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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia Campus I Salvador - BA REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E PEDAGOGIA Gleiton Silva de Sales 1 Resumo: Sabe-se que alguns temas são dignos de adentrarem o currículo escolar, entretanto, outros temas tão importantes quanto o conhecimento da cultura escolar não conseguem espaço naquele território contestado. Isto ocorre da Educação Básica ao Ensino Superior. Nesse contexto cabe analisar, por exemplo, o que os professores na sua formação inicial aprendem sobre gênero. Assim, este estudo em andamento tem como foco principal levantar as representações sociais de gênero dos estudantes de Pedagogia, na etapa final do curso (7º semestre), oferecido pela Universidade do Estado da Bahia. Como forma de produção dos dados utilizou-se o questionário e a entrevista semi-estruturada. A intenção é compreender como o curso de Pedagogia da UNEB/Campus XIII tem de alguma maneira preparado os profissionais para a sua atuação futura, na perspectiva de gênero. Entende-se que nesse contexto a Teoria das Representações Sociais subsidiaria tal estudo sobretudo porque possibilita o entendimento das relações entre o conhecimento de um dado grupo e suas efetivas ações. Como resultados preliminares encontramos nas falas dos professores depoimentos que revelam uma ausência de discussões sobre gênero durante a graduação, revelam também resistência ao tratamento do tema como algo a ser discutido nos espaços escolares; indicam, por fim, urgência na reestruturação curricular do curso. Palavras-chave: Pedagogia; Representações Sociais; Gênero. Contextualização Analisar as propostas assumidas nas formações de professores ainda é algo recente na nossa história da educação brasileira, sobretudo quando consideramos que as teorias críticas, especialmente aquelas que estudam o currículo, datam do final da década de 60 do século passado. Compreender o conhecimento como construto social possibilitou uma investida que a teoria crítica possibilitou sobre os conteúdos que adentram às escolas. Questionamentos e dúvidas, enfrentamentos e posicionamentos é o que herdamos desse período de mobilização social em que minorias sociais surgem exigindo visibilidade. Negros, mulheres, gay, lésbicas solicitam além de espaço, um outro currículo, uma nova representação. 1 Professor Auxiliar da Universidade do Estado da Bahia UNEB. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Educação, Formação de Professores e Contemporaneidade. E-mail: [email protected]

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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013

Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E PEDAGOGIA

Gleiton Silva de Sales1

Resumo: Sabe-se que alguns temas são dignos de adentrarem o currículo escolar,

entretanto, outros temas tão importantes quanto o conhecimento da cultura escolar não

conseguem espaço naquele território contestado. Isto ocorre da Educação Básica ao

Ensino Superior. Nesse contexto cabe analisar, por exemplo, o que os professores na

sua formação inicial aprendem sobre gênero. Assim, este estudo em andamento tem

como foco principal levantar as representações sociais de gênero dos estudantes de

Pedagogia, na etapa final do curso (7º semestre), oferecido pela Universidade do Estado

da Bahia. Como forma de produção dos dados utilizou-se o questionário e a entrevista

semi-estruturada. A intenção é compreender como o curso de Pedagogia da

UNEB/Campus XIII tem de alguma maneira preparado os profissionais para a sua

atuação futura, na perspectiva de gênero. Entende-se que nesse contexto a Teoria das

Representações Sociais subsidiaria tal estudo sobretudo porque possibilita o

entendimento das relações entre o conhecimento de um dado grupo e suas efetivas

ações. Como resultados preliminares encontramos nas falas dos professores

depoimentos que revelam uma ausência de discussões sobre gênero durante a

graduação, revelam também resistência ao tratamento do tema como algo a ser discutido

nos espaços escolares; indicam, por fim, urgência na reestruturação curricular do curso.

Palavras-chave: Pedagogia; Representações Sociais; Gênero.

