e, edito
ra, a
no, v
olu
me
(se for o
caso
);
5) as asp
as serão u
tilizadas p
ara iden
tificar citações d
iretas;
6) c
itações d
iretas c
om
mais d
e 3 lin
has d
evem
vir sep
ara
das d
o c
orp
o d
o
texto
, com
recuo d
e 4 cm
em relação
à margem
, utilizan
do fo
nte tam
anh
o 1
0;
7) o
itálico
dev
erá ser u
tilizad
o p
ara
exp
ressões q
ue se q
ueira
grifa
r, para
pala
vra
s estran
geira
s qu
e não seja
m d
e uso
corren
te ou
título
s de liv
ros;
8) n
ão u
tilizar n
egrito
(bold
) ou
sublin
had
o (u
nd
erline);
9) a
data
máxim
a d
e entreg
a d
e matéria
(texto
s ou
notíc
ias) é o
dia
05, p
ara
pu
blic
ação n
o m
ês segu
inte;
10)
o a
uto
r, não a
ssocia
do a
ap
poa, d
everá
info
rmar em
um
a lin
ha c
om
o
dev
e ser ap
resenta
do. A
Com
issão d
o C
orreio
se reserva o
direito
de su
gerir
altera
ções a
o(s) a
uto
r(es) e de efetu
ar a
s correç
ões g
ram
atic
ais q
ue fo
rem n
eces-
sária
s para
a c
larez
a d
o tex
to, b
em c
om
o se resp
on
sabiliz
ará
pela
revisã
o d
as
pro
vas g
ráfic
as;
11)
a in
clu
são d
e matéria
s está su
jeita à
ap
recia
ção d
a C
om
issão d
o C
or-
reio e à
disp
on
ibilid
ad
e de esp
aço p
ara
pu
blic
ação.