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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA
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MILITÂNCIA PELA DIVERSIDADE SEXUAL NAS
UNIVERSIDADES: TENSÕES, CONTRADIÇÕES E
DIFICULDADES
Jéssica Lopes Fachinetto 1
O presente trabalho busca desvelar conflitos vivenciados por jovens que militam pela
diversidade sexual nas universidades brasileiras. É elaborada desde 2011 uma etnografia que tem
em foco o grupo MUDD*Se (Movimento Universitário em Defesa da Diversidade Sexual) da UFJF
(Universidade Federal de Juiz de Fora), o qual divulga práticas homofóbicas dentro do campus
universitário, além de propor debates e promover eventos acadêmicos que tratam a
homossexualidade, o machismo e a multiplicidade das identidades de gênero.
O grupo é observado em suas relações com ONGs LGBTs e com centros de pesquisa da
Universidade, de modo a evidenciar a tensão entre o sujeito fluido, da academia, e as categorias
LGBTs estanques, da militância, com as quais os jovens têm de trabalhar no dia-a-dia do
movimento. Além disso, o acompanhamento do grupo na Rede Mineira pela Diversidade Sexual
(RUDS) e no décimo Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual (X ENUDS) dá
mostras do cenário nacional no que diz respeito à luta por direitos LGBT no Brasil, às tensões
vividas pelos movimentos em prol diversidade sexual e suas relações com a ABGLT (Associção
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais ).
O objetivo deste trabalho é, portanto, observar os deslocamentos do grupo na universidade,
na cidade de Juiz de Fora e nos cenários regional e nacional, apontando dificuldades, como a tensão
entre as noções de gênero e sexualidade desnaturalizadas, com as quais os jovens trabalham na
academia, e as identidades LGBTs, frequentemente acionadas para a militância política. A
supremacia dos homens gays sobre outros subgrupos LGBT, as tensões nas relações com as ONGs
e a incidência de estereótipos nas representações de “lésbica”, “mulher”, “travesti”, etc, são tratados
neste estudo.
Utilizando estudos sobre os movimentos sociais na América Latina, a militância LGBT no
Brasil e a participação de jovens no movimento estudantil, além de estudos sobre gênero e
sexualidade, o principal desafio é compreender em que medida os jovens militantes contribuem para
a subversão das identidades heterossexuais e homossexuais presentes na heteronorma.
Palavras-chave: Diversidade Sexual, gênero, militância LGBT, juventude.
1 Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
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Introdução
O presente trabalho divide-se em sete partes. A primeira é esta introdução, que tem por
objetivo apresentar o trabalho e a forma como ele será desenvolvido. A segunda traz breves
comentários sobre o desenvolvimento dos movimentos LGBT no Brasil das últimas décadas para
que seja possível a compreensão do surgimento dos movimentos de diversidade sexual nas
universidades nos anos 2000.
O objeto deste estudo é a militância pela diversidade sexual universitária, especialmente a
mineira e, mais notadamente, a que se desenvolve em Juiz de Fora, com o grupo MUDD*Se. A
terceira, quarta e quinta partes trazem o objeto estudado em três perspectivas diferentes,
respectivamente: a X edição do Encontro Nacional; a rede formada pelos grupos de Minas Gerais;
e, o grupo juiz-forano estudado.
Assim, a terceira parte apresenta brevemente o ENUDS (Encontro Nacional Universitário
de Diversidade Sexual) como espaço nacional de articulação de jovens universitários de
movimentos de diversidade sexual de todo o país.
A quarta parte do presente trabalho apresenta a RUDS Minas (Rede Universitária de
Diversidade Sexual de Minas Gerais), atualmente composta por oito grupos universitários
espalhados pelo estado. Nessa seção, é apresentada a formação da rede e as principais questões que
perpassam as relações entre os grupos que a compõem.