Contextualização

Analisar as propostas assumidas nas formações de professores ainda é algo

recente na nossa história da educação brasileira, sobretudo quando consideramos que as

teorias críticas, especialmente aquelas que estudam o currículo, datam do final da

década de 60 do século passado. Compreender o conhecimento como construto social

possibilitou uma investida que a teoria crítica possibilitou sobre os conteúdos que

adentram às escolas. Questionamentos e dúvidas, enfrentamentos e posicionamentos é o

que herdamos desse período de mobilização social em que minorias sociais surgem

exigindo visibilidade. Negros, mulheres, gay, lésbicas solicitam além de espaço, um

outro currículo, uma nova representação.

1 Professor Auxiliar da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Pesquisador do Grupo de Pesquisa

Educação, Formação de Professores e Contemporaneidade. E-mail: [email protected]

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No campo do gênero a sua maior influência nasce com a teoria feminista, a qual

problematiza o carater biologizante nos discusos direcionados ao gênero. Ainda assim,

percebe-se que na atualidade algumas discussões não “merecem” ser tocadas nos

espaços escolares. A questão do gênero é uma delas. Em numerosos encontros com

professores em formação continuada tivemos a oportunidade de ouvir depoimentos que

assumiam uma postura de despreparo dos professores. Nesse contexto, o estudo sobre o

qual formação os estudantes das licenciaturas estão tendo na perspectiva de gênero

nascia da inquietação que as desigualdades de gênero apresentavam no contexto escolar,

nas falas dos professores com os quais tive a oportunidade de estar junto como

formador de professores, nas políticas públicas assumidas pelo Estado, nos fatos

trazidos pela imprensa.

Assim, este texto pretende levantar algumas reflexões sobre a formação de

professores, especificamente no curso de Pedagogia na perspectiva de gênero. O

objetivo da pesquisa é trazer as representações sociais que os estudantes de Pedagogia

constroem no seu percurso formativo, tomando como fonte de dados entrevistas semi

estruturadas e análise documental.

O percurso tomado aqui inicia-se com um breve breve histórico do curso de

Pedagogia, a sua inserção, assim como seu decurso, no município de Itaberaba-Ba. Em

seguida discute-se a Teoria das Representações Sociais, justificando nesse contexto a

nossa opção metodológica, problematiza-se também o conceito de gênero e divulga-se,

por fim, as análises sobre os dados obtidos no estudo, ainda que de forma inconclusiva.

A Pedagogia no Campus XVI da UNEB

Constantemente na atualidade tem se questionado para que formar pedagogos,

qual a sua função social, qual a sua identidade. Longe de responder exaustivamente a

essas questões, queremos aqui trazer alguns contornos da Pedagogia para pensar qual

formação é assumida na atualidade, inclusive quando se trata das questões de gênero e

sexualidade, especialmente no curso oferecido pelo Departamento de Educação no

Campus XIII da UNEB.

O Departamento de Educação do Campus XIII (DEDC XIII) localiza-se no

município de Itaberaba, situado em Região da Chapada Diamantina, denominada de

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Piemonte Paraguaçu. A região da Chapada Diamantina, localizada no “coração da

Bahia”, apresenta topografia diversificada e é responsável por nascentes que dão origem

a 90% dos rios que formam as bacias do Paraguaçu, do Jacuípe e do rio de Contas,

abrigando ainda os três pontos mais altos de todo o Estado: o Pico das Almas, com

1.958 metros de altitude, o do Itobira, com 1.970m, e o dos Barbados, com 2.080m.

Todas estas características fazem da Chapada Diamantina uma região

internacionalmente renomada por suas belezas naturais.

Sua organização, a partir das discussões nos territórios de Identidades do

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que divide o Estado da Bahia em 26

grandes territórios, conta com um total de 26 municípios: Abaíra, Andaraí, Barra da

Estiva, Boninal, Bonito, Ibicoara, Iraquara, Itaetê, Jussiape, Lençois, Marcionilio Souza,

Morro do Chapéu, Mucugê, Nova Redenção, Novo Horizonte, Palmeiras, Piatã, Rio de

Contas, Seabra, Souto Soares, Utinga, Wagner, Iaçu, Itaberaba, Serrinha e Conceição do

Coité.

A ocupação das terras que hoje compõem o Parque Nacional da Chapada

Diamantina, criado em 1985 por Decreto Federal, deu-se a partir da exploração direta

do diamante, a partir de 1820 e da dizimação da população indígena (maracás) existente

na região.

Sua história está intrinsecamente ligada ao processo da “corrida do diamante”

que durou cerca de 20 anos e resultou no esgotamento da lavra e o conseqüente

desmoronamento da economia e decadência das 28 cidades da região. Proclamada a

República, a região foi palco de disputa dos coronéis que intensificaram as guerras para

ampliação de seus latifundios e de poder político. Horácio de Matos foi um dos coronéis

mais temido da região.

Atualmente, o contexto social da região ainda apresenta elementos do

coronelismo, como a baixa renda per capita e o altíssimo grau de riqueza concentrada

nas mãos de poucas famílias.

O município de Itaberaba sofreu influência desse processo histórico da Chapada

Diamantina, e hoje, busca sustentar a sua economia a partir, sobretudo da fruticultura.

Limita-se com as cidades de Rui Barbosa, Iaçu, Ipirá e Boa Vista do Tupim, e de acordo

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com a estimativa do Censo 2010, Itaberaba possui uma população total de 61.623

habitantes em uma área de unidade territorial de 2.357 km². Seu índice de

desenvolvimento humano é igual a 0.638, ocupando no ranking baiano a 147º posição.

É uma cidade de médio porte, considerada como central para as cidades do seu entorno,

atendendo as demandas também dos municípios que fazem parte da Chapada

Diamantina. Possui diversas indústrias e abarca mais de mil estabelecimentos

comerciais. A agricultura destaca-se como atividade econômica de grande importância,

sobretudo pela cultura do abacaxi. O município é considerado um dos bolsões de

sucesso para a fruticultura baiana. Possui neste setor experiência de exportação para a

Europa, sendo área principalmente de culturas irrigadas2.

No campo da educação, Itaberaba possui seis escolas estaduais de Ensino

Fundamental e Médio, sendo que uma delas oferece cursos técnicos. No âmbito

municipal, existem duas escolas públicas de Educação Infantil e Séries Iniciais, quatros

creches e mais vinte e nove escolas também de Ensino Fundamental, localizadas em

áreas urbanas do município e seis em áreas rurais, além das escolas ligadas à rede

privada de ensino.

O alto número de escolas públicas e privadas, municipais ou estaduais, aponta

que parte significativa dos professores que nelas atuam nos Anos Iniciais e

Coordenação Pedagógica, têm formação em Pedagogia, o que evidencia a contribuição

que o DEDC XIII, através do seu Curso de Pedagogia, vem dando no desenvolvimento

sócio-econômico do território.

Associado a este aspecto, está o índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(IDEB) que, embora inferior à média brasileira é um pouco superior à média do Estado,

o que impõe à Universidade, uma responsabilidade ainda maior frente a necessidade de

ofertar cursos de formação de professores, com qualidade, que representem um

diferencial no processo de qualificação da educação do município, contribuindo para a

reversão do seu quadro de baixo desenvolvimento educacional.

2 Informações retiradas do Projeto de Reconhecimento de Curso de Pedagogia, construído pelo seu

Colegiado de Curso em 2012.

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O DEDC XIII surge então, com o compromisso social de responder a esta

demanda, não só do município de Itaberaba, mas também daqueles que integram o

território de identidade onde ele se localiza.

Ainda de acordo com o Projeto de Reconhecimento de Curso, criado em 1989,

através da Lei 5.563, com a denominação de Faculdade de Formação de Professores de

Itaberaba, este Departamento teve a sua denominação e natureza jurídica alteradas em

1990, passando a denominar-se Centro de Ensino Superior de Itaberaba - CESI, como

uma das Unidades de Ensino da UNEB, aplicando-se-lhe o disposto nos artigos 4º e 11º

da Lei Delegada nº 66, de 01 de junho de 1963.

Com a reestruturação das universidades estaduais, decorrente da lei nº 7.176 de

10 de setembro de 1997 e ainda em consonância com o Decreto nº 7.223/1998, o Centro

de Ensino Superior de Itaberaba passou a ser denominado de Departamento de

Educação – Campus XIII da UNEB.