Embora a motivação principal desta pesquisa tenha sido exclusivamente o grupo juiz-
forano, ao longo de dois anos em campo pude fazer várias observações a respeito de outros grupos
que compõem a rede mineira. Assim, ora esta pesquisa fala especificamente da cidade de Juiz de
Fora, ora são tecidas considerações mais abrangentes sobre os movimentos mineiros. Além disso,
tomo a liberdade ainda de fazer certas colocações a respeito da militância universitária pela
diversidade sexual brasileira quando trato questões que, eventualmente, tenham ficado muito
evidentes durante o encontro nacional, em novembro de 2012.
Considero as ilustrações acerca do encontro nacional e da rede mineira como fundamentais
na construção do objeto principal, que é o grupo universitário de Juiz de Fora. No entanto, é
importante que se tenha em mente, ao ler este texto, tal diferenciação de foco e de tempo de
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exposição da pesquisadora a cada objeto: muito reduzido quanto ao ENUDS, limitando-se a apenas
um encontro, maior quanto à RUDS (dois encontros e internet), e de imersão total, no caso do
MUDD*Se.
Na quinta parte deste trabalho, apresento o MUDD*Se (Movimento Universitário em
Defesa da Diversidade Sexual) de Juiz de Fora. O formato do grupo, as principais relações
institucionais travadas, a dificuldade dos sujeitos em lidar com categorias estanques na militância
enquanto têm experiências múltiplas na prática são alguns dos temas abordados.
A sexta parte evidencia as tensões e contradições, já demonstradas ao longo do trabalho, na
tentativa de tornar mais visíveis não só as dificuldades como as idiossincrasias dos movimentos. Por
fim, teço alguns comentários acerca da situação dos movimentos de diversidade sexual e da atual
conjuntura dos movimentos gays frente ao Congresso Nacional
I) História do movimento LGBT no Brasil: breves comentários
Para compreender os movimentos de diversidade sexual que atuam contemporaneamente no
Brasil, é fundamental levar em conta os caminhos que o movimento LGBT percorreu em décadas
anteriores. Embora antes da década de 70 já houvesse discursos de libertação homossexual e de
repúdio à heteronorma compulsória, é esta a data que a literatura2 escolhe como marco para iniciar
o estudo do movimento gay, no que é chamado de “primeira onda” do movimento homossexual.3
O jornal “O Lampião da Esquina”, que começou a ser impresso em 1978, teve papel
fundamental na disseminação das ideias de emancipação homossexual. O Lampião foi o primeiro
jornal de grande circulação a tratar exclusivamente a causa gay e impulsionou fortemente dois
grupos militantes de reconhecido peso nacional: O Grupo Gay da Bahia (GGB) e o Grupo Somos,
de São Paulo. Estes foram os principais atores no cenário político do que se consagrou chamar a
“primeira onda” homossexual militante do país: o GGB e o Somos, como grupos militantes, e o
Lampião da Esquina, como meio de comunicação a interligar esses dois grandes grupos a vários
grupos menores.
2 MACRAE, 1982 ; FACCHINI, 2002; FRANÇA,2006; SIMÕES E FACHINNI, 2009.
3 No presente trabalho, também este histórico é pensado a partir do final dos anos 70. É importante
destacar que esta divisão é meramente analítica. O que se viu àquela época foi fruto de discursos e
práticas que já vinham se desenrolando em épocas anteriores.
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De forma sucinta, cabe destacar que a primeira onda ganhou força até as primeiras notícias
das mortes pelo vírus da AIDS em meados dos anos 80. Além disso, o processo de
redemocratização do país, que tirara de cena o inimigo mais visível de todos os movimentos sociais,
a ditadura militar, também contribuiu para dispersar os grupos militantes homossexuais na década
de 80.
Após alguns anos de relativo silêncio por parte dos militantes homossexuais, eles
reorganizaram-se na cena política na década de 90, e o número de grupos militantes voltou a
aumentar significativamente. Assim, começou a segunda onda do movimento LGBT no Brasil.