Inicialmente, ainda como Centro de Ensino Superior, foi ali oferecido o curso de

Pedagogia, com habilitação em Magistério para as Classes de Alfabetização e

Magistério das Matérias Pedagógicas do 2º Grau, por autorização do CONSEPE,

através da Resolução nº 20/1990 e reconhecido pelo Dec. Est. no 7.407/98, publicado no

Diário Oficial de 14.08.98. Esta última habilitação teve seu oferecimento suspenso,

através da Resolução nº 216/98 do CONSEPE, sendo substituída pela habilitação em

Educação Infantil e Magistério do Ensino Fundamental nas Séries Iniciais, criada pela

Resolução 217/98 do CONSEPE.

Doze anos depois desta implantação, foram também criados os cursos de Letras

– Língua Portuguesa e Literaturas, reconhecido através do Dec. Est. nº 12.951/2011 e

História, que se encontra em processo de reconhecimento, sendo implantados nos anos

de 2003.2 e 2005.2, respectivamente. Além disso, em 2004, o Curso de Pedagogia com

habilitação em Educação Infantil e Magistério do Ensino Fundamental nas Séries

Iniciais passou a denominar-se Pedagogia: Docência e Gestão dos Processos

Educativos, autorizado pelo CONSU através da Resolução nº 273/2004. Esta alteração

foi decorrente de um processo de redimensionamento curricular, com a finalidade de

melhor adequação do Curso às diretrizes curriculares nacionais do CNE.

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A consolidação desses cursos tem se dado, não só pelo preenchimento das vagas

disponibilizadas anualmente nos processos seletivos, mas também, pelas ações de

pesquisa e extensão por eles desenvolvidas, atendendo, por exemplo, um total de 653

alunos matriculadosno ano de 2012.

No campo da pós-graduação, o Departamento já ofereceu cursos na modalidade

lato sensu, sendo: Especialização em Política do Planejamento Pedagógico: Currículo,

Didática e Avaliação (2001 - 2007) e Especialização em Filosofia, Estudos Culturais e

Pesquisa em Educação (2000 - 2002).

O acolhimento à demanda por formação e qualificação de profissionais, aliada à

importância das ações que vem sendo desenvolvidas pelo Departamento em mais

significativa em Itaberaba, sobretudo, pelo atendimento aos alunos oriundos de vários

municípios, influenciando diretamente na realidade sócio-econômica e cultural da

região.

As atividades do DEDC XIII são desenvolvidas em dois prédios localizados à

Avenida Luís Viana Filho, s/nº, Bairro Batalhão, com uma área construída de 1.737, 40

m² e uma área não-construída de 1.525 m². No Prédio 1 estão localizados os setores

administrativos e pedagógicos, salas de aula, banheiros, auditório, biblioteca,

laboratório de informática e o Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPE).

Também tem sido parâmetro para a auto avaliação do DEDC, os resultados do

ENADE obtidos pelos alunos dos vários cursos de graduação do Campus. Nos anos de

2005 e 2008 o curso de Pedagogia participou da avaliação onde obteve o conceito 3 nos

dois períodos.

Após a apresentação dos dados acima, resta-nos questionarmos como o Curso de

Pedagogia tem apresentado/discutido as desigualdades de gênero, entendida neste

trabalho como fonte de reprodução de um quadro maior de desigualdades sociais. Quais

são as representações de gênero que orientam o trabalho dos futuros profissionais que

frequentam este curso? Como se sentem diante do currículo percorrido em termos de

preparação para tratar as questões que envolvem o gênero em sala de aula?

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Representações Sociais e Gênero

A Teoria das Representações Sociais (TRS) nesse caso surge como uma

ferrramenta muito importante, sobretudo porque concebe o conhecimento de uma

maneira nova, abordando –o de um prisma mais integrativo considerando, por exemplo,

os aspectos afetivos e sociais na sua produção.

Para Ornellas(2007) a representação social é um conhecimento do senso comum

e é formada em razão do cotidiano do sujeito, daí a importância de se debruçar sobre

aquelas representações que orientam as ações dos professores frente aos conflitos de

gênero. Daí também nasce o valor em questionarmos como os discursos científicos nos

componentes curriculares tem influenciado aquelas ações.

Ainda para a autora acima citada os estudos desenvolvidos nos últimos trintas

anos que utilizam as representações sociais reportam-se ao conceito cunhado por

Moscovici (1978) tomando como ponto de partida a sua obra La psychanalyse, son

image et son public.

Nas palavras do próprio Moscovici encontramos:

Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos,

proposições e explicações na vida cotidiana no curso de comunicações

interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e

sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser

vistas como a versão contemporânea do senso comum (ORNELLAS

apud MOSCOVICI, 2007, 168).

O conceito carrega muitas influencias, destacando como principais a psicologia e

a sociologia. Moscovici defende que o conceito é híbrido, não pertencendo a uma unica

área do conhecimento, porque a sua origem está vinculada tanto à sociologia quanto à

psicologia, o que torna a representação social como um conceito psicossocial. Um outro

fator que traduz a complexidade do conceito reside no fato de que os conceitos das

representações referem-se a fenômenos e não a objetos como costumeiramente acontece

em outras áreas.

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Pode-se dizer que a representação social, ao estudar o sujeito em

processo de interação com outros sujeitos, expressa uma espécie de saber

prático de como os sujeitos sentem, assimilam, aprendem e interpretam o

mundo, inseridos no seu cotidiano, sendo, portanto, produzidos

coletivamente na prática da sociedade e no decorrer da comunicação

entre os sujeitos (ORNELLAS, 2007, 169).

Ao citar Jodelet (2001), Maria de Lourdes Ornellas traz a ideia de que as

representações sociais devem ser estudadas articulando elementos afetivos, mentais e

sociais e integrando, ao lado da comunicação e da linguagem, as relações sociais que

afetam as representações e a realidade material, social e ideal sobre as quais elas

intervirão.

No processo de identificação da natureza complexa das representações sociais

cabe estabelecer um intercâmbio entre intersubjetividades e o coletivo, entendendo que

este saber nasce de uma relação infinita entre processos cognitivos, emocionais, sociais.

Entender como os graduandos percorrem esses processos é o foco principal deste

trabalho, como já foi assinalado.

Para tanto, lançamos mão de alguns conceitos produzidos dentro da teoria das

representações sociais, a saber: objetivação e ancoragem.

Os processos de objetivação e ancoragem estão intrinsecamente ligados,

complementando um ao outro, e são modelado através da relação entre os fatores sociais

e a atividade cognitiva dos sujeitos.

Por meio da objetivação o que é abstrato se torna concreto. Esse processo

envolve três etapas. Na primeira, chamada de construção seletiva, as informações e as

crenças acerca do objeto da representação sofrem um processo de seleção, de onde são

retirados os elementos que formam os fatos do senso comum. Ele ocorre de acordo com

as normas e valores grupais. Na segunda etapa temos a esquematização estruturante ou

núcleo figurativo que corresponde à organização dos elementos constituintes das

representações em um padrão de relações estruturadas. A terceira e última é a

naturalização, a qual confere realidade plena ao que era uma abstração, em que os

conceitos se constituem em entidades autônomas, adquirindo materialidade. Agora os

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conceitos tornam-se equivalentes à realidade e o abstrato torna-se concreto através da

sua expressão em imagens ou metáforas.

Já a ancoragem lida com a fase simbólica da representação, em que é trazido

para categorias e imagens conhecidas o que ainda não está classificado e rotulado, isto

é, transformar o que é estranho em algo familiar, ancorar o desconhecido em

representações já existentes. Assim, o novo objeto da representaçõ ganha sentido, o que

é novidade passa a ser parte integrante e se radica nos sistema de pensamento ou em

outras representações, num processo incessante de reconstruções.

Diante o exposto assume-se que a teoria das representações sociais pode

viabilizar a compreensão, transformação e reflexões do sistema de representações

existentes na sociedade, sobretudo frente aos que interferem nas relações e práticas

pedagógicas. Por essas razões tomamos tal teoria na produção do nosso estudo.