Antes de prosseguir e compreender também o surgimento dos movimentos pela diversidade
sexual na cena política, há algo mais a ser dito sobre a primeira e a segunda ondas do movimento
LGBT: o formato dos encontros e reuniões de uma e de outra era completamente diferente. Durante
a segunda onda, reuniões eram feitas para discutir pautas pré-elaboradas pelos grupos. Tratavam-se
marcadamente questões burocráticas de busca por recursos, planejamento de eventos que
trouxessem a publico discussões sobre a causa gay, elaboração de estratégias para o ganho de
direitos políticos via Legislativo ou Judiciário, além da busca de apoio pelo Poder Executivo em
campanhas e ações entendidas como necessárias para a promoção da cidadania homossexual.
Durante a primeira onda, no entanto, a homossexualidade tinha um caráter muito mais
marginal do que nos anos 90, constando ainda na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS)
como doença mental. Desse modo, a ação política empreendida no contexto de ditadura militar era
radicalmente diversa da praticada a partir dos anos 90. Na primeira onda, as reuniões tinham o
formato de rodas de conversa, semelhantes a grupos de ajuda, e tratavam as experiências dos
indivíduos. Cabe destacar que o número de mulheres era bastante reduzido e que a retirada da
homossexualidade da lista de doenças mentais da OMS era uma das principais pautas.
Nos anos 2000, a militância homossexual era empreendida quase que exclusivamente por
ONGs dedicadas a essa causa. A partir de 2002 houve um esforço do governo no sentido de ampliar
o diálogo com os movimentos sociais e, além do aumento do número de editais atentos à causa gay
(especialmente por parte do ministério da saúde), houve um aumento no número de cargos públicos
destinados a representantes deste setor da população.
É nos anos 2000 que surgem os grupos em defesa da diversidade sexual. Esses grupos
nascem no seio da universidade e têm como principal característica a herança das noções de gênero
e sexualidade da academia. Ou seja, esses grupos buscam a desconstrução de identidades a partir de
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uma noção desnaturalizada dos indivíduos, constituídos através das relações sociais. Dessa forma,
os grupos nascem com uma tensão inerente à sua condição de militância acadêmica: as práticas
militantes obrigam a afirmação de sujeitos que a academia desconstrói.
Aí está a principal tensão com a qual os grupos de diversidade sexual vão conviver ao longo
das décadas de 2000 e 2010. Esta tensão configura o perfil dos grupos universitários pela
diversidade sexual, fazendo com que os indivíduos que os compõem vivam experiências comuns
nas mais diversas universidades e regiões brasileiras. No município, os grupos universitários de
diversidade sexual contrastam com os tradicionais grupos LGBT, notadamente ONGs, já instaladas
no cenário político nacional.
A proximidade das experiências vividas nesses grupos, especialmente por oposição às
ONGs, ficará explícita no tópico II deste trabalho, em que apresento o encontro nacional de jovens
militantes pela diversidade sexual, o ENUDS. No entanto, é preciso entender que, embora a
oposição às ONGS seja fundamental para constituir os movimentos, já que os jovens militantes, ao
criticar as ONGs, inventam o que querem para si e imaginam grupos que forjam na prática, as
ONGs LGBTs representam, nos cenários locais observados, um dos principais apoios dos militantes
universitários. Mesmo com diferentes ideais de organização, os objetivos comuns de
reconhecimento de direitos homossexuais podem fazer com que, no cenário político municipal, a
ONG da cidade e o movimento da universidade sejam as forças de atuação política próximas e
parceiras.
Nos grupos universitários pela diversidade sexual observados, o orgulho de ser uma
organização completamente horizontal, sem cargos de lideranças e sem comprometimento com
grupos de interesses alheios à militância LGBT aparece nas falas e atitudes dos jovens militantes.
Embora na prática os auxílios prestados pelas ONGs a eventos dos grupos sejam bem-vindos, a
noção de organização verticalizada que reforça a idéia de identidades LGBT como estanques é alvo
de duras críticas.
II) ENUDS: o encontro nacional
ENUDS é o Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual, que reúne grupos
universitários pela diversidade sexual de vários estados brasileiros. O encontro, que teve sua décima
edição em novembro de 2012, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) é,
claramente, o espaço de articulação em âmbito nacional mais significativo para os jovens
pesquisados:
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"Precisamos nos apropriar do ENUDS para fazer o que acreditamos que é preciso na atual
conjuntura. Ele acontece nos moldes acadêmicos, mas tem um pouco da horizontalidade da
militância."; "Há disputa, sim. Há quem diga que o ENUDS é encontro acadêmico, há quem diga
que deve ser ONG, mas ele será o que fizermos dele" (Jovens da RUDs em maio de 2012)
É preciso ter em mente que o MUDD*Se, a RUDS e o ENUDS não são versões
respectivamente local, estadual e nacional da mesma coisa. Embora todos os eventos sejam
compostos por jovens universitários militantes pela diversidade sexual, o número de participantes
envolvidos por si só altera não só o tamanho, mas a configuração dos arranjos observados.
A X Edição do ENUDS aconteceu na UFRRJ em novembro de 2012. Fui até o Campus de
Seropédica em transporte da RUDS, com dois outros membros do MUDD*Se. A Van, que saíra de
Viçosa muito cedo, passou por Juiz de Fora de manhã e encontramos os membros do Primavera nos
Dentes quase todos adormecidos. Só no estado do Rio de Janeiro nos deparamos com os outros
integrantes da RUDS, além de militantes universitários de todo o país.
O encontro se deu nos moldes de sempre, até onde pude saber. Ficamos acampados em
prédio de um dos institutos da universidade. Os quartos e banheiros eram mistos e as casas de
banho, coletivas. O encontro teve espaços de debate, oficinas e palestras. Ocorreu também um ato
público na cidade de Seropédica. Além disso, espaços de troca de experiências e dinâmicas eram
abertos. Houve festa todas as noites, embora às sete da manhã membros da comissão organizadora
se revessassem para tocar uma corneta, chamando os integrantes para as atividades matinais.
III) A RUDs: manutenção da heterogeneidade
A RUDS (Rede Universitária pela Diversidade Sexual) de Minas Gerais é uma rede de
grupos mineiros militantes pela diversidade sexual que surgiu em 2011 por iniciativa de membros
do GUDDS (Grupo Universitário em Defesa da Diversidade Sexual), com atuação na Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, e do grupo Primavera nos Dentes, da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). Os grupos conseguiram aprovação em edital de uma
empresa privada para financiamento de redes de grupos de jovens que realizassem trabalhos sociais
. Com o financiamento, fomentaram atividades em outras universidades mineiras, com a abertura de
outro edital. Isso criou um esquema hierárquico em que todos os outros grupos deveriam prestar
contas a estes dois últimos. Durante uma das reuniões da rede que presenciei, integrantes do
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GUDDS exprimiram o desejo de substituir esse formato hierárquico por um sistema representativo,
onde houvesse ao menos um integrante de cada grupo na organização e direção da rede.
O MUDD*Se, de Juiz de Fora foi contemplado pelo edital dos outros dois grupos e, no ano
de 2012, a rede já contava com nove grupos: GUDDS (Grupo Universitário em Defesa da
Diversidade Sexual), da UFMG; Primavera nos Dentes, da UFV; Shama (Associação Homossexual
de Ajuda Mútua) e Odara, da UFU, Uberlândia; Batalho, da UFOP, que atua nos campus de Ouro
Preto e Mariana; Urucum da UFLA, de Lavras; GLOS (Grupo pela Livre Orientação Sexual e
Identidade de Gênero), da UNA; Diverges, da UniFAL, de Alfenas; e MUDD*Se (Movimento
Universitário em Defesa da Diversidade Sexual), da UFJF.
Tive a oportunidade de participar, com o MUDD*Se, do III encontro da rede, ocorrido no
município de Barra Longa em maio de 2012, e do IV encontro, que ocorreu na cidade de Lavras em
agosto do mesmo ano. Nesses ambientes, presenciei debates que foram fulcrais para elucidar a
dinâmica da rede.