Ângela Arruda (2002) ao tratar das das realções entre a TRS e as teorias

feministas aborda inicialmente o constxto no qual surgem tais teorias: transição

padigmática ou crise de paradigma. Ela apresenta afinidades entre a teoria das

representações sociais e as teorias feministas, descrevendo-as em três grandes

dimensões: a dos campos de saber, a conceitual-metodológica e a epistemológica. A

seguir apresentamos um trecho longo mas que representa sobremaneira as relações entre

aquelas teorias.

A dimensão do desenvolvimento dos campos de saber refere-se a

propostas que se integrarão em campos de saber seguindo certas

características e o desenvolvimento que delas advém:

• O fato de que essas teorias não surgem desligadas das realidades

concretas, mas em estreita sintonia com elas, a exemplo do conceito de

gênero, nascido nas entranhas do movimento feminista.

• Não se instalam com tranqüilidade nem em harmonia nas áreas em que

se inserem, mas em conflito com elas, estabelecendo um certo dissenso

nessas áreas. Explicitam, assim, uma vez mais, o quanto os campos de

saber são também campos de disputa, como observou Bourdieu (1983) e

o quanto as propostas dissidentes concorrem para a renovação desses

campos, capitaneadas por minorias ativas (Moscovici, 1979).

• São favorecidas pela transição paradigmática, que abre brechas para

suas incursões, nem sempre aceitáveis para os padrões de ciência da

época e as normas dos campos científicos que penetram.

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• Vivem um período de latência entre o surgimento das idéias inaugurais

e o desenvolvimento da sua aplicação, e o advento da conseqüente

visibilidade. No caso do gênero, o conceito, remodelado pelo pensamento

feminista nos anos 80 (Scott, 1988; Rubin, 1979), como o de

representação social por Moscovici, vive um lapso de tempo até ser

incorporado às ciências sociais.

Quanto à dimensão conceitual de tais teorias, vê-se que elas apresentam

características comuns no que se refere aos objetos a que se aplicam e aos

métodos mais adequados à sua abordagem:

• destinam-se a revelar e/ou conceituar aspectos de objetos até então

subvalorizados pela ciência, considerados como menores (a mulher, o

senso comum);

• tomam seus temas/objetos ao mesmo tempo como processo e produto, o

que exige abordagens mais dinâmicas e flexíveis;

• em conseqüência . e considerando que o método decorre das caracter

ísticas do objeto e da teoria adotada, e busca a reunião desses dois para

Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 gerar o conhecimento .

trabalham com tais objetos/temas de formas não obrigatoriamente

canônicas, ousando metodologias criativas, nem sempre específicas

daquela área disciplinar, e nem sempre consideradas legitimamente

científicas na área.

A dimensão epistemológica abraça perspectivas do conhecer divergentes

daquelas que informavam o paradigma ainda dominante. Nesse sentido,

as teorias feministas e a TRS

• tecem uma crítica ao binarismo que antepõe natureza e cultura, razão e

emoção, objetivo e subjetivo, pensamento e ação, ciência e senso

comum.

Dessa forma, afirmam a importância das dimensões subjetiva, afetiva,

cultural na construção do saber e nas ações humanas, e a importância de

considerá-las na construção do conhecimento e no fazer científico;

• propõem teorias relacionais, em que não se pode conhecer sem

estabelecer relação entre o tema/objeto e o seu contexto. Gênero é uma

categoria relacional, na qual, ao se levar em conta os gêneros em

presença, também se consideram as relações de poder, a importância da

experiência, da subjetividade, do saber concreto. Da mesma maneira, a

TRS não separa o sujeito social e o seu saber concreto do seu contexto,

assim como a construção desse saber não pode se desvincular da

subjetividade (ARRUDA, 2002,132-133).

Percebe-se, então, que essas teorias nascem na chamada crise de paradigma e

clamam por um saber prático, vívido, que rompam, inclusive, com as velhas estruturas

hierárquicas da ciência e das sociedades contemporâneas.

Nesse interim, o conceito de gênero trazido pela teoria feminista e tão

importante na visibilidade do tratamento desigual entre homens e mulheres tem

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contribuído enormemente para as pesquisas educacionais. No entanto verificamos

resistência a uma abordagem que leve em consideração ao que já foi produzido quando,

por exemplo, não se chega às escolas o material que ficou conhecido nacionalmente

como Kit Gay.