O ponto central dessa dinâmica é a permanência de perspectivas diferentes em relação aos
temas tratados. Não há conciliação em muitos aspectos. Em vários momentos, não é possível chegar
a um denominador comum, e cada grupo tem de aceitar que os outros trabalhem com concepções
diferentes das suas.
As universidades também demarcam os termos dos debates de acordo com sua própria
filiação histórica. Assim, a cidade de origem do grupo aparece como fundamental na construção das
representações desses jovens (mais ou menos desnaturalizadas) de corpo e comportamento. Essa
distinção, obviamente, existe entre todos os grupos, mas fica mais marcada entre o GUDDS, que é
da capital, e os outros, do interior.
Durante a terceira reunião, um integrante da rede afirma que o GUDDS exclui aqueles que
não têm debate aprofundado das questões de gênero. Diante dessa colocação, uma integrante do
GUDDS respondeu: “Não acho que precisa ter discussão aprofundada, precisa ter algum interesse
em relação a isso, porque é uma questão muito cara para nós. Mas nós também não fazemos
discussão aprofundada ainda. Espero que façamos.”
Esse ponto foi explicitado quando um dos integrantes falava sobre a dificuldade, inerente à
criação de uma rede com grupos de cidades e regiões mineiras distintas, em conciliar pontos de
vistas diferentes em relação às noções de corpo, sexualidade e gênero. “Como aquele cartaz que
saiu, do Primavera nos Dentes, que dizia ‘sexualidade não se aprende, homofobia se aprende’. Putz.
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Tudo o que o GUDDS diz é que a sexualidade é construída”. Ao que um integrante do grupo
responsável pelo cartaz responde: “Mas isso foi feito pelo Primavera por conta própria, não
estávamos representando a rede”. E o primeiro justifica: “Eu sei. Tô só falando como só entre dois
grupos já é difícil de conciliar os pontos de vista”.
Assim, a total convergência entre os pontos de vista dos diferentes grupos não é objetivo da
rede. É no duplo caráter de militantes e acadêmicos que repousa a maior afinidade entre todos os
integrantes da rede e não nos significados epistemológicos dos temas trabalhados.
"Em que lugar nós estamos? Nós estamos nesse não-lugar desconfortável. Não somos nem
academia, nem militância".
O caráter marcadamente acadêmico dos grupos distingue-os dos tradicionais grupos LGBT
pela noção de uma sexualidade mais fluida, de uma vivência múltipla dos sujeitos, que não podem
alocar-se nas categorias de “lésbica”, “gay”, “bissexual” e “transexual”.
IV) O MUDD*Se: membros de diferentes institutos em horizontalidade apartidária?
O MUDD*Se, segundo documento organizado pelos próprios fundadores em abril de 2011,
busca constituir-se como meio de denúncia e divulgação dos casos de preconceito de gênero e
orientação sexual dentro do campus universitário. Além disso, o grupo promove debates sobre
gênero, machismo e inclusão de travestis e transexuais no meio acadêmico. O movimento busca,
ainda, promover ações e intervenções em questões que dizem respeito ao preconceito, à exclusão, à
agressão física ou verbal por motivações homofóbicas ou machistas.
O MUDD*Se tem como espaço de atuação a UFJF, sendo seus integrantes universitários de
diversos cursos, como Pedagogia, Comunicação, Direito, Geografia, Psicologia e Matemática,
estudantes da UFJF e de outras universidades, sendo que o grupo já teve inclusive um membro do
ensino médio.
O primeiro evento realizado pelo grupo ocorreu no dia 17 de maio em comemoração ao dia
nacional de combate à homofobia. O grupo conta com o apoio de uma ONG LGBT local, o
Movimento Gay de Minas (MGM) e da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), e
eventualmente consegue apoio também do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFJF e de
Pró-reitorias da UFJF, além de receber suporte da RUDS. Isso é essencial para o sucesso na
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concretude dos eventos que o MUDD*Se se propõe a organizar. No entanto, muitas vezes irrompem
tensões e surgem boatos de tentativa de cooptação do grupo por alguma instituição maior ou partido
político. A tentativa de constituir o grupo como independente, na medida em que aceita apoio de
outras instituições, aparece como fundamental para a compreensão das relações do grupo com
outras entidades.
As relações entre os estudantes que compõem o MUDD*Se podem ser entendidas
especialmente pelo eixo central de horizontalidade que perpassa a organização do grupo desde o
começo da observação de campo (maio de 2011). A organização variou de totalmente horizontal,
sem nenhum tipo de hierarquias, a um sistema de direção rotativa, com três cargos simultâneos de
diretores, e um estatuto que incluía pormenores acerca de quem poderia ou não votar no grupo
(dependendo da frequência às reuniões) e quais faltas poderiam levar um membro à expulsão. Esse
sistema ficou vigente por alguns meses e perdeu força após um racha em que dois diretores saíram
do grupo, acusados de não terem se comprometido o suficiente com as obrigações.
Hoje os poderes estão mais difusos dentro do grupo e discute-se a suspensão total de cargos
de diretoria e o retorno à horizontalidade sem cargos. Além disso, os cursos de graduação são forte
diferenciador entre os membros do grupo. Estudantes identificam-se mais a partir do instituto que
frequentam do que pela orientação sexual de cada um. Aliás, esse ponto é especialmente
interessante, porque não existe a necessidade de um integrante definir-se em alguma categoria
LGBT para ingressar no grupo. O grupo tem membros heterossexuais, e já presenciei conversas
informais em que os indivíduos tentam classificar-se, mas não obtêm sucesso. Presenciei também
conversas em que os indivíduos mesmos reconhecem como algo positivo a ausência de necessidade
de classificarem-se.
Em reunião em julho 2012, uma das integrantes pergunta: “Eu tenho cara de lésbica?”.
Diante da surpresa, outros integrantes demoram a responder, e ela continua: “Nesse grupo é
engraçado... As pessoas não têm que falar o que são”. Outra integrante responde: “É meio
desnecessário. Às vezes a gente comenta dessas coisas em off. Eu e o **** zuamos muito o ****
porque ele estava namorando com uma menina”. E a primeira continua: “Mas acho bacana as
pessoas não serem obrigadas a se expor, como são em outros grupos”. Isso ocorre porque se entende
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que as experiências podem ser múltiplas e não há a necessidade de uma nova rotulação do individuo
a cada experiência, dependendo do sexo do(a) parceiro(a) escolhido(a).
Os jovens que compõem o MUDD*Se são, em sua maioria, brancos, graduandos em
ciências humanas e pedagogia e não-filiados à partidos políticos. Embora o grupo já tenha acolhido
membros não-brancos, do ensino médio, de universidades particulares e da pós-graduação, o perfil
que é mais comumente encontrado é o que apresento aqui. O mesmo é válido para a filiação a
partidos políticos, já que alguns membros compuseram diferentes chapas que disputaram a eleição
do DCE (Diretório Central dos Estudantes) em 2012, chapas essas diretamente ligadas a diferentes
partidos políticos. No entanto, tal situação não trouxe desconforto ao grupo, sendo mesmo bem
vista por alguns membros: “Qualquer chapa que ganhar, temos apoio garantido”..
V) Militância pela Diversidade Sexual: tensões, contradições e dificuldades
As tensões e contradições vividas pelos movimentos são as mais diversas. Destaco aqui as
três principais: a identitária; a relativa à dominância dos homens gays no movimento LGBT; e a
tensão entre os grupos de diversidade e as ONGs, no que diz respeito ao formato de organização e à
epistemologia,
Assim, primeira tensão é a que ocorre entre as identidades fixas essencializadas, necessárias
ao campo da militância política, e as identidades cambiantes, porosas, da academia. É necessário
compreender que tal contradição constitui os movimentos modernos (que atuam em âmbito
universitário) e não representa uma aporia que precisa ser combatida. Teresa De Lauretis (1994)
demonstra de forma brilhante como os sujeitos do feminismo são constituídos por essa contradição,
que precisa ser aceita como fundamental do(s) feminismo(s) contemporâneo(s).