Algumas primeiras impressões

Com a finalidade de compreender as representações de gênero dos graduandos

em Pedagogia, selecionamos alunos e alunas do 7º semestre, fase final do curso em que

o estudante realiza seu último estágio. Como o desejo era analisar as contribuições do

curso nas discussões de gênero então teríamos que selecionar os informantes da

pesquisa que estivessem na fase final do curso.

Foram realizadas entrevistas semi estruturadas no ano de 2012, com 10

estudantes. Além da entrevista, foi utilizado também um questionário a fim de

relacionar algumas informações como religião, sexo, idade, questões profissionais.

Nas entrevistas buscou-se priorizar a definição de gênero, a preparação para

tratar das questões em sala de aula que pudessem envolver conflitos de gênero, análise

do currículo oferecido pelo curso, trazendo as memórias em que o gênero fosse o foco.

Ao analisar o Projeto de Curso percebe-se a ausência de um componente que

tenha em sua ementa gênero e/ou sexualidade como foco de construção do

conhecimento. Ressalvado o caso de oferecer como componente curricular optativo

quando se tem na instituição algum professor ou professora que por sua formação tenha

interesse pelo tema.

Ao reconhecer que os processos educativos estiveram e estão preocupados em

vigiar, controlar, modelar, corrigir, construir corpos de meninos e meninas, jovens,

homens e mulheres, nota-se um silenciamento que aprova o modelo de disciplinamento

que encontramos.

Nas representações construídas sobre o gênero observa-se um distanciamento

dos fundamentos biologizantes. Contudo, a representação aparece ancorada às vezes na

religião, dando o tom de verdade absoluta. Não tomam o gênero como uma ferramenta

conceitual, política e pedagogia quando querem trazer projetos que analisem

criticamente a sociedade vigente.

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As representações atuais segundo alunos e alunas foram modificadas pela

iniciativa de uma professora que ao tratar da Antropologia pôs em discussão na turma

questões relacionadas ao gênero. Ainda assim, não evidenciam nas suas falas a relação

de gênero a um corpo sexuado. Aliás o gênero se faz num corpo.

Nota-se um pudor e resistência nas respostas dadas ao questionar se aqueles

estudantes se sentiam preparados para tratar das questões de gênero em sala de aula. Ao

que revela leituras não seriam suficientes para mudar suas representações. A ciência, a

religião, o senso comum disputariam essas representações. Entretanto, o moral ainda

orienta as ações quando abordamos o gênero.

Este estudo ainda encontra-se em andamento, tendo como próxima pauta novas

entrevistas neste ano, produzindo assim um conhecimento mais aprofundado daquelas

representações sociais.

Considerações finais

Ainda há muito o que fazer no que se refere à inclusão das contribuições do

feminismo e sobretudo das discussões de gênero nas nossas escolas. A formação

integral do sujeito como propagam as propostas atuais de educação não atingem seus

anseios. Os direitos humanos não são assegurados ao mínimo.

Nesse contexto de desigualdes e negligências, já que muitos alunos e alunas

sofrem dentro das instituições escolares violência de gênero, nós professores devemos

assumir uma nova postura. Nossa formação, desde a inicial não pode ser omissa quanto

a estes aspectos.

A esperança num mundo melhor pode nos guiar. Maior contigente de pesquisa,

de grupos de pesquisa, maior número de eventos pode gerar maiores resultados,

traduzidos em políticas públicas que possam assegur a integridade do ser humano, assim

como seu crescimento potencial.

O material deste estudo evidencia a necessidade de um componente curricular

que trate das questões de gênero, promovendo dessa maneira uma reformulação

curricular.

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Este estudo representa, por fim, mais uma tentativa entre tantas outras de

construirmos uma nova formação para os profissionais de educação levando em

consideração que a instituição escolar deve estar voltada à emancipação do sujeito.

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Referências

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Papirus, 1995.

AQUINO, Júlio Groppa(org). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práticas.

São Paulo: Summus, 1997.

ARRUDA, Ângela. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de

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