Em uma primeira fase do feminismo, a categoria “mulher” foi usada para representar os
sujeitos que teriam direito à reparação social e política devido à situação de desvantagem. O
enquadramento dos indivíduos nessa categoria, no entanto, tornou-se um limitador, já que
engessava as pessoas do sexo feminino numa noção fixa de “mulher”, enquadrando-as em diversos
estereótipos desse sujeito “mulher”. Assim, a categoria utilizada para lutar por direitos políticos
acabava, ela mesma, por engendrar (De Lauretis, 1994) os sujeitos e enclausurar as ditas
“mulheres” ainda mais sob o inescapável signo de seu sexo.
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Butler (2009) expõe tal contradição de forma muito clara. Para ela, as categorias do plano
político limitam e engessam os sujeitos que pretendem libertar (Butler, 2009, p.).
De qualquer forma, a construção de De Lauretis (1994) da noção de “sujeitos do feminismo”
é fundamental para compreender a questão. Isso porque ela demonstra que tal contradição é inerente
à luta política por direitos e não precisa ser encarada como um problema a ser resolvido. A
contradição entre a nomenclatura, essencializante, e a busca por individualidade não-rotulada não só
podem estar, como estão, combinadas na vida dos sujeitos do feminismo, assim como na vida dos
militantes pela diversidade sexual. De Lauretis (1994) afirma que não há necessidade dessa
contradição ser resolvida, devendo ser resguardada como fundamental à luta política hoje, como
condição do feminismo atual:
“Portanto, habitar os dois espaços ao mesmo tempo significa viver uma contradição que,
como sugeri, é a contradição do feminismo aqui e agora: a tensão de uma dupla força em direções
contrárias – a negatividade crítica de sua teoria e a positividade afirmativa de sua política – é tanto a
condição histórica da existência do feminismo quanto sua condição teórica de possibilidade.” (De
Laurteis, 1994, p. 238)
No entanto, tal condição de existência (contradição entre o campo político e prático, no que
diz respeito à noção de sujeito) não passa, aos olhos dos indivíduos, sem alguma tensão. Exemplo
disso é a já citada passagem em que uma das integrantes do MUDD*Se questiona se ela teria “cara
de lésbica”.
Essa tensão entre as nomenclaturas fixas e as experiências diversificadas dos indivíduos leva
a pensar uma questão parecida, mas não idêntica: como as categorias “mulher”, “travesti”,
“lésbica”, etc, são mobilizados frequentemente, seja na tentativa de combater estereótipos, seja na
incidência desses estereótipos. “Lésbica é muito monogâmica”; “Travesti é tudo afetada”.
A segunda tensão é a supremacia dos homens gays sobre todos os outros setores LGBTs.
Essa tensão é mais visível no ENUDS do que na RUDS ou no MUDD*Se
Por último, não é possível deixar de sublinhar a tensão entre os movimentos universitários e
as ONGs LGBT. Também advinda, em alguma medida, da tensão entre noção fixa e cambiante de
identidade, a tensão entre ONGs LGBTs e grupos de diversidade sexual é transversal na medida em
que perpassa diversos setores dos grupos. A divergência não é só da noção de sujeito, mas do
formato das organizações: “ONG tem dono”, dizem eles, “uma pessoa que manda e desmanda a seu
bel prazer”. ONG tem hierarquia, tem cargos, o movimento universitário não. Embora a
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organização interna do MUDD*Se tenha variado no tempo, e cargos de diretoria tenham sido
criados, a manutenção da horizontalidade permaneceu como principal preocupação dos membros.
A tensão partidária, embora muito presente dentro do movimento estudantil juiz-forano
(Maria Fernanda Teixeira dos Santos, 2011) é sentida pelos membros do MUDD*Se apenas de
maneira periférica. Por isso, tal tensão não será objeto de análise deste trabalho, cabendo apenas
citá-la.
Membros do MUDD*Se integram as principais chapas a comporem as eleições do DCE
desde 2011, o que garante a ele a possibilidade de diálogo com os vencedores, independentemente
do resultado das eleições. Além disso, há forte preocupação no sentido de não permitir que nenhum
partido “tome conta” do movimento. Essa preocupação é inclusive verbalizada aos representantes
do partido dentro do movimento, e há orgulho em apresentar resistência às constantes investidas por
aproximação que ocorrem por parte não só dos partidos como da principal ONG LGBT local e dos
grupos de pesquisa da universidade: “O MUDD*Se precisa andar com as próprias pernas”. A busca
por autonomia é, desde 2011, junto com a tentativa de manutenção da horizontalidade entre os
membros, a primeira preocupação dos integrantes do MUDD*Se.
VI) Comentários Finais: aporias e perspectivas
Não há como saber o que espera os grupos de diversidade sexual a partir de 2013. Embora
o MUDD*Se continue sem reuniões regulares, o dia da visibilidade transexual , em janeiro de 2013,
foi comemorado com filme na Faculdade de Pedagogia, e teve sucesso de público, de acordo com
os integrantes. No momento em que escrevo, em abril de 2013, os preparativos para o dia 17 de
maio estão sendo feitos, inclusive com colaboração de outra instituição, o IFMSA-Brazi (Federação
Internacional das Associações dos Estudantes de Medicina no Brasil. Planeja-se uma mostra de
fotos e exibição filme, seguida de debate.
A RUDs, embora comece o ano sem financiamento, já planeja a quinta reunião interna
(inclusive considerando a possibilidade de realizá-la em Juiz de Fora). Os grupos mineiros, de modo
geral, continuam envolvidos com as atividades em suas universidades e vários deles têm participado
ativamente da construção da XI edição do ENUDs.
No cenário nacional, o constante destaque de figuras públicas extremamente conservadoras
contribui para fomentar a militância e manter os movimentos unidos e atuantes. Depois das várias
aparições em público dos deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Silas Malafaia ao logo de 2012, a
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eleição do Pastor Marcos Feliciano (PSC) para a direção da pasta de Direitos Humanos na Câmara
(em 07 de março de 2013) contribui para dar aos movimentos a sensação de que direitos
fundamentais dos homossexuais estão ameaçados e de que é necessário ampliar a atuação dos
grupos de diversidade sexual.
Como afirma De Lauretis (1994), há aporias que devem ser consideradas inerentes aos
movimentos. A continuidade da busca pelo respeito à diversidade sexual depende da manutenção (e
não da superação) da contradição entre os sujeitos fixos da militância e multiplicidade de
experiências dos indivíduos reais, bem como da reinvenção diária de formas para lidar com ela. É
necessário também que continue a conscientização da maior visibilidade do gay sobre outras
categorias, além das várias tentativas de superar essas desigualdades dentro dos movimentos.
Da mesma forma, o sucesso da RUDS, enquanto rede, depende, dentre muitos outros
esforços, do empenho em manter as diferenças práticas e conceituais entre os grupos que a
compõem.
O MUDD*Se, hoje, precisa atuar na RUDS, no ENUDS e, principalmente, na UFJF, para
cumprir os objetivos aos quais se propõe. Tudo o que foi organizado nos anos de 2012 e,
principalmente, 2011, serve para dar ao grupo a sensação de dever cumprido e contribui para uma
diminuição das atividades em 2013. No entanto, os constantes casos de desrespeito aos direitos
fundamentais de cidadãos da comunidade LGBT (na UFJF e em outras universidades que compõem
a RUDs), além do cenário cada vez mais conservador no Congresso Nacional, contribuem para o
equilíbrio nos esforços dos membros para manter o grupo atuante, superando dificuldades e
convivendo com aporias.
Referências
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Civilização Brasileira, 2010
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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
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FRANÇA, Isadora Lins. Cercas e pontes: O movimento GLBT e o mercado GLS em São Paulo.
Dissertação de Mestrado apresentada a banca em Março de 2006.
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Janeiro: Garamond, 2004.
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